tecnologia e educacao o futuro da escola na sociedade da informacao

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TECNOLOGIA E EDUCA O: O FUTURO DA ESCOLA NA SOCIEDADE DA INFORMA O

Eduardo O C ChavesProfessor Titular de Filosofia da Educa o Faculdade de Educa o, UNICAMP

Mindware Editora Campinas, SP Dezembro de 1998

p Copyright by Eduardo O C Chaves and PBR Inform tica Ltda., 1998, 1999, 2000 Todos os direitos reservados. Este texto no pode ser copiado ou reimpresso, em qualquer forma, estando inclu nesta proibi o sua divulga o da pela Internet ou por meios eletr nicos (magn ticos, pticos, ou quaisquer outros), sem que haja autoriza o pr via e por escrito de Eduardo O C Chaves ([email protected]) e de PBR Inform tica Ltda. (endere o abaixo), empresa que usa o nome fantasia Mindware Editora, Tecnologia Educacional e Consultoria .

PBR Inform tica Ltda. (Mindware - Tecnologia Educacional e Consultoria) Caixa Postal 5621, Campinas, SP 13091-970 Fone/Fax (19) 3254-2100 E-mail: [email protected] Site: www.mindware.com.br

Impresso no Brasil (Printed in Brazil)

ndice ndice ............................................................................................................................... 3 Introdu o Guisa de Pref cio ....................................................................................... 5 I. Tecnologia, Sociedade e Educa o ........................................................................... 11 1. A Informatiza o da Sociedade............................................................................. 11 2. A Educa o, a Escola e o Professor ..................................................................... 19 3. A Questo da Tecnologia...................................................................................... 21 A. O Artefato e a T cnica ................................................................................... 21 B. A Fala como Tecnologia ................................................................................... 22 C. A Escrita como Tecnologia ............................................................................... 24 D. A Impresso como Tecnologia ......................................................................... 28 E. A Tecnologia da Imagem .................................................................................. 30 F. A Tecnologia do Som........................................................................................ 31 G. A Tecnologia Digital e Multim ..................................................................... 33 dia II. O Computador como Tecnologia Educacional .......................................................... 39 1. O Computador como Tecnologia B lica................................................................ 39 2. O Computador como Tecnologia Empresarial....................................................... 41 3. O Computador como Meio de Comunica o ........................................................ 42 4. O Computador como Tecnologia Educacional ...................................................... 46 A. O Livro Impresso e a Primeira Renascen a .................................................... 46 B. O Computador e a Segunda Renascen a ....................................................... 47 5. Sociedade, Tecnologia, Educa o, e Escola ........................................................ 49 A. A Sociedade da Informa o ............................................................................. 49 B. A Educa o na Sociedade da Informa o........................................................ 50 C. O Futuro da Escola na Sociedade da Informa o ............................................ 52 D. A Tecnologia e a Educa o.............................................................................. 56 E. Os Contornos de uma Nova Escola.................................................................. 58 6. O Papel do Professor ............................................................................................ 59 7. Alguns Receios ..................................................................................................... 62 III. O Computador na Escola ......................................................................................... 65 1. Premissas B sicas ................................................................................................ 65

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A. Primeira Premissa ............................................................................................ 65 B. Segunda Premissa ........................................................................................... 65 C. Terceira Premissa ............................................................................................ 66 2. Modelos de Utiliza o do Computador na Escola ................................................. 67 A. O Computador como Ensinante .................................................................... 67 B. O Computador como Aprendente ..................................................................... 77 C. O Computador como Ferramenta de Aprendizagem...................................... 111 D. O Computador como Ambiente de Aprendizagem ......................................... 128 3. Outras Sugestes para o Uso do Computador em Sala de Aula ........................ 150 A. Como as Coisas Funcionam ........................................................................ 151 B. Corpo Humano ......................................................................................... 157 O C. Mam feros .................................................................................................... 164 D. Atlas Universal ............................................................................................. 167 E. Atlas de Hist ria Geral ................................................................................. 175 F. Atlas de Hist ria do Brasil ............................................................................ 179 G. Guerra Mundial ......................................................................................... 182 II H. Museu da Rep blica .................................................................................... 189 I. Sherlock ...................................................................................................... 193

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Introdu o Guisa de Pref cio

O t deste trabalho aponta para um dos maiores desafios da educa o e da escola tulo neste momento de transi o para o terceiro milnio da era crist: o desafio da tecnologia, em especial das tecnologias de inform tica, centradas no computador. O principal produto dessas tecnologias a informa o. Por causa desse complexo de tecnologias nossa era j foi batizada de era da informa o e nossa sociedade de sociedade da informa o Nunca se teve tanta informa o e nunca foi to f cil . 1 localiz -la e aceder a ela. Mas a inform tica hoje abrange as telecomunicaes e, especialmente depois da populariza o da Internet, o computador se tornou mais do que um processador de informaes: tornou-se um transportador de informaes e, mais importante, um meio de comunica o entre as pessoas segundo tudo indica, o meio de comunica o, por excelncia. No resta dvida de que essa tecnologia afetar profundamente a educa o como a tecnologia da fala, dezenas ou mesmo centenas de milnios atr s, a tecnologia da escrita, alguns poucos milnios atr s, e a tecnologia da impress o, cinco s culos atr s, tamb m o fizeram, antes dela. Quanto escola, como hoje a conhecemos, a grande questo se ela sobreviver ao desafio que lhe coloca essa tecnologia. A escola de hoje fruto da era industrial. Foi criada e estruturada para preparar as pessoas para viver e trabalhar na sociedade que agora est sendo substitu pela sociedade da informa o. Nesta o fluxo de da informa es, o relacionamento entre as pessoas, o com rcio, os servi os, o lazer e o turismo tm muito mais import ncia, como ocupa es humanas, do que a produ o de bens materiais, de que se encarregaro, em grande parte, os sistemas automatizados e os rob s. Uma sociedade deste tipo exige indiv duos, profissionais e cidados de um tipo muito diferente daqueles que eram necess rios na era industrial. de esperar que a escola, criada e organizada para servir a era anterior, tenha que reinventar se se , 2 desejar sobreviver, como institui o educacional, no pr ximo milnio .

Seguindo o exemplo dos portugueses, o verbo aceder (transitivo indireto, regendo a preposi o ) aqui usado, em sentido a admitidamente um pouco diferente dos tradicionais, para significar ganhar acesso na esperan a de que venha a substituir o , horrendo neologismo acessar (que tem sido conjugado como verbo transitivo). Como se ver neste texto, alguns neologismos (como o verbo clicar so inevit veis, porque no h nenhuma palavra portuguesa que corresponda a eles. J o adjetivo ) clic vel mais dif de digerir, e, por isso, embora usado com alguma parcim nia no texto, ainda assim foi sempre colocado entre aspas. cil Termos em Ingls geralmente usados na rea de inform tica so usados no texto sem aspas ou it lico, como o caso de link J . o verbo linkar (que teria o partic passado pio linkado est claramente fora dos limites do aceit vel. )2

1

Seymour Papert, em The Connected Family: Bridging the Digital Generation Gap (Longstreet Press, Atlanta, GA, 1996), p.166, afirma que o principal executivo da IBM escreveu um livro em que defende a tese de que a escola deve ser reinventada . Infelizmente ele no d o nome do livro. A passagem no texto j estava escrita, por m, quando essa referncia foi encontrada. interessante que em seu livro anterior (The Childrens Machine: Rethinking School in the Age of the Computer [Basic Books, New York, NY, 1993]; tradu o para o Portugus de Sandra Costa, A M quina das Crianas: Repensando a Escola na Era da

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O uso que o professor vai fazer do computador em sala de aula, hoje, vai depender, em parte, de como ele entende esse processo de transforma o da sociedade que vem acontecendo, em grande medida em decorrncia do desenvolvimento tecnol gico, e de como ele se sente em rela o a isso: se ele v todo esse processo como algo ben fico, que pode ajud -lo, na sua vida e no seu trabalho, ou se ele se sente amea ado e acuado por essas mudan as. Por isso h , no in deste texto, uma se o relativamente extensa sobre a cio informatiza o da sociedade e o papel da tecnologia no desenvolvimento humano enfocando principalmente a tecnologia mais afeta educa o. Se o professor no entender o que est se passando ao seu redor, dificilmente conseguir integrar o computador com naturalidade e sem receios infundados sua pr tica pedag gica dentro e fora da sala de aula. importante que se registre aqui no in que algo curioso ocorre quando a cio inform tica come a a entrar em uma rea espec (no s na educa o): ela atua fica como agente catalisador que provoca e desencadeia discusses muito s rias acerca dos fundamentos e conceitos b sicos, bem como das pr ticas firmemente estabelecidas, nessa rea. No raro a introdu o do computador em uma rea, ou mesmo apenas a perspectiva de sua introdu o, tem levado os que nela militam a concluir que seria oportuno rev-la e, quem sabe, reestrutur -la por completo. O termo reengenharia de processos foi cunhado por Michael Hammer porque, na rea industrial, se percebeu que a mera introdu o do computador para tornar mais eficientes, e, em muitos casos, totalmente automatizar, os processos usados, sem que esses processos fossem antes radicalmente revistos, do in ao fim, poderia levar ao cio 3 que Hammer caracteriza como asfaltar uma trilha de bois , ou ao que Seymour Papert descreveu como colocar motor de avio a jato em charrete para ver se ajuda 4 os cavalos a andar mais depressa . Na rea de escrit rios, h muito que se percebeu que no se trata de meramente automatizar rotinas j estabelecidas, mas, sim, com a ajuda da nova tecnologia (computadores, redes, etc.), de reinventar a forma de fazer as coisas, de criar novos fluxos de trabalho, freqentemente baseados em equipes mediadas pela tecnologia, de 5 permitir, sempre que poss o teletrabalho, o gerenciamento dist ncia, etc. vel,

Inform tica [Editora ArtMed, Porto Alegre, RS, 1994], Papert defende a tese de que a escola deve ser repensada algo que parece mais fraco do que reinventada .3

Michael Hammer e James Champy, Reengineering the Corporation: A Manifesto for Business Revolution (Harperbusiness, New York, NY, 1993), p.48; na tradu o brasileira de Ivo Korytowski, Reengenharia (Editora Campus, Rio de Janeiro, RJ, 1994), p.34, a expresso original paving cow paths traduzida como asfaltar uma trilha de carro de boi tradu o que reduz um pouco , a for a da expresso original.4

Seymour Papert, The Childrens Machine, op.cit., p.29.Ver Richard H. Irving e Christopher A. Higgins, Office Information Systems: Management Issues and Methods (John Wiley &

5

Sons, New York, NY, 1991) e Ursula Huws, Werner B. Korte e Simon Robinson, Telework: Towards the Elusive Office (John Wiley & Sons, New York, NY, 1990).

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A rea da educa o no exce o. Toda vez que se come a a discutir o uso da inform tica em sala de aula, acaba-se por discutir as questes mais fundamentais da educa o, inclusive o pr prio conceito de educa o: Qual a fun o da educa o? Qual o papel dos curr culos, dos contedos, do ensino, enfim, da escola e do professor no processo educacional? O que dizer da defini o de mile Durkheim, segundo o qual a educa o o processo de transmisso de cren as, valores, atitudes e h bitos, conduzido pelas gera es mais velhas, com o objetivo de tornar as gera es 6 mais novas aptas para o conv social? O que dizer, por outro lado, da tese de Jeanvio Jacques Rousseau de que educar no interferir, deixar a crian a desabrochar, espontaneamente, seguindo a sua natureza, e assim concretizando as suas 7 potencialidades? E o que dizer, por fim, da tese de S crates de que a fun o do professor, semelhantemente da parteira (que facilita, mas no d luz a crian a), 8 deve ser facilitar a aprendizagem, mas no ensinar? realista esperar que a crian a construa todo o seu conhecimento por si s , aprenda tudo o que tem que aprender por descoberta, sem que haja ensino ou instru o? l esperar, como nos lembra Karl cito Popper, que, se toda crian a tiver que come ar onde Ado come ou, ela v chegar 9 muito al m de onde Ado chegou? Por isso, antes de investigar o potencial do computador em sala de aula este texto procura discutir essas e algumas outras questes. Ele voltado principalmente para o professor. Ele foi elaborado para ser usado como material de apoio que ajude o6

Essa defini o, que aqui no citada verbatim, se encontra em Sociologia da Educa o, tradu o brasileira de Louren o Filho,

10 edi o (Edi es Melhoramentos, So Paulo, SP, 1975), passim. Na p g. 41 se encontra a famosa defini o: educa o a A a o exercida, pelas gera es adultas, sobre as gera es que no se encontrem ainda preparadas para a vida social, [com o] objetivo [de] suscitar e desenvolver, na crian a, certo nmero de estados f sicos, intelectuais e morais, reclamados pela sociedade pol no seu conjunto, e pelo meio especial a que a crian a, particularmente, se destine tica, .7

Essa tese se encontra exposta e defendida em Emlio ou da Educa o, tradu o de S rgio Milliet (Difuso Europ ia do Livro,

So Paulo, SP, 1968), passim. Passagens importantes se encontram s p gs 14, 22, 67, 68, 69 : Arrastados pela natureza e pelos homens por caminhos contr rios, obrigados a nos desdobrarmos entre to diversos impulsos, seguimos um, de compromisso, que no nos leva nem a uma nem a outra meta [p.14]. Observai a natureza e segui o caminho que ela vos indica. . . . Por que a contraria[i]s? No vedes que, pensando corrigi-la, destru sua obra, impedis o efeito de seus cuidados? [p.22]. nico indiv s O duo que faz o que quer aquele que no tem necessidade, para faz-lo, de por os bra os de outro na ponta dos seus; do que se depreende que o maior de todos os bens no a autoridade e sim a liberdade. O homem realmente livre s quer o que pode e faz o que lhe apraz. Eis minha m xima fundamental. Trata-se apenas de aplic -la inf ncia, e todas as regras da educa o vo dela decorrer [p.67]. Ningu m tem o direito, nem mesmo o pai, de mandar a crian a fazer algo que no lhe seja til . . . H duas esp cies de dependncia: a das coisas. que da natureza; a dos homens, que da sociedade [p.68]. Conservai a crian a tosomente na dependncia das coisas; tereis seguido a ordem da natureza nos progressos de sua educa o. No ofere ais a suas vontades indiscretas seno obst culos f sicos ou castigos que nas am das pr prias a es e de que ela se lembre oportunamente. Sem proibi-la errar, basta que se a impe a de faz-lo. S a experincia e a impotncia devem ser para ela leis [p.69].8

A famosa autocaracteriza o de S crates como parteira est no in do di logo plat nico Teeteto. da cio que vem o termo maiutica em Grego, o verbo grego maieuesthai quer dizer : agir como parteira e o substantivo maia quer dizer , parteira No . texto S crates descreve a atividade dele como a de uma parteira. Por isso, muitos tm considerado o modelo como se aplicando ao fil sofo, mas, neste contexto, ele se aplica at melhor ao professor.9

Vide Truth, Rationality and the Growth of Scientific Knowledge in Conjectures and Refutations: The Growth of Scientific ,

Knowledge (Harper Torchbooks, New York, NY, 1963, 1965), p.238. Cp. tamb m Towards a Rational Theory of Tradition no , mesmo livro, p.129. Na tradu o brasileira de S rgio Bath, sob o t Conjeturas e Refuta es (Editora Universidade de Bras tulo lia, Bras DF, 1972), as passagens mencionadas esto nas pp. 264 e 155, respectivamente. lia,

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professor ainda no familiarizado com o computador a entender como esse equipamento pode ser usado como tecnologia educacional (dentro ou fora da escola) e a vislumbrar como ele, professor, pode vir a usar o computador em suas atividades (agora, especialmente em sala de aula). O Minist rio da Educa o e do Desporto, atrav s de sua Secretaria de Educa o Dist ncia, tem estado, especialmente atrav s do PROINFO Programa de Inform tica na Educa o, ativamente envolvido na transforma o da escola. As Secretarias da Educa o dos Estados e mesmo dos maiores munic pios do pa tamb m possuem s seus programas suplementares nessa rea. Pedra angular desses programas a capacita o dos professores para entender, e lidar com, as novas tecnologias. Para que possa usar, cr e conscientemente, as tecnologias de inform tica em seu tica trabalho, o professor precisa, portanto, mais do que simplesmente treinamento t cnico: precisa enfrentar seriamente um conjunto de questes, a maioria de natureza te rica e conceitual, que tradicionalmente ficam no mbito da filosofia da educa o. Discute-se muito, hoje em dia, acerca do uso do computador na educa o mas muitas (talvez a maior parte) das questes envolvidas nessa discusso dizem respeito, no inform tica, em si, mas, sim, educa o, porque, antes de come ar a usar o computador em sala de aula, precisamos ter clareza sobre os v rios modelos de inser o do computador nos processos de ensino e aprendizagem. Por isto, este texto no pode deixar de explorar essas questes: elas esto na base de tudo o que se prope, de cunho mais pr tico, como forma de usar o computador na educa o, em geral, e na escola, em particular. Entretanto, da mesma forma que no adianta, no momento, apenas treinar o professor para que aprenda a usar softwares aplicativos gen ricos (processadores de texto, planilhas eletr nicas, gerenciadores de apresenta o, gerenciadores de bancos de dados, etc.), sem discutir com ele, previamente, e com toda a seriedade, essas questes b sicas de filosofia da educa o, tamb m no adianta apenas apresentar ao professor, em todo detalhe, as teses ditas construtivistas de Jean Piaget, Lev Vygotsky, Aleksandr Luria, e, ultimamente, at Paulo Freire, sem deixar bastante claro qual a relev ncia que essas questes te ricas tm para com as questes pr ticas relacionadas ao que fazer com o computador em sala de aula e sem orientar o professor sobre o que fazer na pr tica, em sala de aula, com o computador e os contedos curriculares que lhe cabe cobrir e cumprir. Hoje se discute muito esses autores. Mas como Papert bem assinala, preciso um microsc pio mental para 10 detectar sua influncia real em sala de aula. Obviamente, o que o professor eventualmente far com o computador em sua sala de aula vai depender tamb m da mat ria pela qual respons vel, da faixa et ria de seus alunos (ou das s ries em que ele ministra a sua mat ria), e de um conjunto de outros fatores. Por isso, muito dif elaborar um texto que seja igualmente til para cil professores de todas as mat rias, em todas as s ries.

10

Seymour Papert, The Connected Family, op.cit., p.162.

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O que se prope aqui a elabora o de um material que sirva de orienta o basicamente para o professor das s ries finais do Ensino Fundamental (5 a 8 ), embora muitas das id ias sejam aplic veis tamb m para o professor do Ensino M dio e at mesmo para o professor das s ries iniciais do Ensino Fundamental (1a 4 e da ) Educa o Infantil. Uma outra limita o que o que se vai dizer procura levar em conta a relativa indisponibilidade, para o professor brasileiro, de software dito educacional. Por isso, o texto vai discutir a utiliza o em sala de aula de programas (em Portugus) que geralmente acompanham todos os computadores comercializados hoje, como, por 11 exemplo, Microsoft Office . No se deixar , por m, de discutir tamb m a alternativa Logo, que possui ferrenhos defensores dentro e fora do pa e que est facilmente s, dispon em v rias verses, em Portugus, pelo menos uma das quais (a do NIED da vel 12 UNICAMP) gratuita para escolas . Dir-se- tamb m uma palavra sobre o uso de softwares educacionais facilmente encontr veis no mercado, em Portugus, geralmente distribu dos em CD-ROMs embora sabendo-se que a maioria das 13 escolas no os possui . Por fim ( last, but not least tamb m se discutir o uso ), pedag gico da Internet, visto que ela est hoje geralmente dispon (mesmo que as vel escolas raramente se valham da ubiqidade da rede para fins pedag gicos). Nesse caso, h materiais interessantes em Portugus e em outras l nguas, especialmente em Ingls.

Eduardo O C Chaves Campinas, Dez/98

11

Microsoft Office inclui fundamentalmente Microsoft Word, Microsoft Excel, Microsoft PowerPoint e Microsoft Access.12

A verso do NIED, chamada Slogo para Windows 95, pode ser obtida atrav s de download a partir do site http://www.nied.unicamp.br/projetos/softw/logow/index.htm.13

A maioria dos CD-ROMs discutidos foi distribu s escolas estaduais de So Paulo que receberam a cole o de CD-ROMs da

chamada Ensino Online da Secretaria de Estado da Educa o.

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I. Tecnologia, Sociedade e Educa o1. A Informatiza o da SociedadeUma das caracter sticas mais vis veis de nossa sociedade, em pa desenvolvidos, ses ou mesmo em pa em desenvolvimento, como o nosso (hoje chamados por alguns ses de emergentes a presen a da tecnologia em todos os setores. E a tecnologia mais ), importante, hoje, o computador ou est centrada nele. Comecemos com um simples exerc Fa a uma lista de aspectos de sua vida di ria cio. que envolvem contato direto ou indireto com o computador. (Por contato indireto querse dizer, neste caso, contato com produtos do computador). No seu trabalho, seu contracheque ou hollerith , com toda certeza, emitido por computador; Seu extrato banc rio, naturalmente, emitido por computador; Se voc tem cartes de cr dito, seus extratos tamb m so emitidos por computador; Se voc compra a cr dito, por meios mais convencionais, seus carns so feitos por computador; Sua notifica o de Imposto de Renda (IRPF), Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU), Imposto Permanente sobre Ve culos Automotivos (IPVA), e outros impostos elaborada por computador, e, possivelmente, voc at entrega sua declara o de Imposto de Renda e paga seu PVA pela Internet; Suas contas de luz, gua, telefone, TV por assinatura, etc., tamb m so preparadas e emitidas por computador; Na escola de seu filho, a matr cula, o carn de pagamentos (caso ele esteja em escola particular), o relat rio de notas, o hist rico escolar, etc., so todos elaborados com o aux do lio computador; Se voc precisa de alguma informa o, o caminho mais natural, hoje em dia, procur -la primeiro na Internet; O jornal e a revista que voc compra na banca (ou l pela Internet) foram redigidos, compostos, diagramados, impressos (se este foi o caso), e distribu com o aux do computador; dos lio Emissoras de r dio que voc de vez em quando ouve transmitem seus programas via sat lite para todo o pa e via s Internet para todo o mundo, fazendo com que o r dio deixe de ser um meio de comunica o tipicamente local;

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Os programas de televiso a que voc diariamente assiste, no poderiam ter sido feitos ou transmitidos sem o aux do lio computador; Muitos dos comerciais que voc v na televiso so feitos utilizando-se o computador para efeitos visuais e sonoros (efeitos de multim dia); Os efeitos especiais de muitos dos filmes hoje famosos no poderiam ter sido alcan ados sem o computador e alguns desenhos animados de longa metragem j esto sendo feitos totalmente atrav s do computador; Se voc precisa ou deseja se comunicar com algu m, pessoa f sica ou institui o, o correio eletr nico hoje uma das alternativas mais eficientes e eficazes; Grande parte da correspondncia que voc recebe foi endere ada via computador e toda a sua correspondncia chega sua casa mediante processos controlados por computador; O telefone que voc usa hoje no mais funciona sem o computador: suas chamadas locais, interurbanas, e internacionais, so todas completadas e contabilizadas por computadores; O terminal telef nico usado em sua casa, se voc mora em local atendido por central telef nica digital, um computador disfar ado; A distribui o de gua e energia el trica em sua cidade provavelmente controlada por computador; Se voc vai viajar, suas reservas, tanto em companhias a reas como em hot is, so feitas por computador; Em avies, como, tamb m, j em autom veis e em trens mais recentes (como os do metr de nossas capitais), o computador respons vel pelo controle e bom funcionamento de um nmero cada vez maior de processos, fazendo com que esses meios de transporte sejam verdadeiras redes ambulantes de computadores; Caminhes e nibus de frota tm seus movimentos rastreados por sat lite e monitorados por computador, para que no se atrasem e nem se desviem desnecessariamente da rota; Seu rel gio ou despertador digital tem um minsculo microprocessador dentro dele, como tamb m o caso, naturalmente, de sua m quina de calcular eletr nica (a expresso tendo se tornado at pleon stica neste caso);Tecnologia e Educa o - 12/194

Na verdade, h rel gios de pulso que tamb m so bancos de dados de endere os e compromissos e que podem ser conectados a um computador maior para troca de informa es; Sua c mera fotogr fica e sua c mera de v so controladas deo por microprocessadores e c meras fotogr ficas totalmente digitais (sem filmes) j come am a conquistar o mercado; Seu toca-discos a laser e seu v deo-jogo ( videogame so ) verdadeiros computadores disfar ados; Em aparelhos dom sticos, como televisores, aparelhos de v deo-cassete, fornos a microondas, geladeiras, etc., microprocessadores j controlam o funcionamento de uma s rie de processos; Em vez de ir ao banco, voc normalmente interage com sua institui o banc ria atrav s de caixas eletr nicos e/ou servi os de atendimento remoto (computador, telefone, ou fax); Se voc vai ao m dico, grande parte dos equipamentos usados nos v rios exames a que voc se submete so computadorizados; V rios produtos manufaturados que voc adquire, de roupas a autom veis, foram feitos com o aux do computador; lio As empresas usam a Internet para fazer seu marketing, para comercializar seus produtos e servi os, e para dar suporte p svenda aos seus clientes, bem como para se conectar com parceiros, fornecedores, institui es financeiras e rgos governamentais (principalmente os da rea tribut ria e fiscal); Matrizes e filiais de empresas multinacionais, bem como as institui es financeiras, em geral, em qualquer lugar do globo, esto interconectadas via computador 24 horas por dia, sete dias por semana; A guerra tornou-se um afazer de alta tecnologia e os instrumentos b licos so equipamentos de alta preciso; As igrejas come am dar assistncia espiritual aos seus paroquianos atrav s da Internet; Na pol tica, j se vota eletronicamente e prev-se o fim pr ximo da democracia representativa, a ser substitu da pela democracia direta, eletr nica, em que plebiscitos e referendos 14 so feitos instantaneamente ;

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Quanto a esse assunto que, infelizmente, no nos ocupar mais neste trabalho, por extrapolar de muito o seu escopo, vide Adam Schaff, A Sociedade Inform tica, tradu o do Alemo por Carlos Eduardo Jordo Machado e Luiz Arturo Obojes (Editora UNESP

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Seu joguinho nas v rias loterias no sairia se no fosse o computador, e at o tradicional Bingo est computadorizado (s faltando informatizar o ponto de venda do Jogo do Bicho); Se voc vai a um est dio de futebol ou a um gin sio esportivo, prov vel que l haja um placar eletr nico, controlado por computador; O seu pr prio lazer pessoal est cada vez mais dependente do computador, seja o dom stico (que envolve v deo-jogos, jogos por computador, e bate-papos dist ncia), seja o externo, fora de casa (que hoje est se concentrando nos grandes centros de lazer e parques tem ticos que no existiram sem o computador).

Voc pode completar a lista. O importante notar que provavelmente seria mais f cil e simples fazer uma lista dos aspectos de nossa vida que n o envolvem contato (direto ou indireto) com o computador. No seria exagero dizer que, se, hoje, computadores deixassem de existir ou parassem de funcionar, nosso mundo e nossa sociedade entrariam em colapso, tantas so as reas e atividades que dependem deles. Este texto, por exemplo, como quase todos os textos, hoje em dia, no foi redigido com uma m quina de escrever e sim com um computador, valendo-se de referncias, fontes, e sistemas de informa o dispon na Internet mas fisicamente armazenados em dezenas de locais diferentes, veis espalhados ao redor do mundo. Na realidade, parece que o mundo da fic o cient saiu do futuro, onde sempre fica confortavelmente existiu, para invadir o nosso presente. Hoje em dia at a arte est em grande parte computadorizada. A abertura da maioria dos grandes programas de televiso, os pr prios programas, at os comerciais, tornaram-se cen rios eletr nicos onde artistas, muitos deles desconhecidos, exibem uma arte sofisticada desenvolvida com o aux do computador. Alguns computadores lio j reconhecem comandos aud veis e so capazes de reconhecer a voz do dono. Sintetizadores de voz permitem que os computadores falem e ajudem at os mudos a se expressar de forma aud Sat lites tiram fotografias a milhes de quil metros de vel. dist ncia e as transmitem na forma de impulsos el tricos, que, decodificados por computadores, transformam-se em imagens maravilhosas. Equipamentos colocados em sat lites tiram, da mesma forma, fotografias que nos permitem elaborar mapas cada vez mais precisos e prever com razo vel exatido as condi es meteorol gicas.e Editora Brasiliense, So Paulo, SP; publicado originalmente sob os ausp cios do Clube de Roma), p.69: Vale a pena, pois, assinalar as implica es sociais da segunda revolu o industrial [a atual, por outros chamada de p s-industrial] a este respeito: a inform tica abre novas perspectivas para a democracia direta, isto , para o autogoverno dos cidados no verdadeiro sentido do termo, porque torna poss estender a institui o do referendo popular em uma escala sem precedentes, dado que antes tais vel referendos eram praticamente imposs veis do ponto de vista t cnico. Isto pode revolucionar a vida pol da sociedade, no tica sentido de uma maior democratiza o (O t em Portugus desse livro uma tradu o infeliz. O t original em Alemo . tulo tulo Wohin f hrt der Weg, que, traduzido literalmente, quer dizer Para onde nos conduz o caminho que, apesar de canhestro, parece um t melhor do que o adotado pelo tradutor.) tulo

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Pequenos transmissores de sinais instalados em ve culos que rodam nas estradas comunicam constantemente sua posi o a conjuntos de sat lites que circulam ao redor do globo, permitindo que computadores localizem imediatamente os ve culos. Minsculos sistemas eletr nicos controlam os batimentos card acos de milhares de pacientes e monitoram o funcionamento de seus rgos vitais. Sofisticados equipamentos m dicos computadorizados fazem uma varredura ( scan do interior ) das pessoas, possibilitando que v rias doen as, que doutra forma passariam despercebidas, possam ser diagnosticadas. O diagn stico m dico e o monitoramento de pacientes j podem ser feitos dist ncia. Arquitetos e projetistas usam os recursos gr ficos dos computadores para projetar pr dios, pe as, equipamentos e aparelhos. Nas indstrias, o processo de automa o vai sendo implantado, desde o setor produtivo at os setores administrativos, e, em menor grau, nos setores gerenciais e at mesmo executivos. Os estoques e a opera o de supermercados, farm cias, e outros neg cios esto sendo controlados vivo (em tempo real) por computadores, ao em alguns casos pelos pr prios fornecedores. Num supermercado poss com um vel, apertar de botes, descobrir que produtos, ou que marcas, no esto vendendo bem e coloc -los em ofertas especiais ou locais privilegiados. O governo no subsistiria um dia sem seus computadores. A pol e a investiga o criminal tamb m dependem cia maci amente dos computadores. A justi a e os cart rios esto se informatizando. Os sem foros das grandes cidades so controlados por computadores e se ajustam conforme o fluxo do tr nsito. Onde vamos parar? A resposta mais realista que no vamos parar. Diante desse quadro, por m, muitas pessoas ficam temerosas de que estejamos entrando, realmente, numa sociedade do tipo previsto no livro 1984, de George Orwell 15 . Em n individual, muitos se sentem intimidados por computadores. Sentem receio de vel que sua privacidade venha a ser invadida por eles, de que informa es importantes sobre suas vidas estejam sendo armazenadas, sem seu conhecimento e sua autoriza o, em algum computador do governo (ou de grandes empresas ou institui es no governamentais e sem fins lucrativos), e possam, em algum momento, vir a ser utilizadas contra eles pr prios. Em n social, teme-se que a automa o de processos industriais, comerciais, e vel administrativos possa vir a eliminar empregos, aumentando, ainda mais, os problemas 16 sociais hoje existentes.

15

George Orwell, 1984 (Harcourt, Brace and World, New York, NY, 1949), tradu o brasileira (com o mesmo t tulo) de W. Velhos (Companhia Editora Nacional, So Paulo, SP, 10 edi o,1977). O livro foi escrito em 1948, o seu t sendo a inverso dos tulo ltimos dois d gitos do ano em que foi redigido. Outro livro famoso neste contexto, publicado dezessete anos antes, Brave New World, de Aldous Huxley (Harper & Row, New York, NY, 1932), tradu o brasileira de Vidal de Oliveira e Lino Vallandro, sob o t Admir vel Mundo Novo (Editora Globo, Porto Alegre, RS, 10edi o, 1982). tulo Um dos livros mais abrangentes sobre esses problemas, tanto em n individual como em n social, Computerization and vel vel

16

Controversy: Value Conflicts and Social Choices, editado por Charles Dunlop e Rob Kling (Academic Press, Inc., New York, NY, 1991).

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da natureza humana ter preocupa es como essas, e algumas delas so plenamente justificadas, como, por exemplo, as relativas invaso da privacidade e ao temor de que informa es importantes passam vir a ser utilizadas para finalidades que no aquelas para as quais foram fornecidas. O problema do aumento de desemprego estrutural (e no apenas conjuntural) tamb m real e deve ser encarado com 17 seriedade e bom senso. Mas, apesar dessas preocupa es e desses perigos, todos sabemos que os ponteiros do rel gio no vo voltar para tr s: a sociedade em que vivemos no vai mais se desinformatizar e isso por uma s rie de razes, nenhuma das quais talvez essencial em si mesma, mas que, em seu conjunto, se tornam significativas. Mencionemos, brevemente, algumas delas, porque apontam para o lado posit ivo da maci a introdu o de computadores em nossas vidas. Em primeiro lugar, os computadores fornecem servi os r pidos e j nos acostumamos a servi os r pidos. Voc j imaginou ter que esperar dias para saber quantos os ganhadores na Sena ou na Loto? Para saber as notas de sua filha no vestibular? Ou receber seu cheque no final do ms? Ou fazer reservas para sua viagem? Ou ter que esperar minutos ou at horas para saber seu saldo no banco, ou para conseguir uma liga o interurbana? J nos acostumamos rapidez que a utiliza o do computador nos propicia dificilmente vamos querer voltar aos velhos tempos. Em segundo lugar, apesar das inmeras hist rias de erros de computador, computadores so extremamente confi veis. A maior parte dos chamados erros de computador no passa de meros erros humanos, provocados por programadores, operadores ou usu rios que fizeram o que no deveriam ter feito ou no fizeram o que deveriam ter feito. Isso no quer dizer que no haja falhas de equipamento ou de software, mas essas so muito raras perto dos erros humanos. Por causa disso, dificilmente se voltaro os ponteiros do rel gio para tr s, para que voltemos a fazer manualmente as coisas que hoje so feitas pelo computador. Na verdade, dif at cil imaginar como algumas das coisas que o computador faz hoje possam ser feitas de outra forma! Em terceiro lugar, computadores e rob s podem executar uma s rie de tarefas perigosas ou ma antes, que seres humanos no gostam de executar ou at mesmo no podem executar, liberando, assim, seres humanos para tarefas menos perigosas e mais criativas. verdade que, no processo, h que se lidar com a questo do desemprego, do reaproveitamento e treinamento dos trabalhadores cujas tarefas perigosas e rotineiras vierem a ser assumidas por computadores e rob s. Esse um problema que ter que ser enfrentado, mas que dificilmente far com que se decida voltar atr s, at porque a indstria de computadores e equipamentos relacionados17

O problema do emprego/desemprego ser discutido rapidamente adiante. No h dvida, por m, de que a tendncia no

sentido de que, daqui para a frnte, falando em termos percentuais, cada vez menos pessoas trabalhem e cada pessoa trabalhe cada vez menos. O s culo XXI dever ser o s culo do tempo livre. Essa tese foi brilhantemente defendida no programa Roda Viva da TV Cultura do dia 4 de Janeiro de 1999 pelo soci logo italiano Domenico de Masi ([email protected]), cujo desempenho causou tamanho impacto que o programa teve que ser reprisado na semana seguinte (11 de Janeiro de 1999) e um nmero record de pessoas comprou a fita.

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tamb m cria uma s rie de empregos que, f ssemos n s voltar atr s, deixariam de existir, tornando o problema do desemprego, quem sabe, ainda mais s rio. Em quarto lugar, com o desenvolvimento do conhecimento cient e tecnol gico, fico especialmente na rea da inform tica e das telecomunica es, estamos sendo confrontados com um dilvio de informa es. O computador certamente tem contribu para esse dilvio mas ser tamb m ele que nos ajudar a lidar com do essas informa es, arquivando-as, classificando-as, analisando-as, e colocando-as disposi o de quem delas precisa. Sem o aux do computador, essas seriam tarefas lio virtualmente imposs hoje em dia. veis quase certo, portanto, que o processo de informatiza o da sociedade irrevers vel e que a cada dia aumentaro as reas em que o computador estar sendo empregado, bem como as formas de sua utiliza o. Na verdade, no h quase nenhuma rea que possa ser considerada inteiramente imune ao computador. Como j se apontou, em nossas casas j h v rios computadores, assumidos ou disfar ados (como o caso do televisor, do v deo-cassete, do toca-discos a laser, do forno a microondas, do v deojogo, ou at mesmo do terminal telef nico). Mas paralelamente a essa introdu o maci a do computador nas v rias reas da economia e da sociedade, est ocorrendo um outro desenvolvimento, to ou mais significativo do que esse. Esse desenvolvimento tem que ver no s com a quantidade das reas informatizadas, mas com a qualidade do acesso informa o. Nos ltimos vinte anos, com o surgimento dos computadores pessoais e, mais recentemente, com a interpenetra o cada vez maior da inform tica e das telecomunica es, a natureza do acesso informa o tem se alterado de forma dr stica, revolucion ria mesmo. Essa altera o no meramente quantitativa no apenas o caso de que mais e mais pessoas tm, hoje, acesso informa o, embora este seja o caso. A altera o tamb m qualitativa: a pessoa que hoje est tendo acesso informa o, atrav s da inform tica, a pessoa leiga, a pessoa no treinada na rea o acesso informa o est atravessando um processo de abertura, est sendo, de certa forma, democratizado. A tecnologia tem permitido a desmedia o do acesso informa o. O acesso informa o est deixando de ser monop lio dos poderosos ou de uns poucos iniciados, que se trancavam em salas com ar refrigerado e se escondiam por detr s de jargo especializado, freqentemente inacess para se tornar um patrim nio da vel, pessoa no especializada na rea. O computador pessoal conectado a redes de escopo mundial est possibilitando isso, e este fato representa um passo gigantesco na dire o da informatiza o da sociedade. Isso porque, medida que mais e mais pessoas leigas, no especializadas em inform tica, se envolvem com computadores, estes vo se desmitificando, deixando de ser misteriosos e inintelig veis, e passando a ser vistos como acess rios pessoais cada vez mais importantes, at se tornarem imprescind veis. Os escrit rios executivos e CPDs Centros de Processamento de Dados deixaram de ser, dentro da empresa, os nicos detentores de informa es. Estas, agora, j existem nos computadores pessoais existentes nas escrivaninhas das pessoas, em todos os departamentos e setores, e esses computadores esto cada vez mais interligados, uns com os outros e com computadores externos.

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Um dos grandes temas de discusso hoje so as chamadas Super-Vias de Informa o, ou Info-Vias. D cadas atr s o grande feito de um pol tico-administrador era construir estradas, interligando-as umas as outras. Hoje isso est sendo substitu pela cria o do de super-redes de computadores, que interligam milhes de computadores, atrav s das quais a informa o trafega. Essas super-redes, por sua vez, esto sendo interligadas umas com as outras, criando a Internet, que vai tornando poss que vel qualquer computador do mundo possa, em princ pio, estabelecer conexo com qualquer outro. E estamos apenas no come o. A indstria eletr nica digital, que o fundamento da indstria de computadores, est ainda em sua inf ncia quando comparada indstria mais convencional e tradicional. Os que tm hoje (1998) mais de 55 anos nasceram numa poca em que no existiam computadores. Esses desenvolvimentos so, portanto, muito recentes. por isso que se fala, hoje em dia, em uma nova revolu o industrial. Ou, ento, se o termo industrial reservado para a indstria tradicional, afirma-se que estamos vivendo, hoje, em grande parte, numa sociedade p s-industrial, em que a mat ria prima mais utilizada a informa o e o equipamento indispens vel o computador que nos ajuda a processar toda essa informa o. A sociedade p sindustrial em que estamos vivendo a sociedade da informa o a sociedade informatizada. E o computador, que antes apenas processava informa o, agora se torna tamb m um transportador de informa es e um meio de comunica o qui o meio de comunica o por excelncia. O n de globaliza o a que chegamos nas vel reas da produ o industrial e dos servi os no seria sequer imagin vel alguns anos atr s. O mundo realmente se tornou uma aldeia, como previra Marshall McLuhan. Os livros que lemos, as msicas que ouvimos, os filmes que vemos so, em grande parte, transnacionais. Assistimos aqui no Brasil, ao vivo, a programas de televiso gerados na Am rica do Norte, na Europa, na sia e, naturalmente, em outros pa da Am rica ses do Sul. Vemos, ao vivo, guerras que se desenrolam no Oriente M dio. Consumimos produtos manufaturados ou plantados nos mais diversos pa ses. Da classe m dia para cima, quase todo mundo tem algum parente morando no exterior. Falamos com pessoas no hemisf rio Norte, na Oceania, ou em v rios pa ses africanos, com a mesma facilidade com que conversamos com nossos vizinhos. O Milan, o Real Madrid e o Paris Saint-Germain tm torcedores aqui no Brasil, da mesma forma que os times brasileiros tm torcedores l fora. A queda da bolsa na Tail ndia afeta as bolsas no resto do mundo. Pela Internet podemos fazer cursos de P s-Gradua o no exterior, pesquisar as melhores bibliotecas do mundo, e comprar livros em livrarias virtuais (que esto tornando obsoleta essa excrescncia que o lar livro d ). por tudo isso e muito mais, e, ainda, por algumas outras razes pessoais que s as pr prias pessoas conhecem, que tantas pessoas esto fazendo cursos de inform tica ou participando de programas de treinamento em inform tica. A inform tica hoje afeta todas as profisses. Quem trabalha em um escrit rio no pode ignorar a questo. Quem exerce profisso no setor de artes ou projetos gr ficos, sabe que o computador ferramenta indispens vel de trabalho. Quem profissional liberal (advogado, m dico, dentista, engenheiro, etc.), precisa estar interessado na questo. Quem estudante, tamb m, talvez com maior razo. Hoje, desde o escritur rio at o artista pl stico, desde a enfermeira at o romancista, desde o trabalhador na linha de montagem at o executivo de marketing e de vendas, todos esto tendo suas profisses redefinidas e,Tecnologia e Educa o - 18/194

em alguns casos, revolucionadas, pela introdu o do computador. Escritores, artistas, jornalistas, todos esto procurando se capacitar. H debates, mesas redondas, pain is, sobre como a inform tica est afetando as profisses, tornando algumas obsoletas (como a de tip grafo, por exemplo), redefinindo outras (como a de jornalista). Todos os setores profissionais se agitam. Dentro de pouco tempo, quem no dominar a inform tica ser equivalente ao semi-analfabeto de hoje: ter que se contentar com uma profisso no qualificada.

2. A Educa o, a Escola e o ProfessorMas e a educa o, a escola e o professor? Por que nada disso parece afet -los ou mesmo lhes dizer respeito? Deixemos de lado, por um momento, a educa o no-formal, e concentremos nossa aten o na escola e no seu principal agente, o professor. O que acontece com a escola, que faz com que, apesar de virtualmente todas as outras reas de nossa sociedade estarem se transformando, em grande parte em fun o da introdu o de tecnologia, especialmente de computadores, a escola continue a operar como se nada disso lhe fosse relevante, tornando-se uma ilha no-tecnol gica num mar de tecnologia? Se fun o da educa o preparar o indiv para uma vida plena (em que fa a bom duo uso at de seu tempo livro, do qual ter cada vez mais), o cidado para o exerc de cio seus direitos e deveres, e o profissional para o trabalho, se ineg vel (como acabamos de ressaltar) que a sociedade em que o indiv vai viver, exercer a sua cidadania e duo trabalhar est permeada pela tecnologia, e se fato que a escola o principal agente da educa o na sociedade, parece l gico esperar que a escola estivesse extremamente interessada e envolvida nesses desenvolvimentos, pois, doutra forma, correria o risco de rapidamente se tornar uma brica de obsoletos (que o que o f 18 jornalista Gilberto Dimmenstein diz que ela j ). Por que a escola parece sempre to disposta a resistir a mudan as? Mesmo numa sociedade apenas "emergente" como a nossa, no ainda plenamente desenvolvida, a tecnologia entrou sem maiores resistncias e sem grandes dificuldades em quase todas as reas em que normalmente se divide a sociedade. Hoje temos produ o industrial mediada pela tecnologia, com rcio mediado (ou pelo menos sustentado) pela tecnologia, servi os banc rios mediados pela tecnologia, atendimento m dico mediado pela tecnologia, comunica o mediada pela mais alta tecnologia, e at entretenimento mediado pela tecnologia. No entanto, estamos ainda muito longe de uma educa o mediada pela tecnologia pelo menos no que diz respeito educa o formal ministrada pela escola. O que causa perplexidade que a educa o, que deve, entre outras finalidades, preparar o indiv para viver uma vida pessoal rica, para atuar de forma respons vel duo18

Gilberto Dimmenstein, Excesso de Informa o Provoca Ignor ncia Folha de S. Paulo, 2 de novembro de 1997: maioria de , A

nossas escolas forma exatamente o fracassado do futuro por investir mais na memoriza o para passar no vestibular do que na criatividade. Incr que, no Brasil, so raras as pessoas em p nico com essas f bricas de obsoletos (nfase acrescentada). vel

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como cidado, e para exercer uma profisso de forma competente e recompensadora, no pode, numa sociedade como a nossa, alcan ar esses objetivos sem dominar a tecnologia. Nossas casas possuem cada vez mais tecnologia, votamos com a ajuda da tecnologia, acedemos a informa es atrav s da tecnologia, participamos de debates atrav s da tecnologia, nos comunicamos atrav s da tecnologia, e trabalhamos (quase em qualquer rea) com o indispens vel apoio da tecnologia. Diante disso, no devia nossa educa o formal, escolar, estar extremamente preocupada com a possibilidade de que tamb m a educa o pudesse, e, talvez, devesse ser mediada pela tecnologia? Mesmo deixando de lado nossas institui es financeiras, nossas indstrias, nossos escrit rios, nossos centros comerciais, por que o cuidado com a sade de nosso corpo , hoje, to dependente da tecnologia, e o cuidado com a sade de nossa mente, de nossas emo es, de nossas rela es pessoais, que deve ser objeto da educa o, to pouco afetado por ela? A resposta nada tem que ver com a natureza da educa o muito pelo contr rio . Teria algo que ver, ento, com os profissionais da educa o? Seriam os educadores mais resistentes a inova es (isto , mais conservadores) do que, por exemplo, os m dicos? Parece que sim no no sentido pol (onde geralmente os educadores tico se pretendem avan ados e progressistas), mas, sim, no sentido de tentar conservar a sua pr tica to inalterada quanto poss procurando argumentos de todos os tipos vel, (inclusive racionaliza es) para justificar o seu conservadorismo.19

Se no so os educadores, o que explica o atraso da educa o escolar no que diz respeito ao uso da tecnologia em especial quando a tecnologia hoje to relevante e til para o aprendizado, e, assim, para a educa o? Note-se, ao mesmo tempo, que, fora da escola, a educa o (que chamamos de n o formal) no parece to presa a objetivos, m todos e t cnicas tradicionais. Ali o uso da tecnologia parece acompanhar mais de perto o que acontece no restante da sociedade. As tecnologias de inform tica tm sido chamadas de extenses de nossa mente diferentemente das outras tecnologias, que ampliam nossa capacidade sensorial, motora, ou 20 muscular . Nossa era tem sido chamada, como vimos, de era da informa o e de era do19

Seymor Papert, em The Connected Family, op.cit., p.159, se pergunta (mas responde negativamente) se aprender no seria mais semelhante a processos naturais, como amar e se alimentar, do que a algo t cnico que pudesse ser afetado pela tecnologia. Esta mudou profundamente como (por exemplo) tratamos de nossa sade, mas (at agora, pelo menos) no alterou em quase nada como amamos e mesmo como nos alimentamos (embora possa ter afetado o objeto de nosso amor e o contedo do que ingerimos). Vide Adam Schaff, op.cit., p.22. Schaff caracteriza assim a diferen a entre a primeira e a segunda revolu o industrial: A primeira . . . teve o grande m rito de substituir na produ o a for a f sica do homem pela energia das m quinas (primeiro pela utiliza o do vapor e mais adiante sobretudo pela utiliza o da eletricidade). A segunda revolu o, que estamos assistindo agora, consiste em que as capacidades intelectuais do homem so ampliadas e inclusive substitu por aut matos, que eliminam com das xito crescente o trabalho humano na produ o e nos servi os Comparar, a esse respeito, Jeremy Rifkin, The End of Work: The . Decline of the Global Labor Force and the Dawn of the Post-Market Era (G. P. Putnam Sons, New York, NY, 1995, 1996). s Tamb m a esse respeito ver o interessante artigo de Stephen Kanitz, Vida sem Trabalho Veja, edi o de 13 de Janeiro de A , 1999, em que defende a tese de que com os rob s suprindo nossas necessidades, no futuro poderemos nos devotar a atividades mais interessantes do que o trabalho Em tom meio de blague Kanitz conclui que o brasileiro, que tira trs meses de f rias por ano . (do in de Dezembro at depois do Carnaval), est especialmente bem adaptado para essa sociedade do futuro melhor do que cio os americanos, viciados no trabalho20

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conhecimento porque a tecnologia que a caracteriza , informa o e a constru o do conhecimento. A rapidamente se tornando o principal meio de produ encontrou uma nova forma de gerar riquezas. E intrinsecamente ligadas a esses desenvolvimentos.

extremamente relevante para o acesso informa o e o conhecimento esto o, atrav s do qual nossa sociedade as tecnologias da inform tica esto

por isso tudo que causa perplexidade ver a educa o (formal, escolar) ainda tentando dar, hoje, passos inseguros nessa rea (passos esses que come ou a ensaiar h mais de 15 anos no Brasil), enquanto as outras reas da sociedade, mesmo aqui no Brasil, j alcan aram maioridade e tm desempenho que se equipara ao dos pa mais desenvolvidos. ses

3. A Quest o da TecnologiaAntes, por m, de ir adiante em nossa discusso, precisamos tornar mais preciso o nosso conceito de tecnologia, pois, caso contr rio, poder-se-ia ter a impresso de que a tecnologia um fen meno recente e que as tecnologias da inform tica (ou as tecnologias digitais) so as nicas tecnologias dignas do nome. Veremos que o conceito de tecnologia bem mais amplo e que, toda vez que uma nova tecnologia aparece, ela geralmente acaba produzindo no s transformaes tcnicas, mas, tamb m, importantes mudanas sociais. A. O Artefato e a T cnica Hoje em dia comum distinguir entre alta e baixa tecnologia e falar em tecnologia ponta Os desenvolvimentos mais fascinantes, sem dvida, esto hoje na rea da de . chamada alta tecnologia ou tecnologia de ponta, principalmente nas reas que envolvem eletr nica digital (em especial a inform tica) e bioengenharia. Este fato, entretanto, no deve fazer com que nos esque amos de que, em um sentido b sico e fundamental, tecnologia todo artefato ou t cnica que o homem inventa para estender e aumentar seus poderes, facilitar seu trabalho ou sua vida, ou simplesmente lhe trazer maior satisfa o e prazer. Assim, a alavanca, o machado, a roda, o arado, o anzol, o motor a vapor, a eletricidade, a carro a, a bicicleta, o trem, o autom vel, o avio, o tel grafo, o telefone, o r dio, a televiso, tudo isso certamente tecnologia. Mas tamb m so tecnologia a fala, a escrita, a impresso, os ornados vitrais das catedrais medievais, os instrumentos musicais, os sistemas de nota o musical, e tantas outras coisas que o homem inventou para lhe trazer satisfa o e prazer. Aqui nos interessam especialmente as tecnologias de comunica o, que so, em aspectos importantes, tecnologias relacionadas no com os poderes f sicos do ser humano, mas com seus poderes mentais e, conseqentemente, com a sua educa o. "A comunica o humana, ao longo do tempo, passou por quatro revolu es distintas: a palavra falada; a palavra escrita; a palavra impressa; e, finalmente, a quarta revolu o, potencialmente mais

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profunda e ainda em curso, que se iniciou com o r pido 21 desenvolvimento das telecomunica es". Assim, discutiremos, nas se es que seguem, a linguagem falada, a linguagem escrita, a impresso e, como exemplo das novas tendncias, as tecnologias do som e da imagem que, embora tenham antecedentes bastante antigos, desembocam hoje na multim dia. B. A Fala como Tecnologia Antes de desenvolver a fala (linguagem falada), o ser humano era virtualmente indistingu dos animais. Como estes, comunicava-se por gestos e grunhidos. Tem se vel comentado muito, hoje em dia, o fato de que alguns primatas so capazes de relacionar um som (como uma palavra) com um determinado objeto ou uma determinada a o. O estabelecimento dessa correla o entre um som e um objeto ou uma a o o aspecto mais simples e elementar do aprendizado da fala. Ele envolve nada mais do que a capacidade de rotular as coisas, dando como que nomes pr prios a objetos e a es. O aprendizado real da linguagem, entretanto, envolve a capacidade de fazer abstra es, criar conceitos, e usar termos gerais para designar esses conceitos. H trs principais tipos de conceitos. O primeiro tipo de conceito aquele que obtido mediante a abstra o (remo o) de caracter sticas concretas e acidentais de entidades percept veis de modo a deixar apenas as caracter sticas essenciais que v rios objetos f sicos compartilham e que servem de base para que apliquemos a eles, e apenas a eles, um determinado termo geral (nome comum, no pr prio). Assim, depois de observar um nmero razo vel de mesas elaboramos o conceito de mesa (e damos a ele o nome mesa se nossa l , ngua for o Portugus). Esse conceito no descreve nenhuma mesa concreta (particular), mas, sim, apenas as caracter sticas gerais que todas as mesas compartilham e que podem ser chamadas, portanto, de as caracter sticas essenciais de uma mesa. O termo mesa um termo geral, comum, no um nome pr prio, e se aplica, portanto, a qualquer objeto que tenha as caracter sticas essenciais de uma mesa. Os conceitos desse primeiro tipo podem ser chamados de conceitos emp ricos (porque designam entidades percept veis, a que se pode claramente apontar, de forma ostensiva) e representam o primeiro n ou a primeira ordem de conceitos. vel O segundo tipo de conceito obtido quando refletimos, no diretamente sobre as caracter sticas essenciais de objetos f sicos, mas, sim, sobre conceitos de primeiro n como o que acabamos de identificar, e constru vel, mos, a partir deles, conceitos cujos ingredientes b sicos so outros conceitos abstra es de abstra es. Esses so conceitos de segundo n porque pressupem os conceitos de primeiro n e vel, vel no existiriam sem eles. H basicamente duas formas de gerar conceitos desse tipo:

21

Harold G. Shane, "The Silicon Age and Education", in Phi Delta Kappan, January 1982, pp.303-308.

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a) criando, a partir dos conceitos de primeiro n conceitos mais gen ricos, que, por vel, serem mais gen ricos, abrangem mais entidades e, portanto, integram v rios outros conceitos; b) criando, ainda a partir dos conceitos de primeiro n conceitos mais espec vel, ficos, que, por serem mais espec ficos, abrangem menos entidades e, portanto, diferenciam outros conceitos. O conceito de m vel um conceito mais abrangente do que o conceito de mesa, porque abrange o conceito de mesa e v rios outros conceitos (de cadeira, de cama, de guarda-roupa, etc.). Na verdade, o conceito de m vel representa o gnero do qual o conceito de mesa representa a esp cie. No h nenhum objeto f sico que possa ser classificado como m vel que no seja, ao mesmo tempo, classific vel debaixo de um conceito de n l gico inferior, como uma mesa, uma cadeira, uma cama, um guardavel roupa, etc. Na psicognese dos conceitos, o de m vel muito provavelmente derivado do de mesa, cadeira, etc., por generaliza o. O conceito de mesa de caf , por m, um conceito mais espec (e, portanto, menos fico abrangente) do que o conceito de mesa, porque se refere a uma categoria espec fica uma esp cie de mesa (que, em rela o a mesa de caf , passa a ser o gnero). importante notar que, neste caso, o conceito base, que poder amos chamar de ncora o conceito de mesa, no o de mesa de caf . Na psicognese dos conceitos, , o de mesa de caf certamente derivado do de mesa, por especifica o. O terceiro tipo de conceito abrange os conceitos abstratos, que no se referem a objetos emp ricos, percept veis, mas, sim, a qualidades intang veis como verdade, bondade, beleza, etc. Para chegar a esses conceitos o homem precisa exercer os seus poderes de abstra o num n ainda mais elevado. Era com esses conceitos que vel S crates gostava de trabalhar. Nenhum animal, a no ser o homem, capaz de construir conceitos. A fala no passaria de um sem nmero de grunhidos e, na melhor das hip teses, nomes pr prios se no fosse essa capacidade l gica que tem o ser humano de criar conceitos e de usar nomes gerais (comuns) para se referir a eles. Podemos imaginar, portanto, o grande salto que representa, na escala evolutiva, o aparecimento da fala. Sem a linguagem (que apareceu primeiro como fala), no haveria educa o (como a entendemos hoje). Historicamente, a fala representa a primeira tecnologia que tornou poss vel a educa o. (Pressupe-se aqui que apenas o ser humano realmente educa o que aquilo que uma gorila, ou um casal de gorilas, faz com seus pequenos no seria, neste caso, educa o). No est gio da tradi o exclusivamente oral, a educa o algo for osamente pessoal e presencial (termo muito usado hoje para real ar o contraste com educa o dist ncia Para que ela aconte a duas pessoas tm que estar pr ximas uma da outra, ). no espa o e no tempo, e criar, uma com a outra, uma rela o eminentemente pessoal. Esse modelo tem se perpetuado, mesmo depois da introdu o na educa o de tecnologias, como o livro impresso, que tornaram poss uma educa o no vel presencial e ass ncrona (isto , que no envolve contigidade espa o-temporal).

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C. A Escrita como Tecnologia O passo tecnol gico mais significativo dado a seguir, nessa rea que nos interessa, foi o da inven o da escrita, muitos milnios depois da inven o da fala. A escrita uma tecnologia que nos permite, num primeiro momento, registrar a fala, para que outros possam receber as palavras que a dist ncia e/ou o tempo os impede de escutar. Hoje em dia h tecnologias que gravam a fala em si, ou que a levam a locais remotos, mas antes da inven o de fon grafos, telefones e de outros meios de telecomunica o sonoros, t nhamos que depender da escrita para levar a fala codificada a locais remotos. Com a escrita temos comunica o lingistica remota, comunica o lingistica 22 dist ncia . A escrita foi, portanto, a primeira tecnologia que permitiu que a fala fosse congelada, perpetuada, e transmitida dist ncia. Com a escrita, deixou de ser necess rio capturar a fala de algu m naquele instante passageiro e vol til antes que ela se dissipasse no espa o. A escrita tornou poss o registro da fala e a transmisso da fala para vel localidades distantes no espa o e remotas no tempo. Na realidade, com o passar do tempo, a escrita acabou por criar um novo estilo de comunica o: a linguagem tipicamente escrita, que no a mera transcri o da fala. Al m disso, a escrita tamb m criou um novo estilo de fala. O teatro, por exemplo, a 23 fala decodificada da escrita . Algu m escreve a pe a, ou o roteiro, e outros a representam, falando. Literalmente, no havia teatro antes da escrita s improvisa o. No teatro, portanto, a comunica o se d em dois tempos: da fala imaginada pelo autor da pe a para o texto escrito, e do texto escrito para a fala interpretada do ator. (Pressupe-se, aqui, que ler uma pe a no equivalente a assistir a ela representada no teatro). Muitos expressaram receio, quando a escrita se disseminou, de que ela fosse subverter a memria e, conseqentemente a educa o, at ent o calcada na memria, e de que ela fosse uma forma de comunica o essencialmente inferior fala. S crates, pelo que consta, nunca escreveu nada. A julgar pelos relatos que dele e de suas id ias nos deixa Plato, isso no se deu por acaso: S crates tinha preconceitos contra a escrita. Pelo menos isto que fica claro no famoso di logo Fedro. No cap XXV de Fedro, S crates conta a seguinte hist ria, que ele chama de mito, tulo acerca da inven o da escrita, que ele atribui ao deus eg pcio Teuto (a quem os Gregos chamavam de Hermes). Teuto, orgulhoso de sua principal inven o (ele tamb m teria sido o inventor do nmero e do c lculo, da geometria e da astronomia),

22

Acrescenta-se o qualificativo ling stica porque poss comunicar-se remotamente atrav s de sinais, como, por exemplo, os vel de fuma a, usados em contextos de comunica o relativamente primitivos.23

Walter Ong, em Oralidade e Cultura Escrita: A Tecnologia da Palavra (Campinas, Papirus, 1982, 1998; tradu o do original

Ingls por Enid Abreu Dobr nszky), p.69, aponta para um importante fato, a saber, que numa cultura em que a escrita foi interiorizada a linguagem escrita afeta e modifica a fala: Indiv duos que interiorizaram a escrita no apenas escrevem, mas tamb m falam segundo os padres da cultura escrita, isto , organizam, em diferentes graus, at mesmo sua expresso oral em padres de pensamento e padres verbais que no conheceriam, a menos que soubessem escrever .

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veio mostr -la ao rei Tamos, que lhe perguntou qual a utilidade da inven o. Eis o que disse Teuto: Aqui, rei, est um conhecimento que melhorar a mem ria do povo eg pcio e o far mais s bio. Minha inven o uma receita para a mem ria e um caminho para a sabedoria A isso o rei ceticamente respondeu: . habilidoso Teuto, a um dado criar artefatos, a outro julgar em que medida males e benef cios advm deles para aqueles que os empregam. E assim acontece contigo: em virtude de teu apre o pela escrita, que tua filha, no vs o seu verdadeiro efeito, que o oposto daquele que dizes. Se os homens aprenderem a escrita, ela gerar o esquecimento em suas almas, pois eles deixaro de exercitar suas mem rias, ficando na dependncia do que est escrito. Assim, eles se lembraro das coisas no por esfor o pr prio, vindo de dentro de si pr prios, mas, sim, em fun o de apoios externos. O que voc inventou no uma receita para a mem ria, mas apenas um lembrete. No o verdadeiro caminho para a sabedoria que voc oferece aos seus disc pulos, mas apenas um simulacro, pois dizendo-lhes muitas coisas, sem ensin -los, voc far com que pare am saber muito, quando, em sua maior parte, nada sabem. E eles sero um fardo para seus companheiros, pois estaro cheios, no de sabedoria, mas da 24 pretenso da sabedoria. A seguir S crates comenta: Voc sabe, Fedro, esta a coisa estranha sobre a escrita, que ela se parece com a pintura. Os produtos do pintor ficam diante de n s como se estivessem vivos, mas se voc os questiona, eles mantm um silncio majest tico. O mesmo acontece com as palavras escritas: elas parecem falar com voc como se fossem inteligentes, mas se voc, desejando ser instru lhes pergunta do, alguma coisa sobre o que dizem, elas continuam a lhe dizer a mesma coisa, para sempre. Uma vez escrita, uma composi o, seja l qual for, se espalha por todo lugar, caindo nas mos no s dos que a entendem, mas tamb m daqueles que no deveriam lla. A composi o escrita no sabe diferenciar entre as pessoas certas e as pessoas erradas. E quando algu m a trata mal, ou dela abusa injustamente, ela precisa sempre recorrer ao seu pai, pedindo-lhe que venha em sua ajuda, posto que incapaz de 25 defender-se por si pr pria .

24

Plato, Phaedrus (The Library of Liberal Arts, Bobbs-Merrill Company, Inc., Chicago, tradu o do grego por R. Hackforth e tradu o do Ingls por Eduardo Chaves). Acerca dessa passagem ver From Internet to Gutenberg magn conferncia , fica apresentada por Umberto Eco na Academia Italiana de Estudos Avan ados na Am rica, no dia 12 de Novembro de 1996, dispon na Internet no seguinte endere o: www.italynet.com/columbia/internet.htm. vel25

Idem, Ibidem.

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Walter Ong, em seu fascinante livro Oralidade e Cultura Escrita, comenta esse trecho, relacionando-o com questes atuais, de uma maneira que bastante pertinente ao nosso prop sito original, ao cit -lo: maioria das pessoas fica surpresa, e muitas ficam angustiadas, A ao saber que, fundamentalmente, as mesmas obje es feitas em geral aos computadores hoje foram feitas por Plato no Fedro (274-277) e na Stima Carta em rela o escrita. A escrita, diz Plato atrav s de S crates, no Fedro, inumana, pois pretende estabelecer fora da mente o que na realidade s pode estar na mente. uma coisa, um produto manufaturado. O mesmo, claro, dito dos computadores. Em segundo lugar, objeta o S crates de Plato, a escrita destr i a mem ria. Aqueles que usam a escrita se tornaro desmemoriados e se apoiaro apenas em um recurso externo para aquilo de que carecem internamente. A escrita enfraquece a mente. Atualmente, os pais, assim como outras pessoas, temem que [os computadores e] as calculadoras de bolso forne am um recurso externo para o que deveria ser o recurso interno de tabuadas memorizadas. [Os computadores e] [a]s calculadoras enfraquecem a mente, aliviam-na do trabalho que a mant m forte. Em terceiro lugar, um texto escrito basicamente inerte. Se pedirmos a um indiv para explicar esta ou aquela duo afirma o, podemos obter uma explica o; se o fizermos a um texto, no obteremos nada, exceto as mesmas, muitas vezes tolas, palavras s quais fizemos a pergunta inicialmente. Na cr tica moderna ao computador, faz-se a mesma obje o: Lixo entra, lixo sai Em quarto lugar, em compasso com a mentalidade agon . stica das culturas orais, o S crates de Plato tamb m acusa a palavra escrita de no poder se defender como a palavra natural falada [*]: o discurso e o pensamento reais sempre existem fundamentalmente em um contexto de toma-l -d -c [ give-andtake entre indiv ] duos reais. Fora dele, a escrita passiva, fora de 26 contexto, em um mundo irreal, artificial. Como os computadores.

26

Walter Ong, op.cit., pp. 94-95. A frase que antecede o asterisco no texto , no original, Plato's Socrates also holds it against

writing that the written word cannot defend itself as the natural spoken word can Infelizmente a tradu o oficial para o Portugus . saiu-se com isto: S crates de Plato tamb m defende contra a escrita que a palavra escrita no pode se defender como a O palavra natural falada Minha aten o foi chamada para a passagem citada (na verdade para a obra toda) pelo Rev. Wilson . Azevedo, nas discusses no grupo de discusso eletr nico Edutec que tem por objeto discutir na Internet a questo da , tecnologia na educa o. Para participar do Edutec, envie uma mensagem eletr nica para [email protected], com a linha de assunto vazia e com o seguinte contedo: join edutec. Para enviar mensagens para o Edutec, dirija-as a [email protected]. No preciso ser membro do Edutec para enviar mensagens para o grupo, mas preciso ser membro para receber as mensagens enviadas para o grupo.

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curioso que Plato (embora no S crates) tenha se valido da escrita para perpetuar esses di logos socr ticos. Provavelmente ele discordasse de seu mestre neste 27 aspecto. Caso contr rio, dificilmente ter amos os di logos socr ticos registrados . Vale a pena registrar, no contexto, as considera es de Walter Ong sobre a escrita: Plato [S crates] estava pensando na escrita como uma tecnologia externa, hostil, como muitas pessoas atualmente fazem em rela o ao computador. Em virtude de termos hoje interiorizado a escrita, absorvendo-a to completamente em n s mesmos, de uma forma que a era de Plato ainda no fizera (Havelock 1963), julgamos dif consider -la uma tecnologia, tal como aceitamos cil fazer com o computador. No entanto, a escrita (e especialmente a alfab tica) uma tecnologia, exige o uso de ferramentas e outros equipamentos: estiletes, pinc is ou canetas, superf cies cuidadosamente preparadas, peles de animais, tiras de madeira, assim como tintas, e muito mais. . . . A escrita , de certo modo, a mais dr stica das trs tecnologias [escrita, impresso, computadores]. Ela iniciou o que a impresso e os computadores apenas continuam, a redu o do som din mico a um espa o mudo, o afastamento da palavra em rela o ao presente vivo, nico lugar em que as palavras faladas podem existir. . . . O processo de registrar a linguagem falada governado por regras conscientemente planejadas e inter-relacionadas: por exemplo, um certo pictograma significar uma certa palavra espec fica, ou a representar um certo fonema, um outro, e assim por diante. . . . b Dizer que a escrita artificial no conden -la, mas elogi -la. Como outras cria es artificiais e, na verdade, mais do que qualquer outra, ela inestim vel e de fato fundamental para a realiza o de potenciais humanos mais elevados, interiores. As tecnologias no constituem meros aux exteriores, mas, sim, lios transforma es interiores da conscincia, e mais ainda quando afetas palavra. Tais transforma es podem ser enaltecedoras. A escrita aumenta a conscincia. A aliena o de um meio natural pode ser boa para n s e, na verdade, em muitos aspectos fundamental para a vida humana plena. Para viver e compreender plenamente, necessitamos no apenas da proximidade, mas tamb m da dist ncia. Essa escrita alimenta a conscincia como nenhuma outra ferramenta. As tecnologias so artificiais, mas novamente um paradoxo a artificialidade natural aos seres humanos. A tecnologia, adequadamente interiorizada, no rebaixa 28 a vida humana, pelo contr rio, acentua-a. Um ponto fraco da opinio de Plato que, para tornar mais convincentes essas obje es, ele as p s por escrito Walter Ong, . loc. cit.28 27

Walter Ong, op.cit., pp. 97-98. O autor mencionado na cita o Eric A. Havelock, e o livro Preface to Plato (Belknap Press of

Harvard University Press, Cambridge, MA, 1963).

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interessante tamb m notar, neste contexto, que o que S crates considera uma desvantagem da escrita o fato de que ela no responde s nossas perguntas Mortimer J. Adler e Charles van Doren consideram uma vantagem: as perguntas que n s fazemos ao texto escrito, somos n s mesmos que temos que tentar responder e isso bom, porque nos desafia, porque nos torna ativos na leitura. Eis o que dizem, em seu livro How to Read a Book: Ouvir uma s rie de prele es , por exemplo, em muitos aspectos, como ler um livro, e ouvir um poema como l-lo. Muitas das regras formuladas neste livro [dedicado a como ler um livro] se aplicam experincia de ouvir. Entretanto, h boa razo para se colocar mais nfase na atividade da leitura e colocar menos nfase na atividade da audi o. A razo que audi o aprendizado por [ from um ensinante presente enquanto leitura aprendizado por ] [ from um ensinante ausente. Se voc faz uma pergunta a um ] ensinante presente, ele provavelmente vai respond-la. Se voc fica perplexo por algo que ele diz, voc pode se poupar o trabalho de refletir perguntando a ele o que ele quis dizer. Se, contudo, voc formula uma pergunta a um livro, voc mesmo que vai ter que respond-la! Neste aspecto, o livro mais como a natureza ou o mundo. Quando voc o questiona, ele s responde se voc se d 29 ao trabalho de pensar e analisar . verdade, por m, que Adler e van Doren j esto falando de livros impressos, mas o que dizem se aplica tamb m a livros manuscritos. Mas, com isso, chegamos se o seguinte. D. A Impresso como Tecnologia A impresso representa o est gio seguinte no processo de desenvolvimento das tecnologias de comunica o. A escrita, antes da impresso, tinha alcance limitado, porque era feita a mo. Copiar um livro a mo, por exemplo, era algo que levava tempo e ficava caro. Por isso, antes do surgimento da impresso, havia poucos livros, e o nmero de pessoas alfabetizadas era pequeno. Apenas aprendiam a ler e a escrever, e, portanto, recebiam educa o num sentido parecido com o atual, os intelectuais, isto , as pessoas que estavam incumbidas da preserva o da cultura geralmente monges e cl rigos. Num contexto assim de imaginar que a educa o no florescesse como fen meno de massa. Nem mesmo os reis, os pr ncipes e os nobres isto , as pessoas que ocupavam os escales mais altos da sociedade eram alfabetizados: no havia porque devessem saber ler e escrever, pois no havia o que ler. Escrever 30 era uma arte manual cujos produtos eram poucos e pouco disseminados .29

Mortimer J. Adler e Charles van Doren, How to Read a Book (Simon and Schuster, New York, NY, 1940), p.13. O Aurlio (pelo menos na edi o consultada) no registra ensinante nem aprendente Deveria faz-lo: so termos que preenchem de forma . significativa uma lacuna na l ngua portuguesa. Vide adiante a nota apensada ao t da se o III.2.A. tulo30

Antes da inven o da impresso e da dissemina o de uma cultura letrada, saber ler e escrever era uma profisso, que, como

tal, apenas alguns exerciam na sociedade. Assim como nem todo mundo precisa saber como construir casas ou cultivar campos, porque h os que fazem isso para n s, antes da impresso nem todos precisavam saber ler e escrever: havia aqueles que faziam

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Quando Gutenberg inventou a impresso de tipo m vel, em 1450, tudo come ou a mudar. As mesmas cr ticas que foram feitas escrita foram feitas impresso, e com muito mais razo, como bem ressalta Walter Ong: fortiori, a impresso est sujeita a essas mesmas acusa es A [que foram feitas escrita]. Aqueles que se perturbam com as apreenses de Plato quanto escrita se sentiro ainda mais inquietos ao descobrir que a impresso criou receios semelhantes quando foi introduzida pela primeira vez. Hieronimo Squarciafico, que na verdade promoveu a impresso dos cl ssicos latinos, tamb m argumentou em 1477 que a abund ncia de livros torna os homens menos atentos(citado em Lowry 1979, pp. 29-31): ela destr i a mem ria e enfraquece a mente ao alivi -la do trabalho rduo (novamente a queixa contra o computador de bolso), rebaixando o s bio em favor do compndio de bolso. Obviamente, outros viram a impresso como um nivelador bem-vindo: todos se 31 tornam s bios (Lowry 1979, pp. 31-32) . No entanto, no caso da impresso os efeitos sobre a educa o foram ainda mais amplos e mais profundos. Numa cultura oral, ou mesmo em uma cultura letrada, mas em que livros so escassos, como era o caso da cultura posterior inven o da escrita mas anterior da impresso, quem quisesse aprender alguma coisa tinha que se deslocar at a presen a de uma pessoa que conhecesse bem esse contedo e estivesse disposta a ensin -lo. Por isso estudiosos eram itinerantes na Idade M dia: tinham que ficar se locomovendo atr s dos mestres que lhes interessavam, aos p s dos quais se sentavam para absorver suas palavras e ret-las na mem ria! O livro impresso, que rapidamente se popularizou, era uma excelente mem ria auxiliar que tornava desnecess rio reter na mem ria tudo que era necess rio saber. Assim, o livro impresso comeou a disseminar a pr tica de dar ao aprendizado o ritmo do aprendente, n o do ensinante. Com o livro impresso tamb m tornou-se f cil e comum aprender com algu m que est distante no espa o ou no tempo! Assim, a impresso, e o seu produto, o livro impresso, tornaram poss pela primeira vez, a vel, pr tica generalizada do ensino dist ncia. Com o livro facilmente dispon e velisso pelos outros, exercendo uma profisso especializada. O filme Central do Brasil mostra claramente como a oralidade ainda a nica forma de comunica o para um nmero grande de brasileiros.31

Walter Ong, op.cit., p. 95. O autor citado Martin Lowry e o livro mencionado The World of Aldus Manutius: Business and

Scholarship in Renaissance Venice (Cornel University Press, Ithaca, NY, 1979). O Ingls tem v rios termos ( printing , printer , press , print todos substantivos), com sentidos parecidos mas diferentes, e que so, freqentemente, dif ceis de traduzir. O que Ong chama de impresso tradu o de printing que se refere fundamentalmente ao processo de imprimir algo. , Printer o gr fico (dono da gr fica) ou a gr fica em si, bem como, hoje, a impressora (do computador). Imprensa (o meio de comunica o) a melhor tradu o de press embora o termo tamb m se refira, s vezes, ao processo de impresso. A melhor tradu o de , print mais dif O termo s vezes se refere quilo que impresso: uma gravura impressa um cil. print como tamb m o so a , planta de um edif ou o projeto gr fico de um equipamento (geralmente chamados de cio blueprints Mas tamb m se fala em ). finger print (impresso digital), foot print (pegada, marca deixada pelos p s), etc. Escrever em letra de forma tamb m , em Ingls, print (aqui, naturalmente, verbo), termo que tamb m se aplica, como substantivo, letra de forma, ou s letras impressas em geral (como em fine print letras midas). ,

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relativamente barato, estimulou-se e muito o auto-aprendizado sistem tico (com o aux do livro). lio Assim, o livro impresso, al m de compartilhar com a escrita a acusa o de que contribu para o enfraquecimento da mem ria, pode ter sido objeto de cr a ticas no sentido de que acentuava a remo o, da educa o, daquele car ter de relacionamento pessoal entre mestre e disc pulo, que, numa tradi o oral, lhe era indispens vel e, numa tradi o letrada, mas anterior impresso, se considerava ainda essencial para ela. O livro, pode-se confiantemente dizer, foi o primeiro produto cultural de consumo de massa. Se a fala foi a tecnologia que tornou poss a educa o, o livro impresso foi a vel 32 tecnologia que lhe causou a primeira grande revolu o . Mas a impresso e o livro impresso revolucionaram mais do que a educa o. Sem eles no teria havido a Reforma Protestante, no teria surgido a cincia moderna, no teriam se fortalecido as l nguas vern culas modernas, no teriam surgido as literaturas modernas, como as conhecemos, no teria acontecido o S culo das Luzes, no teriam aparecido os estados nacionais modernos, e, assim, provavelmente no ter amos tido todos os desenvolvimentos desses decorrentes (como a Revolu o Americana, a 33 Revolu o Francesa, etc.) . E. A Tecnologia da Imagem A pintura uma forma de linguagem no verbal. Parece prov vel que as primeiras linguagens escritas tenham sido pict ricas, no alfab ticas. A pintura, diferentemente da linguagem alfab tica, uma forma anal gica de representa o da realidade. Como tal, a pintura, enquanto tecnologia, extremamente antiga. Depois da inven o e do uso disseminado da linguagem alfab tica, a pintura continuou a ser usada como meio de comunica o, especialmente em benef dos analfabetos. cio Nas catedrais medievais, as pinturas chegaram a uma forma extremamente sofisticada

32

Ver a esse respeito o ainda muito relevante Understanding Media: The Extensions of Man, de Marshall McLuhan (McGraw-Hill Book Co., New York, NY, 1964): livro foi a primeira m quina de ensinar e tamb m a primeira mercadoria produzida em massa. . O . . A sociedade aberta aberta em virtude de um processamento educacional tipogr fico uniforme, que permite expanso indefinida de qualquer grupo por adi o. O livro impresso baseado na uniformidade e repetibilidade tipogr fica na ordem visual foi a primeira m quina de ensinar, e a tipografia foi a primeira mecaniza o de uma arte manual (p.174).33

Cp. McLuhan, op.cit., especialmente o cap. 18: palavra impressa: arquiteta do nacionalismo pp.170-178. Eis algumas A ,

passagens retiradas deste e de outros cap tulos do mesmo livro. exploso tipogr fica estendeu as mentes e as vozes dos A homens de modo a redefinir o di logo humano, agora em escala global e que unifica as eras. . . . A tipografia fez com que se encerasse o paroquialismo e o tribalismo, ps quica e socialmente, tanto no espa o como no tempo (p.170). Ao mesmo tempo, por m, em que criou uma sociedade global, tanto em termos espaciais como temporais, fazendo com que se encerrassem o paroquialismo e o tribalismo, o livro impresso fortaleceu os grupos ling sticos e, com isso, favoreceu o surgimento do nacionalismo (criando, assim, a semente de um novo paroquialismo): unifica o pol das popula es em grupos vernaculares e ling A tica sticos era impens vel antes de a impresso tornar o vern culo um meio de comunica o de massa (p.177). nacionalismo era O desconhecido no mundo ocidental antes da Renascen a, quando Gutenberg tornou poss ver a l vel ngua materna em roupagem uniforme (p.215). Neste contexto tamb m importante o outro livro de McLuhan, The Gutenberg Galaxy: The Making of Typographic Man (University of Toronto Press, Toronto, ON, 1962).

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de arte e de meio de comunica o. Marshall McLuhan, num rasgo de exagero, chega a 34 considerar os vitrais medievais os predecessores da televiso . A grande inova o, na rea de tecnologia da imagem, surgiu com a fotografia. Muitos acreditaram, quando surgiu a fotografia, que ela pudesse matar a pintura: por que iria algu m preferir uma representa o imprecisa e inadequada da realidade, se poderia ter uma c pia perfeita (se bem que em duas dimenses)? Note-se que quem faz observa o como essa pressupe que a fun o da pintura representar a realidade de forma to fidedigna poss Neste caso, a fotografia, representando a realidade de vel. forma ainda mais fidedigna do que qualquer pintura, tornaria esta forma de arte obsoleta. Depois da fotografia, vieram o cinema, a televiso e o v deo: a imagem em movimento e (depois de uma breve fase de cinema mudo) acompanhado do som. Da mesma forma que se acreditou que a fotografia pudesse matar a pintura, cogitou-se de que o cinema pudesse matar o teatro. Nada disso aconteceu. Especula-se, ainda, que a televiso vai matar o cinema. Aqui a questo ainda est aberta. Na educa o, a imagem tem uma fun o muito importante, se bem que, hoje, freqentemente subutilizada na escola. de crer que, no mundo antigo e medieval, em que a maioria da popula o era analfabeta, a imagem tivesse um papel educacional bem mais proeminente semelhante ao que possui, hoje, na educa o no-formal, que se realiza fora de contextos escolares. Mesmo depois da impresso, a imagem continuou a ter um papel bastante educacional importante na educa o, se bem que o mais das vezes esse papel fosse supletivo ao da escrita. As j mencionadas catedrais tamb m tinham um objetivo pedag gico, al m do devocional. Muitos analistas acham que, hoje, em fun o da influncia generalizada da televiso, estamos retornando para uma cultura oro-imagnica e deixando para tr s a cultura letrada que imperou durante tantos s culos, a partir da inven o da impresso. Por isso os jovens, hoje, preferem ver televiso a ler, ou preferem ver a verso filmada de um livro a ler o pr prio livro. Como a televiso faz excelente uso, ao lado da imagem, da linguagem falada, pode argumentar-se que as novas gera es esto retroagindo para o n da cultura oral: so extremamente h beis e proficientes na comunica o vel oral, mas altamente deficientes na comunica o escrita (seja na leitura, seja na escrita, propriamente dita). A linguagem corporal das novas gera es tamb m , em geral, bastante eficiente, mesmo quando usada inconscientemente. H muito material importante para estudo e pesquisa a parte dos educadores. por F. A Tecnologia do Som Aqui se trata de fazer referncia, ainda mais brevemente do que nos casos anteriores, tecnologia do som quer se dizer, de um lado tecnologia da grava o, reprodu o e transmisso do som; de outro lado tecnologia da msica e dos instrumentos musicais.

34

Understanding Media, op.cit.

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Se a escrita permitiu o registro e a perpetua o da fala, isto se deu transformando a fala em algo diferente, a saber, s mbolos visuais. Aqui, por m, estamos destacando o registro da fala enquanto fala, no como algo diferente. ( verdade que sempre foi poss reconstituir a fala a partir da escrita, mas isso outra coisa). vel A tecnologia de grava o, reprodu o e transmisso do som permite que o som seja transmitido dist ncia. Com isso foi poss o aparecimento do tel grafo, do telefone, vel e do r dio tecnologias que, com exce o do tel grafo, so ainda extremamente importantes hoje, at mesmo na educa o (principalmente no formal). Na rea de tecnologia do som merece destaque especial a msica. Tanto quanto se sabe, o ser humano sempre cantou. Desde que aprendeu a falar, de crer que tenha come ado a colocar letras em suas melodias. Para os sons musicais, a nota o musical desempenha o mesmo papel que, para a fala, desempenha a escrita. A tecnologia do som envolve, ainda, por fim, um outro aspecto, o da cria o de sons previamente inexistentes no mundo natural, como o caso dos instrumentos musicais. Combinados, os instrumentos musicais eventualmente tornaram poss a orquestra, vel que representa uma tecnologia bastante sofisticada, como bem ressalta Walter Ong: orquestra moderna, por exemplo, resultado de alta tecnologia. A Um violino um instrumento, isto , uma ferramenta. Um rgo uma m quina enorme, com recursos de for a bombas, foles, geradores el tricos inteiramente exteriores a seu operador. A partitura de Beethoven para sua Quinta Sinfonia consiste em