tempo e narrativa: cinema, vÍdeo e arte contemporÂnea

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TEMPO E NARRATIVA: CINEMA, VÍDEO E ARTE CONTEMPORÂNEA Marcelo Gobatto - FURG-UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE

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Artigo sobre o tempo e a narrativa e as intersecções entre cinema e arte contemporânea. Comento sobre a exposição "Sobre Tempos e Narrativas" de 2014.

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TEMPO E NARRATIVA: CINEMA, VDEO E ARTE CONTEMPORNEAMarcelo Gobatto - FURG-UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDEA compreenso sobre o tempo na culturaocidental est baseada no tempo cronolgico lgica que est indissoluvelmente ligada aalguns princpios de origem em Aristteles: oprincpio de identidade, do terceiro excludo eda no-contradio. A lgica clssica entende otempo como sucesso, durao que se sucedeemumregime de causa e efeito. O passado oque determina o presente.No entanto, os pr-socrticos admitiamemsuacosmologia outras dimenses do tempotraduzidas em diversas palavras, como ain,kairs, khronos ou ainda ethos (Mrcio TavaresdAmaral, 2003). Todas designando outradimenso do tempo - o momento oportuno, adurao (breve ou longa), o habitar (demora).TEMPO CRONOLGICOTEMPO TECNOLGICOTEMPO: O PRESENTEDe uma ponta a outra de sua obra, Deleuze insiste nacoexistncia ou na contemporaneidade de duastemporalida-des fundamentalmente heterogneas: oencadeamento cronolgico de nossos trajetos ou denossas efetuaes num presente englobante e opassado virtual ou a eternidade paradoxal (Aion) dosdevires que lhes correspondem. Bergson mostrara aque impasse leva o hbito de conceber o presente eo passado numa relao de sucesso, o passadosucedendo ao presente que ele no mais, ouprecedendo o atual como antigo presente: pois opresente s pode ser ento uma entidade estatsticaque no passa, a qual, porm imagina-mossubstituda incessantemente por outra. Convm,ento, assumir at o paradoxo a evidncia de que opresente passa: se ele passa estando ao mesmotempo presente, que o presente contemporneode seu prprio passado. (2004, p.20).o presente contemporneo de seu prprio passadoTEMPO: O PRESENTEREGIME CRISTALINO DA IMAGEM: um presente que se desdobra ao mesmo tempo em passado e futuro, numa disjuno incessante. Nas palavras de Deleuze, O que constitui a imagem-cristal a operao maisfundamental do tempo: uma vez que o passado nose constitui depois do presente que ele foi, mas aomesmo tempo, preciso que o tempo se desdobre acada instante em presente e passado, que diferemum do outro em natureza, ou, o que d no mesmo,desdobre o presente emduas direes heterogneasdas quais uma se lana para o futuro e a outra cai nopassado. preciso que o tempo se cinda em doisjatos dissimtricos, um dos quais faz passar todo opresente, e outro conserva todo o passa-do. Otempo consiste nessa ciso, ela, ele que se v nocristal. (1990, p. 108-109)Essa noo de imagem-cristal fundamenta anoo de imagem que forma o circuito atual-virtual, numdesdobramento do real emque oatual e o virtual no cessam de seintercambiar, como afirma Zourabichvili. Paraele, O desdobramento do real assim umdesdobramento do tempo (2004, p.18).A NARRATIVA fragmentada por umadissociao dos sons e imagens, e por cortesdisjuntivos entre sries de imagens, quefuncionam operando contrapontos; a narrativafragmentada pela descrio de espaos vazios,por desenquadramentos, pelos tempos mortose sem ao; uma narrativa marcada, geradapor imagens e sons autnomos, que se tornamsignos do tempo e expressam sua passagem,ancorados no tempo presente ou remetem aotrabalho da memria.FILMES EXPERIMENTAIS E PROCEDIMENTOS DISJUNTIVOS DE MONTAGEMGrifi e Baruchello (La verifica incerta, 1965)Conner (em A Movie, 1958),Mathias Muller (Home Stories, 1990), Conner (Report, 1967)Godard(Ici et ailleurs,1977) PELECHIAN Contraponto, plurivocidadeGODARD Hiato (intervalo), Descontinuidade tempo e espao/narrativaDisjunes imagem/palavraEm Ici et ailleurs temos um procedimentodisjuntivo na organizao das imagens queaparece nesse intervalo cavado entre asimagens, que ao invs de conflitos que geremconceitos, trazem um distanciamento doespectador, abrindo para um pensamento quecruze experincias, idias, discursos e formeseus significados.Godard tem o fascnio da palavra, tem o gosto pelapedagogia, nesse vis que lida com a reflexo, e coma auto-reflexo sobre a imageme o cinema.O disjuntivo tem a ver com asdescontinuidades de espao e tempo em umanarrativa. Mas traz tambm com outra lgicade pensamento, no-racional, no-causal.A disjuno ocorre pela no-ligao entre asimagens, entre imagens justapostas. Mas umafuno disjuntiva corresponde tambm ao queafirmamos em relao ao haikai e aosideogramas, em uma forma parattica deorganizar as imagens, semsubordinao.Nesse sentido, a disjuno no se situa ou no sedefine apenas pela descontinuidade que provoca oupode provocar, mas pela simultaneidade, a exemplodo que ocorre com a figura do assndeto em relao linguagem verbal, evocando uma simultaneidadede aes em uma mesma frase, aes que no sesubordinamumas as outras.H uma simultaneidade de imagens, detempos e espaos. Essa simultaneidade denotaem relao ao vdeo, essa descontinuidadenarrativa (...)Com a disjuno, com o contraponto entre as imagens, opera uma simultaneidade, uma circularidade que excede a significao. Pelechian aponta essa diferena em relao Eisenstein. Seu mtodo de montagem, tributrio de Eisenstein, ultrapassa esse modelo unvoco no trabalho da montagem. A colocao das imagens e sries de imagens em contraponto, a montagem circular-espiralada, que muda o contexto de cada imagem e muda consequentemente seus significados, busca um deslocamento de sentido, e no a preciso destes sentidos. Nesses exemplos, os mtodos disjuntivos desfazem-se da sintaxe de um cinema narrativo convencional, de sua lgica e de sua subjetivao. O intervalo que gerado entre as imagens, ou seu excesso, ultrapassa, excede o modelo de representao.MANOVICH acrediita que os filmes digitais e asnovas mdias no devam ser entendidas comoum regresso s formas e tcnicas do cinemade atraes, como entende Paulo Viveiros.Para esse autor a consequncia de tudo isto umcinema que j no privilegia a diacronia e otempo, mas a sincronia e o espao, asimultaneidade sobrepe-se sequncia, talcomo a montagem no plano se sobrepe montagem no tempo. Neste sentido, amontagem espacial surge como umaalternativa montagem temporal tradicionaldo cinema (2007, p. 45).RANCIRE: Razo das fices e razo dos fatosNo regime esttico das artes, cujo exemplo aliteratura do sculo XIX, surge uma novaficcionalidade: uma nova maneira de contarhistrias.A ordenao ficcional deixa de ser oencadeamento causal aristotlico segundo anecessidade e a verossimilhana. Torna-seuma ordenao de signos (2005, p.55)RANCIRE: RAZO DAS FICES E RAZO DOS FATOSA poltica e arte, tanto quanto os saberes, constroem fices, isto , rearranjos materiais dos signos e das imagens, das relaes entre o que se v e o que se diz, entre o que se faz e o que se pode fazer (2005, p. 59)Traam mapas do visvel, trajetrias entre o visvel e o dizvel, relaes entre modos de ser, modos do fazer e modos do dizer (idem). ApontamentosFOUCAULT:O enuncivel e o visvelDisjuno entre o ver e o falarNo Relao (Blanchot)EXPOSIOSobre tempos e narrativas na Galeria Mamute em Porto Alegre, no ms de junho de 2014EXPOSIOSobre tempos e narrativas na Galeria Mamute em Porto Alegre, no ms de junho de 2014Nesta tarde com meu pai (2012-2014)Instalao sonora, objetoe projeo de slide Nesta tarde com meu pai (2012-2014)Instalao sonora, objetoe projeo de slide Nesta tarde com meu pai (2012-2014)Instalao sonora, objetoe projeo de slide Nesta tarde com meu pai (2012-2014)Instalao sonora, objetoe projeo de slide Em outro trabalho, Relato de viagem fictcia para hoje (2014), apresento o relato sonoro de um caderno de viagem que descreve uma viagem de famlia, realizada ao Rio de Janeiro no ano de 1979, com todos os seus detalhes, e a descrio dos lugares visitados, como o Cristo Redentor e a Praia de Copacabana. Na mesma sala, em contraponto, anotaes sobre uma Viagem Buenos Aires, planejada e ainda no realizada. As nicas imagens desta sala so fotografias encontradas e projetadas em 75 slides, de outra viagem, realizada por um desconhecido no ano de 1977. Relato de viagem fictcia para hoje (2014)Instalao sonoro-visual.Projetor de slides automtico, 75 slides, som.Ensaio sobre tempos e narrativas. 2009-2014. Realizado a partir da pesquisa sobre montagem disjuntiva e a narrativa no cinema, a instalao apresenta imagens de vdeos que realizei entre 2000 e 2008 em contraponto com cenas de filmes de Ozu, Antonioni, Bresson, Dreyer, Akerman e Resnais. Trata-se de um ensaio sobre o tempo e a narrativa no cinema. O espao como signo do tempo no cinema moderno. As relaes da imagem com o pensamento e a memria: imagem cristal e imagem-tempo. Ensaio sobre tempos e narrativas. 2009-2014. Vdeo em dois canais, projeo, durao 24min.Ensaio sobre tempos e narrativas. 2009-2014. Vdeo em dois canais, projeo, durao 24min.Experimento Corpo III. 2014. Experimento Corpo III. 2014. Marcelo Gobatto e Luciana Mena Barreto. Vdeo mono-canal, projeoSobre tempo. 2014. Srie de narrativas e relatos que abordam o tempo.Sobre tempo. 2014. Interveno sonora em variados dispositivos.https://soundcloud.com/marcelo-gobatto/sets/sobre-tempos-e-narrativasCONVITE DA EXPOSIO