templo de hedonismo para uns, cárcere para outros- a gestão do tempo dos trabalhadores de centros...

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  • 8/6/2019 Templo de hedonismo para uns, Crcere para outros- A gesto do tempo dos trabalhadores de centros comerciais

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    ndice

    Agradecimentos ................................ ................................ ................................ ............. 4

    Introduo ................................ ................................ ................................ ...................... 51.Problemtica ................................ ................................ ................................ ............... 8

    1.1 Descrio do conceito de Shopping................................ ................................ ...... 8

    1.2.Tempo e espao................................ ................................ ................................ .. 10

    2.2.O tempo de trabalho e o tempo de no-trabalho ................................ ................ 13

    2.3.Tempo ocupado, tempo livre e tempo de lazer ................................ ................... 16

    2.4.Conciliao da vida profissional com a vida pessoal/familiar ............................... 17

    2.5.Questes de gnero e o papel social da mulher ................................ .................. 19

    2.6. A relao entre as habilitaes literrias e a herana cultural e as influencias nospercursos profissionais ................................ ................................ ............................. 22

    2.7.Modelo de anlise ................................ ................................ .............................. 24

    3.Metodologia ................................ ................................ ................................ .............. 25

    3.1.Descrio do espao de anlise ................................ ................................ ........... 26

    3.2. Definio da amostra ................................ ................................ ......................... 27

    3.3. Caracterizao dos entrevistados ................................ ................................ ....... 28

    3.4.Breve descrio dos entrevistados ................................ ................................ ........... 30

    3.5.Caracterizao da situao profissional dos indivduos ............. ............. ...... ............ 32

    3.6. A estruturao da entrevista ................................ ................................ .............. 32

    3.7.Obstculos encontrados ................................ ................................ ..................... 34

    4.Anlise de dados................................ ................................ ................................ ........ 35

    4.1.Conciliao da vida profissional com a vida familiar ................................ ............ 35

    4.1.1.Tempo de trabalho ................................ ................................ ...................... 43

    4.1.2.Os horrios atpicos e o trabalho ao fim de semana ................................ ..... 45

    4.1.3.Tempo de no trabalho e de lazer ................................ ................................ 46

    4.2.Nvel de satisfao no trabalho ................................ ................................ ........... 49

    4.3.Percursos profissionais e expectativas futuras ................................ .................... 55

    3.4.Tipologias de trabalhadores ................................ ................................ ................ 65

    Concluso ................................ ................................ ................................ .................... 70

    Referncias bibliogrficas ................................ ................................ ............................ 78

    ANEXOS................................ ................................ ................................ ..................... 84

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    Operacionalizao dos conceitos 1................................ ................................ ................ 88

    Operacionalizao dos conceitos 2................................ ................................ ................ 89

    Guio de entrevista ................................ ................................ ................................ ....... 90

    Grelha de anlise de contedo ................................ ................................ ...................... 95

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    Agradecimentos

    Um trabalho de investigao algo que exige uma elevada concentrao e

    uma grande fora de vontade. No inicio existe a sensao que estamos perdidos ede seguida sente-se o tempo a escassear, Para alm de ser um trabalho individual,

    existe sempre o contributo de outros elementos indispensveis e merecedores da

    nossa gratido.

    Quero agradecer em primeiro lugar, minha orientadora Dra. Emlia

    Arajo, que foi a pessoa que mais me fez acreditar em mim e nas minhas

    capacidades. Sou inteiramente grata pela partilha da sua imensa sabedoria e

    experiencia em investigao, sem dvida que aprendi bastante. Agradeo todas as

    suas palavras de fora, nos momentos em que me senti mais desanimada, maiscansada. Ao longo deste trabalho mostrou-se sempre disponvel e com sugestes.

    Quero agradecer a todos os entrevistados, que gentilmente cederam o seu

    tempo e prestaram o seu depoimento. Sem estas pessoas este trabalho no teria

    sido possvel. Quero tambm agradecer secretria de administrao do centro

    comercial em estudo que prestou esclarecimentos sobre as questes logsticas do

    centro.

    Por ltimo, quero agradecer minha me que teve a pacincia de me ver

    sempre colada a este computador durante meses e sempre me apoio. minha tia

    que mesmo a 365km de distancia nunca deixou de me dar palavras de incentivo e

    conforto. Agradeo tambm aos meus verdadeiros amigos dos quais me afastei de

    h uns meses para c, e mesmo assim compreendem as razes e continuam a

    torcer por mim.

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    Introduo

    O acto de fazer compras transformou-se numa actividade bastante

    importante nas sociedades actuais. Um dos marcos que transformou a histria do

    comrcio e do consumo foi o aparecimento das grandes superfcies comerciais.

    Trata-se de espaos planeados ao pormenor, para, no mesmo local, concentrarem

    todos os servios necessrios ao consumidor. Funcionam, tambm, como local de

    lazer, cultura, convivialidade e entretenimento. Independentemente da dimenso

    ou do lugar onde se localizam, estes espaos so considerados as catedrais dos

    novos tempos modernos (Cachinho, 2000).

    O facto de os Shoppings Center constiturem um fenmeno relativamente

    recente e pouco abordado no nosso pas, constituiu o motivo fundamental para a

    escolha deste objecto de estudo. Podemos considerar este tipo de espao como um

    dos efeitos da modernidade que se tornou possvel graas ao aparecimento de

    inovaes tecnolgicas, como o aparecimento da luz artificial que possibilita que

    estes espaos se mantenham abertos durante a noite. Os espaos dos centros

    comerciais podem ser considerados como catedrais de hedonismo e

    convivialidade. Podemos caracteriz-los como um pequeno mundo, em que nos

    abstramos da rotina do dia-a-dia, e nos dedicamos a ns prprios. Este tipo de

    empreendimentos, para alm de contriburem para o lazer da populao,

    relevante pelo facto de serem tambm locais onde podem ser observadas relaes

    sociais.

    Os centros comerciais, bem como o trabalho no sector dos servios, como

    o comrcio, no tm sido alvos de reflexo por parte dos socilogos no nosso pas.

    Existem apenas alguns estudos sobre centros comerciais das zonas metropolitanas

    do Porto e Lisboa, embora no direccionadas para o mbito da sociologia. Uma

    investigadora que teve um grande contributo no estudo dos aspectos relacionados

    com estes espaos, e mais especificamente com o contexto laboral, Sofia

    Alexandra Cruz. Esta sociloga realizou alguns trabalhos no sentido de retratar os

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    principais traos identitrios dos trabalhadores de superfcies comerciais, dando

    nfase precariedade laboral e s experincias vividas.

    Os Shoppings Centers podem ser considerados como um marco

    inovador no comrcio a retalho. Torna-se particularmente importante dar relevo

    aos trabalhadores destes locais, pois so eles que do tudo de si para tornar

    possvel a grandiosidade deste local. Este tipo de empreendimento comporta

    horrios bastante alargados, para permitir uma maior oferta e comodidade ao

    cliente, da obrigando os que trabalham neste espao a um modelo de vida

    assncrono. Os horrios nocturnos, fins-de-semana, feriados e turnos rotativos

    tornaram-se a realidade destes indivduos. Por isso, importante identificar que

    estratgias utilizam para gerir o tempo atpico no quotidiano. certo que todos os

    indivduos que trabalham em horrios ditos normais efectuam um grande esforono sentido de conciliar a vida pessoal com a vida profissional. Mas, e um

    indivduo que trabalha num Shopping? Trabalhando noites, fins-de-semana,

    feriados, como organiza a sua vida? Que tempo tem para dedicar aos seus entes

    mais prximos? Se, enquanto todos se divertem no Shopping, ele tem de

    trabalhar, sentir-se- satisfeito? Ser que a sua remunerao compensa os

    sacrifcios que faz? Quem so estes indivduos? O que esperam para o seu o seu

    futuro? Estas so algumas questes que surgiram ao longo deste trabalho.Assim,

    o presente trabalho de investigao centrado na vida dos trabalhadores decentros comerciais, focando sobretudo a atipicidade dos horrios e a gesto do

    tempo destes indivduos. Inerente gesto do tempo, encontra-se tambm a

    conciliao da esfera profissional com a familiar. das dimenses fulcrais neste

    trabalho, pois implica compreender de que forma os indivduos trabalhadores de

    Shopping gerem a atipicidade do tempo e do espao a que esto sujeitos no seu

    quotidiano.

    Considerou-se necessrio conhecer um pouco mais acerca da vida destes

    trabalhadores, para que fosse possvel analisar mais profundamente. Deste modo,foram explorados aspectos como os contextos socioeconmicos, os percursos

    profissionais e as respectivas expectativas futuras, condies de trabalho e nvel

    de satisfao com o mesmo, passando tambm pelas implicaes na sade.

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    O presente trabalho de investigao realizou-se num Shopping Center na

    cidade de Guimares. Foram realizadas 21 entrevistas a trabalhadores deste local,

    19 mulheres e 2 homens, sendo que desse total de mulheres 4 so casadas, 5

    vivem em unio de facto, 8 so solteiras e 2 so divorciadas. Em relao aos

    homens, foram apenas entrevistados 2: 1 casado e 1 solteiro, para evidenciar a

    questo das diferenas de gnero, que se consideram importantes, visto que uma

    profisso essencialmente dominada pelas mulheres.

    Aps a realizao das entrevistas, foi elaborada uma anlise de contedo

    aos depoimentos dos entrevistados, possibilitando conhecer os contextos laborais

    e sociais onde se inserem, bem como outros aspectos essenciais, com vista a

    concluir os objectivos a que me propus.

    Fazendo uma breve apresentao deste trabalho, podemos ento dividi-loem trs captulos: o primeiro captulo relativo problemtica, contendo um

    pequeno enquadramento terico, onde so apresentados os conceitos e as

    dimenses fundamentais desta investigao: em primeiro lugar, feita a

    abordagem do conceito de centro comercial, procedendo-se a um enquadramento

    histrico sobre o seu surgimento e evoluo, bem como as suas definies. De

    seguida, so apresentados os conceitos de tempo e de espao. Ao falar-se em

    tempo torna-se necessrio fazer a diviso do mesmo em tempo de trabalho e

    tempo de no-trabalho, onde so descritos os tipos de tempo e de lazer. Neste ponto, tambm referida a rotina e a relao do tempo com a produtividade,

    dando o exemplo da diviso do trabalho. Outro dos pontos referidos a

    importncia da conciliao da vida familiar e profissional e considerando sempre

    as diferenas de gnero, finalmente outra dimenso importante ser abordar a

    importncia da herana cultural e relacionar com os percursos profissionais.

    No segundo captulo descrita a metodologia utilizada. O mtodo

    escolhido foi o indutivo e a tcnica utilizada a da entrevista semi-estruturada.

    Desse captulo consta uma caracterizao da amostra, bem como a explicao detodos os passos realizados para a concepo desta investigao, no descurando os

    obstculos encontrados.

    No terceiro captulo, feita a anlise dos resultados das entrevistas. Esta

    anlise foi tambm dividida trs dimenses, que se consideram as mais

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    importantes deste trabalho: em primeiro lugar, a conciliao da vida familiar com

    a profissional, onde o tema dos horrios fortemente abordado; em segundo

    lugar, o nvel de satisfao no trabalho, que implica as condies de trabalho

    subjacentes e em terceiro lugar, outra dimenso fulcral, que ser a dos percursos

    profissionais e expectativas futuras, onde um dos temas mais fortemente

    abordados ser a relao da profisso com as habilitaes literrias.

    Aps a anlise das dimenses encontradas nas entrevistas, so

    apresentadas a descrio e explicao das tipologias encontradas. A concluir o

    trabalho, so apresentadas as concluses obtidas, onde so relembrados os

    objectivos que conduziram esta investigao, deixando inclusivamente algumas

    sugestes de aspectos que poderiam ser melhorados, no mbito nesta profisso.

    1.Problemtica

    Este trabalho incide sobre a organizao do tempo e do espao atpico a

    que esto sujeitos os trabalhadores de centros comerciais. Neste sentido

    importante para compreender esta problemtica determinar os conceitos

    fundamentais e so eles: compreender antes de mais o que so centros comerciais,

    os conceitos de tempo e de espao, o conceito de famlia e a conciliao com a

    profisso, a questo das diferenas de gnero e finalmente a herana cultural.

    1.1 Descrio do conceito de Shopping

    O termo centro comercial comeou por ser usado para descrever as ruas e

    zonas urbanas onde se concentravam grande nmero de estabelecimentos

    dedicados ao comrcio. A expresso centro comercial uma traduo de um

    termo que surgiu nos Estados Unidos Shopping Center (Cachinho, 2000).

    Cachinho num estudo sobre centros comerciais em Portugal, publicado no

    Observatrio do Comrcio, descreve assim este conceito: Empreendimentos

    comerciais planeados, constitudos por um conjunto diversificado de lojas de

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    venda a retalho e servios, localizados num ou mais edifcios contguos,

    promovidos pela iniciativa privada ou pblica e associados s novas formas de

    urbanismo comercial (Cachinho, 2000:8).

    Os centros comerciais distinguem-se dos centros de comrcio

    tradicional do ponto de vista gentico, fisionmico, cartogrfico e funcional. Do

    ponto de vista gentico, pois so concentraes de estabelecimentos concebidos

    enquanto uma unidade. Do ponto de vista fisionmico, porque todos os

    estabelecimentos tm traos uniformes de imagem que diferem do comrcio

    tradicional e topolgico porque enquanto o comrcio de rua se encontra no rs-do-

    cho e se alinha ao longo de uma rua ou avenida. Nos centros comerciais as lojas

    so instaladas em edifcios construdos para o efeito. Do ponto de vista funcional,

    os centros comerciais tm a vantagem de, no mesmo local, ofereceram umagrande variedade de servios, alm das facilidades de estacionamento (Cachinho,

    2000).

    Nesta linha de pensamento, consideramos que a maior vantagem dos

    Shoppings realmente o facto de neles podermos usufruir de um grande nmero

    de servios, ou seja, podemos encontrar lojas de vesturio, bijutarias, sapatarias,

    lingerie, ourivesarias, lojas de malas de viagens, livraria, lojas de

    electrodomsticos, de desporto, de brinquedos, para alm da oferta de servios

    como um sapateiro, lavandaria, florista, servios de costura, agncia de viagens,cabeleireiro, farmcia, hipermercado, quiosque, loja de animais, salas de cinema,

    para alm de uma grande variedade de restaurantes e at um local onde os pais

    podem deixar os seus filhos enquanto fazem as suas compras comodamente.

    Existem tambm alguns centros que dispem de ginsios e parques de diverses

    no seu interior. Resumindo, no Shopping podemos encontrar e fazer de tudo,

    desde comprar um cordo at marcar uma grande viagem, comprar um

    medicamento para um filho doente, deixar a roupa na lavandaria enquanto se

    arranja o cabelo ou as unhas, ou fazer um programa recreativo, como jantar emfamlia e terminar numa sesso de cinema.

    Contextualizando historicamente o conceito de centro comercial, alguns

    autores defendem que nasceram na Europa, enquanto outros atribuem a sua

    origem aos Estados Unidos. No entanto, provavelmente, ser uma criao norte

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    americana, que se expande especialmente a partir dos anos cinquenta, e comea a

    evidenciar-se na Europa, na dcada seguinte. Depois da segunda guerra mundial, a

    Europa ficou bastante destruda, vivendo uma fase de reconstruo que no

    favorecia o investimento na venda a retalho. Nesta fase, a prioridade foi

    reconstruir as fontes produtivas, criar emprego, resolver problemas das famlias

    desalojadas e reabilitar sectores da cidade afectados pelos bombardeamentos. Face

    conjuntura econmica, o mercado consumidor ficou em graves dificuldades de

    desenvolvimento, e uma vez que a populao no tinha poder de compra, seria

    difcil os centros comerciais atingirem sucesso.

    Os Estados Unidos foram pouco afectados pela guerra, quer em danos

    fsicos ou econmicos. O aumento do consumismo, que atingiu este pas,

    propiciou ento o sucesso destes empreendimentos. (Cachinho, 2000)Embora os centros comerciais, da forma como os conhecemos hoje em dia,

    tenha sido difundida nos Estados Unidos, a ideia de concentrar no mesmo espao

    o conjunto diversificado de estabelecimentos vem do sculo passado. Exemplos

    vivos disso so as galerias Vittorio Emanuelle em Milo , a Royal Opera Arcade

    de Pall Mall em Londres ou as galerias Vivieenne em Paris. Podemos ento

    afirmar que, apesar de o conceito de centro comercial se ter expandido nos

    Estados Unidos, nas arcadas e antigas galerias comerciais europeias do sculo

    passado que remontam as suas origens (Cachinho, 2000).Em Portugal, os centros comerciais surgem um pouco mais tarde do que

    no resto da Europa devido instabilidade social, econmica e politica. O baixo

    poder de compra das famlias e a pouca abertura do pas a alargar horizontes para

    o exterior, por influncia da ditadura, conduziram a que o surgimento destas

    superfcies s se desse no nosso pas nos anos oitenta. Aps o perodo conturbado

    da revoluo do 25 de Abril, a economia tornou-se mais estvel, o que

    proporcionou o desenvolvimento do comrcio retalhista e um aumento do

    consumo (Cachinho, 2000).

    1.2.Tempo e espao

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    A noo de tempo e de espao fulcral no mbito deste trabalho, pois

    o tempo revela-se objecto de apropriaes contextualizadas de prticas,

    trajectrias, representaes individuais e colectivas (Cruz, 2003:75).

    O espao e tempo so dois eixos responsveis pela estruturao das

    identidades individuais e colectivas, ou seja, cada indivduo existe num

    determinado espao e num determinado tempo, e a sua funo conceb-lo e

    administr-lo. (Arajo, 2007)

    Podemos associar o incio da era moderna a vrios factores. Mas, sem

    dvida, um dos que marca o ponto de viragem a emancipao do tempo sobre o

    espao, pois o tempo, ao contrrio do espao, pode ser mais facilmente

    manipulado e modificado (Bauman, 2000).

    Na era pr-moderna, o tempo e o espao estavam ligados pelo lugar.Algumas invenes, como o relgio e o calendrio, proporcionaram um dos

    marcos mais importantes que separou o tempo do espao. Este tipo de utenslios

    de medio do tempo provocaram mudanas estruturais na vida quotidiana,

    mudanas essas universais (Giddens, 1997). O tempo moderno o tempo

    mecnico, ou seja, medido pelo relgio e separado dos ritmos circassianos. No

    mundo moderno no s o ritmo da mudana social muito mais rpido, como

    tambm o o seu mbito ou a profundidade com que afecta as prticas sociais e

    os modos de comportamento preexistentes (Giddens, 1997:14). Com estaafirmao, Giddens procura referir-se s mudanas inerentes que a modernidade

    provocou nos estilos de vida da populao em geral, a industrializao, a mudana

    nos espaos de consumo, inovaes tecnolgicas e o surgimento do emprego

    atpico.

    O tempo uma realidade complexa e susceptvel de mutaes.

    portanto um conjunto de conceitos, fenmenos e ritmos. Podemos considerar

    existirem vrios tipos de tempo, por exemplo, o tempo biolgico e o tempo do

    relgio. Entre estes dois tipos de tempo usualmente encontramos os maioresconflitos. Um exemplo disso quando efectuamos uma viagem para outro pas,

    onde o fuso horrio diferente, pois os nossos ritmos biolgicos alteram-se

    completamente (Hall, 1996). Se quisermos dar um exemplo que se adapte a esta

    investigao, podemos referir o facto de grande parte dos indivduos que

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    trabalham em centros comerciais no terem a possibilidades de fazer as refeies

    em horrios regulares. Segundo informaes facultadas pelos lojistas, os horrios

    permitidos por lei so: das 10h s 19h, sendo que neste caso o horrio de intervalo

    das 14h s 15h; para quem trabalha o turno da noite, o horrio estipulado das

    13h s 22h, sendo o intervalo entre as 18h e as 19h- Se bem que nem todos

    cumpram este horrio, porque ainda existem muitas lojas onde o funcionrio

    privado do seu momento de pausa. Alguns comem na loja e, caso surjam clientes,

    param a refeio, e o mais provvel comer a comida fria ou ser obrigado a dar

    por terminada a refeio. Muitas das lojas viram-se obrigadas a alterar os horrios

    para o exigido por lei, em resultado de fiscalizaes da Autoridade para as

    Condies do Trabalho. Os horrios praticados impendem o indivduo de fazer as

    refeies a horas certas, o que origina o conflito de sistemas de tempo.Segundo Einstein, referido por Edward Hall, o tempo aquilo que o

    relgio nos indica, e esse relgio pode ser qualquer coisa, desde um cronmetro,

    um calendrio, um programa de produo e at mesmo um estmago pelo meio-

    dia. Isto significa que o nosso organismo tem mecanismos internos que nos

    permitem medir o tempo, e pedir que necessidades como comer, dormir e acasalar

    sejam satisfeitas (Hall, 1996).

    Os relgios foram uma inveno da Europa no sculo XIV. Mas, s as

    famlias com maior poder financeiro os possuam. A sua difuso em mercados emaior acesso maioria dos cidados ocorreu s no sculo XVI.

    Na Idade Mdia, o tempo era medido em unidades religiosas: atravs dos

    sinos das igrejas marcavam-se os tempos de comer, de trabalhar e at de rezar. No

    entanto, com a inveno do relgio mecnico, foi possvel saber as horas com

    preciso, quer se estivesse perto de uma igreja ou no e assim o tempo deixa de

    depender do espao (Sennett, 2000). atravs do relgio que temos uma maior

    noo de que o tempo passa, foge ou se arrasta. Por vezes, os relgios no esto

    em sincronia, isto , o relgio interno com o externo. Isto significa, segundoEdward Hall (1996), que quando estamos ocupados e satisfeito o tempo passa

    depressa ou no nos apercebemos de ele passar. Em contrapartida, quando

    estamos aborrecidos, contamos os minutos e esses mesmos minutos parecem uma

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    eternidade. Este autor refere tambm que o facto desse aborrecimento do tempo

    parece que no passa poder conduzir a estados depressivos.

    Nesta investigao os tipos de tempo que so mais importantes so o

    tempo a que chamamos de tempo de trabalho e o tempo de no-trabalho, e a

    interaco deles resultantes.

    2.2.O tempo de trabalho e o tempo de no -trabalho

    Segundo uma perspectiva histrico-dialctica, o trabalho fonte de toda a

    riqueza, no s material, mas tambm um dos motivos de realizao de um

    indivduo, integrando a sua identidade pessoal. (Oliveira, 2004)

    Com a emergncia das sociedades industriais a estandardizao do tempo,

    a sua mensurabilidade em horas minutos e segundos e o consequente

    assalariamento de muitos trabalhadores, separam o tempo de trabalho do tempo de

    no-trabalho (Cruz, 2003: 77).

    Nas sociedades modernas, o tempo traduz-se em intervalos de almoo,

    feriados, fins-de-semana e frias, licenas (Oliveira, 2004). Mas, para atingir estes

    direitos, no passado grandes lutas se travaram entre o assalariado e o capitalista.

    Ao ser institucionalizado o tempo de trabalho tambm institucionalizado

    o tempo de no-trabalho. Este no mais do que o tempo no qual o trabalhador

    estaria disponvel para outras actividades que no o trabalho. deste modo que se

    traduzem as organizaes sociais da era moderna, na qual o trabalho a principal

    referncia de tempo usada pelo individuo na ordenao da sua vida, isto , tudo

    gira em volta do trabalho e dos intervalos de tempo entre o exerccio do mesmo

    (Oliveira, 2004). No seguimento desta linha de pensamento, E.P. Thompson,

    referido por Cruz, postula que as sociedades industriais apresentam um tempo

    estruturado pelas relaes sociais, fundado numa economia de tempo e naimportante separao do tempo de trabalho dos demais tempos sociais. Assim, o

    tempo de uns no ser o mesmo que o de outros (Cruz, 2003).

    Ao falarmos de tempo de trabalho e de no-trabalho, podemos associar

    facilmente a palavra rotina. Sennett diz-nos que a sociedade moderna est

    revoltada contra a rotina, o tempo burocrtico que pode paralisar o trabalho ou o

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    governo ou outras instituies. (Sennett, 2000:51). Nas sociedades modernas, os

    indivduos queixam-se da rotina, de ter de se levantar todos os dias mesma hora,

    fazer diariamente o mesmo trabalho, ir buscar filhos escola, fazer o jantar, fazer

    os preparativos para o dia seguinte. nossa convico conceptual que o tempo

    dos indivduos trabalhadores est sujeito a este modo de vida, o que pode suscitar

    uma necessidade de quebrar essa mesma rotina, compreensvel pois vivemos

    numa poca onde o fenmeno do lazer cada vez mais seduz os consumidores

    (Oliveira, 2004). Podemos referir que Marx defendeu na sua obra o Capital

    (1973) e tambm referido por Borges (2004), que o trabalho encarado como

    causador de sofrimento e desprazer pois baseia-se na explorao do tempo de

    trabalho do trabalhador. Marx refere que o tempo que o operrio trabalha, o

    tempo durante o qual o capitalista consome a fora de trabalho que comprou. Se oassalariado consumir para si prprio o tempo que tem disponvel estar a roubar o

    capitalista. (Marx, 1973). Alis, o homem, nesta perspectiva Marxista, apenas

    fora de trabalho e, por isso, todo o seu tempo disponvel , por direito, tempo de

    trabalho que pertence ao capital e capitalizao (Marx, 1973). mediante o

    tempo dedicado ao trabalho que se organizam as restantes esferas da vida, pois

    atravs do trabalho que se garante a subsistncia. O trabalho deixa, assim de valer

    por si mesmo e passa a valer pelo salrio que permite auferir (Cruz, 2003). Marx

    refere que para os capitalistas o tempo dedicados instruo, ao desenvolvimentointelectual, realizao de funes sociais, familiares e de amizade, uma mera

    patetice, ou seja, no importante. O importante trabalhar o mais possvel e

    aumentar a produo para satisfazer o desejo do capitalista ao qual chega a

    comparar com um vampiro sanguinrio que s se anima quanto mais sangue

    chupar esta uma ideia bastante forte que pretende demonstrar a superioridade

    do trabalho. Mas este tempo explorado considerado por Marx como roubado

    pois poderia ser aproveitado a desfrutar da luz do sol e a respirar ar livre. At o

    tempo das refeies contabilizado ao minuto e, por vezes incorporado noprocesso de produo e at o tempo de sono reduzido ao mnimo (Marx, 1973).

    Com o surgimento do capitalismo industrial, tal como j aludimos, no

    era to evidente que a rotina fosse um mal. Contudo, no sculo XVIII, comea a

    compreender-se que o trabalho rotineiro, para alm de ter um aspecto positivo e

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    para o lazer. Tal como Marx e Smith referem, o Homem vale como instrumento

    de trabalho (Marx, 1973). Por isso, o principal objectivo produzir o mximo

    possvel, sendo neste caso concreto o essencial o volume de vendas. Enquanto nas

    linhas de produo do passado a criatura estpida e ignorante de Smith se

    tornava ignorante por realizar horas e horas seguidas a mesma tarefa, sem

    acrescentar nada de novo sua histria pessoal e tornando-se assim depressiva e

    consequentemente diminuindo a sua produtividade (Sennett, 2000), podemos

    assumir que os trabalhadores do Shopping experimentavam estes sentimentos,

    embora por motivos diferentes: tm bastantes horas mortas, passam muitas horas

    sozinhos e a rotina elevada. Esta actividade, s em raros casos permite uma

    ascenso profissional, no acrescentando nada de novo histria pessoal. Tal

    como se afirmou antes, no passado sculo XVIII, com a Revoluo Industrial, ohorrio de trabalho era mais alargado. Era comum a existncia de cargas horrias

    de 12,14 e 16 horas por dia e vrias lutas se travaram em busca da diminuio do

    horrio de trabalho. No entanto, podemos assumir que existem vrias

    semelhanas, pois de facto tambm no Shopping existe uma inequvoca

    dependncia do tempo de vida face ao tempo de trabalho.

    2.3.Tempo ocupado, tempo livre e tempo de lazer

    No perodo ps-anos 70 constatou-se uma alterao de valores, sobretudo

    no que diz respeito crescente valorizao dos tempos familiares e dos tempos

    individuais, ou seja, acredita-se que o tempo de trabalho perde a sua centralidade,

    face a um aumento do valor do tempo livre e do tempo de lazer (Arajo, 2007).

    Arajo, na sua obra Introduo Sociologia dos Estilos de Vida, refere alguns

    autores como Rojek, Dumazedier e Rifkin os quais postulam que os indivduos

    estariam cada vez mais dispostos a trocar tempo de trabalho por mais tempo livre

    (Arajo, 2007:34). Ora, claro est que isso no ser assim to linear, pois as

    condies econmicas so algo importante nesta escolha de tempo livre e tempo

    de trabalho.Com efeito, aqueles que detm maior poder financeiro tm a

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    capacidade de guardar para si mais tempo de lazer e mais tempo livre do que

    aqueles mais carenciados economicamente (Arajo, 2007).

    O tempo pode ser dividido em tempo ocupado e em tempo livre, sendo

    que, este ltimo pode ainda ser subdividido em tempo de lazer. O tempo de lazer

    pode ser considerado em relao ao tempo livre como dono de uma maior

    autonomia. no tempo livre que inclumos sobretudo as nossas rotinas

    fisiolgicas, os cuidados com a casa e a famlia e o trabalho desenvolvido para si

    mesmo ou para os que o rodeiam. J o tempo de lazer relacionado com tudo

    aquilo que feito para romper com a rotina (Arajo, 2007). Segundo Dumazedier,

    referido por Arajo (Arajo, 2007:36), h trs definies de lazer: a primeira diz-

    nos ser possvel existir lazer em todas as actividades. Refere os exemplos de

    estudar, trabalhar e ouvir msica ao mesmo tempo. No Shopping, podemos dar oexemplo dos funcionrios que enquanto trabalham, navegam na Internet ou tm

    conversas pessoais com as colegas de trabalho e at mesmo lem livros e revistas.

    A segunda definio mostra o lazer no sentido oposto do trabalho profissional.

    Neste caso, o lazer diz respeito a todas as actividades que no estejam

    relacionadas com o trabalho. Para este mesmo autor, o lazer dotado de trs

    funes: o repouso, o divertimento e o desenvolvimento da personalidade. Alis,

    Num primeiro tempo, o repouso liberta-nos da fadiga que acumulamos durante

    um dia (Arajo, 2007:36).

    2.4.Conciliao da vida profissional com a vida

    pessoal/familiar

    Tal como percebemos, o trabalho e famlia constituem-se como

    componentes da vida. Saber como conciliar estas duas esferas torna-sefundamental numa sociedade onde todos se esforam para ser realmente bons, e

    para ser verdadeiramente bom necessrio que todos os papis sociais

    desempenhados no quotidiano sejam executados no seu devido tempo. Com

    efeito, isso algo que exige estratgias de conciliao para gerir o tempo da

    melhor forma. Apesar do nmero de horas semanais na Europa ter vindo a

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    diminuir, para muitos, o equilbrio entre trabalho e vida familiar constitui um

    grande dilema. O aumento da esperana de vida, que origina um aumento de

    idosos dependentes necessitados de cuidados, a diminuio da taxa de natalidade e

    consequentemente uma diminuio do agregado familiar so factores que fazem

    com que as redes de solidariedade primrias se tornem menores dificultando a

    entreajuda (Guerreiro te Al., 2006). O surgimento de novas formas familiares,

    como o divrcio ou os nascimentos fora do casamento, so outras das

    consequncias da modernidade e que dificultam tambm a conciliao entre a

    esfera familiar e profissional (Guerreiro te al, 2006).

    O trabalho est no centro da satisfao das necessidades essenciais e ocupa

    mais de metade do tempo de cada indivduo, podendo ser uma fonte de realizao

    pessoal e de alegria ou, pelo contrrio, de tenso e stress (Oliveira, 2006). ARevoluo Industrial criou um novo conceito de trabalho, alterando a sua natureza

    e organizao. O crescimento tecnolgico conduziu a um aumento excessivo do

    ritmo de trabalho provocado pela presso do tempo, que advm da elevada

    competitividade no mercado de trabalho, resultado no s das inovaes

    tecnolgicas, mas tambm de alteraes nos padres de vida da populao em

    geral. Com efeito, esta evoluo conduziu ao aparecimento de novos servios

    como Shoppings, portagens, linhas de atendimento 24 horas, estaes de servio e

    empresas que, com o objectivo de aumentar a produo, trabalham 24 horas.Surgem assim, no s novas profisses, mas tambm novos formatos de horrios,

    os quais podemos considerar atpicos. Neste sentido, devido ao aumento

    substancial da oferta de emprego com esta atipicidade de horrios, surgem novas

    exigncias no que toca articulao do tempo para as suas necessidades

    familiares, pessoais e profissionais. Pressupomos que os indivduos que trabalham

    por turnos ou em horrios alternados sentem mais dificuldades em conciliar a vida

    profissional com os compromissos familiares. Por conseguinte, uma vez que a

    conceptualizao de tempo primordial na nossa investigao, torna-seimportante abordar o tema dos horrios de trabalho regulares e irregulares,

    nocturnos e diurnos, pois atravs do horrio de trabalho que se organiza todo o

    quotidiano. O aspecto que nos interessa realar ao formular esta assuno diz

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    respeito s consequncias produzidas na vida familiar, isto , forma como os

    indivduos organizam a vida domstica e as relaes conjugais e parentais.

    2.5.Questes de gnero e o papel social da mulher

    Todos os indivduos dentro de uma sociedade so actores sociais e

    desempenham um papel, ao qual chamamos papel social. Os papis

    desempenhados dentro da famlia so denominados de papis familiares, sendo

    estes definidos atravs das seguintes caractersticas: sexo, idade e grau de

    parentesco (Amaro, 2006). De entre os papis familiares, tm-se destacado os

    papis conjugais relacionados com a diviso sexual do trabalho, tendo os homens

    e as mulheres tarefas diferentes dentro do seio da famlia. As principais diferenas

    nos papis femininos e masculinos esto directamente ligadas com aspectos de

    natureza cultural, pois ambos tm a capacidade de realizar todas as tarefas

    (Amaro, 2006). Porm, os homens esto tendencialmente mais ligados ao espao

    pblico. Geralmente no desempenham tarefas no espao domstico de cariz

    rotineiro, nem de carcter dirio. J s mulheres, cabem tarefas mais rotineiras,

    como cuidar da casa. Estas actividades, em virtude do seu carcter dirio, ocupam

    muito tempo. Alm disso, devido necessidade de aumentar os seus rendimentos

    e sua realizao pessoal, muitas mulheres trabalham fora de casa, resultando

    assim numa grande sobrecarga. (Silva, 2001)

    Ao observarmos os resultados obtidos pelo Inqurito ocupao do tempo do

    I NE sobre a diviso das tarefas domsticas, constatamos que a mulher que se

    encarrega da maioria do trabalho domstico.

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    As mulheres esto mais condicionadas na organizao e gesto do tempo,

    comparativamente com os homens, uma vez que tm a maior parte das tarefas que um

    agregado familiar necessita. Devemos perceber que, nas sociedades ocidentais, a

    mulher estereotipada como me, esposa e dona de casa. A sua identidade sempre

    vista como a cuidadora. Neste seguimento, podemos referir que Freud e Parsons,

    defendiam que mulher compete cuidar da famlia, realizar as tarefas domsticas e

    manter o clima afectivo integrador dos seus membros. Ao homem, por seu turno,

    compete sair do lar para ganhar o sustento, e assim estabelecer a ligao da famlia

    com a sociedade exterior, sociedade que ele representa no seio da famlia atravs do

    exerccio da autoridade racional (oposta ao papel afectivo da me) (Silva, 2001).

    Durante vrias dcadas, devido a toda uma corrente histrica subordinada

    a determinismos conservadores, a sociedade portuguesa incutiu certos princpios,valores, prticas e representaes nos seus indivduos, que se registaram como uns

    dos principais entraves ao desenvolvimento e progresso do pas. Contudo,

    possvel traar um ponto de viragem nesta matria, recorrendo ao que

    considerado o maior e mais importante marco histrico da sociedade portuguesa

    o 25 de Abril de 1974 ao qual se seguiu, em 1976, a aprovao da Constituio

    da Repblica Portuguesa, em que a igualdade entre homem e mulher foi

    oficialmente estabelecida no seio do casal, anulando-se o, at ento, modelo

    vigente (em que o homem se apresentava como o chefe de famlia, responsvel pelo sustento dos membros do ncleo familiar, e a mulher, tal como os filhos,

    subordinada autoridade masculina, qual cabia as responsabilidade da esfera

    domstica). Neste modelo, quer o homem, quer a mulher, eram agora pensados

    como indivduos que, no respeito pela sua liberdade, se queriam igualmente

    activos, autnomos, contribuintes e interessados em ter e cuidar dos seus

    descendentes.

    Em Portugal, o fenmeno da entrada das mulheres na esfera profissional

    aconteceu num perodo mais tardio, quando comparado ao de outros pasesindustrializados. Todavia, as vrias transformaes ocorridas no aconteceram de

    forma linear: se em pases de crescente modernidade, as elevadas taxas de

    actividade feminina acompanham um progressivo equilbrio dos estatutos e papis

    atribudos mulher e ao homem no seio do grupo familiar, por outro lado, na

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    sociedade portuguesa, apesar de alguns avanos, verifica-se ainda

    comportamentos bastante tradicionais. (Guerreiro, 2006: 6). No mesmo mbito, a

    proporo de casais com filhos que trabalham a tempo inteiro, o prolongamento

    da escolaridade nas geraes mais novas, com forte evoluo nos nveis atingidos

    pelas mulheres, a imergncia de novas formas familiares decorrentes de divrcios

    ou de nascimentos fora da conjugalidade, bem como a, ainda reduzida,

    participao efectiva dos homens na esfera familiar, reflectem a dificuldade que as

    actuais famlias tm em gerir o tempo entre a vida familiar e profissional. Na tese

    de doutoramento de Biehl, a autora faz referncia a uma investigao realizada no

    sector dos servios Projecto Qualidade de Vida numa Europa em Mudana

    cujos resultados indicam que para uma mdia europeia de trabalho semanal

    efectivo de 41h para o sexo masculino e de 34h para o feminino, em Portugal seregistam, respectivamente, perto de 45h nos homens e de 44h nas mulheres.

    Dados deste mesmo estudo revelam, tambm, que as mulheres ocupam o dobro do

    tempo dos homens com a vida domstica (14h para 7h semanais ) e quase metade

    dos homens declaram sentir que fazem menos trabalho domstico do que deviam,

    enquanto apenas umas em cada 10 mulheres expressam idnticos sentimentos.

    De acordo com a autora, estas formas de viver o quotidiano profissional tm

    implicaes no modo como se organiza a esfera domstica e na desigual situao

    profissional e familiar de mulheres e homens.Relativamente ao papel do homem nos cuidados afectivos da famlia,

    constata-se que se encontra, ainda, bastante estereotipado devido a um preconceito

    incutido na socializao, dominados por diferenciaes de gnero. Para alm

    disso, as entidades empregadoras acabam por demonstrar algumas dificuldades no

    que diz respeito ao reconhecimento da importncia do papel do pai na prestao

    de cuidados aos filhos. Toda esta conjuntura resulta, por um lado, do facto de as

    mulheres ainda desempenharem uma espcie de jornada de trabalho e, por

    outro, no dos homens estarem afastados da participao nas tarefas familiares,resultado de um receio de estigmatizao social. Tal situao, leva a que homens e

    mulheres se vejam obrigados a tomarem opes entre a famlia e a carreira

    profissional, tendo, por vezes, de abdicar de direitos que lhes so legalmente

    definidos, para evitarem alguma excluso e descriminao no emprego ou em

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    outros contextos sociais. Segundo um estudo, realizado sobre a temtica da

    paternidade, publicado na Revista de Sade Pblica (2009), ()os homens/pais

    entrevistados apresentaram posies sociais reveladoras de algumas

    transformaes ocorridas no mbito das responsabilidades masculinas. Contudo

    mantm-se a hegemonia do modelo patriarcal. O homem continua a entender seu

    papel de pai predominantemente como provedor material e moral da famlia,

    contrapondo-se necessidade da diviso de responsabilidades emergentes das

    mulheres e ao princpio de que a educao dos filhos deve ser permeada pela

    proximidade fsica e afectiva de pai e me. Sendo assim, entre os papis sociais

    de gnero, que acompanham mulheres e homens em todas as fases do seu ciclo

    vital, persistem os do modelo tradicional orientando o trabalho masculino para a

    produo e o feminino para a reproduo biolgica. ()Deste modo, as necessidades de conciliao entre trabalho e famlia

    tendem a reflectir-se com maior dificuldade de progresso profissional por parte

    das mulheres, j que o modelo ideal-tpico do profissional competente,

    prevalecente na maioria das culturas organizacionais, continua a ser o do

    indivduo do sexo masculino, sem responsabilidades familiares que faam perigar

    a sua disponibilidade (quase total) para o exerccio de uma profisso. Os homens

    tm dificuldades em ver reconhecidos os seus direitos nas responsabilidades

    familiares, tanto a nvel legislativo como a nvel profissional, e mesmo no seio doncleo familiar, onde a importncia dos seus contributos ou da ausncia deles

    ainda minimizada. Neste sentido, uma das assunes decorrentes de que as

    mulheres tm mais dificuldades em gerir o tempo entre a vida familiar e

    profissional, resultado das tarefas que lhes so impostas, profissional e

    familiarmente.

    2.6. A relao entre as habilitaes literrias e aherana cultural e as influencias nos percursos profissionais

    Um dos socilogos que se interessou pelas questes da educao foi Pierre

    Bourdieu, que criou uma teoria para explicar as desigualdades escolares. Nos anos

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    60, teve o mrito de revolucionar, no apenas a Sociologia da Educao, mas

    tambm o pensamento e prtica educacional em todo o mundo (Nogueira, 2002).

    At aos anos 50, considerava-se que a escolarizao teria um papel primordial no

    que diz respeito melhoria das condies de vida, mais precisamente no aspecto

    da evoluo econmica. Considerava-se que, sendo a escola de acesso gratuito a

    todos, esses problemas seriam resolvidos ou minimizados, pois todos os cidados

    teriam as mesmas oportunidades de ascenso social. Esperava-se que os

    indivduos fossem tratados de igual forma dentro do estabelecimento de ensino e

    fossem distinguidos pela sua inteligncia e esforo. Seriam estes dons que

    permitiriam ao indivduo construir a sua escalada escolar e profissional,

    (Nogueira, 2002). Consequentemente, isto definiria a sua posio na hierarquia

    social. A escola seria uma instituio imparcial, com a funo de disseminarconhecimentos, seleccionando os alunos com base em critrios racionais

    (Nogueira, 2002).

    No final dos anos 50, alguns estudos mostraram que o sucesso ou

    insucesso escolar tinha alguma relao com a classe social. No entanto, estas

    concluses foram consideradas como lacunas do sistema de educao transitrio.

    Porm, abalou a confiana dos cidados, na perspectiva da escola como

    instituio igualitria (Nogueira, 2002). Com o passar do tempo, tornou-se crucial

    admitir que, inerentes ao desempenho escolar, factores como classe, etnia, sexo,local de moradia, entre outros ligados ao contexto socioeconmico, contribuiriam

    para o sucesso ou insucesso no percurso acadmico (Nogueira, 2002).

    Uma afirmao constante a de que a verdadeira base para uma boa

    educao comea em casa, ou seja, junto dos agentes de socializao primria que

    so os pais e tambm os avs. nesta fase que so transmitidos valores, que

    determinam os comportamentos sociais, a linguagem, gostos, aquilo a que

    podemos chamar um habitus familiar.

    Para Bourdieu, o indivduo no um ser isolado, nem dotado deautonomia para agir individualmente. Os indivduos so caracterizados pela sua

    bagagem cultural, em que a escola ter um papel imperativo no sentido de definir

    o seu curriculum (Nogueira, 2002). Essa preparao cultural inclui categorias

    como o capital econmico, pois o factor econmico propicia mais facilidades a

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    bens e servios. Outra das categorias igualmente importantes o capital social,

    que se refere aos relacionamentos influentes na sociedade, e por ltimo, o capital

    cultural conquistado basicamente por ttulos escolares (Nogueira, 2002).

    Segundo indicadores do Observatrio das Desigualdades do Centro de

    Investigao e Estudos de Sociologia, o abandono escolar precoce apresenta

    nveis bastante elevados comparativamente ao resto da Unio Europeia. nas

    classes mais desfavorecidas que essa situao acontece com mais frequncia,

    embora nos ltimos anos o nmero de casos tem vindo a diminuir.

    Neste trabalho de investigao pertinente considerar as habilitaes

    literrias dos intervenientes, pois um dos factores que define largamente o seu

    percurso profissional. Os trabalhadores de centros comerciais tm, em grande

    maioria, origens sociais humildes, em que os pais tm nveis de escolaridade baixos. Segundo a teoria de Bourdieu, o facto de os pais possurem baixas

    habilitaes e serem carenciados economicamente influencia bastante o insucesso

    escolar e, consequentemente, o abandono escolar precoce (Nogueira, 2002). Este

    tema ser abordado mais detalhadamente mais adiante, na anlise dos resultados,

    no ponto sobre os percursos profissionais e expectativas futuras.

    2.7.M

    odelo de anlise

    Aps uma explicitao da problemtica referente ao que propomos

    analisar, construmos um modelo de anlise, em que atravs do cruzamento de

    algumas variveis importantes, construmos algumas hipteses.

    Podemos considerar que existem duas ideias fundamentais que atravessam

    esta investigao: em primeiro lugar, a conciliao da esfera familiar com a esfera

    profissional e, em segundo lugar, a relao existente entre a profisso exercida,

    conformismo no trabalho, habilitaes literrias e origens sociais. Ou seja, podemos assumir como hiptese principal que as mulheres trabalhadoras de

    centros comerciais casadas tm uma maior dificuldade em conciliar a vida

    profissional com a pessoal do que as solteiras. Como segunda hiptese, considera-

    se que o conformismo existente com a profisso exercida depende das

    habilitaes literrias e origens sociais.

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    3.Metodologia

    A organizao do tempo dos trabalhadores de centros

    comerciais um tema no muito abordado no mbito da Sociologia, de

    forma que a base terica para este tema era praticamente inexistente.

    organizao

    do tempo

    existe

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    efil s

    esta civil sex

    existe

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    spais

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    Optamos por uma abordagem qualitativa, em virtude do universo em

    estudo ser algo que no pode ser quantificado e que necessita encontrar

    respostas especficas, que esto centradas no quotidiano e no processo

    social. Na pesquisa qualitativa, o mais importante encontrar o

    significado dos fenmenos e no propriamente a frequncia com que

    ocorrem, como acontece na metodologia quantitativa, embora no

    negligenciando de todo a frequncia. Outro dos aspectos que teve por

    base a escolha deste tipo de metodologia est relacionado com a

    flexibilidade na recolha de dados que esta nos permite. Com efeito, o

    mtodo utilizado o indutivo, no sentido em que ser atravs da

    anlise de contedo dos testemunhos encontrados e tambm na

    observao participante, que se formularo as principais concluses eteorias a respeito do que nos propomos a investigar. Neste captulo

    sero apresentados os procedimentos para a realizao deste trabalho,

    descrio do espao da investigao, caracterizao da amostra,

    tcnicas utilizadas, bem como alguns dos obstculos que surgiram.

    3.1.Descrio do espao de anlise

    O centro comercial eleito para esta investigao encontra-se localizado na

    cidade de Guimares. O concelho de Guimares pertencente ao distrito de Braga,

    tem de 162592 habitantes, segundo dados do site do Instituto Nacional de

    Estatstica do ano 2009.

    Podemos ento descrever o supracitado espao como sendo um centro

    comercial pequeno, comparativamente com outros j existentes, sendo constitudo

    por 113 lojas, 1800 lugares de estacionamento e aproximadamente 1300

    trabalhadores. Um dos maiores trunfos para o seu sucesso deve-se sua boa

    localizao, no centro da cidade, junto central de camionagem e em frente ao

    Hospital. Isto para alm da Repartio de Finanas, bem como inmeros bancos

    circundantes e outras infra-estruturas de relevo. Por todas estas razes, um

    Shopping que, diariamente, tem uma grande afluncia de clientes. Mesmo com a

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    responsabilidades conjugais, tendo tambm em linha de conta a existncia ou no

    de filhos, j que um factor bastante importante. O objectivo inicial seria o

    entrevistar 5 homens, ao invs dos 2 aos quais foram efectivamente feitas

    entrevistas. Pretendia-se que desses 5 pelo menos 2 fossem casados, com filhos e

    os restantes solteiros. No entanto, em virtude seu reduzido nmero a trabalhar

    neste local, tive dificuldade em encontrar, indivduos com estas caractersticas.

    Esta situao considerada uma das desvantagens da amostragem por quotas, e

    denominada como afunilamento, ou seja a dificuldade em preencher determinada

    quota.

    Aps entrevistar os homens, no se verificaram grandes diferenas no seu

    discurso, apesar de um ser solteiro e o outro casado. As opinies convergiam, as

    rotinas tinham algumas semelhanas, de forma que as duas entrevistas realizadasforam de encontro aos objectivos deste trabalho, que neste caso seria percepcionar

    as diferenas de gnero, existentes na organizao do tempo dos trabalhadores

    deste tipo de rea comercial.

    3.3. Caracterizao dos entrevistados

    Caracterizao socioeconmica, estado civil, estrutura etria e filhos

    Para este trabalho foram realizadas no total 21 entrevistas, das quais 19 a

    mulheres e 2 a homens. Tinha-se previsto inicialmente entrevistar 20 mulheres e 5

    homens, no entanto, aps as 19 entrevistas, os dados atingiram a saturao. Neste

    local, os trabalhadores so essencialmente do sexo feminino. Por essa razo, os

    entrevistados so maioritariamente mulheres, uma vez que se procura uma

    aproximao realidade na representatividade da amostra dos trabalhadores deste

    centro comercial. Baseado em diversos estudos, bem como inquritos realizados

    pelo Instituto Nacional de Estatstica, assume-se que as mulheres tm uma maior

    carga de trabalho devido ao facto de acumularem com a sua profisso as tarefas

    domsticas. Como o tema central a organizao do tempo, considera-se pertinente

    a focalizao no gnero feminino. Uma vez que a questo das diferenas de gnero

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    29

    pertinente neste trabalho, apenas foram entrevistados 2 homens, no sentido de

    contrastar as vises respectivamente profisso que executam.

    Podemos caracterizar a amostra como sendo por convenincia, no sentido

    em que o investigador ao mesmo tempo um informador privilegiado, visto que

    trabalha neste local h 8 anos, tendo a oportunidade de, todas as semanas, observar

    lojas e trabalhadores diferentes.

    Caracterizao geral dos entrevistados por sexo e idade

    Fonte: entrevistas realizadas

    Estrutura etria dos entrevistados

    Idade Nmero

    De indivduos

    20-25 Anos 2

    25-30 Anos 9

    30-35 Anos 6

    40-45 Anos 3

    Mais de 50 anos a 1

    Fonte: entrevistas realizadas

    Total deentrevistas

    Sexofeminino

    SexoMasculino

    MdiaDas

    idades

    IdadeMnima

    IdadeMxima

    21 19 2 32 Anos 21

    Anos

    54

    Anos

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    30

    Caracterizao do estado civil dos entrevistados

    Estado

    Civil

    Numero

    De indivduos

    Casados 5

    Solteiros 9

    Unio de facto 5

    Divorciados 2

    Fonte: entrevistas realizadas

    Existncia de filhos

    Fonte: entrevistas realizadas

    3.4.Breve descrio dos entrevistados

    Filhos Nmero de

    indivduos

    Sim 8

    No 13

    Nome Idade

    EstadoCivil

    NFilh

    os

    Habilitaes

    Literrias

    Tipo deloja

    ProfissoDa me

    Profissodo

    Pai

    Habilitaes

    Pai

    Habilitaes

    Da

    Me

    Catarina 32 Solteira 0 12ano Sapataria Operria

    Fabril

    reformada

    Picheleir

    o

    4 Classe 4 Classe

    Paula 31 Divorcia

    da

    1 9 Ano Sapataria Comerciant

    e

    Comercia

    nte

    4 Classe 4 Classe

    Slvia 33 Solteira 0 9 ano Sapataria Operria

    txtil

    reformada

    Auxiliar

    numa

    escola

    4 classe 4 classes

    Ftima 41 Casada 2 9 Ano Puericultur

    a

    Domstica/

    ama

    Mecnico 4 Classe 4 Classe

    Odete 51 Unio 1 12ano Loja Domstica Camareir 4 Classe 4 Classe

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    31

    de facto Doces o

    Deolind

    a

    45 Divorcia

    da

    2 6 Ano Pronto-a-

    vestir

    Operria

    txtil

    reformada

    Bancrio

    reformad

    o

    6 Ano 4 Classe

    Sandra 34 casada 2 12 ano ptica Domstica Agente

    da Gnr

    4 Classe 4 Classe

    Vanessa 21 Solteira 0 12ano Loja de

    unhas de

    gel

    Costureira Emprega

    do de

    armazm

    4 Classe 4 Classe

    Idalina 25 Solteira 0 12 Ano Loja

    acessrios

    Operria

    txtil

    Operria

    txtil

    4 Classe 4 Classe

    Maria 41 Casada 1 9 Ano Pronto-a-

    vestir

    Domstica Comercia

    nte

    4 Classe 4 Classe

    Susana 30 Solteira 0 Finalista

    de

    licenciatur

    a

    caf Limpezas

    reformada

    Trolha 4classe 4classe

    Lusa 27 Solteira 0 11 ano culos de

    sol

    Operria

    txtil

    Operrio

    txtil

    4 Classe 4 Classe

    Nome Idad

    e

    Estado

    Civil

    N

    Filh

    os

    Habilita

    es

    Literrias

    Tipo de

    loja

    Profisso

    Da me

    Profisso

    do

    Pai

    Habilita

    es

    Pai

    Habilita

    es

    Da

    Me

    Rosa 33 Unio

    de facto

    0 Licenciad

    a

    Interiores Domstica Empresr

    io

    6ano 4 Classe

    Elsa 29 Solteira 0 11ano Cosmtica Costureira

    desemprega

    da

    Artes

    grficas

    6ano 6 Ano

    Marta 27 Unio

    de facto

    0 12ano Malas Empresria Empresr

    io

    4 Classe 4 Classe

    Leonor 24 Solteira 0 Licenciad

    a

    Pronto-a-

    vestir

    Hotelaria Operrio

    txtil

    4 Classe 12ano

    Alexand

    ra

    30 Unio

    de facto

    0 12ano Pronto-a-

    vestir

    Operria

    txtil

    Serralheir

    o

    9ano 4 Classe

    Cludia 33 Casada 1 12ano Pronto-a-

    vestir

    Auxiliar

    educao

    reformada

    Comercia

    nte

    4 Classe 4 Classe

    Olvia 28 Unio

    de facto

    1 9ano Malas Dona de

    um caf

    Vendedor 4 Classe 4 Classe

    Pedro 26 Solteiro 0 9ano Relgios Costureira

    desempregada

    Talhante 4 Classe 9 Ano

    Joaquim 27 Casado 0 12ano Pronto-a-

    vestir

    Auxiliar de

    aco

    educativa

    Porteiro 9ano 9ano

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    Aps esta descrio, esto apresentados os nossos entrevistados. As

    habilitaes literrias dos prprios e dos pais, tal como as profisses dos pais,

    funcionam como indicadores de classe social.

    3.5.Caracterizao da situao profissional dos

    indivduos

    Antiguidade no emprego dos entrevistados

    Fonte: entrevistas realizadas

    3.6. A estruturao da entrevista

    Na fase exploratria foi necessria uma exaustiva pesquisa

    bibliogrfica, que incidiu especialmente em artigos no mbito das

    condies do trabalho, sobre noo de tempo e espao, estudos

    relacionados com o stress, conciliao da profisso com a vida familiar

    e artigos sobre centros comerciais. Atravs desta reviso de literatura,

    conclumos tambm que, uma vez que este projecto engloba mltiplos

    Antiguidade no

    emprego

    N

    1 a 2 anos 4

    2 a 5 anos 5

    5 a 8 anos 5

    8 a 10 anos 3

    10 a 15 anos 2

    15 a 20 anos 1

    Mais de 20 anos 1

    Total 21

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    conceitos mediante os quais novas dimenses podero surgir, a

    entrevista a tcnica mais adequada, sendo que o tipo de entrevista

    utilizado a semi-estruturada, no sentido em que previamente foi

    estruturado um guio. As questes podero ser adaptadas a cada caso

    concreto, j algo estruturado, mas no rgido. O guio de entrevista

    foi elaborado com base nas leituras exploratrias e nas assunes que

    foram surgindo ao longo do projecto.

    O guio da entrevista foi estruturado por categorias, ou seja, foi

    dividido mediante as dimenses que nos propomos a analisar. A

    primeira parte um questionrio de identificao, onde se pretende

    conhecer os dados bsicos e indicadores do contexto socioeconmico:

    estado civil, n de filhos, habilitaes literrias, profisso e habilitaoliterria dos pais, antiguidade no emprego, funes exercidas na loja,

    tempo dispendido em deslocaes casa/trabalho, tipo de habitao. A

    segunda parte consiste numa caracterizao sobre ambies

    profissionais iniciais. A terceira parte onde se pretende que se faa

    uma descrio da actividade profissional, em relao aos horrios e

    tipo de contrato. De seguida abordado o tema dos percursos

    profissionais. Outro dos temas abordados, e bastante relevante no

    mbito de trabalho, a descrio das rotinas destes trabalhadores.Seguidamente, outro tema abordado no guio diz respeito ao nvel de

    satisfao do entrevistado com o trabalho. Mais adiante ainda feita a

    abordagem do tema da conciliao do trabalho com a famlia. Outro

    aspecto levado em considerao o das implicaes do trabalho na

    sade, sendo a fase final direccionada para as expectativas

    profissionais.

    Uma vez que o tema a conciliao entre a vida familiar e

    profissional, foram elaboradas questes abertas, que possibilitem aoentrevistado uma maior liberdade de resposta, evitando assim possveis

    constrangimentos. O papel como entrevistadora incidir na conduo

    do entrevistado para o tema fulcral, com o objectivo de compreender

    melhor a gesto do tempo que por eles feita.

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    A tcnica da entrevista proporciona a possibilidade de

    encontrar novas dimenses no estudo. Por isso, para alm de uma srie

    de questes-chave abertas, esta entrevista ser uma conversa que fluir

    naturalmente. Estas entrevistas foram gravadas e posteriormente

    transcritas para uma anlise de contedo.

    Todas as entrevistas foram posteriormente sujeitas a uma

    anlise de contedo, tendo como principal propsito encontrar pontos

    concordantes e discordantes entre os vrios testemunhos, para numa

    fase posterior, ser possvel efectuar comparaes e relaes mediante o

    contexto do seu discurso. Esta anlise consistiu na identificao,

    segundo elementos do discurso, de categorias temticas possivelmente

    explicativas do fenmeno que nos propomos analisar. de salientarque tambm podem ser utilizadas como tcnicas para este caso as

    histrias de vida, que nos permitiam ainda um melhor conhecimento da

    vida dos indivduos em estudo.

    3.7.Obstculos encontrados

    Todas as investigaes tm os seus obstculos, mas o

    importante reconhec-los, para numa fase posterior, em que se deseje

    aprofundar a investigao, seja possvel contornar melhor essas

    mesmas dificuldades.

    Inicialmente, uma das dificuldades foi ter acesso ao nmero de

    funcionrios existente naquele Shopping, visto que no existe nenhuma

    base de dados actualizada, ou seja, no havia acesso a uma listagem

    com caractersticas bsicas, facto que dificultou que a amostra fosse

    seleccionada com a devida preciso. O afunilamento devido escolha

    da amostragem por quotas constituiu outra das desvantagens, visto que

    nem sempre conseguimos preencher determinada quota, como o caso

    dos homens, j referido no ponto anterior.

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    Durante as entrevistas, os obstculos encontrados estiveram

    relacionados com o tempo que os indivduos so obrigados a

    despender para a entrevista, pois todas foram realizadas no local de

    trabalho, o que limita o tempo. Como as entrevistas abordavam temas

    que implicam entrar na esfera ntima do indivduo, nem sempre as

    pessoas se encontram vontade para aprofundar certos assuntos.

    Apesar do grande esforo do investigador em manter-se neutro e tentar

    abstrair-se, torna-se difcil porque, ao mesmo tempo que conduz esta

    investigao, funcionrio no mesmo Shopping h muitos anos e,

    como tal, encontra-se familiarizado com ele. O facto de se encontrar

    inserido no meio pode ser uma vantagem, no sentido de ter grande

    conhecimento acerca do tema estudado, mas por outro lado, leva a que possa ser influenciado e certos aspectos importantes possam ser

    descurados.

    4.Anlise de dados

    Neste captulo sero apresentados os resultados das entrevistas, aps

    recorrer ao SPSS, para tratar os dados quantitativos, procedemos tambm a uma

    anlise de contedo. Estes resultados foram divididos em trs dimenses:

    conciliao profisso/vida familiar, nvel de satisfao no trabalho, percursos e

    expectativas e finalmente as tipologias de trabalhadores encontrados.

    4.1.Conciliao da vida profissional com a vida familiar

    Todos os indivduos em sociedade tm um papel social e um papelfamiliar. Na comunidade onde o indivduo se insere desempenha vrios papis,

    como por exemplo trabalhador, pai, marido, amigo, filho, irmo, entre outros.

    Para cada papel exigido tempo para que seja desempenhado. O que por vezes

    acontece a coliso destes mesmos papis, originando um conflito (Amaro,

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    2006). Nesta parte do trabalho pretende-se compreender como os trabalhadores do

    Shopping conciliam os horrios atpicos com as exigncias da esfera familiar e

    pessoal. evidente que estes indivduos tm dificuldades em conciliar as duas

    esferas trabalho/famlia devido aos horrios pouco convencionais. Registamos

    diferenas na organizao do tempo entre casados e indivduos com filhos e

    solteiros, que vivem com os pais, As mulheres mostram uma maior dificuldade e

    encontram-se mais sobrecarregadas do que os homens.

    Independentemente daqueles que tm melhores ou piores condies a

    nvel de horrios, o importante nesta investigao perceber os efeitos da

    atipicidade dos horrios. Este Shopping, tal como outros existentes no resto do

    pas, pratica um horrio alargado, estando aberto ao publico desde as 9 da manh

    e encerrando s 23 horas, e aos fins-de-semana s 24 horas. O horrio das lojas das 10 horas s 22 horas, durante os dias teis e s 23 horas ao fim-de-semana.

    Este horrio obriga os indivduos a praticar turnos rotativos e fora do usual do

    resto do universo laboral, pelo que tem horrios em que trabalha aos fins-de-

    semana, feriados e noites. Assim, o seu tempo disponvel para as actividades

    extra-laborais tem de ser adaptado aos seus horrios. Alis, uma das queixas mais

    comuns neste trabalho mesmo o facto de os horrios condicionarem alguns

    elementos da vida privada.

    A forma como percepcionam e aceitam estes horrios varia segundoalguns factores, como por exemplo a existncia de filhos, o estado civil, a idade, a

    antiguidade na loja e mesmo a prpria personalidade do indivduo.

    Os horrios de trabalho so um dos factores que afectam a sade mental do

    trabalhador. Segundo Amaro (2006), situaes como perodos longos de trabalho,

    a iseno de horrio fixo, situaes em que o trabalhador est sempre contactvel

    por telemvel ou correio electrnico, so propcias ao stress. Amaro acrescenta

    ainda que o trabalho por turnos pode causar alteraes no metabolismo e afectar a

    eficincia mental e criar relacionamentos problemticos com a famlia (Amaro,2006). Outro aspecto referido neste artigo a sobrecarga de trabalho. Segundo o

    autor, a sobrecarga de trabalho tem origem por vezes na m gesto que o

    indivduo faz do tempo. A sensao de que o tempo voa no se sendo capaz de

    realizar todas as tarefas que nos esto distribudas uma importante fonte de

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    stress no trabalho, acontecendo o mesmo com as nossas tarefas familiares.

    (Amaro,2006:65).

    A gesto do tempo e a organizao espacial uma tarefa rdua.

    Comecemos por destacar a coordenao a nvel de itinerrios: trabalho-casa, casa-

    trabalho, trabalho-escola dos filhos, isto, para alm do tempo que um individuo

    tem de despender para a organizao do seu prprio trabalho (Cruz, 2003).

    Os horrios so maioritariamente rotativos, ou seja, o trabalho ocorre das

    10 s 19h com hora de pausa entre as 14h e as 15h e, na semana seguinte das 13h

    s 22h com hora de pausa das 18h s 19h. Outras lojas praticam horrios mais

    repartidos, ou seja, das 10h s 16h, sem hora de intervalo, ou das 16h s 22h, sem

    hora de intervalo. Quase todos trabalham 40 horas semanais e com duas folgas,

    porm nem sempre isso acontece. Observamos alguns casos em que nem sempre aintegridade e os direitos dos trabalhadores so respeitados. Como o caso de

    Deolinda, responsvel de uma loja de pronto-a-vestir: divorciada, tem 45 anos e

    trabalha naquela empresa h 23 anos, primeiro numa loja do grupo no comrcio

    tradicional e h 15 anos no Shopping. Deolinda trabalha 40 horas semanais e s

    tem uma folga por semana e a hora de pausa para almoar ou jantar inexistente,

    considerando que, devido a redues de pessoal na loja se encontra sozinha, desde

    as 10h at s 15h30, hora que chega a colega que faz o turno seguinte. Neste

    regime, actos biologicamente necessrias a um ser humano, como ir casa debanho ou comer tornam-se muito complicadas. Geralmente tem de contar com a

    colaborao das colegas da loja ao lado, para vigiarem, caso entre algum cliente

    na loja enquanto vai casa de banho. Assim se comprova que, mais uma vez, a

    integridade do trabalhador no respeitada. Deolinda explica-nos quais os

    horrios que faz e como funcionam as horas de pausa:

    () rotativo, das 10 s 16h30 ou das 15h30 s 22h. Excepto ao

    sbado que das 10 s 17h30 ou das 15h30 s 23h. () Um dia por semana, rotativo, nunca calha um fim-de-semana. Sbado nunca temos, s calha ao

    domingo () dependendo da vaga que tenho a hora que eu como. ()

    Como hoje tava a esbichar a minha asinha de frango, tive de parar, lavar as

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    mozinhas para atender o cliente, depois que fui aquecer outra vez o que

    tava a comer, para continuar a almoar ()

    (entrevista de Deolinda responsvel de loja de pronto a vestir,

    entrevista n 6)

    Felizmente nem todos os casos so assim to graves. Com excepo

    dos estes exemplos referidos anteriormente, as situaes mais usuais so

    casos como o de Slvia, solteira, de 33 anos, funcionria de uma sapataria h

    6 anos. Quando questionada sobre os horrios praticados na loja onde

    trabalha responde que:

    () os horrios so rotativos, quando venho de manh das 10 s 7 equando venho de tarde da 1 s 10. Com duas folgas semanais ()

    (entrevista de Slvia funcionria de sapataria, entrevista n 3)

    Ao observarmos o contedo do discurso perceptvel que as rotinas e as

    estratgias de gesto do tempo de quem solteiro e quem tem obrigaes

    conjugais e familiares so muito distintas. Assim sendo, para exemplificar

    escolhemos dois testemunhos para descrever esse contraste. Pediu-se aos

    entrevistados que descrevessem um dia normal seu, com o objectivo de conheceras suas rotinas. Podemos dar o exemplo de Ftima, funcionria da loja de

    puericultura, que casada tem dois filhos, um deles com 9 anos e outro com 17

    anos. Esta mulher encontra-se sobre grande sobrecarga, resultantes das tarefas que

    so exigidas mediante o seu papel de me e de trabalhadora. Ela refere que se no

    fosse a sua me, que apelida de fadinha do lar, nunca poderia ter este emprego.

    Ftima relata ento como para ela um dia normal:

    () Levanto-me s 7.30 da manh para mandar os midos para aescola, vou lev-los escola. Quando venho trabalhar de manh entro na

    loja s 10 da manh, saio s 4, vou buscar o mais novo escola, pego nele e

    vou leva-lo ao andebol quando dia de andebol, acaba o treino vou busca-

    lo, dou-lhe banho, fao o jantar, arrumo a cozinha, passo a ferro, e tipo meia

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    noite deito-me. E depois no dia a seguir a rotina sempre a mesma. (): Eu.

    Sempre eu. Eu no divido nada com o meu marido porque ele no nada

    jeitoso, muito bom rapaz, mas no muito jeitoso. Qualquer coisa que lhe

    pea diz no sei fazer, e portanto neste contexto eu fao.() O que gosto

    menos neste trabalho dos horrios, porque aborrecido para mim e para

    todas as mes, fazer horrios depois da 10 noite! aborrecido,

    complicado, mas pronto o que tenho. No posso reclamar muito ()

    (entrevista de Ftima funcionria de loja de puericultura, entrevista

    n4)

    Elsa de 29 anos, solteira a viver em casa dos pais, tem a sua vida

    bastante mais calma, mesmo a nvel das tarefas domsticas. Confessa que a

    sua me que faz tudo, tendo assim mais tempo para uma vida social. Quandose pediu Elsa para descrever um dia normal esta foi a sua resposta:

    () Depende do meu horrio na loja. Levanto-me, venho directa para

    o Shopping. Tomo o pequeno-almoo, venho trabalhar saio daqui s 18h ou

    s 19h dependendo da hora que eu entrei, e vou para casa e janto e depois

    vou tomar um caf. Se entrar 13h levanto-me mais tarde e depois saio s 22

    e tomo mais um caf e venho (): tudo a minha me, eu no fao nada.,

    Arrumo o meu quarto e j muito. No que seja muito para mim, porque aminha me est em casa e ocupa-se dessas coisas, e eu no tenho que me

    preocupar. ()

    (Entrevista de Elsa, funcionria de loja de cosmticos, entrevista n14)

    Mesmo tendo uma vida mais relaxada a nvel de tarefas domsticas, os

    indivduos solteiros queixam-se de falta de tempo. Por exemplo, continuando

    no caso da Elsa e tambm a Catarina da sapataria, estas referem que existem

    actividades que so condicionadas pelos horrios que fazem no Smoking,como por exemplo apostar na sua formao. H formaes modulares que

    apenas so leccionadas noite e que, por isso, no podem frequentar. Quando

    se perguntou Elsa o que teve de mudar na sua vida por trabalhar no

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    Shopping, no sentido de actividades que se encontra impedida de fazer devido

    aos horrios, respondeu o seguinte:

    () Por exemplo acabar os estudos, ter horrios certos para ir ao

    ginsio aquele horrio certinho todas as semanas, se quiser tirar cursos

    porque noite uma pessoa estando a trabalhar impossvel ()

    (Entrevista de Elsa, funcionria de loja de cosmticos, entrevista n14)

    As solteiras sem filhos tm a percepo das dificuldades que as suas

    colegas de trabalho, casadas, com filhos, atravessam na gesto do tempo.

    Pois, se j consideram complicado gerir o seu tempo, tendo menos

    responsabilidades, depreendem facilmente que para aqueles que tm filhosser bastante mais difcil. Confessam que algo que lhes faz bastante

    confuso, como o caso da manicura Vanessa, de 21 anos, que se prepara

    para casar este ano. Ela diz que no querer ser me e trabalhar no Shopping.

    Quando questionada sobre a sua maior preocupao no dia-a-dia Vanessa

    responde:

    () O que me preocupa vou casar, e pensar como vou conseguir

    gerir estes horrios e depois com os filhos, como vou conseguir gerir a minhavida. Agora j no vou ter a minha me em casa e as coisas tenho de faze-las

    eu. () Sinceramente no acredito que consiga conciliar este trabalho no

    Shopping quando tiver filhos (): eu questiono-me muitas vezes sobre isso,

    como que possvel, e tem de se ter muitas ajudas. ()

    (entrevista de Vanessa, manicura na loja de unhas de gel, entrevista

    n8)

    Mas nem todas tm essa posio. Lusa, solteira, diz por exemplo que

    existe sempre forma de conciliar, mas claro, desde que exista o apoio ediviso das tarefas por parte do futuro marido. Lusa foi interrogada sobre

    como pensava conciliar o papel de me e a sua profisso no Smoking, tendo

    esta sido a sua resposta:

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    (), e aquilo que penso que h uma me mas tambm h um pai,

    quando h, mas partida se pensas em ter um filho porque ests bem a

    nvel de relao, se houver alguns momentos que eu no possa o pai tem de

    estar ali, vai-se tentar conciliar na vida de duas pessoas()

    (entrevista de Lusa funcionria de loja de culos de sol, entrevista

    n12)

    Isto so apenas vises de quem nem sequer tem filhos, ou tem

    compromissos conjugais. Aqueles que j constituram a sua famlia j referem

    as dificuldades devido aos horrios, pouco tempo passado com a famlia e os

    filhos, afastamento dos amigos e h tambm quem refira que existe um maior

    afastamento do cnjuge, como o caso de Odete, funcionria da loja de

    doces, que vive em unio de facto e que tem um filho j tem 30 anos. Amesma refere que acaba por haver um afastamento entre si e o seu parceiro,

    porque ao fim-de-semana, quando ele se encontra de folga, ela est a

    trabalhar, ou seja, raramente as folgas coincidem. A Odete foi questionada

    sobre as mudanas a que foi obrigada a fazer na sua vida por trabalhar no

    Shopping esta foi a resposta:

    () Muitas vezes no podemos tar juntos aos fins-de-semana.

    Durante a semana quando eu tenho folga est ele a trabalhar, em filhos no falo porque tenho um filho que j criado e no vive comigo. A nvel

    conjugal s vezes difcil conciliar as folgas, h quem esteja pior at me

    posso dar por contente, temos um fim-de-semana ou dois por ms j no

    muito mau, mas que prejudica um bocadinho a vida conjugal prejudica, as

    pessoas afastam-se muito mais do que se tivessem um horrio normal de

    entrar s 9 ou 10 e sair s 7 da tarde com os fins de semana livres. ()

    (entrevista de Odete, funcionria da loja de doces, entrevista n 5)

    Cludia diz que se perde muito da infncia dos filhos trabalhando no

    Shopping. Diz que todos os seus momentos livres procura aproveit-los na

    companhia do marido e da filha de 5 anos. Neste momento, a sua

    preocupao no prximo ano lectiva a filha ir para a escola primria e,

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    devido aos horrios, receia no lhe prestar o devido acompanhamento. Outro

    aspecto pelo qual culpa o seu trabalho pela diminuio das suas relaes

    sociais com amigos e familiares. Devido aos horrios acabou por se afastar da

    rede de amigos. Leonor, ao contrrio de Catarina, solteira e tambm refere

    que se afastou mais dos amigos. Foi perguntado Catarina qual a sua maior

    preocupao no dia-a-dia e o que teve de mudar na sua vida devido a este

    trabalho, tendo-se registado a seguinte resposta:

    () O futuro dela (filha), por exemplo ela agora vai para a escola

    primria, como que vou acompanha-la? Ir busca-la, ver se to os deveres

    feitos, e na semana que vier fazer noite nem isso vou conseguir acompanhar.

    Aqui no Shopping com estes turnos rotativos perdemos muito a infncia dosnossos filhos. Perder os melhores anos deles, quando ds por ela a criana j

    no tem piada, a partir dos 8 acaba por ser uma menina normal, j perdeu

    aquela piada das brincadeiras () As amizades foram-se diluindo, falamos

    mas no a mesma coisa que antigamente, tinha o domingo livre ou tinha as

    noites livres dava para ir tomar caf, agora muito difcil ou tem que ser dito

    com muita antecedncia para poder marcar, seno s vezes muito

    complicado. ()

    (entrevista de Catarina sub-gerente de loja de pronto a vestir,entrevista n18)

    Acaba por ser primordial para estas mulheres existir na famlia um

    elemento que as apoie com os filhos, ou um marido que divida as tarefas.

    Segundo os resultados do inqurito ocupao do tempo, do Instituto

    Nacional de Estatstica, so as mulheres que se encontram mais

    sobrecarregadas, pois em grande maioria as tarefas domsticas esto a seu

    cargo, podendo-se no ndice de quadros nos anexos constatar esses dados. Osrelatos das entrevistadas servem para, uma vez mais, confirmar essa ideia.

    Conta-se muito pouco com o apoio do cnjuge, o qual s acontece em raros

    casos. Normalmente so as mes ou sogras a funcionar como pilar da gesto

    familiar. So estas que muitas das vezes tomam conta das crianas, as vo

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    buscar escola, prepararam refeies para o marido e as crianas, entre outras

    funes, que normalmente esto a cargo das mes, mas que este contexto

    profissional especfico a impede de fazer, devido ao trabalho durante a noite e

    fins de semanas. Ftima refere que tem a me que colabora bastante com ela.

    Quando lhe foi perguntado quem fazia as refeies para os filhos, quando

    tinha de trabalhar noite, respondeu que:

    () A entra a minha fadinha do lar que a minha me, porque sem

    ela, eu no podia ter este tipo de emprego, porque o meu marido trabalha

    das 10 da manh s 10 da noite () Tinha de trabalhar numa outra rea

    qualquer, no sei muito bem o qu, mas tinha de arranjar outra coisa

    qualquer, porque no podia trabalhar aqui no Shopping, era impossvel, nopodia abandonar os meus filhos o dia inteiro, porque no posso contar com o

    apoio do pai ()

    (entrevista de Ftima funcionria de loja de puericultura, entrevista

    n4)

    4.1.1.Tempo de trabalho

    Outro aspecto que se procurou compreender como estas

    trabalhadoras encaram o tempo de trabalho no seu quotidiano. Considera-se

    pertinente conhecer quais os momentos que custam mais a passar, se existe

    diferena entre os dias da semana e as diferenas entre jornadas de trabalho.

    Com base nos depoimentos dos entrevistados, apurou-se que os

    momentos considerados mais entediantes so aqueles em se encontram

    sozinhas na loja e no entram clientes. Torna-se montono e desmotivante

    no ter o que fazer, em primeiro lugar porque a pessoa sente-se intil e em

    segundo lugar porque gera uma certa tenso. O baixo volume de vendas pode

    colocar o posto de trabalho em risco. Estes indivduos sofrem presses por

    parte das suas entidades patronais em relao s vendas, pois isso que

    permite a sobrevivncia do negcio. Maria, responsvel de uma loja de

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    pronto-a-vestir, refere esta questo quando questionada sobre como se sente

    no final de um dia de trabalho:

    (): vou lhe dar o exemplo de dois dias de trabalho: um dia de

    trabalho em que se vende muito eu saio daqui satisfeitssima, agora num dia

    de trabalho em que eu estou aqui sentadinha espera que entre algum que

    no entra! Saio daqui ESTOURADA! ()

    (Maria responsvel de loja de roupa, entrevista n10)

    Como Edward Hall refere, quando estamos ocupados e satisfeito, o

    tempo passa depressa ou no nos apercebemos de ele passar. Em

    contrapartida, quando estamos aborrecidos, contamos os minutos e essesmesmos minutos parecem uma eternidade. Este autor refere, tambm, que o

    facto desse aborrecimento do tempo parece que no passa pode conduzir a

    estados depressivos (Hall, 1996).

    Outro aspecto com que nos confrontamos em relao s percepes do

    tempo pelos entrevistados o facto de considerarem os dias da semana tod