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ALÉXA RODRIGUES DO VALE TECENDO REDES DE PRODUÇÃO DE CUIDADO: ITINERÁRIOS TERAPÊUTICOS DE PESSOAS EM SITUAÇÃO DE RUA EM UM MUNICÍPIO DE PEQUENO PORTE. São João del-Rei PPGPSI-UFSJ 2018

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ALÉXA RODRIGUES DO VALE

TECENDO REDES DE PRODUÇÃO DE CUIDADO:

ITINERÁRIOS TERAPÊUTICOS DE PESSOAS EM

SITUAÇÃO DE RUA EM UM MUNICÍPIO DE

PEQUENO PORTE.

São João del-Rei

PPGPSI-UFSJ

2018

ALÉXA RODRIGUES DO VALE

TECENDO REDES DE PRODUÇÃO DE CUIDADO:

ITINERÁRIOS TERAPÊUTICOS DE PESSOAS EM

SITUAÇÃO DE RUA EM UM MUNICÍPIO DE

PEQUENO PORTE

Dissertação apresentada ao Programa de

Mestrado em Psicologia da Universidade Federal

de São João del-Rei, como requisito parcial para a

obtenção do título de Mestre em Psicologia.

Área de Concentração: Psicologia

Linha de Pesquisa: Instituições, Saúde e Sociedade

Orientador: Marcelo Dalla Vecchia

São João del-Rei

PPGPSI-UFSJ

2018

Ficha catalográfica elaborada pela Divisão de Biblioteca (DIBIB) e Núcleo de Tecnologia da Informação (NTINF) da UFSJ,

com os dados fornecidos pelo(a) autor(a)

V149tVale, Aléxa Rodrigues. Tecendo redes de produção de cuidado : Itineráriosterapêuticos de pessoas em situação de rua em ummunicípio de pequeno porte. / Aléxa Rodrigues Vale ;orientador Marcelo Dalla Vecchia. -- São João delRei, 2018. 58 p.

Dissertação (Mestrado - Programa de Mestrado emPsicologia) -- Universidade Federal de São João delRei, 2018.

1. itinerário terapêutico. 2. sem-teto. 3.assistência à saúde. 4. redes sociais. I. Vecchia,Marcelo Dalla, orient. II. Título.

4

Agradecimentos

A trajetória do mestrado, por vezes, é solitária, e em diversos momentos temos

apenas os livros, os artigos e as ideias que se materializam na escrita. Talvez por isso, os

agradecimentos se tornem tão relevantes, pois expressam todo o suporte recebido ao longo

da caminhada.

Difícil descrever a magnitude do sentimento de gratidão a Deus, por tornar o jugo

leve, me intuir em diversos momentos com sabedoria, acalentar meus medos e colocar em

minha vida pessoas especiais.

Agradeço à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - CAPES

pelo apoio financeiro.

Ao Prof. Marcelo, que se tornou mais do que um orientador, um amigo. Agradeço-

lhe a confiança, as orientações e as alegrias compartilhadas.

Aos profissionais da equipe de Abordagem Social Especializada, por permitir o

acompanhamento das atividades diárias para o desenvolvimento da pesquisa.

Aos meus pais, não somente pelo amor incondicional, mas também pelo apoio,

incentivo e pela compreensão nos momentos em que estive ausente, muitas vezes imersa na

escrita e na análise dos dados.

Às minhas irmãs, pela cumplicidade e por serem um porto seguro, onde quer que eu

esteja.

Ao Paulo, meu amigo e companheiro, por compreender minhas ausências, meus

medos, ouvir minhas angústias e por me incentivar a sonhar grande.

Aos amigos, que trazem leveza à vida. Em especial, a Lais, a Fernanda e a Tassiana,

que caminharam junto a mim, estiveram sempre disponíveis nas dúvidas e nas angústias;

além de compartilhar as alegrias do caminho.

À Cecilia, não somente pela amizade, mas também pelo exemplo de profissionalismo

e ética.

À Pastoral Nacional do Povo da Rua, à Pastoral de Rua da Arquidiocese de Belo

Horizonte e ao Movimento Nacional da População de Rua pela acolhida, por me ensinar as

nuances da vida nas ruas e pela oportunidade de me engajar na luta pelos direitos humanos.

Por fim, a todos os atores dessa dissertação; pessoas com trajetórias singulares que

se dispuseram a compartilhar suas histórias comigo e transformaram minha vida - pessoal e

profissional.

5

“Como é que posso com este mundo? A vida é ingrata no macio de

si; mas transtraz a esperança mesmo no meio do fel do desespero”.

Grande Sertão Veredas – Guimarães Rosa

6

Resumo

Recentemente ocorreram diversas mudanças no acesso e legitimação dos direitos da

população em situação de rua (PSR). Os esforços das políticas nacionais buscam a

construção de ações intersetoriais e a compreensão da complexidade do fenômeno,

rompendo com perspectivas higienistas e excludentes. Apesar do empenho para legitimar os

direitos da PSR, não se vislumbram mudanças concretas em todos os estados e municípios

brasileiros. Especialmente, identificam-se notáveis diferenças no acesso aos direitos sociais

a partir do porte das cidades, sendo que em municípios de pequeno porte há a restrição de

ofertas de ações destinadas à PSR. No que se refere ao direito à saúde, pouco se discute sobre

o protagonismo dos sujeitos nos percursos de cuidado à saúde, agenciando redes formais e

informais. Diante desse panorama, buscou-se identificar e analisar os itinerários terapêuticos

de pessoas em situação de rua em um município de pequeno porte. A presente pesquisa tem

caráter qualitativo e através de entrevistas semiestruturadas e observações participantes, foi

possível desvelar aspectos dos percursos de cuidado à saúde. Os resultados indicam o acesso

restrito deste público aos serviços formais de saúde, com destaque para a utilização da

Unidade de Pronto Atendimento (UPA) como porta de entrada no sistema de saúde,

dificultando o acompanhamento contínuo e integral. Ressalta-se a precariedade dos serviços

de saúde e o pouco conhecimento destes sobre as especificidades dos processos de saúde /

doença em situação de rua. Os atores sociais apresentam itinerários marcados pela

articulação de redes informais e sociais para o autocuidado e legitimação do direito à saúde.

Destaca-se o protagonismo daqueles que se encontram em situação de rua ao tecer redes de

apoio para produzir saúde, ainda assim, as constantes dificuldades no acesso aos serviços

formais legitimam processos sociais excludentes e a invisibilidade da PSR. Torna-se

imprescindível que a atenção básica nos municípios de pequeno porte assuma a

responsabilidade pelo cuidado à saúde do público, articulando os diversos setores e,

sobretudo, (re)conhecendo as estratégias desenvolvidas pela PSR em suas trajetórias de

cuidado, em busca de potencializar a oferta de ações assistenciais.

Palavras-chave: itinerário terapêutico; sem-teto; assistência à saúde; redes sociais.

7

Abstract

Recentlyt here have been a series of changes in the access and legitimation of the rights of

people living on the street (PSR, in Portuguese). The efforts of national policies pursue the

construction of inter sectorial actions and the comprehension of the complexity of the

phenomenon, breaking with hygienist and excluding perspectives. Despite the efforts to

legitimize the rights of the PSR, concrete changes cannot be seen in all Brazilian states and

municipalities. In particular, it is possible to identify relevant differences in the access to

social rights depending on the size of the cities. In small er municipalities, the offer of actions

destined to the homeless is restricted. In regard to the right to health, there is little debate

about the role of the subjects in their health care, through the use of formal and informal

networks. Facing this scenario, it has been sought to identify and analyze the therapeutic

itineraries of the homeless in a small municipality. This research as a qualitative character.

Through semi-structured interviews and field observations it was possible to reveal aspects

of the ways of health care. The results indicate a restricted access by this public to formal

health services, distinctively the use of the Emergency Care Unit (UPA) as a gateway to the

health care system, making continuous and integral follow-up difficult. It is important to

highlight the precarious ness of health services and the lack of know ledge about the specific

cities of health/disease processes tow hitch people living in the street are subjected. Social

actors present itineraries marked by the agency of informal and social networks for self-care

and legitimization of the right to health. Important to note is the protagonism of the homeless

as they create support networks to produce health, notwithstanding the constant difficulties

in access to formal services that legitimate excluding social processes and the invisibility of

the PSR. It is imperative that basic care in small municipalities assume the responsibility for

public health care, articulating various sectors and, above all, ac know ledging the strategies

developed by the PSR in its care trajectories, in or der to enhance the provision of care and

assistance actions.

Keywords: therapeutic itinerary; homeless; delivery of health care; care networks

8

Sumário

Sumário .................................................................................................................................. 8

Lista de Siglas ........................................................................................................................ 9

Introdução ............................................................................................................................ 10

Capítulo 2. O Cuidado à Saúde de Pessoas em Situação de Rua: Possibilidades e Desafios

............................................................................................................................................. 16

Capítulo 3. Ao Deus dará: a negação do direito à saúde da população em situação de rua em

um município de pequeno porte. ......................................................................................... 18

Capítulo 4. “UPA é nós aqui mesmo”: as redes informais como referência de cuidado à saúde

da população em situação de rua em um município de pequeno porte. .............................. 42

Considerações finais ............................................................................................................ 44

Referências .......................................................................................................................... 48

Anexos ................................................................................................................................. 53

9

Lista de Siglas

CAPS – Centro de Atenção Psicossocial

CAPSad – Centro de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas

Centro POP – Centro de Referência Especializado para População em Situação de Rua

CETAD – Centro de Estudos e Terapia do Abuso de Drogas

CRAS – Centro de Referência em Assistência Social

CREAS – Centro de Referência Especializado em Assistência Social

CT – Comunidade Terapêutica

CTA – Centro de Testagem e Aconselhamento

DBA – Programa De Braços Abertos

ESB – Equipe de Saúde Bucal

ESF – Estratégia de Saúde da Família

eCnaR – Equipe de Consultório na Rua

HIV - Vírus da Imunodeficiência Humana

IST – Infecção Sexualmente Transmissível

PSR – População em Situação de Rua

PNPR – Política Nacional para a População em Situação de Rua

RAPS – Rede de Atenção Psicossocial

SAMU – Serviço de Atendimento Móvel de Urgência

SPA – Substância Psicoativa

SUS – Sistema Único de Saúde

UBS – Unidade Básica de Saúde

UPA – Unidade de Pronto - Atendimento

10

Introdução

A partir da década de 1980, houve maior visibilidade com relação à população em

situação de rua (PSR) no Brasil, sendo que nos anos 1990 esse tema tornou-se pauta das

discussões políticas e acadêmicas (Sposati, 2009). Historicamente, as respostas a essa

questão foram assumidas pelas políticas de assistência social, muitas vezes pela via

assistencialista, reduzindo a complexidade desse processo social a questões individuais.

Destacam-se ações restritas à retirada das pessoas das ruas, com pouca ou nenhuma oferta

no sentido da reestruturação das suas condições de vida (Varanda & Adorno, 2004).

A partir da implantação da Política Nacional para a População em Situação de Rua

(PNPR) em 2009, torna-se relevante a atuação compartilhada entre os diversos setores para

atender às demandas do público (Brasil, 2009a). No âmbito da saúde, a Pesquisa Nacional

sobre a PSR, realizada ainda em 2009, revelou o pouco acesso do público aos serviços de

saúde, em especial concentrando-se em situações graves de adoecimento (Brasil, 2009b).

Desde então, Ministério da Saúde e Ministério de Desenvolvimento Social buscam mais

ativamente o desenvolvimento de ações que legitimem os direitos sociais básicos do público.

A saúde dessa população é um objeto complexo, envolvendo a compreensão de que

há uma história que precede a ida às ruas e deve ser levada em conta no planejamento e

desenvolvimento de ações de cuidado. Não obstante, a vida nas ruas desenvolve um modus

operandi com diálogo, comunicação e código de conduta próprio. Para promover a

integralidade do cuidado, a atuação profissional deve propiciar ações efetivas de inclusão e

de coparticipação entre as pessoas e os serviços, produzindo vínculo. Sabe-se que a adesão

da PSR a tratamentos e ao acompanhamento contínuo da saúde é um desafio aos

trabalhadores. Para se efetivarem tais ações, é essencial conhecer a história de cada indivíduo

(Trino, Machado,& Rodrigues, 2015).

No Brasil, as práticas de cuidado à saúde desse público começaram a desenvolver

ações mais específicas a partir da preocupação com o uso de drogas lícitas e ilícitas por esse

segmento populacional, assim como em outros países como Portugal e Estados Unidos da

América (Borysow, Conill,& Furtado,2017). Desde 2012, a instituição das equipes de

Consultório na Rua (eCnaR) na atenção básica promovem o acesso e o cuidado à saúde da

PSR. Suas ações favorecem a garantia dos direitos desse público a partir de uma atuação no

território pautada no estabelecimento de vínculos e na oferta de escuta qualificada (Abreu,

2013; Carneiro Junior, Jesus,&Crevelim, 2010; Engstrom& Teixeira, 2016; Jorge &Corradi-

11

Webster, 2012; Lima, 2013; Müller, 2013; Souza &Macerata, 2015). A instituição da eCnaR

busca a inserção da PSR no SUS a partir da principal porta de entrada do sistema, ou seja,

pela atenção básica. Suas ações devem buscar o compartilhamento do cuidado com os

demais pontos de atenção em saúde, como os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) e os

Serviços de Urgência e Emergência (Trino et al., 2015).

Conforme descrito na Política Nacional de Atenção Básica (Brasil, 2012a):

A responsabilidade pela atenção à saúde da população de rua, como de qualquer outro

cidadão, é de todo e qualquer profissional do Sistema Único de Saúde com destaque

especial para a atenção básica. Em situações específicas, com o objetivo de ampliar

o acesso destes usuários à rede de atenção e ofertar de maneira mais oportuna a

atenção integral à saúde, pode-se lançar mão das equipes dos consultórios na rua, que

são equipes da atenção básica, compostas por profissionais de saúde com

responsabilidade exclusiva de articular e prestar atenção integral à saúde das pessoas

em situação de rua. (p. 62)

No entanto, ainda existe um abismo entre a normatização do direito à saúde da PSR

e sua concretização nos espaços urbanos. A cobertura do Consultório na Rua é pequena

diante do número de pessoas nessa situação tanto pela restrição da oferta a cidades de médio

e grande portes quanto pela disponibilidade das eCnaR em determinadas áreas dessas

cidades. O quadro se agrava em cidades onde não há previsão legal para a instituição das

equipes, tais como cidades de pequeno porte, e quando, ao mesmo tempo, os serviços da

assistência social não conseguem articular a atenção integral à saúde dessa população

(Hallais& Barros, 2015).

Em cidades menores, há maior dependência da PSR em relação às organizações

sociais e à sociedade civil no que se refere à alimentação. Em contrapartida, em cidades

maiores, há maior suporte a essa população por parte dos órgãos públicos, mas, ainda assim,

a atuação de organizações da sociedade civil se faz presente. Além disso, cidades menores

possuem atuação restrita a apenas um técnico de referência para a PSR ou, ainda, o trabalho

de uma equipe com poucos profissionais, enquanto em cidades maiores há oferta de

atendimentos em diferentes serviços além das equipes específicas (SEDESE,2012).

Diante da ausência da eCnaR, a PSR tende a buscar atendimento em serviços de

média e alta complexidades, tais como hospitais, policlínicas, CAPS e CAPSad. Esses

serviços são mais procurados do que os serviços da atenção básica, que, em tese, são as

portas de entrada preferenciais para o SUS enquanto espaço para a coordenação das ações

de cuidado. O acesso aos serviços de saúde, nessas circunstâncias, fica restrito a situações

12

graves de urgência e emergência, e a continuidade do cuidado fica comprometida (Abreu,

2013; AlAlam, 2014; Aguiar &Iriart, 2012; Barata, Carneiro Junior, Ribeiro, & Silveira,

2015; Fraga, 2015; Silveira & Rodrigues, 2013).

Não obstante a necessidade de promover o acesso ao aparato público de serviços de

saúde, vale salientar que há uma confluência de diferentes modos de compreender e lidar

com as enfermidades pelos indivíduos, divididos em três setores: informal, popular e

profissional. O setor informal envolve as opções de cuidado acionadas nas redes sociais dos

indivíduos composta por amigos, parentes e vizinhos. O setor popular envolve métodos não

regulamentadas de cuidado e cura, por vezes, relacionados à espiritualidade, como os

curandeiros. Já o setor profissional se constitui pelas profissões de saúde legalizadas, em sua

grande parte relacionadas à biomedicina (Helman, 2009).

Especificamente, viver nas ruas demarca territórios existenciais onde se encontram o

que Merhy et al. (2014) denominam como redes vivas, ou seja, modos de viver que atuam e

compõem significados e produção de cuidado. Entende-se que os usuários dos serviços de

saúde são atores de diferentes redes de cuidado e de sociabilidade com diversas conexões

frequentemente desconhecidas pelas equipes de saúde, fundamentadas nas relações

cotidianas no território e convidando os profissionais a uma prática desafiadora que

transcende os territórios geograficamente delimitados.

Tais particularidades na produção do autocuidado no espaço das ruas constituem

potencialidades para o trabalho em saúde com tal público. Em especial, as experiências

recentes das equipes de Consultório na Rua evidenciam seu potencial para a qualificação das

ações na Atenção Básica e a integralidade do cuidado com as redes formais e informais. Para

tanto, a atuação, não somente no território, mas a partir dele, é essencial, capaz de trazer

reformulações aos saberes tradicionais desse campo de conhecimento (Souza & Carvalho,

2014; Souza &Macerata, 2015).

Nesse sentido, entende-se que a busca e a escolha por tratamento decorrem de um

processo complexo entre a história pessoal do sujeito, suas experiências passadas e

expectativas e o campo de possibilidades socioculturais em que se insere, constituindo o que

pode ser intitulado como itinerários terapêuticos. Estes devem ser compreendidos como o

resultado das ações planejadas e direcionadas para o tratamento de determinado adoecimento

motivado por emoções e atitudes circunscritas em um determinado contexto sociocultural.

Porém, não se refere a um plano linear e predeterminado, uma vez que articula ações atuais

13

com as experiências passadas, as quais são interpretadas pelo sujeito e modificam a ação no

presente (Alves & Souza, 1999).

Na literatura atual, ainda se encontra uma carência de estudos que articulem as

significações do processo saúde-doença em situação de rua e as estratégias adotadas para

enfrentamento dos adoecimentos. É importante salientar que explorar as percepções e

significados sobre saúde e doença para pessoas em situação de rua constitui-se também uma

forma de promover um espaço de cidadania e expressão desse público, destituindo-os da

posição de invisibilidade (Paiva et al., 2016).

Ressalta-se que, para essa população, o significado do processo saúde-doença ganha

contornos distintos, influenciando as formas de acesso à saúde e a oferta de cuidados pelos

profissionais. A concepção de saúde nesse contexto se relaciona à capacidade de resistir às

difíceis condições de vida de forma que, apesar de apresentar enfermidades, desconfortos e

sofrimentos diversos, é comum o relato entre a PSR de sentir-se bem, recusando ofertas

assistenciais (Adorno, 2011; Aguiar &Iriart, 2012; Barata et al., 2015; Fraga, 2015).

As peculiaridades que envolvem o processo de busca pelo cuidado e adesão ao

tratamento instigam a desvelar as trajetórias de cuidado à saúde na situação de rua, em

especial diante da lacuna presente na maior parte dos municípios do País para o acesso à

saúde por esse público. Em busca de alcançar tais objetivos, buscou-se a identificação dos

itinerários terapêuticos, uma vez que possibilita a apreensão das escolhas subjetivas e

individuais do cuidado à saúde, como também desvela a influência de um determinado

contexto e suas variáveis sociais, psicológicas e econômicas na trajetória de cuidado do

sujeito (Gerhardt, 2006). Pretendeu-se investigar as diferentes formas de cuidado à saúde

que a PSR desenvolve, levando em consideração não somente o acesso aos serviços públicos

e aos cuidados médicos, como também os recursos informais e populares que podem ser

acionados na busca de cuidado à saúde.

A trajetória percorrida pela pesquisadora revelou-se de infinita riqueza acadêmica e

profissional. Foram apresentados três artigos como produto deste percurso e que compõem

o modelo de dissertação alternativa utilizado em diversos Programas de Pós-graduação do

País. No Capítulo 2, problematizam-se, em um artigo de revisão, as publicações nacionais

sobre o cuidado à saúde da PSR. Para tanto, são apresentadas as potencialidades das

experiências nacionais de cuidado ao público, sobretudo das eCnaR que promovem ações

imersas no território e articuladas na rede de serviços. Também, são evidenciados os desafios

para legitimar o cuidado integral do público frente à restrição da oferta de equipes

14

especializadas a cidades de médio e grande portes. Tal processo de análise permitiu a

identificação das lacunas existentes na área e a delimitação do problema de pesquisa;

sobretudo, chamou atenção a restrição de relatos sobre o cuidado à saúde da PSR diante da

ausência das eCnaR, uma realidade comum em diversos municípios do País.

No Capítulo 3, são apresentados os resultados da análise das entrevistas e do diário

de campo acerca dos percursos de cuidado nas redes formais de saúde. Identifica-se a

assistência social como principal organizadora dos cuidados ao público, e os serviços de

urgência e emergência como porta de entrada para o SUS. O acesso do público à rede de

atenção básica é escasso, a oferta de cuidados em saúde é restrita às internações para

“tratamento” do uso de álcool e outras drogas e, somado a isso, há a resistência aos serviços

públicos de saúde mental. Entende-se que a rede de serviços formais para o cuidado à saúde

do município é distante da realidade da PSR e desconhece os processos de saúde/doença

deles.

Já no Capítulo 4, são desveladas as diversas negociações nas redes informais e sociais

protagonizados pelas pessoas em situação de rua para o cuidado da saúde. Nesse capítulo,

são evidenciadas as estratégias desenvolvidas pelo público para a produção da saúde e

tratamento dos adoecimentos, desenvolvendo meios de autocuidado por meio da cultura

popular e do apoio social e comunitário. Destacam-se as articulações realizadas pelas

pessoas em situação de rua diante dos processos de saúde/doença, em busca da promoção da

saúde.

Ainda assim, é fundamental enfatizar que não há a pretensão de apresentar

conclusões finais sobre o tema, mas, sobretudo, de contribuir para as reflexões sobre a gestão

das políticas públicas para o segmento, bem como das diversas formas de cuidado à saúde

desveladas pela PSR. Evidenciam-se, assim, aspectos dos itinerários terapêuticos que

demostram as diversas maneiras com que as pessoas em situação de rua desenvolvem

autocuidado e produção de cuidados em saúde , com destaque para a utilização das redes

sociais para esse fim. Considera-se que a subjetividade é uma das dimensões constituintes

dos processos de transformação social, uma vez que essa se realiza mediante a atividade

humana, relacionando-se com aspectos estruturais, políticos e econômicos (Sawaia, 2014).

Da mesma forma, são relatados os desafios cotidianos da PSR para o acesso ao direito

à saúde, pois os espaços formais de cuidado ainda legitimam a exclusão desses sujeitos ao

desconhecerem as particularidades dos processos de saúde/doença nas ruas, com pouca ou

nenhuma oferta de ações adequadas ao público. Diante disso, espera-se que as contribuições

15

desta pesquisa possam promover atuações atentas à realidade da PSR nos espaços de saúde

e que valorizem o saber popular desenvolvido nas ruas para o fomento à participação popular

da PSR a partir do desvelamento das suas potencialidades.

16

Capítulo 2. O Cuidado à Saúde de Pessoas em Situação de Rua: Possibilidades e

Desafios1

Resumo

Pessoas em situação de rua (PSR) foram historicamente negligenciadas nas políticas públicas

de saúde, realidade que vem mudando nos últimos anos. Investigou-se como são relatadas

as ações de cuidado à saúde para a PSR através de uma revisão da literatura, destacando-se

possibilidades e desafios. Os relatos de experiência revisados concentram-se em atividades

desenvolvidas por equipes de Consultório na Rua, buscando o cuidado integral à saúde,

pautando-se na produção de vínculos e imersão no território. Dentre os desafios para o

cuidado desse público estão: contornar as ações de repressão, enfrentar o déficit na formação,

consolidar as ações intersetoriais e aprimorar as condições de oferta. As eCnaR são

fundamentais no cuidado à saúde e garantia dos direitos da PSR. Porém, não se problematiza

o cuidado à saúde desse público na ausência da eCnaR, como ocorre em cidades de pequeno

e médio porte.

Palavras-chave: Sem-teto; Política de saúde; Abordagem de tratamento interdisciplinar.

The Health Care of People Living in the Streets: Possibilities and Challenges

Abstract

People living in the streets (PLS) have been historically neglected by the public policy in

Brazil, a changing reality in the past few years. Reports about the health care provided to the

PLS were investigated through a literature review of Brazilian scientific papers, highlighting

1 Artigo de revisão submetido à Estudos de Psicologia (Natal) em 22 de junho de 2017. O texto submetido não

está incluído aqui a fim de garantir a originalidade e a avaliação cega entre pares, em conformidade com as

diretrizes para submissão da revista.

17

opportunities and challenges. The analysis of selected studies indicates that street outreach

teams (SOT) seek a comprehensive health care to the PLS, relying on the constitution of

bonds and territorial immersion. Avoiding repression, training of professionals,

consolidating of intersectoriality and improving the health care quality are the main

challenges towards a comprehensive health care approach. SOT teams are important both to

the health care and the human rights of PLS. However, it is not discussed the health care

provided in the absence of SOT that occurs in small and mid-sized cities.

Keywords: Homeless; Health care policy; Interdisciplinary treatment approach.

El Cuidado de la Salud de las Personas en Situación de Calle: Posibilidades y Desafíos

Resumen

Las personas en situación de calle (PSC) fueron históricamente desconsideradas en las

políticas públicas, realidad que viene cambiando. Fueron investigadas las acciones de

cuidado de la salud hacia la PSC a través de una revisión de la literatura, destacándose las

posibilidades y desafíos. El análisis de los estudios indica que el Consultorio de Calle (CC)

tiene como objetivo el cuidado integral a salud de la PSC, pautado en la producción de

vínculos e inmersión en el territorio. Entre los retos para el cuidado integral están: evitar las

acciones de represión, enfrentar el déficit en la formación, consolidar acciones

intersectoriales y valorizar las condiciones de oferta. Las equipes del CC son importantes en

el cuidado a la salud y garantía de los derechos humanos. Sin embargo, no se problematiza

cómo funciona la atención a la salud de ese público en la ausencia del CC, como ocurre en

ciudades de tamaño pequeño y mediano.

Palabras clave: Sin vivienda; Política de salud; Abordaje de tratamiento multidisciplinario.

18

Capítulo 3. Ao Deus dará: a negação do direito à saúde da população em situação de

rua em um município de pequeno porte.2

Contextos de exclusão conformam ciclos de marginalização de grupos populacionais, como

a população em situação de rua. Nesse contexto violações de direitos humanos são

recorrentes, em especial a dificuldade de acesso à saúde. A efetivação das políticas para a

PSR nas cidades brasileiras ainda é escassa, por sua restrição a cidades de médio e grande

porte e ao parco investimento público. Dessa forma, o estudo buscou investigar os itinerários

terapêuticos da PSR em um município de pequeno porte. Foram utilizadas observações de

campo e entrevistas semiestruturadas para identificação e compreensão dos recursos

acionados nas trajetórias de cuidado à saúde. Ressaltam-se como resultados a fragilidade da

rede de atenção básica, consequentemente a descrença da PSR aos serviços e a alternância

com as redes informais para garantia da saúde. Sobretudo, destaca-se a importância da

regionalização em saúde para abarcar os processos de saúde - doença em situação de rua.

Palavras-chave: itinerário terapêutico; população em situação de rua; processo saúde -

doença

2Capítulo incluído no livro “Vozes, Imagens e Resistências nas ruas: a vida pode mais.” organizado por, Ana

Karenina Arraes, Maria Teresa Nobre, Anna Carolina Vidal, Fernanda Medeiros, Editora Appris.

19

Introdução

No Brasil, processos excludentes compõem a nossa história marcada pela

dominação de segmentos populacionais diversos, como índios, negros, camponeses,

migrantes e pessoas em situação de rua. Parte-se do pressuposto de que os rearranjos

econômicos e políticos vêm estabelecendo condições de desigualdade social e de renda que

conformam e agravam problemas coletivos. As mudanças sofridas no mundo do trabalho

excluem um grande número de pessoas do mercado formal, com pouca ou nenhuma renda,

que passam a se tornar dependentes do assistencialismo. Em consequência disso, tais pessoas

se utilizam dos espaços públicos como forma de sobrevivência e de moradia, geralmente

estigmatizados como perigosos para a segurança pública (BURSTYN, 2003).

É fundamental destacar que a população em situação de rua (PSR) é um público

heterogêneo, mas que, no entanto, apresenta três importantes aspectos estruturais

constitutivos: a pobreza extrema, os vínculos familiares fragilizados ou rompidos e a

inexistência de moradia convencional regular (BRASIL, 2009a). Em vista disso, qualquer

análise ou intervenção junto desse público que não considere a inter-relação desses fatores

não será capaz de identificar a realidade socioeconômica dos indivíduos nessa circunstância,

bem como construir estratégias de emancipação e superação da situação de rua (FARIAS

et.al., 2016).

Para além das análises econômicas e políticas, utiliza-sea dialética

exclusão/inclusão para compreender a dimensão subjetiva da exclusão. Essa dialética

desvela a exclusão como produto do modo de produção atual, e para além disso, um processo

que contém em si o seu oposto, a inclusão. Nesse sentido, a contradição básica dos processos

excludentes está na desigualdade social, onde todos estão integrados no sistema produtivo,

ainda que seja pela privação dos direitos sociais básicos (SAWAIA, 1999).

Contextos de exclusão social conformam situações de recorrentes violações de

direitos humanos, caracterizadas por atos discriminatórios, pela impossibilidade de adentrar

nas relações formais de trabalho ou ainda pela negação dos direitos sociais (FARIAS et. al.,

2016). Dentre os diversos direitos negados à PSR, ressaltam as barreiras de acesso aos

serviços de saúde, concentrando-se em situações graves de adoecimento. Pode-se dizer que

o contexto das ruas age tanto como causa de adoecimentos diversos, como agravante do

estado de saúde prévio, além de intensificar circunstâncias de uso problemático de álcool e

outras drogas (BRASIL, 2009b).

20

É necessário compreender o direito à saúde como fundamental do ser humano e

que o estado de saúde influencia diretamente a vida cotidiana e a qualidade de vida. No caso

da PSR percebe-se uma negligência dos programas de saúde, bem como a ausência de fatores

determinantes de uma vida saudável, como a salubridade do ambiente e a alimentação

(RODRIGUES; CALLERO, 2015).

Em busca de lidar com as barreiras no acesso aos serviços de saúde, diferentes

países, por exemplo, Brasil, Portugal e Estados Unidos, apostam em modalidades de

atendimento itinerante como as equipes de Consultório na Rua (eCnaR). A estratégia

essencial é a busca ativa e o encaminhamento para outros pontos de atenção à saúde,

composta por diferentes profissionais, o que favorece a equidade e a adequação da equipe às

demandas da PSR. Além disso, a reorganização das ações de Atenção Primária à Saúde,

como se vem buscando consolidar no Brasil, nos últimos anos, favorecem o cuidado integral

aos problemas de saúde comuns decorrentes da situação de rua, evitando encaminhamentos

excessivos (BORYSOW; CONILL; FURTADO,2017).

A Política Nacional da População em Situação de Rua (PNPSR) considera a

articulação entre diferentes setores como fundamental para o cuidado da PSR e experiências

exitosas das eCnaR demonstram a importância do trabalho em rede para acompanhamento

desse público, contribuindo para a garantia de direitos, bem como para a continuidade dos

tratamentos de saúde (SOUZA; MACERATA, 2015).

Ainda que as recentes conquistas legislativas modifiquem o cenário de garantia

de direitos da PSR e que experiências exitosas promovam ampliação do acesso e da

assistência a esse público, as ações previstas na PNPR não são legitimadas em todos os

estados e municípios. Diferenças significativas no acesso aos direitos sociais básicos estão

presentes devido ao porte das cidades, sendo que em cidades menores há maior dependência

da PSR às organizações sociais e à sociedade civil. Em contrapartida, em cidades maiores

há maior suporte a esta população por parte dos órgãos públicos, mas, ainda assim, a atuação

de organizações da sociedade civil se faz presente (SECRETARIA DE ESTADO DE

DESENVOLVIMENTO SOCIAL [SEDESE], 2012).

Além disso, cidades menores possuem atuação restrita a apenas um técnico de

referência para a PSR ou ainda o trabalho de uma equipe com poucos profissionais, enquanto

em cidades maiores há oferta de atendimentos em diferentes serviços, compostos por

diversos segmentos profissionais (SEDESE, 2012). Tal realidade se agrava em localidades

onde não estão presentes as eCnaR, uma vez que a habilitação deste serviço do Sistema

21

Único de Saúde (SUS) se restringe a cidades de médio (em situações específicas) e grande

porte, comprometendo o acesso ao direito à saúde por essa parcela da população

(RODRIGUES; CALLERO, 2015).

Tais diferenças instigaram uma investigação mais detida sobre a execução das

políticas sociais nas localidades de pequeno porte, uma vez que vivenciam um ritmo

diferenciado de mudança nas políticas sociais com relação aos grandes centros, geralmente

de forma mais lenta e com maiores dificuldades. Nessas localidades encontra-se menor

controle social do uso dos recursos públicos, menor comprometimento dos governantes com

a efetivação de políticas sociais e pouca participação dos trabalhadores e usuários na

avaliação dos serviços públicos (LUZIO; L’ABBATE, 2009).

Apresentam-se ao leitor aspectos dos processos de construção de itinerários

terapêuticos de pessoas em situação de rua, desvelados a partir da pesquisa de mestrado da

primeira autora, sob orientação do segundo autor, realizada em um município de pequeno

porte. Compreende-se que a busca de cuidado à saúde se dá a partir de atitudes singulares,

valores e ideologias, como também a partir do problema de saúde em questão, do acesso e

da situação econômica. Dessa forma, os itinerários terapêuticos são produtos das ações

planejadas e direcionadas para o tratamento de determinado adoecimento motivado por

circunstâncias decorrentes de um determinado contexto sociocultural e político-econômico

(ALVES; SOUZA, 1999).

Metodologia

A pesquisa ocorreu em um município de pequeno porte da região do Campo das

Vertentes em Minas Gerais. A rede de serviços públicos de saúde é composta por: 11

Unidades Básicas de Saúde (UBS/ESF) sendo três dessas em distritos pertencentes ao

município, um Centro de Atenção Psicossocial II (CAPS), um Centro de Atenção

Psicossocial - Álcool e Outras Drogas (CAPSad), uma unidade especializada para cuidados

materno-infantis, um Centro de Aconselhamento e Testagem (CTA), uma Unidade de Pronto

Atendimento (UPA), além de dois hospitais gerais de gestão filantrópica. A rede de serviços

socioassistenciais se constitui de três Centros de Referência em Assistência Social (CRAS)

e de um Centro de Referência Especializado em Assistência Social (CREAS). O único

serviço destinado especificamente para a PSR consiste na Abordagem Social Especializada

do CREAS.

22

A análise de itinerários terapêuticos possibilita a apreensão das escolhas

subjetivas e individuais do cuidado à saúde, como também desvela a influência de um

determinado contexto e dos determinantes socioculturais e socioeconômicos na trajetória de

cuidado do sujeito. Permite que se compreenda a ação individual inserida em determinada

realidade material, social e cultural que conforma um campo de possibilidades para o sujeito.

Constitui-se um meio para revelar a pluralidade das escolhas individuais, assim como as

estratégias desenvolvidas diante do processo de cuidado à saúde (GERHARDT, 2006).

Para a construção dos itinerários terapêuticos foi utilizada a triangulação de duas

técnicas de pesquisa qualitativa: a observação participante e a entrevista semiestruturada. A

partir da realização de ambos os métodos foi possível ampliar as fontes de construção de

dados da pesquisa, além de permitir a apreensão dos significados, crenças e valores dos

atores sociais, assim como o modo como se expressam no cotidiano, em suas condutas

diárias (FRASER; GONDIM, 2004). As observações participantes ocorreram de setembro

de 2016 a abril de 2017, acompanhando as ações da Abordagem Social Especializada do

CREAS. Essa forma de inserção no campo ocorre através de um processo construído tanto

pelo pesquisador quanto pelos atores da pesquisa, de forma que o pesquisador acompanha

as singularidades do contexto em questão, tornando-se parte dele (MINAYO, 2010). As

visitas ao campo de pesquisa foram registradas em Diário de Campo, constituindo-se

importante material de análise a partir dos relatos das vivências cotidianas da pesquisadora.

A seleção dos entrevistados ocorreu a partir da observação participante, em

busca de casos centrais que melhor representassem os objetivos do estudo, mas que também

possibilitassem contemplar as variabilidades presentes no campo (FLICK, 2009). As

entrevistas atuam como uma relação intersubjetiva e permitem um contato mais próximo

entre pesquisador e ator social, de modo que a partir das trocas verbais e não-verbais que são

estabelecidas no encontro é possível apreender os significados atribuídos a determinada

vivência (FRASER; GONDIM, 2004). Optou-se pela realização de entrevistas

semiestruturadas, possibilitando ao participante discorrer sobre o tema sem se prender a uma

questão específica, além de garantir que alguns tópicos fundamentais para a pesquisa

estivessem presentes (MINAYO, 2010).

As entrevistas ocorreram no espaço das ruas. Para tanto foi proposto aos

participantes que escolhessem um local próximo aquele em que normalmente permanece,

porém com menor fluxo e circulação de pessoas e de veículos, de forma que a

confidencialidade e a privacidade das informações fossem resguardadas. As entrevistas

23

buscaram comtemplar aspectos dos percursos de cuidado à saúde a partir dos diferentes

recursos acionados diante de um adoecimento, ou como estratégia para produção de cuidados

em saúde.

Foram entrevistadas oito pessoas, sete homens e uma mulher, que utilizavam o

entorno da rodoviária da cidade como espaço de moradia e sobrevivência, marcado pela

circulação de pessoas e veículos e com presença predominante do comércio, viabilizando

formas de geração de renda. A maior parte dos entrevistados passa o dia nesse local e à noite

debaixo de uma ponte da cidade, onde se encontram as malocas,com colchões, cobertas e

camas. Por ser um local, em tese, mais discreto e distante dos olhares do público, o grupo

também faz uso de drogas ilícitas debaixo da ponte. No decorrer do texto serão utilizados

pseudônimos, visando garantir o anonimato dos depoentes.

Os áudios das entrevistas foram gravados mediante consentimento dos

participantes da pesquisa e posteriormente transcritos para a análise das informações,

recorrendo-se à análise de conteúdo temática. Tal procedimento é uma forma de produzir

inferências acerca de determinado tema, em busca de descrever o conteúdo das informações

a partir de uma série de técnicas sistemáticas e objetivas (BARDIN, 1977). Também

possibilita o encontro do que não está explícito no que é manifesto e uma interpretação mais

profunda da mensagem, a partir das inferências sobre os fatores que a determinam (GOMES,

2009).Apresenta-se, aqui, a interpretação realizada a partir dos itinerários terapêuticos

relacionados às redes formais de cuidado, articulado aos objetivos e pressupostos da

pesquisa. Ainda assim, não se pretende compor generalizações acerca da análise dos

itinerários terapêuticos, uma vez que “toda interpretação do fenômeno cultural é

essencialmente de caráter conjectural. Logo, não esgota todos os horizontes potenciais de

sentido que podem se atualizar a partir das ações dos indivíduos” (ALVES; SOUZA, 1999,

p.132).

Para a realização das observações participantes e das entrevistas

semiestruturadas o projeto de pesquisa foi submetido e aprovado pelo Comitê de Ética em

Pesquisa da Universidade Federal de São João del Rei, tendo recebido o CAAE nº

65848717.9.0000.5545.

Resultados e Discussão

“A saúde aqui é meio zero, né?”: a fragilidade da atenção básica

24

Foi possível identificar o acesso em regime de demanda espontânea às equipes

da Estratégia de Saúde da Família (ESF), à farmácia popular, às farmácias particulares, aos

hospitais gerais da cidade, à Unidade de Pronto Atendimento (UPA) e ao Centro de

Testagem e Aconselhamento (CTA) para identificação de infecções sexualmente

transmissíveis (ISTs). Em função do desenvolvimento tecnológico e da complexidade da

vida urbana, há uma variedade de opções terapêuticas disponíveis contemporaneamente,

cuja diversidade tem relação com aspectos sociais, culturais, religiosos, políticos e

econômicos (HELMAN, 2009). Entre os atores sociais pesquisados percebe-se que a rede

de cuidado profissional é acessada quando não são identificadas formas de lidar com o

adoecimento sem auxílio profissional: quando (pausa) me dá muita dor, uma dor de cabeça

um pouco forte, aí eu tenho que ir para o hospital. Tenho que ir, senão você apela. Aí eu

tenho que ir para UPA (Maurício, dois anos em situação de rua).

Valdo (25 anos em situação de rua) relata os sintomas agravados quando teve

tuberculose: “muita dor no corpo. Vomitei sangue. Andei de fraldão, não andava, fiquei sem

andar. Ai o Carlos [técnico da assistência social especializada] veio e falou: vamos que eu

vou te passar pelo médico.” Ainda que a medicina ocidental exerça poder sobre os cuidados

de saúde, nos países de baixa e média rendas, em geral, trata-se de um recurso escasso. Não

há uma distribuição de recursos médicos que atenda equitativamente as populações, de forma

que as redes informais e populares se tornam mais utilizadas (HELMAN, 2009).

Os diferentes recursos existentes – biomédicos, religiosos ou da medicina

popular – oferecem diversas explicações sobre o sofrimento e são acessados muitas vezes

simultaneamente sem que isso seja paradoxal para o sujeito. Essas ofertas podem ser

traduzidas em um campo de possibilidades onde se destaca a pluralidade de itinerários,

indicando a constante negociação de significados por parte daquele que busca a cura a partir

das experiências intersubjetivas (FERREIRA; ESPÍRITO SANTO, 2012).

Destaca-se o desconhecimento por parte dos serviços de saúde sobre os atores

sociais que são protagonistas no cuidado à saúde e articulam redes formais e informais nessa

busca (MERHYet. al., 2014). Itinerários terapêuticos são construídos para além dos serviços

e dos trabalhadores de saúde, que deságuam na comunidade conectando diferentes

personagens e instituições. De um lado conexões institucionais formais, do outro, conexões

singulares com a cidade. Essa rede produzida não é fixa e nem palpável, logo, não é rígida,

25

é construída na medida em que se atua na produção de cuidado de si, compondo significados

para a vida (CARVALHO; FRANCO, 2015).

Percebe-se também certa resistência pelos atores sociais em buscar a rede formal

de saúde, de forma que na maioria dos casos a própria rede informal, representada pelos

amigos, comerciantes, sociedade civil em geral e parentes, precisa intervir para garantir

cuidados mais imediatos à saúde, como descrito por Valdo: “eu vou te falar com você... Só

nas últimas mesmo. Porque toda vez que eu fui me levaram. Porque para eu procurar, eu

procuro é Deus” (25 anos em situação de rua). Da mesma forma, Gilberto (cinco anos em

situação de rua) relata a intervenção das redes sociais para a busca de cuidado formal: “febre,

dor de cabeça. Essas coisas aí. Foi um irmão meu me visitar lá, aí deu uma ferida que foi

no osso, ele pegou e me levou no médico. O médico constatou que era por urina de rato”.

Pode-se inferir que a PSR teria facilidade no acesso aos serviços formais devido

à conveniência geográfica em cidades de pequeno porte. No entanto, outros determinantes

influenciam a busca pelo cuidado formal à saúde. Em geral, sujeitos de baixa renda e menor

escolaridade possuem maior dificuldade para acessar os serviços de saúde e mesmo para dar

continuidade no tratamento, seja pela condição econômica e/ou por não dominar a linguagem

biomédica (FERREIRA; ESPÍRITO SANTO, 2012).

Ainda que grande parte da população brasileira possua dificuldades no acesso e

no atendimento em saúde, para a PSR esse quadro se agrava diante das condições físicas e

do seu cotidiano de vida (PAIVA et. al., 2016). A compreensão do contexto sociocultural

que envolve o acesso e o cuidado à saúde em situação de rua permite que sejam desvelados

aspectos que atuam sobre a construção dos itinerários terapêuticos, não simplesmente como

uma decisão individual dos atores, mas principalmente diante da oferta assistencial que se

apresenta no município.

Entre o público entrevistado percebe-se o sentimento de descrença pelo cuidado

oferecido pelos órgãos públicos de saúde. Por um lado, isso decorre da histórica omissão da

oferta assistencial a esse público por parte do Estado, mas também, por outro, pelas próprias

fragilidades da rede de saúde. Tais processos impõem barreiras para o tratamento, com

destaque para a continuidade do cuidado e para a prevenção de doenças:

Ah.... Às vezes eu vou lá no posto de saúde lá, para eles darem uma olhada,

mas não está achando ninguém, não. Só oito pessoas que atendem. Então,

assim... Você chega lá três horas da manhã para marcar e já tem 16 [na

fila]. Então não tem jeito (Maurício, dois anos em situação de rua).

26

Eu achei, assim, que é muita gente para pouco, né? Para pouco

atendimento. Então aí eu não posso dizer que eu fui mal atendido. Ai já

não é problema do profissional, é problema do governo, não tem

profissional para atender, né? (Gilberto, cinco anos em situação de rua).

A falta de recursos materiais e humanos dos serviços torna-se o principal desafio

para que a PSR acesse tais espaços, uma vez que o tempo de espera para ser atendido poderia

ser revertido na busca de recursos materiais para a manutenção da vida nas ruas: “no posto

não tem nada, não tem faixa, último machucado meu eu tive que levar a faixa para enfaixar”

(Maurício, dois anos em situação de rua).

Diante da precariedade dos serviços públicos, o acolhimento torna-se importante

ação dos profissionais ao atender os usuários, além de uma diretriz de trabalho na Atenção

Básica. Dessa forma, torna-se uma estratégia para garantir o direito à saúde, sendo

necessários arranjos institucionais e na gestão do trabalho que fomentem práticas que

facilitem o acesso dos sujeitos aos serviços. Além disso, requer mudança na postura ética e

política dos profissionais na avaliação das diversas condições e necessidades apresentadas

pelo sujeito na demanda espontânea (TESSER et. al., 2010).

Além da precariedade dos serviços públicos, a descrença nesse tipo de cuidado

também está atrelada às experiências pregressas de preconceito vivenciadas nesses espaços,

que deveriam legitimar o direito à saúde, mas acabam reproduzindo estigmas sociais em

relação à PSR: “quem está nessa situação aí, primeiro se você chamar: ‘ô, está

machucado!’. Eles: ‘já morreu?’ Eles perguntam é desse jeito” (Gilberto, cinco anos em

situação de rua).

Eu acho assim... Devido ao problema que ele estava ele deveria estar em

um leito de hospital, entendeu? Agora... Só que o descaso.... Eu digo é isso.

Ele não deveria estar, é um ser humano. Que ele era morador de rua, mas

ele tinha uma doença contagiosa, podia pegar em mim e em outras

pessoas, ele deveria estar em um isolamento no hospital (Gilberto, cinco

anos em situação de rua, relatando uma situação em que cuidou sozinho de

um amigo com tuberculose).

Esses sujeitos produzem formas de cuidado que disputam com aquelas

apresentadas pelas instituições e muitas vezes “ao passar pela porta de um serviço de saúde

parece que convidamos esse outro a deixar toda a vida que traz da rua do lado de fora”

(MERHYet. al., 2014, p. 4). Estes autores destacam que, nesse campo de tensão, as equipes

27

não percebem que certos comportamentos são expressão de determinados modos de vida, às

vezes problemáticos no que tange às vulnerabilidades, mas legítimos enquanto saber

produzido nas relações cotidianas.

Salienta-se que o sistema profissional de cuidado à saúde não se encontra isolado

da sociedade, de forma que nele também estão representados os valores e a estrutura social.

Nesse sentido, a discriminação que ocorre nos serviços de saúde exemplifica as

características culturais da sociedade, como uma miniatura da mesma (HELMAN, 2009).

Cotidianamente as pessoas em situação de rua estão referenciadas por representações

pejorativas, como ‘vagabundas’, ‘sujas’, ‘perigosas’, ‘loucas’, entre outras. Essas

representações compartilhadas pelo coletivo contribuem tanto para a indiferença por parte

de toda a sociedade em relação ao segmento, quanto para a ocorrência de ações higienistas

e violentas (MATTOS; FERREIRA, 2004).

Eu com uma cólica do caramba lá e eles ainda fazendo hora com a minha

cara porque eu estava muito suja, e desfazendo. Aí eu peguei e falei:

“vocês não vão me atender não? Ou você quer que eu quebro?” (Luzia,

cinco anos em situação de rua).

As questões estruturais que influenciam a ida e permanência às ruas,

especialmente no que diz respeito ao amplo debate sobre os processos sociais excludentes

em nossa sociedade e as formas de vida deles decorrentes, nem sempre são compreendidas

pelos profissionais de saúde. A partir da reflexão sobre tais questões é possível a

compreensão da importância e da necessidade da adaptação dos serviços de saúde a partir

das singularidades da PSR, como em relação a outros públicos vulneráveis, priorizando a

equidade nos atendimentos realizados (CARNEIRO JR.; SILVEIRA, 2003).

As recorrentes violações institucionais sofridas pela PSR e a insuficiência de

ações por parte do poder públicoevidencia não somente sua omissão ou a falta de recursos

públicos para atuar com populações vulneráveis, mas trata-se principalmente de um projeto

político que responsabiliza e penaliza o indivíduo pela situação em que se encontra, negando

uma vida digna pelo acesso aos serviços de saúde, pela oferta de espaços para higiene e

alimentação, ou de convívio social (VARANDA; ADORNO, 2004).

Nos últimos anos, o avanço das políticas que promovem a equidade em saúde

tem buscado assegurar os direitos humanos e a universalização do acesso a bens e serviços

pelos grupos vulneráveis. Para que as chamadas ‘políticas de equidade’ tenham sucesso é

28

necessário mudar o olhar da população em relação aos usuários dos serviços. Nesse sentido,

qualificar os profissionais para atuar de maneira condizente com as necessidades de pessoas

vulnerabilizadas têm se mostrado um desafio institucional para a organização das ações e a

garantia do direito à saúde desses grupos (SIQUEIRA et.al., 2017).

Uma das consequências da precariedade da oferta pública de cuidados à saúde

para esta população é a descontinuidade do cuidado, como se destaca na fala de Luzia sobre

a realização do papanicolau: “ah... Não sei, a fila é grande. Para ficar esperando dois, três

meses na fila, vai coisar [vencer] os exames tudo. Não tem como, né?”

A burocratização do acesso à saúde e a continuidade do cuidado transforma-se

em barreira para esse público, exatamente pela dificuldade em ter atendidas as suas

necessidades de cuidado junto das demais redes formais: “é muita burocracia. Tem que ir

ali, tem que ir aqui. Nó.... Tem que marcar, depois tem que ir lá não sei o que carimbar.

Tem que voltar... Ah, não... Tenho cabeça para isso, não” (Maurício, dois anos em situação

de rua).

Ressalta-se nos relatos a vivência do sofrimento ético-político, ou seja, um

padecimento a partir do contexto social de desigualdade conformando a passividade e a

diminuição da potência de liberdade (SAWAIA, 2009). A partir das recorrentes buscas pelo

serviço formal sem o devido atendimento acabam sendo delineados percursos de cuidado

centralizados nos recursos informais e na restrição do direito à saúde às situações

emergenciais: “para o pobre é tudo muito difícil. Infelizmente é isso, por isso que eu não

procuro muito” (Gilberto, cinco anos em situação de rua).

Já estava indo embora. Já tinha acabado de atender já, já estava indo

embora já [o médico]. É isso que acontece. Insiste muito não, não vale a

pena (…), mas contra a força não há resistência, então não tem como você

bater de frente com eles porque a corda sempre arrebenta para o lado

mais fraco (Maurício, dois anos em situação de rua).

No entanto, em situações de desigualdade o ser humano não se reduz à

sobrevivência biológica, pois nesse caso o sofrimento moral é semelhante ao sofrimento

físico, justamente pelo fato de que ambos restringem a liberdade (SAWAIA, 2009). Nesse

sentido, cada experiência de busca do cuidado formal constitui uma série de vivências acerca

do direito à saúde que reproduzem a exclusão social desse público, que se veem legados ao

assistencialismo da sociedade civil:

29

Normalmente na rua tem muita gente que apoia e tem muita gente que

critica. Tem gente que ajuda e que você nem sabe quem é. Tipo assim, lá

na ponte lá, chegava um e dava uma cesta básica e você nem sabe quem é

(…). Outro dava uma coberta, outro dava um colchão [pausa]. Mais assim,

ajuda anônima, é desconhecido. Agora, conhecido, são poucos. Órgão

público, essas coisas assim, acho que eles nem gostam de situação de rua

[risos](Gilberto, cinco anos em situação de rua).

Tais atores sociais vivenciam a exclusão em diversas áreas: familiar, cultural, do

trabalho e da cidadania. Vivem ainda em extrema vulnerabilidade e marginalidade no acesso

aos bens sociais, dentre eles o direito à saúde. Percebe-se que o município não acompanhou

o avanço das legislações nacionais para a inclusão da PSR, ressaltando a necessidade de a

Atenção Básica acolher e adaptar sua rotina de trabalho para atender as demandas do público

(BRASIL, 2012).

A desassistência pelas instituições públicas é a realidade vivenciada por esses

atores sociais, que utilizam diferentes redes e conexões como meio para assegurar o cuidado

à saúde. Tais percursos demonstram que a vivência da desigualdade social não se conforma

apenas no sofrimento, no medo e na humilhação, mas também na potência de liberdade e

felicidade e no desejo de transformação do homem (SAWAIA, 2009).

No entanto, nas políticas de saúde ainda são hegemônicas ações assistencialistas

e medicalizantes onde persiste a falta de acesso, estigma, preconceito e a desarticulação entre

os setores. Entende-se que o desafio está na reorganização das políticas de saúde visando

coerência com as reais demandas desse público em busca da reconstrução da cidadania. É

essencial ressaltar que o mero conhecimento da realidade desse público não modifica, por si

só, os processos de exclusão social a que estão submetidos, no entanto, trata-se de uma forma

de denúncia e um caminho para tornar públicas as necessidades desses sujeitos em busca de

políticas mais equânimes (PAIVA et. al., 2016).

Acesso à saúde em situações emergenciais

Diante das dificuldades de acesso e continuidade do cuidado na atenção básica,

são delineados itinerários terapêuticos centralizados no acesso às redes formais em situações

de urgência e emergência. Grande parte dos atendimentos realizados nos serviços de

Urgência e Emergência poderiam ser acolhidos e tratados na rede de Atenção Básica. Esta

realidade é comumente justificada pela falta de conhecimento dos usuários do papel de cada

30

serviço da rede, no entanto, diz mais da (in)acessibilidade do público aos diferentes serviços

(CECILIO, 1997; CECILIO; MERHY, 2003). O que se observa é que as UBS não possuem

condições para acolher de modo integral a demanda da população, seja pela organização do

serviço que limita o número de atendimentos diários, seja pelo horário de funcionamento

comercial que inviabiliza o acesso de trabalhadores que receiam faltar na atividade laboral,

ou ainda pelas equipes reduzidas (SAMPAIO et. al., 2016).

A partir dessa realidade, esforços foram feitos para promover o cuidado integral

à saúde dos públicos vulneráveis. A mudança das equipes de Consultório de Rua para

Consultório na Rua, por exemplo, para além da mudança lexical, busca adequar a

organização e os processos de trabalho da Atenção Básica para melhor atender à PSR

(TRINO; MACHADO; RODRIGUES, 2015).Diante das barreiras para o acesso ao cuidado

formal, a busca por tratamentos médicos pelo segmento fica restrita a situações de urgência

e emergência que exigem cuidados mais elaborados para a manutenção da saúde, tais como

acidentes e adoecimentos crônicos. Estudos têm destacado o fato de que em situação de rua

a busca pelo cuidado à saúde ocorre na maioria das vezes em situações extremas (AGUIAR;

IRIART, 2012; BARATA et. al., 2015; SILVEIRA; RODRIGUES, 2013):

Ah, eu tinha caído de bicicleta... O guidom quebrou e rasgou minha

barriga. Na época eu fui com o SAMU (…) Era urgência e emergência, aí

eu fui operado ainda. Abriu tudo, minhas tripas saíram para fora (…).

Fiquei dois dias. Dois dias e depois sai. (Maurício, dois anos em situação

de rua).

O que se percebe é que, geralmente, nos casos de urgência e emergência, a

continuidade do cuidado se restringe ao uso dos medicamentos receitados, ainda que seja

por um período curto de tempo: “ah, eu tive que tomar anti-inflamatório, uns medicamentos

básicos para recuperar, né? Para não deixar inflamar os pontos” (Murilo, seis meses em

situação de rua).

Destaca-se que a Rede de Urgência e Emergência não se reconhece como uma

possível porta de entrada no sistema de saúde, com isso ações de continuidade do cuidado

não são prioridade, responsabilizando-se meramente pela estabilização das condições

críticas (CECILIO; MERHY, 2003). Geralmente, os usuários deixam o serviço sem qualquer

tipo de encaminhamento para outro ponto de cuidado na rede, salvo situações em que são

encaminhados para internação hospitalar. Ainda que não esteja previsto, para o trabalho na

Rede de Urgência e Emergência, a articulação com a Atenção Básica e a Rede de Atenção

31

Psicossocial, é importante problematizar o papel desses serviços no cuidado compartilhado

que, por vezes, acolhem a demanda não atendida pelas Unidades Básicas de Saúde

(SAMPAIOet. al., 2016).

Valdo foi o único dentre os entrevistados que teve o diagnóstico de tuberculose

em situação de rua, adoecimento que implica em um cuidado contínuo, e relata como

procedeu com seu tratamento: “aí eu fiquei dois meses tomando remédio aqui. No terceiro

mês eu fui para [uma cidade próxima] porque tenho uma irmã de criação lá, aí eu estava

tomando remédio. Aí eu peguei os comprimidos e no terceiro mês não tomei mais” (25 anos

em situação de rua).

Destaca-se que a tuberculose possui prevalência mais elevada entre populações

vulneráveis do que na população em geral. No caso da PSR as condições precárias de higiene

e abrigamento contribuem para o aumento de casos. Em contrapartida, o tratamento pode

trazer efeitos colaterais intensos, e, mais do que isso, é composto por diversas etapas que

devem ser seguidas rigorosamente. Em situação de rua um dos desafios é exatamente realizar

o tratamento até o final, que deve ocorrer por seis meses de uso contínuo, para evitar a

recorrência da doença (ADORNO, 2011).

Em busca de lidar com o desafio da continuidade do tratamento entre grupos

vulneráveis, que interrompem a tomada do medicamento antes do término, foi desenvolvido

o chamado “tratamento diretamente supervisionado”. Isso implica na internação das pessoas

em situação de rua como uma medida de tutela para que sejam garantidas todas as etapas do

tratamento, ou ainda que a ingestão do medicamento ocorra, diariamente, diante de um

profissional de saúde (ADORNO, 2011). No entanto, em pesquisa realizada na cidade de

São Paulo, este autor relata que a articulação de redes sociais pelos profissionais de saúde

para suporte e acompanhamento da tomada de medicamentos apresenta resultados positivos

e menos onerosos, em especial por meio da participação das pessoas em situação de rua em

cooperativas e movimentos sociais.

Após terem sido atendidas por serviços de urgência e emergência, a farmácia

popular é a primeira opção para a garantia dos medicamentos quando se tem a receita médica

em mãos:

Eu tenho um grande amigo meu ali que comprou. Sempre quis me ajudar.

Ai nesses casos assim ele, ele compra para mim. Porque se dependesse do

órgão público só... E também esse remédio... Também não tinha no posto.

Primeiro eu fui lá [na farmácia popular] para não ter que incomodar os

32

outros. Ai depois que eu vi que estava precisando mesmo, aí não teve jeito

(Maurício, dois anos em situação de rua).

No entanto, o tratamento de desconfortos mais cotidianos e menos intensos

relacionados a problemas de saúde bucal, gripe, dor de cabeça, entre outros, ocorre por meio

da aquisição de medicamentos em farmácias particulares. Nesse caso, muitos possuem o

recurso financeiro através dos trabalhos informais que exercem e outros desenvolveram uma

rede de relações informais que auxiliam na compra dos medicamentos.

Eu compro, quando eu estou sem a receita eu compro [o remédio para

pressão alta e o diazepam]. Eu tenho cartão SUS aí a farmácia, essa da

esquina aí, eu tenho cartão do SUS. Mas quando eu bebo eu não tomo

Diazepam (Valdo, 25 anos em situação de rua, relatando sobre o desconto

na farmácia com o Cartão SUS).

Aí eu peço na farmácia. Não tenho dinheiro, estou passando um aperto,

você tem como me dar uma ajuda? Tem umas farmácias aí que costuma,

para mim, costuma ajudar. E ainda falam assim: “não traz gente não,

hein? Senão pode fazer fila, né?” (Júnior, 15 anos em situação de rua).

As dificuldades em ser atendido em situações de urgência e emergência se

tornam maiores quando se requer uma ambulância para transportar o doente até o hospital

geral:

Ele estava na mesma situação do rapaz que eu te falei: tuberculose. Então

ele passou mal perto de mim lá embaixo [da ponte]. Aí eu levei ele lá no

hospital. Primeiro, nós fomos andando, depois ele não aguentou andar

mais. Eu levei ele nas costas, de macaquinho. Isso aí porque eu não

consegui uma ambulância, não consegui nada. (Gilberto, cinco anos em

situação de rua).

O SAMU já foi lá debaixo da ponte, mas o que a gente tinha que fazer?

Tinha de carregar lá para o lado de fora, carregar para o lado de fora

para eles virem buscar. Porque ele falou que debaixo da ponte ele não

entrava (Sebastião, sete anos em situação de rua).

O Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU) se encontra na Rede de

Atenção Psicossocial como um serviço de atenção à urgência e emergência, como também

a UPA, Hospitais Gerais e UBS. Ainda assim, sabe-se que a recusa de atendimento pelo

SAMU está entre as violações mais comuns dos direitos da PSR, recorrente em diferentes

municípios (FARIAS et.al., 2016).

33

Na maior parte dos casos o atendimento que precisa de acompanhamento

contínuo só se efetiva quando há uma mediação institucional, normalmente feita pela equipe

de Abordagem Social do CREAS. Diante da heterogeneidade do público, torna-se

fundamental integrar as diversas redes para que possam atender às necessidades singulares

de cada pessoa em situação de rua, promovendo um cuidado compartilhado (TEIXEIRA et.

al., 2015).

Porque eles [assistência social] alegaram que a vacina de gripe, eu mesmo

pela minha idade eu não tenho direito de graça, tenho que pagar. Mas

como eu estava em situação de rua então eles conseguiram para a gente

tomar, por causa do frio, né? Estando em situação de rua é fácil pegar

uma gripe, né? (Gilberto, cinco anos em situação de rua).

Me deu problema na visão, né? Aí eu procurei médico só que aqui para

conseguir um, como que fala o nome dele? (…). Oftalmologista aqui é

muito difícil, entendeu? Para eu conseguir um oftalmologista foi depois

que eu conheci um rapaz da assistência social. Ele conseguiu para mim

(Gilberto, cinco anos em situação de rua).

Mais importante do que a disponibilidade quantitativa ou qualitativa de serviços

são as ofertas de cuidado e o modo como se comunicam em rede, sendo possível, desta

forma, observar fragilidades importantes para o acolhimento à PSR no município. Percebe-

se a dificuldade de a Atenção Básica cuidar e, sobretudo, articular redes de promoção da

saúde da PSR. Diante da vulnerabilidade decorrente da vida nas ruas torna-se imperativo

para os serviços que trabalham com esse público realizar ações integradas, caso contrário,

serão reduzidas a tarefas pontuais em situações de emergência sem incidir sobre os

determinantes sociais do processo saúde-doença (VARANDA; ADORNO, 2004).

Para tanto, destaca-se que o investimento em ações regionalizadas pode atuar na

melhor eficiência administrativa dos serviços, além da autonomia local (SILVA; GOMES,

2013). A responsabilidade pela organização dos serviços locais é do município e, apesar de

ser induzida por uma proposição democrática de distribuição de poder e ampliação da

participação social, tem gerado funcionamentos autárquicos nas redes de saúde,

consequentemente, fragmentados, com pouca capacidade de integração e cooperação local

(ALMEIDA et. al., 2016).

A regionalização do sistema de saúde é bastante complexa, pois implica a

construção conjunta de um planejamento que dê conta da integração, coordenação, regulação

e do financiamento da rede de serviços de saúde no território. Trata-se de um processo

34

contínuo de negociações de diversas naturezas, com vistas a garantir a integralidade das

ações e o acesso aos serviços de saúde (SILVA; GOMES, 2013). Essa articulação regional

pode incidir sobre o vazio assistencial vivenciado pela PSR no município, realidade que pode

ser compartilhada pelas demais localidades próximas.

Bom eu fiz um exame e eles estão falando que eu estou com AIDS.

Entendeu? Eu vou falar a verdade, mas eu tenho fé em Deus que eu não

estou com isso, não. É um rapaz que, cabeludo e tal, que me levou lá, ainda

queria me levar para internar. Eu estava com um rapaz ainda, aí ele pôs

aquele negócio aqui assim ó, no dedão. E fez duas vezes, ainda (…). Pegou

o sangue assim, ó... Falou que eu estou. Agora eu não sei, né? (Júnior,

quinze anos em situação de rua).

O caso de Junior descreve a situação de desassistência no município: após o

diagnóstico de HIV/Aids pelo teste rápido ele retornou para as ruas sem que fosse sequer

proposto o início do tratamento. Ressalta-se que, durante a entrevista, Júnior relatou que não

havia compartilhado a notícia com nenhum companheiro de rua e nem com os técnicos da

Assistência Social. Em seu relato, sobretudo, destaca-se a importância do cuidado

compartilhado:

Júnior: Mas será que eu estou mesmo? Não sei, aí tem que fazer de novo

para ver se eu estou mesmo.

Pesquisadora: E você quer ir lá fazer?

Júnior: Eu faço, se você me ajudar eu faço.

Sabe-se dos desafios que envolvem a construção de uma rede de serviços

exigindo ações compartilhadas, encontros entre diferentes saberes e a ampliação da

cobertura dos serviços de saúde. As experiências das eCnaR exemplificam que para esse

público a rede é construída caso a caso. No entanto, isso não relativiza a importância da

pactuação de parcerias intersetoriais e regionais que precede uma situação de acolhimento

imediato. Dessa forma, é crucial a criação do ordenamento da rede de parceiros através de

visitas aos serviços, escuta qualificada e acompanhamento contínuo em busca de favorecer

um cuidado compartilhado (TEIXEIRA et. al., 2015).

O estabelecimento de uma atuação regionalizada implica em uma mudança na

cultura política clientelista e patrimonialista, na direção do planejamento na gestão da saúde.

Destaca-se, na literatura, que o discurso e as ações de regionalização encontram-se cooptadas

pelo subfinanciamento, pela fragilidade técnica e pelo baixo comprometimento dos gestores,

35

de modo geral, em fazer avançar novas formas de execução da rede de saúde no cotidiano

(MELLO et. al., 2017).

Não há previsão para a habilitação de eCnaR em cidades de pequeno porte, ao

mesmo tempo em que a Atenção Básica não consegue atender toda a demanda sob sua

responsabilidade, sobretudo no que se refere às pessoas em situação de vulnerabilidade.

Como consequência, a articulação do cuidado compartilhado das pessoas em situação de rua

não se efetiva através da rede de saúde, uma responsabilidade precípua da Assistência Social,

que por sua vez nem sempre possui os recursos necessários para atuar de modo intersetorial.

Nesse interim, o que se percebe é a necessidade da superação de práticas de

disputa entre os municípios limítrofes, comumente relatado com um impedimento à

efetivação dos processos de regionalização em saúde, uma vez que demanda uma cultura de

integração e cooperação política (MELLO et. al., 2017). Percebe-se a relevância de um

sistema de integração solidária entre os municípios que compõem a região: trata-se de um

território constituído por 20 municípios, sendo que apenas o município investigado apresenta

mais de cinquenta mil habitantes, e os demais variam entre três mil habitantes e vinte mil

habitantes, conforme informações obtidas no site da Secretaria de Estado de Saúde de Minas

Gerais. A regionalização em saúde nesses territórios pode atuar de modo positivo na

ampliação da cobertura dos serviços, promovendo maior acesso à saúde e integração

assistencial para a PSR.

Considerações Finais

O presente estudo evidenciou e ratificou questões recorrentes na literatura sobre

a saúde da PSR. Destaca-se a precariedade dos serviços públicos, tanto na disponibilidade

de insumos de cuidado, quanto na disponibilidade de pessoal técnico e profissional. Da

mesma forma, identifica-se a restrição de políticas equitativas no município e a carência de

ações em saúde atentas à realidade do público, especialmente na Atenção Básica, além da

concentração do cuidado da PSR pela assistência social com escassa articulação intersetorial.

O crescente enxugamento no Estado de Bem-Estar Social conforma processos

sociais excludentes que restringem o acesso da PSR aos direitos sociais básicos, com

destaque para o direito à saúde. Diante dessa realidade, as redes formais de cuidado à saúde

tornam-se possibilidades distantes da PSR na construção do autocuidado, de forma que se

apresenta como solução a mobilização de redes informais e sociais tanto para a produção de

cuidado, quanto para garantir um mínimo de acesso aos cuidados à saúde.

36

Ainda que os atores sociais busquem modos de manter a saúde, o sentimento de

abandono é recorrente. Se por um lado o direito à saúde é negado tanto pela dificuldade de

acesso, quanto pela precariedade dos serviços, por outro, a situação de rua conforma

vulnerabilidades de diferentes ordens. Observa-se entre os participantes da pesquisa uma

confluência de vulnerabilidades (individual, social e programática) que os mantém no

circuito perverso da dialética exclusão-inclusão.

Em âmbito individual são pessoas com baixa escolaridade e frequentemente com

pouca informação científica sobre o processo saúde-doença, situações que precedem à ida

às ruas. Tal condição é agravada pela vulnerabilidade social, sendo que não há nenhuma

ação de educação popular para a inclusão dessas pessoas nos serviços de saúde, ou ainda

para a promoção do autocuidado e do cuidado compartilhado pelas redes sociais constituídas

na situação de rua (SÁNCHEZ; BERTOLOZZI, 2007).

A exclusão social se agrava pela vulnerabilidade programática, visto que esta faz

menção que se refere às formas de organização da rede de saúde, à qualidade da mesma, o

vínculo construído entre usuários e os profissionais do serviço e às ações realizadas a partir

das demandas do público (BERTOLOZZI et. al., 2009). Esse panorama parece se agravar

nos municípios semelhantes ao pesquisado, de pequeno porte, onde a escassa oferta de ações

destinadas à PSR atua penalizando o mesmo pela situação em que se encontra, sem que

sejam articulados meios efetivos para a superação desta realidade.

No município em questão, destaca-se o baixo comprometimento dos gestores

públicos na direção de compreender os fatores que atuam sobre a ida e permanência das

pessoas nas ruas. Também não são vislumbradas, nos diferentes níveis de atenção à saúde

municipais, a priorização em atender as particularidades do público, e atuar sobre os

constantes processos excludentes presentes nos serviços de saúde. A ausência de propostas

que modifiquem a vulnerabilidade programática no município atua cristalizando a

fragilidade da rede formal e a negação do direito à saúde da PSR.

Entende-se que a vulnerabilidade programática identificada pode ser superada a

partirdo planejamento da rede de atenção à saúde local, ampliando o debate acerca da

realidade regional e da construção de meios cooperativos entre os municípios para avançar

na oferta de serviços em saúde para a PSR, através da regionalização. Da mesma forma,

entende-se a importância do conceito de vulnerabilidade e suas dimensões constitutivas

como forma de incorporar a participação popular no planejamento e avaliação dos serviços

de saúde, através de estratégias de empoderamento do público na análise das políticas

37

públicas e proposição de ações que rompam com os processos sociais excludentes

legitimados nos espaçosformais.

Os relatos colhidos e as informações observadas decorrem de um recorte sobre

a realidade da PSR, multifacetada e com singularidades a partir do território em que se

encontra. Ainda assim, os resultados deste estudo, atrelados à vasta literatura sobre a saúde

deste público, trazem indicações pertinentes para o avanço da PNPSR. Especialmente,

destaca-se a importância de novos estudos que desvelem a realidade da vida nas ruas em

municípios de pequeno porte, onde as políticas sociais se desenvolvem de forma lenta e

gradual conformando recorrentes violações dos direitos humanos. Da mesma forma, torna-

se essencial compreender as estratégias e os recursos acionados pelas pessoas em situação

de rua para o autocuidado, bem como para garantir o acesso ao direito à saúde, construindo

cada vez mais informações que privilegiem a aproximação entre os serviços de saúde e a

realidade vivenciada por este segmento populacional.

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42

Capítulo 4. “UPA é nós aqui mesmo”: as redes informais como referência de cuidado

à saúde da população em situação de rua em um município de pequeno porte.3

Resumo

A PSR constitui-se como um público crescente nas cidades, refletindo processos sociais

desiguais e excludentes. Entre as barreiras para o acesso aos direitos sociais básicos destaca-

se a negação do direito à saúde do público. Políticas recentes destinadas à PSR buscam

alterar o quadro de desassistência à saúde, contudo, sem se legitimar em todos os municípios,

sobretudo naqueles de pequeno porte. Da mesma forma, poucos estudos buscam conhecer

as estratégias desenvolvidas pela PSR diante da carência de serviços públicos e das barreiras

de acesso aos existentes. Diante disso, buscou-se identificar e analisar os itinerários

terapêuticos da PSR em municípios de pequeno porte. Foi utilizada a triangulação de

métodos qualitativos para a coleta de informações, através das observações participantes e

entrevistas semiestruturadas e o conjunto de dados foi analisado a partir de análise temática.

Ressalta-se nos relatos a utilização de redes informais como fonte prioritária de cuidado,

através do autocuidado, automedicação, uso da medicina popular e mudança na rotina da

vida nas ruas para restabelecimento da saúde. Também se destacam as redes sociais e

comunitárias como fonte de cuidado e para garantia de acesso aos serviços públicos, além

da restrição da oferta de cuidados específicos à saúde da mulher.

Palavras-chave: população em situação de rua; itinerários terapêuticos; medicina popular

Abstract

The population living in the street (PSR) is a growing public in cities, reflect in gun equal

and excluding social processes. Among the obstacles to access basic social right sis the

denial of the right to health to the public. Recent policies focused on the homeless seek to

change the framework of health disengagement, without, however, being able to operate in

all municipalities, especially in small ones. Similarly, few studies seek to identify the

3Artigo a ser submetido para avaliação visando publicação na Revista Saúde e Sociedade, incorporando

sugestões da banca de defesa de dissertação. O texto a ser submetido não está incluído aqui a fim de garantir a

originalidade e a avaliação cega entre pares, em conformidade com as diretrizes para submissão da revista.

43

strategies developed by the PSR before the lack of public services and the hindrance to

access existing ones. Therefore, we sought to identify and analyze the therapeutic itineraries

of the PSR in small municipalities. Triangulation of qualitative methods was used to collect

information through participant observations and semi-structured interviews, and the data

set was analyzed based on thematic analysis. A highlight identified in there ports is the

agency of informal networks as a priority source of care through self-care, self-medication,

use of popular medicine and change in the outline of the daily life on the street, in order to

restore health. Also, worth mentioning as a highlight are social and community networks as

a source of care and as a guarantee to access public services, and there striction of the

provision of specific care for women's health.

Keywords: homeless; therapeutic itineraries; folk medicine

44

Considerações finais

Assim como em outros estudos, destaca-se, na presente pesquisa, a complexidade de

demandas da PSR, que vão desde o acesso aos direitos sociais básicos até o acompanhamento

de condições crônicas de saúde (Engstrom & Teixeira, 2016; Mendes &Horr, 2014). Por

isso, ratifica-se a importância do planejamento e execução de políticas nas três esferas do

poder público que priorizem o atendimento multidisciplinar ao público, potencialize a

articulação intersetoriale os processos de regionalização em saúde.

No município em questão, vivencia-se uma realidade de atendimento e cuidado à

PSR distante das recentes políticas e diretrizes nacionais, sendo que a assistência social é

ainda o único setor responsável pelo acompanhamento do público, atuando como porta de

entrada nos serviços de saúde. Tal realidade é compartilhada com outros estudos sobre o

tema, sendo que a restrição da oferta de cuidado pela assistência social não necessariamente

se traduz em trabalho compartilhado com os demais setores, conformando poucas ações

efetivas para a garantia dos direitos do público e para atender à real demanda das pessoas

em situação de rua (Borysow & Furtado, 2014; Carneiro Junior & Silveira, 2003). Diante

dessa realidade, o município permanece atuando sob a diretriz de que o cuidado à PSR é

responsabilidade da assistência social, muitas vezes de modo assistencialista frente à

precariedade de ofertas e de ações intersetoriais. No entanto, a Política Nacional para esse

público busca exatamente superar ações polarizadas ao retificar que a PSR se constitui pela

heterogeneidade e, portanto, demanda ações intersetoriais e transdisciplinares.

É crucial destacar que, diante do campo material de possibilidades desses sujeitos,

marcado pela precariedade de ofertas nas políticas públicas, são delineados itinerários

terapêuticos que acionam redes informais para a produção de cuidados em saúde e

tratamento dos adoecimentos, sendo que a rede formal de saúde é acionada em casos de

urgência e emergência, sem oferta de cuidado integral e contínuo. A Atenção Básica no

município não consegue atuar articulando as redes formais, tampouco informais, no cuidado

ao público. Destacam-se, ainda, as relações de trabalho com base em contratos por período

determinado, as equipes reduzidas, a cobertura restrita das equipes de ESF, bem como o

parco investimento em educação permanente, conformando um quadro de baixa qualidade

assistencial considerando-se os princípios do SUS.

O que se percebe é um cuidado fragmentado, pontual e que contribui para a

recorrência do usuário no serviço por não promover a saúde e prevenir crises clínicas.

45

Sobretudo, identifica-se um cuidado medicalizante, hospitalar, proibicionista e centrado no

adoecimento, desvinculado, assim, de seus determinantes sociais. Todos esses fatores

contribuem para a sobrecarga dos serviços existentes e para a busca de cuidados informais

como forma privilegiada de acolhimento e solução dos adoecimentos. Para que a Atenção

Básica se torne efetivamente a porta de entrada do sistema de saúde, são necessárias

mudanças na organização dos processos de trabalho para compreender as demandas da PSR,

a partir do contexto em que está inserida de modo que favoreça a aderência do público no

tratamento (Barata et al., 2015).

Assim como em outros estudos, ressalta-se a importância de reformular a constante

burocratização dos processos de cuidado, especialmente nos processos de realização de

exames e consultas, para favorecer a continuidade do cuidado. Da mesma maneira, é

imprescindível a oferta do acolhimento como diretriz de trabalho em saúde, modificando a

organização do serviço, promovendo o atendimento em demanda espontânea sem a

necessidade de agendamento prévio e potencializando o saber multiprofissional

(Cecilio,1997; Cecilio & Merhy, 2003). Dessa forma, a priorização de ações intersetoriais,

o cadastro do público e a compreensão das nuanças que conformam os processos de saúde-

doença em situação de rua são fundamentais para uma efetiva atuação junto da PSR (Barata

et al.,2015; Carneiro Junior & Silveira, 2003). Diante do exposto, se destaca a

vulnerabilidade programática das redes de cuidado formais no município, que atuam

fragilizando a rede de atenção à saúde. Para tanto, o incentivo e a efetivação de ações

regionalizadas para o atendimento da PSR podem atuar sob tal realidade nos municípios de

pequeno porte, avançando quanto à integralidade do cuidado à saúde deste público.

Não obstante, identifica-se uma pluralidade de recursos informais e sociais para o

cuidado à saúde utilizados pelos sujeitos que constituem itinerários terapêuticos singulares

e complexos. Ainda é escassa a literatura especializada acerca das estratégias e recursos

informais utilizados pela PSR nos percursos de cuidado à saúde, bem como a distância entre

tais ações e os serviços de saúde que desconhecem as experiências vivenciadas pelos

usuários ao tecer redes e estratégias de cuidado (Carvalho & Franco, 2015; Paiva et al.,

2016). Diante disso, torna-se ainda mais importante a utilização de tecnologias leves para o

cuidado à saúde do público, a priorização de exigências mínimas para favorecer a aderência

dos sujeitos aos serviços de saúde e a valorização das crenças, valores e estratégias advindas

da cultura popular e das redes sociais e informais como recursos a serem explorados na

atenção básica à saúde.

46

O panorama evidenciado no estudo reafirma a distância entre as legislações nacionais

e sua legitimação efetiva nos municípios, constituindo uma lacuna entre a previsão de ações,

pautadas nos direitos humanos e nas tecnologias leves de cuidado, e sua execução no

cotidiano dos serviços. Desse modo, salienta-se a necessidade de maior participação popular

na elaboração e fiscalização da execução das ações relacionadas às políticas públicas nos

municípios de pequeno porte, sobretudo a importância do estímulo à organização e

articulação das pessoas em situação de rua para debater e promover mudanças nas formas

de acesso e cuidado nas redes formais de saúde.

Em suma, é preciso desvelar as diversas realidades vivenciadas pelas pessoas em

situação de rua nos municípios e estados brasileiros em busca de legitimar o acesso aos

direitos sociais básicos. Da mesma forma, é essencial avançar na oferta de ações em saúde

para esse público, uma vez que a definição de políticas restritas ao uso de drogas junto às

pessoas em situação de rua possui o risco de limitar o acesso aos demais serviços e reproduzir

estigmas sociais nos espaços de cuidado à saúde (Borysow et al., 2017).

Atrelado a isso, identifica-se que as ações que não se detêm na inter-relação dos

fatores estruturantes que conformam a situação de rua pouco contribuem para a emancipação

dos sujeitos. Os processos de dominação materializados nas relações sociais cooptam o

processo de ação singular e transformador dos sujeitos, contribuindo para a inclusão

marginal na sociedade (Sawaia,2014). Observa-se, na presente pesquisa, a vivência do

sofrimento ético-político como categoria da dialética exclusão/inclusão e, principalmente, a

mobilização da potência de liberdade dos sujeitos que lutam cotidianamente contra situações

excludentes que buscam cooptar suas forças de autorrealização.

A potência de ação desses sujeitos se exemplifica na construção de seus itinerários

terapêuticos, ao empenhar-se em mobilizar formas de autocuidado mesmo em condições

vulneráveis e precárias, reafirmando a dimensão subjetiva promotora da transformação

social. Tais resultados confirmam a importância da postura ética e epistemológica do

psicólogo em contextos comunitários, para que atue desvelando atitudes transformadoras

dos sujeitos e fomentando a autonomia e o desejo coletivo de emancipação (Sawaia, 2014).

Historicamente, os direitos da PSR foram garantidos através da organização do

Movimento Nacional da População de Rua, que participou ativamente da elaboração da

PNPR, e continua representando o público nas instâncias de controle social nas três esferas

do poder. Entende-se que há uma potência de ação transformadora nesses sujeitos que, à

margem da sociedade são silenciados e invisibilizados. Nesse sentido, o estímulo à

47

organização social permite tanto a modificação dos estereótipos e preconceitos enraizados

na nossa cultura sobre a PSR, quanto a problematização da realidade social em vista da

constante denúncia das violações de direitos cometidas pelo Estado contra a PSR, em busca

da transformação social (Jesus, 2012).

Entende-se que a PSR vive cotidianamente relações verticalizadas, diante da negação

de seus direitos fundamentais, agravado pela escassa oferta de espaços para defender os

mesmos. Nesse sentido, torna-se imperativo para o trabalho com o público, seja na

assistência social ou na saúde, fomentar a mobilização de saberes e experiências em âmbito

coletivo, tanto para denunciar a marginalização vivenciada, como também qualificar o

trabalho das políticas públicas a partir de propostas de transformação e adequação dos

serviços para a realidade do público.

Assim, é relevante assegurar os direitos humanos do público, fomentando também a

possibilidade de uma vida digna e a problematização da estrutura social desigual. Destaca-

se a necessidade de promover políticas efetivas para o acesso à moradia, sendo esse fator

primordial para a superação da situação de rua, ratificado pela busca de acesso à moradia

pelos participantes da pesquisa para cuidado integral à saúde.

A presente pesquisa trata-se de um recorte específico sobre a vida nas ruas e o

cuidado à saúde. Salienta-se que, neste estudo, a utilização do conceito de itinerário

terapêutico atuou como possível limitador para a identificação e compreensão das ações

coletivas de busca pelo cuidado à saúde e efetivação dos direitos fundamentais. Ainda assim,

a realidade descrita ratifica estudos anteriores na área e nos provoca a explorar as cartografias

desses sujeitos na busca por seus direitos. Desse modo, são necessários novos estudos que

busquem compreender as redes e recursos acionados cotidianamente pelas pessoas e grupos

em situação de rua e que não são vislumbrados pelos serviços que ofertam atendimento e

acompanhamento ao público, constituindo percursos de cuidado singulares e potentes em

produção de saúde e transformação social.

48

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53

Anexos

ANEXO A – Parecer Consubstanciado do Conselho de Ética em Pesquisa

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Apêndices

Apêndice A - ROTEIRO DE ENTREVISTA SEMI-ESTRUTURADA

Itinerários terapêuticos de pessoas em situação de rua em um município de pequeno porte

Entrevista nº ___ Entrevistador: ________________

Data: __/__/_____ Local: _____________________________

1. Dados de caracterização

Naturalidade: ___________________________

Gênero: _______________________________

Escolaridade:

( ) Ens. Fundamental incompleto ( ) Ens. Fundamental completo

( ) Ens. Médio incompleto ( )Ens. Médio completo

( ) Ens. Superior incompleto ( ) Ens. Superior completo

Profissão: ___________________________

Ocupação: _______________________

Tempo em situação de rua: ___________________

2. Processos de saúde e doença

• Demandas de saúde

• Medicamentos utilizados/que deveriam ser utilizados

• Tratamentos realizados

• Concepções sobre saúde e doença

3. Formas de cuidado à saúde

• Situações nas quais busca atendimento à saúde

• Situações nas quais busca cuidado com a rede social e comunitária

• Estratégias cotidianas de cuidado à saúde