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normas de inventário ETNOLOGIA tecnologia têxtil

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  • normasde inventrio

    ETNOLOGIA

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    ETN

    OLO

    GIA

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    xtil

    NORMAS DE INVENTRIO

    Publicadas: Normas Gerais. Artes Plsticas e Artes Decorativas Txteis Cermica / Cermica de Revestimento Etnologia / Alfaia agrcola Arqueologia Escultura Mobilirio Etnologia / Tecnologia Txtil

    A publicar: Pintura Cermica Esplio Documental Arqueologia / Cermica Utilitria

    tecnologiatxtil

  • Fundo Europeude DesenvolvimentoRegional

    tecnologiatxtil

  • tt

  • normasde inventrio

    ETNOLOGIA

    tecnologiatxtil

  • T E X T O

    Cludia Almeida, Joaquim Pais de Brito, Patrcia Melo

    R E V I S O

    Joaquim Pais de Brito, Paulo Ferreira da Costa, Paulo Maximino

    F O T O G R A F I A

    Antnio RentoArquivo Museu Nacional de EtnologiaBenjamim PereiraArquivo Centro de Estudos de Etnologia / Museu Nacional de EtnologiaJoaquim Pais de BritoArquivo Museu Nacional de EtnologiaJorge DiasArquivo Centro de Estudos de Etnologia / Museu Nacional de EtnologiaJos PessoaDiviso de Documentao Fotogrfica / Instituto Portugus de MuseusMariano FeioArquivo Centro de Estudos de Etnologia / Museu Nacional de Etnologia

    D E S E N H O

    Cludia AlmeidaArquivo Museu Nacional de EtnologiaFernando GalhanoArquivo Centro de Estudos de Etnologia / Museu Nacional de EtnologiaManuela CostaArquivo Museu Nacional de Etnologia

    C O O R D E N A O D E E D I O

    Direco de Servios de Inventrio / Instituto Portugus de Museus

    C O N C E P O E E X E C U O G R F I C A

    tvm designers

    P R - I M P R E S S O E I M P R E S S O

    Cromotipo

    Instituto Portugus de Museus. Todos os direitos reservados1. edio, Abril de 2007

    ISBN n. 978-972-776-326-9

    Dep. Legal n. 258292/07

  • A G R A D E C I M E N T O S

    Os nossos primeiros agradecimentos vo para quem coor-denou, em anos sucessivos, os dois estgios que esto na ori-gem destas normas, Paulo Ferreira da Costa e que, no Instituto Portugus de Museus, acompanhou todo o processo de edio. O primeiro daqueles estgios teve a sua coordenao partilhada com Ana Margarida Campos, e a eles se juntaram os colabora-dores que no museu apoiaram vrias fases da sua preparao e concretizao tanto individualmente como no mbito dos seminrios de discusso das metodologias de trabalho e de definio das categorias e subcategorias que constituem o the-saurus de referncia para o Museu Nacional de Etnologia. De igual forma agradecemos a Benjamim Pereira pelos indispens-veis esclarecimentos fornecidos, designadamente no que res-peita s operaes de tratamento do linho.

    E queremos agradecer a todos aqueles que no museu cola-boraram de forma activa neste mesmo acompanhamento, pos-sibilitando a reunio da documentao bibliogrfica e icono-grfica, associada ao inventrio, aos relatrios finais produzidos e ao presente livro. Os comentrios de todos foram preciosos. Sem eles, os estgios de iniciao ao estudo e inventrio de coleces, no seriam possveis.

    Joaquim Pais de Br it o Director do Museu Nacional de Etnologia

  • 7

    APRESENTAO

    De uma forma quase incontornvel, o segundo Caderno de Normas de Inventrio para coleces etnogrficas dedicado tecnologia txtil, quer pela sequncia lgica entre prticas agr-colas e processos de transformao de fibras vegetais na cadeia operatria de produo de txteis, quer pela ampla representa-tividade desta tipologia de cultura material, a par das de alfaia agrcola e de transportes tradicionais, em inmeras coleces e museus etnogrficos, um pouco por todo o Pas.

    Beneficiando de utilizao conjunta com o volume de Normas de Inventrio para Alfaia Agrcola (e Transportes Tradicionais), designadamente no que respeita aos procedimen-tos a adoptar no preenchimento da generalidade dos campos do Matriz, o presente Caderno assume-se como um completo repositrio do conhecimento que, desde o momento da sua constituio, o Museu Nacional de Etnologia tem vindo a pro-duzir sobre o universo da tecnologia txtil, conhecimento ante-riormente difundido atravs de exposies e edies diversas, e cuja divulgao se v agora reforada na perspectiva estrita do inventrio e documentao desta tipologia do patrimnio cultural mvel.

    Assegurando a continuidade do slido processo de consti-tuio e documentao de coleces etnogrficas de que her-deiro, este volume de Normas de Inventrio revela igualmente a actualidade daquele trabalho inicial luz da normalizao e digitalizao dos inventrios que o Museu agora desenvolve no contexto da utilizao do Matriz: Inventrio e Gesto de Coleces Museolgicas.

    Sendo o resultado de uma abordagem global, de acordo com procedimentos metodolgicos comuns, da coleco de tec-nologia txtil mais representativa a nvel nacional, destaco assim o carcter sistemtico deste Caderno, que, para cada registo de

    A P R E S E N T A O

  • 8 E T N O L O G I A . T E C N O L O G I A T X T I L

    inventrio, e independentemente da simplicidade formal de um mao do linho ou da complexidade operacional de um tear, combina num equilbrio particularmente bem conseguido os planos mais gerais do seu enquadramento tipolgico e funcio-nal e a restituio aos contextos especficos da sua produo e utilizao.

    Destaco ainda a importncia deste trabalho pela articulao que efectua entre patrimnio cultural mvel, razo primeira da existncia do Museu e cerne da sua actividade, e outros patri-mnios cujo conhecimento indispensvel para a devida com-preenso de muitas categorias de objectos de entre as coleces etnogrficas. Desde logo, o patrimnio imvel, para os quais nos remetem os inventrios de verdadeiros mecanismos da era pr--industrial como os pises e os engenhos do linho. E, em plano de igual importncia ao das prprias coleces, o patrimnio imaterial, documentado com particular relevncia nos fundos documentais do Museu Nacional de Etnologia desde a sua fundao, em particular nos seus fundos de imagem, fixa ou em movimento, e que, em conjunto com os objectos, nos revelam e remetem para inmeros planos da vivncia dos grupos e dos indivduos, como este Caderno bem exemplifica, em particular no til Quadro-Sntese da cadeia operatria de produo/trans-formao do linho.

    Uma palavra de sincero agradecimento assim devida ao Director do Museu Nacional de Etnologia, Joaquim Pais de Brito, a Cladia Almeida e a Patrcia Melo, que no Museu efec-tuaram a sua formao prtica no inventrio e documentao da respectiva coleco de tecnologia txtil, bem como a Paulo Ferreira da Costa, Director de Servios de Inventrio do IPM, por todo o empenho demonstrado na realizao deste volume de Normas de Inventrio.

    MANUEL BAIRRO OLEIRO Director do Instituto Portugus de Museus

  • INTRODUO: NORMAS E EXPERIMENTAO 15

    CLASSIFICAO 31

    CATEGORIA 33

    SUBCATEGORIA 34

    NORMAS DE DESCRIO 40

    A. PRODUO DE TXTEIS TECIDOS 44

    1. Equipamento de tosquia 44

    1.1. Tesouras de tosquia 44

    2. Equipamento de tosquia / acessrios e correlacionados 45

    2.1. Sacos 45

    3. Instrumentos de ripagem 45

    3.1. Ripos 45

    4. Equipamento de maagem 47

    4.1. Maos 47

    4.2. Gramas 47

    4.3. Engenhos do linho 49

    4.3.1. Engenhos de traco hidrulica 49

    4.3.2. Engenhos de traco animal 52

    5. Instrumentos de espadelagem 54

    5.1. Espadelas 54

    5.2. Espadeladouros 56

    6. Instrumentos de assedagem e preparao da estopa 58

    6.1. Sedeiros 58

    6.2. Pentes e restelos 59

    7. Instrumentos de cardagem 60

    7.1. Cardas 60

    7.2. Pentes 61

    8. Equipamento de fiao 62

    8.1. Rocas 63

    8.2. Fusos 68

    8.3. Equipamento de fiao / acessrios e correlacionados 70

    8.3.1. Espichas 70

    8.4. Rodas de fiar 71

  • 9. Instrumentos de elaborao de meadas 75

    9.1. Sarilhos 75

    9.2. Instrumentos de elaborao de meadas / acessrios 78 e correlacionados

    9.2.1. Dobadoura 78

    10. Equipamento de barrela 78

    10.1. Barreleiros 78

    11. Instrumentos de dobagem 80

    11.1. Dobadouras 80

    12. Equipamento de tecelagem 84

    12.1. Preparao da trama 85

    12.1.1. Caneleiros 85

    12.2. Preparao da urdidura 87

    12.2.1. Urdideiras 87

    12.2.2. Noveleiros 90

    12.2.3. Espadilhas 91

    12.3. Montagem da urdidura no tear 91

    12.3.1. Restilhos 91

    12.4. Tecelagem 93

    12.4.1. Teares de pedal 93

    12.4.1.1. Lanadeiras 99

    12.4.1.2. Pesos de tear, cambitos e correias 100

    12.4.1.3. Pentes 102

    12.4.1.4. Esticadores 103

    12.4.1.5. Medidas de comprimento 104

    12.4.2. Teares verticais 105

    12.4.2.1. Esptulas, espadeles e palhetas 108

    12.4.3. Teares de grade 108

    12.4.3.1. Pentes de franjas 111

    12.4.3.2. Espadilhas de franjas 112

    12.4.4. Teares de pedras 113

    13. Equipamento de pisoagem 114

    13.1. Piso 114

  • B. PRODUO DE TXTEIS NO TECIDOS 117

    14. Equipamento de produo de linha e corda 117

    14.1. Forcas para fazer cordo 117

    14.2. Torcedores e mquinas de torcer fio 117

    14.3. Rodas de fazer corda, tbuas, carros e cipotes 119

    15. Equipamento de produo de malhas e rendas 123

    15.1. Canhes de fazer meia 123

    15.2. Ganchos de fazer meia 123

    15.3. Forcas de fazer borlas 124

    15.4. Almofadas de bilros 125

    15.5. Bastidores 128

    16. Equipamento de costura 130

    16.1. Agulheiros 130

    ANEXOS 131

    LXICO COMPLEMENTAR 133

    QUADRO-SNTESE DAS OPERAES DE PRODUO 149E TRANSFORMAO DO LINHO

    FICHAS MATRIZ 159

    BIBLIOGRAFIA / FILMOGRAFIA 171

    TECNOLOGIA TXTIL E TECNOLOGIAS RELACIONADAS 174

    INVENTRIO E SISTEMAS DE CLASSIFICAO 177

    OUTRAS LEITURAS 178

    FILMOGRAFIA 179

  • 14 E T N O L O G I A . T E C N O L O G I A T X T I L

  • 15I N T R O D U O

    INTRODUO: NORMAS E EXPERIMENTAO

    A actividade dos museus conduziu definio de critrios, cuidadosamente normalizados, de elaborao de inventrios para tornar possvel e eficaz o trabalho de quem tem de descre-ver, compreender, conservar ou divulgar uma coleco; o aces-so e consulta de todos aqueles que se interessem pelos temas que essa mesma coleco pode ilustrar; e tambm, num quadro de relacionamento institucional que atravessa fronteiras, a comparao e compreenso mais ampla dos universos revela-dos ou documentados pelos objectos dessas coleces. Este instrumento de trabalho encontra a sua justificao primeira na realidade material dos objectos a inventariar num plano de eficcia tcnica, enquanto registo e controlo de um acervo a preservar. Assim, muitas vezes entendido que a vertente prin-cipal do inventrio se prende com a identificao e segurana das coleces, sempre referenciadas s condies da sua exis-tncia fsica e arrumao logstica no espao do museu. Por isso tambm as normas de inventrio tenderem a ser entendi-das como um procedimento de registo pragmtico, no obri-gando a grandes questionamentos. Gostaramos de lembrar como elas so, no entanto, um meio de deteco e proposta de problemas e de construo de conhecimento com o que de certeza e dvida este necessariamente transporta. O que dize-mos torna-se tanto mais de atender quanto em relao s colec-es etnogrficas dos nossos museus, ou de pases que, como Portugal, sofreram as grandes transformaes de uma socieda-de tradicional marcadamente rural, elas revelam um tempo passado ilustrado por uma multiplici dade de objectos, artefac-tos, tecnologias, que raramente so observados em uso e que criam modelos de representao onde memria, imaginao e esquecimento se combinam, e que tambm hoje ser impor-tante perceber para ajudar a construir a historicidade da pr-

  • 16 E T N O L O G I A . T E C N O L O G I A T X T I L

    pria coleco do museu e dos registos da sua fruio junto do pblico.

    A tecnologia txtil constitui um campo (junto com muitos outros) onde estes aspectos podem e devem ser problematiza-dos, na sequncia do que foi dito a propsito das normas de inventrio da alfaia agrcola que o Museu de Etnologia elabo-rou1. Estas notas tm, assim, o propsito de esboar um peque-no enunciado de questes.

    O corpus de objectos, documentao e informao que constitui o ponto de partida para a presente proposta de normas de inventrio da tecnologia txtil, tem na sua origem o grupo de investigadores que, em Portugal, a partir de finais dos anos de 1940, foram determinantes no desenho e construo do campo da etnologia, em moldes que contemplavam o carcter sistem-tico das recolhas, a interrogao do pas em toda a sua extenso, o estabelecimento de prioridades para os temas inquiridos e o recurso a tcnicas de registo, como o desenho, a fotografia

    1 BRITO, Joaquim Pais de; CAMPOS, Ana Margarida; COSTA, Paulo Ferreira da (2000), Normas de Inventrio Etnologia Alfaia Agrcola, Lisboa, Instituto Por-tugus de Museus.

    Com trs dcadas de distncia,

    na mesma aldeia, Rio de Onor,

    os mesmos objectos, os mesmos

    gestos.

    esquerda: Tia Ana Maria

    a maar o linho. Jorge Dias, 1948.

    direita: Tia Angelina a maar

    o linho. Joaquim Pais de Brito,

    1976.

  • 17I N T R O D U O

    e o filme, decisivos como meio de documentao, num con-texto entendido como de urgncia, dadas as mutaes que, no terreno, se observavam ou anteviam, com consequncias para o desaparecimento dos elementos da cultura material em estu-do e objecto de recolha. Esse grupo, fortemente marcado pela personalidade de Jorge Dias, contou com Margot Dias, Ernesto Veiga de Oliveira, Fernando Galhano, Benjamim Pereira e, com outros investigadores que se lhes associaram, veio a estar na origem do Museu Nacional de Etnologia (criado em 1965 com a designao de Museu de Etnologia do Ultramar). aqui que as coleces constitudas hoje se encontram, integrando as Galerias da Vida Rural, uma das reservas abertas ao pblico. A recolha que lhes est na origem deu lugar a obras de refern-cia numa aproximao cientfica e sistemtica que possibilita a sua compreenso. Muitos dos objectos pertencentes a esse acervo foram ainda mostrados em exposies cujos catlogos desenvolveram esse mesmo conhecimento, divulgando-o, tanto no plano comparativo quanto no plano da sua expresso mais geograficamente localizada2. Foi tambm sobre esta extensa coleco dos objectos que formam o conjunto da tecnologia txtil que incidiu a realizao dos estgios de dois jovens antro-plogos que, em anos sucessivos, procederam ao seu estudo e inventrio informatizado3. O resultado desse trabalho, apoiado

    2 Veja-se na bibliografi a as principais publicaes da autoria deste grupo de investiga-dores (OLIVEIRA, GALHANO, 1977; OLIVEIRA, GALHANO, PEREIRA, 1978; PEREIRA, 1961, 1967, 1985, 2003). Lembremos tambm algumas das principais exposies realizadas pela equipa do museu ou com a sua participao: Traje popular (Museu do Traje, Lisboa, 1977), Trs-os-Montes a mo do homem (Vila Real, 1983), Tx-til, tecnologia e simbolismo (MNE, 1985), O po e o bragal (Paredes de Coura, 1985), Panos de Cabo Verde e Guin Bissau (MNE, 1996).

    3 Estes estgios PRODEP resultaram do protocolo estabelecido entre o ISCTE e o MNE. O primeiro, da autoria de Patrcia Melo, decorreu entre 1999 e 2000, e re-sultou no relatrio Estudo e Informatizao da Coleco de Tecnologia Txtil do MNE: da Ripagem Fiao do Linho (2000). O segundo, conduzido por Cludia Almeida, decorreu entre 2000 e 2001, e resultou no relatrio Estudo e Informatizao da Coleco de Tecnologia Txtil do MNE: da Fiao Tecelagem do Linho e da Tosquia Pisoagem da L (2001).

  • 18 E T N O L O G I A . T E C N O L O G I A T X T I L

    naquele slido conhecimento produzido pelos investigadores que criaram o museu, veio a traduzir-se na elaborao destas normas de inventrio. Trata-se de estgios que procuram arti-cular a investigao, a formao e a aquisio de experincia institucional, e que o museu continua a desenvolver. Uma das dimenses que eles permitem discutir , precisamente, a dos objectivos e dos sentidos bvios, implcitos mas tambm contraditrios, com que lidamos ao trabalhar com normas de inventrio. Julgamos pertinente referir alguns desses aspectos.

    Tratando-se de um universo muito bem documentado quanto procedncia dos objectos e quanto s suas morfologias e tipologias, torna-se num importante contributo para o conhe-cimento tecnolgico do processo de transformao de fibras de origem vegetal ou animal, voltado para a produo de tecidos de todo o tipo e finalidades. tambm um lugar de revelao de uma sociedade em todos os planos da sua existncia, desde o espao mais reservado da casa, aos trajes que se exibem, e a todos os usos inerentes actividade agrcola e pastoril. Com ele se manifestam modelos, padres, recorrncias, manchas mais ou menos localizadas ou extensas de diversidades. Estas esto j presentes nos prprios objectos, artefactos, tecnologias, e nos procedimentos tcnicos e expresso social das formas de organizao do trabalho, da transmisso do conhecimento e da circulao das produes, da funcionalidade e expres-so social dos seus usos e das prprias denominaes locais. E, obviamente, esto sobretudo presentes na riqussima diver-sidade dos txteis e nos modos como vm a ser marcadores de identidade, com todos os processos de emblematizao de que passaram a ser parte. Estes, que no passado puderam ser fortemente codificados, ocorrem, tambm hoje, exactamente quando a utilizao frequente e disseminada das tecnologias e processos tradicionais do trabalho com as fibras txteis se rarefaz e perde a significao econmica e social de articulao com os quotidianos do trabalho e da festa de uma sociedade

  • 19I N T R O D U O

    tradicional. Os instrumentos prprios daquele trabalho vo deixando de estar em uso, abandonam-se, esquecem-se num canto, um ou outro guardado como lembrana, e muitos deles sero reencontrados na procura de testemunhos para contar a histria de uma actividade passada numa sociedade profundamente transformada.

    *

    No devir das transformaes que, nas ltimas dcadas, foram atravessando uma sociedade marcadamente rural, o tra-balho artesanal do txtil, com recurso aos objectos e tecnologias aqui descritos, caiu em desuso e, um pouco por todo o lado, foi abandonado. , agora, importante perceber, nos casos em que persiste, em que condies se d essa permanncia, que novos factores se conjugam para a tornar possvel ou mesmo rentvel, que novas configuraes econmicas e culturais projecta, que propostas traz. No podemos nunca limitar-nos compreenso da materialidade, morfologia e funcionalidade de um objecto, artefacto ou tecnologia, sem o devolver aos contextos do seu uso. Ora, a permanncia de um objecto transporta consigo

    Mulher a fiar, Almodvar.

    Mariano Feio, [dcada de 1940?].

  • 20 E T N O L O G I A . T E C N O L O G I A T X T I L

    a iluso da permanncia dos processos e da prpria realida-de social e econmica a que corresponde quando, muitas vezes, com o mesmo objecto se fazem outras coisas, de outras maneiras, com outras pessoas, e em condies de trabalho muito diversas. com este mesmo esforo de entendimento que melhor podemos situar o fim desta actividade em todos os casos em que efectivamente isso ocorreu, a propsito de coleces concretas que tenhamos sob estudo neste ou naquele museu. Importa, pois, que o objecto no seja apenas remetido para uma contextualizao genrica da sua funo e condies de utilizao, o que sendo j em si mesmo um passo impor-tante para a sua compreenso, se torna claramente insuficiente, apesar de ser esta provavelmente a prtica mais recorrente. Ultrapassar esta metodologia de trabalho que de algum modo as normas de inventrio como tecnonmia abstracta induzem conduz-nos necessariamente a uma ateno mais aguda historicidade das prticas, dos processos e dos objectos que nelas esto implicados e so, afinal, aqueles que o museu quer guardar e dar a conhecer. Por isso, o prprio desaparecimento da actividade deve ser documentado com recurso s memrias locais, junto dos ltimos protagonistas nela implicados, tarefa tanto mais facilitada quanto esta adquire maior expresso e visibilidade, como ocorre, por exemplo, com a utilizao dos teares. As normas de inventrio podem tambm ser postas ao servio desta interrogao que induz atribuio de uma plu-ralidade de sentidos aos objectos sem que a sua classificao e catalogao os encerre num olhar demasiado simplificador. Falar de historicidade tambm falar do seu percurso em con-textos de uso ou de abandono que sempre o das relaes que as pessoas estabeleceram com eles.

    Esta conscincia da passagem do tempo e das transfor-maes que ele traz deve ser posta em articulao com o campo das inovaes que trouxe outras mquinas e outros procedimentos tcnicos que substituram as prticas dos

  • 21I N T R O D U O

    Com trs dcadas de distncia,

    na mesma aldeia, Rio de Onor,

    os mesmos objectos, os mesmos

    gestos.

    Em cima: Tia Domingas e tia

    Joana a fiar a l. Jorge Dias,

    1948.

    Em baixo: Tia Clemncia a fiar o

    linho. Joaquim Pais de Brito, 1976.

  • 22 E T N O L O G I A . T E C N O L O G I A T X T I L

    velhos utenslios do trabalho do txtil. Falamos de todo o processo de industrializao e a sua expresso econmica, social, demogrfica. Para alguns museus e para algumas loca-lidades ou regies onde este fenmeno foi mais intenso, esta substituio trazida pela indstria do txtil permite propor paralelismos e comparaes entre objectos, instrumentos ou partes de maquinaria com as mesmas funes daqueles que estas normas contemplam. tambm esta uma maneira de sair de uma coleco de objectos tradicionais de tecnologia txtil para a realidade mais ampla e complexa da produo mecanizada e industrial, e dos contextos sociais, econmicos e polticos em que se processa. Ser possvel deixar de falar da profunda crise que veio a afectar a indstria txtil, em regies bem circunscritas do pas, num contexto de globalizao e de fluxos de concorrncia, com as gravssimas consequncias do desemprego e das alteraes e fragilidades sociais que insti-tui, ao expor o fuso, a roca, a espadela, o espadelador, o tear da sociedade pr-industrial dessas mesmas regies? Como acrescentar, tambm atravs da materialidade dos objectos, essa dimenso de uma dolorosa temporalidade que acompa-nhou o desenvolvimento e pujana de uma actividade e da sua profunda crise? Certamente no podero ficar sozinhos numa sala de exposio os instrumentos tradicionais dessa actividade, como se os dedos que enrolaram o fio do linho ou da l tivessem parado num tempo devoluto e apaziguado de tenses e conflitos.

    Apesar das normas de inventrio que aqui so propostas se destinarem a dar conta de acervos constitudos no universo de uma sociedade rural tradicional, elas so sobretudo pensadas para ser utilizadas no mbito da actividade de um museu, e este pode sempre encontrar modos de propor e fazer o exerccio destas articulaes aqui referidas. O pas revela manchas muito caracterizadas onde maior pujana e expresso quantitativa teve a actividade industrial txtil, dado fundamental para pr em relevo uma geografia que contempla e confronta as paisa-

  • 23I N T R O D U O

    gens e as actividades ligadas ao pastoreio e aos cultivos, os modos de manufactura ainda em quadro familiar, e a moderni-dade que instaurou processos de trabalho e modelos de organi-zao radicalmente diferentes4. Por isso, todas as sugestes de leitura que revelem, a propsito deste ou daquele objecto, rela-es, continuidades, rupturas, so um relevante contributo da aco do museu.

    *

    Naturalmente relacionado com os dois aspectos antes referidos, igualmente importante ter em conta as situaes em que, atravs dos processos tradicionais da fabricao txtil se procuram inovaes, novos consumidores e novos usos, e se dinamizam situaes de retoma, formao e aprendizagem, e abertura para novos mercados com novas propostas. Foram surgindo pelo pas, focos onde se desenvolvem oficinas, associaes, relacionamentos com os criadores, feiras, esta-belecimentos especializados na comercializao de produtos. E tambm os objectos se transformam quando, por exemplo, se encomendam e fabricam novos teares ou outros instru-mentos de trabalho. E as pequenas alteraes no processo de fabrico que da decorrem, so tambm reveladoras das leituras que podemos fazer em relao queles mesmos ins-trumentos de trabalho, de feitura local e de uso tradicional. O museu pode, certamente, ter um papel dinamizador ou indutor destes processos de abertura e inovao, com virtua-lidades que permitem situar as prprias normas de inventrio num lugar de questionamento das prticas museolgicas, desde logo no que concerne consti tuio dos acervos e

    4 Vejam-se, por exemplo, as publicaes relativas a duas dessas zonas do pas que desenvolveram ncleos museolgicos. Referimo-nos ao Catlogo do Museu de Lani-fcios da Universidade da Beira Interior. Ncleo da Tinturaria da Real Fbrica de Panos (1998), com coordenao de Elisa Calado Pinheiro e ao Boletim Informativo do Museu da Indstria Txtil da Bacia do Ave, com incio de publicao em 1990.

  • 24 E T N O L O G I A . T E C N O L O G I A T X T I L

    hierarquias que implicitamente valoram os objectos que os integram. Junto aos que foram incorporados depois de muitas dcadas de uso, com as marcas do tempo e do seu manuseio, existem aqueles que foram fabricados para hoje serem utili-zados no mbito de projectos e programas focados sobre a produo artesanal txtil. E estes so j indissociveis da pr-pria histria da sociedade portuguesa, das transformaes que sofreu, dos processos de patrimonializao que recuperam ou impedem o desaparecimento de materiais e modelos que so, eles prprios, uma ilustrao e revelao da capacidade e diversidade de expresso plstica. Por outro lado, com eles se abrem formas de experimentao, com propostas dos novos criadores de moda, que os trazem para uma actualidade que ajuda a uma interrogao mais criativa dos objectos que estas normas descrevem5.

    *

    As normas de inventrio desenham um campo de neces-sidade marcado pela objectivao, economia, capacidade de anlise e de sntese, que orientam a nossa relao com os objectos e o conhecimento que com eles se produz. Elas apontam para a proposta de uma soluo considerada cor-recta, e com elas se enfatiza uma univocidade de sentido. O estudo das coleces, muito especialmente se elas integram o acervo de museus, pelos constrangimentos da organiza-o destas instituies, da diviso do trabalho, da gesto do tempo e dos recursos, socorre-se destes procedimentos nor-

    5 Estas experincias de recuperao, de propostas de novas formas de organizao e de projectos empresariais, tanto pela via da formao e aprendizagem de proces-sos quase abandonados, quanto pela associao arteso/ designer, manifestam-se com mais notoriedade a partir de meados dos anos de 1980. Um dos primeiros exemplos pode ser encontrado no trabalho em torno das mantas do Alentejo (LUZIA, MAGALHES, TORRES, 1984); lembremos ainda a exposio ConTradies, Moda Portuguesa, cujo catlogo faz inmeras referncia a outros casos concretos (GASPAR, 2000).

  • 25I N T R O D U O

    mativos que tambm so indutores de algumas inrcias e roti-nas. Sendo evidente que temos de utilizar instrumentos que permitam esse processo de objectivao, devemos tambm contemplar, no modo como interrogamos os objectos, as hesi-taes, as oscilaes que os transportam para uma ou outra leitura prevalente, quaisquer que sejam os aspectos e motivos da dvida, da incerteza. So aquelas rotinas que, por vezes, no estimulam formas de imaginar modos de questionamento que nos coloquem num dilogo eventualmente mais ldico e,

    Ficha manuscrita do Tear

    dos froscos de Tecla, Celorico

    de Basto, com desenho de

    Fernando Galhano.

    (Centro de Estudos de Etnologia/

    Arquivo MNE).

  • 26 E T N O L O G I A . T E C N O L O G I A T X T I L

    quase sempre, mais problematizador, com os prprios objec-tos. Quantas vezes no recolhemos objectos em casa dos seus prprios proprietrios, desconhecendo estes muito ou quase tudo acerca da sua funo e modo de utilizao? Quando esse objecto constitudo por muitos componentes como, por exemplo, um tear, bem provvel que j ningum naquela casa o saiba montar. Que fazemos ns com este desapareci-mento de uma relao ntima com os objectos? Que fazemos ns com o esquecimento? Que fazemos ns com a hesitao e at a fantasia associadas a propostas de funo ou outro qualquer aspecto caracterizador de um objecto do qual, na realidade, se perdeu o saber que o torna imediatamente per-ceptvel e comunicvel? Gostaramos de pensar que tambm o museu lida com isso. Porque no montar um tear de forma incorrecta, at que os sucessivos contributos do pblico vo desco brindo o erro, ou os erros, e vo propondo a soluo acertada? Porque no dar mais um passo e transformar esse maquinismo complexo, feito de tantos elementos, e fazer uma cpia o mais possvel prxima do original, com um manual de montagem e desmontagem hoje parte integrante dos modos de mobilar e habitar a casa propostos por grandes superfcies comerciais que ser outra forma de reencontrarmos uma aprendizagem atravs das mos e da sensibilidade tecnolgi-ca aos materiais, suas dimenses, encaixes, etc.. Poderamos assim ter o velho tear desmontado, em exposio, na tota-lidade das peas que o compem e se sucedem num plano linear e, em simultneo, v-lo crescer e tornar-se na mquina tridimensional, que funciona atravs da cpia e que, com o manual de instrues, os visitantes montam. A sugesto ou exemplo, em si mesmo, no traz nada de novo, apenas nos permite lembrar que se devem procurar todas as possibili-dades e pretextos para diversificarmos e enriquecermos uma leitura enumerativa e tendencialmente esttica que fazemos dos objectos, e que os prprios inventrios e procedimentos normativos tendem a reforar.

  • 27I N T R O D U O

    *

    Um dos momentos de maior esforo de um procedimento de inventrio, a descrio do objecto. Pelo investimento que exige, esse campo de preenchimento obrigatrio ocupa parte significativa do tempo de formao e treino na prtica dos inventrios. Os passos so aqui enumerados de maneira a faci-litar o processo descritivo, estabelecendo uma sequncia e princpios que acompanham a apreenso do objecto, a sua descrio. Quando os inventrios se tornaram tarefa decisiva do trabalho do museu, todos os processos eram manuais e os meios tcnicos de recurso a imagem resumiam-se fotografia ou ao desenho, que nem sempre era possvel utilizar. A ima-gem estava, assim, reduzida ao mnimo de uma fotografia por objecto (quando em situaes ideais isso se tornava possvel) e, eventualmente, o desenho complementava a sua compreen-so. Assim, a descrio do objecto tornou-se impositiva, pelo relevo que toma, como meio da sua identificao e, portanto, do controlo que sobre ele se pode ter, ao mesmo tempo que com ela se analisam forma, estrutura, componentes e mecanis-mos, o que j tambm, em si mesmo, uma via de conheci-mento mais denso do prprio objecto. O trabalho de investi-gao e estudo de coleces no espao do museu foi criando a necessidade de diversificar modos de documentar aspectos relevantes para a compreenso do objecto, e da as fotografias tomadas sob distintos ngulos ou a multiplicao de desenhos, que se podem associar ficha de inventrio. Os processos de digitalizao da imagem com que hoje lidamos certamente viro a ter consequncias nos modos de descrio que preen-chem os mesmos objectivos de identificao, compreenso, transmisso ou comunicao da informao automtica ou instantnea relativa a um objecto. Mas a descrio tambm um exerccio formativo, pelo que comporta de tenso entre a mxima economia e a maior densidade de informaes que um texto permite expressar. Por isso, quando nos estgios

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    realizados no Museu Nacional de Etnologia pondervamos os resultados da descrio de um artefacto de grande complexi-dade (por exemplo, o engenho do linho ou o tear)6, ela surgia-nos excessiva pelo pormenor e, eventualmente, para alm do indispensvel, pela profusa multiplicao de detalhes resultan-tes da sua complexa estrutura, composio e modo de funcio-namento, e parecendo ter o efeito contrrio, de nos distrair da prpria compreenso do objecto. Debatamo-nos assim com alguma perplexidade. Esta prende-se com a ressonncia de um texto e a sua expresso formal, como se nele procurssemos captar a realidade fsica e concreta das coisas para que olha-mos, na ambio simultaneamente exigente e ingnua, de as apreendermos e as possuirmos completamente.

    O processo descritivo das normas de inventrio funciona por fragmentao da observao e acumulao sucessiva das parcelas que vir a resultar numa proposta de apreenso visual do objecto. Pensemos em trabalhar esse texto enquanto mat-ria, sugestiva e certamente fecunda, para exerccios de experi-mentao descritiva que possam ser feitos a partir do museu e dos seus tcnicos com resultados que podem ser incorporados nos arquivos e bases de dados existentes ou no prprio espao das exposies; e exerccios que possam ser tambm propostos aos visitantes, s escolas, em pequenas oficinas ou seminrios, sobre o registo da observao de um objecto, e o propsito de o dar a conhecer sob a forma de uma descrio, entendida esta tambm enquanto trabalho de literatura, ou seja, em que o sujeito que escreve parte da elaborao do texto e da signifi-cao que proposta para a leitura e revelao de um objecto. Enfim, isto conduz a que, junto com o aspecto tcnico, deta-lhado e aparentemente monocrdico que uma descrio de inventrio apresenta, encaremos a possibilidade de ela poder ser tambm um registo que, tratado como texto, agora fora da ficha de inventrio, pode ser explorado nas suas componentes

    6 Vejam-se as respectivas descries nas pginas 52 a 54 e 95 a 99.

  • 29I N T R O D U O

    plstica, criativa, ldica e, porque no, tambm irnica, sobre-tudo quando hoje dispomos de meios de captao, registo e circulao de imagens que nos do uma fulgurante leitura ins-tantnea do objecto e que, por essa mediao, tambm em cada momento recriado. Porque no usar aquelas descries do engenho e do tear, com o que tm de aparente despropor-o entre uma viso de conjunto e a procura obsessiva do detalhe, enquanto texto a ser recriado como dramaturgia no espao do museu? No podemos esquecer que o texto que preenche o campo descrio de uma ficha de inventrio mediao, por mais que se respeitem os princpios que orde-nam um processo descritivo, questo esta importante de lem-brar para no julgarmos que h uma eficcia tcnica e neutra por detrs da qual o nosso trabalho do sujeito que olha e escre-ve se remete apenas aplicao de um procedimento norma-tivo. Muitos dos objectos contemplados nas categorias e sub-categorias da tecnologia txtil so claro exemplo de como podemos trabalhar na fronteira da tenso que referamos, entre a economia de um registo neutro (que nunca se consegue) e o texto que formalmente se autonomiza e esboa elementos de leitura para a revelao de um objecto, o que pode ser j o campo da literatura, que tambm afinal o espao da nossa relao com as coisas.

    JOAQUIM PAIS DE BRITO

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    CLASSIFICAO

    A coleco de Tecnologia Txtil do Museu Nacional de Etnologia, referenciada ao contexto portugus, constituda por 639 objectos, respeitantes na maior parte dos casos s diversas fases de tratamento do linho e da l, e a processos tec-nolgicos ligados produo de txteis no tecidos, como a confeco de malhas, o fabrico de franjas (para guarnio de colchas caseiras, etc.) ou o fabrico de cordas, usadas para ml-tiplos fins, entre os quais como acessrios para a realizao de trabalhos agrcolas e como elementos componentes de sistemas de atrelagem dos animais.

    A histria da recolha desta coleco, por parte de Ernesto Veiga de Oliveira e de Benjamim Pereira, coincide com a his-tria de uma das fases de maior desenvolvimento da etno-grafia e da museologia etnolgica portuguesas. Das incont-veis incurses ao terreno realizadas por esta equipa, dotada de escassos meios, surge no s a recolha das peas que fazem hoje a coleco, mas tambm o capital de informao que lhe est associado em forma de registos visuais, flmicos e biblio-grficos. Esta coleco , a par da de Alfaia Agrcola, a nica com esta caracterstica de sistematizao, uma vez que engloba todos os instrumentos usados na produo txtil em Portugal, data de recolha, constituindo tambm por isso um valioso testemunho histrico.

    Este conjunto de objectos foi recolhido, na sua grande maioria, por Ernesto Veiga de Oliveira e Benjamim Pereira, nas dcadas de 1960/70, em todo o Continente (com especial incidncia no Norte do Pas, coincidindo com a maior diversi-dade de tipologias aqui referenciadas) e nos Arquiplagos dos Aores e da Madeira. A coleco conta tambm com outros conjuntos de objectos no to sistemticos quanto o anterior, resultantes do interesse manifestado por este universo tecno-lgico (por vezes tambm olhado enquanto manifestao da

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    arte popular) por outras personagens de relevo na etnogra-fia portuguesa, como Sebastio Pessanha, Eugnio Lapa Car-neiro, Manuel Viegas Guerreiro e Alberto Correia, para alm de conjuntos constitudos por coleccionadores como Rafael Rdio ou Vitor Bandeira1.

    A provenincia geogrfica2 dos objectos, por norma, reflecte-se de forma imediatamente perceptvel para o observa-dor, atravs das suas formas e ornamentaes, sendo esta ltima dimenso, em certas tipologias como a dos espadeladouros, razo da singularidade e identificao local. Por exemplo, da zona de Viana do Castelo proveniente um tipo de roca de execuo cuidada, empregando muitas vezes madeiras nobres ou exticas como o buxo ou o pau-preto, que no se encontra em mais nenhum outro local do Pas. Os engenhos (de traco animal ou movidos a energia hidrulica) so um outro tipo de peas confinadas a uma rea geogrfica especfica, Entre Douro e Minho e Beira Litoral, no se encontrando noutras zonas, nas quais a correspondente etapa de tratamento do linho assegu-rada por utenslios manuais: as gramas.

    Estas relaes entre objectos e geografia so fundamentais para a compreenso dos mesmos e de todo contexto histrico--social onde se inseriam, abundantes em momentos rituais e festivos, como as reboladas nos linhares ou as espadeladas colectivas, sociabilidades cujo desaparecimento foi imposto, entre outras causas, pelos progressos tecnolgicos. A materiali-dade dos objectos conduz-nos por vezes para domnios bem diversos da tecnologia, como o das emoes, literalmente gra-

    1 A informao de inventrio respeitante identificao do(s) anterior(es) pro-prietrio(s) da pea dever, no Programa Matriz, ser registada no campo Modo de Incorporao/Descrio. No entanto, de crucial importncia, no acto de inventrio, proceder-se, tambm a propsito da informao disponvel sobre o(s) anterior(es) proprietrio(s), identificao dos dados relevantes para a reconstituio da dimen-so biogrfica da pea no seu contexto de origem, a registar, de forma global, no campo Historial (cf. Normas de Inventrio Etnologia Alfaia Agrcola, p. 65-66).

    2 Esta provenincia dever ser registada, no Programa Matriz, no campo Achado/Recolha.

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    vado e expresso nas profusas ornamentaes que a maioria deles, de uso exclusivamente feminino (rocas, lanadeiras) pos-sui (tais como coraes, flores, pares de jovens representando namorados, etc.), ou o das sociabilidades, atestado, por exem-plo, pelas inscries com o nome da proprietria que muitas vezes se encontram nas espadelas e espadeladouros, e que era gravado pelo namorado ou pelo marido3.

    CATEGORIA

    O presente caderno de Normas de Inventrio estrutura-se na elaborao de uma proposta de conjunto terminolgico estvel para o inventrio dos elementos de um sector particu-larmente bem definido da cultura material tradicional que, a partir do conhecimento produzido no mbito do Centro de Estudos de Etnologia e, posteriormente, no Museu Nacional de Etnologia, veio a ser designado por Tecnologia Txtil.

    Tal como no caso da digitalizao do inventrio efectuada pelo Museu entre 1996 e 1997 para o sector da cultura mate-rial designada (tambm a partir daqueles mesmos contextos) por Alfaia Agrcola, a expresso Tecnologia Txtil coincidiu, na fase de preparao do estudo da coleco e na fase de inven-trio no Programa Matriz, com o termo de referncia proposto como denominador mximo comum de todos os objectos que constituem a respectiva coleco do Museu, tendo aquela expresso sido adoptada para termo de classificao desses objectos no campo Categoria.

    3 Sempre que conhecida esta dimenso social (e/ou simblica) esta mesma infor-mao dever ser registada no campo Historial. Quando identificado o significa-do dessas dimenses (atravs da bibliografia consultada ou da prpria investiga-o no terreno destinada a documentar a coleco ou pea), mas na impossibilidade de certificar com exactido a sua correspondncia com o objecto em particular (identificando, assim, apenas a tipologia em que se enquadra a pea) essa mesma informao dever ser registada, no Programa Matriz, no cam-po Observaes.

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    A Categoria constitui-se como o primeiro nvel de classifi-cao, em termos gerais, das coleces museolgicas, classifi-cao essa que pode assentar em diferentes critrios, tais como a tcnica, o material constituinte ou a funo desempenhada. No caso concreto da Categoria Tecnologia Txtil, entende-se que nesta devem ser agrupados todos os utenslios que par-ticipam no tratamento das fibras txteis, devendo diferenciar-se, no caso da Supercategoria de Etnologia, da Categoria Txteis.

    Classificadas sob esta ltima designao, encontram-se os produtos (geralmente txteis tecidos) resultantes da utilizao de instrumentos (e dos correspondentes processos de produo ou transformao) pertencentes ao domnio da Tecnologia Tx-til, tais como peas de traje e de bragal (roupa de cama, diversos tipos de atoalhados, tapearias, bordados, etc.), apenas para in-dicar os principais tipos.

    SUBCATEGORIA

    Embora a Categoria tenha sido coincidente com a expres-

    so utilizada pelo Centro de Estudos de Etnologia e pelo Mu-seu Nacional de Etnologia para a divulgao desta coleco, a definio das Subcategorias no decurso da digitalizao do seu inventrio, com vista a uma organizao e percepo da se-quncia lgica das operaes de transformao das fibras do linho e da l, levantou problemas de diversa ordem.

    A proposta aqui apresentada, que reflecte a experincia de inventrio da totalidade da coleco, resultou de um apu-ramento e reflexo progressivos, realizados ao longo dos dois estgios referidos, tendo a soluo final beneficiado das lgi-cas existentes entre Categoria e Subcategoria(s) apresentadas nas Normas de Inventrio para Alfaia Agrcola, publicadas quando da realizao do primeiro dos estgios, e tambm da necessidade desses mesmos nveis de classificao assenta-

  • 35C L A S S I F I C A O

    rem sobre um critrio privilegiado: o da Funo Inicial dos objectos4.

    Cada Subcategoria foi assim definida com base no desem-penho de funes comuns dos objectos que a integram (ainda que por vezes de caractersticas muito diferentes entre si, quanto sua forma ou fora motriz), sendo que as designaes utiliza-das para aquela definio correspondem, na sua grande maio-ria, prpria terminologia enunciada na monografia Tecnologia Tradicional Portuguesa: O Linho, que foi aqui considerada como a obra de referncia no estudo e inventrio deste universo de peas. Tal como no processo de inventrio da coleco de Alfaia Agrcola, no caso da coleco de Tecnologia Txtil do Museu verifica-se a existncia de um nmero representativo de peas que so usadas em determinados locais em conjunto com ou-tros objectos para a realizao de um certo tipo de operao. Assim, sempre que necessrio, a classificao de uma pea no campo da Subcategoria dever ser pormenorizada com a exten-so desta em objectos Acessrios e correlacionados.

    Depois de determinada a lgica de construo das Subcate-gorias, foi ponderada a hiptese de diferenciao entre os objec-tos, atravs da sua classificao na respectiva Subcategoria, quanto fibra (vegetal ou animal) para que so utilizados. No entanto, esta ideia foi abandonada dada a constatao do grande nmero de operaes (e correspondentes objectos) comuns s vrias fibras. o caso da roca e do fuso que podem ser empre-gues na fiao de l, linho ou seda, embora neste ltimo caso o seu aspecto formal seja ligeiramente diferente. Apenas as fases iniciais de tratamento da l, seda e linho divergem de forma muito evidente, embora a sua finalidade seja, em ltima anlise, comum: a preparao da fibra para a sua transformao em fio.

    Por ltimo lugar, no processo de definio das Subcatego-rias, permaneceu apenas a dvida em relao sua organizao interna. O encadeamento tecnolgico das operaes de trata-

    4 Normas de Inventrio Etnologia Alfaia Agrcola, p. 56.

  • 36 E T N O L O G I A . T E C N O L O G I A T X T I L

    mento prvio, transformao da fibra em fio e transformao deste em tecido deixa de parte os objectos usados na produo de rendas, bordados, cordas, cordes, confeco de malha, etc., estes ltimos evidentemente no correspondentes a produtos de tecelagem (isto , a tecidos) mas inequivocamente perten-centes ao universo dos produtos txteis.

    A soluo encontrada residiu, assim, na assuno da diviso dos objectos em dois grupos distintos, correspondentes a dife-rentes processos de produo: o da produo de txteis teci-dos, aqui se englobando as tecnologias que tm por objectivo comum a tecelagem, e cuja sequncia de Subcategorias corres-ponde sequncia dos objectos na cadeia operatria (e crono-lgica) de tratamento da fibra, independentemente do tipo desta, visando a produo de um tecido; e o da produo de txteis no tecidos, reunindo os objectos que participam em todas as demais operaes realizadas com vista transformao de um tipo de fibra (ou obteno de um produto j a partir de um tipo de fio) em que a operao de tecelagem no tenha lu-gar. Neste ltimo caso no se verifica qualquer sequncia entre as operaes identificadas pelas respectivas Subcategorias, dado que no h uma necessria relao entre estas na obteno de um produto final. A distino entre ambos os grupos de tecno-logias (e respectivos processos de produo) efectua-se aqui apenas para melhor percepo da lgica em que se organizam as Subcategorias, no devendo ser confundidas com o nvel de classificao que cabe Categoria.

    Contextualizada a metodologia de organizao e classifica-o da coleco de Tecnologia Txtil do Museu Nacional de Etnologia, adoptada para o seu inventrio no Programa Matriz, apresenta-se, em seguida, o sistema classificatrio que resultou desse processo e que propomos para o inventrio de coleces congneres. Salienta-se o facto de que esta grelha se refere uni-camente produo dos txteis (tecidos ou no tecidos) em contexto exclusivamente tradicional, pelo que no so conside-radas aqui as tecnologias mais complexas de carcter industrial.

  • 37C L A S S I F I C A O

    TECNOLOGIA TXTIL

    PRODUO DE TXTEIS TECIDOS

    Equipamento de tosquia

    EX.: tesouras

    Acessrios e correlacionados

    EX.: sacos

    Instrumentos de ripagem

    EX.: ripos

    Equipamento de curtimenta

    EX.: tanques, cestos, etc.

    Equipamento de limpeza

    EX.: tinas de madeira, pias de pedra, cestos, etc.

    Instrumentos de carpeamento

    EX.: varas

    Equipamento de maagem

    EX.: maos, gramas, engenhos do linho (de traco animal,

    de traco humana e de propulso hidrulica)

    Instrumentos de espadelagem

    EX.: espadelas, espadeladouros

    Instrumentos de cardagem

    EX.: cardas, pentes

    Instrumentos de assedagem e preparao da estopa

    EX.: sedeiros, restelos, pentes

  • 38 E T N O L O G I A . T E C N O L O G I A T X T I L

    Equipamento de fiao

    EX.: rocas, fusos, rodas de fiar

    Acessrios e correlacionados

    EX.: espichas, rocadores, correias, suportes de fuso

    Instrumentos de elaborao de meadas

    EX.: sarilhos

    Acessrios e correlacionados

    EX.: dobadouras

    Equipamento de barrela

    EX.: barreleiros

    Equipamento de tingimento do fio

    EX.: tanques, cestos, etc.

    Instrumentos de dobagem

    EX.: dobadouras

    Equipamento de tecelagem

    EX.: teares, lanadeiras, pesos de tear, cambitos, esticadores,

    teares verticais, teares de grade, pentes de franjas

    Acessrios e correlacionados

    EX.: espadilhas, urdideiras, noveleiros, canelas, caneleiros,

    restilhos, pentes, varas, palhetas, espadeles, esptulas,

    espadilhas de franjas

    Equipamento de pisoagem

    EX.: pises

    Acessrios e correlacionados

    EX.: caldeiras, fornalhas, pias, calhas para conduo da gua,

    mesas para dobrar o pano, cardas, etc.

  • 39C L A S S I F I C A O

    PRODUO DE TXTEIS NO TECIDOS

    Equipamento de produo de linha e corda

    EX.: forcas, forcas de fazer cordo, torcedores, mquinas de

    torcer fio, rodas de fazer corda, tbuas, carros, cipotes

    Equipamento de produo de malhas, rendas e bordados

    EX.: canhes de fazer meia, almofadas de bilros, bilros

    Acessrios e correlacionados

    EX.: ganchos de fazer meia, ganchos de meia

    Equipamento de costura

    EX.: agulhas, agulheiros, alfinetes, caixas de costura, dedais,

    ovos, mquinas de costura, etc.

    Acessrios e correlacionados

    EX.: tesouras, medidas, giz, etc.

  • 40 E T N O L O G I A . T E C N O L O G I A T X T I L

    NORMAS DE DESCRIO

    Abordada no captulo anterior a lgica interna de articula-o entre as diferentes Subcategorias propostas para a Catego-ria de Tecnologia Txtil, procederemos seguidamente exposi-o das diferentes modalidades descritivas que sugerimos para os objectos que se inserem em cada uma dessas Subcategorias, os quais, como j foi referido, se ordenam, no caso dos proces-sos visando a produo de txteis tecidos, de acordo com o seu lugar na cadeia operatria do processamento das fibras txteis.

    As Denominaes dos objectos analisados e aqui apresen-tados, bem como o respectivo enquadramento em tipologias resultantes do levantamento etnogrfico efectuado por Ernesto Veiga de Oliveira, Benjamim Pereira e Fernando Galhano, e publicadas no livro Tecnologia Tradicional Portuguesa: O Linho, constituem o vocabulrio normalizado e estvel que propo-mos para o estudo e o inventrio das coleces de Tecnologia Txtil.

    A presente proposta ainda complementada pelo Lxico apresentado no captulo seguinte, no qual se procuraram iden-tificar as terminologias, mais comuns ou referenciadas a um determinado contexto regional, relativas a partes componentes dos objectos, bem como a designao das tcnicas, processos e funcionalidade dos mesmos. Com vista apreenso rpida da cadeia operatria de processamento do linho, afinal a mais complexa, e dos respectivos quadros sociais, rituais e festivos, remetemos o leitor para o Quadro-sntese exibido em anexo.

    A Descrio de um objecto assume-se como um processo complexo que consiste, atravs do contacto e observao directa daquele, na apreenso objectiva e exaustiva das suas caractersticas formais e decorativas, com vista produo de um texto organizado e claro. Dada a grande diversidade formal e tecnolgica (e, frequentemente, tambm a sua grande com-

  • 41N O R M A S D E D E S C R I O

    plexidade, como evidente no caso dos teares de pedais) dos objectos que se inserem em cada uma das Subcategorias do universo da Tecnologia Txtil tradicional portuguesa, optmos por avanar com uma frmula descritiva correspondente a cada uma dessas tipologias.

    Em todos os casos observam-se, porm, os seguintes prin-cpios gerais: a descrio do geral para o particular, e do todo para as partes, sendo os elementos decorativos remetidos para o final da descrio, por se tratar de aspectos nem sempre recorrentes numa mesma tipologia de objectos, e que no devem comprometer a apreenso da sua dimenso fsica e dos seus modos de utilizao ou funcionamento.

    Assim, na organizao de uma descrio, utiliza-se, em termos gerais, a seguinte frmula:

    Identificao do objecto, repetindo a designao anterior-mente efectuada no campo Denominao;

    Identificao das caractersticas geomtricas gerais do objecto;

    Identificao da(s) tipologia(s) (principal e secundria) em que a pea se enquadra;

    Identificao pormenorizada de cada um dos seus elemen-tos constituintes, e, sempre que necessrio (sobretudo nos casos dos objectos tecnologicamente mais complexos), identificao do modo como cada elemento constituinte se articula com os demais com vista ao devido funcionamento ou utilizao do objecto;

    Identificao pormenorizada dos motivos de ornamenta-o e das respectivas tcnicas empregues na sua execuo.

    Dada a diversidade de materiais que frequentemente entram na composio de um nico objecto, e sendo por vezes necessrio referir no campo da Descrio sobretudo a matria (e/ou respectiva tcnica de produo) de determinado(s) elemento(s) constituinte(s), no se dever esquecer que tais

  • 42 E T N O L O G I A . T E C N O L O G I A T X T I L

    informaes devem ser repetidas e pormenorizadas nos respec-tivos campos do Programa Matriz relativos Informao Tc-nica do objecto: Matria, Suporte, Tcnica e Precises sobre a Tcnica.

    Tambm se devem desenvolver todas as informaes dispo-nveis acerca dos aspectos decorativos do objecto, bem como de eventuais marcas ou referncias ao proprietrio (o que sucede em casos muito particulares da Tecnologia Txtil, como os espadeladouros ou as lanadeiras de tear) em campo pr-prio: Marcas e Inscries. No inventrio da pea, esta ltima dimenso dever ainda ser associada, produzindo imagens de pormenor individualizadas sobre motivos decorativos e marcas, e associando-as nos respectivos campos do Programa Matriz destinados ao registo de Imagem/Som. Eventuais registos flmi-cos disponveis sobre a pea em particular, e que documentem a sua produo e o uso em contexto da sua funo inicial ou de alteraes que esta tenha conhecido, devem tambm ser inven-tariados e associados neste sector do mdulo de inventrio do Programa Matriz.

    De referir que os modelos gerais que seguidamente se apre-sentam servem apenas de enquadramento elaborao da descrio, podendo ser alterados ou corrigidos consoante as especificidades e diversidades tipolgicas de cada objecto, refe-rncias importantes que no podem nem devem ser anuladas (ou subvalorizadas) na procura da uniformizao descritiva aquando da elaborao de um modelo geral para uma determi-nada tipologia. Deve, antes, tentar estabelecer-se um compro-misso entre o modelo geral de descrio e a singularidade do objecto.

    Cada exemplo que se segue, proposto sem excepo a partir de um objecto (considerado representativo dentro da respectiva tipologia) da coleco de Tecnologia Txtil do Museu Nacional de Etnologia, fornece as seguintes informaes, corresponden-tes aos respectivos campos do mdulo de inventrio do Pro-grama Matriz: Inventrio e Gesto de Coleces Museolgicas:

  • 43N O R M A S D E D E S C R I O

    Denominao Outras Denominaes Local de Achado / Recolha N.(s) de Inventrio Autoria de Imagem Descrio

    A designao local do objecto sempre que conhecida deve ser indicada no campo Outras Denominaes. Tal informao, conforme referido no caderno de Normas de Inventrio Etno-logia Alfaia Agrcola (p. 48) , na prtica do Museu Nacional de Etnologia, colocada entre aspas para melhor a diferenciar da sua designao tcnica, registada no campo Denominao.

    Para melhor entendimento das caractersticas desse objecto e da tipologia em que o mesmo se enquadra, cada modelo des-critivo ainda antecedido de um texto geral acerca dos princi-pais contextos (tcnico, social, simblico) da sua utilizao. Por esta razo, e pelo facto de a presente proposta incidir especifi-camente sobre as frmulas utilizadas para a descrio de cada uma das tipologias, o exemplo escolhido para cada um dos objectos no fornece qualquer indicao quanto sua Funo Inicial / Alteraes, tratando-se esta, porm, de um campo de importncia crucial no inventrio das coleces etnogrficas (cf. Normas de Inventrio Etnologia Alfaia Agrcola, pp. 26-30, 56).

  • 44 E T N O L O G I A . T E C N O L O G I A T X T I L

    A. PRODUO DE TXTEIS TECIDOS

    1. Equipamento de tosquia

    1.1. Tesouras de tosquia

    As tesouras de tosquia so empregues na primeira fase de processamento da l, para tosquiar o gado langero, tarefa que decorre entre os meses de Abril e Junho. As tesouras so com-postas por duas peas simtricas, em ferro, unidas por um eixo colocado geralmente a meio comprimento das mesmas. De modo a no ferirem as mos dos tosquiadores, os aros de algu-mas tesouras so guarnecidos com cortia, placas de borracha ou tecido, para alm do prprio sugo da l os amaciar com o tempo.

    A descrio das peas que se incluem neste grupo deve referenciar os seus elementos componentes, aros e lminas, e s depois o formato aproximado dos mesmos, uma vez que a forma geomtrica geral no facilmente reconhecvel.

    TESOURA DE TOSQUIA | VORA, ESTREMOZ | MNE AT.223

    Tesoura de tosquia, constituda por duas peas em ferro,

    simtricas, cada uma composta pelo aro e lmina, e unidas

    entre si por um eixo cilndrico.

    Os aros ficam paralelos entre si e possuem a parte posterior

    flectida. Um dos aros encontra-se revestido de serapilheira,

    atada ao aro atravs de fio de algodo, e o outro est

    revestido de pano, atado atravs de fios de algodo e de

    couro; estes revestimentos destinam-se a proteger os dedos

    do tosquiador durante o esforo realizado na tosquia.

    As peas cruzam-se a meio comprimento, onde est fixo

    o eixo, e alargam-se nas lminas, de formato semi-elptico.

    Entre o aro e o eixo, uma das peas apresenta a inciso de

    uma espinha de dois braos, com um ponto inciso de cada

    lado.

    Tesoura de tosquia

    vora, Estremoz

    MNE AT.223

    Foto: Antnio Rento

  • 45N O R M A S D E D E S C R I O

    2. Equipamento de tosquia / acessrios e correlacionados

    2.1. Sacos

    As tesouras so transportadas pelos tosquiadores dentro de um saco que geralmente tem capacidade para duas destas peas, e que possui o fundo ou a tampa em cortia onde se espetam os bicos daquelas para evitar acidentes.

    A sua descrio segue a seguinte frmula: formato geral da pea e elementos constituintes; fundo, boca ou abertura, aba e ala, quando existentes.

    SACO | PORTALEGRE, ELVAS, SANTA EULLIA | MNE AS.407

    Saco em couro, de formato tronco-cnico invertido, com

    ala tambm em couro. O fundo do saco, cilndrico,

    em cortia e est fixo atravs de pregos. A boca do

    mesmo atravessada por duas tiras de couro, dispostas

    em cruz, cujas extremidades passam, cada uma, por

    uma fivela quadrangular em ferro. A ala est aplicada

    nas paredes exteriores da boca do saco e apresenta

    uma fivela quadrangular, em ferro, para regular o seu

    comprimento.

    3. Instrumentos de ripagem

    3.1. Ripos

    Os ripos so instrumentos usados na primeira fase do longo e complexo ciclo do linho para separar a baganha das palhas e tanto podem ser utilizados sobre um banco como sobre um carro de bois. O seu aspecto geral o de uma tbua de madeira com dentes aguados no topo superior, pelos quais se passam sucessivamente as manadas de linho a ripar.

    Em Portugal, e de acordo com Tecnologia Tradicional Portu-guesa: O Linho, os ripos so de dois tipos, consoante a sua configu-rao morfolgica:

    Saco

    Portalegre, Elvas, Santa Eullia

    MNE AS.407

    Foto: Antnio Rento

  • 46 E T N O L O G I A . T E C N O L O G I A T X T I L

    1) ripo de tipo de prancha, com dentes de ferro ou de madeira;2) ripo de tipo de barrote, com dentes de ferro.

    A identificao destas tipologias originou diferentes tipos de descries, as quais devem referir: formato geomtrico do objecto e a tipologia a que pertence; elementos constituintes; ornamentao apresentada.

    RIPO | BRAGA, CABECEIRAS DE BASTO, BUCOS | MNE AY.225 Ripo em madeira, de formato rectangular, de tipo

    de prancha. No bordo superior esto dispostos dezasseis

    dentes de seco triangular, esculpidos longitudinalmente

    na prpria prancha. utilizado na vertical.

    RIPO | REPANO | AORES, TERCEIRA, ANGRA DO HEROSMO |

    MNE AS.108

    Ripo em madeira, de formato trapezoidal, de tipo de barrote.

    No bordo superior esto dispostos quarenta e cinco

    dentes de ferro, aguados, de seco quadrada, cravados

    directamente na madeira. Lateralmente apresenta

    duas salincias circulares.

    utilizado montado sobre o carro de bois.

    Ripo

    Braga, Cabeceiras de Basto,

    Bucos

    MNE AY.225

    Des.: Fernando Galhano

    Ripo

    Repano

    Aores, Terceira,

    Angra do Herosmo

    MNE AS.108

    Foto: Antnio Rento

  • 47N O R M A S D E D E S C R I O

    4. Equipamento de maagem

    4.1. Maos

    Os maos so empregues na terceira etapa de tratamento do linho para separar, por esmagamento, as fibras txteis das fibras lenhosas, depois de terem sofrido um processo prvio de maturao dentro de gua, designado de curtimenta.

    So objectos de madeira, de forma geralmente cilndrica, possuindo na parte inferior um cabo para o seu manuseamento.

    A descrio deve seguir a identificao dos elementos cons-tituintes, corpo e cabo, e o formato de cada um deles. No entanto, uma vez que a referncia ao cabo pode adoptar vrias designaes, mozeira ou punho, propomos a sua uniformiza-o para mozeira, no s para este grupo de peas, mas para todas as semelhantes.

    MAO | VISEU, VILA NOVA DE PAIVA, FRGUAS | MNE AS.176

    Mao constitudo por dois elementos talhados no mesmo

    pedao de madeira: o corpo cilindriforme e a mozeira

    cnica com a extremidade plana.

    4.2. Gramas

    A grama um objecto de madeira, geralmente formado a partir de um ramo de rvore bifurcado, apresentando numa das extremidades um rasgo onde se encaixa uma segunda pea, uma lmina com cabo. Este manejado com a mo direita que faz cair sucessivamente a lmina sobre a estriga de linho, sepa-rando, por triturao, as fibras txteis das fibras lenhosas, com-plementando a operao da maagem.

    As gramas podem-se dividir em dois tipos segundo o modo como se dispem em uso, isto , podem ser usadas assentes no cho ou na parede, ou apoiadas sobre um banco. No entanto, o modelo descritivo adoptado idntico, identificando: partes constituintes do objecto; descrio das mesmas, diferenciando apenas o modo como assentam.

    Mao

    Viseu, Vila Nova de Paiva,

    Frguas

    MNE AS.176

    Des.: Fernando Galhano

  • 48 E T N O L O G I A . T E C N O L O G I A T X T I L

    GRAMA | GRAMADEIRA | AORES, FLORES, HORTA, LAJES DAS FLORES,

    FAZENDA | MNE AR.922

    Grama constituda por uma prancha de madeira de seco

    quadrada, disposta na horizontal, assente sobre quatro ps.

    A prancha apresenta um rasgo no sentido longitudinal,

    onde se insere uma lmina rectangular, cujo gume est

    reforado por uma chapa de ferro.

    Possui na extremidade inferior um cabo cilndrico.

    GRAMA | TASCA | CASTELO BRANCO, FOZ DO GIRALDO | MNE AO.640

    Grama feita a partir de um ramo de rvore bifurcado,

    disposto na horizontal. A seco principal possui, no

    sentido longitudinal, um rasgo onde se insere uma lmina

    rectangular que tem na extremidade inferior um cabo,

    tambm ele rectangular. A lmina est encaixada no rasgo

    atravs de um torno que aquele apresenta na extremidade

    superior.

    A seco secundria constituda pelos dois galhos que,

    apoiados contra a parede, tm por funo suportar a grama.

    Grama

    Gramadeira

    Aores, Flores, Horta,

    Lajes das Flores, Fazenda

    MNE AR.922

    Foto: Antnio Rento

  • 49N O R M A S D E D E S C R I O

    4.3. Engenhos do linho

    Em algumas regies do Pas, sobretudo no Noroeste, o esmagamento das palhas do linho executado mecanicamente atravs de engenhos, cuja traco pode ser humana, animal ou hidrulica. Em alguns casos o tractor veio substituir os ani-mais.

    Excluindo a parte motora, que pode ser de diferentes tipos, os engenhos de maagem do linho so praticamente idnticos: possuem um grande cilindro canelado, no qual engrenam outros cilindros canelados mais pequenos, excepo de uma parte da rea perifrica que serve de entrada para as palhas do linho a triturar e de sada das pastas de fibras j maadas. A triturao efectua-se atravs da presso que os cilindros mais pequenos exercem contra o primeiro; esta mantida por duas cordas que passam sobre os mesmos e controlada por um peso de pedra suspenso de um sarilho, ao qual as pontas dessas cor-das so atadas.

    4.3.1. Engenhos de traco hidrulica

    Os engenhos do linho de traco hidrulica so, geral-mente, de instalao temporria sendo montados no princpio do Vero e retirados no incio do Inverno. Funcionam junto a

    Grama

    Tasca

    Castelo Branco, Foz do Giraldo

    MNE AO.640

    Des.: Fernando Galhano

  • 50 E T N O L O G I A . T E C N O L O G I A T X T I L

    rios ou ribeiros, propulsionados por uma roda hidrulica pr-pria ou pela roda de gua de uma azenha, qual podem ser associados.

    Tratando-se de um equipamento de descrio complexa, devido aos seus numerosos componentes, optou-se por dividir aquela em vrias partes: identificao da matria, do tipo de engenho; enumerao dos principais elementos constituintes (mecanismo motor e mecanismo de triturao, com a respec-tiva armao e carreto); descrio dos mesmos.

    ENGENHO DO LINHO DE TRACO HIDRULICA | BRAGA, BARCELOS,

    BARCELINHOS | MNE AY.390

    Engenho do linho, em madeira, de traco hidrulica,

    constitudo pelos seguintes elementos: uma armao,

    um mecanismo de triturao e um carreto.

    A armao constituda por duas longarinas, de

    extremidades recortadas, unidas entre si por duas

    travessas. Cada uma das longarinas apoia-se sobre dois

    ps, unidos entre si por quatro travessas, duas das quais

    paralelas s longarinas, e as outras duas perpendiculares

    s mesmas. A seco entre cada longarina e a travessa

    preenchida por tbuas de madeira. Sobre cada uma das

    longarinas eleva-se um tampo lateral semicircular que

    constitui o apoio dos roletes e das cunhas.

    O mecanismo de triturao constitudo por um tambor

    de faces caneladas, em sobro, atravessado ao centro por

    um eixo em ferro, atravs do qual recebe o movimento

    do mecanismo motor, e que o sustenta sobre as longarinas.

    A aco de triturao da palha do linho efectuada pelo

    cilindro em conjunto com nove roletes canelados,

    tambm de madeira, que envolvem cerca de dois teros

    da sua periferia. Cada um dos roletes atravessado por um

    eixo de ferro que tem como chumaceiras cunhas de

    madeira, amovveis, encastradas num tampo circular que

    envolve todo o permetro do cilindro. A extremidade

  • 51N O R M A S D E D E S C R I O

    superior de cada cunha possui um rasgo sobre o qual

    passa uma corda, destinada a unir todas as cunhas desse

    tampo e a manter a presso que os roletes exercem sobre

    o cilindro, e, como tal, a presso exercida sobre a palha

    durante o processo de triturao. A presso de ambas as

    cordas regulada atravs de um sarilho e mantida por um

    peso em pedra, cnico, suspenso da alavanca daquele.

    Na extremidade oposta do sarilho, o engenho provido

    de um tabuleiro formado por uma tbua disposta

    obliquamente aos tampos, pela qual se introduz a palha

    do linho a triturar.

    O engenho dotado de um carreto, que originalmente

    transmitia quele o movimento que recebia do mecanismo

    motor hidrulico. O carreto, constitudo por dois discos de

    de madeira cintados por arcos de chapa e unidos entre si

    por um cilindro de madeira e por 18 fuseis, gira sobre

    o mesmo eixo de ferro que atravessa o tambor do

    mecanismo de triturao.

    Engenho do linho

    de traco hidrulica

    Braga, Barcelos, Barcelinhos

    MNE AY.390

    Des.: Fernando Galhano

  • 52 E T N O L O G I A . T E C N O L O G I A T X T I L

    4.3.2. Engenhos de traco animal

    Os engenhos do linho de traco animal dispem sempre, ao contrrio dos anteriores, de um edifcio prprio e so accio-nados por uma junta de bois.

    ENGENHO DO LINHO DE TRACO ANIMAL | PAOS DE FERREIRA, REIGADAS | MNE AY.389

    Engenho do linho, em madeira, de traco animal, constitudo pelos seguintes elementos: mecanismo motor

    e mecanismo de triturao, dotado de armao e carreto.

    O mecanismo motor constitudo por uma entrosga,

    com 80 dentes, cilndricos, cavilhados ao longo do seu

    permetro, e fixa ao eixo vertical, em madeira, por uma

    cruzeta que o atravessa, e por quatro vares, em ferro,

    dispostos em plano oblquo, do aro da entrosga at ao topo

    superior do eixo. Os dentes da entrosga engrenam nos

    fuselos do carreto, transmitindo assim o movimento ao

    engenho propriamente dito. O eixo do mecanismo motor

    provido, no topo inferior, de um espigo de ferro que

    originalmente girava numa rela de ao embutida num

    bloco de pedra assente sobre o solo. No topo superior,

    o eixo termina num espigo talhado na sua prpria

    madeira. Nessa mesma extremidade, o eixo atravessado

    pelo cambo, constitudo por uma trave, encurvada na

    extremidade onde se atrelam os animais que traccionam

    o engenho. Para o efeito, o cambo aqui dotado de uma

    pea semicircular, em ferro, com uma das extremidades

    terminada em gancho, onde se prende o cambo do

    sistema de atrelagem do gado. O cambo ainda

    suportado pela escora, constituda por duas traves

    paralelas, fixas em trs pontos: na sua extremidade inferior,

    ao topo inferior do eixo; a meio, a um dos braos da

    cruzeta; e na sua extremidade superior, a cerca de metade

    do comprimento do cambo. A curvatura acentuada da

    extremidade livre do cambo permite a sua livre passagem

  • 53N O R M A S D E D E S C R I O

    sobre o engenho e sobre o engenheiro que com ele

    trabalha.

    O mecanismo de triturao dotado de uma armao,

    constituda por trs longarinas, unidas entre si por duas

    travessas, duas das quais suportam o mecanismo de

    triturao propriamente dito, e a restante o carreto.

    As longarinas que suportam o mecanismo de triturao,

    cada uma das quais apoiada sobre dois ps, unem-se no

    topo superior por uma trave horizontal.

    O mecanismo de triturao constitudo por um tambor

    de faces caneladas, em sobro, atravessado ao centro

    por um eixo em ferro, atravs do qual recebe o movimento

    do mecanismo motor, e que o sustenta sobre as

    as longarinas. A aco de triturao da palha do linho

    efectuada pelo cilindro em conjunto com vinte e seis

    roletes canelados, tambm de madeira, que envolvem

    cerca de dois teros da sua periferia. Cada um dos roletes

    Engenho do linho de traco

    animal

    Paos de Ferreira, Reigadas

    MNE AY.389

    Des.: Fernando Galhano

  • 54 E T N O L O G I A . T E C N O L O G I A T X T I L

    atravessado por um eixo de ferro que tem como

    chumaceiras cunhas de madeira, amovveis, encastradas

    num tampo circular que envolve todo o permetro do

    cilindro. A extremidade superior de cada cunha possui um

    rasgo sobre o qual passa uma corda, destinada a unir todas

    as cunhas desse tampo e a manter a presso que os roletes

    exercem sobre o cilindro, e, como tal, a presso exercida

    sobre a palha durante o processo de triturao. A presso

    de ambas as cordas regulada atravs de um sarilho

    e mantida por um peso em pedra, cilndrico, suspenso

    do brao daquele. Na extremidade oposta do sarilho,

    o engenho provido de uma espcie de mesa disposta

    obliquamente aos tampos, pela qual se introduz a palha

    do linho a triturar.

    O engenho dotado de um carreto, que transmite quele

    o movimento que recebe do mecanismo motor de traco

    animal. O carreto, constitudo por dois discos de madeira

    cintados por arcos de chapa e unidos entre si por 16

    fuseis, gira sobre o mesmo eixo de ferro que atravessa

    o tambor do mecanismo de triturao.

    5. Instrumentos de espadelagem

    Espadelas e espadeladouros so usados conjuntamente na operao da espadelagem, na qual os tomentos, termo desig-nado para as fibras mais speras do linho, so separados das fibras mais finas. Apoiando a estriga de linho na parte superior do espadeladouro, bate-se nela com a espadela vrias vezes, virando-se uma e outra vez.

    5.1. Espadelas

    As espadelas so constitudas por uma lmina que pode ter formas diversas triangular, trapezoidal, rectangular e por uma mozeira, pela qual se agarra.

  • 55N O R M A S D E D E S C R I O

    O modelo descritivo deste grupo foi dividido em trs par-tes: identificao dos elementos constituintes, lmina e mo-zeira, feitos na mesma pea; formato de cada um deles; motivos decorativos. Salientamos o facto de nem sempre ser possvel a identificao da forma geomtrica perfeitamente definida a qual dever ser referida por aproximao, como a seguir se indica.

    ESPADELA | BRAGA, BARCELOS | MNE AQ.178

    Espadela constituda por dois elementos talhados no mesmo pedao de madeira: a lmina e a mozeira.

    A lmina assemelha-se a um tringulo issceles, com

    o ngulo de menor amplitude curvilneo e o bordo

    superior cncavo; tem o gume liso e possui na metade

    inferior um vazado semicircular que serve de mozeira.

    Uma das faces da lmina est ornamentada com estrelas

    e flores, obtidas por puno e inciso.

    lmina

    mozeira

    Espadela

    Braga, Barcelos

    MNE AQ.178

    Des.: Fernando Galhano

  • 56 E T N O L O G I A . T E C N O L O G I A T X T I L

    ESPADELA | TRS-OS-MONTES | MNE AS.291

    Espadela constituda por dois elementos talhados no

    mesmo pedao de madeira: a lmina e a mozeira.

    A lmina assemelha-se a um tringulo escaleno, com

    o ngulo de menor amplitude curvilneo e o bordo

    superior cncavo; tem o gume liso e possui na metade

    inferior um vazado semicircular que serve de mozeira.

    Uma das faces da lmina est ornamentada com um

    cruzeiro, flores, duas borboletas, um leque e o nome

    Ana Afonso Terezo, obtidos por entalhe e inciso.

    5.2. Espadeladouros

    Os espadeladouros tomam geralmente duas formas distintas: objectos constitudos por duas tbuas de madeira dispostas per-pendicularmente, e objectos de formato cilndrico, em cortia.

    Para o primeiro tipo de espadeladouros, a descrio assenta na: identificao dos elementos componentes; descrio deta-lhada de cada um deles; motivos decorativos e tcnicas empre-gues.

    ESPADELADOURO | BRAGA | MNE AP.782

    Espadeladouro, constitudo por duas tbuas rectangulares,

    dispostas perpendicularmente.

    A tbua vertical, de bordo superior rectilneo e de arestas

    Espadela

    Trs-os-Montes

    MNE AS.291

    Des.: Fernando Galhano

    Espadeladouro

    Braga

    MNE AP.782

    Des.: Fernando Galhano

  • 57N O R M A S D E D E S C R I O

    recortadas a partir de metade da sua altura, encastra no

    centro da base. Esta tem as arestas cortadas em curvas

    simtricas e dois prolongamentos semicirculares. Ambas

    as faces da tbua vertical esto ornamentadas com

    diversos motivos obtidos por inciso e puno, e coloridos

    a verde e vermelho. De um lado, estrelas, um vaso de

    flores, o nome Maria Izmeralda Freitas e um espelho

    incrustado. Do outro, estrelas, um vaso com flores, dois

    coraes unidos por uma chave e encimados por duas

    cruzes, uma roscea sexiflia e desenhos geomtricos.

    A base est decorada com uma cercadura de estrelas que

    contorna o bordo superior, obtidas por puno e pintadas

    a verde.

    ESPADELADOURO | BRAGA | MNE AP.789

    Espadeladouro constitudo por duas tbuas rectangulares,

    dispostas perpendicularmente.

    A tbua vertical, de bordo superior cncavo e de arestas

    inteiramente recortadas, formando vrias espirais, encastra

    no centro da base, de arestas cortadas em curvas simtricas

    e de extremidades arredondadas.

    Ambas as faces da tbua vertical esto ornamentadas com

    motivos diversos obtidos por entalhe. De um lado, vrios

    ramos de flores, as armas nacionais, uma custdia, a data

    1893 e um corao encimado pela inscrio Felis amo

    s a ti. Do outro, dois pssaros que unem dois coraes,

    a data 1893, dois coraes unidos por uma chave,

    um vaso de flores, os nomes Francisco Jos Fitas Imlia

    Lopes Morais e a inscrio Minhotaes.

    A base est decorada com linhas de goivados e com dois

    signos-saimo.

    No segundo tipo de espadeladouro, mais simples, a descri-o passa por identificar o formato geral do objecto e depois a descrio de outros elementos componentes.

    Espadeladouro

    Braga

    MNE AP.789

    Des.: Fernando Galhano

  • 58 E T N O L O G I A . T E C N O L O G I A T X T I L

    CORTIO | VIANA DO CASTELO, PONTE DE LIMA, FORNELOS | MNE AY.408

    Espadeladouro em cortia, de formato cilndrico, cosido

    lateralmente com fita vegetal em ponto de cruz.

    Imediatamente a seguir a cada um dos bordos do cilindro,

    o interior reforado por dois aros de madeira.

    6. Instrumentos de assedagem e preparao da estopa

    6.1. Sedeiros

    Os sedeiros so objectos de madeira de formato rectangu-lar, quadrangular ou circular, cravejados de pregos, podendo assentar sobre uma estrutura com ps, tipo de mesa, ou resumi-rem-se a uma tbua de madeira. So empregues na limpeza e seleco das fibras mais finas do linho, separando-as das mais curtas e grosseiras, a estopa.

    A descrio dever identificar: forma geral e o modo como se encontram dispostos, horizontal ou verticalmente; descrio dos seus componentes; modo como assentam; elementos deco-rativos.

    SEDEIRO | BRAGA, ESPOSENDE, GEMESES | MNE AQ.203

    Sedeiro constitudo por um paraleleppedo de madeira,

    disposto na horizontal.

    A parte superior est revestida por uma chapa de metal,

    que cobre um tero dos lados mais compridos, e atravs

    da qual esto cravejados, verticalmente, vrias fileiras

    de dentes aguados, de seco circular, dispostos em duas

    sries: uma de dentes mais finos e compactos, outra de

    dentes mais fortes e afastados.

    O paraleleppedo assenta sobre um banco de madeira de

    quatro ps, de formato rectangular, com as quinas

    superiores cortadas.

    A chapa de revestimento est ornamentada com motivos

    geomtricos obtidos por puno.

  • 59N O R M A S D E D E S C R I O

    SEDEIRO | BRAGANA, MIRANDA DO DOURO | MNE AY.157

    Sedeiro constitudo por uma base de madeira, de formato

    rectangular, disposta na horizontal, que apresenta um

    vazado semicircular numa das extremidades.

    No centro esto cravejados, em plano vertical, vrios

    dentes de ferro aguados, de seco circular, dispostos

    num formato troncocnico. Estes esto envolvidos por

    dois aros de ferro e presos base por quatro garras,

    tambm de ferro.

    6.2. Pentes e restelos

    Das fibras mais grosseiras seleccionadas pelos sedeiros, obtm-se a estopa, que, para poder ser fiada, tambm ela sujeita a um processo de limpeza, sendo penteada pelos pentes e pelos restelos, instrumentos de madeira constitudos por dois elementos: o cabo e a testeira. Esta revestida de uma placa de osso para melhor fixar as fiadas de dentes aguados que nela se encontram cravejados. Por serem formalmente muito seme-lhantes, apresentamos apenas um exemplo ilustrativo deste tipo de objectos, cuja descrio dever identificar: partes constituin-tes; descrio do formato e do material das mesmas; descrio dos motivos decorativos.

    Sedeiro

    Bragana, Miranda do Douro

    MNE AY.157

    Des.: Fernando Galhano

  • 60 E T N O L O G I A . T E C N O L O G I A T X T I L

    PENTE | BRAGA, BARCELOS | MNE AU.289

    Pente, constitudo por dois elementos insculpidos no mesmo pedao de madeira: a testeira e o cabo.

    A testeira, em madeira, de formato irregular

    assemelhando-se a uma elipse, uma vez que as suas arestas

    so de recorte curvilneo, est revestida nas partes superior

    e inferior por uma placa de osso, atravs da qual esto

    cravejados, em plano vertical, trs fileiras de dentes de

    ferro aguados, de seco rectangular.

    Na parte de baixo, a testeira possui um cabo rectangular,

    com as arestas curvilneas, e com a extremidade em forma

    de cone, de base invertida.

    O pente est pintado de vermelho.

    7. Instrumentos de cardagem

    7.1. Cardas

    No processo de cardagem da l so empregues as cardas, uma espcie de escovas para desenriar aquela fibra de modo a prepar-la para a fiao, operao que se desenvolve em dois momentos diferentes: o emborrar, empregando cardas mais grossas, e o imprimar, empregando cardas mais finas.

    Por ser uma operao semelhante assedagem do linho, os objectos empregues so tambm eles idnticos, pelo que as des-cries seguem o mesmo modelo: identificao das partes cons-tituintes; descrio do formato e material das mesmas; identifi-cao de inscries e/ou motivos decorativos.

    CARDAS | BRAGANA, MIRANDA DO DOURO, SENDIM | MNE AS.404

    Cardas, cada uma constituda por dois elementos em

    madeira: a tbua e o cabo.

    As tbuas so paralelepipdicas e cada uma apresenta uma

    das superfcies revestida por uma placa rectangular de

    cabedal, na qual esto presos os dentes da carda, angulares,

    Pente

    Braga, Barcelos

    MNE AU.289

    Des.: Fernando Galhano

  • 61N O R M A S D E D E S C R I O

    em arame. Os cabos esto aplicados num dos lados de cada

    tbua e so de seco circular na parte onde so

    manuseados, e de seco quadrada na parte fixa s

    referidas tbuas.

    Uma das cardas apresenta, na superfcie lisa da tbua,

    o desenho inciso e contornado a azul, de uma estrela de

    oito pontas.

    7.2. Pentes

    Por vezes, a seleco das ls para fiar feita com pentes: a l mais comprida directamente fiada na roca, utilizando-se esse fio para a urdidura; a l mais curta cardada e depois fiada na roda de fiar, sendo o fio resultante destinado trama. Semelhantes aos instrumentos de assedagem e de cardagem, o modelo aplicado tambm ele idntico: identificao das par-tes constituintes; descrio do formato e material das mes-mas.

    PENTES | BRAGANA, MIRANDA DO DOURO, GENSIO | MNE AY.156

    Pentes, cada um constitudo por dois elementos: o cabo

    em madeira, e os dentes em ao.

    Os cabos so cilindriformes e alargam numa das

    extremidades, formando uma seco paralelepipdica,

    revestida de ambos os lados por uma placa de chifre,

    atravs da qual esto cravejadas duas fileiras de dentes

    de ferro aguados, de seco circular.

    Cardas

    Bragana, Miranda

    do Douro, Sendim

    MNE AS.404

    Des.: Fernando Galhano

  • 62 E T N O L O G I A . T E C N O L O G I A T X T I L

    8. Equipamento de fiao

    Depois de penteada, a fibra transformada em fio atravs de um processo de fiao manual, com roca e fuso, ou mec-nica, com roda de fiar.

    A roca um utenslio feito de madeira ou de cana com-posto por trs elementos: o cabo, o roquil e a torre. O roquil pode assumir diversas formas e ser constitudo por um ou mais bojos, consoante a tipologia em que a pea se insere. Estes pos-suem no interior, em geral a meio da sua altura, uma pea nor-malmente de cortia, denominada ciso, cuja funo a de man-ter a forma do roquil.

    O fuso um objecto de forma cnica, em madeira, de metal ou combinando na mesma pea estas duas matrias. consti-tudo por uma haste e por um volante ou cossoiro que regula as voltas do fuso, permitindo manter a sua verticalidade. A quan-tidade de linho a fiar, isto , o manelo, enrolado no roquil. Com uma das mos, a mulher segura a roca e torce a fibra entre os dedos com a ajuda da saliva. Com a outra mo pega no fuso,

    Pentes

    Bragana, Miranda do Douro,

    Gensio

    MNE AY.156

    Foto: Jos Pessoa

    cabo

    dentes

    Roca

    Viana do Castelo

    MNE AZ.164

    Des.: Fernando Galhano

    torre

    roquil

    ciso

    cabo

    correia

    espicha

  • 63N O R M A S D E D E S C R I O

    fazendo-o girar de forma a que a fibra se transforme em fio e fique envolto naquele.

    As rocas possuem como acessrios o rocador, a correia, a espicha e o prendedor de fuso. O primeiro, de formato geral-mente troncocnico ou piramidal, de carto, tecido ou couro e colocado na parte superior da roca de modo a segurar o manelo que vai ser fiado.

    A correia uma tira rectangular de couro, na ponta da qual pende uma espicha, que pode ser de madeira, cana, ferro ou osso laminado. Encontra-se geralmente presa extremidade superior do roquil ou extremidade inferior da torre. Ambos os utenslios se destinam a fixar as voltas do manelo.

    O prendedor de fuso formado por uma tira de couro com diversas ilhozes e com um orifcio central, onde se fixa o fuso quando este se encontra em descanso.

    8.1. Rocas

    Existe para o conjunto das rocas uma tipologia elaborada por Benjamim Pereira (1960-1961), baseada nos elementos constituintes destes objectos. Essa tipologia originou quatro categorias distintas:

    Categoria A) roca constituda apenas pelo cabo5; Categoria B) roca formada por um cabo com hastes numa

    das extremidades; Categoria C) roca composta por um cabo, roquil e torre; Categoria D) roca com ou sem cabo, constituda por uma

    tbua espalmada.

    Devido diversidade tipolgica e, em muitos casos, orna-mental, as descries das rocas foram elaboradas no sentido ascendente, enumerando: as trs partes nas quais elas se divi-dem; pormenorizao de cada uma delas, referindo a existncia

    Fuso

    Terras de Miranda

    MNE AQ.950

    Des.: Fernando Galhano

    5 Um simples pau direito, de espessura regular. (Oliveira, Pereira e Galhano, 1978).

    sulco helicoidal

    haste

    volante

  • 64 E T N O L O G I A . T E C N O L O G I A T X T I L

    de acessrios; motivos e tcnicas decorativas. Cada classificao originou assim um tipo de descrio diferente, com maior ou menor complexidade.

    Dada a predominncia das categorias B) e C) em Portugal (subdividindo-se esta ltima em vrios outros grupos), os exem-plos aqui apresentados referem-se apenas s mesmas.

    Categoria B)

    ROCA | GALHO | VILA REAL, MONTALEGRE, TOURM | MNE AZ.197

    Roca constituda a partir de um ramo de rvore trifurcado,

    formando trs hastes cujas extremidades so aguadas.

    Categoria C)

    A categoria C) divide-se nas subcategorias Ca), Cb1), Cb2), Cb3) e Cc).

    As rocas pertencentes categoria Ca) so caracterizadas por possurem um roquil de um s bojo, formado por fugas, fendidas longitudinalmente no prprio cabo.

    ROCA | FARO, TAVIRA, CAVALOS | MNE AZ.183

    Roca constituda por trs elementos talhados no mesmo

    pedao de madeira: o cabo, o roquil e a torre.

    O cabo, cilndrico, possui na parte superior o roquil, cujas

    extremidades esto envolvidas por enrolamentos de fio.

    O roquil, bipiramidal e de tipo aberto, tem um bojo

    formado por quatro fugas. Estas apresentam, no interior

    e a metade da sua altura, um ciso quadrangular de cortia

    com um orifcio no centro.

    A roca rematada por uma torre com ressalto discal na

    extremidade superior.

    A metade superior do cabo, as fugas e a torre esto

    ornamentados com motivos geomtricos entalhados.

    O ciso est decorado com incises laterais e incises

    em forma de estrela em ambas as faces.

    Roca

    Galho

    Vila Real, Montalegre, Tourm

    MNE AZ.197

    Des.: Fernando Galhano

  • 65N O R M A S D E D E S C R I O

    As rocas da categoria Cb) possuem at trs bojos e, em vez de fugas possuem aduelas, visto que estas so exteriores ao cabo e amarradas a ele por enrolamentos de fio. A forma do roquil varia, podendo ser bicnico, fusiforme, etc..