tecnologia social economia solidaria e politicas publicas

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PEDRO CLAUDIO CUNCA BOCAYUVA ANA PAULA DE MOURA VARANDA( ORGA NI Z A DORE S )

A presente publicao permite sistematizar o estado da arte dos processos de incubao de empreendimentos e redes de economia solidria. Os artigos aqui apresentados focalizam as tecnologias de gesto, processo e produto como dimenses que se articulam s tecnologias sociais de organizao do trabalho associado. A tecnologia social rompe com o modelo convencional e dominante, ao incluir a centralidade dos atores sociais do campo popular na qualidade de sujeitos produtivos. Os aparatos, dispositivos, polticas, tcnicas e os processos de aprendizagem so vistos a partir de diferentes recortes de experimentao por parte dos grupos, associaes e cooperativas populares. As iniciativas objetivam a montagem e a reaplicao de redes de empreendimentos e incubadoras, com destaque para a construo de incubadoras pblicas. No livro, podemos observar a questo das aes de incubao no mbito das polticas de economia solidria, e do seu potencial de mudana qualitativa na orientao da poltica de cincia e tecnologia, atravs do reforo ao enfoque abrangente da tecnologia social.

Tecnologia Social, Economia Solidria e Polticas Pblicas 2009, FASE (Federao de rgos para Assistncia Social e Educacional) Rua das Palmeiras, 90 - Botafogo CEP 22270-070 Rio de Janeiro RJ Tel.: (21) 2536-7350 | Fax: (21) 2536-7379 | www.fase.org.br

EDIO

FASE/Federao de rgos para Assitncia Social e Educacional LASTRO (Laboratrio da Conjuntura Social: Tecnologia e Territrio)/ IPPUR (Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional)/UFRJAUTORES

Pedro Claudio Cunca Bocayuva (organizador) Ana Paula de Moura Varanda (organizadora) Adebaro Alves dos Reis, Ana Clara Torres Ribeiro, Armando Lrio de Souza, Antonieta do Lago Vieira, Catia Antonia da Silva, Cludio Elias Marques, Dulce Helena Cazzuni, Edie Martins, Gabriel Kraychete, Geraldo Pereira Teixeira, Helbeth Oliva, Karine Oliveira, Lara Matos, Laudemir Zart, Ludmila Meira, Maria Jos de Souza Barbosa, Maria Paula Patrone Regules, Maurcio Sard de Faria, Roberto Marinho Alves da Silva, Sandra Fa Praxedes Silva, Sandra Regina Nishimura, Simone Rage Pereira, Sonia Maria P. Nascimento e Tatiana ReisREVISO

Liliane Costa ReisCAPA

Arte sobre foto de CGTexturesPROJETO GRFICO

Mais Programao Visualwww.maisprogramacao.com.br

CIP-BRASIL. CATALOGAO-NA-FONTE SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ T253t Tecnologia social, economia solidria e polticas pblicas / Pedro Claudio Cunca Bocayuva, Ana Paula de Moura Varanda (organizadores). - 1.ed. - Rio de Janeiro : FASE : IPPUR, UFRJ, 2009. il. Inclui bibliografia ISBN 978-85-86471-44-5 1. Economia social. 2. Brasil - Poltica social. 3. Cooperativas. 4. Cooperativismo. 5. Tecnologia e civilizao. I. Bocayuva, Pedro Claudio Cunca. II. Varanda, Ana Paula de Moura. III. Federao de rgos para Assistncia Social e Educacional. IV. Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional 09-2220. 12.05.09 14.05.09 CDD: 334 CDU: 334.73 012586

ndice

Apresentao Tecnologia e transio paradigmtica ......................... 5PARTE I

Incubadoras, tecnologia social e polticas pblicas de economia solidria .............................................................................. 111. O centro pblico e as incubadoras de empreendimentos econmicos solidrios no mbito do Programa Bahia Solidria .................................................................. 13 2. Tecnologia social e incubadoras pblicas: a experincia do Programa Osasco Solidria ...................................... 41 3. Tecnologias sociais e economia solidria: diretrizes, desafios e perspectivas para polticas pblicas .................................. 71 4. Economia solidria, tecnologias sociais e polticas pblicas ..................................................................................... 92

PARTE II

Tecnologia social, organizao do trabalho e dinmicas territoriais .............................................................................. 1111. Metrpole, trabalho e contextos da vida coletiva: algumas reflexes sobre a dimenso espacial da tecnologia social e da economia solidria .................................... 113 2. Processo de trabalho, territrios e sustentabilidade dos empreendimentos da economia solidria .................................... 129 3. Espao e trabalho autogestionrio nas periferias das grandes cidades ............................................................................. 143

PARTE III

Incubadoras e estruturao de redes e segmentos produtivos ................................................................................................. 1671. Reorientar os valores econmicos para construir uma nova sociedade, mais justa e solidria ....................................... 169 2. RICS/Emrede A construo de uma rede de economia solidria ........................................................................... 187 3. Construindo rede de comercializao com os catadores de materiais reciclveis de Manaus .................................. 211

PARTE IV

Incubadoras de empreendimentos solidrios, tecnologia social e reaplicao ............................................................ 2311. Estado, comunidade de pesquisa e atores sociais: a construo da agenda de polticas pblicas e os modelos cognitivos para a cincia e a tecnologia ....................... 233 2. Incubadoras universitrias: inovao social e desenvolvimento ................................................................................. 260 3. Incubao de empreendimentos solidrios: elementos para uma abordagem terico-metodolgica da tecnologia de organizao do trabalho associado na perspectiva da construo de polticas pblicas para a economia solidria ............ 288

APRESENTAO

Tecnologia e transio paradigmticaPedro Claudio Cunca Bocayuva* Ana Paula de Moura Varanda**

A publicao deste livro complementa as atividades do Projeto de Acompanhamento da Rede de Tecnologia Social, desenvolvido pela FASE Nacional no perodo de dezembro de 2006 a abril de 2009, atravs de um Convnio com a FINEP (Financiadora de Estudos e Projetos). O Convnio teve por objetivo a realizao de aes de acompanhamento e avaliao de um conjunto de projetos que envolvem a reaplicao da metodologia de incubao de empreendimentos solidrios, apoiados atravs de um Edital articulado no mbito da Rede de Tecnologia Social. Alm desta coletnea de artigos, o Projeto de Acompanhamento da Rede de Tecnologia Social tambm produziu o livro Tecnologia Social, Autogesto e Economia Solidria, o DVD Conversas sobre Tecnologia Social e Economia Solidria e o site www.incubadoras-ts.org.br. A Rede de Tecnologia Social abrange cerca de 600 instituies, distribudas em vrios estados do pas, e que atuam segundo o marco tericoconceitual da Tecnologia Social, compreendido como o desenvolvimento de produtos, tcnicas e metodologias reaplicveis a partir de diferentes formas de interao com as comunidades e que representem solues para a diminuio das desigualdades sociais. A construo da Rede de Tecnologia Social (RTS) no Brasil pretende ser um marco para a reformulao e complexificao da poltica nacional de Cincia e Tecnologia (C&T). A Rede articula um conjunto de iniciativas e tem como perspectiva atuar sob um enfoque crtico da tecnologia, buscando formar um bloco social e tcnico capaz de apoiar uma nova forma de pensar a dinmica social e produtiva.

* **

Coordenador do Projeto de Acompanhamento e Avaliao da RTS (Convnio FASE/FINEP), professor do Instituto de Relaes Internacionais da PUC/RJ e pesquisador do Laboratrio da Conjuntura Social: Tecnologia e Territrio (LASTRO)/IPPUR-UFRJ. Coordenadora Tcnica do Projeto de Acompanhamento e Avaliao da RTS (Convnio FASE/FINEP) e pesquisadora do Laboratrio da Conjuntura Social: Tecnologia e Territrio (LASTRO)/IPPUR-UFRJ.

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TECNOLOGIA SOCIAL, ECONOMIA SOLIDRIA E POLTICAS PBLICAS

Desta forma, o termo tecnologia social tem sido utilizado por pesquisadores, movimentos sociais, gestores pblicos e diversas organizaes no intuito de demarcar um campo de iniciativas que atuam segundo uma vertente crtica s vises de neutralidade e de determinismo tecnolgico que comumente influenciam os modelos de cincia e tecnologia hegemnicos nas instituies de ensino e pesquisa. A presente publicao permite sistematizar o estado da arte dos processos de incubao de empreendimentos e redes de economia solidria. Os artigos aqui apresentados focalizam as tecnologias de gesto, processo e produto como dimenses que se articulam s tecnologias sociais de organizao do trabalho associado. A tecnologia social rompe com o modelo convencional e dominante, ao incluir a centralidade dos atores sociais do campo popular na qualidade de sujeitos produtivos. Os aparatos, dispositivos, polticas, tcnicas e os processos de aprendizagem so vistos a partir de diferentes recortes de experimentao por parte dos grupos, associaes e cooperativas populares. As iniciativas objetivam a montagem e a reaplicao de redes de empreendimentos e incubadoras, com destaque para a construo de incubadoras pblicas. No livro, podemos observar a questo das aes de incubao no mbito das polticas de economia solidria, e do seu potencial de mudana qualitativa na orientao da poltica de cincia e tecnologia, atravs do reforo ao enfoque abrangente da tecnologia social. Temos, ao longo desse livro, a possibilidade de indicar uma multiplicidade de aspectos concretos e reflexes que sistematizam experincias em curso no campo da construo da economia popular e solidria, que so reforadas e/ou desencadeadas pela Chamada Pblica MCT/FINEP/MDS/Caixa Incubao de Empreendimentos Solidrios 01/2005. Podemos apontar trs dimenses da noo de tecnologia social enfatizadas ao longo dos diferentes artigos do livro: 1. A tecnologia social como campo de experimentao e aprendizagem, que unifica as aes estratgicas de superao de desigualdades; processo que representa uma aposta na transio de paradigma em matria de poltica cientifica e tecnolgica aplicada ao contexto de crise do trabalho assalariado. 2. A tecnologia social como conjunto de dispositivos e conhecimentos aplicados ao processo de organizao de associaes e cooperativas populares, com primado nas formas autogestionrias.

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APRESENTAO

3. A tecnologia social como forma de fortalecimento de polticas pblicas adequadas ao contexto de crise e transio no modo de produo, dentro de diversas configuraes sociais, institucionais, de identidade e de lugar. A publicao encontra-se dividida em quatro partes: incubadoras, tecnologia social e polticas pblicas; tecnologia social, organizao do trabalho e dinmicas territoriais; incubadoras e estruturao de redes e segmentos produtivos; e incubadoras de empreendimentos solidrios, tecnologia social e reaplicao. Esta organizao reflete os principais eixos de atuao dos projetos apoiados atravs do Edital avaliado pela pesquisa executada pela FASE. As reflexes, estruturadas nos quatro eixos apresentados acima, esto historicamente relacionadas ao ciclo de aes da Secretaria Nacional de Economia Solidria (SENAES), ligada ao Ministrio do Trabalho e Emprego (MTE), no que diz respeito ao papel operacional e analtico dado pela base do cadastro ou sistema que se constitui no Atlas da Economia Solidria. No seu conjunto, este livro tambm est ancorado no reconhecimento, por parte da RTS, de que a incubao de cooperativas populares/empreendimentos e redes de economia solidria uma tecnologia social de mobilizao produtiva. O Mapeamento Nacional dos Empreendimentos de Economia Solidria o resultado de uma mobilizao que identificou, na base social e organizacional real do tecido da economia popular, as especificidades dessas organizaes. As anlises aqui apresentadas se servem e dialogam com o perfil dos segmentos sociais cadastrados no banco de dados do mapeamento. Os enfoques estratgicos dos projetos e anlises sobre a incubao so orientados pelos perfis ali estabelecidos, procurando desenvolver e transmitir saberes, conhecimentos e aplicaes concretas na organizao dos grupos populares, voltados para uma outra via em termos de relaes de produo. Os segmentos sociais envolvidos nas experincias de incubao possuem meios precrios para a sustentabilidade de suas organizaes produtivas, mas so fortes em suas experincias de luta pela sobrevivncia. As assessorias e formaes dirigidas aos circuitos e redes de economia solidria partem das conexes estabelecidas nas atividades produtivas informais e nas unidades domsticas dos grupos de produtores e produtoras. A emergncia do trabalho associado, organizado em empreendimentos solidrios, fortalece as opes, as prticas de resistncia social e poltica (no terreno produtivo) desenvolvidas por uma parte do povo trabalhador que, assim, chamada a

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TECNOLOGIA SOCIAL, ECONOMIA SOLIDRIA E POLTICAS PBLICAS

protagonizar a transio para um outro modo de produo. Os riscos dessa convocao e tentativa de construo de sadas de incluso produtiva so evidentes. Os problemas de escala, complexidade, recursos e ambiente institucional so elencados ao longo dos artigos, mas no debate sobre a gesto pblica, o marco jurdico, os fundos e as polticas que observamos um salto na reflexo sobre a incubao, iniciada com a implantao do Programa Nacional de Incubadoras de Cooperativas (Proninc da SENAES/MTE). Os avanos na experimentao das metodologias de incubao e nas polticas de economia solidria abrem um captulo novo na histria do cooperativismo popular. O enfoque na autogesto e na autonomia das classes populares, os compromissos tico-polticos com as dimenses de aprendizagem e a prxis de uma cidadania plena fundada nos direitos j comeam a se traduzir em aes estratgicas, que j afetam contextos locais e modificam instituies e mentalidades. Existe uma coerncia e refinamento crescente nos modos de articulao entre as incubadoras e os setores populares com os quais se compromete. Existe um impacto significativo em diversas reas da Universidade e na construo de conhecimentos, e no aprimoramento das tcnicas aplicadas para a formao no mbito do trabalho associado e da mobilizao cooperativa dos grupos sociais nos territrios. H uma narrativa que une a trama dos vrios significados que o processo real de emergncia de aes integradas constituintes de circuitos de cooperao real no mbito das redes sociais, com um salto significativo no dilogo implicado com setores da academia, as reflexes sobre as regies norte e centro-oeste. No mbito das formas de controle e participao social, so apresentadas as reflexes sobre a histria das polticas de incluso e mobilizao social, reconhecendo e reaplicando acmulos, com um salto de qualidade que poder ser til para a soluo de desafios como os que so apontados para o espao urbano metropolitano do Rio de Janeiro. Percorrendo uma vastido de espaos de segregao, se aproximando de grupos que desenvolvem atividades em circuitos quase sempre subordinados e marginais em relao aos circuitos dominantes, os sujeitos sociais que nascem do movimento e do campo delimitado pela economia popular j comeam a se apresentar no terreno das grandes polticas. Como veremos, as reflexes sobre a construo dos Centros e Incubadoras Pblicas representam iniciativas onde a poltica pblica de economia solidria experimenta avanos, traduzindo de forma consistente as orien-

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APRESENTAO

taes que nascem dos fruns e encontros do movimento de economia solidria. Nos artigos, podemos ver como a gesto pblica e a gesto de organizaes articulam-se aos temas da superao das desigualdades por meio das tecnologias sociais, onde projeto, processo e produto so colocados diante do protagonismo estratgico e da nfase numa perspectiva emancipatria por parte das classes populares. Mas todo o cuidado pouco nessas construes que procuram no descurar do detalhe na descrio da trajetria de montagem de novos ambientes, sistemas e organizaes. As novas prticas derivadas da ampliao da noo de incubao alimentada pela fora da noo de tecnologia social abrem um leque de possibilidades, o que torna esse livro um instrumento de consulta onde podemos encontrar um vasto painel de solues e recomendaes. Uma das formas de ler esse livro tendo em vista o fato de que ele permite vislumbrar, imaginar e mesmo absorver o carter vivo do experimentalismo de aes socioespaciais, de polticas e programas inovadores que permitem afirmar que a economia solidria pode ganhar mais consistncia como referncia estratgica de organizao de sadas de gerao de trabalho e renda para as classes populares, com outros efeitos em matria de afirmao de direitos e organizao dos grupos de produo de bens e servios nas periferias e favelas. J podemos afirmar, com base nos vrios levantamentos que realizamos e sustentados pelas observaes e sistematizaes realizadas, que: 1. A economia popular e solidria se refora na conexo entre os saberes e as redes sociais nos circuitos populares, pelas dinmicas de organizao e resistncia socioespacial, pelas foras de impulso horizontal derivadas da potncia da conexo entre vizinhos e da articulao entre atores e movimentos na luta por reconhecimento e direitos. 2. A identificao de trajetrias e movimentos de incubao de redes sociais, cuja fora subjetiva se relaciona com as lutas das mulheres, como no sul do Par. A fora da luta dos catadores e seu reconhecimento fazem com que sejam a expresso de uma inverso necessria que vai dos direitos para o trabalho, da cidadania para a poltica, colocando em questo os limites do assistencial e as fronteiras da diviso entre economia, meio-ambiente e direito cidade. 3. As redes sociais e os movimentos sociais se combinam como foras de organizao produtiva enfrentando a dupla adversidade do

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TECNOLOGIA SOCIAL, ECONOMIA SOLIDRIA E POLTICAS PBLICAS

capitalismo financeiro e do capitalismo selvagem e sociocriminal. Precarizao e marginalizao so afetadas pelas foras de criminalizao e controle que acompanham a disputa sobre o corpo produtivo das grandes multides nas cidades. 4. Nas cidades, os desafios da gerao de trabalho e renda so de escala e complexidade crescente, implicando uma viso de ao orientada pela economia solidria que leva em conta a capacidade de ao direta, a partir do estudo do cotidiano das classes populares. Sendo assim, do potencial de autonomia e emancipao que pode brotar uma dinmica favorvel a um novo modo de produo associado, a partir dos circuitos e modos de reproduo social das periferias. Por isso, a experincia em curso, aqui registrada, mostra que os desafios para organizar um projeto de desenvolvimento nacional precisam levar em conta os distintos recortes e saberes locais, que modifiquem e forcem uma inverso nos padres de polticas ativas de desenvolvimento econmico e de cincia e tecnologia. 5. Para uma estratgia de mudana com base numa plataforma de economia solidria, preciso romper com o enfoque economicista que caracteriza as polticas tradicionais e o modelo cognitivo dominante nas instituies de ensino e pesquisa. As duas rupturas so operao diferenciada e ao paralela necessria para articular uma plataforma capaz de pressionar por um novo rumo no desenvolvimento. Um desenvolvimento com base em objetivos e meios adequados para responder ao processo de emergncia do ator popular na redefinio dos rumos polticos da economia e do trabalho. Nas reflexes crticas realizadas ao longo dos artigos desse livro, aparecem as vrias tradies do pensamento social e poltico brasileiro, em particular os atores identificam as contribuies de Paulo Freire, Florestan Fernandes, Darcy Ribeiro, Paul Singer e muitos outros resgates para repensar o projeto de desenvolvimento sob a tica popular. O alcance de conjunto dos materiais aqui contidos serve para um avano significativo em inmeras direes constituintes da transio paradigmtica com base na mobilizao do potencial de cooperao produtiva das classes populares nos distintos contextos e lugares.

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PARTE I

Incubadoras, tecnologia social e polticas pblicas de economia solidria

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O Centro Pblico e as Incubadoras de Empreendimentos Econmicos Solidrios no mbito do Programa Bahia SolidriaTatiana Reis, Edie Martins, Ludmila Meira, Helbeth Oliva, Karine Oliveira e Lara Matos*

IntroduoEste artigo tem por finalidade apresentar a experincia de uma poltica pblica de economia solidria, desenvolvida no mbito do Governo do Estado da Bahia. Inicia-se o texto abordando elementos contextuais relativos temtica da economia solidria e, em seguida, passa-se a abordar a criao de espaos institucionais no mbito do governo federal e do governo estadual da Bahia, resultando na criao da Superintendncia de Economia Solidria, vinculada Secretaria do Trabalho, Emprego, Renda e Esporte (SETRE). Depois apresentada a poltica estadual de economia solidria o Programa Bahia Solidria e duas de suas aes: o Centro Pblico de Economia Solidria e o Projeto Estadual de Incubadoras de Empreendimentos de Economia Solidria. Nas consideraes finais, o texto problematiza os desafios e perspectivas da poltica pblica estadual de economia solidria na Bahia. A partir da dcada de 1980, h uma expanso acelerada do movimento associativo e comunitrio em todo o mundo, que toma diversas conformaes, a depender do contexto histrico, social e cultural em que se situa.

*

Membros da equipe tcnica da SESOL (Superintendncia de Economia Solidria) ligada ao Governo do Estado da Bahia.

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TECNOLOGIA SOCIAL, ECONOMIA SOLIDRIA E POLTICAS PBLICAS

O (re)surgimento1 da economia solidria est relacionado a aspectos econmicos, polticos e sociais. Do ponto de vista econmico, vincula-se a fatores como a crise do emprego e a acentuao e excluso econmicoprodutiva. Do ponto de vista poltico, relaciona-se com a crise do Estado de Bem-Estar, decorrente da situao de falncia de diversos Estados nacionais e do modelo neoliberal implementado por muitos governos, no qual o Estado deixa de se preocupar com polticas sociais e com o pleno emprego. A falta de esperanas de que sejam implementadas polticas que amenizem tal situao contribui para o aumento de uma tendncia solidariedade. Ao lado disto, cresce a importncia das organizaes da sociedade civil acompanhando o surgimento de uma solidariedade civil que, apesar de no indita historicamente, apresenta um papel fundamental neste contexto. Em contraposio ao modelo de desenvolvimento econmico que tem intensificado a ampliao estrutural do desemprego na economia brasileira e ao modelo neoliberal implantados por muitos governos, algumas iniciativas governamentais tm adotado aes estratgicas que convergem para o fortalecimento da economia solidria. Em 2003, em iniciativa indita em mbito mundial, foi criada pelo ento Ministro do Trabalho e Emprego, Sr. Jaques Wagner, a Secretaria Nacional de Economia Solidria, com o intuito de apoiar essas aes. E para a funo de Secretrio, assume o Professor Dr. Paul Singer, uma grande referncia em economia solidria no Brasil e fundador da ITCP (Incubadora Tecnolgica de Cooperativas Populares) da USP (Universidade de So Paulo).21 As noes de Economia Social e Economia Solidria, segundo Frana Filho (2002), vm de uma tradio histrica em comum, que se relaciona com o movimento associativista operrio da primeira metade do sculo XIX na Europa, que representava uma forma de resistncia da populao e que deu origem a inmeras iniciativas solidrias influenciadas pela idia da ajuda mtua, da cooperao e da associao. Estas aes, com o tempo, foram reconhecidas pelo Estado, gerando um arcabouo jurdico que, como resultado, separou o movimento associativista original em organizaes cooperativas, mutualistas e associativas. Isto consolidado no tempo e cada grupo passa a se isolar devido a seu estatuto (lei) especfico. Ao perder a dimenso poltica, as iniciativas antes consideradas como economia solidria, passam a ser consideradas economia social. O retorno da dimenso poltica na ao da economia social faz retornar a Economia Solidria. ITCPs so entidades pertencentes s universidades, formadas por equipes multidisciplinares compostas por professores, alunos de graduao e de ps-graduao, funcionrios, com formao em diferentes reas, dedicados [...] organizao da populao mais pobre em cooperativas de produo ou de trabalho, s quais do pleno apoio administrativo, jurdico-legal, ideolgico na formao poltica, entre outros (SINGER, 2003, p. 25).

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PARTE I INCUBADORAS, TECNOLOGIA SOCIAL E POLTICAS PBLICAS DE ECONOMIA SOLIDRIA

No mbito estadual, de forma igualmente inovadora, foi criada a Superintendncia de Economia Solidria (SESOL), vinculada Secretaria do Trabalho, Emprego, Renda e Esporte (SETRE). Sua criao parte de uma manifestao encaminhada atravs de uma carta do Frum Baiano de Economia Solidria ao ento Governador eleito Jaques Wagner, que reivindicava a criao de uma esfera institucionalizada no Estado para assumir a responsabilidade de implementar uma poltica estadual de apoio e fomento economia solidria na Bahia. Surge, ento, a SESOL, tendo como foco destacado em seu planejamento: potencializar a economia solidria como estratgia de desenvolvimento, gerao de trabalho e renda e incluso social. A conjugao de uma srie de fatores sinrgicos contribuiu e contribui para que a SETRE/SESOL tenha sido gerada no contexto em que se instala na Bahia, em 2007, um Governo Estadual com ntido perfil democrtico e popular, que aposta na Economia Solidria e nos movimentos sociais, em geral. No estado da Bahia, portanto, a economia solidria apresentada como uma das bases de desenvolvimento.[...] A Economia Solidria vista como estratgica para as polticas de trabalho e renda porque permite o desenvolvimento sustentvel com emancipao humana e distribuio de renda.3

Guardando uma estreita correlao com a estratgia adotada pelo Governo Federal, a SESOL foi instalada no ambiente da Secretaria do Trabalho, Emprego, Renda e Esporte do Estado da Bahia, cujo secretrio, Professor Dr. Nilton Vasconcelos, tem uma rica histria de vinculao, estudos e militncia no movimento de economia solidria, sendo um dos fundadores da Associao de Fomento Economia Solidria o BANSOL e da Incubadora Tecnolgica de Cooperativas Populares, do Centro Federal de Educao Tecnolgica o ITCP/CEFET-BA. Esta histria, e toda fora que ela traduz, foi decisiva para o surgimento da Superintendncia de Economia Solidria, a SESOL, que representa um marco institucional da economia solidria na Bahia (Lei 10.549/2006).3 Mensagem apresentada pelo Excelentssimo Senhor Governador, Jaques Wagner, Assemblia Legislativa do Estado, na abertura da 1 Sesso Legislativa da 16 Legislatura, em 15 de fevereiro de 2007.

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TECNOLOGIA SOCIAL, ECONOMIA SOLIDRIA E POLTICAS PBLICAS

Elemento central nessa estratgia a poltica estadual de Economia Solidria. Em consonncia com a Secretaria Nacional de Economia Solidria (SENAES/MTE) do Governo Lula e, seguindo exemplo de outros estados da Federao, o Governo da Bahia buscar nos prximos anos, realizar sua Poltica Pblica de Economia Solidria, consolidando um marco legal para atender a milhares de iniciativas espalhadas pelos seus territrios. A Economia Solidria, que vem se constituindo em uma alternativa estratgica de desenvolvimento sustentvel, est fortemente presente no estado.4

A criao da SESOL representa mais uma frente de luta pela economia solidria, que tem por princpio a construo democrtica das suas estratgias e aes. Essa forma de organizao coletiva, a economia solidria, por seu carter eminentemente popular, est na contramo da cultura instituda h dcadas no poder pblico e de todo o arcabouo estrutural e legal que se mostram, muitas vezes, inadequados para entender e atender s camadas mais pobres da sociedade. Equipado de amplo e eficiente arsenal para operar e reproduzir o modo de produo capitalista, a inadequao da legislao nos impe barreiras de variadas ordens e nos desafia a galgar conquistas que permitam, por exemplo, adquirir produtos e servios dos empreendimentos solidrios atravs das compras governamentais. Apesar de ser um campo relativamente recente, algumas dificuldades recorrentes dos empreendimentos solidrios tm sido levantadas, especialmente quanto questo da sustentabilidade, que, no mbito dos Empreendimentos Econmicos Solidrios (EES) se coloca de forma distinta das organizaes empresariais. Ao colocar o lucro como interesse essencial, as empresas direcionam seus esforos, sua lgica de ao e seus processos de gesto em busca basicamente de objetivos instrumentais e pragmticos de maximizao do retorno sobre o investimento, mesmo que custa da eliminao de postos de trabalho, da explorao e discriminao do trabalho feminino, da eliminao das iniciativas concorrentes ou de preocupaes ticas com relao ao meio ambiente e sade de seus trabalhadores e das comunidades que vivem em seus espaos de atuao. No entanto, os

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Idem.

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PARTE I INCUBADORAS, TECNOLOGIA SOCIAL E POLTICAS PBLICAS DE ECONOMIA SOLIDRIA

Empreendimentos da Economia Solidria (EES), por no terem como finalidade nica o alcance de resultados financeiros (tambm relevantes), incorporam outras variveis e objetivos no mbito de sua atuao, inclusive aqueles desconsiderados pelas empresas, estabelecendo um fator de considervel ampliao da complexidade em termos de sua sustentabilidade que passa a ser no somente econmica, como tambm social, poltica e de operacionalizao de processos e tcnicas de gesto que sejam convergentes com seus princpios de atuao. A sustentabilidade, no mbito dos empreendimentos solidrios, portanto, relaciona-se com aspectos econmicos, polticos, sociais e de gesto democrtica do empreendimento coletivo. Ainda que os empreendimentos econmicos solidrios apresentem um grande potencial emancipador, alguns problemas presentes no cotidiano de muitos grupos, tais como capital de giro, acesso ao crdito, comercializao, tecnologia, insuficiente capacitao tcnica e gerencial e formao sociopoltica, insuficincia de entidades de apoio, falta de padres gerenciais adequados, incipiente atuao em rede dificultam a sua sobrevivncia. No mapeamento realizado pela SENAES (2006), por exemplo, foi identificado que 61% dos EES afirmam ter dificuldades de comercializao, 49% ter problemas com relao ao acesso ao crdito e 27% no ter qualquer apoio ou assessoria. A jornada frente a estes desafios no solitria na Bahia e no Brasil. Oficialmente, j so nada menos que 1.611 empreendimentos mapeados, na Bahia, em apenas 55% dos municpios, o que significa, cerca de 120 mil trabalhadores e trabalhadoras. Certamente so mais. Tanto os caminhos trilhados pela Secretaria Nacional de Economia Solidria quanto a sabedoria da sociedade civil organizada, atravs do Frum Baiano de Economia Solidria e os demais espaos de construo coletiva, apontam para algumas estratgias. Nesse contexto, a Secretaria do Trabalho, Emprego, Renda e Esporte, por meio da Superintendncia de Economia Solidria, definiu como uma de suas prioridades para o exerccio do Plano Plurianual de Ao Estadual, a elaborao democrtica de uma poltica pblica que contemplasse as reivindicaes histricas desse movimento, na perspectiva de gerao de trabalho e renda. Neste sentido, destaca-se tambm o compromisso assumido pelo Governador atravs da assinatura de uma agenda do trabalho decente.

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TECNOLOGIA SOCIAL, ECONOMIA SOLIDRIA E POLTICAS PBLICAS

A Economia Solidria, portanto, uma das prioridades do Governo do Estado da Bahia e suas aes so desenvolvidas e realizadas pela SETRE/ SESOL, em parceria com outras instituies do Estado seja na esfera federal, estadual ou municipal e com a sociedade civil organizada, atravs de entidades de assessoria e fomento e de empreendimentos coletivos, alm de Fruns Nacionais e Estaduais. Pode-se constatar tal prioridade no Plano Plurianual (PPA) 2008-2011, onde est inscrito o Programa Bahia Solidria com as suas diversas aes de formao e fomento a empreendimentos econmicos solidrios. As linhas e diretrizes gerais do Programa Bahia Solidria, com destaque para duas de suas aes os Centros Pblicos de Economia Solidria e o Projeto de Incubadoras de Empreendimentos Econmicos Solidrios so apresentados a seguir.

1. O Programa Bahia SolidriaA Superintendncia de Economia Solidria, em consonncia com a sua misso de construir e implementar as polticas pblicas de Economia Solidria na Bahia, criou o Programa Bahia Solidria: Mais Trabalho e Renda, com o objetivo de promover o fortalecimento e a divulgao da economia solidria mediante polticas integradas, visando gerao de trabalho, renda, incluso social, e promoo do desenvolvimento justo e solidrio. Os recursos destinados ao programa no exerccio do PPA esto na ordem de R$ 157,6 milhes, um valor expressivo levando em conta o que vem sendo direcionado a polticas de apoio e fomento economia solidria, seja no mbito nacional, estadual ou municipal. Vale ressaltar que a SESOL, no ano de 2007 (quando da sua criao), contava com um baixo oramento5, da ordem de R$ 167 mil, fato que dificultou a execuo das atividades propostas para aquele ano. Nesse sentido, 2007 foi um ano pr-operacional e de estruturao da Superintendncia, e funcionou para a contratao

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No ano de 2007, vigorava o PPA 2004-2007, no qual no estavam previstos recursos para fomento e apoio economia solidria.

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PARTE I INCUBADORAS, TECNOLOGIA SOCIAL E POLTICAS PBLICAS DE ECONOMIA SOLIDRIA

dos tcnicos, planejamento das aes para o PPA 2008-2011, articulao de parcerias, captao de recursos e realizao de aes diretas com a equipe de trabalho, como por exemplo, a realizao de oficinas de sensibilizao em economia solidria e elaborao de projetos e o apoio a eventos de economia solidria, como a Feira Baiana de Economia Solidria.

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TECNOLOGIA SOCIAL, ECONOMIA SOLIDRIA E POLTICAS PBLICAS

O Programa prev aes de fomento, formao, divulgao e crdito produtivo aos trabalhadores e trabalhadoras da economia solidria da Bahia, promovendo aes e instrumentos para a organizao e sustentabilidade de empreendimentos econmicos solidrios. Ao lado disto, tambm vm sendo realizados trabalhos no sentido da implementao de um Marco Jurdico especfico para a economia solidria, atravs da elaborao do Projeto de Lei que cria a Poltica Estadual de Fomento Economia Solidria no Estado da Bahia e o Conselho Estadual de Economia Solidria. A operacionalizao do Bahia Solidria feita atravs das trs coordenaes que compe a SESOL a Coordenao de Fomento (COFES), a Coordenao de Formao e Divulgao (COFD) e a Coordenao de Microcrdito e Finana Solidria (COMFIS). A equipe tcnica da nova estrutura conta com 55 servidores pblicos, entre integrantes do quadro efetivo e temporrios, com formao em diferentes reas do conhecimento, como administrao, economia, pedagogia, contabilidade, direito, agronomia, servio social, entre outros, e tambm profissionais de nvel mdio, que atuam como agentes de microcrdito e de desenvolvimento. As aes da Coordenao de Fomento esto relacionadas ao investimento e assistncia tcnica a empreendimentos solidrios e articulao setorial destes empreendimentos em redes de produo e comercializao, agregando valor aos produtos e escoando esta produo, incluindo no escopo de ao a Implementao de Centros Pblicos de Economia Solidria. No mbito da Coordenao de Formao e Divulgao, esto as aes relativas formao dos trabalhadores, gestores pblicos e entidades de apoio e fomento, incluindo o Projeto de Incubadoras de Empreendimentos Econmicos Solidrios, bem como a divulgao da economia solidria e o mapeamento de empreendimentos econmicos solidrios. Tambm no escopo de atuao desta coordenao est o trabalho de apoio construo do marco legal para a economia solidria baiana. A terceira coordenao, de Microcrdito e Finanas Solidrias, est dando continuidade ao Programa de Microcrdito do Governo do Estado da Bahia, CrediBahia, operacionalizado pela SETRE em parceria com o SEBRAE e as Prefeituras Municipais, com recursos com origem no

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Desenbahia (Agncia de Fomento do Estado da Bahia), com o objetivo de promover acesso ao crdito de forma gil e desburocratizada aos empreendedores de pequenas unidades produtivas com juros abaixo do mercado, estimulando assim a gerao de ocupao e renda. Ao lado disto, a COMFIS tem trabalhado no desenvolvimento de linhas especficas de Finanas Solidrias voltadas aos empreendimentos baianos. Dentre as diversas aes do Programa Bahia Solidria, apresentaremos, no mbito deste artigo, os Centros Pblicos de Economia Solidria e o Projeto Estadual de Incubadoras de Empreendimentos de Economia Solidria. Ressalte-se que, apesar de apresentadas de forma separada, tais aes apresentam diversos elementos intercalados e articulados em sua operacionalizao.

2. Os Centros Pblicos de Economia Solidria2.1. AntecedentesPara se pensar numa poltica pblica de implantao de Centros Pblicos de Economia Solidria, partiu-se de algumas premissas: 1) a economia popular e solidria pode efetivamente gerar trabalho, renda e desenvolvimento. 2) as polticas pblicas possuem papel fundamental no apoio ao desenvolvimento dos grupos produtivos. Somadas a essas premissas, h um cenrio composto por alguns elementos que, mais uma vez orientam as aes: a) necessidade de um equipamento pblico para atender aos trabalhadores que optam pelas formas coletivas e populares de produo; b) a constituio de um empreendimento popular no precedida por estudos ou consultorias. A crise do trabalho formal fora seu surgimento de maneira precria; c) os centros atendem diretamente s principais demandas dos empreendimentos, contribuindo assim para o alcance da sua sustentabilidade. No h uma relao de tutela, mas de orientao e qualificao tcnica. A partir da realidade acima exposta, comeou-se a entender o papel e onde se inserem os Centros Pblicos de EcoSol. H no Brasil cerca de 20 iniciativas de centros pblicos de economia solidria funcionando ou em

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fase de implementao. De forma geral, os centros so espaos multifuncionais que oferecem aos empreendimentos coletivos e solidrios: consultoria pblica, com cursos de capacitao, orientao jurdica, administrativa e contbil-financeira; espao de comercializao e divulgao dos produtos dos empreendimentos; espao para eventos, como reunies dos fruns e redes locais; atividades culturais e de fortalecimento da identidade, dentre outros servios. Alm de oferecerem estes servios, objetivo dos Centros Pblicos transformar a economia solidria em uma alternativa autnoma e decente de trabalho, alm de promover o desenvolvimento enviesado numa lgica mais justa e solidria. O projeto de criao de Centros Pblicos de Economia Solidria (CESOL) uma proposta que visa atender a uma das principais demandas do Frum Baiano de Economia Solidria ao Governador Jaques Wagner. Seu contedo baseado em diretrizes da Secretaria Nacional de Economia Solidria (SENAES), atravs do seu Termo de Referncia, e na proposta feita a partir do Frum Baiano de Economia Solidria para a Prefeitura de Salvador. O Governo da Bahia aposta no grande potencial destes espaos no tocante ao enfrentamento das mais variadas dificuldades de sustentabilidade nos empreendimentos, como o primeiro passo para a criao de uma rede de centros integrados s outras aes de uma Poltica Estadual de Economia Solidria, criando condies estruturais e subsidiando as iniciativas da sociedade civil organizada. Ao todo, sero nove Centros Pblicos at 2011 (conforme previsto no PPA), sendo um Centro Estadual localizado em Salvador e oito Centros territoriais.

2.2. Metodologia2.2.1. Processo de construo e consolidao da proposta do CESOL enquanto poltica pblicaA construo de uma poltica pblica capaz de fortalecer a EcoSol na Bahia e coloc-la na agenda permanente do Estado ainda est em processo de consolidao. Os Centros Pbicos de Economia Solidria so meios eficazes para o alcance deste objetivo e, para tanto, foi necessrio, a

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partir da realidade do Estado, propor mudanas substanciais ao projeto de implantao dos CESOL apresentado pela SENAES. Para a SESOL, dois grandes pontos poderiam pr em risco a sustentabilidade dos equipamentos: a gesto e a abrangncia. A primeira modificao ficou no campo da gesto. Compreendeu-se que apenas seria possvel garantir a permanncia dos servios oferecidos pelos CESOL se a sua gerncia estivesse ligada administrao direta do Estado. Justifica-se esse entendimento pelo fato de atravs da administrao direta se tornar possvel a contratao permanente do quadro operacional, alm de garantir recursos dentro do oramento do Estado para a manuteno do equipamento. Como forma de avaliao da proposta, foram realizadas visitas a outras experincias que demonstraram maior capacidade de atuao quando vinculadas administrao pblica, nesse caso municipal. O segundo ponto abordado foi a abrangncia da proposta dos Centros. Para o Estado, a mobilizao dos recursos financeiros previstos no Programa Bahia Solidria, dentro do PPA 2008-2011, destinados instalao de Centros Pblicos, no poderia ser direcionado unicamente ao atendimento em mbito municipal. Tais recursos deveriam estar disponveis a aes que pudessem, a principio, atender todo Estado. A partir da, iniciouse o processo de construo de uma nova metodologia que pudesse dar conta dessa investida, que veio a gerar o projeto de construo do primeiro Centro Pblico de Economia Solidria Estadual (CESOL), experincia pioneira no Brasil que ser apresentado neste artigo. Os centros pblicos territoriais vieram para complementar as aes do CESOL estadual e tero como abrangncia o territrio de identidade 6, em atendimento poltica estadual de territorializao7 .

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Entende-se como territrio de identidade, o espao onde h o reconhecimento coletivo (Pessoas, Organizaes e Instituies) de uma trama de significados e sentidos prprios de um tecido social especfico, que foram sendo adquiridos historicamente por mediao entre natureza e sociedade, como condio de habitante de um lugar, numa unidade espacial condicionada por recursos particulares a identidade se expressa em diferentes dimenses: sociocultural; geo-ambiental; poltico-institucional; econmica (SDT/MDA). A poltica de territorializao uma proposta que se iniciou com o Ministrio de Desenvolvimento Agrrio, adotada como estratgia de desenvolvimento no Estado da Bahia.

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2.2.2. A construo coletiva das propostas de cada CESOLA implantao de cada Centro envolve ampla participao dos atores territoriais, como as prefeituras, os empreendimentos de assessoria e fomento, universidades, sindicatos, escolas e rgos pblicos das trs esferas do governo. H uma dupla preocupao durante este processo: 1) que a construo se d de maneira coletiva e democrtica, atentando para as especificidades da dinmica de cada municpio/territrio; e 2) que haja empoderamento por parte dos atores locais com aquele equipamento pblico, de modo a se evitar um distanciamento e desconhecimento daquela estrutura, e fazer com que o Centro seja, de fato, um espao disposio da Economia Solidria. Nesse sentido, a SESOL, alm de ter como princpio o contnuo dilogo com a sociedade, aprende com experincias que j ocorreram no passado no Estado da Bahia, num momento em que as polticas eram construdas de cima para baixo, tornando a sociedade avessa quele equipamento pblico.

2.2.3. Servios do CESOLOs Centros disponibilizaro espao fsico e servios variados para o desenvolvimento e promoo da economia solidria na Bahia. Podemos destacar os servios e atividades desenvolvidas pelo CESOL a partir de seis tpicos fundamentais: 1. Comercializao em espaos de lojas solidrias, os empreendimentos experimentaro as tcnicas comerciais numa perspectiva do comrcio justo e solidrio e desenvolvero alternativas sustentveis de estruturao do comrcio. Tais lojas faro parte de um sistema estadual de comercializao integrado agricultura familiar e aos sistemas de compras pblicas. 2. Consultoria uma equipe multidisciplinar8 de profissionais atua como instrutores/auxiliadores dos EES na gesto, legalizao/formalizao,

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O quadro de tcnicos do CESOL conta com profissionais das reas de administrao, contabilidade, direito, assistncia social, design, turismo e pedagogia.

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desenvolvimento de produtos, criao de identidade visual. H, ainda, a figura do agente de desenvolvimento, que identifica as demandas atravs de um diagnstico do empreendimento. Os servios de consultoria se diferenciam da incubao, por se tratar de atividade que no tem uma dinmica contnua de acompanhamento, quase dirio, que o processo de incubao pressupe. 3. Incubao a incubadora tem por objetivo a incubao de redes de produo, comercializao e consumo incorporando os empreendimentos econmicos solidrios, bem como o acompanhamento e monitoramento das diversas incubadoras fomentadas e apoiadas pelo programa Bahia Solidria. 4. Tecnologia atravs de uma parceria com a Secretaria Estadual de Cincia, Tecnologia e Inovao (SECTI), utilizando a metodologia dos Centros Digitais de Cidadania (CDC), os Centros promovero o uso e a formao em tecnologias livres, alm de formao no uso de softwares de gesto, controle, estoque, numa perspectiva de incluso sociodigital. 5. Crdito uma das maiores dificuldades9 dos EES o acesso ao crdito. Com o objetivo de minimizar este entrave, o CESOL oferece microcrdito atravs do Programa de Microcrdito do Estado da Bahia, CrediBahia. 6. Articulao uma das preocupaes da SETRE/SESOL no fazer sobreposio de aes com outros rgos do Estado, sendo ento, a transversalidade das aes uma busca incessante. Nesse sentido, cabe ao CESOL fazer a articulao com outros entes do Estado10 que realizam aes complementares s do Centro Pblico, promovendo a EcoSol como uma alternativa concreta de desenvolvimento, atravs de uma ao integrada. Na prtica, possvel, por exemplo, contatar outro rgo para que este disponibilize um Engenheiro Agrnomo.

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Conforme dados do SIES.

10 Podemos citar como exemplo de instituies: a Superintendncia de Agricultura Familiar (SUAF), a Empresa Baiana de Desenvolvimento Agrcola (EBDA), a Companhia de Desenvolvimento e Ao Regional (CAR).

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O que podemos perceber, conforme sugere a figura, que h uma interarticulao e uma complementao entre os servios oferecidos pelo CESOL. Para ilustrar, um empreendimento que acessar o crdito pode contar com o servio do administrador (consultoria) para melhor organizar a produo do grupo. Desta forma, os Centros Pblicos buscam atuar e entender os EES na sua amplitude.

2.2.2 Gesto do CESOLOs Centros Pblicos de Economia Solidria devero11 ser geridos, conforme sugere o Termo de Referncia da SENAES, por duas estruturas de gesto: uma de carter consultivo e fiscalizador (Comisso Geral de Gesto) e outra de carter executivo e administrativo (Coordenao Executiva). A Comisso Geral de Gesto CGG deve estabelecer seu regimento interno, definir o papel dos seus membros e, se for o caso, constituir outras

11 O CESOL Estadual funciona de maneira provisria at a concluso das obras do prdio definitivo. Apesar disso, a CGG ainda no foi formada.

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instncias subordinadas a ele. Os atores envolvidos na construo e implantao da proposta de cada CESOL indicaro e definiro como se dar a composio e o funcionamento de cada Comisso. Na Comisso Geral (CGG) haver forte participao dos movimentos sociais, em especial o de Economia Solidria, por meio do seu Frum Baiano. As atribuies da Coordenao Executiva devero convergir para: controle e avaliao das atividades fins e atividades meio do Centro junto s entidades conveniadas, controle de gastos e uso dos recursos, executar as deliberaes do CGG, prestar contas ao CGG mensalmente, dentre outras a serem regulamentadas.

2.3. PerspectivasNos primeiros meses de atuao do CESOL, foram realizados 52 atendimentos, entre oficinas, consultorias e diagnsticos organizacionais. Foram atendidas, direta e indiretamente, cerca de 1.500 pessoas, em vrios municpios do Estado da Bahia, alm da prpria capital. Tais atendimentos foram categorizados em demanda espontnea (aquela em que o empreendimento procura o CESOL) e demanda induzida (quando o CESOL oferece e divulga oficinas, cursos de formao, nas diversas reas de atuao do Centro). O que j se pde perceber durante este perodo de funcionamento do CESOL que o Centro tem sido requisitado a dar suporte a outras aes da prpria SETRE, assim como a outros rgos do Estado, tais como a Companhia de Ao e Desenvolvimento Regional (CAR), atravs do Programa de Combate Pobreza Rural (PCPR), e a Secretaria de Desenvolvimento Urbano (SEDUR), atravs da sua poltica de tratamento de resduos slidos. Um aspecto fundamental dos Centros sua capacidade de articular-se com outros atores, j que possui participao decisiva de grupos organizados que desenvolvem um conjunto de atividades e interfaces com o setor pblico e outros setores, de forma geral. Tais caractersticas tornam os Centros Pblicos de Economia Solidria (CESOL) uma estrutura pblica capaz de dialogar com diversas polticas de gerao de trabalho e renda, tendo como vis fundamental a temtica da Economia Solidria.

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Fluxograma do funcionamento do CESOL

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3. O Projeto Estadual de Incubadoras de Empreendimentos de Economia Solidria3.1. AntecedentesA idia de formular um projeto estadual de apoio incubao de empreendimentos econmicos solidrios parte da constatao, apontada por diversos autores da rea, de que, para o alcance da sustentabilidade em iniciativas da economia solidria, fundamental uma ao convergente e complementar de mltiplos atores e iniciativas do campo poltico, econmico e tecnolgico, tais como universidades, rgos governamentais e organizaes da sociedade civil (Kraychete, 2000; Singer, 2002b; Coraggio, 2003; 2004 apud REIS, 2005). Diversos estudos e relatos tm apontado como relevante para a sustentabilidade de EES a disponibilidade de servios de incubao e/ou assessoria de Entidades de Apoio e Fomento EAFs. Neste sentido, o Projeto estadual de incubadoras de empreendimentos de economia solidria visa estimular a economia solidria como estratgia de desenvolvimento territorial, por meio da criao e fortalecimento de incubadoras que atuem na mobilizao e formao/qualificao dos trabalhadores/as sob o eixo da economia popular e solidria e desenvolver metodologias de incubao que tenham efetividade, principalmente, na promoo dos aspectos econmicos, polticos e sociais de sustentabilidade dos EES no estado. A proposta de um projeto estadual de incubadoras vem ao encontro da necessidade de apoio a esses empreendimentos em expanso no Brasil e no estado da Bahia, que aliada a outras iniciativas em anlise e implantao como o Centro Pblico de Economia Solidria, o estmulo agricultura familiar, a rede de formao de formadores , pretende expandir e fortalecer um sistema local de apoio Economia Solidria. No mbito do Projeto, compreende-se a Incubao de Empreendimentos Econmicos Solidrios como um processo educativo que visa transformao de um grupo em um empreendimento sustentvel, gerando trabalho e renda. Este processo, fundamentado em uma metodologia de

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trabalho que toma por referncia a educao popular e valoriza a cooperao e a autogesto, busca oferecer e construir conjuntamente ferramentas para que os empreendimentos se tornem sustentveis nos aspectos econmicos, sociais, polticos e de gesto. As atividades formativas do processo de incubao representam um processo de construo conjunta das competncias individuais e coletivas em que, ao lado do contedo programtico regular, representam um aprender fazendo, propiciando vivncias concretas de gesto do empreendimento econmico solidrio em suas diversas faces, tendo em vista a consolidao e emancipao dos empreendimentos autogestionrios. A ao do incubador pode reduzir substancialmente os problemas com formao tcnica, gerencial e sociopoltica, acesso ao crdito, tecnologias e mtodos de gesto, dentre outros. Por outro lado, tal atividade, se no for executada de forma adequada, pode interferir negativamente na autonomia e na sustentabilidade das iniciativas de economia solidria, tanto no surgimento como na sua perenidade. importante, portanto, a anlise em torno das tecnologias sociais que tm sido utilizadas nos processos de incubao, bem como os resultados alcanados pelos empreendimentos em relao, principalmente, aos aspectos de autogesto, cooperao e coeso social, alm das questes tradicionais como eficincia econmica, dentre outras. A incubadora uma das aes do Programa Bahia Solidria, que, em sua estratgia de implementao, tem primado pela articulao entre as diversas entidades pblicas e da sociedade civil, para que os projetos tenham eficincia, eficcia e efetividade. A concepo inicial do projeto vai ao encontro de uma nova estratgia de incubao que comeou a ser disponibilizada aos empreendimentos: as Incubadoras Pblicas desenvolvidas por meio de Prefeituras Municipais. Este formato, de Incubadora Pblica, j est sendo praticado em municpios de outros estados da Federao, como Pernambuco, Rio de Janeiro e So Paulo. Considerando o carter pioneiro e inovador da proposta no mbito de uma poltica pblica estadual, optou-se pela formao do que se convencionou chamar de Comit Propositivo para a construo democrtica

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do projeto, contando com representaes da SESOL/SETRE, Rede de ITCPs, Fundao Banco do Brasil, Rede UNITRABALHO, Frum Metropolitano de Cooperativas. Tal comit se reuniu a convite da SETRE/SESOL por diversas vezes para discutir elementos conceituais, metodolgicos e operacionais do Projeto. Diante deste novo cenrio, a equipe tcnica realizou pesquisas, participou de seminrios (a exemplo do Seminrio Tecnologia Social, Incubao de Empreendimentos Solidrios e Polticas Pblicas realizado pela FASE) e realizou visitas tcnicas para conhecer sobre polticas pblicas de economia solidria, concretizadas atravs de Incubadoras e Centros Pblicos, tendo em vista o seu carter inovador e pioneiro em mbito estadual. Destaca-se, neste ponto, a realizao de visitas tcnicas de campo, em dezembro de 2007, com o objetivo de conhecer duas experincias que vm se tornando referncia nacional em termos de Poltica Pblica de Economia Solidria Osasco (SP) e Londrina (PR). Em Osasco, esto em funcionamento duas estruturas pblicas de apoio e fomento economia solidria: o Centro Pblico de Economia Solidria e a Incubadora Pblica de Economia Solidria, aes estas desenvolvidas no mbito da Secretria de Desenvolvimento, Trabalho e Incluso. J em Londrina, o destaque em termos de apoio e fomento aos empreendimentos solidrios o Centro Pblico de Economia Solidria, um projeto que envolve diversas secretarias municipais. Uma outra iniciativa pesquisada foi a Incubadora Tecnolgica de Cooperativas Populares (ITCP) da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE), que implantou incubadoras pblicas em trs municpios da regio metropolitana de Recife (Recife, Olinda e Paulista). Foi feito tambm o levantamento de polticas pblicas correlatas e articulao com outras secretarias estaduais da Bahia, tais como a Secretaria da Agricultura (SEAGRI), Secretaria de Cincia, Tecnologia e Inovao (SECTI) e Secretaria de Indstria e Comrcio (SICM). Paralelamente, a equipe tambm buscou realizar o levantamento de municpios onde existissem mquinas e equipamentos j adquiridos pelo estado, que poderiam ser reativados atravs do Programa. Os estudos e pesquisas realizados, bem como as discusses do Comit Propositivo, aliados experincia prtica da equipe tcnica, convergiram

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para a construo do Projeto. Em seguida, a SETRE/SESOL passou a trabalhar nas estratgias de implementao do ponto de vista formal/ institucional. Neste momento, foi necessria a realizao de alguns ajustes na proposta inicial, tendo em vista direcionamentos estratgicos da SETRE e os limites do ponto de vista jurdico. A partir de ento, ficou definida a classificao e apoio s incubadoras em quatro modalidades para o ano de 2008: Incubadoras Universitrias, Temticas, Territoriais e a Incubadora Central do Estado da Bahia. Destas, trs sero operacionalizadas atravs de seleo pblica (edital) por entidades da sociedade civil e universidades e uma atravs de execuo direta pelo Estado. Seria implantada tambm uma modalidade de Incubadora Pblica, em articulao com as prefeituras, a exemplo do que foi feito em Osasco e Londrina; no entanto, tendo em vista o fato de 2008 ser um ano de eleio municipal o que dificulta a articulao e o conveniamento optou-se por no incluir estes entes como executores possveis neste ano, mas apenas a partir de 2009. Ressalte-se que, tendo em vista as demandas apontadas de investimento direto nos empreendimentos econmicos solidrios, o Projeto incorpora, alm dos investimentos necessrios implantao e funcionamento das incubadoras, investimentos nos grupos econmicos solidrios. Este um diferencial, por exemplo, com relao ao PRONINC, que foca sua ao no apoio exclusivo s incubadoras universitrias. Apresentamos, abaixo, as modalidades de incubadora do Projeto Estadual de Incubadoras de Empreendimentos Econmicos Solidrios: Incubadoras Universitrias, Temticas, Territoriais e Central.

Modalidade A Incubadora Universitria de EES uma organizao pertencente Instituio de Ensino Superior e Pesquisa ou Centros Tecnolgicos, pblicos ou privados, formada por equipes multidisciplinares, compostas por professores, funcionrios, alunos de graduao e de ps-graduao que valoriza a interao do meio acadmico com a comunidade, em atividades de economia solidria e que visam efetivas solues de transformao social.

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Modalidade B Incubadora Temtica de EESAs incubadoras temticas representam um tipo de incubadora dedicada incubao de empreendimentos de economia solidria que atuem em um segmento produtivo especfico, fomentando a sua articulao em cadeias produtivas locais ou redes de produo, de comercializao e de consumo. A proposta das incubadoras temticas surgiu a partir de um trabalho realizado em parceria da SETRE/SESOL com duas instituies do Estado durante o ano de 2007 a Bahia Pesca, empresa vinculada Secretaria de Agricultura, Irrigao e Reforma Agrria da Bahia (Seagri) e o Instituto de Artesanato Visconde de Mau, autarquia vinculada SETRE. Nesta atuao conjunta, a SESOL atuava nos aspectos relativos economia solidria e as outras instituies operavam a rea tcnica, expertise das referidas instituies. Com o Bahia Pesca, foi feita uma parceria para formao em economia solidria para pescadores e marisqueiras baianos. A avaliao das oficinas de formao em economia solidria, a despeito de uma carga horria limitada (aproximadamente 20 para cada comunidade, totalizando 14 comunidades atendidas), demonstrou um efeito positivo no pblico, que manifestou o interesse na continuidade do trabalho, assumindo um contorno de incubao. A definio dos locais onde sero instaladas estas incubadoras no ano de 2008 leva em conta consideraes do Bahia Pesca e da sociedade civil, a exemplo da Rede MangueMar e das comunidades locais, priorizando as Reservas Extrativistas (Resex). J com relao ao Instituto Mau, foram realizadas em 2007 aes com a Comunidade quilombola de Dand e com os grupos de Fundo de Pasto de Oliveira dos Brejinhos, Canudos, Jaguarari e Senhor do Bonfim, atendendo a demandas dessas comunidades, voltadas para a formao em economia solidria. Diante da necessidade de continuidade, sero operacionalizadas incubadoras temticas no segmento artesanato.

Modalidade C Incubadora Territorial de EESEstas incubadoras tero como foco a incubao de empreendimentos econmicos solidrios de um determinado Territrio de Identidade, que visa aproximar a vocao e estratgia territorial com o objetivo de desenvolver a cadeia produtiva caracterstica da regio beneficiria e estimular a formao de redes.

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Estas incubadoras podero estar articuladas ou no aos Centros Pblicos de Economia Solidria a serem instalados em Salvador e nos municpios de Vitria da Conquista (Territrio de Vitria da Conquista) e de Feira de Santana (Territrio Portal do Serto). Outros municpios que tm especial ateno so os de: Santo Antonio de Jesus, por conta da problemtica dos fogos de artifcios; e o de Senhor do Bonfim, que constitui uma grande referncia em economia solidria na Bahia. Ressalte-se que, apesar do destaque destes Territrios, as propostas viro da sociedade civil organizada, e podero contemplar outros Territrios de Identidade da Bahia.

Modalidade D Incubadora Central do Estado da BahiaEsta incubadora situa-se no Centro Pblico Estadual de Economia Solidria (CESOL), no municpio de Salvador, mas assume uma abrangncia de atuao em todo o estado da Bahia. A operacionalizao desta incubadora feita de forma direta pelo estado e, para tanto, foi contratada uma equipe formada por profissionais de contabilidade, administrao, servio social, pedagogia e de agentes de desenvolvimento de nvel mdio. Esta incubadora assume prioritariamente dois focos de atuao: a implantao, acompanhamento e monitoramento das aes das incubadoras instaladas, sejam elas universitrias, temticas ou territoriais; e a incubao de redes solidrias. A atuao da equipe, dentro do primeiro foco de atuao, incluir a mobilizao, formao das equipes locais de incubao, acompanhamento e monitoramento das atividades e dos indicadores de incubao, avaliao dos resultados, sistematizao e disseminao. J com relao ao segundo foco, a Incubadora Central ter uma funo de fomentar e incubar a constituio e funcionamento de redes, mas a gesto ser de responsabilidade daqueles que fazem parte de cada rede, tendo em vista caractersticas como descentralizao, gesto participativa, coordenao e regionalizao que visam assegurar a autodeterminao e a autogesto de cada organizao e da rede como um todo. A articulao de redes representa uma estratgia de integrao entre empreendimentos econmicos solidrios de produo, comercializao, financiamento, consumidores e outras organizaes populares em um movimento de realimentao e crescimento conjunto

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sustentvel (Mance, 2003). 12 O objetivo bsico da rede remontar de maneira solidria as cadeias produtivas, integrando produtores de diversas etapas do processo produtivo (de matrias-primas, insumos, produtos finais, servios, etc.), corrigindo fluxos de valores nos produtos tpicos do mercado capitalista, evitando, por exemplo, a atuao dos atravessadores, gerando novos postos de trabalho e distribuindo renda, com a organizao de novos empreendimentos para satisfazer s demandas geradas pela prpria rede, agregando valor produo e estimulando o fortalecimento de cada empreendimento e da rede como um todo. Ressalte-se que at que seja efetuada a instalao das demais incubadoras apoiadas pelo governo do Estado da Bahia, a equipe tcnica da incubadora central vem atuando tambm na realizao de oficinas temticas atendendo s demandas dos empreendimentos solidrios baianos. Tais oficinas envolvem contedos, como: contabilidade, gesto, relaes interpessoais, economia solidria, elaborao de projetos, entre outros. Estas aes tambm vm sendo desenvolvidas pela equipe do CESOL.

3.2. Estratgia de implementao 2008O formato assumido pelas Incubadoras de Empreendimentos de Economia Solidria ser moldado de acordo com as especificidades do locus de implementao. Neste sentido, diversos formatos so possveis, tendo em conta a participao do trip Estado, Sociedade Civil e Universidades. Portanto, para a execuo desta poltica, podero se candidatar: instituies pblicas ou privadas de pesquisa e ensino superior, centros tecnolgicos e entidades da sociedade civil sem fins lucrativos, com notrio conhecimento em economia solidria, desde que estejam em consonncia com as diretrizes do Projeto Estadual. Em 2008, duas parcerias foram oficializadas por meio de dois convnios, um com a Fundao de Amparo Pesquisa do Estado da Bahia FAPESB e a Secretaria de Cincia e Tecnologia (SECTI) e outro com o Instituto de Artesanato Visconde de Mau. A parceria estabelecida com a12 MANCE, E. Economia do trabalho. In: CATTANI, Antonio David (Org.). A outra economia. Porto Alegre: Veraz, 2003. p. 35-45.

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FAPESB/SECTI deve-se ao fato de que a atividade de incubao relaciona-se e implica no desenvolvimento e difuso de tecnologias sociais e a FAPESB uma fundao que tem por misso viabilizar aes de cincia, tecnologia e inovao para o desenvolvimento sustentvel da Bahia. Ao lado disto, est a experincia da FAPESB quanto realizao de chamadas pblicas atravs de edital. A parceria visa apoiar a gerao de trabalho e renda em atividades de Economia Solidria por meio da implantao, apoio, fortalecimento e funcionamento de Incubadoras de Empreendimentos Econmicos Solidrios; e fomentar aes de melhoria da infraestrutura e da gesto de Empreendimentos Econmicos Solidrios, o que dever ser operacionalizado atravs da seleo de propostas. O outro convnio firmado envolve a ao articulada com o Instituto de Artesanato Visconde de Mau, instituio vinculada Secretaria do Trabalho, Emprego, Renda e Esporte, e relaciona-se com a finalidade desse Instituto de executar a poltica de preservao, fomento, promoo e comercializao do artesanato baiano. Sua rea de atuao envolve o fomento produo, atravs da organizao e fortalecimento dos ncleos de produo, associaes e cooperativas, promovendo um estmulo a qualificao dos artesos, apoio e incentivo a divulgao do artesanato baiano por meio da promoo e comercializao de produtos, sem perder de vista o resgate e a preservao das razes culturais do artesanato13. Esta ao ser complementada com as atividades das incubadoras, dando continuidade ao trabalho j realizado durante o ano de 2007. Sero investidos com o Instituto MAU o montante de R$ 760 mil para aplicao nas incubadoras temticas e nos empreendimentos em processo de incubao. Uma vez definida a estratgia, a SESOL passou a divulgar a incubadora e a previso de lanamento dos editais. Foram realizadas apresentaes em municpios de 14 Territrios de Identidade do Estado14, tendo como pblico universidades e organizaes da sociedade civil.

13 Disponvel em http://www.maua.ba.gov.br/. 14 Foram visitados os seguintes Territrios de Identidade: Irec, Serto do So Francisco, Semi-rido, Sisal, Vitria da Conquista, Serto Produtivo, Recncavo, Litoral Sul, Piemonte do Paraguau, Bacia Rio Corrente, Portal do Serto, Extremo Sul e Oeste Baiano

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Em setembro de 2008, foi lanado pela FAPESB um edital para seleo de propostas de incubadoras universitrias, territoriais e temticas no segmento pesca, no valor global de R$ 4 milhes. O valor mximo por proposta submetida foi estipulado em R$ 235 mil, com vigncia de 24 meses. Os recursos destinam-se no apenas a investimento na incubadora, mas tambm aos empreendimentos incubveis, o que ser registrado no formulrio on-line da proposta.15 A realizao do Projeto Estadual de Incubadoras de Empreendimentos Econmicos Solidrios possibilitar a transferncia de conhecimento a setores historicamente excludos economicamente, em uma escala maior do que as universidades e entidades da sociedade civil tm feito, possibilitando a reduo da pobreza atravs da formao e insero produtiva em empreendimentos econmicos sustentveis.

Consideraes finaisA criao da Superintendncia de Economia Solidria SESOL no mbito da Secretaria do Trabalho, Emprego, Renda e Esportes SETRE, do Governo da Bahia, determina, com concretude institucional, a formulao e execuo de uma poltica pblica voltada para outro modelo de desenvolvimento, com princpios e prticas que respeitam o trabalhador, com base na produo coletiva, propriedade comum dos meios de produo, autogesto, respeito ao meio ambiente, viabilidade socioeconmica, respeito s minorias, relaes democrticas, trabalho decente e livre. O intento almejado no se revela fcil no contexto de uma sociedade capitalista hegemnica, o que significa ser imprescindvel uma intensa e continuada sensibilizao e formao derredor dos alicerces terico e prtico que fundamentam a transformao do atual modo de produo e distribuio de riquezas, assim como uma capacitao tcnica e gerencial que sustentem o funcionamento dos grupos produtivos solidrios. A poltica pblica desenvolvida pela SETRE/SESOL o Programa Bahia Solidria prev aes de formao, divulgao, fomento e crdito15 O edital est disponvel no site da FAPESB (www.fapesb.ba.gov.br)

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produtivo aos trabalhadores e trabalhadoras da economia solidria da Bahia, promovendo aes e instrumentos para a organizao e sustentabilidade de empreendimentos econmicos solidrios em suas diversas dimenses: social, poltica, econmica e de gesto. A estratgia de ao adotada pela SETRE/SESOL tem como elementos fundamentais a construo democrtica e execuo articulada em parceria com outras instituies do Estado seja na esfera federal, estadual ou municipal e com a sociedade civil organizada, atravs de entidades de assessoria e fomento e de empreendimentos coletivos, alm de Fruns Nacionais e Estaduais. Sabe-se que o todo sempre maior que a soma das partes, pois outros elementos dinamizadores so agregados a esta operao, como a participao sociopoltica dos trabalhadores, que decidem a respeito dos seus prprios destinos, e por isso as incubadoras, centros pblicos e demais aes do Bahia Solidria podero ser a motivao e elemento catalisador de um desenvolvimento que ultrapassa as fronteiras de cada grupo produtivo, alcanando territrios e o Estado. Os Centros Pblicos e Incubadoras, em conjunto, so aes que atendem a grandes necessidades e demandas dos empreendimentos econmicos solidrios, tais como: espao de comercializao, de acesso ao crdito, de assistncia tcnica, de formao tcnica, gerencial e sociopoltica, entre outros. No entanto, importante frisar que os mesmos no respondem por todas as demandas da totalidade de empreendimentos de economia solidria da Bahia, mas so partes fundamentais de uma poltica pblica estadual de carter estruturante para o setor, permitindo maior participao da sociedade civil no processo de formulao desta poltica pblica estadual e controle social sobre a mesma. A Bahia avana para consolidao desse novo momento, na confiana de conferir solidez a essa outra economia e garantir o legtimo espao para que prospere a vida digna num mundo do trabalho onde as oportunidades decentes se revelem, no apenas pelas garantias da formalidade carteira de trabalho assinada, seguridade social etc. mas, principalmente, pela via da lgica inclusiva e libertadora do Trabalho Solidrio.

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Referncias bibliogrficasFRANA FILHO, Genauto. Terceiro Setor, Economia Social, Economia Solidria e Economia Popular: traando fronteiras conceituais. Bahia Anlise & Dados, Salvador, SEI, v.12, n.1, p. 9-20, jun. 2002. MINISTRIO DO TRABALHO E EMPREGO. Atlas da Economia Solidria no Brasil 2005. Braslia: MTE, SENAES, 2006. MOURA, Suzana; MEIRA, Ludmila. Desafios da gesto em empreendimentos solidrios. Bahia Anlise & Dados, Salvador, SEI, v.12, n.1, p. 77-85, jun. 2002. SINGER, P.; SOUZA, A. R. (Org.). A economia solidria no Brasil: a autogesto como resposta ao desemprego. 2. ed. So Paulo: Contexto, 2003. SOUZA, Gleide; VASCONCELOS, Nilton. Desafio e Sobrevivncia das Cooperativas Populares: Estudo de caso de quatro empreendimentos em Salvador. In: Revista ETC, n. 2. Salvador: CEFET, 2004. REIS, Tatiana. A Sustentabilidade em Empreendimentos da Economia Solidria: Pluralidade e Interconexo de Dimenses. 201f. Dissertao (Mestrado em Administrao) Escola de Administrao, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2004.

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Tecnologia social e incubadoras pblicas: a experincia do Programa Osasco SolidriaDulce Helena Cazzuni, Sandra Fa Praxedes Silva e Maria Paula Patrone Regules*

IntroduoA proposta do texto tornar pblica a experincia que vem sendo construda e acumulada pelo Programa de Economia Popular e Solidria de Osasco, com destaque para a experincia de incubao, atravs da Incubadora Pblica de Empreendimentos Populares e Solidrios/IPEPS. A Incubadora iniciou suas atividades no final de 2004, compreendendo parte de uma poltica pblica, o que refora a responsabilidade de registro e divulgao dos conhecimentos acumulados, potencializando os significados da interveno para alm do tempo e do espao a que esto circunscritas. Apresentaremos um breve relato sobre a implementao da Poltica e do Programa de Economia Solidria, com destaque para a Incubadora Pblica de Empreendimentos Populares e Solidrios: sua razo de ser, seus objetivos e os significados que espera ter para os cidados de Osasco. Fazendo parte da regio metropolitana de So Paulo, o municpio de Osasco apresenta uma dinmica econmica bastante marcada pelos movimentos da industrializao. O municpio experimentou um crescimento acelerado durante a dcada de 1950, com a instalao de indstrias txteis e metal-mecnicas. Na dcada de 1960, a cidade foi palco de lutas e reivindicaes, visando tanto emancipao da cidade (em 1962) quanto

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Gestores da Secretaria Municipal de Desenvolvimento, Trabalho e Incluso de Osasco.

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promoo de melhoria das condies da vida operria (do qual o exemplo mais conhecido a greve de 1968)16. Como sabemos, j no final da dcada de 1970, o milagre do crescimento dava sinais de que estava chegando ao fim. A crise que se iniciava ali duraria muitos anos, durante os quais a populao conviveu com altas taxas de inflao, aumento crescente das taxas de desemprego, sucessivos planos econmicos que no melhoravam em nada a situao (a no ser pelo fato de que facilitavam as contas, ao cortar os zeros que se somavam nossa moeda conforme ela se desvalorizava...). A situao no era nada boa e por essa razo que se falou muito dos anos 80 como uma dcada perdida, na qual o pas cresceu quase nada e assistimos, um pouco tontos, as promessas de progresso serem desfeitas. Ao longo dos anos 90 a crise pareceu estar sendo controlada: veio o Plano Real e a estabilidade da moeda; vieram as eleies, que aumentaram as esperanas de que finalmente estvamos aprendendo a jogar conforme o jogo democrtico. Mas o fato que tambm veio a abertura econmica e o aumento da concorrncia para a indstria nacional que j vinha sofrendo desde a dcada de 80. No foram poucas as empresas que faliram, fecharam, se mudaram (para outro municpio, estado ou pas), enfim: a crise econmica ainda no estava ultrapassada e, para complicar mais a situao, as regras do jogo haviam se modificado. Osasco no escapou das consequncias destas crises. Tendo uma economia baseada principalmente no setor industrial, a cidade sofreu com os fechamentos e deslocamentos das indstrias (que partiam em busca de maiores incentivos fiscais e de trabalhadores com menos cultura operria, isto , menos sindicalizados e menos organizados). Ainda, seguindo o movimento mais geral da economia da Regio Metropolitana de So Paulo, a diminuio dos postos de trabalho localizados na indstria foi acompanhada de um aumento no setor de servios.

16 A organizao coletiva e a mobilizao em torno de necessidades e demandas populares so caractersticas da experincia de cidadania da populao de Osasco. Sobre o tema, ver: NASCIMENTO, Cludio. Do beco dos sapos aos Canaviais de Catende. Braslia, Secretaria Nacional de Economia Solidria/Ministrio do Trabalho e Emprego, 2005 e Caderno CEBRAP 5 Participao e Conflito Industrial: Contagem e Osasco 1968, So Paulo, CEBRAP, (sem data).

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Por um lado, essa era uma boa notcia: afinal, em algum lugar do mercado de trabalho ainda havia empregos! Mas, os trabalhadores, em especial aqueles que tinham trabalhado em empresas grandes e indstrias, sabiam na prtica que se tratava de empregos de pior qualidade, com salrios mais baixos e menos direitos associados. Toda essa histria fez com que, a exemplo de outras cidades, Osasco chegasse ao sculo XXI com diversas reas e setores da populao margem do desenvolvimento econmico e social 17. Como no poderia deixar de ser, as consequncias das transformaes no mundo do trabalho para os cidados provocaram as polticas pblicas municipais a repensar suas estratgias de enfrentamento da pobreza e da falta de trabalho. Algumas experincias comearam ento a surgir, entre elas, a de fomento Economia Solidria como estratgia de incluso social e gerao de trabalho e renda. Alguns municpios foram pioneiros nessas polticas, como: Porto Alegre/RS, Recife/PE, Guarulhos, Santo Andr e So Paulo na gesto Marta Suplicy (2000-2004). Este ltimo desenvolveu o Programa Oportunidade Solidria, por meio da Secretaria de Desenvolvimento Trabalho e Solidariedade. 18 No caso de Osasco, a gesto do prefeito Emdio de Souza (2005-2008) implementou uma estratgia integrada de desenvolvimento social e econmico por meio da Secretaria de Desenvolvimento, Trabalho e Incluso (SDTI). Esta estratgia se desenvolve a partir de trs linhas diferentes de ao, que se complementam para alcanar o objetivo de ruptura com o ciclo estrutural da pobreza: 1) programas redistributivos; 2) programas emancipatrios e 3) programas de desenvolvimento. Aos programas redistributivos cabe a tarefa de melhorar as condies imediatas de vida da populao em situao de pobreza. Por isso,

17 Para uma descrio e reflexo sobre a situao da populao de Osasco, ver os dados apresentados em GUERRA, Alexandre; CAZZUNI, Dulce & COELHO, Rodrigo (Orgs.) Atlas da Excluso Social de Osasco: alternativas de desenvolvimento, trabalho e incluso. Osasco, SDTI/PMO, 2007. 18 No livro Outra cidade possvel Alternativas de incluso social em So Paulo, organizado por Marcio Pochmann, o leitor encontra uma descrio cuidadosa da estratgia adotada em So Paulo. O livro foi publicado em So Paulo, pela Cortez Editora, em 2003.

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tratam-se principalmente de aes de transferncia de renda (alm de seu prprio programa, o municpio trabalha em parceria com os governos estadual e federal). Os programas emancipatrios, como o nome sugere, so os que buscam alavancar a independncia e a sustentabilidade dos beneficirios de maneira a que, aps receberem alguma forma de apoio (capacitao, crdito e/ou assessoria), possam gerar trabalho e renda suficiente para garantir seu sustento. Finalmente, os programas de desenvolvimento visam organizar aes no territrio, como a intermediao de mo-de-obra realizada pelo Programa Osasco Inclui, por exemplo, e as aes pertinentes gesto da informao e desenvolvimento de sistemas, elaborao de estudos e pesquisas, bem como implantao de Centros de Incluso Digital atravs do Programa Osasco Digital.

1. O Programa Osasco SolidriaDentre os programas emancipatrios, encontra-se o Programa Osasco Solidria19, institudo pela Lei Ordinria n 3.978 de 27/12/2005, que estabelece princpios fundamentais e objetivos da poltica de fomento economia popular e solidria do municpio de Osasco. Como no poderia deixar de ser, o marco legal nasce de debates e reflexes especficas do municpio de Osasco, mas tambm fruto das discusses de polticas pblicas de economia solidria aprofundadas em programas que ao longo dos ltimos anos vm sendo executados em outros municpios e estados. Merece salientar a importncia da Rede de Gestores de Polticas Pblicas de Economia Solidria, na construo, em nvel nacional das Polticas Pblicas de Economia Popular e Solidria. A Rede configura-se como uma articulao de gestores e gestoras de governos municipais e estaduais, criada para proporcionar a interlocuo, interao, sistematizao e proposio de polticas pblicas governamentais, alm de realizar projetos comuns para o fomento e o desenvolvimento da economia popular solidria.19 O Programa Osasco Solidria foi institudo pela Lei n 3978, de 27 de dezembro de 2005.

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Assim, foram construdos os objetivos da Poltica de Fomento Economia Popular e Solidria de Osasco, dentre os quais, destacamos:contribuir para a erradicao da pobreza e da marginalizao, reduzindo as desigualdades sociais no Municpio de Osasco; contribuir para o acesso dos cidados ao trabalho e renda, como condio essencial para a incluso e mobilidade sociais e para a melhoria da qualidade de vida; fomentar o desenvolvimento de novos modelos scio-produtivos coletivos e autogestionrios, bem como a sua consolidao, estimulando inclusive o desenvolvimento de tecnologias adequadas a esses modelos; incentivar e apoiar a criao, o desenvolvimento, a consolidao, a sustentabilidade e a expanso de empreendimentos populares e solidrios, organizados em cooperativas ou sob outras formas associativas compatveis com os critrios fixados nesta lei; estimular a produo e o consumo de bens e servios oferecidos pelo setor da Economia Popular e Solidria; fomentar a criao de redes de empreendimentos populares e solidrios e de grupos sociais produtivos, assim como fortalecer as relaes de intercmbio e de cooperao entre os mesmos e os demais atores econmicos e sociais do territrio onde esto inseridos; promover a intersetorialidade e a integrao de aes do Poder Pblico Municipal que possam contribuir para a difuso dos princpios e objetivos estabelecidos nesta lei; criar e dar efetividade a mecanismos institucionais que facilitem sua implementao. 20

Para os efeitos da poltica pblica de fomento Economia Popular e Solidria, sero considerados empreendimentos populares e solidrios aqueles organizados sob a forma de cooperativas, associaes, grupos comunitrios para a gerao de trabalho e renda, empresas que adotem o princpio da autogesto equitativa, redes solidrias e outros grupos populares que preencham os requisitos legais necessrios formalizao da pessoa jurdica e que possuam as seguintes caractersticas: serem organizaes econmicas coletivas e suprafamiliares permanentes, compostas de trabalhadores urbanos ou rurais; serem os membros do empreendimento proprietrios do patrimnio, caso exista; serem empreendimentos

20 Objetivos da Poltica e do Programa Osasco Solidria, Lei n 3.978, de 27 de dezembro de 2005.

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organizados sob a forma de autogesto, garantindo a administrao coletiva e soberana de suas atividades e da destinao dos seus resultados lquidos a todos os seus membros; terem adeso livre e voluntria dos seus membros; desenvolverem cooperao com outros grupos e com empreendimentos da mesma natureza; buscarem a insero comunitria, com a adoo de prticas democrticas e de cidadania; desenvolverem aes condizentes com a funo social da empresa e a preservao do meio ambiente. Osasco torna-se uma das cidades no Pas (como o caso tambm do municpio de Santo Andr) a estruturar uma Incubadora Pblica de Empreendimentos Econmicos Populares e Solidrios IPEPS. Sua criao, estratgias e metodologia significaram um grande avano no campo das polticas pblicas e uma das maiores conquistas do Programa implantado no municpio.21 At ento, existiam no Brasil iniciativas semelhantes ligadas s universidades e ao terceiro setor, com a funo de apoiar e fomentar novos modelos visando gerao de trabalho e renda de forma coletiva. Essas experincias demonstraram a necessidade de aes concretas do ponto de vista da gesto pblica, desde a construo de uma legislao especfica; regulao de fundos estveis para financiamento das polticas; mecanismos para a participao e o controle social; at a criao de espaos que possam ser referncia para a populao. E exatamente este o caminho que Osasco vem trilhando.

2. A Incubadora Pblica de Empreendimentos Populares e Solidrios IPEPSA Incubadora Pblica de Empreendimentos Populares e Solidrios IPEPS uma das aes da Prefeitura Municipal de Osasco, atravs da Secretaria de Desenvolvimento, Trabalho e Incluso, que integra o Programa Osasco Solidria. Sua tarefa apoiar empreendimentos econmicos e solidrios de modo que se estruturem e alcancem viabilidade econmica e associativa,21 Caderno Construindo uma Economia Mais Justa e Solidria. Osasco, 2008.

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gerando trabalho e renda, funcionando de acordo com os princpios da economia solidria (Decreto N 9.823, Artigo 2). A Incubadora Pblica, criada no dia 4 de outubro de 2007 pelo Decreto N 9.823, constitui um espao pblico destinado s aes de fomento ao processo de incubao, de apoio organizao, consolidao e sustentabilidade de empreendimentos econmicos solidrios sediados no Municpio de Osasco (Artigo 2). Do incio de 2006 at maro de 2008, o Programa Osasco Solidria, atravs da Incubadora Pblica de Empreendimentos Populares e Solidrios, j sensibilizou 10.087 pessoas do municpio de Osasco; atendeu em processos de pr-incubao aproximadamente 3.471, e em processos de incubao, 626 pessoas. Atualmente, a Incubadora apia e orienta 27 empreendimentos. Destes, oito j esto constitudos juridicamente (dois como cooperativas do segmento da Reciclagem a Coopernatuz e a Coopermundi; um empreendimento na rea cultural, denominado Boca de Pano; dois na rea da alimentao Meninas do Quilombo e Camafeu Dourado; dois na rea de costura e confeco, a Unitrama e o C.C.O Cooperativa de Costura de Osasco; e um na rea do artesanato/rede). Os demais empreendimentos encontram-se em diferentes estgios no processo de Incubao. Portanto, ao mesmo tempo em que existe o equipamento pblico enquanto espao de referncia e de apoio aos Empreendimentos de Economia Solidria , a ao de incubao vem sendo desenvolvida de forma descentralizada em todo o territrio do municpio de Osasco, com atividades prioritrias organizadas nas seguintes reas: formao e incubao; apoio capacitao tcnica, tecnolgica e profissional; apoio constituio de espaos de intercmbio e de redes solidrias de produo, consumo e comercializao, conhecimento e informao; apoio pesquisa, inovao, desenvolvimento e transferncia de tecnologias finalidade do negcio; assessoria tcnica nas reas de gesto financeira, contbil, econmica e jurdica; apoio ao acesso de linhas de crdito e s polticas de investimento social. Podemos dizer, portanto, que a criao da Incubadora Pblica de Empreendimentos Populares e Solidrios IPEPS, como parte de uma poltica pblica de desenvolvimento e gerao de trabalho e renda, encontra seu

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sentido no momento em que o mundo do trabalho, tal qual o conhecamos, deixa de existir. certo que ainda existem empregos, mas ainda mais certo que existem em nmero insuficiente para incluir toda a populao em idade de trabalhar. Ento, qual alternativa resta queles que no encontram emprego? A aposta da Prefeitura Municipal de Osasco a de que espaos no mercado de produtos, bens e servios podem ser ocupados por empreendimentos populares e empreendimentos econmicos solidrios EES. Mas as chances dessa insero aumentam quando estes trabalhadores tm a possibilidade de acessar instrumentos como: capacitao tcnica e em gesto, tecnologias e microcrdito. A idia de incubadora de EES bastante nova para o pblico que vem sendo atendido e, por isso, numa das reunies com os empreendimentos, um membro de um dos grupos comentou estou muito feliz de estar aqui participando da estufa!. Todo mundo caiu na gargalhada... Mas o fato que talvez a estufa seja mesmo uma imagem mais adequada para pensarmos sobre o papel de uma Incubadora de Empreendimentos/EES. Na Incubadora, os EES recebem apoio. Mas esse apoio no total e irrestrito: a responsabilidade compartilhada. A Incubadora entra com a gua, a terra mais rica em adubo, a proteo contra as dificuldades de um pequeno negcio (em especial no que se refere gesto financeira e da produo). Mas cabe planta, isto , ao empreendimento, a tarefa de aproveitar todo esse cuidado para se desenvolver o mximo possvel. No caso da Incubadora de Empreendimentos Populares e Solidrios de Osasco, o apoio consiste tanto na assessoria direta aos grupos/empreendimentos econmicos solidrios quanto na qualificao dos indivduos que compem esses grupos/empreendimentos, por meio de atividades de formao socioeducativas, capacitaes, oficinas e cursos para a gesto do empreendimento. Alm dos cursos e assessorias desenvolvidos junto aos grupos, a Incubadora tambm procura estimular experincias de produo e comercializao mais coletivas, possibilitando que os empreendimentos saiam da incubao com experincias concretas. Desta forma, tambm tenham como perspectiva estratgias coletivas de produo e comercializao, aumentando a viabilidade econmica dos EES e visando o desenvolvimento local sustentvel.

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