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UNIVERSIDADE DO GRANDE RIO “PROF. JOSÉ DE SOUZA HERDY” UNIGRANRIO A MÍDIA E A CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE: ANÁLISE DO PERSONAGEM LUCA ATRAVÉS DOS GIBIS DA TURMA DA MÔNICA VANESSA NOGUEIRA MAIA DE SOUSA Duque de Caxias 2014

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UNIVERSIDADE DO GRANDE RIO “PROF. JOSÉ DE SOUZA HERDY”

UNIGRANRIO

A MÍDIA E A CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE: ANÁLISE DO

PERSONAGEM LUCA ATRAVÉS DOS GIBIS DA TURMA DA MÔNICA

VANESSA NOGUEIRA MAIA DE SOUSA

Duque de Caxias

2014

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VANESSA NOGUEIRA MAIA DE SOUSA

A MÍDIA E A CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE: ANÁLISE DO

PERSONAGEM LUCA ATRAVÉS DOS GIBIS DA TURMA DA MÔNICA

Dissertação apresentada à Unigranrio – Universidade do

Grande Rio, como parte dos requisitos parciais para

obtenção do grau de mestre em Letras e Ciências

Humanas.

Área de concentração: Educação, Linguagem e Cultura

Orientadora: Prof. Drª Daniele Ribeiro Fortuna

Duque de Caxias

2014

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S725m Sousa, Vanessa Nogueira Maia de.

A mídia e a construção da identidade: análise do personagem Luca através dos gibis da Turma da Mônica / Vanessa Nogueira Maia de Sousa. – 2014.

144 f. : il. ; 30 cm. Dissertação (mestrado em Letras e Ciências Humanas) – Universidade do Grande Rio “Prof. José de Souza Herdy”, Escola de Educação, Ciências, Letras, Artes e Humanidades, 2014.

“Orientadora: Profª Daniele Ribeiro Fortuna”. Bibliografia: f. 113-117.

1. Educação. 2. Mìdia alternativa. 3. Deficientes físicos. 4. História em quadrinhos. 5. Luca (Personagem fictício). I. Fortuna, Daniele Ribeiro. II. Universidade do Grande Rio “Prof. José de Souza Herdy”. III. Título. CDD – 370

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Dedico esta dissertação ao meu filho amado

Benício, ao meu esposo e amigo, Rodrigo e aos

incentivadores de toda uma vida: meus pais. A

todas as pessoas com deficiência física, o meu

desejo de um país mais justo e igualitário.

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AGRADECIMENTOS

Primeiramente, ao meu Deus, meu Redentor, toda a glória, honra e louvor! te agradeço por tudo o que fez em minha vida. A Ti, toda a minha gratidão. Aos meus pais, Vera Lúcia e José Antônio, pela dádiva de tê-los em minha vida, por todo o apoio, amor e por me ensinarem tantas coisas que tentarei passar ao meu filho. Amo vocês. Ao meu milagre, chamado Benício, eu te agradeço filho, por toda a paciência na minha ausência, por todo o amor que você tem por mim. Para você, todo o meu amor. Ao meu esposo, companheiro, amigo, Rodrigo, eu não teria conseguido sem você. Obrigada por toda a compreensão, por todo o apoio e amor. Você é fundamental e essa conquista é também sua. À minha irmã Viviane e meu cunhado Rafael, muito obrigada por todo o apoio num momento que para nós e nosso pai foi bastante difícil. Aos meus sobrinhos Davi, Fernando, Bianca e Alessandro, todo o meu afeto. Aos meus familiares, meus avós Olga e José, aos meus sogros, toda a minha gratidão. Eliza e Moisés, muito obrigada por estarem por perto enquanto precisei focar nos estudos. Deus os abençoe. À minha orientadora, Daniele Fortuna, por ter sido muito mais que uma grande profissional; uma brilhante professora. Obrigada pela dedicação, pelo apoio, por tudo que fez por mim, pela paciência, pela compreensão; enfim, muito obrigada! Aos professores Antônio Medina, Denise da Costa e Márcio Vilaça por suas riquíssimas contribuições, que foram fundamentais para a realização desta dissertação. A todos os professores que tive a honra de tê-los em minha vida acadêmica. Obrigada por partilharem seus conhecimentos e sabedoria. À coordenadora do curso, Prof Drª Jaqueline Lima, pela ajuda e competência à frente do Mestrado. Às secretárias do curso Daniele Mourão e Denise Coelho, obrigada por todo o apoio dado aos alunos. Ao colega de mestrado Dilermando Costa, por ter gentilmente cedido os exemplares da Turma da Mônica para esta pesquisa. Muito obrigada!

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À colega de curso Carina Alves, pelas ideias, pelos materiais de pesquisa e pelas conversas informais que, para mim, somaram muito. À Rosimeri Barbosa pelos materiais, dicas, conversas, apoio, caronas, enfim, obrigada. À minha amiga Monique Chaves, obrigada por me apresentar materiais sobre educação especial. À minha amiga Regiane Barroso, obrigada pelo apoio, pelas orações e por todo o carinho e amizade. A todos que, direta ou indiretamente, somaram para que este sonho se tornasse realidade: obrigada!

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“Há mudança no Brasil. Ela não corre, mas anda. Não corre, mas ocorre.”

(Herbert de Souza – o Betinho)

“Todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos [...]”

(Declaração Geral dos Direitos Humanos – 1948)

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RESUMO:

O presente trabalho traz a temática da mídia e a sua relação na construção da identidade

a partir do consumo. O personagem analisado é Luca – um menino cadeirante – nos

gibis da Turma da Mônica. Para a efetivação deste estudo, são utilizados os gibis, ou

histórias em quadrinhos, da Turma da Mônica; analisando cada aparição feita pelo

personagem nas histórias. O objetivo desta pesquisa é verificar de que forma a

abordagem deste personagem deficiente é realizada e o impacto da inclusão de um

personagem cadeirante nos gibis. A escolha pelos quadrinhos de Maurício de Sousa se

deve à marca, já sólida no mercado e reconhecida por muitas gerações. E a escolha por

este personagem se deve à sua abordagem, tão em voga no cenário atual. Luca é um

personagem cadeirante, mas um menino feliz, ativo, praticante de esportes e faz parte da

Turma principal. A proposta deste projeto é estabelecer uma conexão com os estudos

culturais e contribuir para os estudos sobre a mídia e a construção da identidade a partir

do olhar do outro, do “diferente”, trazendo para esta dissertação a representação do

universo do cadeirante.

Palavras-chave: Mídia, deficiência e histórias em quadrinhos.

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ABSTRACT

This present work piece brings the theme of media and its relationship in the

construction of identity from the consumer. The character analyzed is Luca – a disabled

boy, that’s in a wheelchair - in the comic Turma da Mônica. Analyzing each appearance

made by the character in the stories, for the realization of this study, the comics in

Turma da Mônica are used. The objective of this research is to verify in what form is

this disabled character conducted and the impact of including a disabled character in

comics. The choice of the comics by Mauricio de Sousa is due to it’s brand , already

known in the market and recognized by many generations, and the choice of this

specific character is due to its approach, fashionable in the current scenario. Luca’s

character is a disabled boy in a wheelchair, but still a happy boy, active by practicing

sports, and is part of Turma da Mônica. The purpose of this project is to establish a

connection of cultural studies and contribute it to studies of media and identity

construction from the glance of another , being "different " , bringing this dissertation to

represent the universe of a disabled.

Keywords: Media, disability and comics.

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SUMÁRIO Introdução........................................................................................................................14

1. Comunicação e identidade...........................................................................................18

1.1. A Escola de Frankfurt...........................................................................................18

1.2. Os Estudos Culturais............................................................................................23

1.3. Enunciador x Enunciatário...................................................................................27

1.4. A Mídia e a construção da identidade..................................................................28

1.5. A Mídia e o consumo............................................................................................32

2. Corpo, Deficiência e a Mídia.......................................................................................40

2.1. Conceitos..............................................................................................................40

2.2. O corpo cyborg.....................................................................................................44

2.3. Legislação.............................................................................................................48

2.4. Acessibilidade.......................................................................................................51

2.5 A mídia e a deficiência..........................................................................................58

3. HQ e Comunicação......................................................................................................65

3.1. História em quadrinhos no Brasil........................................................................65

3.2. Características das HQs.......................................................................................68

3.3. A marca “Turma da Mônica”..............................................................................72

3.3.1 História...........................................................................................................72

3.3.2 Evolução da marca..........................................................................................73

3.3.3 O Instituto Maurício de Sousa........................................................................76

4. Análise do caso Luca...................................................................................................79

4.1. Metodologia..........................................................................................................79

4.2. Estudo de Caso – Luca.........................................................................................85

4.2.1. Acessibilidade..................................................................................................86

4.2.2. Cadeira envenenada e turbinada......................................................................91

4.2.3. De olho no Biguibróder 1................................................................................96

4.2.4. A rampa...........................................................................................................99

4.2.5. A escritora......................................................................................................101

4.2.6. Correndo atrás do Luca..................................................................................102

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4.2.7. Belê? Belê?....................................................................................................104

Conclusão......................................................................................................................107

Referências bibliográficas.............................................................................................115

Anexo A – Acessibilidade.............................................................................................120

Anexo B – Amigos Especiais........................................................................................128

Anexo C – De olho no Biguibróder 1............................................................................133

Anexo D – A rampa.......................................................................................................135

Anexo E – A escritora...................................................................................................138

Anexo F – Correndo atrás de Luca................................................................................140

Anexo G – Belê? Belê?.................................................................................................143

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ÍNDICE DE FIGURAS Figura 1............................................................................................................................46

Figura 2............................................................................................................................48

Figura 3............................................................................................................................52

Figura 4............................................................................................................................53

Figura 5............................................................................................................................54

Figura 6............................................................................................................................69

Figura 7............................................................................................................................69

Figura 8............................................................................................................................70

Figura 9............................................................................................................................70

Figura 10..........................................................................................................................71

Figura 11..........................................................................................................................72

Figura 12..........................................................................................................................74

Figura 13..........................................................................................................................78

Figura 14..........................................................................................................................86

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INTRODUÇÃO

Mídia, consumo e identidade: estes três eixos serão trazidos para o cerne desta

dissertação, para a contextualização da deficiência representada nos quadrinhos da

Turma da Mônica, criação de Maurício de Sousa. Entender o comportamento do leitor

como consumidor e a análise empírica das participações de Luca nos gibis da Turma da

Mônica serão discutidos neste trabalho.

Ganham cada vez mais fôlego e relevância as temáticas relacionadas à identidade

no cenário social, acadêmico e midiático. O caso a ser estudado são os produtos

midiáticos – gibis - da Turma da Mônica. Será analisado um novo personagem, que faz

parte das histórias da Turma, pois este vem com um novo apelo, trazendo a deficiência

física (paraplegia, como é o caso de Luca) para as páginas da referida HQ. O

personagem é Luca, um menino cadeirante. A questão da deficiência x diferença,

trazida pela marca Turma da Mônica, terá destaque no presente trabalho.

Nesta dissertação, questões identitárias serão abordadas, bem como a questão do

ser “diferente”. Através dos gibis, será realizada a análise de seu conteúdo, com a

finalidade de apontar de que modo é feita a abordagem deste personagem.

Para maior entendimento do tema em questão, os conceitos ligados aos Estudos

Culturais e aos estudos da mídia serão estudados. Para tanto, faz-se necessário discutir a

questão da Indústria Cultural e entender brevemente os pressupostos ligados ao tema,

formulados pela Escola de Frankfurt, que influenciaram de forma crucial os Estudos

Culturais.

Para um embasamento teórico acerca da Indústria Cultural, haverá a abordagem

da Escola de Frankfurt. A Escola de Frankfurt, devido a sua importância acadêmica, é

referência teórica quando a temática é a mídia. Desta, é possível destacar dois de seus

grandes teóricos: Adorno e Horkheimer, os pioneiros Frankfurtianos, criadores do

conceito “Indústria Cultural”.

Para legitimar o objeto de estudo - a mídia e a construção da identidade –, o

presente trabalho terá como base teórica os Estudos Culturais, fazendo conexão com a

Mídia. Citam-se como referência os autores Douglas Kellner e Armand Mattelart e Érik

Neveu.

Aliada à questão da identidade, aqui já mencionada, salienta-se a temática do

consumo, da globalização, do novo cenário social e econômico, tendo como referência

teórica Néstor García Canclini. A fluidez desta identidade, o conflito do ser e do ter será

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debatido mediante as contribuições de Zygmunt Bauman, Stuart Hall e Mike

Featherstone.

De caráter interdisciplinar, este projeto pretende contribuir para o fomento de

pesquisas acadêmicas ligadas à mídia, ao consumo – a partir da noção de um

consumidor crítico – e à identidade da pessoa com deficiência abordada nas HQ´s.

Pesquisas no banco de teses da Capes foram realizadas no segundo semestre do

ano de 2013, e após as consultas, verificou-se que há pesquisas semelhantes à proposta

desta dissertação, mas nenhum estudo exatamente igual ao aqui abordado. A filtragem

ocorreu da seguinte forma: pela palavra-chave quadrinhos e, em seguida, pelas áreas do

conhecimento, Educação, Comunicação e Letras. Considerando que a história em

quadrinhos é o meio e o gibi da Turma da Mônica, o veículo de comunicação, e que a

deficiência física é tema central desta dissertação, destacam-se, no total, uma

dissertação e uma tese de doutorado. A tese de doutorado em Ciências da Comunicação

pela USP, sob o título “Saberes enquadrados: histórias em quadrinhos e (re)construções

identitárias” é de autoria de Geisa Fernandes D´Oliveira, do ano de 2009. A dissertação

de Mestrado em Educação pela ULBRA, sob o título “Educação e representações de

deficiência na Turma da Mônica de Maurício de Sousa” foi escrita por Dionara

Dall´Agnol, no ano de 2008.

Embora o tema história em quadrinhos seja amplamente analisado no cenário

acadêmico, há a necessidade de se trazer à discussão teórica e acadêmica, questões

como a deficiência física nas HQ´s, já que possuem potencial provável de alcance em

sua difusão e grande receptividade por parte do leitor/consumidor.

Ao analisar Luca nas histórias da Turma da Mônica, o objetivo principal deste

trabalho é identificar e salientar a intencionalidade de se promover a construção de uma

nova identidade e gerar discussão sobre o tema, até então não retratado nos gibis de

grande visibilidade na mídia. Como objetivo geral, há duas questões a serem

pesquisadas, que são: a necessidade de se verificar como a mídia pode auxiliar na

propagação desta identidade e problematizar a abordagem do personagem Luca,

levando em consideração a utilização de tecnologia e ficção para a representação da

deficiência.

O problema a ser discutido nesta dissertação é: sob quais condições se dá a

inclusão do personagem Luca num produto midiático como as HQ´s da Turma da

Mônica? Tal questão traz como hipótese: O quadrinista e empresário Maurício de Sousa

percebe a crescente necessidade na abordagem de temas de cunho social em suas

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histórias, por haver necessidade de modernização e a atenção a estas novas identidades

sociais, criando um novo apelo ao consumo de seus gibis.

Esta dissertação está organizada em quatro capítulos, além da referência

bibliográfica; sendo o primeiro capítulo destinado à Comunicação e identidade. O

segundo capítulo é dedicado à Mídia e a deficiência; o terceiro traz a HQ e a

comunicação e o quarto e último capítulo será para a análise do caso Luca.

A Escola de Frankfurt e os Estudos Culturais estão no primeiro capítulo como a

base teórica desta dissertação. A discussão sobre a mídia, a identidade e o consumo - e

como estes três conceitos afetam a configuração social e cultural - faze parte deste pilar

teórico.

A deficiência física e seus conceitos; a visão do corpo cyborg (homem x

máquina); a legislação e a práxis sobre a deficiência no Brasil; além da acessibilidade e

a questão do trato da Mídia sobre o deficiente, são trazidos no segundo capítulo desta

dissertação.

Os quadrinhos, a história de seu surgimento no Brasil, suas características

enquanto gênero, bem como a história da Turma da Mônica e sua posição como um

produto midiático, fazem parte do terceiro capítulo. Cabe ressaltar que o Instituto

Maurício de Sousa, responsável por projetos de cunho social, cultural e ambiental

também serão analisados neste capítulo.

O personagem Luca é tema central do quarto capítulo, trazendo sua origem, suas

características, seu crescimento como personagem dentro da Turma e como o

personagem pode auxiliar no processo do trabalho com as diferenças. Este capítulo é

uma análise do caso que é assunto central desta pesquisa. A pesquisa empírica contará

com as histórias em quadrinhos em que o personagem tenha aparecido ou participado

efetivamente. A análise de caso será precedida pela metodologia, que está neste mesmo

capítulo para embasar a análise empírica, a partir das contribuições metodológicas de

Umberto Eco (2012) no estudo empírico de “Steve Cannyon”.

Luca faz parte da turma principal da Turma da Mônica, não foi incluído nas

revistinhas dos personagens secundários, porém, mesmo assim, não há uma

regularidade e frequência nas suas aparições. A intenção deste trabalho é delimitar o

corpus da pesquisa em sete histórias específicas, analisando o personagem a partir

destes quadrinhos. As HQs são: “Acessibilidade”, “Amigos Especiais”, “De olho no

biguibróder 1”, “A rampa”, “A escritora”, “Correndo atrás do Luca” e “Belê, Belê?”.

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A análise ocorreu através da amostragem das revistas publicadas em todo o ano

de 2012; exceto as revistas “Acessibilidade” de 2006; “Amigos especiais” e “De olho

no biguibróder 1”, de 2011.

A cada história do personagem, a linguagem, o gesto, a receptividade por parte

dos colegas de bairro, a tecnologia usada para livrá-lo de percalços e a forma como ele

se projeta e como os outros o idealizam, serão salientados para que seja possível traçar

um caminho para o estudo do caso Luca.

A possibilidade de haver mais personagens dentro da ótica da inclusão nas HQ´s,

além dos que já existem no momento, e o crescimento do personagem a partir da

valorização real da deficiência, ou seja, a não caricatura do deficiente, são caminhos que

a mídia pode percorrer a partir de uma demanda social, cultural e econômica. E é nesta

perspectiva, a de gerar mais pesquisas voltadas para estas questões, que este trabalho

ganha relevância acadêmica.

Antes de empreender esta análise, é preciso contextualizar a importância dos

estudos da mídia, nos quais a Escola de Frankfurt e os Estudos Culturais são peças

chave. No próximo capítulo, os Frankfurtianos e os teóricos dos Estudos Culturais serão

estudados, além das discussões sobre a mídia, a identidade e o consumo.

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1. COMUNICAÇÃO E IDENTIDADE

Neste capítulo, A Escola de Frankfurt e os Estudos Culturais serão aqui

analisados, mediante a necessidade de uma contextualização teórica para esta

dissertação, que se baseia nas contribuições dos estudiosos, teóricos e pesquisadores

destas duas correntes acadêmicas. Estas análises são necessárias para o melhor

entendimento das questões como a identidade, consumo e a mídia.

O destaque dado aos Estudos Culturais nesta dissertação se deve ao fato de que

novas temáticas precisam ser discutidas, trazidas à tona, já que a sociedade passa por

transformações sociais e culturais frequentemente.

Em contrapartida, ressalta-se que os conceitos da Escola de Frankfurt, a Teoria

Crítica, a Cultura de Massa e a Indústria Cultural precisam ser debatidas, pois trazem a

visão crítica no que diz respeito à sociedade de massa e ao produto midiático.

1.1 A ESCOLA DE FRANKFURT

O termo Escola de Frankfurt, segundo Freitag (1986, p. 10), refere-se a um grupo

de intelectuais, alemães, marxistas, não ortodoxos, que, a partir da década de 1920, se

reuniram para a elaboração e institucionalização de trabalhos críticos e reflexivos.

É na Escola de Frankfurt, em 1937, que Horkheimer desenvolve a Teoria Crítica.

Esta teoria pretende analisar todo o processo de transformação da cultura em mera

mercadoria, passível de troca. Para Horkheimer, a Teoria Crítica deve visar o futuro de

uma humanidade emancipada, a partir dos ideais iluministas, utilizando a razão como

instrumento de libertação para o homem.

Em 1937, enquanto Horkheimer lança os fundamentos da Teoria Crítica, por meio

de seu ensaio A Teoria Crítica e a Teoria Tradicional, Adorno, nesta mesma época,

volta seus esforços para a análise da música, a produção em massa de discos e as

emissões radiofônicas. A Teoria Crítica, que é também uma teoria social, nasceu da

inquietação deste grupo de estudiosos que não se conformavam com a produção em

série e comercialização da cultura.

Em 1947, surge a obra que se tornou marco para a pesquisa e teorização

sociológica, A Dialética do Esclarecimento, desenvolvida por Adorno e Horkheimer.

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Esta teoria descreve uma dialética da razão, em sua trajetória originalmente concebida.

Para Horkheimer, de acordo com Freitag (1986, p. 35), “a essência da ‘Dialética do

Esclarecimento’ consiste em mostrar como a razão abrangente e humanística, posta a

serviço da liberdade e emancipação dos homens, se atrofiou, resultando na razão

instrumental”.

Costa Lima (2000, p. 287) esclarece que o termo Indústria Cultural foi

empregado por Adorno e Horkheimer, em 1947, para tratar das questões e as

problemáticas da cultura de massa. Eles abandonaram o termo cultura de massa para

usar, então, Indústria Cultural. Os autores classificam a arte como “Arte Superior” e

“Arte Inferior”.

Em História das Teorias da Comunicação, Armand e Michèle Mattelart (2012, p.

77) conceituam a Indústria Cultural, como “a análise da produção industrial dos bens

culturais como movimento global de produção da cultura como mercadoria”.

A reprodutibilidade técnica, através da Indústria Cultural, responsável pelas

cópias de milhares de produtos culturais, tornou-se o centro das discussões teóricas. A

reprodutibilidade técnica é a capacidade de reproduzir obras de arte em grande escala,

por meio de técnicas como a fotografia, o cinema e as obras de arte.

Em A obra de arte na época de suas técnicas de reprodução, Walter Benjamin

(1975, p.11) afirma que a obra de arte, por princípio, sempre foi suscetível de

reprodução. Como exemplo, Benjamin cita a gravura na madeira, que, pela primeira

vez, possibilitou a reprodução de um desenho, muito antes da imprensa trazer a

multiplicação da escrita.

Ainda de acordo com o autor, a litografia - a arte de gravar imagens nas pedras –

trouxe grande progresso às técnicas de reprodução, já que pioneiramente as reproduções

em série e novas obras puderam ser realizadas. A partir deste fato, o desenho pode

retratar a realidade cotidiana. A litografia abria espaço para o jornal ilustrado e a

fotografia, para o cinema falado.

Benjamin, porém, salienta que, por mais perfeita que seja uma obra reproduzida,

sempre lhe faltará algo; algo que, segundo o autor é “a unidade de sua presença no

próprio local onde se encontra”, a sua autenticidade. E para Walter Benjamin, (1975, p.

14), “o que caracteriza a autenticidade de uma coisa é tudo aquilo que ela contém e é

originalmente transmissível, desde sua duração material até seu poder de testemunho

histórico.”.

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20

O autor considera que, ao se reproduzir uma obra de arte, esta perde sua aura, sua

significação original e tradição. Por outro lado, esclarece que, ao ser reproduzido, o

objeto está disponível para a visão e audição, conferindo a este mesmo objeto atualidade

permanente. Walter Benjamin (1975, p. 27) afirma que “as técnicas de reprodução

aplicadas à obra de arte modificam a atitude da massa com relação à arte”.

Mantendo proximidade direta com as influências teóricas de Karl Marx,

Horkheimer argumenta, de acordo com Freitag (1986, p. 39), que a economia de troca

levaria ao agravamento das desigualdades e contradições na sociedade, podendo gerar

conflitos.

Em 1970, já distante do Marxismo, segundo Freitag (1986, p. 39), Horkheimer

identifica, em seu ensaio A teoria crítica ontem e hoje, três grandes equívocos da Teoria

Marxista: o primeiro se deve ao fato de que, mesmo diante da constante degradação da

classe operária, não ocorreu a Revolução Proletária. Já o segundo equívoco apontado

por Horkheimer, está relacionado à crise nos ciclos de vida do capitalismo, em

consequência da instabilidade do processo de produção, ou seja, ora havia produção

excessiva - e isto acarretava a falta de consumo -, ora havia um consumo excessivo, que

levava à carência de produtos. O terceiro equívoco revela que se tornou ilusória a

esperança de Marx de que a justiça e a liberdade poderiam realizar-se simultaneamente.

Além destes registros, Horkheimer também constata que a reprodução ampliada

acarretou o aumento da burocratização, da regulamentação e da ideologização da vida,

tornando-a administrável em todos os seus aspectos. Salienta ainda que o indivíduo

perde sua liberdade, sua consciência e sua capacidade crítica, frente a este modelo de

reprodutibilidade.

De acordo com Freitag (1986, p. 88), o Estado tinha que intervir sistematicamente

no processo econômico a fim de proteger a economia nacional, garantindo a

sobrevivência da nação e contribuindo para a manutenção da economia mundial.

Percebe-se a necessidade da modernização do aparelho estatal no seu desempenho

político-econômico e a formulação de políticas sociais que minimizam o conflito de

classes.

A insistência sobre a boa vontade é o modo pelo qual a sociedade confessa a dor que produz: todos sabem que, no sistema, não podem mais se ajudar sozinhos, e isso a ideologia há de levar em conta. Em vez de se limitar a cobrir a dor com o véu de uma solidariedade improvisada, a Indústria Cultural põe toda sua honra comercial em

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encará-la virilmente e em admiti-la mantendo com dificuldade sua compostura. (ADORNO E HORKHEIMER, 2000, p. 198).

A Teoria Crítica deve, para Horkheimer, visar ao futuro de uma humanidade

emancipada, em um ideal iluminista, usando a razão como instrumento de libertação,

para que o homem seja autônomo e tenha autodeterminação. “Nosso princípio básico

sempre foi: pessimismo teórico e otimismo prático”. (HORKHEIMER, 1970, p. 175

apud FREITAG,1986).

Para Adorno e Horkheimer (2000, p.175), o significado dos produtos e a violência

da sociedade industrial fizeram com que estes teóricos percebessem que os bens

culturais seriam rapidamente consumidos, de forma não totalmente consciente. A

Indústria Cultural surgiu, primeiramente, em países industriais mais liberais, que

segundo os autores, estavam envolvidos pela novidade da cultura de massa, de seu ritmo

e dinamismo. E foi nestes países que o cinema, o rádio, o jazz e as revistas ganharam

maior destaque frente ao consumidor.

De acordo com Adorno, o conformismo e a passividade do consumidor, e a

produção técnica em alta escala, fazem com que este mesmo consumidor se satisfaça

com a produção do sempre igual. A Indústria Cultural, segundo o teórico referido

(2000, p. 188), “reprime e sufoca”.

Ainda de acordo com Adorno, os consumidores são sugestionados a consumirem

incessantemente, pois o consumo é apresentado como o caminho da realização pessoal.

A cultura fornecida pelos meios de comunicação de massa não permite que as classes

assalariadas assumam oposição crítica face à sua realidade, e sim de passividade. Costa

Lima (2000, p. 288) menciona que “o consumidor não é rei, como a Indústria Cultural

gostaria de fazer crer. Ele não é o sujeito dessa indústria, mas seu objeto”. Ou seja, a

Indústria Cultural, na visão do autor, manipula o indivíduo sem que este tenha a

percepção de tal fato, usando o consumo como um meio de se encontrar o

contentamento, a satisfação enquanto indivíduo.

Adorno identificou, de acordo com Freitag (1986, p. 119), na obra de arte de

vanguarda (em especial a música – o jazz) o “último reduto do esconderijo da razão”, e

pensar o tema da cultura e da arte como a última possibilidade de cultivar a razão e

preservá-la da contaminação instrumentalizada, ou seja, fora do alcance da produção em

série. Adorno voltou-se para os estudos do jazz, pois acreditava que a Indústria Cultural

poderia contaminar tudo o que fosse reproduzido tecnicamente. Ainda segundo Freitag

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(1986, p. 119), Adorno considerava que o jazz era um dos poucos produtos da arte que

não foram “contaminados” pela reprodutibilidade técnica.

Umberto Eco (2011), em sua obra Apocalípticos e Integrados, conceitua, dentre

outras temáticas, os Apocalípticos e os Integrados. O autor ressalta que estes termos são

“conceitos-fetiche”, são genéricos. Traz também toda argumentação vista sob duas

óticas distintas.

Eco (2011) classifica como apocalípticos os teóricos que analisam os efeitos

negativos, na esfera da cultura, a partir do advento da Indústria Cultural. Estes se detêm

nos estudos da comercialização dos produtos culturais, da perda da aura através das

técnicas de reprodutibilidade das obras de arte e da falta de senso crítico do sujeito

frente aos estímulos da Indústria Cultural. Classificam a cultura de massa como

anticultura e reduzem o consumidor a “homem-massa”.

Ao grupo dos integrados, segundo Eco (2011), coube a missão de propagar, em

uma visão positiva e muitas vezes vista como ingênua, a mídia e a comunicação de

massa na sociedade. Os integrados defendem que a cultura, antes inacessível à massa,

passou a fazer parte do cotidiano social. Destaca-se a alfabetização, possível para todas

as classes por meio do acesso ao conhecimento por parte do povo. Para Eco (2011), o

homem contemporâneo, inserido nesta cultura de massa, mostra-se mais sensível e

participante frente ao mundo e às adversidades que ao homem da massa da antiguidade.

Entretanto, Umberto Eco levanta uma questão:

O problema é: do momento em que a presente situação de uma sociedade industrial torna ineliminável aquele tipo de relação comunicativa conhecido como conjunto dos meios de massa, qual a ação cultural possível a fim de permitir que esses meios de massa possam veicular valores culturais? (ECO, 2011, p. 50).

Cabe refletir sobre tal indagação a partir da cultura, a partir de uma demanda

nascida da própria sociedade; da necessidade de se expandir o acesso ao conhecimento,

às obras de arte, o incentivo à leitura – já que com a promoção à leitura houve queda no

índice de analfabetismo – e ao acesso à informação.

Esta reflexão feita por Umberto Eco abre espaço, nesta dissertação, para novas

perspectivas e novas contribuições teóricas, como os Estudos Culturais, que serão

analisados na próxima seção.

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1.2 OS ESTUDOS CULTURAIS

Considerados por Cevasco (2012, p. 166) “uma resposta em termos de projeto

intelectual às modificações que marcam a sociedade contemporânea dos meios de

comunicação de massa”, os Estudos Culturais surgem no cenário acadêmico e

intelectual como uma nova corrente de pensamento, capaz de abarcar discursos e temas

múltiplos.

O Centre for Contemporary Cultural Studies (CCCS) foi fundado em 1964, na

Universidade de Birmingham, na Inglaterra, por Richard Roggart. O objetivo de

Hoggart era o de deslocar o foco dos métodos literários e textuais das obras clássicas e

‘legítimas’ para os produtos da cultura de massa e para as práticas culturais populares,

sendo seu grande desafio o de tornar legítimo academicamente os estudos voltados à

cultura.

De acordo com Armand e Michèle Mattelart (2012, p.105), o CCCS é “o centro

de estudos em nível de doutorado sobre as formas, práticas e instituições culturais e suas

relações com a sociedade e a transformação social”. Inspirados por uma orientação

marxista (valorizavam as reflexões de Marx e do Marxismo voltados para a filosofia,

para a análise de ideologias), os pesquisadores do Centro testemunharão a ascensão de

novas temáticas e teorias, além de mudanças sociais, como a revalorização do sujeito, o

consumo da mídia, ascensão de novas visões neoliberais e a livre circulação de bens

culturais.

Embora inspirados por Marx e sua análise filosófica, Stuart Hall (2011, p. 203)

enfatiza que “em nenhum momento os Estudos Culturais e o marxismo se encaixaram

perfeitamente, em termos teóricos.” E Hall alerta, segundo Cevasco (HALL apud

CEVASCO, 2012, p.156), para os riscos dos Estudos Culturais assumirem um papel

político, mascarando a falta de envolvimento com movimentos sociais. Stuart Hall

(2011) ratifica que o CCCS deve ter projetos políticos de cunho social, de mudança

social. Seu projeto é o de levar o melhor que se pode produzir em termos de trabalho

intelectual para aqueles que não teriam acesso a estes trabalhos.

Enfatizando a capacidade crítica do consumidor, além das questões ligadas às

classes sociais, estes teóricos abordarão as temáticas relacionadas com a idade, gênero e

identidades étnicas. Com a expansão e o alcance de seus estudos, estes pesquisadores

trarão também novas abordagens dos objetos de estudo para o cenário acadêmico:

consumo, moda, identidades sexuais, museus, turismo, literatura.

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O cenário político da Inglaterra, segundo Mattelart e Neveu (2010), à época do

surgimento do CCCS, era o de um país industrial, maquinista, em um período pós-

Segunda Guerra Mundial, no qual a cultura é vista como um meio de “civilização” dos

grupos sociais emergentes, fundamento de uma consciência nacional.

Conforme contribuições trazidas por Mattelart e Neveu (2010, p.11), “a ideia de

uma cultura ‘legítima’ implica também uma segunda oposição, dessa vez entre as obras

consagradas e as do que se passou a chamar ‘cultura de massa’, produzida pelas

‘indústrias culturais’”.

O modo de refletir sobre as culturas, de articulá-las, fez com que se repensasse a

questão da cultura popular e a produção cultural de massa. Os Estudos Culturais trarão

ao cenário acadêmico, trabalhos e teorias sobre a cultura – principalmente a cultura

popular - na contemporaneidade: “temos aqui um dos pontos de decolagem e do

impacto dos estudos culturais. Fazer das culturas populares ou dos estilos de vida das

novas classes objetos dignos de um investimento erudito”. (MATTELART E NEVEU,

2010, p. 50).

Segundo Mattelart e Neveu (2010, p.12), o modo de se analisar a cultura é

fortemente influenciado pelas tradições nacionais. Enquanto a América Latina

dispensou - e dispensa - grande atenção à cultura popular e à produção de massa, os

intelectuais franceses, através do Estado francês, desempenham um papel decisivo no

desenvolvimento de uma cultura letrada por meio da escola, das academias.

Por muito tempo, os intelectuais franceses recusaram-se a realizar estudos mais

aprofundados dos produtos da cultura de massa. A Alemanha contribuiu

expressivamente, no século XX, através da Escola de Frankfurt, como já abordado no

presente trabalho.

Mattelart e Neveu (2010, p.73) afirmam que, “a partir do momento em que o

objeto cultura é pensado sob uma ótica de poder”, novas teorias e conceitos se fazem

necessários. A cultura, como fator central para a modulação do comportamento do

indivíduo, abre espaço para questionamentos sobre fatores ideológicos e políticos.

Questões como dominação, resistência e subordinação passam a serem consideradas. A

noção de ideologia, parte do legado marxista, é destaque para a maioria dos teóricos do

Centro. Segundo os autores:

Pensar os conteúdos ideológicos de uma cultura nada mais é que perceber, em um contexto dado, em que os sistemas de valores, as

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representações que eles encerram levam a estimular processos de resistência ou de aceitação do status quo, em que discursos e símbolos dão aos grupos populares uma consciência de sua identidade e de sua força [...] (MATTELART E NEVEU, 2010, p.73)

As classes populares, dominadas historicamente, economicamente e

culturalmente, ao terem cerceadas suas identidades como sujeitos e como grupos

sociais, caminham para uma direção de aceitação; a impossibilidade destes grupos se

expressarem, seja com sua cultura, seja através da interação com a sociedade, faz com

que estes se calem diante da dominação. A questão do feminismo pode ilustrar um

destes grupos sociais que doravante eram tidos como dominados.

Stuart Hall (2011, p. 210, 211) reflete que “abrir mão do poder é uma experiência

radicalmente diferente de ser silenciado.”. Nesse sentido, a autora indiana Gayatri

Chakravorty Spivak (2010), em sua obra Pode o subalterno falar?, Discute a

subalternidade e o gênero feminino, além de questões ligadas às minorias. Spivak define

o termo subalterno como “as camadas mais baixas da sociedade constituídas pelos

modos específicos de exclusão dos mercados, da representação política e legal, e da

possibilidade de se tornarem membros plenos no estrato social dominante.” (SPIVAK,

2010, p. 12).

Dessa forma, subalterno seria todo o sujeito pertencente a um grupo social tido

como minoritário diante de uma sociedade em geral. São os sujeitos que precisam ainda

ter seu direito de serem ouvidos, de terem a chance de falar, de terem voz e vez.

A autora ainda ressalta que o ato de ser ouvido, para o subalterno, não ocorre. A

fala deste subalterno e do colonizado é sempre intermediada por outro indivíduo. O

subalterno não pode ser apenas um objeto de reconhecimento, este precisa ter seu

espaço e sua identidade reconhecidos. Spivak (2010) salienta que cabe ao intelectual

criar espaços e meios para que o subalterno seja ouvido. Não se pode falar pelo

subalterno, mas se pode trabalhar contra a subalternidade.

Homi Bhabha, em O local da cultura (1998), também se debruça sobre as

questões da minoria. Bhabha (1998, p. 21) considera que “a articulação social da

diferença, da perspectiva da minoria, é uma negociação complexa, em andamento, que

procura conferir autoridade aos hibridismos culturais que emergem em momentos de

transformação histórica”. O autor define que as diferenças sociais não podem estar

atreladas apenas à questão da tradição cultural, deve-se perceber que estas diferenças

sociais são produtos desta nova sociedade. Como sujeito literário e político, o homem,

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segundo Bhabha (1998), deveria se deter na compreensão da ação humana e do mundo

social. Ou seja, preocupar-se com as questões de cunho social, das temáticas ligadas às

transformações da sociedade e suas necessidades.

Os Estudos Culturais e seus intelectuais, ao tornarem legítimas temáticas antes

consideradas marginalizadas ou inferiores, correm o risco de ‘falarem’ pelo outro, ao

invés de criarem espaço para este “subalterno” falar. Um dos temas expostos

recentemente na mídia, especificamente na novela “Salve Jorge” da TV Globo,

veiculada em 2012, é a questão do orientalismo visto a partir da visão ocidental. De que

forma o Oriente é retratado, como este é recebido pelo público. Edward W. Said (2007)

debruça-se sobre o orientalismo, e como este foi construído segundo a ótica

imperialista. Ou seja, países europeus como Inglaterra e França, e depois os EUA, criam

e descrevem um Oriente que não é o “Oriente-Real”. Percebe-se que a visão que o

Ocidente tem do Oriente não é a real, mas sim um Oriente criado por meio da visão

Ocidental, segundo suas percepções e suas interferências.

A década de 1970 é marcada pelo apogeu intelectual do CCCS. A Escola de

Birmingham volta-se para as culturas jovens e operárias, os conteúdos e a recepção da

mídia. Os historiadores pesquisam, nesta mesma época, manifestações de resistências

populares. A partir de 1972, inicia-se a circulação de Working Papers (artigos

mimeografados, que formavam uma revista artesanal), que implicou maior visibilidade

científica do CCCS.

A partir de 1980, expandem-se consideravelmente os trabalhos culturais ligados

ao gênero, à etnicidade, ao conjunto das práticas de consumo. Porém, novas ideologias e

teorias desvalorizaram esta abordagem, mediante as mudanças sociais, como a

revalorização do sujeito, reabilitação dos prazeres ligados ao consumo da mídia,

ascensão de visões neoliberais, aceleração mundial da circulação de bens culturais.

Envolvidos nas pesquisas acadêmicas, os pesquisadores do Centro passam a

identificar a grande diversidade de produtos culturais consumidos pelas classes

populares. A Universidade de Birmingham será uma das primeiras a mobilizar as

Ciências Sociais em torno de temas como a publicidade e o rock. As pesquisas passam a

estudar as mídias audiovisuais e seus programas de informação e entretenimento.

Hall explicita, em 1991, alguns fatores que forçaram o “reposicionamento” dos

Estudos Culturais. Dentre eles, é possível citar: a globalização, de caráter econômico,

que abriu fronteiras, que afetaram as culturas nacionais, bem como as identidades

individuais; o “eu” que, influenciado por uma sociedade industrial, passa a sofrer várias

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interferências externas, como a classe social – a inclusão e exclusão social –, a questão

da necessidade de pertencer à elite social; a força das migrações, que ocorreram,

segundo o autor, de forma silenciosa; e o processo de representações do Estado-nação,

da cultura nacional e da política nacional, de acordo com os fatores citados acima. A

política, a cultura e a sociedade passam por transformações que marcam os Estudos

Culturais, o que estimulou o aumento do número de projetos de pesquisa nestes campos.

Mattelart e Neveu (2010, p. 110, 111) afirmam que houve uma “virada

etnográfica” dos Estudos Culturais, quando autores como Stuart Hall e Thompson,

passaram a analisar a decomposição/recomposição identitárias, a relação da identidade e

a ideologia, a questão do consumo cultural, “prazeres” midiáticos, a relação da cultura

na gestão das cidades, e como esta reflete nas ações políticas.

Esta nova configuração social, cultural e política faz surgir, inevitavelmente, a

demanda por discussões teóricas na esfera acadêmica que abordassem temas relativos a

este novo panorama. A questão do consumo, da identidade – ou identidades – e a

ideologia criada a partir da concepção de que o consumo abriria brecha para que novos

debates surgissem, como a afirmação do eu como consumidor.

Toda esta pesquisa dos Estudos Culturais, na década de 1990, para o

entendimento da relação consumo x identidade, será analisada mais profundamente na

próxima seção, que tratará sobre a questão da emissão e da recepção.

1.3. ENUNCIADOR X ENUNCIATÁRIO

A Escola de Frankfurt, através da Teoria Crítica de Adorno e Horkheimer,

defendia a tese de que o receptor estava numa posição passiva, devido à produção em

larga escala trazida pela Indústria Cultural, sem defesa e sem escolha diante do que lhe

era oferecido. Por outro lado, os Estudos Culturais, na figura de Stuart Hall e outros

teóricos, mostram outra vertente: a de que o receptor não está mais focalizado na

posição de passividade, ainda que este esteja em contato com os estímulos da mídia e do

consumo.

O papel do sujeito/indivíduo em relação à sociedade é o de comunicador. Este

sujeito é, segundo as contribuições de Baccega (2000), mediador de todos os discursos

no âmbito da informação coletiva. É de extrema importância que o debate sobre as

questões do papel do enunciador/enunciatário nos dias atuais seja trazido à tona.

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Baccega (2000) defende estes dois conceitos para a nova configuração do papel da

comunicação no cenário social.

Se este comunicador tem o papel de enunciador de um discurso específico, ao produzi-lo ele estará, na verdade, reelaborando a pluralidade de discursos que recebe: ou seja, estará na condição de enunciatário. Ele é, portanto, enunciador/enunciatário. O mesmo ocorre com o indivíduo/sujeito ao qual se destina o produto: enunciatário do discurso da comunicação, este indivíduo/sujeito é também enunciatário de todos os outros discursos sociais que circulam no seu universo, os quais ele mobiliza no processo da leitura/interpretação. Como a comunicação só se efetiva quando ela é apropriada e se torna fonte de outro discurso, na condição de enunciatário está presente a condição de enunciador. Ele é, portanto enunciatário/enunciador. (BACCEGA, 2000, p.20)

A questão do sujeito como um ator social, em que pode tanto atuar como o que

produz o discurso como também o que o recebe, ganha, nesta dissertação, destaque, pois

valida a noção de que o consumidor/enunciatário tem a ciência de que pode optar, pode

escolher o que lhe apraz. Esta liberdade, entretanto, está intrinsecamente ligada ao

cenário construído pela mídia para o consumo.

Objeto de pesquisa desta dissertação, os gibis – ou histórias em quadrinhos –

começam a ser estudados, analisados e aceitos no cenário acadêmico. É inegável a

participação direta e efetiva dos Estudos Culturais neste feito, bem como a contribuição

do CCCS nos estudos ligados à identidade, mídia e consumo. Os quadrinhos, assim

como qualquer outro meio de comunicação, são produtos midiáticos, produtos da

indústria cultural.

Assuntos ainda não esgotados, estes novos polos de discussão, trazidos ao

conhecimento da sociedade, serão debatidos a seguir.

1.4. A MÍDIA E A CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE

A análise das transformações ocorridas no âmbito social, econômico e cultural

torna-se necessária para que haja maior clareza e fundamentação ao tratar da mídia e sua

atuação na formação – ou construção – de novas identidades.

Ressalta-se a importância da questão do consumo, bem como o comportamento da

sociedade frente a esta influência. É o consumo que caracteriza esta fase contemporânea

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e está cada vez mais ligado à cultura, que por sua vez, determina a posição do sujeito

em relação à sociedade e a seu estabelecimento econômico.

Refletir sobre a identidade e sua importância no cenário acadêmico, social e

cultural torna-se essencial, pois há a necessidade de se analisar a evolução desta

identidade em um contexto histórico, como faz Stuart Hall (2010). Hoje, na

contemporaneidade, a identidade é fluida e não estagnada.

O debate do ser “diferente” será analisado nesta dissertação. Temática em voga, a

questão da identidade é eixo-central para que esta discussão tenha embasamento

acadêmico. Aliada à identidade, a mídia tem surgido como fator importante quando o

estudo do consumo - e seus reflexos na sociedade - passam a obter maior destaque nas

pesquisas acadêmicas. Como visto na seção anterior, o receptor não é mais considerado

em posição de passividade, este ganha o poder de escolha, de decisão. E a mídia, ciente

de tais mudanças, age de acordo estas transformações e busca, assim, se adequar para

que não perca seu espaço de atuação. Neste sentido, a mídia busca entender estas novas

identidades que surgem das demandas sociais; da voz do indivíduo.

Faz-se necessário discutir como surgem tais identidades, e como estas afetam,

direta ou indiretamente, a formação do sujeito. As antigas identidades, segundo Hall

(2010), que por muito tempo estabilizaram o mundo social estão em declínio, fazendo

surgir novas identidades e fragmentando o indivíduo contemporâneo, até então visto

como um sujeito unificado, e não suscetível a transformações.

Para ratificar tal afirmativa, esta dissertação contará, prioritariamente, com a

contribuição dos autores Stuart Hall e Néstor García Canclini. Stuart Hall se destaca

como teórico dos Estudos Culturais e estudos no campo da identidade. Hall (2010), em

A identidade cultural na pós-modernidade, percebe a identidade através de três tipos de

sujeitos. A primeira identidade pertence ao Sujeito do Iluminismo, que se baseava na

idealização de um ser centrado, unificado, voltado à razão, consciência e ação. Sua

essência central emergia pela primeira vez no momento do nascimento deste sujeito e

com ele se desenvolvia, ainda que, essencialmente, permanecesse o mesmo – contínuo

ou idêntico a ele – ao longo da existência deste indivíduo. O centro essencial do eu era a

identidade de uma pessoa.

A segunda identidade retratada por Hall (2010, p. 11) é a do Sujeito Sociológico,

que, conforme considera o autor, tem a identidade formada na interação entre o eu e a

sociedade. O sujeito ainda possui um núcleo ou essência interior que é o “eu real”,

porém este é projetado e alterado a partir do contato com outras culturas e as

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identidades que estas o proporcionam. Esta identidade tem a sua característica própria

formada no momento da interação entre o eu e a sociedade. O sujeito mantém uma

essência - o “eu real” -, porém este núcleo sofre alterações a partir do contato que este

sujeito tem com outras culturas e outras particularidades.

O autor ainda afirma que o sujeito, de uma identidade unificada e estável, está se

tornando fragmentado, apresentando não apenas de uma, mas várias identidades,

algumas delas contraditórias ou não resolvidas. Este processo produz, segundo Hall

(2010, p. 12), o Sujeito pós-moderno, caracterizado como não tendo uma identidade

fixa, essencial ou permanente. A identidade torna-se móvel, ganha fluidez. O autor

salienta que a identidade não é definida de modo histórico, nem mesmo de forma

biológica. O sujeito assume identidades diferentes de acordo com os diversos momentos

e experiências vividos. Nesse sentido, a identidade deixa de ser unificada, coerente,

completa e segura.

Para Hall (2010), a maior diferença entre a sociedade moderna e a sociedade

tradicional é a mudança constante, rápida e permanente. Hall acredita que a sociedade

não é imutável, delimitada, e que pode se modificar segundo as mudanças e evoluções

que esta mesma sociedade produziria.

De acordo com o autor citado acima, as sociedades da modernidade tardia são

caracterizadas pela diferença. São influenciadas por diferentes divisões e antagonismos

sociais, produzindo, assim, expressiva variedade de identidades para os sujeitos. Esta

pluralidade identitária é parte de um processo histórico, econômico e social. O

multiculturalismo e a globalização são alguns dos fatores que implicaram este

deslocamento do sujeito:

[...] o deslocamento tem características positivas. Ele desarticula as identidades estáveis do passado, mas também abre a possibilidade de novas articulações: a criação de novas identidades, a produção de novos sujeitos e o que ele chama de recomposição da estrutura em torno de pontos nodais particulares de articulação (LACLAU, 1990 apud HALL, 2010.).

Discutir a questão da identidade passa, inevitavelmente, pela multiculturalidade.

Canclini (2009) afirma que a multiculturalidade abre espaço para uma nova demanda; a

disponibilidade da aceitação perante o diferente, o que é heterogêneo. O contato com

diversas culturas faz com que as diferenças se estabeleçam de forma que haja, por meio

de negociação, conflitos e troca mútua, a concordância a partir da heterogeneidade das

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identidades. Questões como o local, o nacional e o transnacional, bem como a relação

entre o consumo e o território, passam a ditar um novo sentido aos bens e mensagens.

Cabe ressaltar que a multiculturalidade, em alguns países – principalmente os da

América Latina -, passou a ser considerada como fator facilitador da assimilação da

grande pluralidade identitátia. Este sujeito, participante desta sociedade globalizada,

procura reconhecer-se com os quais se identifica, tendo a língua como um agente

facilitador. Busca por meios de comunicação que o represente e procura a associação

entre si; utilizando o consumo como um meio de reafirmação do ser, como sujeito

social.

Canclini (2009, p. 266) enfatiza que:

Conhecer nossa alteridade reprimida, admitir o que nos é inaceitavelmente próprio e que desafogamos no migrante, no diferente ou no transgressor – isto pode servir para libertar as forças libidinais positivas e as convergências culturais que nos aproximam dos outros. Pode tornar visíveis as semelhanças e talvez nos integrar apesar das diferenças. Talvez nos habite a passos da exclusão à conexão; à intercomunicação. Finalmente, ao se reconhecerem as diferenças como construídas, é possível desfazê-las ou modifica-las. Não são fatais (CANCLINI, 2009, p. 266).

A citação do referido autor deixa clara a necessidade de se sinalizar as diferenças,

as exclusões, o que separa o “diferente” dos demais sujeitos integrantes de uma mesma

sociedade. Assim como Bhabha (1998) relata, os lugares onde estas diferenças são

percebidas é que irão fornecer os subsídios necessários para a criação de estratégias no

campo subjetivo - particularmente ou coletivamente –, a fim de que se iniciem novos

signos identitários e novas fontes de colaboração e contestação, na esfera da definição

da ideia de sociedade.

O foco da presente dissertação não é adentrar na discussão sobre as crises sociais

causadas pelas diferenças culturais, mas sinalizar que é a partir destas diferenças

culturais e sociais que emergem as questões voltadas às minorias.

Michel de Certeau (2005, p. 9), em A cultura no plural, defende a ideia de que

nenhuma ação social ou política, que esteja alicerçada no plano real, pode se estabelecer

segundo uma “deficiência de pensamento ou se alimentar do desprezo do próximo”.

Assim como Spivak, De Certeau acredita que, para que a cultura se conecte com

este subalterno, não basta que este faça parte dos processos sociais, é necessário que

estes processos reproduzam algum significado ou relevância para este indivíduo. De

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Certeau (2005, p. 148) ratifica que “o sentimento de ser diferente está ligado à

designação dessa diferença pelos outros...”.

Segundo Zygmunt Bauman (2005), o processo de busca de uma identidade por

uma pessoa, tornou-se tarefa árdua – o autor cita até mesmo a expressão “impossível”.

Bauman traz à tona a questão da comunidade. De acordo com o autor, as comunidades

podem ser de dois tipos: as comunidades de vida e destino, cujos membros vivem

ligados de maneira irrestrita; e a outra comunidade é baseada unicamente por ideias e

tem como fundamento a variedade de princípios.

Este segundo tipo de comunidade abre brecha para a discussão da questão da

identidade, a partir da exposição policultural, das múltiplas ideias e diversidades. Esta

amplitude de possibilidades faz com que os indivíduos desta comunidade busquem uma

conciliação, uma unidade a fim de haver a noção de pertencimento.

Ainda para Bauman (2005), este pertencimento e esta identidade são, cada vez

mais, fluidos e “líquidos”. A contemporaneidade sela esta maleabilidade identitária do

sujeito, sendo esta negociável, revogável e resultante das próprias decisões, ações e

determinações do indivíduo.

A identidade, de acordo com Bauman (2005, p. 21), é apresentada como algo que

necessite ser inventado, e não descoberto; sendo fruto de um esforço e um objetivo

específico; como algo desconhecido que demande a construção em sua origem ou então

optar por alternativas e firmar e reafirmar esta identidade.

Nesta ótica, de acordo com Canclini (2010, p.14), é necessário que haja o

entendimento da transição das identidades “clássicas” (nações, classes, etnias), que

outrora limitavam e restringiam a dinâmica social, econômica e política, ás novas

estruturas globais, que passam a gerir de maneira distinta os interesses e desejos.

Esta fluidez da identidade, sua condição provisória e, consequentemente, sua

fragilidade não podem mais ser ocultadas. A identidade, tema de destaque no cenário

acadêmico, é um assunto extremamente importante e evidente. Como já foi

mencionado, fatores externos como a globalização, os aspectos políticos, sociais e

culturais afetam direta ou indiretamente na condução destas identidades. O consumo,

temática igualmente relevante no âmbito acadêmico, será tratado na próxima seção.

1.5. A MÍDIA E O CONSUMO

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Empreender a discussão do consumo atrelado à mídia abre margem para o

entendimento da relação do gibi e do leitor. O acesso a uma mensagem, muitas vezes, se

dá através da relação de consumo. O sujeito, para estar em sintonia com a informação e

todos os bens de consumo, precisa, antes de tudo, de consumir.

A fim de se esclarecer como a mídia e o consumo se conectam e como o consumo

afeta - direta ou indiretamente - a identidade do sujeito, faz-se necessário o

entendimento do processo econômico e social que acarretaram tais transformações.

Baccega (2008, p. 133) ratifica que a globalização, como um processo

eminentemente econômico, é relativo ao período iniciado na segunda metade do século

XX, e indica de forma genérica, a crescente integração de economias e das sociedades

em vários países. Com este fenômeno, surgem novos padrões de pessoas, objetos, e

informações.

Canclini (2009), na sua obra Diferentes, desiguais e desconectados, ao debater a

globalização, faz a seguinte reflexão: “[...] como encaixar em algo que pareça real, tão

real como um mapa, este feixe de comunicações distantes e incertezas cotidianas,

atrações e desenraizamentos, que se nomeia como Globalização.” (CANCLINI, 2009, p.

15).

Em Consumidores e cidadãos, Canclini (2010, p. 11) afirma que “a globalização

não é um simples processo de homogeneização, mas de reordenamento das diferenças e

desigualdades, sem suprimi-las: por isso, a multiculturalidade é um tema indissociável

dos movimentos globalizadores.”.

A globalização trouxe para as configurações sociais, mais do que a possibilidade

de se romper as barreiras geográficas, a distância, e o mercado restrito. Trouxe

igualmente temáticas ligadas às desigualdades, às diferenças e também, a necessidade

de se consumir cada vez mais.

Baccega (2008, p. 135) refere-se aos teóricos da Escola de Frankfurt, Adorno e

Horkheimer, para elucidar o termo reificação, que, segundo o vocabulário frankfurtiano,

significa que “o valor de troca, antes de caráter exclusivamente econômico, prevalece

sobre o valor de uso de determinado bem, serviço, instituição, relação interpessoal etc.”

Sob esta ótica, abre-se margem para que todas as relações acima citadas sejam tratadas

em nível de consumo.

O consumo surge com maior ênfase nas dinâmicas sociais atuais. Baccega

denomina estas sociedades como sociedades de consumo. Ressalta-se que, do estágio do

capitalismo industrial para a fase pós-industrial, houve declínio na produção de bens

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materiais em favor da imaterialidade das marcas e de outros aspectos intangíveis. A

valorização da marca, das imagens, e o status, são molas propulsoras para a atuação da

mídia.

E, ao falar de sociedade de consumo, a publicidade surge nesta discussão como

algo natural, pois, ao manipular a palavra, trabalha o convencimento. A publicidade

manipula o que é real, para criar a sua própria noção de realidade. Conforme Philippe

Breton (1999, p.14-15) relata, a construção dessas imagens se torna uma atividade

social legítima.

A mídia desempenha uma função primordial ao veicular e induzir ideias, atitudes

e padrões de comportamento que podem servir de modelo para a construção de

identidades em nossos dias. Atualmente o consumo tem papel determinante no tênue

equilíbrio da economia, sendo outrora determinado pelo trabalho. A indústria do

entretenimento volta-se para o investimento no consumo cultural.

A sociedade de consumo, como afirma Cevasco (2012), traz a temática da

identidade para o centro dos Estudos Culturais. A autora, porém, salienta que esta

sociedade de consumo minimiza o indivíduo que pertence à “minoria” como um mero

consumidor, sem ter o papel de atuante e de produtor nesta cultura dominante. Cevasco

(2012, p. 30) considera que “a mercadoria é a negação da diferença”.

É necessário esclarecer que tal parecer hoje precisa ser analisado. Há grande

preocupação da mídia em adequar-se às necessidades de seu público-alvo. E cresce a

demanda de se entender o que este consumidor quer, o que o representa e o que lhe

atrai. Para se ter noção de tal afirmativa, pode-se verificar o aumento do número de

pesquisas de opinião e satisfação. Cresce também o número de anúncios comerciais

voltados para a valorização da marca, a valorização da aceitação da diferença e não

tanto a ditadura estética. Muito desta conscientização deve-se à cultura, o acesso do

receptor à informação.

O grande alcance do nicho cultural e o tratamento do sujeito contemporâneo

dispensado a esta esfera específica da sociedade, abre a discussão da necessidade do

enfoque na cultura. Esta relação é analisada por Clifford Geertz, em A interpretação das

culturas (1989). O autor, em busca de uma descrição densa, defende que a cultura é

semiótica, uma ciência interpretativa em busca de seu significado. A cultura é pública,

não é uma identidade oculta. O significado é público, sendo as formas da sociedade a

substância da cultura. Para o autor, a cultura é a base da especificidade humana e

conceitua este termo como:

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[...] um padrão de significados transmitidos historicamente, incorporado em símbolos, um sistema de concepções herdadas expressas em formas simbólicas por meio das quais os homens comunicam, perpetuam, e desenvolvem seu conhecimento e suas atividades em relação à vida. (GEERTZ, 1989, p. 66).

A noção da cultura a partir da diferença, a partir do contraste, é trazida por

Canclini (2009, p.15). Segundo o autor, esta é uma questão que está ligada ao

pertencimento comunitário, e em contrapartida, está intimamente relacionada às

especificidades dos indivíduos quando confrontadas a outros. Assim, a cultura

identificaria e demarcaria as diferenças, contrastes e comparações.

A cultura, segundo o autor (CANCLINI, 2009, p. 41), contempla “o conjunto dos

processos sociais de significação”. Ao aprofundar-se nesta análise, o autor enfatiza que

a cultura reflete diretamente nos processos sociais e econômicos de produção,

circulação e consumo dos signos disponíveis no âmbito social.

A normatização e a delimitação da atuação do indivíduo no cenário sociocultural

são gerenciadas por instituições, associações e outros grupos sociais. É possível citar

como exemplos: escolas, igrejas, empresas, organizações não governamentais (ONG´S),

associações de bairro, entre outros.

O poder, tido como ferramenta normativa e delimitadora, encontra na cultura o

subsídio necessário para uma espécie de seleção social. A lógica do mercado, do

consumo, contribui para esta seleção.

Michel Foucault (1987, p. 32) contribui para o esclarecimento da dicotomia

poder/saber. Para o autor, “o poder produz saber (e não simplesmente favorecendo-o

porquê o serve, aplicando-o porquê é útil): que poder e saber estão diretamente

implicados; que não há relação de poder sem constituição correlata de um campo de

saber, nem saber que não suponha e não constitua ao mesmo tempo relações de poder”.

O autor resume sua reflexão afirmando que não é a atuação do indivíduo –

considerado como sujeito do conhecimento - que produz o saber, mas sim a relação

poder/saber, as lutas, os processos que o marcam e o constituem. São estes fatores que

determinam as formas e os campos possíveis do conhecimento. Ou seja, a abrangência

do conhecimento, do acesso à informação, à cultura, está intrinsecamente ligada à sua

acessibilidade; e esta acessibilidade se dá diante da autonomia oriunda do poder.

Exemplifica-se o caso que será abordado e analisado nesta dissertação: a criação

de um personagem cadeirante, assunto que até então não era exposto no meio de

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comunicação gibi. A inclusão desta temática, veiculada em um meio acessível

economicamente à grande parte da população, traz a oportunidade do acesso a novos

conhecimentos.

Um dos conflitos gerados pelo consumo como ferramenta de seleção é a questão

do indivíduo pertencente a um grupo ou grupos para sentir-se aceito a este. Porém, há

outra vereda a ser debatida: a singularidade.

Gilberto Velho (2003, p. 97), em sua obra Projeto e Metamorfose – Antropologia

das sociedades complexas, ratifica que a adesão significativa para a demarcação de

fronteiras e elaboração de identidades sociais passa diretamente pelo estilo de vida e a

visão de mundo do sujeito. Desenvolvem-se ideologias individualistas, que nesta

sociedade contemporânea, fazem com que o homem, mesmo envolto por inúmeros

estímulos exteriores, busque sua singularidade como indivíduo. Como exemplo, é

possível citar o mercado de luxo, a busca pelo modelo exclusivo; aparelhos celulares

que possuem cada vez mais aplicativos e ferramentas; a fidelização e a supervalorização

da marca, tida como status e um referencial de marco identitário.

Canclini (2010, p. 13), ao referir-se à sociedade de consumo, traz a questão da

relação consumidor x cidadão. Para o autor, foi através da relação com a Europa, que os

latino-americanos aprenderam a ser cidadãos; enquanto os vínculos em maior grau de

preferência com os Estados Unidos também os tornaram consumidores.

Consequentemente, nas ultimas décadas, o estreitamento das relações econômicas

e culturais com os Estados Unidos faz emergir um padrão de sociedade no qual o Estado

deixa de ter a responsabilidade da gestão de muitas funções e estas passam a ser

administradas por empresas privadas, e a dinâmica da participação social é mediada

através do consumo e não pelo exercício da cidadania.

No esteio da sociedade contemporânea, Featherstone (1995, p. 31) analisa que o

consumo é ao mesmo tempo um processo social que corresponde a múltiplas formas de

provisão de bens e serviços e a diferentes formas de acesso a esses mesmos bens e

serviços; um mecanismo social percebido pelas ciências sociais como produtor de

sentido e de identidades, independentemente da aquisição de um bem; uma estratégia

utilizada no cotidiano pelos mais diferentes grupos sociais para definir diversas

situações em termos de direitos, estilo de vida e identidades; e uma categoria central na

definição da sociedade contemporânea.

Mike Featherstone (1995, p. 31) identifica três perspectivas sobre cultura de

consumo. A primeira é a ideia de que esta cultura de consumo tem como objetivo o

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aumento da produção de bens. Esta lógica resultou em um grande acúmulo de cultura

material na forma de produtos e locais de compra e consumo. A consequência de tal

ação foi o aumento das atividades ligadas ao lazer e das atividades de consumo. Este

aumento desencadeia maior igualitarismo e liberdade individual. Um exemplo são os

gibis, meio de comunicação que ganhou espaço na indústria do entretenimento.

A segunda análise do autor delimita o fato de que os indivíduos usam as

mercadorias para criar laços ou estabelecer distinções sociais. Há ainda a satisfação que

o consumo proporciona, o status, a exibição de uma conquista. Esta máxima vai

encontro da questão da identidade. Como será visto na análise de caso, Luca tem em sua

cadeira de rodas um marco na concepção de sua identidade.

Em terceiro lugar, Featherstone (1995, p. 31) salienta os prazeres emocionais que

o consumo propicia, os sonhos de consumo e os desejos consumistas, que são

responsáveis pela “excitação física e prazeres estéticos”.

Os estudos sociológicos, de acordo com autor, deveriam ir além da avaliação

negativa dos “prazeres” do consumo, herdada da teoria da cultura de massa. O teórico se

refere a Adorno, por exemplo, para analisar de que maneira a mercadoria ganha

autonomia para assumir um valor de uso secundário ou ersatz (Rose, 1978 apud

Featherstone, 1995), uma vez que o valor de troca se destaca e suprime a memória do

valor de uso original dos bens. Assim, as mercadorias ficam livres para adquirir uma

ampla variedade de associações e ilusões culturais.

Featherstone (1995, p. 33) argumenta que “o consumo supõe a manipulação ativa

de signos”. Segundo o autor, na sociedade capitalista tardia, a fusão entre o signo e o

produto ocorre para dar lugar à “mercadoria-signo”. A autonomia do significante, diante

da influência dos signos na mídia e na publicidade, por exemplo, pode acarretar a

independência dos signos em relação aos objetos, estando estes signos, disponíveis para

o uso numa multiplicidade de relações associativas. Signo é definido por Saussure

(2006, p.79) como “a combinação do conceito e da imagem acústica”, sendo o

significado o conceito e significante, a imagem acústica.

Baudrillard (1975, 1981 apud FEATHRESTONE, 1995. p.122) foi um autor

particularmente importante nesse contexto, especialmente por sua teorização sobre a

mercadoria-signo. Para Baudrillard, a característica essencial do movimento em direção

à produção em massa de mercadorias é que a supressão do valor de uso original e

“natural” dos bens a partir do predomínio do valor de troca, sob o capitalismo, resultou

na transformação da mercadoria num signo, no sentido de Saussure, cujo significado é

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determinado arbitrariamente por sua posição num sistema autorreferenciado de

significantes. O consumo, portanto, não deve ser compreendido como apenas consumo

de valores de uso, de utilidades materiais, mas primordialmente como o consumo de

signos.

A cultura, segundo Jameson (1981, apud FEATHERSTONE, 1995, p. 122), “é o

próprio elemento da sociedade de consumo: nenhuma sociedade jamais foi tão saturada

de signos e imagens como esta”. Os bens de consumo cotidianos passam a serem

associados a luxo, exotismo, beleza e fantasia, sendo cada vez mais difícil decifrar seu

“uso” original ou funcional.

Sob influência teórica de Baudrillard, Featherstone (1995) analisa que o foco da

lógica da mercadoria centraliza-se na reprodução, e não mais na produção. A

reprodução de signos, imagens e simulações, ocorre através da mídia. Este

deslocamento finaliza a distinção entre imagem e realidade. Tal afirmativa, segundo o

autor, traz a noção do que é o real e do que é estilo de vida. Esta vida estilizada é

identificada como algo a ser alcançado, e não como a realidade.

Ainda de acordo com as considerações de Featherstone (1995), a sociedade de

consumo torna-se essencialmente cultural, na medida em que a vida social se fragiliza

através das novas configurações das relações sociais e de uma normatização da estrutura

social menos estável, mais ampla e passível de variações. Em contrapartida, a

superprodução de signos e a reprodução de imagens e simulações resultam em uma

perda do significado ou sentido estável.

A cultura de consumo trouxe, no uso de imagens, signos e bens simbólicos, a

alusão aos sonhos, ao intangível, aos desejos e fantasias; que delineiam a autenticidade,

a realização emocional e pessoal, ampliando contextos e possibilidades tidos

anteriormente como inadequados e inaceitáveis.

Featherstone (1995) salienta que as uniformidades caem em declínio à medida que

haja avanços tecnológicos, possibilitando o aumento na variedade dos produtos e maior

diferenciação durante o processo de produção. Este cenário acarreta em uma maior

fragmentação ou segmentação do mercado.

A partir da expansão do mercado, aumentou também a capacidade de circulação

de informações. Estilos e obras de arte passam rapidamente dos produtores aos

consumidores. Obras de arte classificadas como clássicas (como a Mona Lisa) se

deslocam para vários lugares e atingem plateias de massa de diferentes culturas. Cabe

ressaltar que este processo de democratização da chamada alta cultura, instaura um

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novo nicho de mercado. Estas obras canônicas passam a estampar camisas, canecas,

cadernos etc. Tornam-se objetos de consumo. O processo de globalização contribui,

nesse aspecto, para fortalecer o papel dos intermediários culturais, que administram as

cadeias de distribuição da nova mídia global (via satélite etc.).

Dentre todas as informações aqui expostas, nota-se que a fluidez da identidade na

contemporaneidade está diretamente ligada ao consumo. O consumo, por conseguinte, é

reflexo desta sociedade contemporânea. Os meios de comunicação de massa, a mídia e a

maior oferta e acessibilidade à informação serão aqui abordados no próximo capítulo,

quando já se analisará o gibi e seu marco histórico no Brasil; e também a verificação do

gibi como um produto da mídia.

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2. CORPO, DEFICIÊNCIA E A MÍDIA Todas as temáticas que cercam o campo da deficiência física ainda são

consideradas tabus em nossa sociedade, visto que, no Brasil, ainda há pouca informação

dirigida à população e raras são as políticas públicas na promoção dos direitos das

pessoas com deficiência. A dificuldade em aceitar aquilo que aparentemente foge do

padrão de normalidade é a origem, a raiz do preconceito. Teme-se o que não se conhece.

Neste capítulo, questões como a acessibilidade, a legislação e os conceitos inerentes ao

tema serão aqui abordados.

2.1. Conceitos

Nesta pesquisa, a deficiência física será analisada com maior ênfase do que as

demais deficiências, pois o caso a ser estudado, do personagem Luca, retrata um menino

que se locomove com o auxílio de uma cadeira de rodas1. E sua condição é retratada nas

páginas dos gibis da Turma da Mônica e vão ao encontro de milhares de pessoas que

podem se identificar com este personagem.

De acordo com o censo demográfico realizado no ano de 2010 pelo IBGE2

(Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), cerca de 24% da população brasileira

possuem algum tipo de deficiência: auditiva, visual, mental ou motora. Esta marca

equivale a aproximadamente 46 milhões de pessoas.

Como a análise de caso desta dissertação tem como foco o personagem Luca, que

é uma criança de sete anos, paraplégica, e que está inserido no sistema de ensino

regular, é importante salientar que, segundo o IBGE, embora 95% das crianças de 6 a 14

anos tenham sido declaradas como matriculadas em um ambiente escolar, é possível

verificar que não há grandes perspectivas na área profissional e econômica para essas

pessoas.

João Ribas (2011, p.7), paraplégico de nascimento – nasceu com uma lesão

congênita, causada pelo fechamento incompleto da sua coluna vertebral -, atualmente é

1 De acordo com a Revista Nova Escola – Inclusão (2006, p. 13) o correto é não utilizar a palavra “cadeirante”, mas sim pessoa em cadeira de rodas ou que anda em cadeira de rodas. Embora haja o emprego da expressão cadeirante em todas as fontes pesquisadas nesta dissertação. 2 Fonte: ftp://ftp.ibge.gov.br/Censos/Censo_Demografico_2010/Caracteristicas_Gerais_Religiao_Deficiencia/caracteristicas_religiao_deficiencia.pdf

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Coordenador do Programa Serasa de Empregabilidade de Pessoas com Deficiência. Há

vinte anos estuda a questão da inclusão social voltada para as pessoas com deficiência e

também a empregabilidade no mercado de trabalho. Foi consultor do Ministério da

Educação, do Departamento Nacional do SENAI e da Fundação Banco do Brasil para

projetos sobre Empregabilidade de Pessoas com Deficiência.

Autor conhecido por suas obras voltadas para a área da deficiência física, inclusão

e a empregabilidade para este grupo, também se locomove com o auxílio de cadeiras de

rodas. A partir das suas experiências cotidianas como cadeirante e como um estudioso

do tema, Ribas (2011, p.7) afirma que “as pessoas com deficiência física, auditiva,

visual e mental estão mais presentes nas empresas, escolas, parques, cinemas, teatros,

restaurantes, bares. Estão trabalhando, estudando, viajando, indo às baladas, à praia, aos

estádios de futebol. Aparecem mais frequentemente nos jornais... tornaram-se

personagens assíduos nas novelas [...]”.

Embora haja realmente maior participação efetiva da pessoa com deficiência nas

diversas esferas da sociedade do que há alguns anos, ainda há barreiras que é necessário

transpor. O preconceito, a falta de informação, a falta de mobilidade no espaço urbano,

o desrespeito às leis, a impossibilidade de se locomover através dos transportes públicos

etc. Ribas (2011, p. 12) salienta que “deficiência, na língua portuguesa, será sempre

sinônimo de insuficiência, de falta, de carência e, por extensão de sentido, de perda de

valor, falha, fraqueza, imperfeição. A palavra representa e estabelece a imagem.”.

O objetivo desta pesquisa não é o de se aprofundar e se deter na questão da

deficiência, mas como o assunto é de fundamental compreensão para a análise do

personagem Luca, faz-se necessária a contextualização desta temática. Pretende-se, com

esta pesquisa, trazer à tona questões que vão além do senso comum, e até mesmo

expressões usadas de maneira incorreta, já que não há uma política pública que leve a

informação à população em geral. Na década de 70, o termo comumente utilizado para

se dirigir a qualquer pessoa com deficiência era “excepcional”.

No final do século XIX e início do XX, surgiram instituições que confinavam e

isolavam no mesmo espaço todos que possuíam alguma limitação física ou mental. Em

1975, a Organização das Nações Unidas promulgou a Declaração dos direitos das

pessoas deficientes3, que traz no artigo I o conceito de “pessoa deficiente” como aquele

que é incapaz de assegurar por si mesmo, de modo total ou parcial, as necessidades de

3 Fonte: http://www.onu.org.br/a-onu-em-acao/a-onu-e-as-pessoas-com-deficiencia/

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uma vida considerada normal, em consequência de uma deficiência congênita ou não,

em suas capacidades físicas ou mentais.

Havia ainda a necessidade em distinguir as pessoas consideradas com deficiência,

impedimento ou incapacidade. Em 1981, segundo Ribas (2011), a ONU estabeleceu

este como o ano internacional das pessoas deficientes. A Organização Mundial da

Saúde realizou a distinção entre estes três grupos citados acima. O impedimento,

segundo esta classificação, está ligado a alterações psicológicas, fisiológicas ou

anatômicas em um órgão ou estrutura do corpo humano. Já a deficiência é relacionada a

possíveis sequelas que pudessem restringir a execução de uma atividade. A

incapacidade se relacionava aos obstáculos encontrados pelas pessoas com deficiência

no dia a dia, em sociedade, levando-se em conta a idade, sexo, fatores sociais e

culturais. É possível entender que há diversidade entre as pessoas com deficiência.

De acordo com a ABNT 90504 de 2004, no item 3.32, a pessoa com mobilidade

reduzida é aquela que, temporária ou permanentemente, tem limitada a sua capacidade

de relacionar-se com o meio e de utilizá-lo. A classificação inclui indivíduos com

mobilidade reduzida pessoas com deficiência, idosos, obesos, gestantes, entre outros.

Na década de 90, através da Resolução 45/91 de 14 de dezembro de 1990, a ONU

orientou que o termo “pessoas deficientes” fosse abolido para então ser substituído pela

expressão “pessoas portadoras de deficiência”. Esse termo vigorou até o final daquela

década. Outra terminologia surgiu já na segunda metade dos anos 1990. A classificação

“Portadores de necessidades especiais” engloba pessoas doentes, idosos, pessoas

carentes, entre outros. Este termo não é bem aceito, pois agrupa num mesmo nicho

indivíduos com diversas singularidades. Além disso, estudiosos da área defendem a

ideia de que não se porta uma deficiência como se porta um objeto. Não é algo

facultativo, algo que pode ser portado ou deixado de portar. No final da década de 90, a

expressão usada desde então é “pessoas com deficiência”.

A Organização Mundial da Saúde elaborou a Classificação Internacional de

Funcionalidade, Incapacidade e Saúde. Esta declaração não define paraplegia ou a

tetraplegia como deficiência, mas as insere no conjunto de situações que levam as

pessoas a terem a necessidade de uma inclusão social. Para João Ribas (2011, p. 18),

este documento ganha importância, pois abarca a deficiência na transversalidade, ou

4 Fonte: http://www.pessoacomdeficiencia.gov.br/app/sites/default/files/arquivos/%5Bfield_generico_imagens-filefield-description%5D_24.pdf

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seja, é algo que acomete adultos, crianças, jovens, idosos, brancos, negros, cristãos,

judeus, ricos, pobres, ocidentais e orientais e gradua as deficiências, que vão desde a

amputação de dedos a estado de vida vegetativo. A deficiência pode ser atenuada ou

agravada pelas variáveis que a cercam.

No Brasil, este documento é pouco utilizado, por não ser tão divulgado. A

legislação brasileira não tem como referência esta classificação da OMS. A lei mais

recente que define o termo “deficiência” é o Decreto de Nº 5.2965 do ano de 2004. Este

decreto está sedimentado em uma visão médica da deficiência e não em uma visão

sociocultural. Este decreto define as deficiências física, auditiva, visual e mental, porém

a atenção desta pesquisa está voltada, como já dito, para a deficiência física. Sendo

assim, este decreto define a Deficiência Física como:

I – Alteração completa ou parcial de um ou mais segmentos do corpo humano, acarretando o comprometimento da função física, apresentando-se sob a forma de paraplegia, paraparesia, monoplegia, monoparesia, tetraplegia, tetraparesia, triplegia, triparesia, hemiplegia, hemiparesia, ostomia, amputação ou ausência de membro, paralisia cerebral, nanismo, membros com deformidade congênita ou adquirida, exceto as deformidades estéticas e as que não produzam dificuldades para o desempenho de funções.

A monoplegia, segundo Fernandes e Orrico, (2012, p. 118) é o acometimento de

um membro; já a paraplegia é quando apenas um dos membros inferiores é afetado e a

diplegia é o acometimento dos dois membros inferiores. Hemiplegia é o termo utilizado

para o acometimento de um lado do corpo e a tetraplegia, se refere ao acometimento

global do corpo. Estas lesões podem ser causadas por sequelas no parto – falta de

oxigenação das células nervosas; por traumatismos cranianos ou lesão medular. As

pessoas com deficiência física podem usar próteses (de membros), cadeiras de roda ou

muletas para se locomoverem.

No ano de 2003, uma pesquisa publicada pela Fundação Getúlio Vargas do Rio de

Janeiro e a Fundação Banco do Brasil trouxe dados mais elaborados sobre a deficiência.

Segundo o estudo denominado Diversidade: Retratos da Deficiência no Brasil,

conforme citado por Ribas, (2011, p. 20), do total de pessoas com deficiência, 54% são

mulheres. Os homens representam 64% das pessoas com deficiência mais severa.

Constatou-se também que metade da população brasileira acima dos 60 anos possui

5 Fonte: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2004/decreto/d5296.htm

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algum tipo de deficiência. 27,61% das pessoas com deficiência não são alfabetizadas.

Vale ressaltar neste estudo que, dentre as pessoas que não têm nenhum tipo de

deficiência no país, 32% são inativos para o trabalho, ao passo que, entre as pessoas

com deficiência, este número chega a 54%.

Com o avanço da medicina fetal, o número de pessoas com deficiência congênita

é menor, especialmente nos países onde há maior incentivo às pesquisas na área da

ciência. A deficiência adquirida como consequência de guerras, da desnutrição infantil,

da violência urbana e rural, dos acidentes de trânsito e de trabalho vem ganhando

grandes proporções no mundo todo. Ribas (2011, p. 21) salienta que, no Brasil, tem

aumentado significativamente o número de casos de paraplegia e tetraplegia provocados

por assaltos com tiros que ocasionaram lesão na medula óssea. O autor ressalta a

necessidade de mais pesquisas na área da deficiência para que assim haja maior clareza

e eficiência na comunicação. Muitos ainda sem entender a deficiência, não veem como

pode haver proveito em viver sob uma condição que, ao olhar do senso comum, denota

a dependência, a incapacidade.

Atualmente a tecnologia tem proporcionado ao cadeirante a possibilidade de uma

vida mais autônoma, mais independente. A cadeira de rodas não permite à pessoa com

deficiência física apenas o ir e vir, mas também abre caminhos possíveis para sua

autoconfiança e novas perspectivas, como a inserção no mercado de trabalho. Sobre este

corpo híbrido, será empreendida a análise a seguir.

2.2. O CORPO CYBORG

Segundo Donna Haraway (1994, p. 185) cyborg é “um organismo cibernético

híbrido; é máquina e organismo, uma criatura ligada não só à realidade social como à

ficção.” O advento da era cyborg, através de suas máquinas, tornou ambígua a diferença

entre natural e artificial, o físico e o mental, entre outras distinções.

Santaella (2008, p. 185) considera que “o neologismo ciborg (cib – ernético mais

org – anismo) foi inventado por Manfred E. Clynes e Nathan S. Kline, em 1960, para

designar os sistemas homem – máquina [...]”.

Haraway (1994, p. 262) afirma que “as tecnologias da comunicação e as

biotecnologias são os instrumentos cruciais do readestramento de nossos corpos.”. Esta

máxima vai ao encontro da realidade da pessoa com deficiência, principalmente as que

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estão passando pelo processo de reabilitação e adaptação à nova condição de seu corpo;

à nova realidade corporal.

Uma parte da medicina contemporânea passou a voltar seus esforços não para

encontrar a cura para algumas doenças e assim conseguir resgatar as pessoas que até

então estavam à margem da sociedade. A medicina de hoje, ou melhor, parte dela,

preocupa-se em garantir às pessoas com deficiência um maior bem-estar e qualidade de

vida, levando em consideração e respeitando as circunstâncias em que vivem. Neste

aspecto, a biotecnologia tem avançado na descoberta de novos conhecimentos.

Santaella (2008) afirma que uma prótese é a parte ciber do corpo. Esta prótese tem

o objetivo de suplantar alguma deficiência ou limitação do corpo. Como a prótese, a

cadeira de rodas também pode ser vista como uma extensão do corpo.

No ano de 1983, como relata Ribas (2011, p.40), a revista Manchete destacava um

grande avanço ocorrido nos Estados Unidos. Paraplégicos começavam a se beneficiar da

“máquina de andar”, que era um aparelho ortopédico que estava sendo desenvolvido na

época, e que seria usado nos membros inferiores, da cintura para baixo, com fios e

eletrodos ligados ao córtex cerebral, que emitiria eletricidade à medula, restabelecendo

alguns movimentos motores. Ainda hoje há pesquisas direcionadas para este fim. No

blog Deficiente Ciente6, é possível acompanhar notícias de avanços tecnológicos e

biotecnológicos nesta área.

Talvez os paraplégicos e outras pessoas com sérios defeitos físicos possam ter (e às vezes têm) experiências mais intensas dessa hibridização complexa com outros inventos comunicacionais. (HARAWAY, 1994, p. 279)

Com o nome de “Exoesqueleto”7, o equipamento mostrado abaixo foi idealizado

pelo neurocientista Miguel Nicolelis. Este equipamento, criado para a pessoa com

paraplegia, pretende dar movimento aos membros inferiores àqueles que não poderiam

se locomover sem o auxílio da cadeira de rodas.

6 Fonte: http://www.deficienteciente.com.br/quem-somos - O blog Deficiente Ciente foi criado por Vera Garcia, pedagoga, que aos onze anos de idade sofreu um acidente que a deixou amputada do membro superior direito. O site traz informações sobre a deficiência, os avanços nas áreas de tecnologia, biotecnologia, saúde e questões relacionadas à inclusão da pessoa com deficiência. 7 Fonte: http://www.deficienteciente.com.br/2013/12/neurocientista-miguel-nicolelis-divulga-fotos-de-exoesqueleto-para-paraplegicos.html

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Figura 1 – Exoesqueleto.

Havia, no início da década de 1980, certa reprovação na utilização das cadeiras de

rodas. Para a sociedade médica da época, os paraplégicos deveriam andar em pé, tendo

a medicina que esgotar todas as possibilidades para permitir que a pessoa com

deficiência física deixasse a cadeira de rodas. Atualmente as pesquisas investem nas

células-tronco, com o intuito de descobrir como estas células podem repor as células e

tecidos comprometidos.

Para Haraway (1994), nossos corpos são mapas de poder e identidade. Os cyborgs

não são exceção. De acordo com a autora, o corpo de um cyborg não é inocente, não

aparece por acaso. E ainda precisa adaptar-se ao novo, às novas possibilidades, à

destreza e à potência da máquina. A este novo corpo, a autora Lucia Santaella (2008)

nomeia de corpo biocibernético.

A hibridização entre o orgânico e o maquínico culmina na convicção, ainda de

acordo com Santaella (2008), segundo a qual o ser humano está imerso em uma era pós-

biológica, pós-humana, na qual o corpo necessita de, além de componentes humanos,

meios não-humanos, ou tecnológicos para sobreviver. Este corpo, a autora também

define como “transhumano”, ou seja, mais que humano.

João Ribas (2011, p. 42) traz um questionamento que deve ser mencionado: a

deficiência física, para algumas pessoas, pode ser um elemento-chave no processo de

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construção de sua identidade. Para a pessoa que é surda, o elemento surdez pode ser

fator determinante na construção de seu processo de identidade. Como já visto no

capítulo anterior, a identidade norteia o processo da estratificação social, cultural e

econômica.

Ao falar de identidade, para o cadeirante, a cadeira de rodas é um objeto que se

torna a extensão de seu corpo. Nesta perspectiva, o autor considera que:

Os equipamentos usados pelas pessoas com deficiência têm vários significados positivos. São a extensão do próprio corpo, a mediação com o mundo, o recurso que leva ao contato com outras pessoas, o meio que possibilita a convivência e a interação. As cadeiras de rodas nos levam para estudar, para trabalhar [...]. Trata-se de equipamentos que têm o real compromisso de serem os promotores da nossa independência e autonomia. (RIBAS, 2011, p. 73)

Ao se debater a questão do transhumano do corpo cyborg e a sua característica

como um elemento-chave para a sua identidade, pode-se trazer à discussão as

colocações de Hall (2010) sobre a fluidez da identidade do indivíduo, já que, segundo o

autor, a identidade não é definida apenas de forma histórica e biológica. A identidade

vai se moldando a partir da experiência que este sujeito apreende. Esta identidade, não

completa, caracteriza o que o Hall (2010, p.12) vai considerar como “sociedade da

modernidade tardia”, que é pautada pela diferença. As identidades contemporâneas são

influenciadas por fatores sociais, culturais e pelo conhecimento de mundo do sujeito.

No cenário do grande avanço tecnológico, vários equipamentos têm sido

desenvolvidos para promover a inclusão social das pessoas com deficiência física. Para

os automóveis, já existem no mercado comandos manuais de direção, embreagens

computadorizadas, controles de comandos elétricos de dirigibilidade (como seta, faróis,

lavadores, limpadores e buzina) que oferecem às pessoas com deficiência a

possibilidade de dirigir seu próprio carro. Além disso, há também rampas, guinchos e

elevadores que permitem aos tetraplégicos o fácil acesso aos automóveis e aos diversos

ambientes. As próteses, para pessoas com os membros inferiores amputados,

possibilitam caminhadas em ambientes externos. Além disso, há as cadeiras de rodas,

manuais ou motorizadas (incluindo os scooters e triciclos), com tecnologia que as têm

tornado mais ágeis e dinâmicas. Ainda em fase de testes, cientistas turcos estão

finalizando o projeto TK, que, de acordo com matéria do Blog Deficiente Ciente8,

8 Fonte: http://www.deficienteciente.com.br/2012/03/invencao-turca-cadeira-de-rodas-nunca-mais.html

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permite que os pacientes paraplégicos mantenham a postura ereta e que fiquem de pé.

Não há previsão de lançamento no mercado internacional e nem de custos.

Figura 2 – Projeto TK

Seja para complementar alguma função biológica que foi comprometida (como o

marcapasso), para trazer de volta a função de um membro (próteses) ou para auxiliar

pessoas com impossibilidade de locomoção (cadeira de rodas), entre tantas outras

possibilidades, o corpo cyborg está cada vez mais presente no nosso cenário social,

científico, médico e acadêmico.

2.3. LEGISLAÇÃO

A Constituição Brasileira9, de 1988, é o maior aporte legal quando se trata dos

direitos e da cidadania da pessoa com deficiência. De acordo com o artigo 5°: “Todos

são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza [...]”. A nossa Constituição

prevê o pleno desenvolvimento dos cidadãos, sem preconceito de origem, raça, sexo,

cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. É garantido o direito à escola

para todos e como o princípio para a educação o acesso aos níveis mais elevados do

ensino, da pesquisa, da criação artística de acordo com a capacidade de cada um.

9 Fonte: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm

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Em 1989, foi elaborada a Lei Nº 7.853/89 que, de acordo com a Revista Nova

Escola – Inclusão (2006), define como crime recusar, suspender, adiar, cancelar ou

extinguir a matrícula de um estudante por sua deficiência, em qualquer nível de ensino

ou curso, seja público ou privado. A pena para esta infração varia de um a quatro anos

de prisão, além da multa.

O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), em 1990, garante o direito à

igualdade de condições para o acesso e a permanência do aluno na escola, sendo o

ensino básico gratuito e obrigatório, devendo ser realizado, preferencialmente, na rede

regular. Ou seja, a criança deve estar matriculada na rede pública ou particular de ensino

e tem, de acordo com o ECA, a oportunidade de estar incluída na escola

independentemente de sua idade. O Estatuto leva em consideração que algumas

deficiências podem levar a complicações para a saúde e assim retardar a inclusão da

criança na escola.

A Declaração de Salamanca, de acordo com Soares (2009, p. 42), sobre “os

princípios, políticas e práticas na Área das Necessidades Educativas Especiais” foi

aprovada na data de 10 de junho de 1996 na cidade de Salamanca, na Espanha. Tendo

por base a Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 1948, e a Conferência

Mundial de Educação para Todos, em Jontiem/Tailândia, em 1990, além das diversas

declarações da ONU sobre a educação inclusiva, exerceu forte influência para o

progresso na área da deficiência.

Além da Declaração de Salamanca, que visa buscar a inclusão de crianças com

deficiência nas escolas regulares, há muitas leis que foram criadas para assegurar o

direito às práticas educativas especiais: a Emenda Constitucional Nº1, de 17 de outubro

de 1969; a lei de Nº 5.692/71; a nova Constituição Brasileira de 5 de outubro de 1988; o

Estatuto da Criança e do Adolescente estabelecido através da lei federal de Nº 8.069, de

13 de julho de 1990.

Em 1996, a Lei de Nº 9.394/96, que está em vigor, e em consonância com a

Declaração de Salamanca, assegura o direito à educação para todas as pessoas com

necessidades educativas especiais, dando-lhes a possibilidade e a alternativa de terem

atendimento especializado de forma gratuita, assegurada e custeada pelo poder público.

Há ainda um Decreto de lei, de Nº 5.296, que regulamenta as Leis de Nº 10.048

(garante o atendimento prioritário da pessoa com deficiência em locais públicos) e

10.098 (lei sobre acessibilidade física), e estabelece normas gerais e critérios básicos

para a promoção da acessibilidade das pessoas com deficiência. Estabelecimentos como

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shoppings centers, bancos, supermercados já têm vagas sinalizadas preferenciais para

carros que conduzem pessoas com deficiência ou mobilidade reduzida. É proibido por

lei estacionar o carro ou qualquer outro veículo em vagas destinadas especificamente

para estas pessoas.

De acordo com Fernandes e Orrico (2012), o governo brasileiro ratificou no ano

de 2009, através do Decreto 6.949 de 25 de agosto de 2009, a Convenção Internacional

sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência de 2007. Dentre outros princípios,

destacam-se: a discriminação contra qualquer pessoa em razão da deficiência é uma

violação da dignidade da pessoa humana; as crianças com deficiência física devem ter

seus direitos humanos e de liberdade garantidos pelo Estado; destaca-se o fato de haver

a extrema pobreza entre as pessoas com deficiência e a necessidade urgente de se

reverter este cenário e a importância da acessibilidade da pessoa com deficiência nos

ambientes físicos, sociais, econômicos, culturais, na saúde, na educação, no acesso à

informação e à comunicação.

No Brasil, foi a partir da década de 1970, segundo Fernandes e Orrico (2012, p.

50), que se deu início ao estabelecimento de uma política pública de atenção às pessoas

com deficiência, em consequência do movimento internacional de luta pelos direitos

destas pessoas. Em 3 de julho de 1973 foi criado o CENESP – Centro Nacional de

Educação Especial. Este órgão, vinculado ao Ministério da Educação e Cultura, tinha

por finalidade a promoção e a melhoria no atendimento aos “excepcionais” em todo o

território brasileiro.

A lei atual de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira 9.394 de 1996 dedica o

capítulo V à Educação Especial e, no artigo 58, a considera como modalidade de

educação escolar, devendo ser oferecida, preferencialmente, na rede regular de ensino

para os alunos com necessidades especiais. Reforça também a necessidade do apoio de

serviços especializados à escola regular, para que os objetivos sejam alcançados. Há

também a questão da formação de educadores voltados especificamente para a educação

especial.

O Plano Nacional de Educação, estabelecido pela Lei 10.172 de 9 de janeiro de

2001 vem para reafirmar o artigo 208 da nossa Constituição, que prevê a educação de

alunos com necessidades especiais e a preferência do atendimento destes alunos na rede

regular de ensino. O capítulo VIII, segundo consta em Fernandes e Orrico (2009), é

dedicado exclusivamente à educação especial e propõe: que haja as classes comuns, as

de recursos, as salas especiais e a escola especial.

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O Conselho Nacional de Educação, através das Diretrizes Nacionais para

Educação Especial na Educação Básica define Educação Especial como:

Modalidade da educação escolar, processo educacional definido em uma proposta pedagógica, assegurando um conjunto de recursos e serviços educacionais especiais organizados institucionalmente para apoiar, complementar, suplementar e em alguns casos, substituir os serviços educacionais comuns, de modo a garantir a educação escolar e promover desenvolvimento e potencialidades dos educandos especiais, em todas as etapas e modalidades da educação básica. (FERNANDES E ORRICO, 2012, p. 57)

A legislação atual, porém, visa a superação da dicotomia regular/especial a fim de

garantir a inserção deste projeto político e pedagógico nas escolas, para que haja o

compartilhamento do mesmo ambiente escolar, as trocas de experiências entre os alunos

e o trabalhar com a questão do ser diferente, além de garantir, assim, a oportunidade real

do acesso do aluno com deficiência física à escola, não apenas a sua inserção.

2.4. ACESSIBILIDADE

Há sim limitações que a pessoa com deficiência precisa transpor, todos os dias,

para conseguir se estabelecer na sociedade. Se já não bastassem suas próprias

limitações, ainda esbarram nas barreiras implantadas na cidade. É fato que a maior parte

das cidades brasileiras ainda não está preparada para a circulação de pessoas que

precisam da cadeira de rodas. Barreiras como as escadas, guias não rebaixadas nas

calçadas, o acesso ao transporte público etc.

Em pesquisa às normas da ABNT (Associação Brasileira de Normas Técnicas)

voltadas especificamente para a acessibilidade a edificações, mobiliário, espaços e

equipamentos urbanos, é possível definir acessibilidade como a possibilidade e

condição de alcance, percepção e entendimento para a utilização com segurança e

autonomia de edificações, espaço, mobiliário, equipamento urbano e elementos. (ABNT

9050, 2004, p.2)

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Segundo as diretrizes da ABNT 9050, o símbolo internacional de acesso10 pode

ser representado das seguintes formas:

Figura 3 – Símbolos de acesso

A definição etimológica de acessibilidade envolve a interação dos aspectos físicos

(o direito garantido de ir e vir), mas também os aspectos vinculados às relações

humanas e sociais.

A lei 10.098 de 2000 define acessibilidade como a “possibilidade e condição de

alcance para utilização com segurança e autonomia dos espaços, mobiliários e

equipamentos urbanos, das edificações, dos transportes e dos sistemas e meios de

comunicação, por pessoa portadora de deficiência ou com mobilidade reduzida”.

(FERNANDES E ORRICO, 2012, p. 73)

Conforme consta da ABNT 9050, as dimensões de uma cadeira de rodas11 são:

10Fonte: http://www.pessoacomdeficiencia.gov.br/app/sites/default/files/arquivos/%5Bfield_generico_imagens-filefield-description%5D_24.pdf 11 Fonte: http://www.pessoacomdeficiencia.gov.br/app/sites/default/files/arquivos/%5Bfield_generico_imagens-filefield-description%5D_24.pdf

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Figura 4 – Dimensões da cadeira de rodas

De acordo com as normas da ABNT 9050, em relação à área de circulação da

pessoa com cadeira de rodas12 deve ter as seguintes dimensões:

12 Fonte: http://www.pessoacomdeficiencia.gov.br/app/sites/default/files/arquivos/%5Bfield_generico_imagens-filefield-description%5D_24.pdf

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Figura 5 – Dimensões para área de circulação

Além da necessidade de um espaço mais amplo para a livre circulação de uma

pessoa com cadeira de rodas, vale lembrar que seu alcance manual frontal é limitado, ou

seja, por estar sentada, sua altura fica reduzida e seu alcance com as mãos também.

Portas, pias, bancadas, prateleiras, balcões, sanitários, veículos públicos e de passeio

precisam ser adaptados para que uma pessoa com deficiência física possa utilizar.

Rampas são de extrema importância para o livre fluxo da pessoa com cadeira de rodas,

visto que é impossibilitada de subir escadas.

É garantido por lei o direito a uma vaga exclusiva para as pessoas com deficiência

física ou com mobilidade reduzida. Conforme as diretrizes da ABNT 9050, cita-se: as

vagas de estacionamento para as pessoas com deficiência, quando estiverem conduzindo

ou sendo conduzidas por automóvel, devem ter espaço de circulação entre os carros de

no mínimo 1,20m; devem apresentar sinalização vertical (placa que fique perceptível

que a vaga é de uso exclusivo de pessoas com deficiência ou mobilidade reduzida);

quando a vaga estiver afastada da faixa de pedestre, esta deve ter espaço adicional para

a circulação da cadeira de rodas e ter rampas de acesso à calçada.

Bares, restaurantes, hotéis, cinemas, teatros, casas de shows, bancos, etc, precisam

se adaptar às necessidades deste público-alvo. Na contextualização desta abordagem,

surge então o conceito de “barreira”. E não apenas a barreira arquitetônica e urbanística,

mas também, a barreira de edificação, que impede a livre circulação da pessoa com

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deficiência no interior dos prédios; e tão relevante quanto as barreiras físicas, há as

barreiras comunicacionais, que dificultam ou impossibilitam o recebimento da

mensagem, seja pelos meios de comunicação de massa ou não.

Falar de acessibilidade também remete à educação. Há garantido, por lei, o direito

da criança com deficiência física de frequentar a escola regular juntamente com as

outras crianças. Além desta possibilidade, a rede pública de educação deve garantir ao

aluno a possibilidade de estar matriculado nas escolas especiais, voltadas

exclusivamente no atendimento às crianças com deficiência.

Hoje praticamente todas as escolas públicas e particulares proferem o discurso da Educação Inclusiva, que ganhou reforços com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, de 1996, e com a Convenção da Guatemala, de 2001. Esta última proíbe qualquer tipo de diferenciação, exclusão ou restrição baseadas na deficiência das pessoas. (RIBAS, 2011, p. 95)

Embora estes alunos já estejam frequentando escolas comuns, poucas são as que

no cotidiano praticam a inclusão para estas crianças. A escola deve ser encarada não

apenas no cenário de lápis, caneta, caderno, giz, lousa e professor. A escola é o lugar

onde se abarca, ou se deve abarcar, a diversidade, com o firme propósito de fazer com

que o aluno, seja ele com ou sem deficiência física, progrida.

Embora as pesquisas, como as realizadas pelo censo IBGE em 201013, apontem

que a maior parte de nossas crianças recebe atendimento escolar, pode-se verificar que é

pequeno o percentual das que possuem efetivo acesso à escola. Em matéria publicada na

Revista Nova Escola – Inclusão (2006), de acordo com dados apurados pelo INEP14,

órgão ligado ao Ministério da Educação, no ano de 2000, foram efetuadas 382.215

matrículas de crianças com deficiência (300.520 em classes ou escolas especiais e

81.695 em escolas regulares). 82% dos municípios do Brasil (4.582) oferecem educação

especial na sua rede de ensino. Em 2005, houve avanços nos dados da educação

inclusiva: 640.317 crianças com necessidades especiais matriculadas no país. O número

de alunos na educação especial triplicou (262.243). Não aceitar a matrícula de alunos

com deficiência física nas escolas regulares é crime.

13 Fonte: ftp://ftp.ibge.gov.br/Censos/Censo_Demografico_2010/Caracteristicas_Gerais_Religiao_Deficiencia/tab1_3.pdf 14 INEP – Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira.

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Além da inclusão nas escolas, há também a inclusão da pessoa com deficiência no

mercado de trabalho. De acordo com o Censo de 2010, realizado pelo IBGE, as pessoas

com deficiência estão nas camadas mais baixas da nossa sociedade. Há a falta de

oportunidades e também a falta de capacitação.

De acordo com Ribas (2011), no ano de 1999, o então presidente da República,

Fernando Henrique Cardoso, editou o Decreto de Nº 3.298, determinando que uma

empresa que tenha cem ou mais funcionários deve preencher de dois a cinco por cento

dos seus cargos com beneficiários da Previdência Social reabilitados ou com pessoa

com deficiência habilitada. Esta obrigatoriedade não é exatamente do ano de 1999. No

ano de 1991, através da Lei de Nº 8.213, as empresas já tinham que ter o compromisso

de contratar pessoas com deficiência. Porém, foi o Decreto de 1999 que incumbiu os

fiscais do Ministério do Trabalho de fiscalizar e assim, garantir este sistema de cotas.

Em entrevista à Revista Nova Escola – Inclusão (2006, p. 10), o médico e

educador Sérgio Klabin15 afirma que “temos que começar a inclusão já. Assim, no

futuro, as empresas vão contratar pessoas com deficiência não porque é lei, mas porque

saberão do que elas são capazes”.

Para João Ribas (2011, p. 115), “a diversidade deveria ser a razão da riqueza da

humanidade.” Para o autor, o maior embate a ser travado para superar os limites de uma

deficiência não é transpor suas limitações, mas superar as batalhas travadas com o

mundo que o cerca. Salienta ainda que olhar uma pessoa com deficiência e enxergar

nela apenas sua deficiência é ter a deficiência de não conseguir enxergar a pessoa com

todos os elementos que compõem a sua identidade.

Respeitar a diversidade é dar a oportunidade de todos aprenderem os mesmos

conteúdos, fazendo as adaptações necessárias e dando a cada um dos alunos a chance de

novos conhecimentos, sem que isso signifique dar atividades mais fáceis a quem tem

deficiência. A fragilização imposta ao aluno com deficiência atrasa ou até mesmo

retrocede o seu processo cognitivo em relação aos demais.

De acordo com Soares (2009), fica nítido que “sem acesso”, torna-se difícil a

tarefa de inserir no contexto social as pessoas com deficiência. É de grande importância

a acessibilidade arquitetônica para a real inclusão social em todos os seus aspectos e a

não omissão da mídia para esta temática que está em voga. Esta omissão midiática

15 Sérgio Klabin é superintendente do Centro Israelita de Apoio Multidisciplinar (CIAM) que atua em São Paulo desde 1959.

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reflete séculos de uma política de segregação e discriminação. Segundo Soares (2009, p.

61), “é no processo comunicacional que se expressam as representações sociais.”.

Natal, Rio Grande do Norte, foi a primeira cidade brasileira a ter uma legislação

específica na eliminação de barreiras arquitetônicas através da assinatura da Lei

Municipal de Nº 4.090/1992

Em 20 de dezembro de 1999, conforme relatado por Fernandes e Orrico (2012, p.

72-73), foi publicado o Decreto 3.298 que dispõe sobre a Política Nacional para a

Integração da Pessoa Portadora de Deficiência, no qual no artigo 4º determina que ruas

e sanitários públicos, bem como edifícios públicos terão normas de construção e

edificação planejados para o livre acesso das pessoas com deficiência. Determina

também que os transportes públicos devam ser planejados de forma a facilitar o acesso a

seu interior pelas pessoas com deficiência.

Outro direito que deve ser assegurado são as condições mínimas de uma vida

saudável e digna. De acordo com Soares (2009, p. 103), o IDH – Índice de

Desenvolvimento Humano – do nosso país tem revelado que há um vínculo nítido entre

a pobreza e a deficiência. É considerado, segundo a OMS, que pelo menos 14% a 16%

de todas as pessoas que vivem abaixo da linha da pobreza têm algum tipo de

deficiência. Nessa configuração, a deficiência aumenta a pobreza e a pobreza aumenta a

deficiência, tornando assim um ciclo interrupto.

De acordo com Fernandes e Orrico (2012), na visão de Vygotsky, não existe um

único caminho, uma única saída na luta pela compensação da deficiência. Há a ilusão de

que toda doença culmina em uma vitória ou que toda deficiência se transforma em um

talento, como é possível verificar nas histórias de Luca, nos quadrinhos da Turma da

Mônica.

No cerne da questão da acessibilidade, da legislação que estabelece decretos e leis

que garantem os direitos da pessoa com deficiência, está a questão da autoaceitação. É

preciso, primeiramente, que a pessoa com deficiência consiga se identificar como

sujeito, como um indivíduo, que seja trabalhada a questão da autoestima. Hall (2010)

debate a ideia da sociedade em que a diferença é estabelecida a partir de diferentes

identidades.

João Ribas (2011, p. 65) aponta uma questão que será discutida nesta dissertação:

a vitimização em torno da deficiência. O autor afirma que: “A deficiência pode ser uma

bela desculpa para explicarmos a nossa infelicidade. Mas ela não justifica inteiramente

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os nossos tropeços e embaraços. A vida é uma construção e nós mesmos somos os

principais arquitetos.”.

Esta própria pena de si mesmo pode nascer da falta de informação da família, falta

de atendimento digno por parte dos setores de saúde pública e até mesmo vir da escola.

O autor relata que, na sua infância, era impedido de praticar e participar das aulas de

educação física. Ele apenas poderia observar, caso quisesse, a turma se exercitando.

O relato de Ribas (2011) traz a necessidade da problematização da questão da

deficiência e da autoaceitação por parte da pessoa com deficiência física. Através da

pesquisa realizada sobre as inserções de Luca nas histórias da Turma da Mônica, foi

possível verificar que o personagem não passa por situações difíceis, a sua limitação

física não o impede de realizar nada, enfim, as narrativas passam para o leitor a ideia de

que a deficiência física no Brasil não vem atrelada à nenhuma problemática – seja ela

em que âmbito for. Esta análise será ainda debatida no estudo de caso desta dissertação.

2.5. A MÍDIA E A DEFICIÊNCIA

A mídia possui papel crucial no que concerne à inclusão social e à questão da

acessibilidade da pessoa com deficiência física. Por ser um campo novo, vasto e repleto

de novos conhecimentos, é preciso que a mídia em si e o profissional que nela atua,

busquem mais informações sobre esta temática.

João Ribas (2011, p. 82) chama a atenção para o fato de como a mídia apresenta

as pessoas com deficiência nos rádios, jornais e na TV. Relembra ainda uma antiga

campanha de vacinação contra a poliomielite veiculada na televisão que mostrava uma

mãe chorando por ver seu filho triste em uma cadeira de rodas, olhando pela janela as

outras crianças brincando de bola na rua. A mensagem da campanha passava a noção ao

telespectador de que é preciso evitar este grande sofrimento, este fardo.

Sobre a fala de Ribas (2011), é preciso esclarecer que é importante sim que haja

campanhas de vacinação, o problema que o autor sinalizou foi a forma como o

comercial abordou a questão da deficiência e a relação da mãe com seu filho. É preciso

que campanhas de política de saúde pública, por parte do governo, sejam realizadas,

para que a questão da conscientização da importância da vacinação e também outras

ações neste sentido sejam divulgadas à população.

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Em seu livro, Ribas (2011) se refere a Maurício de Sousa e a seus novos

personagens, Luca e Dorinha, voltados para a inclusão da pessoa com deficiência física.

O autor traz uma entrevista do cartunista e empresário publicada na internet:

Justamente por entender que se pode educar por meio das histórias em quadrinhos, decidi aumentar a Turma. Os novos integrantes, portadores de deficiência, devem ensinar muita coisa, principalmente na área do relacionamento humano. (RIBAS, 2011, p. 84)

Trazer estas histórias propicia ao grande público se habituar ao diferente, ao novo.

É necessária a convivência com a diferença para que se perceba que não há nada de tão

inusitado nas pessoas com deficiência. Embora as histórias de Maurício de Sousa

possam estimular a curiosidade por parte do leitor, não houve uma grande repercussão

no que diz respeito à mídia em geral. Os meios e veículos de comunicação não abriram

seus espaços para que fossem divulgadas estas novas identidades. Exceto, claro, os

meios e veículos de comunicação voltados à inclusão social. É necessário reconhecer,

porém, que há significativa parcela dos profissionais da mídia que começaram a se

preocupar em se interar mais sobre a deficiência e a terem a real noção de seus papeis

na construção do imaginário social.

Dentre os estudiosos brasileiros que se voltaram para as pesquisas e projetos

ligados à inclusão social, à mídia e à deficiência física, está Carminha Soares.

Mencionada no livro de João Ribas, a autora tornou-se referência por sua luta pelos

direitos à inclusão das pessoas com deficiência no Rio Grande do Norte.

Através de pesquisa à sua obra A inclusão social e a mídia: um único olhar,

verificou-se que Carminha Soares atenta para a necessidade de um maior preparo por

parte dos profissionais da mídia. E principalmente: a necessidade urgente da inclusão

destas pessoas que ainda estão à margem da sociedade.

A autora relata que o estudo sobre a deficiência é “o estudo da imagem social da

deficiência, na medida em que cada imagem requer uma representação social.”

(SOARES, 2009, p. 25). E esta representação social passou por várias etapas da história.

Em Esparta, segundo a autora, na Antiguidade Clássica, as sociedades voltadas para a

guerra tinham o costume de sacrificar as crianças com deficiência física ou mental, pois

estas eram conhecidas pela lei como “sub-humanas”. De acordo com o ideal de beleza e

perfeição do corpo, os gregos priorizavam a estética, por isso, cabia à própria mãe da

criança realizar tal ato.

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Carminha Soares (2009, p.32) afirma em seu livro que “para Aristóteles, não só os

portadores de deficiência, mas até mesmo os filhos excedentes, podiam ser expostos à

morte, em nome do equilíbrio demográfico. Aqueles considerados insanos ou loucos

eram abandonados no mar, nas denominadas Naus dos Insensatos.”.

Com o cristianismo, como considera Soares (2009), houve maior valorização do

ser humano e atos que promovessem o direito à vida. A doação, a compaixão, levaram

estes cristãos a instituir a caridade como um instrumento de assistência para as pessoas

com deficiência. Vale ressaltar que nesta época eram poucos os que sobreviviam ao

extermínio, poucos os que sobreviviam à baixa expectativa de vida devido a

complicações de suas doenças e a alta taxa de mortalidade infantil.

Foi na Idade Média que esses sujeitos passaram a ser vistos como pessoas,

passando a serem considerados como filhos de Deus. Eram enviados às igrejas e aos

conventos para que fossem protegidos, e ao mesmo tempo, isolados da sociedade. No

século XIII, surge, de acordo com Soares (2011), a primeira instituição para abrigar

pessoas com deficiência mental, em uma colônia agrícola da Bélgica.

O século XV foi marcado pela inquisição, suas condenações à morte na fogueira

dos chamados hereges que, entre outros, eram os tidos como loucos, adivinhos e as

pessoas com deficiência física. A igreja não admitia, mas havia uma contradição em sua

postura naquele momento: se antes eram os protetores destas pessoas, agora não os

aceitavam, pois não podiam admitir tamanha ofensa e heresia a Deus; já que não

aceitavam a ideia de um ser humano – segundo a Igreja feito à imagem e semelhança de

Deus (perfeito) – ser imperfeito, ter algum tipo de deficiência.

Durante o século XVI, segundo Soares (2009), os médicos e também alquimistas,

Philipus Paracelsus e Jerônimo Cardano, relacionavam a deficiência mental com o

cosmos, entendendo que o deficiente mental era vítima de ações e de forças sobre-

humanas. Para eles, estas pessoas eram dignas de tratamento e compaixão e não de

exorcismo e castigos físicos como apregoava, até então, a Igreja Católica.

Vale registrar que a visão do médico Philipus Paracelsus (1493-1541) sobre a

deficiência mental, representa a primeira visão médica que se tem conhecimento sobre a

questão da insanidade, englobando neste contexto, a deficiência mental. Esta abordagem

foi alicerçada por Cardano (1501-1576), que se deteve no campo da educação, voltando-

se para a recuperação das pessoas.

Ainda no século XVI, os jesuítas desenvolveram projetos que permitiriam que as

pessoas com deficiências motoras pudessem se locomover. Há registros, como pontua

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Soares (2009), que o padre José de Anchieta possuísse escritos sobre sua deficiência

motora.

Surge, no século XVIII, uma alternativa para a solução do problema da

deficiência. Com experiência apreendida através da epidemia da lepra, a Europa

constrói hospitais (leprosários/hospícios) que passam a ser alternativas para o

tratamento da deficiência. Assim como relata Soares (2009), Paracelsus, Cardano e o

filósofo John Locke, preocupados com a educação, mas sem ter experiência na área,

acreditavam que as pessoas com deficiência poderiam ser treinadas, ensinadas. A

solução encontrada foi segregar estas pessoas em asilos ou leprosários. A sociedade, o

governo e as próprias famílias, estavam, enfim, livres da presença destas pessoas que

eram classificadas como improdutivas, agressivas e dependentes.

Esta fase da história da deficiência remete às discussões sobre o corpo. Discussões

estas que foram empreendidas por Michel Foucault em Vigiar e punir (1987). O autor

estabelece uma conexão da questão do corpo com as relações de poder e de dominação.

Para Foucault (1987), o corpo só se torna força útil se é ao mesmo tempo for produtivo

e submisso.

Se antes o corpo era castigado por meio de sessões de tortura, morto na fogueira

através da inquisição, agora, segundo Foucault (1987), a prisão tem o poder de ir

minando e cerceando os direitos básicos e primitivos do homem. A prisão, conforme

relata o autor, afeta e aprisiona a alma: “A alma, efeito e instrumento de uma anatomia

política; a alma, prisão do corpo”. (FOUCAULT, 1987, p. 334)

O ano de 1801 fica registrado como o ano da primeira criação de uma obra sobre a

educação de crianças com deficiência mental. Seu autor, o médico Jean Itard, era

partidário da ideia que o homem não nasce como homem, mas se constitui como tal ao

longo de sua criação. Este médico se destacou pelos avanços e descobertas no campo da

audição e da fala.

Em 1846, a médica italiana Maria Montessori, conforme registra Soares (2009),

revolucionou o campo da educação ao estimular a criação de instituições educacionais

para as pessoas com deficiência mental. A médica buscava romper o preconceito acerca

da irrecuperabilidade dessas pessoas, disseminando suas metodologias para várias

partes do mundo e também para outras crianças. Nesta esfera educacional, destacam-se

ainda: o educador e pedagogo Pestallozi (1746-1827); o pedagogo Froebel (1782-1852)

e o médico e educador Decroly (1871-1922).

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Embora na Europa já houvesse a experiência no atendimento e na educação das

pessoas com deficiência, foi somente no século XX que surgiram de fato as primeiras

ideias a respeito da inclusão destas pessoas na sociedade. As áreas da Psicologia,

Biologia, Genética e o avanço nas técnicas pedagógicas também contribuíram para tal

feito.

O tcheco Comenius (1592-1670), segundo Soares (2009), fundador da moderna

Pedagogia, afirmou, por meio da sua Didática Magna, publicada em 1657, que as

crianças que possuíssem deficiência deveriam ser integradas ás escolas regulares, para

que pudessem ter contato com a comunidade e de forma a permitir a integração social.

A segregação das crianças com deficiência só foi de fato questionada nos países do

Primeiro Mundo nos últimos cinquenta anos. Nestes países, o papel do Estado é o de

custear entidades especializadas e o de prestar serviços a estas pessoas.

Esse papel aumentou, ainda mais, desde o final da Segunda Guerra Mundial, entendendo-se – na atualidade – o direito à prevenção, ao tratamento, à educação, à assistência e á promoção da integração de tais pessoas, que passa a ser assegurado como dever inalienável do Estado. (SOARES, 2009, p. 36)

No Brasil, o Estado brasileiro passa a assumir os cuidados com as pessoas com

deficiência apenas no século XIX, ainda de maneira não frequente. O ano de 1835 fica

marcado como o registro da primeira iniciativa no atendimento educacional formal a

uma pessoa com deficiência. O deputado Cornélio Ferreira França apresentou, na

Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, um projeto de lei para a criação de classe

para o ensino de cegos e surdos-mudos. Este projeto não foi aprovado, mas despertou as

famílias e a sociedade em si para a discussão desta temática.

Assim como registra Soares (2009), no ano de 1854 foi criado o Imperial Instituto

de Meninos Cegos, através da iniciativa do brasileiro José Álvares de Azevedo, que era

cego.

Na história do Brasil, a Guerra do Paraguai foi o pior conflito armado ocorrido na

América do Sul. De um lado, Brasil, Argentina e o Uruguai; do outro, o Paraguai. Ao

término desta guerra, o Brasil estava com milhares de pessoas com deficiência física.

Em consequência, o Imperador D. Pedro II inaugurou, no dia 29 de julho de 1868, o

“Asylo dos Inválidos da Pátria”, para atender os soldados mutilados na guerra e em

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outras operações militares. Hoje, nem o asilo nem mesmo a ilha onde estava situado

existem.

Alguns eventos importantes, de acordo com Soares (2009, p. 41), voltados à

assistência à pessoa com deficiência devem ser mencionados: em 1935, a professora

russa Helena Antipoff cria o Instituto Pestalozzi em Belo Horizonte; a AACD –

Associação de Assistência à Criança Defeituosa foi criada em São Paulo em 1950; no

Rio de Janeiro duas instituições são criadas em 1954 – a ABBR a Associação Brasileira

Beneficente de Reabilitação e a APAE, a Associação de Pais e Amigos dos

Excepcionais, voltada para a educação de pessoas com deficiência mental.

Toda esta contextualização histórica das representações da deficiência se faz

necessária, já que a mídia tem a missão de informar, de veicular conhecimento e notícia.

A inserção de informações acerca da deficiência por parte da mídia é vital, para que haja

uma possível conscientização sobre o tema.

A imagem social das pessoas com deficiência é relacionada, no âmbito social,

pelas informações que delas procedem, ou seja, como os meios de comunicação as

fazem aparecer ou como as fazem ficar invisíveis. É necessário entender que não há um

ideal de perfeição, que não há um padrão de normalidade, muito menos um homem

padrão a ser seguido.

Para as pessoas com paraplegia ou tetraplegia, o uso da cadeira de rodas pode

significar a prisão de sua identidade a este objeto, como se todas as identidades

possíveis ao ser humano estivessem condicionadas única e exclusivamente ao uso da

cadeira de rodas.

Todo o processo da representação social da deficiência física através da mídia

precisa ser encarado como algo necessário, que abarque as imagens, os discursos, as

identidades, as necessidades, os apelos, os direitos e deveres, e, sobretudo, deve ter a

frequência que qualquer outra representatividade possui.

Na mídia como um todo, não apenas no caso dos gibis, é notória a falta de

personagens fictícios ou da vida real que possam representar a pessoa com deficiência

nos meios e veículos de comunicação. De acordo com Soares, a mídia:

poderia ser um forte aliado no sentido de ajudar a sociedade a refletir, criando uma relação dialética – sociedade e mídia (grifo da autora) – que proporcionasse o crescimento de uma consciência verdadeiramente engajada nas lutas sociais, reconhecendo a autêntica responsabilidade que têm: informação (mídia) e consciência

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(sociedade), ou seja, um intercâmbio de consciência crítica das questões sociais. (SOARES, 2009, p. 98).

Há, de fato, a falta de conhecimento atualizado no campo da deficiência física

para a cobertura na mídia. Não se pode falar ou expressar algo sem o conhecimento para

tal. Um exemplo é a utilização do termo “deficiente” para designar as pessoas com

deficiência. Este termo, como já visto anteriormente, está incorreto e denota não só para

os estudiosos e especialistas da área, mas para as famílias e as próprias pessoas com

deficiência, preconceito. O termo correto a se empregar é “pessoa com deficiência”.

E na realidade ficcional veiculada e propagada pela mídia, não há apenas o Luca

como um personagem que possui uma deficiência física. Pode-se citar: o Professor

Xavier, da série dos quadrinhos e dos filmes X-Men; Arlie, personagem inteligente e

cadeirante da série de televisão Glee, vivido pelo ator Kevin McHale. ambos

representam personagens inteligentes – o que é uma característica além da deficiência.

A priorização da abordagem do intelecto em detrimento da questão física fica clara nos

dois casos. O poder do mutante Xavier está justamente na sua mente.

A beleza física de Luca é constantemente ressaltada nos quadrinhos da Turma da

Mônica. Dois exemplos sobre o belo e a deficiência na mídia são: o ex-BBB e modelo,

hoje campeão mundial e Paralímpico na canoagem, Fernando Fernandes; e Luciana,

uma modelo que sofre um acidente e fica paraplégica, vivida pela atriz Aline Moraes na

novela Viver a Vida de Manoel Carlos. A repórter do Fantástico, Flávia Cintra, que é

consultora da Rede Globo, também é paraplégica e participou da preparação da

personagem.

No filme Avatar, de James Cameron, o personagem principal Jake Sully,

interpretado pelo ator Sam Worthington, é cadeirante. Além destes já citados, vale

ressaltar que temos nas artes e na música: Aleijadinho (deficiência física), Beethoven

(deficiência auditiva), Van Gogh (dislexia), Walt Disney (dislexia), Dorina Nowill

(deficiência visual/cegueira), Andrea Bocelli (deficiência visual/cegueira), entre tantos

outros.

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3. HQ E COMUNICAÇÃO

São nas páginas das histórias em quadrinhos de Maurício de Sousa que se dá a

análise desta pesquisa. É através do quadrinho que se fará o estudo sobre o caso do

personagem Luca. Já entendida a questão da identidade e da deficiência física, neste

momento, é preciso investigar o meio de comunicação escolhido para esta dissertação.

As histórias em quadrinhos apresentam uma sobreposição de palavra e imagem;

assim, espera-se que o leitor tenha habilidades interpretativas visuais e verbais, pois

além da imagem, o enunciatário precisa decodificar o texto; e para isso é necessário que

ele faça uso de seu léxico e seu conhecimento de mundo. Diferentemente do cinema, há

um limite para as imagens, e portanto, é primordial que o leitor use suas experiências

para o entendimento da mensagem que a imagem quer passar.

3.1. HISTÓRIA EM QUADRINHOS NO BRASIL.

As histórias em quadrinhos surgiram na primeira metade do século XIX. Cirne

(2002, p. 10) relata que, para alguns estudiosos do tema, as primeiras histórias

apareceram no Japão em 1814, e para outros, na Suíça em 1827. De qualquer forma, o

aparecimento dos quadrinhos encontrou um cenário editorial favorável no contexto da

revolução industrial e das novas tecnologias no campo da impressão tipográfica, já que,

além da Revolução Industrial, emergiram neste mesmo século, a fotografia e o cinema.

No Brasil, os quadrinhos são registrados pela primeira vez em “As aventuras de

Nhô-Quim” de Angelo Agostini, na revista Vida Fluminense de 1869. Com ele, uma

nova linguagem gráfica – dos quadrinhos - ganhava espaço. Sua primeira fase

compreende o período de 1814-27 até 1895-96, que corresponde a um Brasil mais rural.

Temas abolicionistas faziam parte das discussões dos intelectuais da época.. Em 1905,

no Brasil, surge a revista “Tico-Tico”.

O período de 1934 até os anos 60, já trazem as publicações exclusivas para as

histórias em quadrinhos, sobretudo em revistas (a partir de 1938), que passam a ser o

maior suporte criativo dos quadrinhos, o meio no qual mais se publicavam as HQs. Em

1934, é lançado no Brasil o “Suplemento Infantil”, por Adolfo Aizen, que depois foi

modificado para “Suplemento Juvenil”. Em 1935, de acordo com Aizen (2002), Adolfo

Aizen, jornalista e editor-chefe de O Malho e o Tico-Tico, e um dos nomes mais

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importantes do Brasil no que diz respeito às histórias em quadrinhos, lança o

“Suplemento Policial”.

Como o gênero faz grande sucesso, o jornalista Roberto Marinho lhe faz

propostas, porém não aceitas. Roberto Marinho convida Aizen para ser seu sócio em

uma editora voltada apenas para os quadrinhos. Desperta no então jornalista, Roberto

Marinho, a curiosidade acerca dos quadrinhos.

Em 1939, surge a revista Gibi, editada por Roberto Marinho. A revista tornou-se

tão popular à época que passou a designar toda e qualquer publicação de HQ no país.

Vale evidenciar, então, que o vocábulo “gibi”, antes de qualquer outra designação, é

uma marca.

No século XX, sobretudo nos anos 40 e 50, os discursos “quadrinizantes” foram

acusados de provocar preguiça mental e de incitar os jovens à violência e ao

homossexualismo, já que era considerada uma leitura inferior. Conforme relata Cirne

(2002, p.13), os quadrinhos não mereciam a atenção dos intelectuais da época. E

tampouco eram aceitos nas salas de aula, já que eram rotulados de leitura de baixa

qualidade.

Entretanto, de acordo com Moya (1977, p. 112), “testes psicológicos aplicados em

crianças demonstraram que a informação quando transformada em história em

quadrinhos era apreendida num tempo assustadoramente pequeno.”.

No Brasil, em 1947, segundo Aizen (2002), é lançada a primeira revista brasileira

com histórias completas: O Herói e posteriormente, Superman. Adolfo Aizen, de acordo

com o que já foi mencionado, preocupado com a visão negativa segundo a qual as HQs

provocariam atraso mental e delinquência juvenil, exigiu que os textos das histórias e

suas legendas fossem escritos com as normas corretas da língua portuguesa. Em 1954, o

jornalista criou no Brasil um Código de Ética para as revistas de histórias em

quadrinhos.

Em 1951, acontece a Primeira Exposição Internacional das Histórias em

Quadrinhos, preocupada em tratar as HQs como uma fonte legítima de apreciação

artística, através de exposições, palestras, intervenções na imprensa e da presença de

desenhistas internacionais. Este evento serviu para que a HQ ganhasse mais

credibilidade como gênero.

A década de 60 é marcada pelos álbuns mais bem elaborados, resgatando

clássicos, mas também lançando novas tendências, com o intuito de atingir o público

adulto. Em 1975, de acordo com Aizen (2002, p. 117), a primeira edição do Novo

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dicionário da língua portuguesa, de Aurélio Buarque de Holanda Ferreira, passa a

incluir os vocábulos “quadrinizar” e “quadrinização”, ambos criados por Adolfo Aizen.

Os anos 80 ficaram registrados como a “idade de ouro” das novelas gráficas, de acordo

com Cirne (2002, p. 23). Entre as leituras consideradas canônicas por Cirne et al (2002)

está a obra “Pererê” de Ziraldo, de 1959.

O ano de 1997 registra o início oficial da utilização dos quadrinhos em sala de

aula, conforme afirmam Vergueiro e Ramos (2009). O PCN (Parâmetro Curricular

Nacional) de Língua Portuguesa incluiu em seu conteúdo a proposta da utilização dos

quadrinhos para as aulas sobre gêneros textuais:

Os PCN de Língua Portuguesa direcionados ao ensino fundamental dividiram os gêneros em “adequados para o trabalho com a linguagem oral” e “adequados para o trabalho com a linguagem escrita”. Entre os últimos, estão incluídas as charges e tiras. (VERGUEIRO E RAMOS, 2009, p. 11).

No ano de 2006, houve outro movimento de incentivo às HQs no cenário

educacional, pois os títulos de quadrinhos foram selecionados para fazerem parte do

PNBE (Programa Nacional Biblioteca na Escola).

Embora seja um gênero textual16, não há, dentre os autores pesquisados, uma

unanimidade em distinguir os quadrinhos como gênero literário. Vergueiro e Ramos

(2009, p. 18) classificam como gênero “literatura em quadrinho” as obras clássicas da

literatura universal publicadas em HQs. Os quadrinhos são leitura; e o PNBE de 2009

abre espaço para obras no formato dos gibis, além das já conhecidas adaptações de

clássicos da literatura.

Dizer que os quadrinhos são literatura evidencia duas posturas. A primeira é que se busca um rótulo social e academicamente prestigiado – o literário – para justificar a presença dos quadrinhos na escola [...]. A outra indica um desconhecimento da área de quadrinhos, que soma poucos estudos acadêmicos, embora em número já suficiente para afirmar que quadrinhos são quadrinhos e literatura é literatura. (VERGUEIRO E RAMOS, 2009, p. 36).

16 Trask (2008, p.123), conceitua Gênero Textual como: “uma variedade de texto historicamente estável,dotada de traços distintivos evidentes [...]. É próprio de cada gênero que a forma exterior de expressão seja de vital importância, pelo menos enquanto ao conteúdo.”

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Os autores defendem a tese de que os quadrinhos são artisticamente autônomos,

assim como são a literatura, o cinema, a dança, a pintura, o teatro, entre outros. Os

quadrinhos e a literatura se encontram e, então, surge a literatura dos quadrinhos.

Assim como já foi visto nesta dissertação, os Estudos Culturais empreenderam a

análise de temas no cenário acadêmico até então não trabalhados pela academia. E no

que concerne às história dos gibis, pode-se perceber que o assunto ganhado espaço nas

pesquisas acadêmicas. Em pesquisas realizadas, através do portal da CAPES, foram

localizadas dissertações e teses que trazem as HQs como tema. Estas análises serão

detalhadas na Metodologia desta dissertação.

3.2. CARACTERÍSTICAS DAS HQS

Will Eisner (2010) em sua obra Quadrinhos e Arte Sequencial, designa os

quadrinhos como “arte sequencial”, ou seja, o autor os entende como uma narrativa

gráfico-visual, tendo suas peculiaridades próprias, a partir de duas imagens que se

relacionam. Para o autor, não basta haver um bom desenho, é preciso que ocorra o

aproveitamento dos quadros e uma narrativa que tenha bom argumento.

As HQs têm em sua essência o sequenciamento de imagens, e é na sua narrativa

que ela se difere dos cartoons, charges e caricaturas. Um dos elementos de

diferenciação é o humor. No cartoon, na charge e na caricatura, o humor é peça

fundamental. Nos Estados Unidos, as histórias em quadrinhos são conhecidas como

funnies ou comics, mesmo quando suas histórias não são humorísticas. Já nos

quadrinhos, o humor não tem a obrigatoriedade de aparecer.

Nas histórias em quadrinhos, as ferramentas não-verbais, como a imagem, o

desenho, possuem maiores variedades e possibilidades de exploração – como um

traçado definindo uma expressão - do que a escrita, a ferramenta verbal. Um exemplo:

qualquer pessoa, de qualquer nacionalidade pode, independente do idioma, reconhecer a

figura de um gato desenhado. Abaixo uma tira17 que ilustra tal ideia.

17 Fonte: http://www.monica.com.br/i-home.htm - tira 162

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Figura 6 – Tirinha com elementos não-verbais

Não há nenhum elemento verbal nesta tirinha, mas por meio da expressão dos

personagens, do trabalho feito no segundo quadro e a troca da característica que marca o

Cascão, para o Cebolinha, é possível compreender que o vento levou a sujeira do

Cascão e o impregnou no Cebolinha. Percebe-se o desapontamento e desaprovação do

Cascão com o que lhe ocorreu e o susto que Cebolinha tomou ao ver que estava com o

corpo sujo. As características-chave que delineiam a identidade do Cascão são

justamente sua aversão a banho e suas marquinhas de sujeira. Perdê-las não lhe agradou

de fora alguma.

Os balões, nos quais estão inseridos os textos dos gibis, são uma das

características deste gênero. De acordo com Eisner (2010), os balões são lidos segundo

as mesmas convenções empregadas em um texto; da esquerda para direita e de cima

para baixo nos países ocidentais, como ilustra a imagem abaixo.18

18 Eisner (2010, p. 42).

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Figura 7 – Direção de leitura.

O recurso do balão, à medida que ganhou maior espaço nas publicações do gênero

história em quadrinhos, passou a refletir a emoção da fala, conforme ilustração de

Eisner (2010)19.

Figura 8 - Balões

O letreiramento – ou seja, a incursão das palavras nos balões - como consta da

imagem abaixo20, de acordo com o autor, traduz a emoção; o tipo de emoção o

personagem transmite ao leitor. Maurício de Sousa ainda mantém o letreiramento dos

balões de suas histórias de forma manual, artesanal. Segundo o quadrinista21, caso

passasse este processo de reprodução da tipografia para a forma mecânica, muito de sua

essência estaria em risco, pois não haveria a humanização da narrativa gráfica.

Figura 9 – Tipografia.

19 Eisner (2010, p. 25). 20 Eisner (2010, p. 25). 21 Fonte: http://forbesbrasil.br.msn.com/lifestyle/turma-da-m%C3%B4nica-o-imp%C3%A9rio-familiar-de-mauricio-de-sousa?page=0

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Na tirinha abaixo22, o espaço entre quadros foi criativamente usado para denotar

que a Mônica passou pelo Cebolinha e, mais uma vez, o golpeou. O personagem não

esperava que a valente menina fosse romper os traços dos quadros – as vinhetas -, uma

vez que estas geralmente, são fixas. É uma metalinguagem, ou seja, é o quadrinho se

valendo dos próprios artifícios gráficos das HQs.

Figura 10 – Rompimento dos contornos.

A onomatopeia é outra característica dos gibis. Os sons são reproduzidos através

de um fonema ou de uma palavra. Podem representar um grito, ruído, espanto, veículos,

trovões, animais, ventania etc. Conforme verificado abaixo23, a onomatopeia está

apontando que há um ruído de uma freada brusca.

Gênero totalmente particular em suas peculiaridades, o gibi no Brasil tem

potencial cada vez maior de crescimento. Seja na área da educação pública, na inclusão

social (projetos de incentivo à leitura, projetos voltados para a alfabetização etc.) e na

representação dos personagens com deficiência física.

22 Fonte: http://turmadamonica.uol.com.br/historia/tirinha 23 Fonte: http://www.monica.com.br/comics/tirinhas/images/tira101.gif

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Figura 11 – Onomatopeia.

3.3. A MARCA “TURMA DA MÔNICA”.

A história de Maurício de Sousa e da Turma da Mônica se confunde com a

própria história dos quadrinhos no Brasil. Reconhecidamente, no país e no exterior,

conforme entrevista da Forbes Brasil24, é o cartunista e quadrinista mais bem sucedido

do país. Atualmente, possui mais de três mil produtos licenciados com sua marca,

atingindo não só o público infantil, mas também o público jovem, ou teen, com a Turma

da Mônica Jovem, em estilo mangá.

Sua empresa já é o terceiro maior estúdio de animação do mundo. E todos os

números que envolvem as empresas de Maurício de Sousa, se refletem na perpetuação

da força de sua marca, que tem passado de geração a geração.

3.3.1. A HISTÓRIA DA TURMA.

Nascido em 27 de outubro de 1935, em Santa Isabel (São Paulo), Maurício de

Sousa25, filho de Antônio Maurício de Sousa e de Petronilha Araújo de Sousa, herdou

de seus pais, poetas, o dom para a arte. Foi criado na cidade de Mogi das Cruzes e, aos

24 Fonte: http://forbesbrasil.br.msn.com/lifestyle/turma-da-m%C3%B4nica-o-imp%C3%A9rio-familiar-de-mauricio-de-sousa?page=0 25 Fonte: http://www.monica.com.br. O site passou recentemente por alterações em seu layout e conteúdo. À época da pesquisa o endereço da home Page ainda era este da referência. Atualmente a referência é: http://turmadamonica.uol.com.br/

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dezenove anos, já em São Paulo, começou a trabalhar como repórter investigativo do

jornal Folha da Manhã, onde permaneceu por cinco anos.

Em 1959, criou “Bidu”, seu primeiro personagem em tirinhas. Logo em seguida,

“Franjinha”. Com o passar do tempo, surgiram: “Cebolinha”, Chico Bento”, “Horácio”

(personagem que o próprio Maurício de Sousa desenha até hoje), “Raposão”, entre

outros.

Com Bidu, inicialmente como tira, principia a saga infantil de Maurício de Sousa, a mais bem sucedida experiência editorial brasileira no campo dos quadrinhos, criando um rico elenco de personagens, [...]. (AIZEN et al, 2002, p. 131)

Mas sua personagem mais conhecida foi criada em 1963, a “Mônica”. Este nome

foi dado em homenagem à sua filha. No mesmo ano, Maurício de Sousa da vida à

menina comilona e melhor amiga da Mônica, “Magali”; e assim como ocorreu com

Mônica, também batizou sua personagem com nome de outra filha. O coelho Sansão

surgiu juntamente com sua dona, a Mônica, já que ele realmente existia na vida real. Ele

era amarelo e de pano. Em 1983, através de uma ideia de uma leitora, batizou-se o

coelho então de Sansão.

Cascão apareceu em 1961, mas ganhou sua revista própria em 1982. Lançada em

1970, a revista da Mônica alcançou a marca de 200 mil exemplares vendidos em sua

estreia. Três anos depois (1973), era a vez da revista do Cebolinha ganhar as bancas do

país, até então publicadas pela Editora Abril. 1987 é o ano em que todas as publicações

de Maurício de Sousa passam a ser de responsabilidade da Editora Globo, juntamente

com o Estúdio Maurício de Sousa. Em 2007, a Editora multinacional Panini passou a

ser detentora dos direitos de publicação e distribuição das histórias da Turma da

Mônica.

3.3.2. EVOLUÇÃO DA MARCA

Não foi apenas a personagem mais célebre da Turma da Mônica que mudou26; a

marca de Maurício de Sousa tem crescido, se expandido e alcançado novos nichos e

26 Antes mais emburrada, zangada, mais baixinha, dentuça e desengonçada, agora a Mônica está mais simpática, mais amiga e um pouco dócil; mantendo, claro, seu temperamento forte. Esta imagem está disponível em www.monica.com.br.

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novos públicos. No ano em que completou 50 anos (2013) da sua personagem mais

conhecida, a Maurício de Sousa Produções também bateu alguns recordes.

Figura 12 – Evolução da personagem Mônica.

De acordo com os dados da matéria veiculada no “Estadão”27, a Maurício de

Sousa Produções detém, atualmente, mais de 86% do mercado de quadrinhos infanto-

juvenis no Brasil. Segundo a Forbes no Brasil28, são vendidos, por mês, mais de 2.5

milhões de revistinhas.

Dos produtos que levam o selo da Turma do bairro Limoeiro29, os números são

ainda mais expressivos: são vendidos, a cada mês, 800 mil litros de sucos; 750

toneladas de itens alimentícios de uma grande indústria de alimentos refrigerados; 650

toneladas de maçãs e 9,5 milhões de unidades do macarrão instantâneo da Turma.

Tamanha ascensão se deve, segundo afirma Maurício de Sousa em entrevista à

Forbes Brasil, à sua gestão familiar. Dos seus dez filhos, sete trabalham na empresa.

Além do ambiente familiar, conta também alguns métodos, como a tipografia dos

balões das histórias, que até hoje são feitos de forma manual. Tudo isto para manter a

identidade da tipografia e não mecanizar algo que, para o quadrinista, é fundamental:

manter a essência de suas histórias.

Para o futuro, conforme consta da entrevista cedida à Forbes Brasil, a MSP

pretende seguir duas linhas: a primeira é investir de forma direta na área pedagógica;

criando cartilhas voltadas para a alfabetização e revistas em outros idiomas, como o

inglês e o espanhol (que já existem e são sucesso de vendas) para o auxílio das crianças

27 http://economia.estadao.com.br/especiais/turma-da-monica-uma-marca-com-mais-de-3-mil-produtos,172327.htm 28 Fonte: http://forbesbrasil.br.msn.com/lifestyle/turma-da-mônica-o-império-familiar-de-mauricio-de-sousa?page=0 29 Bairro fictício, criado por Maurício de Sousa. É lá onde moram os personagens da Turma da Mônica

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no contato com outros idiomas. Mônica de Sousa, que também concedeu a entrevista à

mesma revista, afirma que o público em geral já percebe a marca com um cunho social

e educacional, utilizando os materiais da Turma para fins didáticos e paradidáticos. Ela

menciona que há entre 100 e 200 pedidos por mês para que se utilizem a marca em

publicações educativas.

A segunda e última vertente é a busca pela adequação às mudanças que as

crianças vêm sofrendo nas últimas décadas. A infância está mais curta, há o

amadurecimento precoce da criança e, automaticamente, o lado lúdico das brincadeiras

se vai cada vez mais cedo. Pensando nesta situação, em 2008, foi criada a Turma da

Mônica Jovem, que hoje é a revista mais vendida da Maurício de Sousa Produções. É

também uma das publicações mais vendidas em todo o mundo, perdendo apenas para

alguns mangás japoneses.

Em toda sua trajetória profissional, Maurício de Sousa já deu vida a mais de 300

personagens e distribui seus gibis em mais de 120 países. Sobre o licenciamento dos

produtos com sua marca, hoje correspondem a 70% do faturamento da empresa. Os

outros 30% são oriundos dos gibis. De acordo com os dados do portal Isto é,30 já são

mais de 1 bilhão de revistinhas vendidas. Por mês, de acordo com a Panini, são mais de

2,2 milhões de exemplares vendidos.

Suas histórias foram além dos gibis, ganharam a televisão, o cinema, os

videogames, atualmente, a internet e parques temáticos. Álvaro de Moya (1977, p. 108)

pontua que “é necessário que a história em quadrinhos seja entendida como um produto

típico da cultura de massas”.

Além do grande alcance de sua marca, Maurício de Sousa também busca

relacionar sua imagem com assuntos que são de interesse do grande público. O

quadrinista tem personagens do futebol, como o Pelé, Ronaldinho Gaucho, Neymar Jr

etc. Personagens da música retratados em seus gibis, como o caso da homenagem que

prestou a Herbert Vianna, dos Paralamas do Sucesso, ao apelidar Luca de

“Paralaminha”, entre outras abordagens.

30 Fonte: http://www.terra.com.br/istoedinheiro-temp/edicoes/605/imprime133557.htm

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3.3.3. O INSTITUTO MAURÍCIO DE SOUSA

Criado desde 1997, por Maurício de Sousa, o Instituto Maurício de Sousa31 é uma

entidade sem fins lucrativos, qualificado como Organização da Sociedade Civil de

Interesse Público – OSCIP. O Instituto, que tem por finalidade o desenvolvimento

humano, a diminuição dos níveis de exclusão e desigualdade social, a criação de

condições e oportunidades para que as futuras gerações possam desenvolver plenamente

seu potencial como pessoas, cidadãos e futuros profissionais; desenvolve e realiza ações

e projetos nas áreas de cultura, educação complementar, saúde, cidadania, esportes,

artes, preservação do meio ambiente e inclusão.

Além do alcance de sua marca, Maurício de Sousa também busca relacionar sua

imagem com assuntos que são de interesse do grande público. Não é apenas no futebol

que Maurício de Sousa investe suas histórias. O quadrinista já criou personagens e

histórias voltados para a preservação ambiental, como a Turma do Papa Capim; e

histórias que, além de Luca, tragam o tema da deficiência. Alguns exemplos são os

seguintes personagens: Humberto, é surdo; Dorinha, é cega; André, autista (inspirado

no sobrinho-neto de Maurício de Sousa) e Tati, uma menina que tem Síndrome de

Down. Estes são apenas alguns personagens criados, mas há também personagens

soropositivos, para retratarem a HIV, além de campanhas em favor de crianças com

câncer etc.

Em entrevista concedida para o livro Mídia e deficiência, (Fundação Banco do

Brasil, 2003, p. 95) idealizado pela Fundação Banco do Brasil, é levantada a questão de

que, muito antes da discussão sobre sociedade inclusiva, Maurício de Sousa já ilustrava

em seus gibis uma menina gordinha e dentuça (Mônica); um menino que não consegue

pronunciar o “R” (Cebolinha); um garoto que tem pavor de banho (Cascão); um caipira

nato (Chico Bento) e uma menina que não consegue parar de comer (Magali); e então,

desde 2004, a turma do bairro Limoeiro conta com mais um personagem: o Luca,

Paralaminha ou o Da Roda.

Paraplégico, o menino de aparência física que passa a chamar a atenção da

Mônica e das meninas do bairro, anda sobre uma cadeira de rodas. Maurício de Sousa

chama a atenção para os dados sobre a deficiência física que já foram trazidos nesta

31 Recentemente o site do Instituto saiu do ar - http://www.institutomauriciodesousa.com.br/. A referência deste conteúdo está em: http://www.abrale.org.br/docs/dodoi/ims.html.

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dissertação. É alto o índice de deficiência física no nosso país. Segundo o quadrinista,

não se pode mais ignorar a realidade destas pessoas.

Boa parte da parcela da população do Brasil ou do mundo tem algum tipo de deficiência. De nascença, por acidente, doença, idade...- por que deixar que essa parcela importante de leitores de nossas revistas não tenha um personagem em quem se espelhar, se identificar? Personagens que, contracenando com outras figuras, sem deficiências, passarão fórmulas, ensinamentos e conhecimento sobre suas situações e de como enfrentam e atravessam barreiras em busca da vida plena, da felicidade, da inclusão. (FUNDAÇÃO BANCO DO BRASIL, p.95, 2003)

Ainda na entrevista, o cartunista fala que, independente de Luca ser paraplégico,

ele nunca o idealizaria de maneira triste, cabisbaixa. Maurício de Sousa considera que

todos seus personagens, sejam andando, correndo ou em uma cadeira de rodas, jamais

seriam “desesperançosos”. Para o autor da Turma da Mônica, todas as pessoas podem

ser referências de firmeza e força.

Embora a idealização destes personagens seja focada na superação, na autoestima,

e na autonomia, mesmo enquanto crianças, é necessário reforçar a ideia de que todas as

elas passam, em algum momento de suas vidas, por alguma situação de conflito. A

própria campanha que Maurício de Sousa está empreendendo, desde 2012, contra o

Bullyng, juntamente com o canal por assinatura Cartoon Network, conforme matéria

veiculada pela Folha de São Paulo,32 denota a necessidade de se tratar os problemas

que cercam o universo infanto-juvenil.

Luca, assim como a maior parte dos personagens da Turma, tem sete anos, é

paraplégico e se mudou há pouco tempo, junto com seus pais, para o bairro Limoeiro.

Luca tem dois apelidos que lhe foram dados por Maurício de Sousa. O primeiro é “Da

Roda” – pois anda em cadeira de rodas – e o segundo é “Paralaminha”, que como já foi

visto, é uma homenagem a Herbert Vianna.

Sua primeira aparição foi na edição Nº 222 de dezembro de 2004 da Turma da

Mônica. Detalhes como as marcas dos pneus da cadeira de rodas no gramado, as barras

de apoio no banheiro, a pia, a cesta de basquete e o espelho que é instalado na altura

correta para Luca33, são mostrados com naturalidade por Maurício de Sousa.

32 Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/folhinha/1099016-ganso-mauricio-de-sousa-e-nx-zero-apoiam-campanha-anti-bullying.shtml 33 Fonte: www.monica.com.br

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Figura 13 - Luca

Para criar o personagem, segundo dados do site da Turma, Maurício de Sousa se

inspirou em atletas paralímpicos do Brasil. E se surpreendeu com a autoestima deles,

com a confiança que o esporte pode proporcionar a uma pessoa com deficiência.

Na cerimônia, no Senado Federal34, da V semana de valorização da pessoa com

deficiência, na data de 15 de dezembro de 2009, Luca e Dorinha foram os personagens

representantes da criança com deficiência. Em entrevista, durante a cerimônia, Maurício

de Sousa afirmou que Luca será responsável por mostrar às outras crianças as

possibilidades de uma infância feliz, interativa, independentemente de qualquer

deficiência física. “É a inclusão social sendo exercitada também no mundo ficcional dos

quadrinhos”, disse o quadrinista.

Embora esteja representando um “mundo ficcional”, como o próprio cartunista

afirmou, Maurício de Sousa também se compromete a levar a temática da deficiência

física através do personagem Luca. E a representação da deficiência, como já visto no

capítulo anterior, envolve temáticas que precisam ser trazidas para as páginas da Turma

da Mônica. E principalmente o equilíbrio entre a fala de Maurício de Sousa e o que está

contido nos quadrinhos.

Na análise das histórias trazidas para esta dissertação, através do estudo de caso,

esta discussão será mais aprofundada.

34 http://www.senado.gov.br/senado/programas/acessibilidade/semana4/conversa_pessoal.shtm

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4. ANÁLISE DO CASO LUCA

Este capítulo destina-se à análise do personagem Luca, através de pesquisas

empíricas e bibliográficas realizadas por meio da amostragem das revistas em

quadrinhos Turma da Mônica do ano de 2012. A metodologia desta dissertação está

inserida neste capítulo, precedendo o estudo de caso, para embasar esta discussão.

4.1. METODOLOGIA

A proposta metodológica da presente dissertação é realizar uma análise de

discurso e imagem, de acordo com as contribuições de Umberto Eco, em Apocalípticos

e Integrados (2011, p.129). Nesta obra, Eco realiza a análise de discurso e imagem da

história em quadrinhos intitulada “Steve Cannyon”.

Esta HQ foi criada em 11 de janeiro de 1947, por Milton Caniff. O nome do

protagonista dá o título da história. Caniff propõe ao público um novo estilo narrativo,

repleto de mistério, e a princípio, o leitor dispõe apenas do nome do protagonista como

informação prévia.

Ao explorar tal conteúdo, Eco o faz mediante os enquadramentos da história em

questão, dividindo-a em onze quadros. Para cada um há uma análise detalhada do texto,

das ferramentas gráficas já características deste gênero e o cuidado do autor com a

imagem, as expressões e efeitos.

Eco (2011, p.131) convida seu leitor a seguir, individualizando o “modo” do

preparo da mensagem, decodificando-a com tudo o que ela possa comunicar, não se

esquecendo do foco da “estrutura da própria mensagem”, examinando, “os signos e as

relações entre signos em referência a um dado código a que o autor se atém,

presumindo-o do conhecimento de seus leitores”.

No primeiro enquadramento, definido por Eco como “subjetivo”, o protagonista é

identificado pela sua fala, pelo seu sotaque irlandês. Dados como a cordialidade são

definidos mediante o gesto, o sorriso. Cannyon, um policial, é voltado às relações

humanas.

O segundo enquadramento frisa a conduta de Steve, que se mostra cordial tanto

com o policial tanto com o porteiro. Seu afeto pelas crianças também é revelado, bem

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como sua gentileza, porém Cannyon é “alheio à retórica afetiva”. (ECO, 2011, p.132-

133).

O terceiro enquadramento, segundo o autor (2011, p.133) “é o mais ambíguo de

todo contexto”. O autor relata ao leitor que Cannyon faz viagens a países exóticos,

citando o Egito, mas não explica o que fez o protagonista durante o período em que

esteve ausente. A relação de Cannyon com o jornaleiro, que é cego, não é explicada,

porém este jornaleiro chama Cannyon de “capitão”. No contexto militar de 1947, esta

expressão remete ao fato do protagonista ter realizado um ato heroico em operações de

guerra. Já Cannyon chama o jornaleiro de “sargento”, remetendo a uma relação de

“camaradagem”; de homens que se ajudaram em uma situação de perigo. De acordo

com Umberto Eco (2011, p.134), “a guerra é cimento dos afetos, escola de amizade,

palestra de iniciativa”. Tal afirmação serve de base para Eco sugerir que o porteiro é

tido como livre de qualquer suspeita, já que “não se pode desconfiar de um cego de

guerra” (ECO, 2011, p. 134)

No quarto enquadramento, o protagonista sai do campo da subjetividade. O leitor

ainda não consegue ver o rosto de Steve, apenas seu perfil. E para Eco (2011, p.135) “é

bom que o leitor saboreie a espera, e construa uma alma antes de atribuí-la a um rosto”.

O quinto enquadramento, após a “construção da alma”, aproxima-se do momento da

revelação do rosto de Cannyon. A sua beleza é retratada quando ele aparece de costas;

tendo suas características físicas relatadas: alto, louro e de cabelo ondulado. Algumas

expressões, nesta fase da história, levam o leitor a entender que Steve é aviador.

A face do protagonista surge no sexto enquadramento. Uma beleza masculina, de

semblante firme, com maturidade e vigor. Eco também ressalta várias características

que ele encontra na secretária de Steve, como sua roupa, seu tipo físico; analisa também

a porta do escritório, o nome da empresa. Enfim, faz uso das várias “indicações

tipológicas” oferecidas pelo autor. (ECO, 2011, p. 137).

No sétimo enquadramento, Umberto Eco considera que, do ponto de vista

“iconográfico”, a sétima vinheta tem função “interlocutória”. Ao contrário das vinhetas

anteriores, nesta, se introduzem elementos através do diálogo.

A oitava vinheta apresenta o ambiente por meio dos objetos, a decoração. Através

da decoração e do vestuário, que denota riqueza, pode-se perceber que se tratava dos

anos 20 e 30.

No nono enquadramento, o negrito é utilizado para expressar o espanto do

secretário da Sra. Cooper – cliente de Steve Cannyon - na vinheta. Ressalta-se também a

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maquiagem da mulher, que enaltecia suas expressões e seu controle da situação, que

fica evidente quando esta ouve a ligação de seu secretário com o protagonista através da

extensão.

A décima vinheta salienta que algumas palavras usadas pelo protagonista

destacam a ideia de que ele prima por sua independência; e outros jargões reforçam a

noção de que ele é aviador. Eco destaca que o escritório do protagonista é pequeno,

modesto e simples.

O décimo primeiro enquadramento traz o clímax da história. A mulher, chamada

Copper, cliente de Steve Cannyon, queria que seu secretário trouxesse Cannyon para

ela, como se este fosse algo, fosse um objeto disponível.

Umberto Eco, então, chega a conclusões mediante a cada análise realizada nas

vinhetas apresentadas em “Steve Cannyon”. A primeira observação do autor (ECO,

2011, p. 148) é a de que “os vários elementos formais examinados determinam a

natureza do enredo”, e no caso de Cannyon, observa-se o enredo cinematográfico. Já o

exame realizado dos personagens, possibilitou a Eco perceber a existência de tipos

característicos bem definidos, fundamentados em estereótipos claros e precisos.

Referente aos valores, à ideologia, ratifica-se a ideia do protagonista não ter o

apego pelo ganho financeiro, tendo como característica seus traços afetivos, como a

ternura, generosidade e senso de humor. Para Eco (2011), alguns traços do personagem,

como sua virilidade, sua relação com a lei, sua beleza, seu prestígio e sua maneira de se

relacionar com todos da mesma forma cordial, podem levar o protagonista a

transformar-se em um modelo a ser seguido pelo leitor.

Umberto Eco (2011, p.153), ao aprofundar-se nas contribuições e nas carências

deste gênero literário, percebe a necessidade de uma avaliação mais crítica, menos

generalizada; propondo enfim, uma avaliação “histórico-crítico—pedagógica de caso

por caso”.

Assim como Umberto Eco, nesta dissertação, também se percebeu a necessidade

latente da problematização na abordagem do personagem tema do estudo do caso.

Cadeirante, as histórias das quais Luca faz parte não apontam nenhuma dificuldade ou

limitação na sua condição de deficiente físico. Salienta-se que as demais crianças da

Turma não demonstram nenhum tipo de preconceito e veem Luca como um referencial

de beleza estética, carisma e dinamismo. A questão da tecnologia usada para “salvar”

Luca de situações arriscadas, bem como a temática da acessibilidade – que serão

abordadas neste trabalho – não são problematizadas nas histórias em quadrinhos.

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A metodologia deste trabalho é bibliográfica e empírica. Os dados empíricos

trabalhados para esta dissertação são oriundos da amostragem das HQs da Turma da

Mônica de todo o ano de 2012. Para o embasamento teórico da análise empírica, a

pesquisa bibliográfica faz-se presente em toda a dissertação.

Ao idealizar esta dissertação, antes de tudo, era necessário iniciar um projeto. A

ideia de que seria um tema voltado para a questão social era concreta; e a necessidade,

como profissional da área de Comunicação e Marketing, de pensar sobre a Mídia como

ferramenta voltada para a área social era e continuará sendo um objetivo a ser seguido.

A motivação para este tema nasceu da inquietação em poder analisar a

Comunicação sem o business do Marketing e sem o apelo criativo massificador da

Publicidade. Entender o que a área de formação acadêmica e profissional da

pesquisadora poderia agregar neste projeto, e em projetos futuros, e de que maneira

todas estas questões poderiam se tornar uma dissertação, foram molas propulsoras para

o desenvolvimento do presente trabalho.

Havia sido criado um personagem de um menino cadeirante, que não estava

representando nas páginas do gibi a vítima, mas sim um menino ativo, com muita

vontade e garra de viver. Enfim, achou-se o corpus da pesquisa e com isso uma nova

fase: a pesquisa do corpus.

Com a amostra total nas mãos, foi possível perceber que o “Da Roda” aparece

apenas na turma principal (Mônica, Cebolinha, Magali e Cascão). Assim, foi mais fácil

realizar o refinamento das revistas. Durante os anos de 2012 e 2013, buscou-se as

inclusões do Luca nos quadrinhos. Era notória a falta de regularidade da participação

dele nas HQs, ou seja, o personagem aparece eventualmente em uma história ou outra.

O intuito era empreender uma análise deste corpus e compará-los segundo suas

veiculações. Na edição especial, sem vínculo comercial, há uma abordagem sobre a

acessibilidade mais problematizada, partindo do princípio de que o personagem tem

dificuldades sim de locomoção e acessibilidade na escola e nas vias públicas, a

historinha tem uma mensagem didática e de fácil compreensão. Cabe ressaltar, assim,

um problema: se não há a veiculação para o grande público, se esta veiculação tem

distribuição restrita, então não há um aproveitamento desta abordagem, já que seu

alcance é limitado e a mensagem foi eventual.

Já a história do almanaque temático, delineia um Luca completamente oposto ao

retratado em “Acessibilidade”. Franjinha, o personagem cientista da Turma da Mônica,

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consegue criar uma cadeira de rodas que possui muitos suportes tecnológicos, que vão

desde molas extensivas para ele não passar em um buraco, até um soco escondido em

um compartimento secreto da cadeira.

A terceira e última história analisada no período foi o “De olho no bigui broder”, e

nela é possível compreender que Luca é o menino do bairro mais paquerado pelas

meninas, principalmente por Mônica, que nutre um sentimento platônico por ele.

Durante o processo de finalização desta dissertação, os quadrinhos em que Luca

aparece foram reanalisados – a analise do corpus, que inicialmente foi feita no período

de seis meses, passou então para um ano; e no período de doze meses, de janeiro de

2012 a dezembro do mesmo ano, o personagem foi incluído em oito histórias. Nesta

amostragem, sete das histórias estão na Turma da Mônica e uma no gibi do Cebolinha.

Que são as seguintes:

(1) Turma da Mônica – A turma em “As fantasias de carnaval”35. Nesta história,

Luca aparece apenas em dois quadros, sem nenhum diálogo. Ele passa, pulando o

carnaval e vestido de príncipe, para o suspiro das meninas.

(2) Turma da Mônica – Mônica em “A escritora”36. Nesta história, Mônica

resolve escrever um livro sobre sua vida. Quando ela encontra com Luca, fica

encantada, e pensa consigo mesma em escrever um romance. Luca, porém, pergunta a

ela se o livro será de suspense. Ao encontrar com a amiga Denise, que a alerta sobre o

fato de que é preciso ter “babados e fofocas” para vender, Mônica então começa a

escrever os segredos mais íntimos de seus amigos, como o fato, por exemplo, de Luca

ter medo de rato. Todos, é claro, ficam zangados com ela.

(3) Turma da Mônica – Mônica em “Correndo atrás do Luca”37. Mônica, com

muitos ciúmes, pois vê duas colegas suas do bairro atrás de Luca, tenta de todas as

formas acompanhar o ritmo delas na natação, no basquete e na corrida. Luca consegue

se despistar das duas e vai ao encontro de Mônica. Ele diz que prefere a companhia dela

para correr – ele precisa ter força nos braços, para empurrar sua cadeira – pois sabe que

ela está em boa forma física. Mônica então vai agradecer a Cebolinha, com um beijo na

bochecha, por mantê-la sempre em forma (ela vive correndo atrás dele para pegá-lo).

35 Turma da Mônica, Nº 62, fev/2012. 36Turma da Mônica, Nº 63, mar/2012 37 Turma da Mônica, Nº 65, maio/2012.

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(4) Turma da Mônica – Luca e Marina em “A rampa”38. Luca e Marina se

animam ao verem o panfleto de inauguração da Biblioteca do Limoeiro. Ao chegarem

lá, percebem que Luca não conseguirá andar, pois não há rampas de acesso, apenas

escadas. Marina argumenta com o dono da Livraria, que não faz nada a respeito.

Marina, triste em ver a decepção de seu amigo e irritada com a indiferença do dono, vai

embora com Luca. Logo depois, o dono da livraria sai para almoçar e sofre um acidente,

escorregando em uma casca de banana. Imobilizado e em uma cadeira de rodas, logo

pensa no menino que há pouco tempo não pode entrar, devido às escadas. Ele manda

providenciar rampas de acesso e convida os dois amigos para entrarem. Já na livraria, o

dono, ao ver Dorinha que é cega, juntamente com seu cão guia, a empurra para uma

outra direção. Marina logo fica com raiva, pois pensa que mais um amigo seu sofrerá

discriminação, mas este senhor conduz Dorinha a uma seção de livros em braile,

deixando Marina surpresa e feliz.

(5 e 6) Turma da Mônica – Mônica em “Alguém para cuidar de mim” e Mônica e

Monicão em “Monicão com rodas”39;

(5) - Em “Alguém para cuidar de mim”, Luca aparece de forma rápida, dizendo

que estava com saudades dos vizinhos do bairro, quando Maria Cebolinha, irmã do

Cebolinha, some mais uma vez. Mônica e Magali então deixam Luca e combinam de

lanchar outro dia. Cebolinha enganou Mônica, fingindo que estava brincando com ela

de casinha e deixando sua irmã aos cuidados da colega para jogar futebol. O plano é

descoberto e sua mãe o repreende.

(6) Em “Monicão com rodas”, Mônica tenta de todas as formas conter a raiva de

seu cãozinho a tudo o que tenha rodas. Luca surge, o cão avança nele, Mônica tenta

segurá-lo, mas os três acabam caindo. Quando percebe, Mônica está no colo de Luca, e

fica agradecida ao seu cachorro por isso.

(7) Turma da Mônica – Mônica em “Belê? Belê?”40. Nesta história, Mônica mais

uma vez com ciúmes, quer usar o personagem Nimbus para causar alguma reação em

Luca. Da Roda, no final da história, ao ver que Mônica quer que ele faça ciúmes num

menino bonito que falou com ela, deixa claro que ele não fará o que ela o pede.

38 Turma da Mônica, Nº 67, jul/ 2012. 39 Turma da Mônica, Nº 69, set/2012. 40 Turma da Mônica, N° 72, dez/2012.

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(8) Cebolinha – “Do contra e a bola.”41. Tirinha com três quadros em que aparece

Luca apenas rodando uma bola com o dedo indicador. O primeiro quadro relata Cascão

realizando a mesma ação e no último quadro, o Do Contra – personagem baseado em

um dos filhos de Maurício de Sousa, que procura realizar ações de maneira diferente

dos demais personagens - correndo em torno de si mesmo rodando uma bola de

basquete na mão.

De todas as narrativas pesquisadas, pelo grau de participação e a

representatividade do conteúdo exposto, as histórias 2, de Mônica em “A escritora”; 3,

de Mônica em “Correndo atrás do Luca”; 4, de Marina e Luca em “A rampa” e 7, de

Mônica em “Belê? Belê?”, serão também analisadas no estudo de caso.

O personagem Luca não tem uma frequência regular nas histórias da Turma da

Mônica. Sendo assim, buscou-se trazer para este trabalho as histórias em que o

personagem tenha maior destaque e participação. A cada história escolhida para o

estudo, haverá primeiramente, um resumo, no qual os fatos serão contextualizados. É

necessário frisar que haverá recortes nas histórias para a análise, visto que este espaço

não comportaria todos os quadrinhos.

O personagem dispõe de efeitos tecnológicos, já que sua cadeira de rodas

possibilita que ele faça qualquer tipo de esforço, como transportar peso; há mãos

biônicas que saem das alças da cadeira e podem agarrar o que quiserem; enfim, a parte

gráfica dos quadrinhos, a linguagem usada por ele e pelos personagens que interagem

com ele e a questão da sua postura e como seus vizinhos o encaram como um menino

cadeirante serão levantadas e problematizadas nesta pesquisa. E não se pode excluir da

análise, como o consumidor/leitor percebe este personagem e a deficiência física.

4.2. ESTUDO DE CASO – LUCA

Segundo Eisner, (2010, p.104), “na arte dos quadrinhos, o artista deve desenhar

com base nas suas observações pessoais e no inventário de gestos comuns e

compreensíveis para o leitor”. Ainda de acordo com o autor, a forma humana e a

linguagem de seus movimentos corporais tornam-se os ingredientes essenciais dos

quadrinhos.

41 Cebolinha, Nº 69, set/2012.

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Conforme ilustra a imagem42 abaixo, Luca é surpreendido por degraus e mostra-se

preocupado. Então, Anjinho43 vem ao seu socorro e, no lugar dos degraus, coloca uma

rampa para que o Da Roda possa entrar. Esta tirinha ilustra a necessidade de uma

problematização desta “realidade” de Luca. O que ocorre no dia a dia da pessoa com

deficiência física é algo totalmente oposto. Nem sempre aparece alguém para ajudar, e

muito menos há uma solução mágica para resolver os problemas e percalços enfrentados

pelos cadeirantes. Além do preconceito, da falta de informação por parte da população,

a escassez de ações governamentais que auxiliem a real inclusão destas pessoas no seio

da sociedade vai muito além da realidade ilustrada por Maurício de Sousa.

Nas histórias da Turma da Mônica, conforme já mencionado, o personagem

dispõe de efeitos tecnológicos, já que sua cadeira de rodas possibilita que ele faça

qualquer tipo de esforço, como transportar peso; há mãos biônicas que saem das alças

da cadeira e podem agarrar o que quiserem; enfim, na parte gráfica dos quadrinhos, a

linguagem usada por ele e pelos personagens que interagem com ele e a questão da sua

postura e como seus vizinhos o encaram enquanto um menino cadeirante serão

levantadas e problematizadas nesta pesquisa. E não se pode excluir da análise, como o

consumidor/leitor percebe este personagem e a deficiência física.

Figura 14 – Anjinho salva Luca.

4.2.1. “ACESSIBILIDADE”

Primeiramente será analisada a HQ “Acessibilidade”44, uma edição especial, sem

fins lucrativos, criada em 2006, em parceria com o CONADE (Conselho Nacional da

Pessoa Portadora de Deficiência) e com a Secretaria Especial dos Direitos Humanos do

42 Fonte: www.monica.com.br 43 Anjinho é o anjo da guarda da Turma da Mônica; está sempre pronto para evitar algum acidente. 44 Fonte: www.monica.com.br

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Governo Federal. Esta edição especial foi publicada pelo Instituto Cultural Maurício de

Sousa.

A escolha por esta edição se dá pela abordagem didática acerca da deficiência. A

exposição do tema, as limitações do personagem – sendo Luca um menino cadeirante -,

a questão do preconceito e outras problematizações, não costumam ser abordadas nas

histórias da Turma da Mônica em edições regulares, com distribuição comercial.

Vale ressaltar que ganha peso a revista em questão ter sido encomendada pelo

Senado Federal, para conscientizar e levar a informação sobre a acessibilidade e a

deficiência para as crianças. Esta história está disponibilizada na home Page da Turma

da Mônica. Qualquer pessoa pode acessar o site e baixar o conteúdo gratuitamente.

A história “Acessibilidade”45 pode ser contextualizada da seguinte forma: os pais

de Luca decidem mudar de bairro e escolhem o Limoeiro, cenário onde vivem os

personagens da Turma da Mônica. Ao se mudarem para lá, Luca e seus pais enfrentam

novos desafios, como a questão do acesso à escola. Luca, por ser independente e muito

ativo, passa por grandes dificuldades em seu primeiro dia de aula no novo colégio. Ele

precisou da ajuda de outros colegas para realizar tarefas que até então, para ele, eram

simples.

Como já visto nesta dissertação, por lei, as escolas e estabelecimentos públicos

devem adaptar suas edificações a fim de permitir a acessibilidade de todas as pessoas

com deficiência. A lei 10.098 de 2000 garante a acessibilidade de pessoas com

deficiência ou pessoas com baixa mobilidade.

A definição do termo acessibilidade envolve a conjunção dos aspectos físicos (o

direito garantido de ir e vir), mas também os aspectos vinculados às relações humanas e

sociais. A lei 10.09846 de 2000 define acessibilidade como a “possibilidade e condição

de alcance para utilização com segurança e autonomia dos espaços, mobiliários e

equipamentos urbanos, das edificações, dos transportes e dos sistemas e meios de

comunicação, por pessoa portadora de deficiência ou com mobilidade reduzida”.

Os pais de Luca decidem procurar a direção da escola para sugerirem melhorias

que atendam às necessidades de Luca e de outras crianças com necessidades

educacionais especiais, como Dorinha que é cega; Humberto que é surdo; André, que é

autista; entre outros. A escola, de ensino regular, então, passa a adaptar-se para o acesso

dos alunos com deficiência.

45 As imagens da história estão no Anexo A desta dissertação 46 Fonte: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l10098.htm

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É importante salientar que os outros pais de alunos que também possuem algum

tipo de deficiência física só vão à procura das adaptações necessárias para a

acessibilidade de seus filhos, quando os pais de Luca decidem procurar a diretoria da

escola.

Neste sentido, a fala do “subalterno”, da minoria, só ganha vez quando há a união

de sujeitos que estejam inseridos no mesmo problema. Assim como ocorreu na escola

de Luca, há a necessidade do engajamento das pessoas que passem pela mesma

problemática. Antes de sua escola passar pelas adaptações, Luca relata de maneira

emocionada para a turma: “bem que eu tentei ser ouvido, mas não consegui...”

(SOUSA, 2006, p. 8)

Spivak (2010) define o termo subalterno como “as camadas mais baixas da

sociedade constituídas pelos modos específicos de exclusão dos mercados, da

representação política e legal, e da possibilidade de se tornarem membros plenos no

estrato social dominante.” (SPIVAK, 2010, p. 12).

A autora ressalta algo importante: a fala do subalterno é sempre intermediada por

outro indivíduo, um agenciador. No bojo desta discussão, vale salientar a importância

de se trazer um menino cadeirante representando as milhares de pessoas com deficiência

física no país. Sentir-se aceito, incluído e representado na mídia pode ser o início da

assimilação da deficiência, que no nosso país significa diferença. E considerando a falta

de informação sobre o assunto, alarga-se consideravelmente a faixa do preconceito, da

indiferença.

Esta representação da deficiência física deveria ser realizada de maneira mais

realista possível, já que muitos são os que, de alguma maneira, se veem refletidos no

personagem Luca. A vitimização da deficiência ou a descrição de um panorama em que

as situações difíceis são sempre resolvidas rapidamente, sem percalços, em nada

contribui a elucidar questões como o preconceito à pessoa com deficiência. Há muitas

barreiras que o deficiente precisa transpor. A sua realidade transcende a realidade

ficcional de Maurício de Sousa. Seria preciso que houvesse maior humanização /

problematização da deficiência nas páginas do referido gibi, para que a fala de seu

criador – algumas vezes aqui transcritas – realmente se efetivasse na prática.

Outra problemática a ser discutida: nos gibis de circulação regular, o personagem

Luca não enfrenta nenhum tipo de obstáculo, dificuldades na sua locomoção nem

mesmo o preconceito por parte de seus colegas. Na revistinha “Acessibilidade”, já se

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pode notar que esta realidade é exposta, ou seja, Luca enfrenta, sim, dificuldades no

acesso à escola, à sala de aula, enfim, às dependências do colégio e ao bairro num todo.

É preciso salientar também que a revista foi encomendada pelo Senado Federal,

ou seja, foi algo pensado e planejado para um evento de cunho social, sim, mas também

fundamentalmente político. O teor da mensagem contida em “Acessibilidade” não é

equiparável às mensagens de Luca trazidas em outras HQs da Turma da Mônica – que

são de circulação regular.

Embora, como já citado, Eisner defenda a ideia de que o quadrinista pode criar os

corpos, seus movimentos e sua realidade ficcional, ao representar a deficiência física,

Luca está representando a expectativa de tantas outras pessoas para se reconhecerem

nele. Nos quadrinhos, não há compromisso em transcrever o que é real, mas sim criar

um mundo particular, de muitas possibilidades; é importante destacar que nesta história

em questão, o público infanto-juvenil que também tem alguma deficiência, irá se

identificar de forma mais rápida com o personagem.

Maurício de Sousa, em entrevista para o livro Mídia e deficiência (Fundação

Banco do Brasil, 2003, p. 95), já deixou claro que todos seus personagens possuem

alguma característica peculiar. Todos são abertos às novidades (exceto Cascão que se

recusa a tomar banho), como as que ocorreram com Mônica, que está menos ranzinza e

tem nutrido uma paixão platônica por Luca. Além disso, o apetite sempre presente da

Magali; a troca da letra “R” pela letra “L” – o que faz Cebolinha falar de forma

diferente dos demais.

São identidades plurais, únicas. Talvez seja por isso que as crianças do bairro

Limoeiro não se espantam quando chega algum personagem novo. Eles reagem de

forma natural às diferenças. No fim desta história, Mônica e sua turma falam do que é

ser diferente. Nota-se que as crianças têm boa aceitação com a chegada destes novos

colegas ao bairro e à escola. Como já mencionado neste trabalho, estas novas

identidades têm ganhado espaço na mídia.

O que se pode apreender desta “normalidade” na aceitação do diferente por parte

das crianças do bairro é antagônica ao que se percebe no “mundo real”. Há todo um

discurso implícito no que diz respeito à inclusão destes personagens, mas nas próprias

histórias de Mônica e sua turma, percebe-se, claramente, o uso de termos pejorativos

que incomodam, como por exemplo, os que recebe a protagonista das HQs. Mônica é

rotulada como baixinha, dentuça, gorducha, entre outros “apelidos”. O mesmo acontece

com Luca: seu apelido é Da Roda, uma alusão ao fato de precisar se locomover com o

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auxílio de cadeira de rodas. Este termo é colocado em evidência em detrimento de

outras características que também poderiam ser marcas de sua identidade, além do fato

do personagem ser cadeirante.

Stuart Hall (2010, p. 17), neste contexto das identidades na contemporaneidade,

argumenta que estas identidades são marcadas pela diferença. As influências advindas

dos antagonismos sociais produzem a variedade de identidades para os indivíduos. A

figura de Luca, representando a identidade de um menino cadeirante, é apenas uma das

novas identidades que têm sido trazidas à tona nas HQ´s de Maurício de Sousa.

A exploração do tema nesta edição especial é feita de forma didática, elucidativa,

e voltada para as crianças. A linguagem busca, a todo o momento, não distanciar-se da

realidade do seu público-alvo. É uma comunicação simples, dinâmica e leve; para

alcançar seus leitores. Mas é justamente nesta abordagem mais flexibilizada para o

público infantil é que se poderia criar o espaço de discussão sobre temas como o

preconceito, bullying, a falta do acesso das pessoas com deficiência física ao sistema de

saúde público, a necessidade da carreira de rodas (e a dificuldade que muitos

cadeirantes enfrentam para consegui-las), enfim, retratar de forma mais próxima da

realidade as necessidades que estas pessoas têm para viver de forma menos dependente

e mais autônoma – de fato.

A história acessibilidade é narrada pelo Luca, e termina com a escola

completamente adaptada, com os alunos com necessidades educacionais especiais

felizes e com a turma interagindo, trazendo para o leitor os conceitos de forma simples e

clara. A mensagem, ainda que encomendada por um órgão público, precisa ser isenta,

imparcial, retratando o que é de fato o cerne as questões ligadas à deficiência física.

Embora não haja a obrigatoriedade de Maurício de Sousa trazer a realidade para os

quadrinhos, cabe ressaltar que, ao cartunista assumir a responsabilidade de representar o

cadeirante, este deve, antes de tudo, levar o contexto desta deficiência para os gibis.

Cabe refletir, mais uma vez, sobre o discurso de Sousa em prol da inclusão social, na

medida em que as suas opiniões nem sempre se refletem fielmente nas narrativas por ele

formuladas.

Esta história em quadrinhos em edição especial foi propositalmente trazida para

a análise para que fosse possível comparar a forma como a comunicação se daria neste

gibi em relação às histórias que possuem circulação comercial regular, ou seja, como

não é voltada para o consumo, a sua linguagem possui outro foco. Pode-se notar a

disparidade dos discursos nas histórias a seguir.

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4.2.2. “CADEIRA ENVENENADA E TURBINADA”

O almanaque temático47 da Turma da Mônica, da edição de Nº 20, de outubro de

2011, conforme consta do Anexo B, traz o tema “Amigos especiais”, que compila as

melhores histórias dos personagens com deficiência física, selecionadas por Maurício de

Sousa. Neste almanaque, a história de Cebolinha e Cascão, em “Cadeira envenenada e

turbinada”, obtém destaque, porque traz a problemática aqui já evidenciada. Com a

intervenção do criativo e cientista Franjinha, Luca ganha uma cadeira de rodas especial,

com efeitos que só poderiam existir mesmo nas HQ´s de Maurício de Sousa.

Esta cadeira representa a discussão trazida sobre o corpo cyborg, no qual o

humano e o maquínico se unificam. Um corpo híbrido que o possibilita experimentar o

novo, já que com o controle da cadeira de rodas nas mãos, Luca não está mais ligado às

limitações que impõe sua deficiência, como saltar, girar, entre outras ações.

Nesta história, Cebolinha e Cascão estão em busca de um plano infalível para

pegarem Sansão – coelho da Mônica -, e veem em Luca a saída para seus planos darem

certo. Alvo da simpatia de Mônica, Luca passa, nesta história, uma imagem de um

menino ingênuo, alheio às reais intenções de Cascão e Cebolinha. E ao perceber que os

dois estão tramando contra Mônica, Luca chega a mostrar irritação. Mas é lembrado por

Cebolinha que ele não tem do que reclamar, afinal, ganhou uma cadeira de rodas

“envenenada”. E a dupla usa a cadeira de Luca para fugir de Mônica, mas mesmo com

os superefeitos da cadeira “envenenada”, acabam tendo seus planos fracassados, já que

Mônica consegue seu coelho de volta.

Neste caso, há uma exemplificação da possível vitimização do deficiente. Luca é

ingênuo, “boa praça”, e como tal, precisa sempre da ajuda de seus colegas. A questão

aqui ressaltada é que a acessibilidade, ou seja, o acesso, não é o mesmo que ajuda.

Igualdade tampouco significa paternalismo.

Esta vitimização é justamente o que o criador da Turma da Mônica não deseja que

aconteça. Ainda sobre a entrevista para o livro Mídia e deficiência (Fundação Banco do

Brasil, 2003, p. 95), o cartunista fala que a mensagem que ele quer passar é a de uma

infância feliz, sadia, repleta de possibilidades.

A dicotomia ficção/realidade é ponto chave para que seja possível elucidar a

questão do leitor. Como este leitor lida com a figura de um menino em uma cadeira de

47 A história está no Anexo B desta dissertação.

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rodas; como é transmitida a noção da deficiência e suas implicações na rotina do Luca,

de sua família e dos que o cercam?

Nesta história em questão, é possível compreender a ideia de que no bairro do

Limoeiro tudo é possível. A cadeira de rodas de Luca agora pode realizar ações que nem

mesmo seus amigos conseguiriam. É uma verdadeira máquina construída por Franjinha

– o cientista da turma. Nas tirinhas, percebe-se que o menino Da Roda não sabe muito

bem como operar esta máquina. Por suas expressões faciais e físicas, é possível notar

que ele está com certo receio de conduzir esta cadeira “turbinada e envenenada”.

Neste aspecto, da fusão do ser humano com a máquina, pode-se considerar este

ser híbrido como um corpo cyborg. Entende-se por cyborg, de acordo com Donna

Haraway (1994), “um organismo cibernético híbrido; é máquina e organismo, uma

criatura ligada não só à realidade social como à ficção.” Segundo a autora, a realidade

social pode ser vivenciada através das relações sociais, que conforme afirma Haraway, é

nossa construção política mais importante. O advento da era cyborg, através de suas

máquinas, tornou ambígua a diferença entre natural e artificial, o físico e o mental, entre

outras distinções.

Para Haraway (1994), nossos corpos são mapas de poder e identidade. Os cyborgs

não são exceção. De acordo com a autora, o corpo de um cyborg não é inocente, não

aparece ao acaso. E ainda precisa adaptar-se ao novo, às novas possibilidades, à destreza

e à potência da máquina. A este novo corpo, a autora Lucia Santaella (2008) classifica

como corpo biocibernético.

Ao criar um personagem cadeirante, Maurício de Sousa imprime uma

característica que é comum às pessoas com deficiência física: ter na cadeira de rodas a

extensão de seu próprio corpo. A tecnologia, que propicia avanços na área da

deficiência física, traz novas perspectivas para o deficiente, mas é importante salientar

que este avanço não está ao alcance de todos. Assim como, num piscar de olhos, o

personagem Franjinha construiu uma cadeira repleta de funções inimagináveis, na vida

real, uma cadeira de rodas moderna, não está acessível a todos aos que dela precisam.

A qualidade de vida deste cadeirante passa diretamente pela questão do consumo.

Para quem tem a oportunidade de contar com aparatos médicos, fisioterápicos,

psicológicos e afins, a deficiência física torna-se menos pesada do que para aqueles que

não têm a chance de obter meios para um melhor tratamento e reabilitação.

Novo corpo, nova identidade. A partir da análise de Ribas, é possível conectar

corpo, identidade e a deficiência física. João Ribas (2011, p. 42) traz um

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questionamento que deve ser mencionado: a deficiência física, para algumas pessoas,

pode ser um elemento-chave no processo de construção de sua essência como sujeito.

Para a pessoa que é surda, o elemento surdez pode ser fator determinante na construção

de seu perfil identitário. Como já visto no capítulo anterior, a identidade norteia a

evolução da estratificação social, cultural e econômica.

Ao falar sobre esta questão, para o cadeirante, a cadeira de rodas é um objeto que

se torna a extensão de seu corpo. Nesta perspectiva, o autor afirma que:

Os equipamentos usados pelas pessoas com deficiência têm vários significados positivos. São a extensão do próprio corpo, a mediação com o mundo, o recurso que leva ao contato com outras pessoas, o meio que possibilita a convivência e a interação. As cadeiras de rodas nos levam para estudar, para trabalhar [...]. Trata-se de equipamentos que têm o real compromisso de serem os promotores da nossa independência e autonomia. (RIBAS, 2011, p. 73)

Na primeira página, é preciso enfatizar a parte em que Cebolinha fala com

Franjinha sobre a cadeira de Luca (lembrando que a cadeira é parte fundamental da sua

identidade como cadeirante) e Luca o interrompe, com postura firme e decidida: - “Da

Roda, por favor”. O que Cebolinha, com a ajuda de Cascão, queria era que o cientista

criasse uma cadeira capaz de salvá-los da Mônica. Ou seja, a postura de Luca, de se

posicionar frente ao desprezo que Franjinha e Cebolinha demonstraram por ele fica

evidente: o menino estava na sala, estavam falando dele, decidindo sobre sua cadeira de

rodas por ele e ainda assim o ignoravam, como se ele ali não estivesse. Cascão e

Cebolinha pareciam menos querer proporcionar melhores condições de acessibilidade

ao Luca através desta cadeira, do que usar o Da Roda como mais um plano contra

Mônica.

A cadeira envenenada é acionada por controle remoto. Dentre suas funções

criativas, cita-se: uma cortina de fumaça que é lançada para despistar o “inimigo”; deixa

bolinhas de pingue-pongue pelo chão; tem dois braços biônicos (que inclusive são

capazes de girar); um cesto para pegar objetos (como o Sansão), uma mola de suspensão

vertical; uma mola horizontal, para projetar os objetos, além de super velocidade, uma

luva de baseball, um paraquedas e uma corda, que no último quadrinho serve para

amarrar Cascão, Luca e Cebolinha.

Cabe ressaltar que todo este aparato ficcional não existe no mundo real. Se o gibi

é um produto voltado para o entretenimento, não significa que deva perder a conexão

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com assuntos reais, como a deficiência – até porque o discurso de seu criador, Maurício

de Sousa, reflete uma preocupação com a inclusão social. Featherstone (1995, p. 33)

argumenta que “o consumo supõe a manipulação ativa de signos”. Segundo o autor, na

sociedade capitalista tardia, a fusão entre o signo e o produto ocorre para dar lugar à

“mercadoria-signo”.

A narrativa traz a abordagem da compensação, ou seja, quando Da Roda foi

reclamar com Cascão e Cebolinha que ele estava, sem saber, incluído no plano para

pegar o coelho da Mônica, os dois logo o fizeram lembrar que Luca ganhara com isso

uma cadeira nova. O menino concorda, e agradece aos mais novos amigos do bairro.

Esta história não relata a vida real de uma pessoa com deficiência física; ao contrário.

De acordo com análises de Featherstone (1995, p. 31) sobre a sociedade de

consumo, o autor delimita o fato de que os indivíduos usam as mercadorias para criar

laços ou estabelecer distinções sociais. Há ainda a satisfação que o consumo

proporciona, o status, a exibição de uma conquista.

Trazendo esta análise para o caso da cadeira nova de Luca, é possível perceber

que não é apenas o fato de a cadeira de rodas ser nova, e com super funções

tecnológicas que leva Luca a não reclamar mais, mas sim a questão dele ser aceito pelos

amigos, conforme consta no último quadro da história, em que os três aparecem

amarrados e Mônica e Franjinha conversam sobre a amizade de Da Roda, Cascão e

Cebolinha. Enfim, Paralaminha teve seu destaque para seus amigos do bairro, ele foi

útil, foi solícito e fica nítido seu contentamento nesta história.

O compromisso da realidade retratada é com o ficcional. De circulação regular, o

leitor/enunciatário tem, a priori, a mensagem de que há subterfúgios para escapar de

qualquer situação de conflito. Diferentemente da revista “Acessibilidade”, esta narrativa

mostra que não há perigos quando se tem um cientista que resolve qualquer problema

como mágica. Não há dificuldades no caminho de Luca, ainda mais após o advento da

cadeira de rodas nova.

Outro tópico que chama a atenção é que em nenhum momento – a partir da análise

das revistas do ano de 2012 - houve histórias que relatassem o cotidiano do menino em

sua casa, com seus pais, no âmbito familiar. Como seriam realizadas as suas atividades

do dia a dia, como tomar banho, colocar a própria roupa, entre outras ações?

E a decodificação deste conteúdo por parte do leitor pode levá-lo a continuar sem

a informação sobre a deficiência, sobre a acessibilidade que tanto espera órgãos

responsáveis, a sociedade civil, ONGs e estudiosos da área. Embora não seja a

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responsabilidade do gibi a de trazer a realidade, cabe ressaltar, mais uma vez, que

através da fala de Maurício de Sousa, ele se propõe a abordar a deficiência física em

seus gibis. Propor tal empreendimento requer a responsabilidade da informação, dos

problemas, dos anseios e dúvidas que ainda são recorrentes na sociedade.

Boa parte da parcela da população do Brasil ou do mundo tem algum tipo de deficiência. De nascença, por acidente, doença, idade...- por que deixar que essa parcela importante de leitores de nossas revistas não tenha um personagem em quem se espelhar, se identificar? Personagens que, contracenando com outras figuras, sem deficiências, passarão fórmulas, ensinamentos e conhecimento sobre suas situações e de como enfrentam e atravessam barreiras em busca da vida plena, da felicidade, da inclusão. (FUNDAÇÃO BANCO DO BRASIL, p. 95, 2003)

De acordo com o posicionamento de Maurício de Sousa, ele objetiva que seus

personagens com deficiência passem ensinamentos e conhecimentos sobre as barreiras

enfrentadas por estas pessoas. Há um distanciamento da fala do cartunista para o que é

exposto nas histórias da Turma da Mônica, já que não há barreiras, dificuldades e

preconceito nos quadrinhos.

4.2.3. “DE OLHO NO BIGUIBRÓDER”

Outra criação de Maurício de Sousa, a revista do Cebolinha De olho no

biguibróder 148, também é um ambiente projetado para a realidade ficcional do gibi.

Baseado em reality shows, esta história, que também é de circulação regular/comercial,

trará uma abordagem diferente.

Franjinha idealiza um reality para as crianças do bairro Limoeiro, que tem por

finalidade entender o comportamento destas crianças dentro de um confinamento. O

personagem montou uma casa dentro de seu laboratório e esquematizou toda a dinâmica

do jogo. O público, através da internet, é quem vota para a eliminação dos candidatos.

Ganha o último participante que restar na casa.

Como já dito nesta dissertação, crescem cada vez mais as pesquisas de opinião, de

comportamento e de satisfação. Esta medição é para garantir um alto grau de

assertividade para com o enunciatário. Ou seja, quanto mais seus costumes, gostos e

preferências forem mapeados, maior é a chance de efetivar a relação de consumo.

48 Esta história está no Anexo C desta dissertação.

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Franjinha dá entrevista para o repórter e diz que criou o reality para analisar o

comportamento das crianças. A turma, ao se aproximar, se espanta com a câmera ligada.

Franjinha instrui Cebolinha que fale para a câmera, mas eles continuam assombrados

com o equipamento.

Luca chega depois, trazendo Denise junto à sua cadeira, como uma carona (é

assim que ela descreve). Magali se assusta com o robô (abelhudo) que os vigiará 24

horas por dia. Sobre o prêmio, a princípio, o ganhador levaria uma enciclopédia para

casa, mas assim que percebeu a indignação da Turma, Franjinha estabeleceu que o

vencedor teria o título de “Dono da Rua”. Cascão e Cebolinha gostaram, pois é algo que

almejam há muito tempo tomar de Mônica, que detém o título.

Cascão pergunta o que eles vão fazer neste programa. E Mônica, vibrando,

responde: “ – Não vamos fazer nada! A gente fica igual a bicho em zoológico...sem

fazer nada e os outros olhando!”.

Além desta contextualização com os programas deste gênero, Cebolinha,

propositalmente, induz Mônica a se irar e a bater nele. Ele logo ameaça a menina

dizendo que os internautas vão ver o que ela está fazendo com ele. Mônica fica

preocupada com sua imagem, com o que o público vai pensar dela.

Cascão, imaginando que Luca, por ser paraplégico, não vai entrar na piscina com

os outros, recebe uma breve explicação sobre a relação do cadeirante e a piscina. Luca

pergunta: “- Por que você achou que eu não ia entrar? Por causa das minhas pernas?”.

Cascão fica constrangido e sem fala. Da Roda, então, o responde: “- Engano seu! Nós,

cadeirantes, nos damos muito bem na água”.

Nesta dissertação, no trecho em que Maurício de Sousa fala da inspiração para a

criação do Luca, de acordo com a entrevista cedida para o livro Mídia e Deficiencia

(Fundação Banco do Brasil, 2003, p. 95), o quadrinista relata que se encontrou com os

atletas paralímpicos, e que a garra, a motivação e a autoestima deles o impressionaram.

Clodoaldo Silva, campeão olímpico da natação paralímpica, já foi citado nas HQs da

Turma.

No reality, não poderia faltar o merchandising. Na hora do comercial, Franjinha

fala com a “amiga dona de casa” sobre o mercadinho do Seu Menelau. Franjinha firmou

esta parceria para conseguir abastecer a geladeira da casa, já que Magali continua com

apetite.

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Denise, personagem secundária da Turma da Mônica, é a primeira a deixar o

programa. O interessante é a metalinguagem, já que Denise fala: “- Eu sabia! Só porque

eu sou personagem secundária!”.

Cascão, então, planeja tirar Luca da casa, já que o considera “forte” no jogo por

ser bonzinho. Franjinha surge com a notícia da eliminação do Cascão. Surpreso, ele diz

que é “gente boa” e então o criador do reality do Limoeiro diz que “pegou mal” a ideia

de querer tirar Luca da casa.

No final do programa, Cebolinha fica como o vencedor da enciclopédia e do posto

de dono da rua. Porém, como Da Roda e Mônica agradaram ao público, uma marca

conhecida patrocinou um novo programa. Cada família receberá de participação o valor

de 10 mil Reais.

A ideia de Maurício de Sousa de trazer um programa destes nos gibis serve para

salientar que até mesmo as crianças estão envolvidas nas questões ligadas à imagem, à

identidade. O culto a tudo o que seja escrito em inglês, também é percebido quando o

cartunista descreve na capa o nome do programa “biguibróder”.

Este formato de programa incentivou as crianças da Turma da Mônica a se

voltarem mais para as suas próprias imagens, tentando conter aspectos da sua própria

identidade, como por exemplo, quando Mônica fica receosa em como os internautas irão

vê-la, já que costuma bater em Cebolinha. Além da rivalidade, da competição, surgem

traços de estereótipos através da conceituação de que Luca é “bonzinho” porque é

deficiente.

Gilberto Velho (2003, p. 97), em sua obra Projeto e Metamorfose – Antropologia

das sociedades complexas, ratifica que a adesão significativa para a demarcação de

fronteiras e elaboração de identidades sociais passa diretamente pelo estilo de vida e a

visão de mundo do sujeito. Desenvolvem-se ideologias individualistas, que nesta

sociedade contemporânea, fazem com que o homem, mesmo envolto por inúmeros

estímulos exteriores, busque sua singularidade como indivíduo.

Sobre esta história, cabe ressaltar que a recepção pode ser diferente para cada

leitor, ou seja, o leitor irá receber a mensagem passada nestas histórias de uma maneira

singular. Nas histórias aqui abordadas, há uma gama de possibilidades em relação à

recepção. Como exemplo é possível citar o leitor cadeirante se vendo retratado ou não

nestas HQ´s; a ficção e a realidade; o preconceito; a acessibilidade ou a falta dela; o

sentido da necessidade de independência; entre outros tópicos.

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Se Luca é salvo por uma cadeira praticamente mágica, ou seja, fora da esfera real,

como este pode incentivar outras crianças cadeirantes e como o caso Luca pode

desmistificar a questão da deficiência física? A práxis eleita por Maurício de Sousa é a

mais coerente?

Outras temáticas que fazem parte desta dissertação são: como a linguagem das

histórias em quadrinhos, aliada aos efeitos gráficos das HQ´s, pode ajudar ou dificultar

o processo de desenvolvimento do personagem? E como este desenvolvimento se dá a

partir da criação do personagem, em 2004.

Cebolinha vence a disputa e ganha o título de o “Dono da rua”. Ele ganha, como

prêmio, este título e uma enciclopédia. A surpresa fica reservada à Mônica e Luca, que

conquistaram grande simpatia do público. Franjinha anuncia que eles ficarão confinados

na casa por mais algum tempo, juntamente com seus pais. Um grande patrocinador

resolveu investir no novo programa, já que o público torce pelo “casal”. O programa se

chama “Micos, fuxicos e namoricos” e premiará a cada um com o valor de Dez Mil

Reais – apenas pela participação. A última tirinha traz Cebolinha com a caixa de

enciclopédias e ponderando que, mesmo com o título de dono da rua, levou a pior.

Esta historinha possui dezessete páginas - houve um recorte nesta dissertação -, e

o enfoque para o momento em que Luca e Mônica caem no gosto popular e ganham um

novo programa. A partir desta história, algumas considerações, avaliações e análises

podem ser feitas, já que traz temáticas em voga, como a questão dos programas em

formato reality show, a preferência da população por tudo o que remeta ao que é do

exterior, especialmente aos Estados Unidos; a eleição por parte do público do

personagem preferido, mediante características físicas, financeiras ou ligadas a

relacionamentos.

Cada vez mais, crianças estão em contato com este tipo de realidade na mídia.

E ao unir Luca e Mônica, o programa ganha dois trunfos importantes: a figura

simpática, dócil e frágil de Luca por ser deficiente – mesmo que este não seja frágil,

mas é tido em posição de fragilidade, já que é deficiente físico; e a preferência do

público por casais, o gosto popular por acompanhar possíveis romances, ou paqueras,

como o nome do programa mesmo diz. Mais uma vez, Maurício de Sousa levanta

debates a cerca do que acontece na atualidade.

Douglas Kellner (2001, p. 212) salienta que “a cultura da mídia também fornece

as modernas fábulas morais que mostram qual é o comportamento certo e o errado, o

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que deve ou não ser feito, o que é ou não a coisa certa. Por isso, é uma nova e

importante força de socialização...”

Ao incluir em suas histórias em quadrinhos personagens tidos como “excluídos”,

como o caso das crianças com HIV; a Dorinha, que é cega; o André, que é autista; o

Humberto, que é surdo etc., a questão é verificar se Maurício de Sousa tem a intenção

de promover estas crianças deficientes como crianças felizes, sadias, livres de

quaisquer transtornos ou preconceitos. Cabe o levantamento da hipótese do autor tentar

amenizar, através de suas histórias, a rotina sacrificante e muitas vezes esquecida,

destas crianças. A compensação, através de atributos físicos, de objetos como sua

cadeira de rodas ou características psicológicas e comportamentais, fica evidente em

alguns quadros. A beleza física de Luca, sua simpatia, seu comportamento centrado e

seu equilíbrio, mostram que estes traços são mais explorados nas histórias do que a sua

condição de cadeirante.

A motivação desta pesquisa se deu, majoritariamente, pela importância da

inclusão destes personagens no cenário midiático. E como a mídia e o consumo destas

HQ´s, podem de alguma forma, auxiliar a inclusão deste cadeirante. Em contrapartida,

percebe-se que a realidade deste cadeirante não está literalmente representada nas

páginas destas histórias. Até que ponto o consumidor distinguirá o que é ficção e o que

é realidade, já que por serem crianças, em maior parte, não possuem idade nem mesmo

conhecimento para fazerem esta distinção?

4.2.4 LUCA E MARINA EM “A RAMPA”49.

Diferentemente das outras histórias analisadas, esta conta exclusivamente com

elementos gráficos, não verbais. Não há nenhum diálogo entre os personagens. Toda a

mensagem destes quadrinhos é transmitida através da expressão e o pensamento de

Luca e Marina. Marina é uma personagem da Turma da Mônica, que também é uma

homenagem à outra filha de Maurício de Sousa.

Luca lê o folheto de inauguração da Livraria do Limoeiro e imagina aventuras,

heróis; enquanto Marina pensa em um lindo castelo de conto de fadas e personagens

49 Esta história está no anexo D desta dissertação.

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históricos. Ao chegarem à inauguração, Marina se espanta, pois vê à sua frente degraus,

que impossibilitam o acesso de Luca.

Ela, então, vai até o dono da livraria e aponta em direção ao amigo para que este

senhor veja como Luca ficou triste em não poder entrar. O dono, com expressão de

indiferença à causa da menina, sai andando e deixa Marina sozinha.

Revoltada, ela volta para onde Da Roda está. O tempo passa, com a indicação da

hora do almoço. A livraria fecha para o almoço – conforme a placa ilustrativa em um

dos quadrinhos. O dono da livraria aparece caminhando depois de sair da loja, quando

escorrega em uma casca de banana. Com a perna imobilizada, e por conta disso em uma

cadeira de rodas, quando volta à loja, logo lembra da expressão de Luca quando não

conseguiu entrar na livraria por conta das escadas.

O dono então sai, volta para casa e projeta uma reinauguração da livraria. No

panfleto é possível perceber que há o texto “com rampa para deficientes”. Solícito, e já

sem a imobilização e a cadeira de rodas, recebe Da Roda e Marina na porta, agora com

rampa de acesso.

Já dentro da livraria, enquanto Luca e Marina se divertem, o dono da livraria

percebe a entrada de Dorinha e seu cão guia, Radar. Ele aparenta empurrá-la para outra

direção. Marina vê a cena, muda sua expressão, e logo depois se espanta. O dono havia

levado Dorinha e seu cão para a área de livros em braile e audiolivros que ele criara.

Marina, então, sorri, encabulada por tê-lo pré-julgado, mas satisfeita, pois vê sua amiga

e seu cãozinho bem acomodados.

Na realidade, no Brasil, há leis e decretos que determinam que estabelecimentos

públicos devam estar aptos para receberem pessoas com deficiência. Mas o que se

percebe nas vias públicas, nos transportes, nas filas e nos hospitais, é um cenário bem

diferente. Há a carência de políticas públicas em favor da pessoa com deficiência.

Outro ponto que deve ser destacado é o fato do dono da livraria ter ignorado o

apelo de Marina. Tal desprezo se reflete no despreparo para lidar com o atendimento à

pessoa com deficiência, além deste senhor considerar que há poucos deficientes que

possam querer entrar em seu estabelecimento. Mas o que apontam os dados do censo50 é

que, no Brasil, há mais de 45 milhões de deficientes. Vinte e quatro por cento da

50 Fonte: ftp://ftp.ibge.gov.br/Censos/Censo_Demografico_2010/Caracteristicas_Gerais_Religiao_Deficiencia/caracteristicas_religiao_deficiencia.pdf

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população de todo o país são uma camada muito expressiva da população. Um número

significativo e que merece atenção.

Nestes quadrinhos, algumas das características das HQs ficam evidentes: o

formato dos balões (como havia pensamentos, estavam em formato de nuvem); a

onomatopeia, para representar o barulho da queda do dono da livraria, além das

expressões de todos os personagens, que através deste recurso, empreenderam uma

narrativa visual eficaz.

4.2.5. MÔNICA EM “A ESCRITORA”51

Nesta história, Mônica, com a ideia de lançar um livro com suas histórias do dia a

dia, começa a registrar, inicialmente, tudo o que de fato lhe acontece. Depois, ao ir

encontrando Magali, Luca, Cebolinha e Denise52, a protagonista vai alterando os fatos

de acordo com o que seus amigos esperam que ela faça; ou seja, ela passa a criar novas

histórias a partir das que viveu realmente.

A primeira a encontrar Mônica é Magali. A amiga, então, pergunta se haverá

alguma história de romance no livro de Mônica. Ela pensa que Magali está certa e logo

em seguida encontra Luca. A menina então relata em seus escritos que encontrou o Da

Roda e que ele é “um gatinho” e “superapaixonado” por ela. Luca se surpreende, fica

curioso, e pergunta se o livro será de suspense.

Depois que Paralaminha sai, a protagonista inicia uma história de suspense,

narrando uma noite em que ela ouviu um barulho vindo da barriga da Magali. Mônica

reconhece que exagera “um pouquinho”.

Quando Cebolinha passa por Mônica e pergunta o que ela está fazendo, ele logo ri

da personagem e, mais uma vez, apanha da mais nova escritora do bairro. Ele pede que

Mônica registre que ela bateu nele. Ela relata que ele a provocou, e que ela

pacientemente, o orientou a “não brigar com os amiguinhos”.

Denise surge na história perguntando se Mônica acha que um livro como o que ela

está escrevendo vai vender. A resposta da própria Denise é que não, já que o que vende

51 A história está inserida no Anexo E 52 Denise faz parte da turma de personagens secundários da Turma da Mônica. É divertida, mas também considerada pelos colegas do bairro como fofoqueira.

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mesmo são, segundo ela, “babados” e “fofocas”. A autora, então, começa a escrever os

segredos de cada um dos amigos que passaram por ela.

O segredo de Luca é que ele tem medo de ratos. A exposição de um traço de

fragilidade em relação à fobia a ratos contradiz sua personalidade bem resolvida, segura

de si e livre de outros problemas que poderiam levá-lo a ter medo: como por exemplo, o

receio de cair na rua, já que circula sozinho com a cadeira, sem a ajuda de terceiros, e

por ser uma criança, não tem a mesma força nos braços que uma pessoa adulta possui.

Neste sentido, o de Maurício de Sousa tentar suprimir em Luca reações humanas

como o medo. Aqui, cabe trazer as considerações de Canclini:

Conhecer nossa alteridade reprimida, admitir o que nos é inaceitavelmente próprio e que desafogamos no migrante, no diferente ou no transgressor – isto pode servir para libertar as forças libidinais positivas e as convergências culturais que nos aproximam dos outros. Pode tornar visíveis as semelhanças e talvez nos integrar apesar das diferenças. Talvez nos habite a passos da exclusão à conexão; à intercomunicação. Finalmente, ao se reconhecerem as diferenças como construídas, é possível desfazê-las ou modifica-las. Não são fatais (CANCLINI, 2009, p. 266).

A integração a partir das diferenças é um caminho que pode ser seguido por Da

Roda nas páginas dos quadrinhos. É importante que haja a expressão dos sentimentos,

dos medos, das angústias de Luca, para que seja possível, cada vez mais, a humanização

do personagem, para que a reflexão sobre a inclusão esteja, de fato, presente nas páginas

da revista, como propõe Maurício de Sousa.

Demonstrar medo não o fará mais fraco ou indefeso frente às limitações que a

deficiência lhe impõe. Exteriorizar que o personagem, até mesmo na condição de

criança, precisa de ajuda, de apoio, é necessário para que ocorra maior contato com a

realidade de milhares de pessoas com deficiência física.

4.2.6. MÔNICA EM “CORRENDO ATRÁS DE LUCA”53

Nesta narrativa, Mônica passa a maior parte dos quadrinhos tentando se aproximar

de Luca. A história se inicia com Cebolinha fugindo dela e, então, ela para de correr

para ouvir o que duas meninas do bairro conversam.

53 Esta história consta no Anexo F

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Ela fica intrigada, pois as personagens se mostram muito empolgadas para ir à

piscina. Ela, então, vai atrás das colegas para saber quem está lá para ter causado

tamanho interesse nelas. No quinto quadrinho, Mônica vê a cadeira de rodas de Luca,

sozinha, parada frente à piscina. Dessa forma, ela já sabe que é Da Roda quem está lá.

Neste momento, pode-se trazer para esta análise a reflexão de Ribas (2011, p. 42)

sobre o que aqui foi mencionado: a deficiência física, para algumas pessoas, pode ser

um elemento-chave no processo de construção de sua identidade. Para a pessoa que é

surda, o elemento surdez pode ser fator determinante na construção de seu processo de

identidade. No caso de Luca, uma marca de sua identidade é a cadeira de rodas.

A história segue com Mônica pensando consigo mesma que não vai abrir mão de

Da Roda facilmente. A menina volta para casa e pede à sua mãe que providencie seu

maiô. Ao saber que sua roupa de banho foi jogada fora, já que havia sido danificada,

Mônica imediatamente sai para comprar outro maiô; a mãe a orienta a adquirir outra

roupa de banho na loja da Dona Ana, para ser pago depois.

Mais uma relação de consumo se estabelece nos gibis. Para acompanhar Luca, que

nada, e as meninas que estão atrás dele, Mônica precisa consumir mesmo sua mãe não

tendo, naquele momento, condições para tal. Festherstone (1995, p. 31) salienta a ideia

de que o consumo traz a menção ao status, à ideia de estar incluído como sujeito, de ser

aceito. Para estar “na disputa” por Luca, Mônica precisava, de qualquer jeito, de um

maiô novo.

Quando a protagonista chega à piscina, percebe que não há mais ninguém ali.

Ainda dentro da piscina, ela ouve novamente a conversa das duas colegas sobre

basquete. Elas comentam que Luca, além de ser “gatinho”, joga muito bem. Mônica até

pensa em ir atrás delas e tirar satisfações – já que ela acha que, por ter visto

Paralaminha primeiro, tem prioridade sobre o menino –, mas lembra de que está de

maiô e esta não é a roupa apropriada para o jogo de basquete. A personagem, então,

volta para sua casa, pede para sua mãe o seu uniforme de basquete e vai até a quadra.

Assim que chega ao local, percebe que Luca e as duas meninas estão correndo. Já

cansada, desiste de correr atrás de Da Roda. O menino, correndo com sua cadeira de

rodas, passa por Mônica e a cumprimenta. As duas meninas o seguem exaustas.

Minutos se passam até Luca voltar e novamente cumprimentar a protagonista. Ela

pergunta pelas duas garotas que estavam com ele, e ele responde que as despistou, já

que elas não aguentaram seu ritmo e, além disso, segundo ele, elas são chatas.

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Luca diz para Mônica que, além de boa companhia, ela está em forma, e pode

acompanhá-lo na corrida. O menino ressalta que precisa se exercitar para fortalecer os

braços. Por ser paraplégico, Da Roda tem em seus membros superiores a função de

ajudá-lo nas tarefas básicas, como empurrar a cadeira de rodas, segurar algo, enfim, é

necessário o desenvolvimento desta parte do corpo.

Vale destacar que Luca não se cansa, ele parece se esforçar muito mais do que as

meninas - sem nenhuma deficiência - podem suportar. Ele não demonstra fadiga,

mesmo depois de ter nadado, jogado basquete e ter corrido. E ainda convida Mônica a

continuar correndo com ele. Esta cadeira de rodas de Paralaminha não é automática, ele

precisa da força dos braços para conseguir movimentar a cadeira.

O corpo cyborg de Luca está preparado, ou apto a situações de desgaste físico,

como os retratados nesta história. Se ainda fosse a cadeira “envenenada”, criada por

Franjinha, seria possível compreender a forma tranquila que Da Roda aparenta ao

praticar esportes. Sobre este corpo híbrido, Haraway argumenta que: “Talvez os

paraplégicos e outras pessoas com sérios defeitos físicos possam ter (e às vezes têm)

experiências mais intensas dessa hibridização complexa com outros inventos

comunicacionais.” (HARAWAY, 1994, p. 279).

No final da história, Mônica vê Cebolinha passando, beija seu rosto e lhe

agradece. Mônica está em forma, pois vive correndo atrás de Cebolinha, já que este não

desiste de seus planos infalíveis para capturar Sansão – o coelho da Mônica.

4.2.7. MÔNICA EM “BELÊ? BELÊ?”54

Esta história se inicia com Luca cumprimentando Mônica com a expressão

“Belê?”. A menina fica encantada com a forma com que Da Roda fala com ela e pensa,

na mesma hora, que ele está jogando charme para ela.

Quando Paralaminha cumprimenta Carminha Frufru55 com o mesmo “Belê?”,

Mônica se sente preterida, já que ele, então, segundo Mônica, também jogou charme

para Carminha. Quando Nimbus56 passa por Mônica e acena com um “Belê?”, ela

mostra irritação e pergunta se até Nimbus iria aderir ao “Belê?:”.

54 Esta história consta no Anexo F 55 A personagem é a mais bonita da turma e também a mais rica. É melhor amiga de Denise. 56 Nimbus é um personagem da Turma da Mônica que tem curiosidade por assuntos metereológicos. O personagem é uma homenagem de Maurício de Sousa a seu filho Mauro. Nimbus foi criado em 1995.

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Ela, então, ao ver Nimbus em sua frente, tem uma ideia: a de provocar ciúmes em

Luca através de Nimbus. Ela tenta a todo instante fazer com que Da Roda se incomode

com sua aparente ligação com Nimbus. Os dois meninos se cumprimentam com Belê, e

isso deixa a menina surpresa. Mônica tenta fazer com que Nimbus combine alguma

coisa para sair com ela, como ir ao cinema. Mas o personagem, sem entender o

propósito das falas de Mônica, fica perdido. Ela pisa em seu pé, puxa o menino pelo

braço, joga uma bola de basquete nele; tudo isto para que ele concorde com os planos de

Mônica. Ela arremessa a bola nele, pois sabe que Luca gosta muito deste esporte.

Quando Cebolinha surge, percebe que há algo de errado e pergunta se Mônica está

tendo mais um ataque de esquisitice. Este ataque, a que Cebolinha se refere, são os

frequentes ciúmes que Mônica demonstra ter por Luca. Mônica, ainda tentando

convencer a todos que Nimbus gosta dela, manda o menino tirar satisfações com

Cebolinha por ter falado dela. Nimbus, ingênuo e sincero como uma criança que é, diz

que gostou de Cebolinha tê-la chamado de “golducha”. Mônica joga Nimbus em cima

de Cebolinha para que os dois briguem. Ao conseguirem se separar, um vai tirar

satisfações com o outro, originando assim um desentendimento de verdade.

A menina, sem jeito, ainda tenta falar para Luca que os dois estão brigando por

causa dela. Mas Da Roda diz apenas um “Belê” desanimado para Mônica. Como

Paralaminha ficou com a bola de basquete, ele chama Mônica para jogar. Ela logo se

esquece de que estava irritada e aceita o convite. Quando começam a jogar, surge um

menino bonito, que cumprimenta a menina com o mesmo “Belê”. Ela para de jogar com

Luca e se empolga por ter sido lembrada por Fabinho boa pinta57. Ela olha para Luca

com um olhar diferente, e Da Roda, então, responde que nem adianta ela tentar usá-lo

para fazer ciúmes em Fabinho, pois ele não fará isso.

Nesta história, é possível perceber a indiferença de Luca com relação às investidas

de Mônica. Fica evidente ainda que Mônica possui um sentimento possessivo por Luca,

planejando ações que lidam com os sentimentos de ciúme e posse. Mônica sabe com

quem pode ou não tentar fazer ciúmes em alguém. Ela tentou com Nimbus e Luca, mas

não o fez com Cebolinha, pois ele a enfrenta, a provoca na maioria das vezes. Da Roda,

no fim da história, se impõe e diz que ele não aceita este tipo de comportamento.

Paralaminha não tem em suas histórias um apelo ao romance, ele sempre aparece

na figura do ingênuo. É alheio a brigas, não se envolve em discussões, em fofocas, em

57 É o menino mais bonito do bairro e namorava Carminha.

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pequenas intrigas. Não é vítima de bullying, é visto como um “fofo” pelas meninas do

bairro. Enfim, dos momentos em que é inserido nas histórias em quadrinhos da Turma

da Mônica, Maurício de Sousa procura apresentá-lo sempre de um modo positivo. Luca

está sempre praticando esportes, envolvido em questões relativas à sua cadeira de rodas,

surpreso com as investidas de Mônica e das outras meninas do bairro.

É perceptível, após as análises realizadas neste estudo de caso, que Maurício de

Sousa se preocupa em transmitir uma imagem de um Luca forte, decidido, alheio até

mesmo às dificuldades que envolvem sua deficiência. Enfim, são narrativas sobre um

menino cadeirante que talvez não demonstrem experiências vivenciadas que possam

contribuir para o enriquecimento de sua identidade ou para contribuir, de fato, para a

questão da inclusão.

De acordo com Featherstone (1995), a reprodução de signos, imagens e

simulações, ocorre através da mídia. Este deslocamento finaliza a distinção entre

imagem e realidade. Tal afirmativa, segundo o autor, traz a noção do que é o real e do

que é estilo de vida. Esta vida estilizada é identificada como algo a ser alcançado, e não

como a realidade.

A partir desta reflexão de Featherstone, e de todas as histórias estudadas nesta

dissertação, entende-se que a fala de Maurício de Sousa em trazer um personagem com

deficiência física para os gibis da Turma da Mônica, serviria para mostrar aos leitores

como é a rotina, o dia a dia de um cadeirante. Porém, o que se percebe é que a realidade

ficcional criada pelo cartunista está mais evidente do que o idealizado para o

personagem. Questões como o preconceito, a inacessibilidade, a falta de informação e

esclarecimento sobre esta temática não foram desenvolvidos nas histórias analisadas.

Ressalta-se que é de grande valia a inclusão de um personagem com deficiência física

nos quadrinhos da Turma da Mônica, mas é fundamental que a inclusão seja de fato

retratadas nos gibis de Maurício de Sousa.

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CONCLUSÃO

As análises realizadas sobre a identidade, a mídia, a deficiência física e as

histórias em quadrinhos, além do estudo de caso com os gibis, possibilitaram a

compreensão de alguns tópicos. Do questionamento formulado por Eco (2011), extrai-

se a ideia de que é necessário que haja maior atenção voltada às ações da mídia na

veiculação de informações de cunho social:

O problema é: do momento em que a presente situação de uma sociedade industrial torna ineliminável aquele tipo de relação comunicativa conhecido como conjunto dos meios de massa, qual a ação cultural possível a fim de permitir que esses meios de massa possam veicular valores culturais? (ECO, 2011, p. 50).

O questionamento de Eco (2011) reflete sua inquietação a partir do cenário

idealizado por teóricos da Escola de Frankfurt. De acordo com Adorno, o conformismo

e a passividade do consumidor, e a produção técnica em alta escala fazem com que o

consumidor se satisfaça com a produção do sempre igual. A Indústria Cultural, segundo

o teórico referido (2000, p. 188), “reprime e sufoca”.

Para o autor, a cultura fornecida pelos meios de comunicação de massa não

permite que as classes assalariadas assumam oposição crítica face à sua realidade, pois

estão, a priori, em condição de passividade. Ou seja, a Indústria Cultural, na visão de

Adorno, manipula o sujeito sem que este tenha a percepção de tal fato, usando o

consumo como um meio de se encontrar o contentamento, a satisfação enquanto

indivíduo.

Vale ressaltar que a Escola de Frankfurt influenciou os teóricos dos Estudos

Culturais. Porém, os Frankfurtianos não se deteram ao papel do receptor, como assim

fez os Estudos Culturais. Um dos campos de maior destaque e importância são as

pesquisas voltadas à identidade.

De tudo o que se pode trazer para as contribuições acerca da abordagem da

identidade do cadeirante nas páginas dos gibis da Turma da Mônica, é de fundamental

importância refletir sobre as contribuições dos Estudos Culturais para o entendimento

dos impactos sociais provocados pela indústria cultural.

Os Estudos Culturais procuraram introduzir no meio acadêmico a discussão de

temas antes não debatidos por serem considerados não canônicos pela academia.

Especialmente voltada para a contextualização da questão do cadeirante, e

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consequentemente refletindo sobre a minoria, sobre o subalterno, a autora Spivak

(2010) foi utilizada como um dos pilares teóricos desta dissertação.

Certeau (2005) acredita que, para que a cultura se conecte com o subalterno, não

basta que este faça parte dos processos sociais, é necessário que estes processos

reproduzam algum significado ou relevância para este indivíduo. Certeau (2005, p. 148)

ratifica que “o sentimento de ser diferente está ligado à designação dessa diferença

pelos outros...”.

Estudar a diferença implica refletir sobre a questão da identidade. Como considera

Hall (2010), O sujeito contemporâneo torna-se cada vez mais fragmentado;

apresentando não apenas uma, mas várias identidades. Algumas delas, como foi

possível verificar na análise de caso do Luca, são contraditórias e não resolvidas.

A identidade na contemporaneidade é móvel. Sem fixidez, essencial ou

permanente, esta torna-se maleável e ganha fluidez. Por meio as análises apreendidas

em Hall (2010, p. 12), verifica-se que a identidade não é definida de modo histórico,

nem mesmo de forma biológica. O sujeito assume identidades diferentes de acordo com

os diversos momentos e experiências vividos. Nesse sentido, a identidade deixa de ser

unificada, coerente, completa e segura.

No estudo de caso realizado nesta dissertação, foi possível perceber a falta de

linearidade do personagem nas histórias da Turma da Mônica; a falta de regularidade

das suas aparições; a abordagem do discurso feita de formas distintas, como a

comunicação mais didática em “Acessibilidade” (Anexo A); mais ficcional e

tecnológica em “Cadeira Envenenada” (Anexo B); voltada para a linguagem do

consumo e as demandas da mídia em “De olho no Biguibróder 1” (Anexo C); atípica e

eficaz em seu apelo comunicacional em “A rampa” (Anexo D); expositiva em relação

ao medo de Luca por ratos em “A escritora” (Anexo E); voltada para a prática de

esportes por parte do Luca e o consumo em “Correndo atrás de Luca” (Anexo F) e

voltada para a indiferença de Da Roda para as investidas de Mônica e seu ciúme (Anexo

G).

A HQ “Acessibilidade”, de caráter especial – para o Senado Federal em

comemoração à Semana da Pessoa Com Deficiência –, denota de maneira clara, simples

e lúdica a fala do próprio cadeirante acerca do universo da deficiência. A temática

acessibilidade está em voga e está diretamente ligada a esta identidade retratada através

do personagem Da Roda.

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Vale lembrar que o conteúdo discursivo muda de acordo com a distribuição dos

quadrinhos. Nesta revista, sem o apelo comercial, a linguagem se dá de maneira mais

preocupada com o entendimento do público infanto-juvenil, que é o público-alvo da

Turma da Mônica. Além disso, o tempo entre um quadrinho e outro é mais extenso,

pode ser mais demorado, mais explicativo, com uma história mais longa, mais

detalhada.

Na configuração da identidade, a do Luca, ele se mostra surpreso em ter que

passar por obstáculos que para ele são novos, visto que se mudou com os pais para o

bairro do Limoeiro. Porém, mesmo hesitante, pede ajuda à Mônica. Enquanto isto

ocorre, sua personalidade linguística muda, chamando Mônica de “Moniquinha”,

“Amiga” etc. O personagem está em posição de dependência, de fragilidade.

Luca é uma criança paraplégica, mas totalmente ativa, praticante de esportes como

natação e basquete e com uma beleza que chama a atenção das meninas do bairro,

principalmente de Mônica. Algumas características físicas, emocionais e psicológicas

são dadas para Luca para caracterizá-lo, para demarcar sua personalidade e assim

salientar estes predicados para, então, não enaltecer ou priorizar a questão da deficiência

como fator principal para a construção de sua identidade.

Nesta história, se relata um Luca mais dependente, ele mostra-se mais

humanizado e inserido no contexto da deficiência. Nas outras histórias, é perceptível

que Da Roda tem uma personalidade firme, de um menino bem resolvido, bem aceito,

que não possui muitos entraves para a sua inclusão na turma do bairro Limoeiro. Além

da história “Acessibilidade”, em “A rampa” esta mesma humanização do personagem

ocorre, já que ele se sente triste por não ter conseguido o acesso à livraria.

Sua cadeira de rodas tornou-se referencial na demarcação de sua identidade. Ela já

foi usada como carona, na história “De olho no bigubróder 1”; como experimento

científico de Franjinha em “Cadeira envenenada” e também como símbolo, referência

quando Mônica vê sua cadeira em “Correndo atrás de Luca”.

Nesta dissertação, o caráter do consumo, as suas relações e como estas poderiam

se infiltrar nas configurações da criação desta identidade, foram analisados. A partir das

contribuições de Featherstone (1995), é possível perceber que a cultura de consumo

trouxe, no uso de imagens, signos e bens simbólicos, a alusão aos sonhos, ao intangível,

aos desejos e fantasias, os quais, por sua vez, delineiam a autenticidade, a realização

emocional e pessoal, ampliando contextos e possibilidades.

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Tal afirmativa vai ao encontro da dramatização do reality show De olho no

Biguibróder 1. A mídia traz novas possibilidades, para um múltiplo público, que

venham a atender seus anseios, suas expectativas. Enquanto estão no programa, as

crianças do bairro parecem se preocupar mais com o que o público da internet vai achar

deles do que seus próprios atos. Além de várias técnicas oriundas da mídia, como o

merchandising.

Com a expansão do mercado, aumentou também a capacidade de circulação de

informações. Estilos e obras de arte passam rapidamente dos produtores aos

consumidores. Obras de arte classificadas como clássicas (como a Mona Lisa) se

deslocam para vários lugares e atingem plateias de massa de diferentes culturas. Cabe

ressaltar que este processo de democratização do que se pode considerar como alta

cultura instaura um novo nicho de mercado. Estas obras canônicas passam a estampar

camisas, canecas, cadernos etc. Tornam-se objetos de consumo. O processo de

globalização contribui, nesse aspecto, para fortalecer o papel dos intermediários

culturais, que administram as cadeias de distribuição da nova mídia global (via satélite

etc.).

As relações de consumo são importantes de serem contextualizadas e trazidas para

esta discussão, pois é através desta relação pré-estabelecida comercialmente, que ocorre

a circulação da informação, dos gibis, desta nova identidade É por meio do consumo do

gibi que o leitor tem acesso à identidade do cadeirante retratado nas páginas da Turma

da Mônica. Maurício de Sousa, ao criar este personagem, objetivava que Luca passasse

para o leitor, com deficiência ou não, a realidade vivida por um menino que se

locomove em uma cadeira de rodas.

Das narrativas analisadas nesta dissertação, apenas duas retrataram algum tipo de

inacessibilidade de Da Roda, que são “Acessibilidade” e “A rampa”. As outras histórias

expressam um menino cadeirante, atleta, aceito pelos amigos do bairro, bonito

(característica sempre ressaltada) e simpático. A fala do quadrinista, criador e

idealizador do personagem, não está em consonância com o que é exposto nos gibis.

Esta nova identidade, do cadeirante, é trazida a partir do conceito da hibridização

homem/máquina, como um corpo cyborg. Para Luca conseguir se estabelecer no bairro

Limoeiro, foi necessária a construção de uma cadeira super tecnológica. Os efeitos dela

vão além do humano, da realidade.

Tomando como base as obras de Santaella (2008) e Haraway, (1994) foi possível

trazer para este estudo a noção do corpo híbrido. A cadeira de rodas tornou-se, e é,

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conforme dados verificados na análise do caso, a extensão do corpo do Luca. Um de

seus apelidos, Da Roda, faz menção à parte maquínica, que corresponde, para o

personagem, à possibilidade de autonomia, de ter o direito – garantido na Constituição

Brasileira – de ir e vir como qualquer outro cidadão.

De forma direta e ficcional, a HQ “Cadeira Envenenada e Turbinada” ilustra as

soluções tecnológicas para que Luca não passasse por apuros. Maurício de Sousa, então,

continua a retratar o personagem positivamente e sem maiores conflitos.

Embora alguns temas sejam mais complexos para serem tratados em uma HQ

voltada para o público infanto-juvenil, os dados do último censo demográfico sobre a

deficiência mostram que é urgente a necessidade da inclusão, do acesso destas pessoas à

sociedade, e não estar mais à margem.

De acordo com o censo demográfico realizado no ano de 2010 pelo IBGE

(Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), cerca de 24% da população brasileira

possuem algum tipo de deficiência: auditiva, visual, mental ou motora. Esta marca

equivale a aproximadamente 46 milhões de pessoas; e nesta margem, embora 95% das

crianças de 6 a 14 anos tenham sido declaradas como matriculadas em um ambiente

escolar, é possível verificar que não há grandes perspectivas na área profissional e

econômica para essas pessoas.

Se os números do último censo forem considerados, ou seja, mais de 24% da

população brasileira apresenta alguma deficiência, a responsabilidade em incluir um

personagem com deficiência nos gibis da Turma da Mônica aumenta. A

representatividade que um personagem deficiente possui é considerável, e comparar o

discurso de Maurício de Sousa com o que é transmitido nas histórias da Turma da

Mônica torna-se necessário. Vale ressaltar que o fato de uma história em quadrinhos

com alcance da Turma da Mónica terem entre seus personagens um cadeirante é um

avanço e importante para fomentar a discussão sobre inclusão. Além disso, há um

grande nicho de mercado voltado para o público com deficiência. Entretanto, cabe

levantar a questão da percepção do leitor / consumidor sobre Luca. Como ele o vê? Da

Roda representa a deficiência em sua totalidade?

Está latente a necessidade em realmente criar espaços de inclusão às pessoas com

deficiência, conforme retrata a HQ “A rampa”. Nela, é possível ver que, até o dono não

passar pela aflição de estar preso, inacessível, sem locomoção, tendo cerceado seu

direito de ir e vir, de trabalhar, ele ignora os apelos da personagem Marina. Ela,

realmente preocupada com a frustração que seu amigo Da Roda sentiria, se coloca no

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lugar do outro sem ter passado pela mesma limitação para entender. Esta HQ é uma

história que ensina a valorizar o que um indivíduo tem de diferente do outro;

respeitando as limitações e os direitos civis de cada cidadão. Sem nenhum conteúdo

textual, abarca conceitos de acessibilidade, de emulação, de amizade.

Este final satisfatório dado à história em questão, infelizmente, não retrata

fielmente a realidade. Se foi tão facilmente conseguida a acessibilidade a Luca e a

Dorinha, o mesmo não se pode dizer em relação às milhares de pessoas com deficiência

no país. Os autores Ribas (2011) e Soares (2012) relatam em seus livros o não

cumprimento de normas e leis por parte dos estabelecimentos públicos, privados e até

mesmo escolas. Os teóricos afirmam que há uma gama considerável de Decretos e Leis

para apoiar o deficiente, mas há também a questão do não cumprimento destes meios

legais

O Luca mostrado em “A escritora” expõe uma marca de sua identidade que até

então não havia sido retratada: o medo de ratos. A força, a habilidade nos esportes, a

beleza, deram lugar à fragilidade. E Da Roda não ficou muito satisfeito com a exposição

de sua fobia. Assim como já foi mencionado nesta dissertação, é necessário humanizar o

personagem, trazê-lo à esfera da realidade, do que é natural do ser humano, e o medo é

uma dessas emoções.

Mônica, em “Correndo atrás de Luca”, percebe que Luca fica indiferente às

tentativas de aproximação não só dela, mas das demais meninas do bairro. Ele está

sempre alheio às cantadas, aos elogios, e também se mantém à parte quando há fofocas,

intrigas e discussões. Da Roda busca a neutralidade, sempre concentrado nos esportes.

Esta marca da personalidade de Luca é mais uma vez trazida em “Belê? Belê?”.

Mesmo Mônica tentando causar ciúmes nele, é possível verificar, de acordo com as

expressões de Paralaminha, a indiferença dele às ações descabidas de Mônica. Ele não

esboça reação, coloca-se de maneira a não atrair para si a atenção de Mônica e das

outras meninas.

Os quadrinhos, ou gibis, ou ainda histórias em quadrinhos podem apresentar uma

quantidade de possibilidades inesgotável na abordagem de temáticas como as que aqui

foram tratadas. Meio de comunicação de fácil acesso por parte do enunciatário, já que

seu custo é acessível para a massa, é viável quanto à sua grande capacidade de difusão.

Esta facilidade de alcance da mensagem por meio do gibi precisa ser levada em

consideração quanto ao conteúdo desta mensagem; se o que é proposto realmente vai ao

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encontro do que é veiculado. Os gibis ainda podem trazer novos personagens, que

venham a dialogar com Luca e incluir, assim, novas histórias para o Da Roda.

Cabe registrar que é preciso valorizar as políticas de acessibilidade e inclusão

realizadas por Instituições como as do Maurício de Sousa. Valorizar não apenas pelo

fato de ser a organização com o terceiro maior estúdio de animação do mundo; mas

também em função do fato de que gera projetos de cunho social com grande potencial

de abrangência e alcance da mensagem. Já é, para os que se voltam para estas causas,

para os estudiosos e pesquisadores da área, um grande avanço poder contar com a

inclusão deste personagem nas HQs.

O problema discutido nesta dissertação foi: sob quais condições se dá a inclusão

do personagem Luca num produto midiático como as HQ´s da Turma da Mônica? Em

resposta ao problema, após todo o conteúdo exposto, compreende-se que a inclusão do

personagem Luca nos quadrinhos da Turma ainda se dá de forma pouco linear, ainda

não constante, com discursos e ferramentas lúdicas diversificadas, mas com uma

abordagem positiva em relação à deficiência física.

Esta abordagem, trazida por Maurício de Sousa, ainda se afasta da realidade

vivenciada por um cadeirante. Salienta-se a ideia de que, no Brasil, ainda se espera que

políticas públicas de inclusão e acessibilidade às pessoas com deficiência sejam de fato

realizadas. A problematização da temática acessibilidade precisa ser debatida, trazida

aos meios de comunicação em massa.

A questão aqui levantada traz como hipótese: O quadrinista e empresário

Maurício de Sousa percebe a crescente necessidade na abordagem de temas de cunho

social em suas histórias, por haver necessidade de modernização e a atenção a estas

novas identidades sociais, criando um novo apelo ao consumo de seus gibis. Entretanto,

cabe trazer a questão que, por retratar um menino com deficiência física, Maurício de

Sousa estará representando, através de Luca, milhares de deficientes em todo o país. Tal

representatividade traz ao discurso de Da Roda maior responsabilidade e maior

comprometimento no que se propõe o cartunista.

Ao trazer estas abordagens para sua criação artística, abriu-se um leque de

oportunidades nas áreas de criação, entretenimento e também exposição de sua marca,

já reconhecida como socialmente responsável. O que se pode compreender desta

verificação é que sua essência artística não ficou abalada ou prejudicada com a inserção

de personagens com deficiência, ao contrário, suas criações já ultrapassam a marca dos

300 personagens e as histórias têm ganhado novas perspectivas e novas possibilidades.

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Estas perspectivas e possibilidades podem ser mais exploradas e causar mais

impacto se forem elaboradas pela ótica da grande parcela de deficientes que há no país.

Luca ainda é pouco aproveitado, há pouca exposição do personagem e dos outros

personagens com deficiência. Para que haja maior assimilação do personagem por parte

do público alvo, talvez fosse necessária a sua aparição de forma mais frequente nas

narrativas.

A educação especial, voltada à promoção do ensino nas escolas regulares ao aluno

com deficiência física, deve ir além dos números. É preciso romper os dados estatísticos

e avançar em uma meta que é impulsionar a mídia a voltar seus interesses também ao

cenário da deficiência física, já que há, no Brasil, uma grande parcela de cidadãos com

algum tipo de deficiência.

Nem quimera, nem utopia; o que se espera com estudos na área de cunho social,

como a deficiência física, é validar, academicamente, discursos sobre estes milhares de

“subalternos” que, ao contrário de Luca, não são retratados nas páginas das HQs.

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ANEXO A – ACESSIBILIDADE

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ANEXO B – AMIGOS ESPECIAIS

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ANEXO C – DE OLHO NO “BIGUIBRÓDER”

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ANEXO D – A RAMPA

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ANEXO E – MÔNICA EM “A ESCRITORA”

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ANEXO F – MÔNICA EM “CORRENDO ATRÁS DO LUCA”

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ANEXO G – MÔNICA EM “BELÊ? BELÊ?”

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