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«Temos tendência para procurar a prova de que temos razão e para ignorar os factos que contrariam a visão do mundo. Confrontamo-nos cada vez menos com quem pensa de forma diferente: segundo Tom Nichols, um fenó-meno alimentado também pela “morte do especialista”, ou seja, pela tendência de nos assumirmos como substi-tutos dos especialistas. Como Asimov escreve, trata-se de uma falsa ideia resultante da presunção de que a “minha ignorância é tão válida como o teu conhecimento”.»

Antonio nicitA,docente da Universidade La Sapienza e comissário da Agcom

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Índice

Prefácio ........................................................................................ 13

1. AO PEQUENO-ALMOÇO .................................................... 23O leite pasteurizado não é tão nutritivo como o leite fresco . 25O leite cura a úlcera ................................................................. 26O leite magro contém menos cálcio ....................................... 26Os doces são os responsáveis pela diabetes ........................... 28Os sumos e os batidos são substitutos da fruta ..................... 31O iogurte é uma panaceia ....................................................... 32

2. PAUSA PARA O CAFÉ .......................................................... 35O café americano não é tão forte como o café expresso ........ 37O café descafeinado faz mal à saúde ...................................... 40O café faz aumentar o colesterol no sangue .......................... 41É preferível não comer entre refeições ................................... 43Os idosos deviam beber menos café ...................................... 44Não se deve beber café quando se está a tomar

antidepressivos .................................................................... 44O açúcar de cana e o mel não engordam tanto

como o açúcar branco .......................................................... 45

3. AO ALMOÇO E AO JANTAR .............................................. 49Comer massa à noite engorda ................................................ 51A carne de porco é pesada e não se deve comer no verão ..... 54O peixe faz bem à memória porque contém fósforo ............. 55

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As ostras são afrodisíacas ........................................................ 56Os ovos com a gema alaranjada e a clara branca

são os mais nutritivos .......................................................... 58Os alimentos congelados são mais pobres

do que os frescos ................................................................. 59A manteiga tem mais gordura do que o azeite ...................... 61O óleo de sementes tem menos gordura

e menos calorias do que o azeite ........................................ 63O gelado é um alimento completo e pode substituir

uma refeição ........................................................................ 64A fruta deve ser comida fora das refeições ............................ 66Nos dias de festa, posso comer o que me apetecer! .............. 68

4. CRU E COZINHADO ........................................................... 71É melhor comer apenas alimentos crus ................................. 73A carne cozinhada é pouco nutritiva, ao contrário

do seu caldo .......................................................................... 79Os ovos são de difícil digestão ................................................ 81Cozinhar no micro-ondas faz mal à saúde ............................ 81Para fazer fritos menos gordurosos, é necessário

usar pouco óleo .................................................................... 84Os fritos engordam e fazem mal ao fígado ............................ 85

5. NUM COPO ............................................................................ 91Não é necessário beber água durante as refeições ................ 93O vinho tinto faz bem ao sangue ............................................ 93O segredo do vinho está no resveratrol .................................. 94Um «copo de vinho» dá força ................................................. 97As bebidas alcoólicas aquecem-nos ........................................ 97Uma bebida no final da refeição ajuda à digestão ................. 98Beber muita água facilita a retenção hídrica .......................... 99Beber água com limão faz bem e emagrece .......................... 100Beber cerveja ajuda à produção de leite ................................. 101Bebidas energéticas e alcoólicas são uma

combinação segura .............................................................. 102

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6. DESPORTISTAS E SAUDÁVEIS .......................................... 105Quem pratica desporto deve consumir mais proteínas

e vitaminas ........................................................................... 107Vitaminas e minerais: quanto mais consumir, melhor ........ 110Os superalimentos têm propriedades curativas .................... 118Quem pratica desporto deve tomar suplementos

alimentares........................................................................... 121Tisanas, alimentos especiais e regimes drásticos depuram

e desintoxicam o organismo ............................................... 124É preciso comer mais em época de exames ........................... 125A geleia real e a própolis são muito nutritivas ....................... 128O alho e a cebola fazem bem ao coração e ao estômago ....... 130A pastilha elástica engorda e é perigoso engoli-la ................. 134As intolerâncias engordam ..................................................... 136

7. A DIETA .................................................................................. 141A dieta dissociada faz emagrecer porque separa

os hidratos de carbono das proteínas ................................. 143As dietas «proteicas» são ideais para emagrecer ................... 146Pode-se emagrecer substituindo as refeições por bebidas

detox e barritas energéticas ................................................. 150Os alimentos light emagrecem ............................................... 151Mas era peixe! .......................................................................... 155Bolachas de água e sal e tostas em vez de pão

ajudam a emagrecer ............................................................ 157Para perder peso, é necessário eliminar totalmente

as gorduras da alimentação................................................. 158Beber muitos cafés ajuda a emagrecer ................................... 159Quem dorme pouco é mais magro ......................................... 160Os produtos sem glúten fazem emagrecer ............................ 162Não se deve comer massa quando se quer emagrecer .......... 165O arroz não tem tantas calorias como a massa,

por isso, é dietético .............................................................. 168O jejum total desintoxica e faz emagrecer ............................. 169Saltar refeições ajuda a emagrecer ......................................... 174

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Se fizer dieta, os primeiros quilos que perder são apenas água ................................................................... 175

Tenho excesso de peso porque os meus ossos são pesados .. 177Como tenho de perder muitos quilos, nem sequer tento ..... 178Tenho excesso de peso porque faço retenção de líquidos ..... 182Não me importo de recuperar peso, porque depois

volto a emagrecer ................................................................. 184Beber álcool ou vinagre faz emagrecer .................................. 188Os comprimidos para perder peso são a receita mágica

para emagrecer .................................................................... 190Para emagrecer, é necessário renunciar à vida social ............ 197Os óculos azuis fazem emagrecer .......................................... 200

8. COMIDA E SAÚDE ............................................................... 203Comer carne e massa na mesma refeição faz mal ................ 205Os ovos fazem mal ao fígado .................................................. 207Um copo de vinho tinto é como um remédio ........................ 207O cálcio da água não é bom e provoca cálculos ..................... 210Os espinafres previnem a anemia porque são ricos

em ferro ................................................................................ 212Os chocolates e os enchidos provocam acne ......................... 213O mel cura a tosse ................................................................... 215A vitamina C cura a constipação ............................................. 215Devemos evitar os ovos porque contêm muito colesterol ..... 217O leite cru não causa intolerância à lactose ........................... 219A futura mamã deve comer por dois ...................................... 222O café faz aumentar a pressão arterial ................................... 224

9. A FOBIA DO BRANCO ......................................................... 227Beber leite em adulto não é natural e faz mal ....................... 229O queijo mozarela é magro ..................................................... 236As carnes brancas são menos nutritivas

do que as carnes vermelhas ................................................ 237A farinha branca é tóxica ......................................................... 242A dieta branca faz manter a linha ........................................... 246

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O sal iodado é o novo veneno legalizado ................................ 247Para emagrecer, é necessário abolir o sal da cozinha

e da mesa .............................................................................. 251

10. FRUTOS MILAGROSOS ..................................................... 253Só a banana dá muito potássio ............................................... 255O limão é um bom desinfetante do marisco ......................... 256O ananás (ou a toranja) no final da refeição queima

as gorduras ........................................................................... 258As vitaminas estão na casca da fruta ...................................... 260A fruta de verão tem mais açúcar ........................................... 260As oleaginosas são uma generosa fonte de ómega-3 ............. 263A fruta fresca contém todas as vitaminas .............................. 268

Agradecimentos ......................................................................... 271

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Abreviaturas

AAL = ácido alfa linolénicoACR = aminoácido de cadeia ramificadaASAE = Autoridade de Segurança Alimentar e EconómicaCREA-NUT = Centro di ricerca Alimenti e nutrizione, do Istituto

nazionale della Nutrizione, posteriormente, INRAM (Instituto de Investigação da Alimentação e Nutrição)

DHA = Ácido docosa-hexaenoico, ácido gordo polinsaturado da série ómega-3

EFSA = European Food Safety Authority, Autoridade Europeia para a Segurança Alimentar

EPA = ácido eicosapentaenoico ou icosapentaenoico, ácido gordo ómega-3FDA = Food and Drug Administration, entidade governamental

norte-americana, Agência para os Alimentos e para os MedicamentosFOSAN = Fundação para o Estudo dos Alimentos e da NutriçãoHDL = High Density Lipoprotein, lipoproteínas de elevada densidadeIARC = International Agency for Research on Cancer, Agência Internacional

para a Investigação sobre o CancroNCRN = Níveis de Consumo de Referência dos Nutrientes e energia

para a população italianaLDL = Low Density Lipoprotein, lipoproteínas de baixa densidadeNASA = National Aeronautics and Space Administration, agência

governamental civil responsável pelo programa especial dos Estados Unidos da América e da pesquisa aeroespacial

OMS = Organização Mundial da SaúdeRDA = Recommended Dietary AllowancesVLDL = acrónimo de very low density lipoproteins, lipoproteínas

de densidade muito baixa

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Prefácio

S eria realmente necessária uma seleção de lugares-comuns e de verdadeiros mitos urbanos relativos aos alimentos e à alimentação? Não se falou já o suficiente sobre alimentação?

Sabemos que muitos especialistas da área têm tentado desmistificar as variadas e muito difundidas «falsas verdades» que circulam sobre o que comemos.

Contudo, é evidente que não foi suficiente. Na verdade, e até agora, quanto a mitos e falsas convicções, a área da alimentação supera todos os recordes de quantidade, variedade, fecundidade e, infelizmente, também de indestrutibilidade de novas e surpreendentes invenções. Deparamos com estes mitos alimentares a todo o momento, nas con-versas entre amigos, nas consultas com os pacientes, nas páginas de jornais e, infelizmente, em algumas declarações de individualidades da área da saúde. E a sua forte presença é o reflexo do insuficiente nível de informação existente sobre este tema e da facilidade com que algumas teorias, fascinantes e bem apresentadas, lançam as raí-zes de um imaginário coletivo muito vulnerável.

Contudo, é imperioso não aceitar passivamente esta situação e tentar, de alguma forma, fazer algo para a corrigir e melhorar. E isto pelo simples facto de que muitas vezes não se trata apenas de ino-fensivos mal-entendidos que nos dão vontade de rir, mas, pelo con-trário, de crenças distorcidas que se difundem na cultura popular, equívocos aparentemente pouco importantes que, se não forem desmentidos e redimensionados, adquirem uma imerecida credibi-lidade, condicionando profundamente escolhas e comportamentos

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relativos à alimentação. Tendo em conta a experiência quotidiana, poderá pôr em risco uma alimentação completa, adequada e variada, ou seja, a saúde, sobretudo das faixas etárias mais jovens.

Em suma, é importante tentar corrigir os lugares-comuns ali-mentares. Mas, para isso, é necessário conhecê-los bem e perceber a razão por que surgem como cogumelos, multiplicando-se incessan-temente e resistindo ao longo de décadas, invulneráveis a qualquer tipo de desmentido, por muito bem documentados que estejam. Não é por acaso que Ancel Keys, o famoso norte-americano que coorde-nou as investigações na década de 1950 que relançaram os hábitos saudáveis do modelo alimentar mediterrânico, escreveu que basta um dia para lançar uma nova «tese» alimentar, por mais infundada que seja, mas, depois, dez anos de testes científicos não são suficien-tes para a apagar da mente das pessoas.

As causas desta incontestável realidade são muitas: a primeira é certamente o interesse visceral que tudo o que está relacionado com a alimentação suscita em cada um de nós, talvez pelo simples facto de nos confrontarmos com esta necessidade primária todos os dias, várias vezes por dia. A segunda resulta da clara perceção da estreita relação, vivida muitas vezes com uma sensibilidade exagerada, exis-tente entre o que comemos e o nosso bem-estar. Mas a terceira causa é, sem dúvida, o erro, cometido por muitas pessoas, de considerar o tema «alimentação» como algo simples, como um tema ao alcance de todos e sobre o qual todos, mesmo sem preparação científica, teriam — não se sabe bem porquê — o direito de falar livremente, emitindo juízos incontestáveis e fazendo valer as suas ideias como se fossem verdades indiscutíveis.

Os preconceitos alimentares que minam os conhecimentos popu- lares podem ter diferentes origens. Terão sido teorias outrora válidas mas que depois acabaram por ser contestadas pelos progressos da in- vestigação científica, sem que o grande público possa (ou queira…) reconhecê-lo. Ou, então, convicções e experiências pessoais transfor-madas em regra (a atitude mais anticientífica que se possa conceber) e muito difundidas, por serem fascinantes ou apresentadas habil-mente. Ou, ainda, teses e fórmulas «modernas» colocadas em prática

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Prefácio

para promover um produto, um fármaco ou uma atividade profissio-nal. Ou, por fim, crenças enraizadas na tradição popular e, por isso, erroneamente consideradas vox populi, vox dei.

Na década de 1990, um grupo de especialistas abordou a ques-tão, reunindo uma lista de 60 lugares-comuns alimentares especial-mente difundidos entre nós e confiando a um importante Instituto de Investigação a tarefa de desenvolver uma pesquisa com o obje-tivo de identificar os lugares-comuns mais enraizados no imaginá-rio coletivo. Foi realizada («Notícias da Alimentação», n.º 2, Ano X, 1999) uma classificação interessante, e também surpreendente sob determinados pontos de vista, um quadro de vantagens e desvan-tagens que, por um lado, parecia indicar um maior conhecimento relativamente ao passado, mas, por outro lado, denunciava impiedo-samente a existência, sobretudo nos menos jovens, de alguns «erros alimentares» que se esperavam já ultrapassados.

No entanto, é um dado adquirido que os falsos mitos alimenta-res surgem, ganham forma e se difundem com extrema facilidade, ainda nos dias de hoje. Ou deveríamos dizer «sobretudo» nos dias de hoje? Isto porque, no século xxi, a facilidade com que a Internet permite que determinadas notícias sejam confirmadas e espalhadas de forma «viral», como se costuma dizer, fez com que as «fake news alimentares» se multiplicassem de forma impressionante, aumen-tando e não diminuindo, fazendo aparecer todos os dias novas teo-rias. Só este facto já bastaria para justificar a necessidade de fazer o ponto da situação e atualizar os ainda válidos teoremas deste tipo que surgiram nos últimos 20 anos.

Mas não só. Uma especial atitude desde sempre existente, mas que há alguns anos parece aumentar, torna mais consistentes e persuasivas, embora mais perigosas, estas erróneas convicções alimentares. Refiro-me ao que foi eficazmente definido por «neo-xamamismo» (copyright do professor Rosario Sorrentino) e «anti-cientismo», que se concretiza na tendência para ficar fascinado com a «ciência feita por ti» e nos teoremas científicos autorreferenciais que são frequentemente defendidos por estranhas companhias de teatro, constituídas por atores, apresentadores, DJ, jornalistas,

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estrelas do rock e comentadores de várias áreas, desconfiando de tudo o que provém do mundo da ciência. Uma tendência e uma tomada de posição tão presente na sociedade moderna, dando vida a fenómenos importantes e coletivos de verdadeiro distanciamento e de furiosa rebelião às regras que a comunidade científica tenta difundir (e, por vezes, porque não?, também de impor) para o bem comum.

Os recentes exemplos publicados nas primeiras páginas dos jor-nais (e nas salas de tribunais) fazem parte da memória de todos. Contudo, além dos episódios mais escandalosos, é a difusão desta mentalidade do tecido social que preocupa. Em Itália, piorou, há al- gum tempo, a situação que já em 2001 o professor Angelo Panebianco sintetizava, com muita perspicácia e antecipação, num artigo seu: «As elites italianas, também devido a uma formação na sua maioria não científica, têm tradicionalmente uma relação muito difícil com a ciência. Na sua essência, não entendem os procedimentos nem estão em condições de apreciá-los.»

Palavras sagradas. E a causa é provavelmente objeto de investi-gação, como há muitos anos repetimos, num bem definido defeito cultural de fundo da nossa sociedade, ou seja, impreparação para perceber como é concebida e como funciona a dialética científica, que, pela sua natureza, não prevê certezas, mas apenas hipóteses. E hipóteses que, inclusive, devem ser continuamente controladas e verificadas, num incessante exame crítico que, em vez de induzir desorientação ou ceticismo, deveria representar a melhor garantia da seriedade e da retidão dos resultados que são obtidos, dos mode-los de comportamento que são sugeridos e, por fim, quando se fala de comunicação, também de informações que são difundidas.

Entre nós, verifica-se essencialmente o contrário. Na verdade, a nossa formação cultural, substancialmente filosófico-humanística ou, se quisermos, de tipo lógico-literário, e a nossa escassa educação em princípios básicos da ciência moderna faz com que a nossa men-talidade esteja sempre e apenas à procura de certezas e de respostas precisas, irrefutáveis e imutáveis ao longo do tempo: uma atitude que fatalmente leva a más interpretações do adequado cuidado a ter quando

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Prefácio

se apresentam determinados resultados e certas hipóteses e deixando- -se fascinar, pelo contrário, por quem exige e pretenda avançar apenas com «verdades» absolutas. A este respeito, serve de exemplo um artigo de um médico e escritor, Cornaglia Ferraris: «A medicina avança com as dúvidas, os charlatães apenas têm certezas.»

E é desta forma que (e aqui é de novo o professor Panebianco a falar) «se determina um curto-circuito na comunicação, em que nunca são os cientistas a falar realmente ao país, mas o sistema mediático, com as suas dúvidas, os seus preconceitos ideológicos, as suas exigências de sensacionalismo». E mais: «os muitos que sofrem da síndrome anticientífica, incluindo aqueles que leram Popper sem o perceber, defendem que a ciência não oferece certezas e, por isso, reduz-se a uma mera opinião, sendo cada um livre de escolher a opinião que prefere. Mas não é assim. Mesmo em casos com maiores lacunas, existe sempre uma opinião científica predo-minante — talvez provisória, mas sempre baseada no saber — que é imperioso ouvir e respeitar. A alternativa é pôr de lado a razão e deixar que sejam apenas as emoções, e os charlatões que as adminis-tram, a governar as nossas escolhas.»

Um diagnóstico extraordinário, sobretudo se pensarmos que estas palavras foram escritas depois de tantas e discutidas terapias contra o cancro (como de Hamer, de Gerson e de Di Bella), mas muito antes de ocorrerem outros casos flagrantes que reuniram tan-tos defensores, como dos dois médicos que defendiam poder curar os cancros — o primeiro com bicarbonato e o segundo com a acupun- tura e cortisona — ou como o tratamento com estamina ou a mais recente e imprudente campanha antivacinação. Relativamente a esta questão, o professor Panebianco voltou a intervir em 2017, pergun-tando-se de novo e seriamente: «Porque é que quem não é licen-ciado na matéria opina sobre temas científicos complexos, julgando estar a falar em pé de igualdade com os verdadeiros especialistas?»

Em suma, a situação não tende a melhorar, e o mesmo acontece, infelizmente, na divulgação científica em geral e também na abor-dagem das problemáticas alimentares. Todos os dias nos chegam exemplos através dos meios de comunicação e, sobretudo, das redes

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sociais, dado que o livre acesso à Internet favorece a difusão em rede de qualquer notícia, incluindo as falsas e aquelas que seria melhor que não fossem rapidamente passadas para a opinião pública antes de serem verificadas e confirmadas. E esta circulação sem qualquer controlo é realmente um grande problema no delicado setor da informação na área da saúde. Um setor que, como sublinhado pelo conhecido jornalista científico Luciano Onder, tem uma grande rele-vância ética e apresenta aspetos e deveres muito especiais, dado que, ao contrário de outras áreas do jornalismo, não é possível dar apenas importância ao público: os dois tipos de informação não podem, de forma alguma, sujeitar-se às mesmas regras.

Entrando nos meandros das «mentiras alimentares», também neste campo a mentalidade anticientífica exibicionista tem certa-mente muitas responsabilidades, deixando muitas lendas bizarras e outras tantas erradas convicções difundirem-se com desarmante facilidade e, sobretudo, espalharem-se tenazmente a todos os níveis culturais. E apenas abordando com seriedade estes temas e redimen-sionando-os ou desmentindo-os, pelo menos em parte, se poderá melhorar os conhecimentos numa área que, é inegável, foi negligen-ciada pela informação institucional.

Na verdade, não podemos iludir-nos ao pensar que discutir e pro-curar desmitificar uma série de preconceitos alimentares pode resol-ver o problema. Se pensássemos assim, seria realmente pretensioso. Contudo, não é demasiado poder pelo menos dar um pequeno con-tributo positivo no esclarecimento de qualquer ponto controverso e retratar uma situação que está em contínua mudança.

O nascimento de uma nova listagem de crenças populares resulta do indubitável interesse que a matéria suscita no público e da oportunidade de aumentar e atualizar a lista em relação às ante-riores. Nestas páginas, podem-se efetivamente encontrar antigos conhecimentos lado a lado com novos «mitos» que em tempos não haviam sido ainda abordados, alguns dos quais são acompanhados por convicções, ideias e comportamentos verdadeiramente ímpares. É importante precisar que muitos destes últimos resultam principal-mente da experiência pessoal, ou seja, do contacto diário com tantas

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pessoas dotadas de uma extraordinária variedade de fundo cultural, de hábitos e tendências e de verdadeiras convicções sempre muito difíceis de corrigir.

É igualmente importante salientar que não se interpretou o exa- me deste caleidoscópio de falsos mitos alimentares apenas como uma forma banal de acabar com o prazer de mentir ou, pior ainda, de evidenciar determinadas ideias erradas e, por vezes, também vagamente cómicas. A intenção é outra, e espero que transpareça claramente nestas páginas: não apenas limitar a desmentir algumas ideias discutíveis, mas também — por defeito profissional, tenho de confessar — aproveitar a oportunidade para acrescentar também uma série de outras informações e notícias que considero úteis e interessantes para quem se preocupa com a sua alimentação.

Uma resumida listagem destes conhecimentos potencialmente úteis poderá eventualmente dar uma melhor ideia. Por exemplo, aprofundar a composição de nutrientes de variadas categorias de comida de longo prazo. Ou, então, dar a conhecer a quantidade de consumo sugerido para muitos nutrientes de grande importância, incluindo alguns menos conhecidos, como os ómega-3 ou o iodo. Ou, então, falar das consequências que podem ter algumas tendên-cias atuais, como os alimentos light ou integrais, os alimentos sem glúten ou os substitutos das refeições, os suplementos alimentares ou os denominados «superalimentos». Ou indicar os níveis de con-sumo ideais para saciar as necessidades primárias, incluindo dos desportistas e de quem estuda, e também os possíveis perigos resul-tantes das «megadoses». Ou assinalar os riscos inerentes a dietas alimentares discutíveis, do jejum prolongado ao vinho entendido como um fármaco, assim como em alguns comportamentos à mesa típicos da nossa época, da moda do sushi às bebidas energéticas. Ou abordar exaustivamente policromáticas idiossincrasias muito à la page, como aquelas que têm como alvo as carnes vermelhas e os supostos «venenos brancos», ou seja, a farinha, o leite e o açúcar: porém, nada a objetar sobre as críticas ao abuso do sal, mas con-siderei oportuno referir o sal iodado. Ou, ainda, discutir modelos alimentares erróneos «por demasiado afeto», como a dieta branca

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ou a alimentação na gravidez, ou dos estudantes durante a época de exames. Ou relembrar as interações entre alguns alimentos e deter-minados fármacos, além de conselhos e possíveis problemas relati-vos a vários tipos de cozedura, da fritura ao grelhado, até ao uso do micro-ondas. E, certamente, sublinhar também os riscos inerentes à adoção de dietas de emagrecimento estranhas ou desaconselháveis, ou, ainda, dietas baseadas em intolerâncias alimentares. E muito mais.

No fundo, o objetivo não foi apenas desmentir muitas das mais difundidas falsas crenças alimentares, mas também fornecer uma série de dados e conselhos praticados que o comum consumidor muito dificilmente consegue conhecer, dado que não pode dispor agilmente dos documentos orientadores, preparados e aprovados pela comunidade científica.

Quem ler irá provavelmente reparar também na ausência de alguns mitos alimentares frequentemente citados nas conversas e nos jornais. É verdade, mas, além de a lista ser praticamente infin- dável, existem casos em que a crença não era, à luz do que hoje se sabe, totalmente falsa, ao ponto de merecer ser desmentida de forma implacável. Alguns exemplos, para esclarecer melhor: fumar faz emagrecer (infelizmente, é verdade que fumar faz quase sempre perder peso, embora seja um emagrecimento nocivo, que não se aconselha a ninguém: mas não se trata de um falso mito); a exa-gerada idealização do picante, do chocolate negro com alto teor de cacau, do chá verde e dos produtos biológicos (elogiam-se dema-siados benefícios não confirmados, mas, no fundo, existe indubita-velmente algo de sólido); a demasiada intransigente idolatria pelas virtudes milagrosas da dieta vegana (cujas virtudes e defeitos, nas várias faixas etárias, são examinados com serenidade e sem posições preconcebidas, mas demasiado complexas para discutir em poucas páginas); a história do chocolate que criaria «dependência» como se fosse uma droga (não se trata de verdadeira dependência, mas é verdade que o cacau contém algumas substâncias farmacologica-mente ativas, capazes de agir sobre o sistema canabinoide cerebral endógeno); e por aí em diante.

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Prefácio

Algumas considerações breves e conclusivas

A primeira é relativa à inegável ausência, no texto, de inúmeros aspe-tos — também importantes — relativos à nutrição humana. O mo- tivo é justificado pelo desejo de me manter fiel ao objetivo de fazer referência apenas aos temas relacionados de alguma forma com um «falso mito». Por outro lado, não ter abordado determinados temas está de acordo com as intenções iniciais, que não contemplavam cer-tamente a pretensão de realizar um tratado de ciência alimentar.

Depois, gostaria de salientar mais uma vez como apelo final uma atitude de equilíbrio e prudência que deveria ser sempre comum a todos os que se ocupam de temas científicos, quer como estudiosos quer como divulgadores ou simples apaixonados. Em suma, recor-dar que a ciência, pela sua natureza, não quer e nem pode dar cer-tezas imediatas, precisamente porque está em contínua evolução. Apenas as suas descobertas ao longo do tempo podem garantir uma determinada estabilidade da tese. Um exemplo, no que respeita à nutrição, é dado pelo facto de que, durante muitas décadas, as inves-tigações se focaram sobre efeitos de cerca de 40 nutrientes conhe-cidos (das gorduras e das proteínas às vitaminas e aos minerais), enquanto atualmente a atenção está a concentrar-se na miríade de compostos bioativos presentes nos alimentos. Compostos que, com os verdadeiros nutrientes, se complementam na promoção da saúde. Trata-se de uma área de estudo fascinante, da qual sabemos ainda muito pouco e que nos próximos anos promete desenvolvimentos interessantíssimos e potencialmente muito vantajosos para todos.

Por fim, que me seja permitido cultivar a ilusão de o facto de ter utilizado o tema curioso e estimulante das «mentiras no prato» como veículo para difundir e atualizar também outras informações de caráter científico (relativas tanto à alimentação e à saúde como ao uso e ao contacto diário com o alimento, com as substâncias consti-tuintes e com os seus efeitos) possa, na globalidade, ser considerada uma abordagem com alguma utilidade. Ou talvez, afinal de contas, uma pequena mais-valia para o puro e simples tratado do tema atual dos «mitos alimentares».

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O leite pasteurizado não é tão nutritivo como o leite fresco

Trata-se de uma convicção tão difundida quanto exagerada.São evidentes as vantagens práticas relacionadas com o facto de

o leite ter uma conservação longa, mesmo à temperatura ambiente. Esta conservação obtém-se porque o tratamento denominado UHT («ultra high temperature», a cerca de 140 ºC por poucos segundos), além de destruir as bactérias patogénicas, como acontece mesmo na mais pequena «pasteurização» (aquecimento a 72 ºC durante cerca de 15 segundos e possibilidade de conservação no frigorífico até seis dias) destrói também os esporos termorresistentes e todos os orga-nismos responsáveis pela alteração do leite. Resultado: possibilidade de conservar o produto durante cerca de três-seis meses à tempera-tura ambiente.

Do ponto de vista nutritivo, ocorrem as seguintes consequên-cias: uma perda insignificante do valor biológico das proteínas (cerca de 6%); nenhuma influência sobre as gorduras presentes; algumas variações no conteúdo em vitamina D e, sobretudo, em vitamina A, um aspeto importante, pois o leite é uma boa fonte destas vitaminas; perdas até 30% da vitamina B1 e da B12, enquanto a B2 e a niacina, que são termostáticas, são conservadas; diminuição da vitamina C até 50% das quantidades iniciais, o que tem pouca importância, uma vez que o leite não é uma fonte relevante desta vitamina. Nenhuma va- riação no que respeita aos minerais, especialmente ao cálcio, do qual o leite é fonte preciosa para a alimentação humana.

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Na globalidade, o leite pasteurizado perde pouco do seu valor nutritivo em relação ao produto fresco, sendo estas reduzidas per-das amplamente compensadas pela maior disponibilidade e possi-bilidade de facilmente o distribuir e conservar sem o compromisso da cadeia do frio.

O leite cura a úlcera

É um ditado popular incorreto. De facto, é verdade que o leite, no mo- mento em que chega ao estômago, desenvolve uma ação neutrali-zante em relação a uma eventual excessiva acidez; porém, é também verdade que o seu efeito a longo prazo é quase o oposto, uma vez que, nas fases seguintes do processo digestivo, acaba por estimular a produção de ácidos.

De qualquer maneira, não se trataria de uma cura para a úlcera, mas apenas da atenuação dos distúrbios causados pelo excesso de acidez, ou, na melhor das hipóteses, de uma pequena preven-ção. Em suma, esta atividade protetora da mucosa gástrica, aliada durante um período de tempo a um elevado poder de absorção que era atribuído ao leite, é negada por muitos e deve ser amplamente redimensionada.

O leite magro contém menos cálcio

Não se percebe bem de onde vem esta ideia tão difundida.Sabemos que o leite, com os seus derivados, constitui uma im-

portante fonte de cálcio facilmente absorvível, graças também à ação favorecedora da caseína, a principal proteína do leite, e da lactose. O facto é que, na alimentação média italiana, por exemplo o cálcio fornecido pelo leite e pelos seus derivados assegura mais de 55% do consumo total deste mineral, sobretudo por mérito dos queijos (média de consumo de 57 gramas por dia per capita, praticamente quatro a oito porções standard por semana!).

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O consumo do leite é um ótimo hábito, mas é de salientar que o leite gordo (que, em 100 gramas, contém 87 gramas de água, apenas 3,6 gramas de gordura e 4,9 de açúcares, mais de 3,3 gramas de proteínas, 34 miligramas de colesterol e apenas 65 quilocalorias) é estranhamente conhecido como «alimento gordo». Um equívoco que, muitas vezes, induz as pessoas a não consumir leite e a prefe-rir, enganadas talvez pelo nome e impulsionadas pela moda, «lei-tes» vegetais (de soja, arroz, amêndoa, etc.), que, na realidade, não merecem ser definidos como tal, como em 2017 foi decretado pelo Tribunal da União Europeia.

É evidente que por «leite» apenas pode ser denominado o pro-duto da secreção das glândulas mamárias e que estes produtos vegetais, embora tendo um bom valor nutritivo, não podem ser con-fundidos com leite de vaca ou de cabra, ou de qualquer mamífero. É igualmente de salientar que a errada visão do leite como alimento gordo levou muitas pessoas a preferir a variedade de meio gordo (1,5 gramas de gordura, 45 quilocalorias e 7 miligramas de colesterol por 100 gramas), ou magro (0,2 gramas de gordura, 36 quilocalorias e apenas 2 miligramas de colesterol por 100 gramas). As escolhas são boas, mas o facto estranho é que muitos consumidores deixa-ram de o fazer (para depois preferir os produtos alternativos citados anteriormente) pela bizarra convicção de que o leite magro tivesse perdido, com a maior parte da sua gordura, também uma parte equi-valente de cálcio.

Não é necessariamente assim. O cálcio, um dos nutrientes mais importantes do leite, está presente com cerca de 119 miligramas por cada 100 gramas de leite gordo (as necessidades diárias estimadas para os adultos são cerca de 1000 miligramas). Contudo, as tabe-las de composição dos alimentos referem que, no leite meio gordo, encontramos 120 miligramas de cálcio por cada 100 gramas, e, no magro, um valor ainda maior, de 125 miligramas; tendo em conta que retiramos uma parte de um determinado componente (neste caso, a gordura), é inevitável que a concentração dos restantes com-ponentes aumente, mesmo limitadamente (a água aumenta para 90,5%, os açúcares para 5,3%, etc.).

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Assim, não deve haver nenhum receio em perder parte do forne-cimento de cálcio se escolhermos as variedades de leite mais magras disponíveis em todas as lojas.

E para completar o discurso sobre os «não-leites» vegetais, o de soja (chamá-lo «bebida à base de soja» é mais correto) tem 40 a 50 quilocalorias por 100 gramas, apenas 1,8 gramas de gordura, obviamente vegetais, e 3 a 3,5 gramas de proteínas. O eventual acrés-cimo de cálcio (160 miligramas por 100 gramas) permite a este pro-duto imitar ainda mais, em certo sentido, o espetro nutritivo do leite animal. Existem algumas limitações, mas não muito importantes, na qualidade proteica: a soja é uma leguminosa e as suas proteínas têm um bom valor nutritivo, embora um pouco inferior ao das pro-teínas animais e, por consequência, também das proteínas do leite. Para ser mais preciso, o «índice de qualidade das proteínas» (que se baseia na pontuação atribuída aos aminoácidos presentes, tendo em conta a digestibilidade das proteínas) atribui o valor máximo (supe-rior a 1) às proteínas do leite, dos ovos, da carne e, em geral, dos produtos animais, enquanto o índice das proteínas da soja é 0,95 (porém, bom) e dos legumes 0,70-0,75.

Os doces são os responsáveis pela diabetes

Na mentalidade comum, o aparecimento da diabetes num adulto foi sempre associado no passado a um elevado consumo de açúcar e de doces.

A diabetes mellitus é uma doença muito comum, caraterizada por uma alteração do metabolismo da glicose que se reflete no meta-bolismo das proteínas e das gorduras: por isso, diz respeito a todos os aspetos metabólicos do organismo, abrangendo, ao nível das suas complicações, vários órgãos e aparelhos, como o sistema cardíaco, vascular, renal e, em especial, os vasos da retina: a retinopatia diabé-tica é a causa mais frequente da cegueira.

A classificação das várias formas de diabetes é muito com-plexa. Esquematicamente, pode falar-se de diabetes mellitus tipo 1

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(denominada também diabetes juvenil ou insulinodependente) e de diabetes mellitus tipo 2 (denominada também de adulto ou insu- linorresistente).

A diabetes tipo 1 é a mais perigosa, surge repentinamente e as suas causas resumem-se a uma combinação de fatores genéticos, ambientais e imunológicos. Trata-se de uma doença autoimunitária, que normalmente se manifesta durante a infância ou a adolescência e é caraterizada pela carência primeiro relativa e depois absoluta de insulina (hormonas produzidas pelo pâncreas endócrino), com con-sequentes elevados valores de glicose no sangue em jejum (hipergli-cemia) e na urina (glicosúria), acidose, etc.

A diabetes tipo 2 representa cerca de 90% dos casos, sendo muito comum entre os pacientes obesos, e é a forma de diabetes mais fre-quente na idade adulta, além de ser a mais comum na população e em forte crescimento nos últimos anos. Consiste numa doença metabólica caraterizada também por elevada glicemia, manifestan-do-se quando o pâncreas produz uma correta quantidade de insulina que, contudo, não consegue desenvolver a sua função devido à resis-tência das células-alvo (recetores): numa fase inicial da patologia, leva a uma hiperprodução compensatória de insulina por parte do pâncreas (ao contrário do que acontece na diabetes tipo 1), produção que depois, nas fases seguintes da doença, tende cronicamente a diminuir.

Na diabetes tipo 2, a alimentação tem quase sempre responsa-bilidade no seu aparecimento ou no seu favorecimento. De facto, a obesidade é considerada a causa principal nas pessoas que são geneticamente predispostas. Esta forma de diabetes está ligada a um estilo de vida incorreto, caraterizado por uma alimentação não equilibrada e/ou excessiva e por uma escassa atividade física. Tem também uma forte caraterização genética, pelo que tende a ser here-ditária: quem tem pais ou familiares diabéticos tem maior probabili-dade de desenvolver a patologia. E dado que a diabetes tipo 2 resulta muitas vezes de hábitos não equilibrados, a correção do estilo de vida (normalização do peso e uma vida não sedentária com a prá-tica constante de exercício físico aeróbico) é a primeira prescrição

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terapêutica a adotar. No caso de não ser suficiente para controlar a glicemia — o que acontece em muitas pessoas, mesmo se o estilo de vida for perfeito —, será necessário o tratamento com fármacos.

No entanto, não é correto pensar que o consumo de doces (en- quanto tais) tenha necessariamente responsabilidades diretas no aparecimento e favorecimento da doença. Na verdade, os doces estão também implicados nos diabetes tipo 2, mas apenas quando constituem uma fonte de calorias em excesso em relação às reais necessidades, precisamente como pode acontecer com qualquer outro alimento com elevada densidade calórica. E é um facto que a diabetes tipo 2 surge quase sempre em associação com o excesso de peso ou obesidade, presente em 70% dos pacientes. Neste quadro, e para o aparecimento da doença, contribui a sobrecarga metabó-lica relacionada com os excessos alimentares, em especial relativos a alimentos com um elevado nível glicémico (índice que, em pou-cas palavras, representa a capacidade que uma certa dose de um alimento tem de aumentar a glicemia) e com um elevado consumo de calorias.

Um aspeto que, nos doces em geral, é muitas vezes favorecido mais pela abundância de gorduras do que de açúcares. Muitos estu-dos realizados na população desmentiram a crença popular de que é principalmente o consumo de grandes quantidades de açúcar que leva ao aparecimento da diabetes, sugerindo, por sua vez, que a maior contribuição para o aparecimento da doença é o consumo excessivo de gorduras, em especial, gorduras «saturadas», ou seja, presentes maioritariamente em produtos animais. Em suma, as res-ponsabilidades dos doces não são específicas, mas estariam ligadas ao facto de muitas vezes serem consumidos em doses elevadas e, sobretudo, com as refeições, contribuindo assim para aumentar a quantidade calórica diária e facilitar o aumento do peso que leva às causas do aparecimento da doença.

Contudo, confirma-se que, qualquer que seja a forma da diabetes, a alimentação representa um dos pontos principais da terapia. A es- tratégia dietética, recomendada por todas as associações nacionais e internacionais da diabetologia, é uma alimentação com quantidade

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glicémica controlada, bem distribuída ao longo do dia, rica em hidra-tos de carbono complexos (amidos e fibra), moderada em calorias e pobre em gorduras saturadas e em açúcares simples. Esta ação tem como objetivo manter sob controlo o peso corporal e os níveis de gorduras, glicose e insulina no sangue.

Na prática, o respeito por estas recomendações não implica necessariamente a drástica eliminação da nossa vida destes produ-tos doces, pelos quais tantas pessoas nutrem uma verdadeira paixão. É mais do que suficiente optar por doseá-los, possivelmente consu-mindo-os de preferência no contexto de uma refeição, com outros produtos com valor nutritivo mais ou menos semelhante e evitando cuidadosamente quebrar o equilíbrio entre a energia consumida através dos alimentos e a energia empregada nas atividades diárias.

Em poucas palavras, a primeira regra para evitar a diabetes no adulto é não aumentar de peso, fazendo mais atividade física ou evi-tando comer demasiado em geral, independentemente do tipo de alimento.

Os sumos e os batidos são substitutos da fruta

Os batidos e os sumos estão na moda, muitas vezes influenciada pela falsa ideia de que a nossa dieta atual não é suficiente para satis-fazer as nossas necessidades em vitaminas e minerais.

Naturalmente, não existe nada de mal em beber, em casa ou num café, um sumo à base de fruta ou legumes, feito numa máquina de sumos ou com a mais banal varinha mágica. Aliás, se este consumo substituir o enésimo café ou um aperitivo alcoólico, a escolha é apro-vada sem reservas. Contudo, que fique bem claro que esta escolha deve ser uma adição ao consumo da fruta propriamente dita e nunca uma desculpa para a abolir completamente!

Em suma, o consumo de fruta deve ter sempre prioridade em relação ao dos batidos ou dos sumos. A verdade é que, quando se opta por estes últimos, perde-se a maior parte da fibra presente na fruta e nos legumes (fibra que, por sua vez, se mantém em grande

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parte se optarmos, por exemplo, por um batido), obtendo-se uma me- nor sensação de saciedade, tão útil para evitar comer demasiado, perdendo-se o reflexo e o gosto da mastigação e também aquele efeito de limpeza dos dentes de alguns frutos.

Resumindo, é sempre preferível optar por fruta fresca. Claro que, para aqueles que não a comem, é melhor ingeri-la em batidos e sumos do que não a comer de todo!

O iogurte é uma panaceia

Não é totalmente verdade.O iogurte é indubitavelmente um ótimo alimento, muito útil

porque tem os mesmos importantes nutrientes existentes no leite — o cálcio principalmente — e de uma forma ainda mais digerível. Tem, ainda, um aspeto favorável para quem é intolerante à lactose: o facto de conter apenas cerca de metade da quantidade de dissacárido que está presente no leite.

Contudo, para uma eventual melhoria da flora bacteriana intes-tinal, uma ação de grande utilidade, o iogurte apenas atua em parte, e é pouco útil para combater a prisão de ventre. De facto, os fermen-tos láticos normalmente usados na produção dos comuns iogurtes (Lactobacillus bulgaricus e Streptococcus termophilus), presentes em elevadíssimo número (muitos milhões) em cada grama de produto, conseguem, de forma muito reduzida, ultrapassar a barreira ácida do estômago, não chegando em número suficiente à zona intesti-nal, onde deveriam exercer a sua função.

Para os mais modernos «leites fermentados» atualmente à venda, o discurso é diferente, pois contêm, sempre em grandes quantidades (que chegam a 30 milhões por grama), cepas mais resistentes deno-minadas fermentos probióticos, capazes de suportar a elevada acidez dos sucos gástricos. Estes microrganismos alcançam efetivamente, vivos, enérgicos e em grande número, a última parte do intestino, onde se multiplicam ativamente, colonizando-a de forma muito efi-caz. Assim, desenvolvem uma válida ação de reequilíbrio da flora

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bacteriana intestinal, colaborando para a manter em condições nor-mais, conferindo notáveis vantagens para a saúde do intestino e para o nosso organismo in toto.

Eis alguns exemplos das ações favoráveis desenvolvidas por uma boa flora bacteriana (ou microbiota humana): reforço do sistema imunitário, proteção de microrganismos patogénicos, melhor absor-ção de princípios nutritivos importantes, prevenção de infeções intestinais, apoio aos processos digestivos, produção de substâncias de efeito protetor da parede intestinal, etc.

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