teatrofantasma ou o doutor imponderável contra o onirismo groove (nova edição) - marcelo ariel

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Romance do poeta e performer Marcelo Ariel escrito na forma de diário ontológico, o autor une poesia, filosofia e crítica em suas notas. Um livro sem precedentes na literatura brasileira.

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MARCELO ARIEL

Teatrofantasma o Doutor Imponderável

contra o onirismo groove

Diário Ontológico

(Nova edição revista e com textos inéditos)

Posfácio: Maurício Salles Vasconcelos

Edições Caiçaras Ilha de São Vicente /SP

maio de 2013

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Page 4: Teatrofantasma ou o Doutor Imponderável contra o onirismo groove (nova edição) - Marcelo Ariel

© Marcelo Ariel

Capa, projeto gráfico, diagramação e editoração:Márcio Barreto

Conselho Editorial:Flávio Viegas AmoreiraMarcelo Ariel

Ariel, Marcelo

Teatrofantasma - o Doutor Imponderável contra o onirismo groove / Marcelo Ariel – São Vicente: Edições Caiçaras, 2013.

78p. 1. Literatura brasileira I. TítuloImpresso no Brasil

1° edição 20122° edição 2013

2013Edições Caiçaras

Rua Benedito Calixto, 139 / 71 – CentroSão Vicente - SP - 11320-070

[email protected]

13-34674387 / 13-91746212

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Nota do autor:

Incentivado por entre outros Juliano Garcia Pessanha e pelo poeta português Antônio Cabrita resolvi escrever este livro que é uma reunião de textos anteriormente publicados no meu blog: teatrofantasma.blogspot.comAlguns textos foram reescritos, o livro tem a estrutura de umdiário onde a própria fragmentação do ser no tempo é o personagem central, personagem que no fundo de uma ontologia divide as cenas com algumas escritoras suicidas.

Para Jurema Paes, Marcos Vaz Maurício Salles Vasconcelos,Isadora Krieger, Carolina Krieger, Ana Beatriz Fusko, Beatriz Bajo, Ademir Demarchi,José Aparecido dos Santos,Estrela Leminski, , Itamar Assumpção (in memorian), Décio Pignatari, Roberto Piva (in memorian) e Gil Scott Heron ( in memorian)

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“ Ah o impoderável e sua cruel máquina de agulhas e galáxias”

Arruda

"Every person, place and thing in the chaosmos of Alle anyway connected "James Joyce em “Finnegans Wake”

“ Você é a lição de casa. Por todos os lados nenhum aluno.”

Franz Kafka

“Há horas em que as coisas nos contemplam e estão por um fio a comunicar connosco.”

Raul Brandão, Memórias, vol. III

"Que débil el la palavra cuando el ánimo anda mal! Cuando el ánimo está cargado de todo lo que aprendimos a través de todos nuestros sentidos, la palabra también se carga de esas materias.Y como vibra! "

José Maria Arguedas

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Domingo :

Ao coração dentro da concha

A instauração de uma ontologia do poema-contínuo seria a investigação dos momentos do ser onde ele se sente dentro do mundo, habitado pela pureza ficcional das coisas, imerso em uma clareira do tempo na qual a hora é incerta e onírica e não seguimos nenhum relógio, não tentamos esquadrinhar o invisível, é justamente nestes momentos que a interioridade-exterior iluminada por uma ininteligível exterioridade constrói o corpo de uma criança morta apenas no lado de fora da memória...Esse momento-sempre tem algo a nos dizer sobre a potência livre e edênica da beleza do mundo, potência sutil que resiste às ilusões de posse, controle,entendimento, potência que ultrapassa e dissolve o projeto iluminista ou da ilustração ( Ver Kant, Diderot e etç...) cujo fracasso chamo de Titanic World Forever e nosso tempo é a máxima ressonância desse fracasso que foi anunciado por antigos moradores do obscuro-límpido como Nietszche, Baudelaire, Farnese de Andrade e Febrônio Índio do Brasil...Somos o fantasma-vivo da criança morta, o fantasma-vivo da criança morta é o mediador da beleza do não-ser ou da beleza da natureza e de sua irradiação chamada a máquina do mundo reencontrada...Renomearemos essa irradiação do aqui e agora e a chamaremos de Poema Contínuo.Entre a sociedade humana e a vida existe o abismo de luz-dos-séculos-nada, abismo que se projeta interiormente como o vazio dos anos-luz entre O Poema Contínuo e a dignidade do ininteligível ou o mundo da criança morta.O poema-contínuo acontece quando a vida da interioridade (no fundo uma energia do alheamento que dissolve lentamente a ficção através do silêncio-quantum do esvaziamento) se funde com o símbolo e a linguagem e se transforma em um catálogo de senhas para acessarmos um mundo que ainda respira através do poema-fantasma da criança morta.A mais difícil tarefa dos poetas da atualidade, dos embaixadores do estranhamento será a recuperação e reconstrução destas senhas para o acesso a esse Poema sem palavras que torna possível a respiração do mundo ou seja a viagem para o que silencia, para o indizível.para o silêncio do indizível onde o fantasma da criança morta brinca de existir através da nossa semi-presença, através da nossa fome de um sagrado ainda não codificado mas presente em nossos silêncios-fantasma, presente para o reencontro com misteriosíssima rosa do mundo , com o onipresente oceano dentro da concha. Domingo :

Um escritor/artista/criador deve “entender” da arte de elaborar projetos culturais? Se alguém aí dentro-fora disse sim, isto representa uma pequena vitória do pensamento utilitarista e mercantil sobre a criação artística? Um artista deve pensar como uma marca?

Van Gogh deveria ter sido diluído pelo Doutor Gachet e se transformado num clone

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de seu irmão? O projeto cultural é uma óbvia formatação no plano da competência industrial (da indústria e do mercantilismo social, é claro) do ideário dos artistas-criadores. Um artista é muito mais do que uma marca. Van Gogh é maior do que o Banco Van Gogh, do que o Citygroup e etç… Eu sou Van Gogh retornando no sempre, para assistir ao suicídio do capitalismo como ideia. Van Gogh, alguns segundos antes de morrer, sentiu essa inexprimível sensação de fracasso como um triunfo da permanência de uma ideia extraordinária e improvável, a ideia de que sua morte era apenas simbólica e representava o início de um poder místico acessível aos artistas do futuro através de sua obras e testemunho. O poder de criar  apesar do dinheiro como limitador da vida do espírito. Não sou tolo, sei da força do dinheiro quando se trata de espiritualizar a matéria, mas isso é um capítulo da história que ainda será escrito.

Domingo :

Vapor do Salmo

Estive pensando no entusiasmo sutil como uma brisa que parecia ser o centro da amizade entre Miles & Coltrane e em como esta amizade é para mim o símbolo da construção de uma catedral invisível que o afeto pode erguer dentro do campo de vaidades devastadas por um incêndio interior ( Miles) ou por uma geleira pegando fogo no Alaska ( ou o Deus em Coltrane).

Domingo :

Fui com meu clone-fantasma a uma palestra do filósofo XXXX. O Evento não alcançou a delicada imanência de um fio do invisível. Era uma palestra sobre Thelonius Monk e o filósoso XXXX conseguiu algo mais difícil, evocar o silêncio-em-escalas de T.M. Aquele era o mesmo silêncio que se materializava no meio das notas, o silêncio-semi-bliss que Thelonious Monk evocava para tentar sustentar a música no espaço e parar o tempo.

Domingo :

Cioran comentado

'«Não posso diferenciar as lágrimas da música» (Nietzsche). Quem não compreende isso instantaneamente nunca viveu na intimidade da música. Toda verdadeira música procede do choro, já que nasceu da nostalgia do paraíso.'

Comentário: Sendo a música uma objetividade da energia do não-ser que se manifesta na interioridade-exterior do ser, o modo de apreendê-la acontece quando a interioridade pode sentir esse acontecer através da emoção que atravessa os limites, nos extremos da emoção, que é a exterioridade de uma interioridade, a

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música se move. Isso explica em parte porque Bach não impediu o genocídio organizado como indústria dos Nazistas, havia Bach, mas não havia a disposição interior para a emoção que torna a música de Bach parte da interioridade, isso que Cioran chama  de ' intimidade'.

"Só o paraíso ou o mar poderiam dispensar-me do recurso à música."

Comentário: Aqui o paraíso é pensado como ' ausência' e ' alteridade absoluta' e uma imersão neste  estado de não-ser, realmente nos dispensaria do recurso da música porque estaríamos dentro das fontes do silêncio que a criam, e o silêncio como idéia só é realmente possível no 'mar' ou no ' paraíso' , paradoxalmente, existe um tipo de música que nos transmite uma profunda nostalgia do paraíso e do mar, um tipo de música que é capaz de evocar nossa própria ausência.

"Possuímos em nós mesmos toda a música: jaz nas camas profundas da recordação. Tudo o que é musical é uma questão de reminiscência. Na época que não tínhamos nome, devemos ter ouvido tudo."

Comentário: Nas camadas profundas da recordação e aqui não estamos nos referindo a reconstrução interna de um Proust, este Kant  da memória como reconstrução do mundo interior, Cioran se refere ao momento em que a memória e o silêncio se equivalem e não existe a dicotomia música e não-música , porque não existe a dicotomia ser & não ser.

com Emil Cioran

Domingo :

A amizade entre Yukio Mishima e Yasunari Kawabata provou que o cristal da amizade possui também um poder de opaciamento, quando atirado no fundo do poço escuro da objetividade, foi esse cristal feroz que os levou ao não-reconhecimento do mundo como um campo de dignidade da beleza. A beleza não é apenas terrível, como o canto das sereias na Odisséia, ela é o centro do mundo do demônio, disse Kawabata em seu último momento.

Domingo :

A fronteira da Alvorada de Philippe Garrel alcança a atmosfera de Gerard Nerval em Aurélia, aqui o amor é o lugar onde as interioridades intensas anulam o fraco projeto que sustenta a ficção da civilização, Garrel filma os espaços exteriores como extensões de um lugar interior, onde os sonhos, o espelho e a presentificação do tempo se completam e se anulam mutuamente através da força de um furor abstrato, que só pode ser entendido dentro desse ‘ Algum lugar fora do mundo’ do maravilhoso e do sobrenatural, que aqui, como em Aurora de Murnau, buscam uma

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poética das possibilidades de transcendência, o final de um modo sutil, cita O morro dos ventos uivantes de Emily Bronté/William Wyler, em Wyler/Bronté a opção pelo mundo dos mortos na verdade confere ao nosso o status de uma miragem, em Garrel, esta opção é parte de uma lógica misteriosa e inconclusiva baseada na inautenticidade do sociedade atual, em outro filme dele, Amantes constantes, os anos 60 são uma metáfora plausível dessa lógica que em A fronteira da Alvorada aponta para um espelho vazio.

Domingo :

Sim, talvez ela seja sustentada por um ritornelo, mas não é de modo algum uma irradiação lírica das negatividades ou de um Logus industrial que se alimenta de um campo de impossibilidades, é o oposto disso, a inauguração de possibilidades do encontro de interioridades iluminadas pela gratuidade do afeto.

Domingo :

Teatro inacabado

Entendo o "si mesmo" não como o vetor de uma resistência ao poder, mas como um lugar obscuro onde se dá o autêntico encontro com o outro citado por Rimbaud, com o misterioso e intocado silêncio-surto capaz de fundar cosmogonias e visões, para mim a alteridade não funda uma potência, mas uma estética-ética do esvaziamento. Sinto que sem o 'esvaziamento' ou desaparecimento do eu não existe o acontecimento do poema, mas apenas uma simulação do poema como um evento-irradiação de uma semi- singularidade que só existe enquanto potência dramática.

Domingo :

Depois fui com Alejandra Pizarnik ver Meu irmão é filho único de Danielle Luchetti,aqui os raios cinzas do Sol do afeto ofuscam o real-circunstancial com sua polícia e etc... Na cena final temos a apoteose fria de uma tragédia e um sentido para a palavra 'Revolução', uma cena me parece emblemática, a do grito diante do oceano, que aqui significa o oposto do grito diante das ondas em Breaking the waves de Lars Von Triers.

Domingo :

Correção imaginária

Revi o Pickpocket de Bresson, serviu como um antídoto para uma sessão anterior de Al Pacino & Robert De Niro significando nada em um filme esquecível de Jon Avnet, Bresson é o mais próximo que o cinema chegou de uma bela síntese-poética

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de todos os paradoxos da ética do afeto. Sempre imagino uma refilmagem de Pickpocket com Marcola no papel principal.

Domingo :

E sonhei ter escrito o início de um dicionário da miséria cultural:(abaixo alguns verbetes do livro dentro do sonho anotados)Cultural & Educacional: Fins colocados nos domínios do insolúvel e do insuficiente; Colocados estrategicamente nestes campos de anulação pela burocracia da negatividade. Movimento Cultural: "Reunião" de pessoas físicas ou jurídicas, com o intuito de promover uma representatividade simulada e fantasmagórica dos produtores de bens culturais. Simulação que tem o propósito de negar as múltiplas heterogeneidades, o incontrolável, o autêntico, o desordenado e o inconciliável dentro das coletividades fragmentadas que exercem a criação artística. Estrutura organizacional cujo fim último é negar o individual e o intransferível, geralmente se autodenominam porta-vozes oficiais "da Cultura".

Fóruns Culturais: Grupos em sua maioria formados por membros do chamado movimento cultural, se reúnem quase sempre para fundar um 'evento reconhecido a ser validado pelo estamento burocrático dos poderes constituídos, ou seja Secretarias de Cultura e afins, quando isso ocorre, se tornam o que podemos chamar de instrumentos oficiais de mediação e possível barganha com poderes.

Ruptura: Aquilo que os Fóruns de Cultura e os movimentos culturais anunciam e na prática, jamais realizam. Blefe que justifica os vários slogans e bravatas com os quais tentam mobilizar e convencer.

Associativismo orgânico: Ongs culturais em sua maioria.

Ongs Culturais: Associações "sem fins lucrativos" que atuam no campo do alheamento oficial e do vazio provocado por ele e pela ausência incentivada ou não de políticas públicas de democratização dos meios de produção cultural, paradoxalmente tiram muito proveito desta ausência e da esperta confusão entre o público e o privado. Em sua totalidade dependem do poder público e do dinheiro privado, originário do desvio oficial de verbas dos impostos pagos pelo setor privado, verbas que são através destas associações , utilizadas para a promoção do departamento de propaganda e difusão da marca das empresas, que no fundo, as mantêm.Princípio de realidade: O que é negado para tornar a miséria cultural lucrativa. O que não é colocado em questão. O que praticamente inexiste nos estatutos das Ongs culturais.

Leis de incentivo à cultura: Instrumentalização da burocracia oficial, para que ela possa servir aos departamentos de propaganda e difusão da marca de empresas. O

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que ocupa o lugar das verbas públicas ou não a fundo perdido e sem ostentação explícita das marcas do setor privado.

O Livro hoje: Objeto-fetiche vagamente ligado ao campo literário &/ou literatura propriamente dita. Detalhe ornamental, menos importante do que os autores, menos importante do que o culto aos autores, vende muito quando desvinculado de qualquer profundidade &/ou conteúdo literário que exija uma análise atenciosa ou tempo diferenciado de leitura .

Cadernos Culturais: Suplemento dos jornais, onde a publicidade está no lugar da profundidade.

Valor simbólico do escravismo e da indigência mental: Lucro acima de 200% sobre a passividade e o analfabetismo funcional como paradigmas seculares. Atualização da senzala geral como um show em 'n' partes.

Verticalização cultural das favelas: Transformação de miseráveis em miseráveis atendidos e convertidos em usuários de centros de inclusão digital, bibliotecas e etc... O que é ótimo quando se distancia do valor simbólico do escravismo e da indigência mental e se fundamenta na autogestão e na democratização dos meios de produção cultural.

Alta Cultura: O que poderia ser horizontalizado e foi por Victor Civita nos anos 60/70/80 através de suas coleções em fascículos: Os pensadores, Imortais da literatura, História da arte e outros... O que deveria ocupar todos os espaços públicos. O que não produz resultados espetaculares a curto prazo, isto parece realmente estar fora do jogo de interesses da burocracia de mediação dinheiro público-dinheiro privado desenvolvida pelo associativismo orgânico. O que possui para a sociedade valor real e não apenas simbólico.

Onirismo Cultural: Estado de confusão mental onde os miseráveis atendidos se sentem incluídos no mundo dos comerciais de qualquer governo brasileiro ou seja em uma sociedade pseudo-capitalista perversa, que finge que os aceita batendo palmas enquanto eles batem latas, dançam ou simplesmente sorriem ou choram de alegria no horário nobre da tv ou para as câmeras dos jornalistas.

Indigência dourada: Estado do miserável que trabalha num sub-emprego em um ong cultural ou é parte atuante do chamado movimento cultural, sendo inclusive, como eu fui, convidado a participar das reuniões episódicas dos fóruns de cultura, onde o miserável artista ou não , poderá ter sua identidade sequestrada em nome do evento-em-si ou seja do balcão de negócios.

Estrelinhas: Forma pela qual um objeto ou bem cultural é avaliado em alguns periódicos. Restaurantes, Motéis e lanchonetes são avaliados do mesmo modo.

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Domingo :

Ele foi assassinado antes

Provavelmente na madrugada de sábado para domingo, um ladrão entrou na minha casa (em Cubatão) e roubou um aparelho de som e 350 cds, alguns raros e importados (como o de Jeff Buckey ao vivo). A minha conclusão fora o quântico-trágico-da-coisa-em-si ou a humanidade como um lixão ético e etc. É a seguinte: O Roubo age para anular a posse enquanto valor, embora isso possa parecer paradoxal, o roubo de algo material, sempre nos lembra que para nossa sorte mística, perderemos tudo com o advento do fenômeno da morte, a sensação de perda que sentimos é na verdade uma anunciação desse fenômeno...Uma pré-morte capaz de ampliar a nossa consciência para aquilo que os budistas chamam de contemplação da impermanência como um fato espiritual. Logo a perda deveria nos levar a um Satori.

Da minha parte espero que o ladrão, antes de trocar tudo por pedras de crack, ao menos ouça os cds que roubou, ouça Coltrane, Gilberto Mendes, Almeida Prado, Miles Davis, Jeff Buckley, Cidadão Instigado, Yon Lu,Rogério Skylab, Tom Jobim,João Gilberto, Mariana Ianelli lendo seus poemas, Dora Ferreira da Silva lendo seus poemas, Roberto Piva lendo seus poemas...Se ele não ouvir o que roubou e a essência do que poderia ser uma transmissão de conhecimento a partir de um crime se perder é porque nele ( no ladrão e em consequência no em-torno que o ajudou a optar pelo crime, leia-se 'fracasso educacional e cultural' ) a realidade é apenas o agente de um buraco branco.

Domingo :

Para Ali Smith no Hotel Mundo

O significante aqui é a sombra da árvore com sua música silenciosa quase tocando seus olhos, árvore ininteligível e silêncio amado com força suficiente para desintegrar a mistificação da linguagem poética, mas isto apenas no final, quando a sombra de um outro silêncio incancelável atravessar o espaço

Domingo :

Sobre uma foto escolar onde estão juntos Hitler e Wittgenstein.

o que temos aqui é uma espécie de poema secreto escondido no jardim fechado da infância...O que o silêncio significava para Wittgenstein e o silêncio que Hitler evocaria com a lógica da técnica industrial aplicada ao assassinato em massa, ambos aqui evocados e em um futuro ali apenas imaginado de modo abstrato, nesse futuro

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estes dois tipos de silêncio jamais se tocam e o poema secreto será a morte, a única coisa capaz de materializar seus significados mais acessíveis a todos.

Domingo :

A reverência e o vidro quebrado

Há a recuperação da dignidade de uma interioridade que atravessa o opaciamento ético do mundo atual em um momento do filme que lembra muito a firmeza também ética dos passos do Cristo-Tiger-Blake de Pasolini atravessando os campos em 'O Evangelho segundo São Mateus'...A Vantagem do filme Cinturão vermelho de Mamet é que essa recuperação do valor do ato-em-si é tocada pelas noções de honra e dignidade e se dá dentro da atmosfera laica do universo das artes marciais. Aqui os limites entre uma e outra interioridade também são sagrados mas ao serem transfigurados pela vagueza de um afeto condicionado se tornam opacos.

Domingo :

Woody Allen deveria ter filmado isso

Gogol foi o primeiro a chamar um romance de 'Poema' ( hoje o Lobo Antunes um discípulo seu que mistura as vozes faz o mesmo com menos humor e igual refinamento místico)

Gogol transforma o humor em poema e muitos que o acusam de realismo não se dão conta de que aqui a realidade foi ultrapassada e transfigurada em Poema humorístico.

A tradução da Tatiana Belinki ( Ed. Perspectiva) é magnífica porque preserva a leveza do original russo e torna visível a malícia do espírito irônico de Gogol, enfim Almas mortas é o melhor livro de humor de todos os tempos, é como se Groucho Marx se encontrasse com Diderot dentro do cérebro de Flaubert.

Domingo :

Ondina

Cena 1-Abertura em Preto e Branco- Interior-Imagem em close desfocada de uma superfície, que vai lentamente entrando no foco, revelando uma estrela do mar. A câmera vai se afastando até mostrar uma mulher vestida de noiva de costas. O centro do foco continua sendo a estrela do mar, vemos que ela está costurada na pele da mulher, quando a estrela ficar completamente nítida fazer uma fusão em slow motion. com

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Cena 2 – Exterior-Dia – Ainda em preto e branco – Mulher caminha de frente para a câmera: a ideia é mostrar uma fusão da mulher de frente com a mulher de costas  e ir lentamente deixando a imagem da mulher de costas emergir como um mergulhador que sai da água e logo após cortar paraCena 3 – Exterior-Dia – Beira do Mar e Lixo jogados na praia e logo após fusão lenta com caixa eletrônico, seguida de fusão lenta com mulher saindo do caixa eletrônico(fade)Cena 4 – Exterior-Dia – Câmera segue mulher até a beira do mar, mulher parada de costas diante do mar-Superclose frenético no branco do olho da mulherCena 5 – Exterior-Dia – Ao sair do superclose a imagem fica colorida e mulher executa uma dança etrusca diante do marCena 6 – Exterior-Dia – Fusão do corpo dela com imagens de cavalos marinhos no sexo e uma águas viva na cabeçaCena 7 – Close no céu azul sem nuvens.Cena 8 – Fusão do oceano com cemitério onde uma criança está parada diante de um túmulo com anjos barrocos, criança olha para mulher  e diz:- Eu sou tudo o que vive na Terra.Cena final –  Após a criança dizer isto, fusão do oceano-cemitério com uma floresta, mulher fica nua e entra na floresta, ouvimos o som do mar que nos acompanha sempre.

Fim

Domingo :

Morrer não é sonhar

Ioga da imagem é uma citação feita por Hakim Bey em uma brecha aberta no Caos ou nesse campo de ambiguidades sutis dentro da Ontologia do ser. A compreensibilidade não é uma meta do chamado 'anarquismo ontológico' praticado por Hakim Bey , que pretende ser uma fusão impossível entreMax Stirner & Rumi. A Ioga da imagem é o que acontece quando sentimos que as imagens cantam o nome do Amado fora de todas as palavras e ao desaparecermos dentro 'daquele que nos vê' dentro das imagens, saberemos que se estamos sonhando com as imagens e as imagens também estão sonhando conosco , então jamais houve um eu além desse sonhar e não haverá um eu quando nós despertarmos 'do lado de dentro das imagens' porque jamais houve um eu depois da morte e o eu antes da morte foi apenas um sonho.

Domingo :

Para Sokurov

Sonhei que podia ouvir o diálogo de dois anjos e eles estavam citando Wallace Stevens, o diálogo era mais ou menos assim:

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1 :A pessoa tem um molde, mas não seu animal.Os angélicos1:Viveu na pobreza durante séculos. Só Deus era sua única elegância

1:Por um momento no central de nosso ser, a transparência viva que trazes é a paz1:De um céu que nos baniu com nossas imagens1:Não ser realizado por não ser visto, não ser amado nem odiado por não ser realizado. O céu de Franz Hals1:Véu fictício luzídio sempre se tece da mente e do coração1:O amor apropriado o tempo o escreverá

Domingo :

Cara Miranda July

E se tudo for uma metáfora dos nossos sonhos? E se a realidade for um emaranhado de poemas e problemas tão misturados entre si que é quase impossível distinguir uns dos outros? E se o amor for no fundo a única maneira de distinguir uns dos outros?Talvez as metáforas sejam 'a droga do século' mas na falta delas o amor pode se converter em mais uma droga anestésica, uma geração inteira viciada em 'anestesia da vida interior' não é melhor do que outra viciada em 'fuga interior', olhar para fora pode ser um ato revolucionário se nossa vida interior acompanhar o nosso olhar, vou reler o seu livro como se ele fosse um filme em estado puro ou seja, como se ele fosse ' algo vivo' como os nossos sonhos, esse lugar onde o amor nasce ou se confirma como mais uma metáfora, a mais poderosa delas.

Domingo :

Manifesto por uma ética mística (excerto)

A vida como um pulsar do ininteligível e do real que floresce em nós através do silêncio desde os astros até a paisagem mais próxima não encena a si mesma e é desprovida de 'passado' e 'futuro', ela é um acontecimento autônomo. A perpetuação do nome como lugar da identidade apenas anuncia o acontecimento como algo apartado desse ser-que-acontece-fora-do-nome, em resumo: é a vida quem vive através de cada ser e não o oposto. A percepção do teatrofantasma como uma sucessão de eventos que repetem a encenação-da-encenação , como a simulação de um controle sobre a vida, de um entendimento distanciado do acontecimento do mundo através de uma abordagem particularizada e meramente intelectual , eis os núcleos do teatrofantasma, sinto que a presentificação de mitos ancestrais de uma humanidade primordial leva a lugares dentro do poema que ajudam o ser a atravessar o teatrofantasma, mas a superação do teatrofantasma seria um mergulho ainda mais fundo no ame o que você não ama e na nuvem-do-não-saber ou seja no inominável.

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Domingo :

Salmo em prosa

Não reconheço uma intencionalidade no propósito de evocar no leitor o ser atravessado pelo poema, nem sinto no que está escrito uma confusão entre o real que não encontra funcionalidade imediata e a vida cotidiana, tampouco me preocupo com a incompreensibilidade, ela é inerente ao mundo ininteligível do oceano, dos pássaros e das florestas, mundo que permaneceu ininteligível apesar dos esforços de Giordano Bruno, Aristóteles, Kant e Vico. O que me fascina é que esta incompreensibilidade não impede o afeto secreto e sem nome de encontrar um eco de seu canto permanente em você através de uma linha vertical no tempo onde todos mais cedo ou mais tarde entram no poema, dialogam com o poema que desse modo ilumina um afeto imaterial e colabora para a aceitação da alteridade como uma finíssima camada do Maya ou um ilusionismo do sagrado que adora brincar de esconde-esconde ou do sagrado mais-que-visível-em-toda-parte, obviamente não faço distinção entre a vida de um fósforo aceso e a vida humana, entre você e eu, entre sonho e realidade, entre poesia e vida, entre nós e eles ou Ele e tudo o que existe.

Domingo :

O vôo da luz.

Como acender uma paisagem para libertar os gritos?Inesperadamente os sentidos mais profundos de um termo nos escapam se estamos no início de uma paixão por uma idéia vaga e errática como essa idéia do ao vivo (inexistente segundo a microfísica pois tudo é gravado) ou a idéia do encantamento como fundador do amor (impossível segundo a lógica mais abstrata e por isso mesmo uma longa sinfonia que toca muito baixa por dentro) como um pássaro que se apaga.

Domingo :

O primeiro homem morto a pontapés não cancelou a metafísica, ela deu cinco tiros no Sol ouvindo Bach e Messiaen nas cápsulas do sono enquanto a ética do retorno cantava na casca das árvores, o rosto nas copas, o olhar na folha que cai na água parada ,cantando o fracasso que viaja, o fracasso do autêntico convocando a destruição da vida controlada através de uma fiscalização fotográfica que enovela a memória de um mundo preso ao sempre, cantando a árvore do paradoxo para completar a paralisia do simbólico nome das coisas, por exemplo: Homem e mulher nús no abraço que sangra as palavras,acessando através do sono os seres mortos na vela acesa do olhar, cantando a sêda secando os fósforos.

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Domingo :

Ao nos vermos (imediata projeção da interioridade) nas paisagens (enquanto leitores das paisagens e sendo por elas atravessados) estamos em um território do chamado 'tempo interior' que não pode ser tocado ou transmutado em funcionalidade variável ou automatismo conceitual pela terminologia-gaiola do nazismo psíquico, paisagens estão em um 'modo de estar do mundo ' que é ininteligível... são entes indomáveis que habitam a vida do espírito , lugar inalcançável para o nazismo psíquico, ali no meio do 'território selvagem' aprenderemos a anular a magia negra da terminologia.

Domingo :

O nazismo psíquico ao se configurar como a fronteira entre o "jardim fechado da infância" e a sociedade de controle dos adultos não consegue atingir aquilo que podemos falsamente nomear como 'pólen' ou os resquícios da infância que não são completamente processados ou seja assassinados pela lógica do anti-ser ou do semi-ser também conhecidas como a lógica das nomeações, em síntese:

“Entra outra vez no jardim...Ele não está completamente fechado para ti”

“A porta é estreita” e etc...

Em verdade vos digo que o Adulto não existe, ele é o deserto da miragem e a miragem não é a infância, a miragem é o controle.A criança interior não é uma miragem ou uma possibilidade utópica, ela é a pérola dentro de ti, ela é o Simurg.(No mundo do controle a criança é invertida através do louco)

Domingo :

Contra o nazismo psíquico

Ora, o objetivo da arte é a aniquilação do Estado e não a criação de um símile dele no mundo da cultura. A destruição do Estado e de suas negociatas será o início da era de ouro da vida do espírito. Tudo aquilo que submete a criação artística ao crivo da oficialidade e do status das negociatas é nazismo psíquico, Hitler é o pai dos ministérios de cultura, Mussolini é o pai das secretarias de cultura, a famosa frase de Goebels: 'Quando ouço falar em cultura, saco meu talão de cheques' é a base e o vetor para o nazismo psíquico praticado pelo mundo empresarial com o apoio e incentivo do Estado.Patrocínio é controle.A verdadeira arte laica e sagrada deve guardar uma distância segura, talvez de anos-luz de toda e qualquer oficialidade controladora, de secretarias e ministérios de

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cultura e de departamentos de marketing de empresas. Quem patrocinou a dança dos Dervixes de Ashikhabad ? E o canto dos Lamas da Mongólia? E o Dao De Jing, A Linguagem dos Pássaros, O Livro de Jó? A vontade da alma que é só uma é a de ver a si mesma refletida na memória do mundo. A Democratização total dos meios de produção cultural é o futuro. O nazismo psíquico será vencido pela vida do espírito.

Domingo :

Lâmpada no gelo

David Cronemberg é um cartógrafo das metamorfoses dentro do absurdo da "sociedade" humana desde 'Gêmeos: mórbida semelhança' sua câmera tem procurado os indícios do apagamento do ser dentro deste ente que se perde dentro da máquina a ponto de se confundir com ela, de ser dissolvido por essa máquina de controle e formatação do ilusório, neste 'Senhores do crime' ele chega a uma síntese do homem-máquina e aponta para a visão de uma paradoxal duplicidade que na cena final aparece como uma pergunta do próprio caos ecoando dentro do torpor da vida, ali onde o afeto é a única luz.

Domingo :

Do sonho como filme

O filme é um louvor ao estranhamento como um vetor das texturas poéticas do mundo, nele a câmera se aproxima do mundo para tocar no mistério sondável do ininteligível que dorme em uma árvore ou em uma pessoa e nós , antigos reféns desse sono onde o murmúrio vivo das coisas sussurra seu nome , também somos os animais que sofrem do delírio da presunção do visível e de algum modo somos quase curados não do delírio desse delírio mas da nossa indiferença diante da dignidade do invisível.

Domingo :

Contra o nazismo psíquico 2

todas as tentativas de controlar, limitar ou destruir o caos formam a essência do nazismo psíquico, o caos é indestrutível e se multiplica através das galáxias, das palavras e dos silêncios.O nazismo psíquico tem cheiro de menta.nós em nome do poema contínuo nos colocamos contra o nazismo psíquico neo-positivista do livro o segredo e contra o nazismo psíquico pseudo-niilista e semi-hedonista da cultura das drogas.

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o nazismo psíquico se alimenta da diluição da angústia em um pragmatismo ou utilitarismo disfarçado de ética-estética do vazio que por sua vez se alimenta da lógica do possível imediato da ditadura das coisas.ora o caos já provou através da história que a vida se move dentro do impossívele dissolve as coisas no ácido do tempo-morte.o caos é ambíguo como um elétron, ora é uma partícula de caos visível, ora é uma onda invisível de hipercaos.o caos não é um teatro.o nazismo psíquico é um cenário interior construído pela ditadura das coisas-conceito.o hipercaos não é um poema.nenhuma palavra jamais tocou na realidade, isso explica porque os escritores sempre fracassam quando tentam vencer o nazismo psíquico com palavras.mas em verdade vos digo que a poesia fora das palavras é infinitamente mais poderosa do que a ditadura das coisas e ela virá como uma onda viva de dentro do hipercaos tudo o que chamamos de realidade será consumido por essa devastadora onda de sonho.

Domingo :

Sem as facadas no final

Já disse em algum lugar que o 'Me enterrem com a minha AR 15' é o meu 'Roman Candle', mas não tenho a menor idéia do significado disso para a lógica abstrata da minha poética da nadificação... Hoje no ônibus que vai para o Centro de Cubatão (Santos) houve uma convenção de clones-fantasmas na janela, estes são os clones-sombra da paisagem, ouvi minha voz subterrânea dizer ou cantar, o calor infernalário atravessa o vidro e canta junto... Na volta: a tempestade ou o deus-Turner pintou um céu cinza seguido de um arco-íris duplo que não parou o trânsito. ‘Roman candle’ para quem não sabe é o melhor disco de Elliot Smith.

Domingo :

O Carnaval em Cubatão acabou no primeiro dia, apesar das irradiações melancólicas da alegria eclipsada em volta dos acampamentos e etc... Tudo aqui cheira a ditadura militar requentada, coronéis & traficantes forever ou como ressaltou o Tom Jobim outro dia: Cerveja ou morte!Maconha ou morte! Putas ou morte! Cubatão é isto e a natural deselegância da tríade: putas simbólicas+ bêbados+ operários explorados até o osso. A quietude das árvores dá de dez a zero no silêncio del pueblo que vive nesta mistura de Macondo-Favelas e Blade Runner.No último dia do Carnaval fui para casa ouvir Billie Holiday, mas antes passei em uma Loja de 1 Real e comprei um incenso de mirra que deixa o ar do meu quarto

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meio branco, é meu filhote de Smog, chegando no quarto acendi o filhote e abri o Lobo Antunes , li o loucão até a frase:" Eu para o cano das metralhadoras.Estou bom."Esse cara sabe transformar o caos em poesia... troquei de cd, coloquei o amor supremo do Coltrane e pensei em Ana B. ( Ou Ana Estela) que está adaptando para o teatro o meu : Me enterrem com a minha AR 15. As coisas se ligam umas as outras: Ana B., Lobo Antunes, metralhadoras, o verão em Cubatão...Aproveitei a brecha aberta pelo amor supremo do J.C. e falei para o meu cérebro: "Desta vez, nada de punhetas-zen para a porra da alma, ok!"O problema com as punhetas-zen é o falso satori-transfigurado nas redes, principalmente na Internet dos sonhos.

Domingo :

A falsa escolta dos reflexos alimentará o apego aos acordes da música-névoa do nosso nome, dentro dele e de suas irradiações todas as lições do vazio fulguram... até que por milagre o sentimento do mundo encontra o do tempo e somos dissolvidos pela metade .

Domingo :

(Filme sem nome)

A burocracia-morte não cancela todas as irradiações do humano, que continuam a agir, apesar do turbilhão de desintegração que move o que chamamos hoje de forças do mercado, mesmo quando o apego aos acordes ideológicos do controle o renomeiam. Este ótimo filme é a história de uma amizade construída nas brechas do sensível. Apesar do nosso véu de cordialidade (Ver o equívoco de Sérgio Buarque de Hollanda), nós somos hedonistas viciados na burocratização de tudo, principalmente do afeto, pensava nisto enquanto via o filme pela segunda vez.

Domingo :

A atual situação instaura um não- poder nas bordas do poder e não seu oposto.Não é o início do sonho realizável de um novus thomas morus lá fora catando latinhas de cerveja para vender mas o ponto onde chegaríamos à transcendência contínua das solidões sociais ou das exclusões e abandonaríamos finalmente a palavra 'projeto' como um topos.O que temos no lugar disso ( a situação) o que temos no 'lugar de um lugar para o não-lugar' é o hipercaos internalizado que tem no consumo seu paradigma global de

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organização do vazio em série, seu sedutor sol em negativo dentro do futuro banco Duchamp, do futuro Google Bank, do atual banco van gogh, o que é real?nesse momento quando nós escrevinhadores, como crianças no banco traseiro da vida lutamos para inaugurar a micro-potência do olhar que clama pelo impossível necessário dentro das verdades do corpo ou seja clama pela aceitação de uma ética-estética da não-fronteira, de uma ética-estética da alteridade total.estamos longe desse lugar onde os não-lugares respiram como a luz, longe desse 'presente-do-futuro' e ainda vivemos nas cruéis divisões da organicidade burocrática de uma sociedade sem estrutura societal e nosso falso consolo é apenas a sucessão infindável do espetáculo de nano-depressões e abismos-fashion.A literatura em tal quadro 'branco-sobre-branco' está condenada a ser um déja vu machado de assis requentado, um déja-vu Marcel Proust às avessas, um deja vu jorge luis Borges na áfrica ? a literatura está condenada a ser apenas mais um vetor do marketing narcísico para os cada vez mais raquíticos cadernos de cultura e variedades?

O que é esse eu-fantasma que escreve? não há como negar que esse sistema de produção do narcisismo produz valiosos ítens materiais e imateriais da cultura objetiva para uso dos açougues e supermercados culturais.outra pergunta que me faço : como romper com este estado de coisas sem ser dissolvido & jogado para o escanteio existencial?como 'retirar' a literatura do gueto das superprovincias do pensamento , das vilas medievais da entorpecida mente coletiva? Como acabar com o feudalismo cultural das gangues simuladoras de um estilo, viciadas na auto-caricatura?como saíremos das garras de nosso fantasmagórico ego-word, para entrar na vida do espírito e não na 'nostalgia da vida do espírito' da qual esse manifesto é uma irradiação tardia.

Domingo :

Como Mélies no Sol

No início sonhava com os estilo de Stendhal, Eça e Dostoiévski e com o poder de evocar a essência da subjetividade. Hoje sei que escrevo para aprender a ficar em silêncio, ser como uma neblina entre as nuvens provocando um onirismo groove na entrada do túnel ou para organizar todas as minhas auras assassinadas no jardim das balas perdidas. Para isso posso jogar no terreno baldio a faca de Cabral no olhar de Cruz e Souza e o desejo de transcendência de Thomas S. Eliot no de Montaigne. Como Hilda Hilst quero estar o mais longe possível do deus dos nomes e desconstruir essa cínica geografia da finitude. Escrevo no exato instante em que O NADA se move e deixa atrás de si (Onde vivemos) um rastro de lesma humana, rastro brilhante de resignação, fúria,sofrimento e lucidez; No exato instante em que essa névoa não diz MORTE parece haver realmente alguma diferença entre pensar e escrever? Ambos o escritor e o pensador tentam ser uma metáfora desnecessária do mundo mas a coisa toda acaba se tornando apenas mais um jogo onde a essência ao

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invés de gritar sussurra um FODA-SE GERAL E IRRESTRITO direto da paisagem mais próxima. Escrevo para saber que nem o silêncio é capaz de desfazer o equívoco de sermos amor e morte ao mesmo tempo e não termos nenhum autêntico entendimento do sentido destas duas aniquilações, escrevo para alcançar a compreensão da infância infinita do Dharma ou do Foda-se..Tanto faz..Não consigo me livrar disso. Escrevo para tentar tocar com a língua nessa idéia absurda e por isso plausível da alma..Eu poderia muito bem matar, vender caranguejo na beira de estrada, sucrilhos mental no cruzamento da favela ou caneta,drops,rosas de plástico no buzão lotado ou churros e cachorro-quente na praça deserta..Movido por uma demoníaca infelicidade prefiro escrever quase de graça..Vender livro quase de graça..Me foder e cantar esse samba..Pagar caro pela ousadia de viver essa loucura sem segredos..em resumo..Escrevo para ser um Exu e acima de tudo..Escrevo por causa da impossibilidade de matar o Sol."

Domingo :

Esperando a revolução

O ótimo 'O deserto dos Tártaros de Valério Zurlini (Il deserto dei Tartari, 1976, Italia, Francia, Irán, Alemania). Adaptação do romance de Dino Buzatti com Francisco Rabal e Vittorio Gasmann. Vi o filme nos anos 80 no cineclube de Santos, O Maurice Legeard, diretor do cineclube naquele momento chegou a dizer que o romance e o filme tinham a atmosfera do Esperando Godot de Beckett. Para mim Zurlini/Buzatti vão um pouco mais longe ao narrarem cada um a seu modo uma espécie de versão romanesca enxuta e lírica do poema A Espera dos bárbaros do Kaváfis... No filme e no livro acompanhamos a saga interior de um soldado que espera sozinho em um forte no deserto pelo início de uma guerra que jamais acontece...O Filme pode ser visto hoje como um belo ensaio cinematográfico sobre a angústia da espera, algo que nós brasileiros e latino-americanos conhecemos bem...

Domingo :

Fora

Marcelo Ariel: Não posso entender a revoltaRuy Belo: Que revolta?Marcelo Ariel: Os da nossa espécie se revoltam para pilhar com os lobos e as ratazanasRuy Belo: É como se eu falasse outra línguaMarcelo Ariel: E quem era eu no século passado? Por que só agora me reencontro com o meu fantasma na revolta?Ruy Belo: No nosso século já não existem vagabundos e guerras errantes, o povo conseguiu destruir tudo

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Marcelo Ariel: Enquanto a ciência costura uma roupa velha para o corpo e a alma rasgarem outra vez...Ruy Belo: Infelizmente temos apenas essa medicina vaga e essa filosofia da miséria administrada...Marcelo Ariel: E a assunção da lógica matemática, a ressurreição do número como a religião das máquinas...Ruy Belo: Mais humanas do que nós...Marcelo Ariel: É certo que através delas caminhamos para o espírito..Ruy Belo: O espírito! O espírito! Por que Cristo não aparece de uma vez e nos liberta dessa falta de nobreza patrocinada por Igrejas e Palácios...Marcelo Ariel: Calma, o sangue pagão voltará...Ruy Belo: Espero Deus enquanto o ar dos oceanos queima meus pulmões...

Domingo :

Dentro

Clarice Lispector tentou dissolver a capa de escritora na paisagem interior mais próxima (nem sempre é o outro o nome dessa floresta)Clarice Lispector tentou dissolver a capa de escritora mergulhando na interioridade de um oceano sem palavras (VER SUA PRÓPRIA MORTE)

Clarice Lispector é um jardim enevoado onde adoro me perder... sempre encontro Lúcio Cardoso por lá fumando um cigarro de palha... é um caso de fusão do um... escreverei sobre a fusão do um no futuro.. Aliás ele é isso...s e pareço hermético são os seus olhos meu bem, aliás os meus... depois que eu estiver morto... ele disse O EU... por falar em névoa amorosa... Você e meu clone-fantasma estarão juntos nesse abismo.

Domingo :

O que é criado pelo espírito é mais vivo que a matéria...Mas em nossa época o espírito está doente, ele sofre de arte e prostituição ou seja de amor...mais cedo ou mais tarde ele será derrotado pela ferocidade ? Creio que não...Assim como a música perfura o espaço e atravessa o tempo, o espírito agirá como um ácido sobre tudo o que não for muito abstrato...E a cultura das drogas? Buracos finos no mundo do espírito cavados por gerações de cigarras... Hoje entregar-se a Satã é igual a nada, é o mesmo que fumar um cigarro ou tomar um café... O mesmo triunfo da vaporização e centralização do eu que está em tudo...Como o crime ou a glória pessoal, que não é mais do que o resultado da acomodação de um espírito à imbecilidade de um povo. A ferocidade dos homens é engenhosa e indestrutível e só a estupidez pode ser comparada a ela porque é absoluta...A ferocidade nos une mais do que o amor, que não passa de um jogo par escondê-la... Quem será capaz de sair de si mesmo trepar com esse fantasma

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invisível?...A incapacidade de sair de si é o que faz o artista...Por isso quando ele fala não existe o outro lado...Por isso esse fantasma se dissolve no vento..."

Domingo :

É possível ver um lado menos ordinário naquilo que o escritor português Antônio Lobo Antunes chamou em uma entrevista de a parte mundana da literatura, obviamente se referindo a noites de autógrafos e demais irradiações mercadológicas e autopromocionais do ato de ter editado um livro... É claro que o lançamento de um livro de poesia em um projeto mezzo-iluminista é na menor das hipóteses um antídoto para a estúpida banalidade & burocracia do próprio mercado em questão... Alguém no meio do debate falou em resistência, mas abomino essa palavra, a odeio tanto quanto o meu clone-fantasma odeia as palavras marginal, excluído e humilde quando fora de seus contextos mezzo-nazistas e associadas com a criação artística... Para ir direto ao assunto... A parte que assina os livros se torna mundana quando é apenas um não-lugar onde reina a egoidade e suas extensões... Há sempre a possibilidade de abrir no meio dessa merda reluzente do meu livro-minha obra e etc... Dobras e aberturas para o outro sem a ansiedade de projeção, sem a associação voluntária da criação artística com o vetor da vaidade pseudo-culta, da perversidade sensível ou seja sem associá-la a um projeto de marketing pessoal.. .O além disso é quando alcançamos o lugar da amizade que longe de ser um não-lugar é no fundo um outro jardim presentificado não para evocar a memória da infância, mas sua superação... É um luxo poder ver a inauguração de um surpreendente sentido dentro da lógica do previsível.

Domingo :

Porque Herberto Helder em sua Poesia Toda investiga a existência de uma voz que é audível internamente sendo 'Fora do som' uma água como o sem tempo, podemos ligar essa porta aberta com a mão morta das parcas e iniciar a irradiação invertida da razão nas enormes ressonâncias escondidas nos fatos e em outros pontos ocos que se vestem de pergunta e nomes.

Domingo :

Ganhei uma ou duas auroras falsas por dentro catalogando o ouro do tempo em pó, por exemplo em Jeff Buckley ou Mário Faustino...O ouro do tempo é uma espécie de sangue da alma (a frase é meio parnasiana, mas é isso mesmo, a alma sangra infinitamente através da música..) O resto não é o silêncio, mas o puteiro da ontologia ou o marketing do lixão das interioridades...Mas a porra da aurora reencontrada só é falsa por dentro... Domingo :

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Fiquei sabendo com um pouco de atraso da morte da atriz Marisa Lobo, estava escrevendo para ela um monólogo inspirado na vida da poeta argentina Alejandra Pizarnik, havíamos conversado há menos de dois meses atrás sobre o texto ...A peça iria se chamar 'O Silêncio azul da insônia'...Um outro silêncio bem maior e mais voraz a levou para bem longe desse sonho onde podemos ouvir Blues ...Álias estou ouvindo um agora na paisagem, apesar da luz da manhã... A Marisa foi embora muito cedo, aos 28 anos.

Domingo :

Aí fechei o poesias Completas do Sebastião Uchôa Leite (Cosac & naif)..Que eu havia comprado no camelô e dei um bico no livro que voou longe e caiu nos escombros da Igreja Universal do Reino de Deus da Avenida Ana Costa em Santos..( Ela havia sido atingida por um míssil do Comando geral).Voltei ao camelô e pedi para baixar um livro com todos os ensaios do Evaldo Coutinho...e ele falou..capa dura ou capa mole...Capa dura eu respondi..Ah, vou querer também o último disco do João Gilberto só com canções do Cartola..Quanto fica? Dez reais... ele falou... Aí eu enfiei a mão no bolso e tirei uma nota de R$30 com a estampa do Vladimir Herzog, paguei peguei tudo e o troco e fui ao cinema ver um sessão dupla de R$3 com 'Viagem ao fundo da noite' do Eric Rohmer e 'A Divina Comédia' do Manoel de Oliveira... Todos os dois mil lugares estavam silenciosamente ocupados. Tive de ir para sala estádio ao lado e para minha sorte estavam exibindo o 'Berlim Alexanderplatz' com café da manhã grátis...na saída passei nos escombros e peguei o Poesias Completas do Uchôa Leite de volta... Ele estava intacto no topo de uma pilha de Bíblias.

Domingo :

“Em literatura a sinceridade não leva a parte alguma...”

Witold Gombrowicz

O meu clone-fantasma concorda plenamente com isso... Mas esse é apenas mais um abismo de contradições para onde vai a energia que vaza do eu-fantasma para a tal “parte alguma”... Às vezes ela vaza para as crateras afetivas ou os terrenos baldios interiores... Um dia desses o Jorge de Lima perguntou sobre o meu romance e a pergunta abriu outra cratera...Na hora pensei o seguinte:

Cara, acabei de ler uma pilha com o Sartoris do Faulkner , A milésima segunda noite do Fausto Wolff e todo o Proust... Preciso do tal isolamento glacial, bem longe... Bem longe das rigorosas paisagens do paradigma...Mas eu não disse nada... O meu clone-fantasma já havia me alertado... É melhor agir do que falar.

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Domingo :

Cara Dea Loher:

Após assistir a montagem da peça 'Inocência' com o Teatro dos Satyros - há um fulgor que nasce do esfacelamento e do esquartejamento da 'vida do espírito'... O fulgor do imprescindível valor laico da vida... Onde palavras como 'Deus' e ' Humano' evocam, não mais a potência do ilusório, mas o clarão de uma derrisão... Neste cenário entre escombros o encontro com o outro possui o valor de uma redenção capaz de dissolver o fantasma da torre de marfim e o fantasma das conciliações e trazer de volta um sentido para a lucidez maior do que a nadificação... O sentido da tomada de uma decisão... A de se emancipar de um mundo blindado para a transcendência.

Domingo :

"A arte é uma estupidez".

Jacques Vaché

Esta frase funciona para mim como os silogismos do Cioran, a estupidez está profundamente ligada à vida como a mistificação e o ilusionimo-onirismo das religiões... Enfim coisas que estão cada vez mais ligadas ao chamado 'fazer artístico', talvez num futuro breve, quando a própria humanidade estiver reduzida a sua condição de iminente extinção. Esta frase será capaz de dar origem a uma ou duas seitas estóicas.

Domingo :

Isto é como uma engenharia do fracasso. Insisto muito nisto, principalmente depois de ter lido Cioran na extinta Vila Parisi..Álias, Cubatão é o meu não-lugar afetivo, o centro da minha luta contra o vazio... Desse negócio arrasado que alguns cretinos chamam de "arte"... Como disse o meu amigo Afonso, Cubatão, Bertioga, Guarujá e adjacências deveriam se transformar em um grande parque habitado somente por árvores e passarinhos...Assino embaixo, fomos expulsos deste e de todos os paraísos não-artificiais...e aqui estamos neste maravilhoso inferno-que-não-funciona-direito...Estou no meio dessa burocracia do futuro-passado tentando montar a porra de um grupo de teatro por causa da Patrícia Galvão...Uma dançarina que se equilibra em rolos compressores com uma flor na boca e um beija-flor bicando seu seio esquerdo...Pois é...Eu e a Patricia vamos beber a água da vala ( Ops..era para ter escrito da vida) ..Foda-se..Ficou melhor assim...Vamos beber a água da vala do Camões. Se é que vocês me entendem... o nome do grupo é Eyes Upside Down ou 1+1=1...e estamos tentanto quebrar o protocolo de merda do teatro...É um grupo clandestino...

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Vou dizer uma coisa...gosto tanto de teatro que gostaria de pegar numa marreta agora e começar a quebrar todos..principalmente os conventos, quartéis e hospícios..nestes lugares se pratica o verdadeiro teatro ...Soltem os loucos, Porra! Soltem todo mundo!

P.S. Patrícia Galvão antes de vomitar sangue me disse:

--- A Alejandra é como a Alfonsina Storni mas ainda não sabe disso ou seja há um míssil do futuro apontado para o corpo dela dançando e eu quero explodir junto... Quando não restar mais nada, estaremos dentro do silencioso corpo do invisível...

(Depois do nosso último encontro-ensaio pensei muito no que Rimbaud escreveu em uma carta..." Estou loucamente determinado a adorar a liberdade livre.")

Domingo :

Novalis, o loucão afirmava que o tempo é apenas espaço interior e o espaço tempo

exterior, concordo com ele porque também estou mergulhado até o pescoço na

loucura...Por exemplo na loucura das citações,no devaneio digressivo e etç...enfim

logo estarei irremediávelmente apaixonado por alguma garota e totalmente

perdido..enfim Foda-se o tempo..Que ele exploda dentro do espaço .

Domingo :

A porra das listas que não fecunda nada...vamos lá : O melhor disco de 2020 sendo bastante otimístico ( ver Radiohead) Será o Singing Alone do Arnaldo Batista... E chega..Esse negócio de listas nasceu com o cansaço e o vazio cultural que reinam em toda parte e só serve para alimentá-lo...No dia 01 de janeiro vou tomar banho na bica que fica no Morro perto da casa do meu irmão em Caraguatatuba..Depois volto para o Limbo de Cubatão... Nothing changes...

Domingo :

Ana Cristina César agora é um beija-flor que se solta de um emaranhado de galhos secos e teias de aranha e mergulha em uma piscina.Uma criança disse: «Esse beija-flor mergulha na água como uma gaivota.»«Um anjo, um beija-flor ou uma gaivota são um peixe por dentro como todos outros »

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E outras: «Um anjo é um homem que se exclui absolutamente ou seja é uma mulher.»(…)Crianças atravessadas pela exatidão da solidão de uma luz terrivelmente branca que sai da água.

Domingo :

Sonhei que assistia um diálogo entre Godard e Pedro Costa.

(Sonho anotado)

Pedro Costa: Nossa época conhece um tipo de afetividade, que se caracteriza pela falsa objetividade, afetividades vaporosas, onde o encontro real se torna cada vez mais difícil e é sempre mediado pela tecnologia da comunicatividade…

Godard: Sim, me parece que nos tornamos excessivamente focados em nós mesmos e ao invés de valores éticos, agregamos apenas as imagens dos outros dentro de nossas construções ficçionais de uma idéia de afetividade, que se realiza apenas na superfície do distanciamento...

Pedro Costa: De um distanciamento cômodo e suportável, desde que a voz sem a presença seja convocada para atenuar a intensidade de uma ansiedade sem centro…

Godard: Que atravessa um poderoso vazio cristalizado pela ausência, como um relâmpago em um dia claro.

Domingo :

(Ouço minha entrevista para um programa de rádio)

Devo absolutamente tudo o que sei ao meu bairro, minha rua, minha família e meus amigos, fora deste círculo que encerra em si inúmeros mistérios, para mim nada mais existe, além do abismo do tempo e da parede absoluta da morte.

Escrevo por causa da insônia parcial ou seja por causa de uma parte de mim que jamais dorme e certamente não morrerá. A escrita é apenas a forma precária que essa parte encontrou para se comunicar com um falso exterior. Mas não sou mais um poeta, sou um ex-poeta, todos são poetas menos eu.

A poesia do modo que a concebo nada tem a ver com força nenhuma, ela é uma anti-força. A frase “eficiência em transmitir emoções ou estados de espirito”, leva a um ótimo paradoxo, vejo essa eficiência como um mito, certamente os outros meios

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de expressão, possuem cada um a seu modo, sua poética, sua arquitetura e sua música, mas falar sobre poesia não me torna um poeta, ainda bem…

No ‘Tratado dos anjos afogados’ não existem fatos objetivos, o que quero dizer é que procurei embaralhar as coisas para extrair delas um ‘fato puramente mental’ e não-objetivo, não creio na ilusão da permanência, nem no limite interpretativo ou reinterpretativo das mensagens, tudo isso é apenas mistificação, o ideal seria que cada poema do livro fosse lido como a legenda de um filme iraquiano.

Jamais saberemos o que é Real, o Irreal nos cerca, diria até, que o Irreal nos governa. Os temas da minha escrita, já os nomeei na resposta para a primeira questão.

Não escrevo pensando no número de leitores possíveis (talvez pense uma vez ou outra nos leitores impossíveis). Tampouco me interessa a busca da compreensibilidade imediata dos fatos mentais que derivam do meu trabalho com a parte mais misteriosa e indomável do ser, quanto ao hermetismo duvido que meus textos sejam herméticos, como os de James Joyce (um ilustre desconhecido do século 30), as referências utilizadas nos meus textos apenas estabelecem conexões com outros textos, e o que isto significa? Pedagogia e não Hermetismo, não escrevo textos burocráticos.

Quanto à compreensibilidade, bem, no fundo ela não é um valor para a escrita, pense no Finnegans Wake e no Apocalipse de São João…

Gosto de ouvir o som das vozes das pessoas que amo e Bach dentro da minha cabeça, também gosto de ler quadros esculturas. A experiência da leitura silenciosa dos quadros e esculturas de Farnese de Andrade para mim foi uma iluminação.

Shakespeare, Homero, Cervantes, Camões e Dante, são nossos contemporâneos porque a humanidade não mudou, apesar dos “avanços da ciência”, não passamos de Quixotes e Hamlets, seres em busca de Ítacas, perdidos em Infernos, Purgatórios e Paraísos criados por nossas mentes. Como diria Buckminster Fuller: Somos um pensamento do mundo e não o oposto, mas podemos ainda assim intervir e melhorar ou piorar as coisas.

Domingo :

Porque a autenticidade mais pura que prescinde até da nossa presença nasce da experiência da exclusão absoluta e convoca a destruição da vida controlada, essa que cantava como uma máquina a árvore do paradoxo apenas para completar em nós a falsa-paralisia do simbólico nome das coisas. Homem e mulher reféns desse irremediável tentáculo

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A vagueza e a dispersão ofuscam os raios daquilo que podemos chamar de ‘linguagem do real’ ou ‘afeto’existe um limite, uma fronteira, uma linha de opaciamento que só os mais raros atravessam, envolvidos por todos os raios, esses raros são aquilo que podemos chamar de ‘aqueles que estão no centro de um deserto’o espanto aumenta a intensidade dos raios e a distância os torna visíveis, os limites diminuem a intensidade dos raios

Domingo :

Matisse: A luz é um filtroJohn Cage: Dos silêncios?Matisse: Quase sempreJohn Cage: De um tipo específico de silêncioMatisse: A não-música?John Cage: Sim, a música da não-música.

Domingo :

Patrícia está gritando no topo da estátua da Praça Independência, como na cena do Nostalgia de A. Tarkovski: - Ao invés da china em toda parte o tibet em toda parte/ao invés de stockhausen nos engarrafamentos mozart dentro de cada motorista/ao invés da poesia concreta a poesia absoluta.ao invés de brasília o xinguao invés da china o tibet geral/ao invés do econômico-metafísico o econômico-poético/ao invés da necessidade do filantrópico o sermão da montanha transformado em ética puraum viva para todas as possibilidades de ser fora da nomeaçãoe sentar por dentro das árvores como um Buda quânticopelo fim da farsa televisiva do ’ao vivo’ e da gaiola imagética do gravado ao invés do evento o acontecimento vivo o mundo é o ininteligível indomável fora da casca das palavrasao invés do amor domado e reduzido em namoro, noivado, casamento, o amor sem nomeum viva para os atalhos cobertos pela floresta, para as pistas de pouso cobertas pela florestaum viva para os que agem como se estivessem desorientados pelo sonhoao invés da yoga nas academias a yoga e o ensino do vedanta e do tupi & guarany no ensino fundamental/ao invés da contemplação passiva do mundo a contemplação ativa do serao invés do silêncio que separa ( o silêncio burocrático das filas) o silêncio telepático do amor absolutoqueimar os automóveis

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um viva para a beleza disso e do oceanoum viva para a harmonia disso/ que qualquer silêncio esconda um significado poético e não uma tentativa de domar o caos interiorao invés dos poetas que se auto-intitulam poetas os poetas que não sabem que são poetaspelo fim de qualquer coisa ‘baseada em fatos reais’e um viva para tudo o que é maravilhosamente além dos fatos reais.os fatos reais foram sonhados agorapor si mesmoso poema contínuo é um acordar mais longo do que todos os séculos( Com Ana Beatriz Fusko)

Domingo :

Sonho que estou entrevistando Rimbaud:

(Sonho anotado)

Marcelo Ariel:Você é colocado como um “poeta à frente do seu tempo”. Porque permaneceu nas barbas de Verlaine por tanto tempo, ao invés de alçar vôos solitariamente?

Rimbaud:Tentei morrer para o meu tempo e para qualquer tempo e encontrar o Eterno…

Marcelo Ariel:O fato de ter abandonando a miséria e o meio literário pelo comércio de drogas e de putas no deserto, revela sua concreta descrença no ser humano naquele momento? Rimbaud:Sim, mas no comércio de drogas, armas e putas brancas encontrei um lugar mais verdadeiro e seres que carregavam dentro do olhar toda a tristeza do mundo, como os bois e os cavalos…no meio literário só encontrei casulos ocos recheados de lama dourada.

Marcelo Ariel:Acha que entrando no deserto físico, adentrou seu deserto interior? ou abandonou-o?

Rimbaud:Acho…como você diz…no sentido de encontrar…que adentrando na materialidade do deserto físico encontrei um jardim de silêncio que acalmou a minha fúria , como o céu acalma um mar bravio com suas mãos de vento.

Marcelo Ariel:Pagaria novamente o “preço” da própria vida (sacrificada) em prol de uma obra?

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Rimbaud:Sim se essa obra anunciasse o amor sem nome…nesse caso não seria um sacrifício, mas a chegada da alegria como um fogo que devora tudo o que é falso e difícil de ser amado e deixa intacto em cada coisa um cristal de pureza .

Marcelo Ariel:Se existia um mundo além das palavras para você, o que sonhava ou cria fora dele (do mundo das palavras)?

Rimbaud: O mundo além das palavras é a única coisa fora do sonho.

Domingo :

era a claridade profunda do vento interior movendo as folhas da árvore…era o silêncio dentro dela como uma abertura radical para o outro lado da paisagem…o lado fora dos nomes…ela disse isso com os olhos no lugar das palavras tentando cancelar o horror.Era a possibilidade de uma fusão de almas…vindo como a tempestade de significados…a última coisa que ele-ela viu foi um rio de Pirilampos e depois do filme do impossível chamando o poder da brisa oceânica através da fragilidade…tudo reunido num corpo vitrificado . Depois a meio a chuva foi aumentando e subindo para o alto…até o Sol

Domingo :

(cena na avenida paulista depois da hiperinclusão suavemente inspirada em Mário Ferreira dos Santos)

mendigo 1: alguma coisa há, e o nada absoluto não há…mendigo 2: o nada absoluto por ser absoluto nada pode…mendigo 3: prova-se mostrando e não só demonstrando…mendigo 4: podemos exemplificar da seguinte forma: se alguma coisa não há, teríamos o nada absoluto, o que é um absurdo: logo alguma coisa há…mendigo 2: o nada absoluto é a contradição contida na frase : alguma coisa há…mendigo 1: dizer que há o nada absoluto é dizer não há nenhuma coisa e isto é contradizer-se ao afirmar que alguma coisa há…mendigo 4: o que há é e o que não há é não-ser...mendigo 5: alguma coisa é uma verdade ontológica…mendigo 1: alguma coisa existe…mendigo 3: o nada absoluto nada pode produzir…mendigo 2: alguma coisa sempre houve, sempre foi e sempre existiu…mendigo 5: entre ser e nada não há meio termo…mendigo 1: o ser não pode ter surgido subitamente pois sempre houve alguma coisa…mendigo 5: o que tem prioridade é alguma coisa…

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mendigo 2: o que tem prioridade é afirmativo, logo se o nada absoluto tivesse prioridade não seria nada absoluto pois seria afirmativo…mendigo 5: a dúvida humana afirma…mendigo 1: sim, mas a dúvida absoluta é impossível, a afirmação tem de preceder necessariamente a negação…mendigo 3: a negação afirma a afirmação…mendigo 4: a negação absoluta por sua vez seria a afirmação de algo, a negação é sempre afirmativa, seja de que modo for…mendigo 1: o ser absoluto é apenas um e só pode ser um, se existisse outro ser primordial, ambos seriam deficientes e o ser seria deficiente…mendigo 5: o ser é, pelo menos, de certo modo, absoluto e infinito…mendigo 3: por isso é impossível que o ser esteja isolado pelo nada…mendigo 6: o ser absoluto é absolutamente simples e toda realidade possui o ser da mesma maneira que possui a unidade pois todo ser é unidade…mendigo 7: mas a unicidade é incomunicável e o ser afirma-se por si mesmo…mendigo 1: o ser é verdadeiro?… mendigo 4: no vazio absoluto os átomos não poderiam mover-se…

Domingo :

para Júlia Sorel:

um bom uso da metáfora e um humor que oscila entre o absurdo , o irônico e o melancólico tornam seu conto ‘deus é o ramal dos loucos’ interessante, você precisa aprender a arte da concisão, intensificar a objetividade narrativa e trabalhar melhor o ritmo das frases, elas , as palavras, quando pensadas como fios de um tapete, estou citando Henry James, talvez se tornem capazes de comunicar com mais eficácia os estados e flutuações da vida interior da personagem o mundo.

por que as realidades do hospital geral e do delírio onírico possuem a mesma pulsação?

leia com atenção e delicadeza ‘o arco-íris da gravidade’ do sr. Thomas, o famoso obscuro e sinta como ele trabalhou o ritmo e a pulsação da vida enquanto absurdo contaminado pelo vazio metafísico da banalidade e o ritmo e a pulsação do sonho transformado em um banco de metáforas paranóicas desse absurdo.Gostei da imagem da chuva holográfica..”

Domingo :

O Francês acaba de descer do navio Ísis que desembarcou no Porto de Santos, ele passou a viagem inteira em silêncio, olhando para as ondas. A água pertence ao Sol. Ele pensou, mas ninguém era capaz de ouvir, o Francês continuou quieto apenas por dentro, olhando o mar e os pássaros e pensando na África que havia deixado para

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trás e nesta outra África chamada Brasil. Depois ele apontou para as malas e pediu para tomarmos cuidado com a maior, a mala azul, o Francês disse que ela estava cheia de areia da Abissínia. O que ele iria fazer com uma mala cheia de areia? Deve ser para esconder as armar e a munição pesada. Pensei, começou a chover forte e o Francês olhando para baixo com era seu costume murmurou. O oceano não desiste. Com um gesto ele pediu fumo para seu cachimbo e com outro ordenou que todos voltassem para o navio.

Domingo :

Luís Buñuel sonha que está parado dentro da névoa e um anjo aparece vindo do nada :-Buñuel : um anjo? que merda..-Anjo: ainda não..meu nome é Vulnávia..-Buñuel: e estas asas?-Anjo: são de sonho como o seu corpo..você têm fósforos?-Buñuel: para que você quer fósforos?-Anjo: para queimar a névoa..Buñuel acorda e descobre que está quase-cego.

Domingo:

(voltando para a floresta-sem-floresta que a película de berkeley sempre confundida com o véu de maya continua escondendo esse lençol de luz e gravidade que chamamos de visões a 'une rose seule,c'est toutes les roses' continua cantando :ó imenso mar das formas coberto por este manto de olhares imensamente fechados..logo mais tudo estará flutuando... como a merda..

Domingo :

(Sobre a morte de Mário Cesariny)

Que cadáver? O Cara sempre foi um cachorro-orquídea que vomitava anti-matéria...Parece que foi ontem que Mário de Andrade deu um tiro na cabeça, depois do fracasso de sua seita que cultuava a contemplação do bote do jacaré...Parece que foi ontem que com o fim da ditadura de Santos Dumont, a sede do governo foi mais uma vez transferida do Alto do Xingu para a favela dos Jardins em São Paulo..É..Parece que foi ontem..Que a presidente Sacha Meneghel foi eleita com 58% dos votos, apesar das denuncias comprovadas de compra de votos da bancada psicodélica..parece que foi ontem..que li numa nota de jornal ao lado dos necrológicos que Mano Brown foi eleito para a academia brasileira de letras na vaga de Maitê Proença..É..parece que foi ontem..Que aquele meu amigo escritor ..Marcelo Ariel , explodiu seu corpo no Cristo Redentor danificando o dedão direito da estátua..É..eu não me lembrava mais dele..

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Domingo :

Estava pensando em subir a Serra para ir à Bienal, o problema é a paisagem no caminho..Esse Éden ininteligível falsificado pelo olhar, a ser transformado em nada..Essa paisagem será a última da fila, um nada, alguns anos antes ou depois da Amazônia..(E daí? Quantos ecologistas irão tocar fogo no corpo até lá? Eis a questão). Como ia dizendo, o problema de ir até a Bienal é ter de atravessar a Serra do mar antes e depois, a paisagem da mata atlântica vale mais do que o catálogo da bienal..Ela é uma fusão impossível das obras de Turner e Van Gogh presentificadas e mediadas pelo vidro do ônibus...Meu véu de Berkeley? As última exposição que fui ver enfrentando esse paradoxo, foi a do Farnese de Andrade..Gosto do trabalho dele..O Farnese já estava no buraco cavado no mangue de Cubatão por um porco-do-mato fugindo do incêndio de Vila-Socó,nos cães "suicidas" que tentam sem sucesso atravessar a Anchieta e a Imigrantes, em uma cratera de 100 metros em Serra-pelada transformada em um lago cremoso pela land-art das nuvens...O fato que destrói todas as retóricas é que tenho que separar uma grana para subir a serra num maldito anjo-ônibus...Na última viagem que fiz... A do Farnese... Sonhei que Santos Dumont havia sido eleito no lugar de JK... No meu sonho Brasília não existia e a sede do governo era no Xingu... Talvez a questão seja até mais simples...O que eu vou fazer nessa porra de bienal se não haverá nada lá que possa ser comparado com a Capella Sistina? O que temos em Farnese? Querubins com cabeça cortada como os assassinados nas rebeliões dos presídios. Anjinhos incinerados e pendurados no açougue de nosso olhar...A exposição do gênero humano como algo radicalmente falido e despedaçado...Não é assim que estão as crianças que fomos dentro da nossa memória..em pedaços..boiando no nada... Mudando "completamente" de assunto..Ontem revi o Hamlet do Zefirelli em dvd..O filme é uma bosta..Zeffirelli é Burocrático e sem ousadia, como cineasta foi um bom cenógrafo do Luchino Visconti..valeu rever pela cena da Ofélia enlouquecida..Helena Boham Carter é uma Ofélia com o olhar de esfinge de hospício...Uma Ofélia com o olhar do Bispo-do-rosário. A insônia dissolve as ilusões como um ácido..esse deve ser o único trunfo dos que não conseguem dormir..mas.sem ilusões a vida se torna um continuum à serviço do esvaziamento..Notas dispersas..para essa cadenza da existência...às quinze para as quatro..a frase não quer dizer nada..estou tentando preencher um vazio..o meu e o seu..com essa picaretagem.Essa porra de poesia é como a droga do filme A Scanner darkly..cria uma outra realidade? esquizofrenia em estado bruto..estou me repetindo...são os poderes do vazio...ou da desmistificação..Enfim..O que tenho para comer? Bolachas cream cracker e água mineral..termino de ler pacote de bolachas.agora vamos para a pilha de livros na minha frente..é o meu titanic mental..outra frase que não quer dizer nada..Free Fall, baby...pego o de cima da pilha..é o Lobo-Antunes..Boa tarde as coisas aqui em baixo..o negócio é abrir e entrar..assim funcionam as putas, os livros e as paisagens..mas e preciso pagar opreçoantes e depois..parei na frase : " - Preferimos chamá-las de alvos, compreende?" (Pág 33) marcada com um folheto de propaganda de uma palestra que um amigo meu... O Tadeu vai realizar sobre o cultivo de orquídeas... 'Noções básicas sobre orquídeas' vejam só como tudo se relaciona com tudo... Free fall...

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orquídeas... insônia... vou até a pracinha da esquina..está deserta..ou quase..A porra dos pásaros cantando... os gatos... se lambendo... uma fôlha seca caindo da árvore... do sono do Sol.

Domingo :

Aqui se dá a recuperação da graça através do ocultamentoComo se Simone Weil, Bashô & Bresson se encontrassem pelo ‘lado de dentro’ da imagem(O respeito pelo invisível e sua delicadeza… O mistério do ocultamento)O lado de dentro do ser é o lado de fora da imagemA vida preserva a delicadeza desse mistérioAli onde o outro pode respirar fora do deserto escuro das nossas certezas’será possível um reencontro com o Mundo?

Domingo :

A poesia é hoje, algo que foi completamente estuprado e esquartejado pelo marketing literário? Ela é um fantasma impotente da tradição poética, sem nenhuma conexão com o 'em torno'? ( O fantasma de Haroldo de Campos dormindo com os mendigos na Casa das rosas, o de João Cabral tentando encontrar o caminho de volta para o Brasil em Sevilha, o de Gonçalves Dias caminhando através das árvores e atravessando o corpo dos índios assassinados no Xingu, o de Mário Faustino confundindo um smog de fumaça de maconha com uma nuvem...) Os poemas escritos e publicados nos últimos vinte anos, não possuem luz suficiente pra iluminar o inferno da nossa miséria...( Sim, a poesia deveria ser a luz do mundo, ao contrário do Felipe Corsaletti sou extremamente pretensioso, eu e John Ashbery) Os poemas escritos e publicados nos últimos vinte anos, tem servido, ao menos para converter nossa solidão em um oceano parado com metáforas congeladas afundando na nostalgia da delicadeza e profundidade perdidas ou engaioladas dentro da burocracia nadificante do varejo miserável do cotidiano? Infelizmente não, discordo de Manoel de Barros (como Carpinejar um poeta 24 Horas), para mim, a poesia deve ter uma utilidade, ela é o cão guia dos cegos-açougueiros metafísicos e ratos fosforescentes dos Prêmios Literários, feiras de livros e demais campos de concentração da egoidade... A poesia pode ter se convertido em uma traição aos signos do real? Embora ninguém saiba o que ele é, o Real, reduzido a um jardim de signos e símbolos ainda resiste, obviamente ele é a pergunta da esfinge proustiana... Em uma luta absurda e patética contra o sentido da linguagem, que como intuímos, não nos devolverá à vida real, os poetas viciados em dar socos na linguagem, continuam gritando seus próprios nomes para os fantasmas do cânone-lápide? Sim, a maioria dos poetas de hoje nada tem a dizer de essencial ou interessante, a linguagem é apenas um campo de auto-referência e de irradiação para um tedioso jogo de "Olhem para mim, sou o novo Kerouack, o novo Rimbaud e etç... Sei que ao citar alguns nomes, estou dando corda no mecanismo

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do marketing pessoal dos poetas de plantão, é fácil notar que boa parte da poesia escrita e publicada nos últimos vinte anos, tem como centros: a anulação, o tédio e a mistificação, que por sua vez, acabam por encobrir, a autêntica emoção ou singularidade, que deveria estar nos poemas. Quantos poetas surgidos nos últimos vinte anos e com livros publicados não sofrem de uma doença chamada esquematismo? Poucos e raros tem realmente algo a dizer e o conseguem fora desse lixão do marketing literário, onde empresários e pseudo-críticos ergueram uma espécie de Shoping center do espírito que distribui cânones sem conteúdo que não se sustentarão na cruel verticalidade do tempo, desse tempo correndo cada vez mais rápido, na velocidade do semi-analfabetismo e do analfabetismo funcional patrocinados pelo personalismo político-partidário ( irmão siamês do marketing literário, VER Gabriel Chalita e suas falsas Nêmesis no catálogo das editoras que monopolizam as vitrines das mega-livrarias). Estive anteontem na maior favela de Cubatão-SP, a Vila Esperança, fui lá vender meu livro TRATADO DOS ANJOS AFOGADOS e um menino de aproximadamente 14 anos que estava ouvindo funk e segurava uma pistola semi-automática ao ver a palavra poeta escrita na contracapa do livro, me disse:

-Ah, mas o maioral da poesia é o Mano Brown, tá Ligado?!

Concordo com o pequeno soldado do Hipercaos, Mano Brown é o "Lula" da poesia contemporânea e isso não deve ser lido como um elogio, mas como um sintoma. Para encerrar ouso afirmar que meus poemas, não estão fora desse mapa da esfinge raquítica e de suas perguntas-problema. Na verdade não existem "os meus poemas" apenas os seus...E quando a esfinge raquítica lá na Vila Esperança perguntou meu nome, respondi:

-Meu nome é Ninguém...agora me diga, desde quando os mortos costumam andar por aí de arma na mão...

Domingo :

O suicídio do escritor David Foster Wallace significou algo que a imprensa mundial (leia-se o fracasso dos cadernos culturais) não conseguiu apreender... uma pequena vitória do nada contra o caos ( que ao menos para D.F.W.) era insuportável... David, autor do inédito no Brasil Infinite Jest estava para J.D. Salinger (inexplicavelmente ainda vivo e fantasmagórico) como James Joyce para F. Scott Fitzgerald...O que isto significa? Nada.

Domingo :

O anseio de transcendência e a avareza caminham lado a lado, afetividade e desejo de distanciamento caminham lado a lado, eis o Speculum da comunicatividade que

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podemos ver em cada rosto que se aproxima, mas não o suficiente para o mergulho-dissolução de Buda ou Jesus , ambos cada vez mais longes das religiões que utilizam seus nomes-marca . Uma coisa curiosa, ao ter meu perfil clonado fora do espelho, no percebi as relações entre a tecnologia da comunicatividade e a vida das Amebas ou melhor, a uma espécie de fantasmagorização interior da vida das amebas.

Domingo :

O Silêncio é como a água, sempre provocando em nós a sensação de impermanência e suave afastamento, como em Rimbaud como em Saint John Perse...A água é a materialidade do espírito respirando em uma interioridade-exteriorO silêncio é como a água e para tentarmos abraçá-lo, inventamos o fracasso da música que é apenas uma maneira de deixar que sua essência de água nos escape e retorne para um alto e invisível oceano.

Domingo :

Gus Van Sant: A imagem cinematográfica como uma poética da sensação do tempo fora do contorno ontológico-proustiano.

A lingua das árvores é um diamante de silêncio...ontem ele estava

ensaiando uma cena mental do ENCONTRO EM HARAR e de repente...

Domingo :

(Tradução como traição)

The Swan

David Lynch

You made the tears of loveFlow like they did when I sawThe dying swanThe swan that died in darknessI want your smileI dreamt of your swan smileAnd then wings moved the airWater rings widened

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As bells soundedIn the night.

Then your smile diedOn the waterIt was only a reflectionDying with the swan.

DAVID LYNCH :

O CISNE

Você fazia as lágrimas de amor flutuarem

Eles também fizeram isso quando vi

o poeta morto

o poeta que morreu no escuro

Por isso eu preciso do seu sorriso

em meu sonhos

Sorria como o cisne

quando as asas dele se movem no ar

suaves e amplas

como sinos tocando

no meio da noite

Sonhei que seu sorriso morria na água

que ele era apenas um reflexo

morrendo com o movimento das asas

Tradução: Marcelo Ariel & Thalita Yanahe

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Domingo :

A Estação

"love, love my season..." ou Sílvia Plath inside my head like a blues...Silvia Plath inside my dreams like a blues ou seria LIFE: A BLUES...Kate Moses recria um período perigosamente delicado da vida de S.P. como Gus Van Sant em Last Days... mas a literatura vai mais longe e ultrapassa o cinema... porque essa coisa (a poesia) é invisível como a morte.

Domingo :

Eus comparados

No filme de Chabrol, Uma mulher dividida em dois, a angústia amorosa e a organicidade dos desencontros interiores levam até uma espécie de fuga para a serenidade, que , é absurdamente mais verdadeira do que a serenidade da maioria dos casais-que-deram-certo-e-fazem-churrasco-aos-domigos-para-os-amigos. Ao conferir um sentido de alteridade para a própria solidão da protagonista Chabrol, vai muito além do pastiche da metáfora da situação política do mundo atual e mergulha fundo no enigma ontológico do eu "ficçional" da protagonista.Me pergunto, se existirá algum eu não-ficçional e não dividido em dois ou mais pedaços...No final há uma homenagem explícita ao universo de Woody Allen dentro da pulsação mitológica dos filmes de Alfred Hitchcock.É um filme intrigante, que de um modo insuspeito, se comunica com Nome próprio de Murilo Salles, escreverei mais sobre isso quando estiver morto.

Domingo :

Lóki

No filme ' O Cavaleiro das trevas' de Christopher Nolan, o Coringa de Heath Ledger é uma atualização sombria dos mitos que personificam o Caos e os abismos da loucura ou de uma perigosíssima lucidez, que no filme leva até a nadificação do niilismo e não estabelece nenhuma relação com a nadificação da morte, o trabalho de H.L. é espantoso, ele conseguiu construir uma máscara de lucidez construída com fragmentos do Caos, o conflito do filme, não é entre o bem e o mal no sentido ontológico, mas entre uma máscara que aceita o Caos ( O Coringa) e uma máscara que tenta encobrí-lo com a ética do ressentimento ( Batman). O grande trunfo de C. Nolan é jogar com estas duas máscaras dentro dos limites de um filme de ação e transfigurar esse filme em uma tragédia, onde as duas máscaras se fundem para formar uma só máscara trágica, a máscara da inadequação onde a única lógica é a da

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fuga constante, mas o filme vai mais longe do que isso e voltarei a escrever sobre ele.

Algo mais pode ser dito, obviamente o Caos pregado pelo 'Joker' no filme, não é o Caos do anarquismo ontológico citado por Hakim Bey em seus "panfletos", o caos ontológico e orgânico que atravessa a vida desde suas origens , caos derivado da sociedade de controle, são antagônicos, um aponta para a beleza assimétrica de macro e micro universos e o outro aponta para as eleições, guerras e ações da bolsa de valores. O 'Joker' de Nolan/Hedger é uma anomalia do caos criado por uma sociedade de controle e ao se voltar contra ela dentro do filme, ele por sua vez, se converte em um símbolo de uma contradição extremamente positiva dentro da indústria de filmes, se pensarmos, que ela mesma é uma indústria que elabora mitos para uso dessa mesma sociedade de controle, esvaziá-los e transformá-los em fulgor e banalidade, o Joker de Ledger/Nolan se converte no símbolo de uma possível zona livre temporária dentro do campo de autômatos-humanos santificados pela auto-destruição ou seja dentro do star-system de Hollywood e de suas irradiações.

Domingo :

Segunda carta para Rilke seguida de duas perguntas para o fantasma

Sim, concordo contigo toda vida é vivida, mas jamais saberemos Quem a vive .no final do dia algo se volta para dentro e se fecha como uma rosa de névoa na nuvem que desce, tocando o esplendor da infância, intenso como o verão, enquanto no lado de fora dos nossos olhos os reflexos em volta de um manto azul que sobe em plenitude, dentro dos olhos se dissolve e vai para onde vai a música das coisas que não podemos ver...Por que só podemos ver "um agora de cada vez'e por que se afasta levemente , para o mais alto, no horizonte da infância, o Paraíso dos Poemas?

Domingo :

Carta para Rilke pensando em Rimbaud, seguida de uma misteriosa resposta.

Como despertar desta 'juventude verbal' entre sombras se o meio que irradia dorme entre o fantasma de carícias quietas ? Se a vida é este livro do qual leremos somente a metade ? E quase sempre nos escapa a felicidade detalhada de modo insuspeito em suas páginas infinitamente escritas de modo amorosamente incomprensível...Mas esse é o estado ininteligível do amor e jamais poderemos querer outra coisa tão disfarçada e secretamente contida em todas as outras, com sua face de abandono cercado de renúncia a si onde fica claro o texto das coisas, e a errância do entre-sonho cercado de mil sonos...Um garoto-garota fuma maconha, uma menina ri como quem chora, todas estas doces e sombrias forças que dormem, deitado na areia, um apóstolo desarmado por

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dentro e bem perto, caminhando perto da espuma, uma santa nua como uma sonâmbula e todos contendo em si uma queda.

Você o disse de modo nítido : " Sil l'on renonce à vivre, sil l' on renie ce qui était et ce qui peut arriver, "E esse espaço angélico do qual tu falavas constantemente, quando ele será outra vez uma festa móvel para os que o sentem em toda parte ?Quando ele se converterá em tempo ?

Domingo :

É claro...conservaremos a convicção de que nossa faísca de humanidade acende tua luz...Nós estamos tão bem escondidos de nós mesmos que você precisa dessa lanterna...Isso é um pouco humilhante, mas nos reconforta sabermos que o centro do nosso ser não está totalmente perdido se tu o encontrares...mas nós te encontraremos antes...Ontem fui ver Paranoid Park... Gus Van Sant literalmente 'esculpe o tempo' neste filme onde as auras de Dostoiévski, Tarkovski e um blues onírico com as imagens de skatistas fazendo manobras se encontram e se fundem.

Domingo :

Sim, foi a democratização da graça... me lembro quando todas as cascas foram dissolvidas e a bem-aventurança ainda estava lá...a absolvição geral e irrestrita de toda a humanidade... o cancelamento do suicídio do espírito e etc...Você ainda estava lá quando a terra parecia vazia e totalmente devastada... ainda estava lá para ver a rosa.

Domingo :

Tom Jobim

como se imerso em um cubo de trevas de onde precisa mergulhar em um bosque oceânico para encontrar as luzes mais profundas para iluminar os altos sentidos de uma beleza tão óbvia que é quase invisível...A Beleza do BrasilA materialização de um furor abstrato misturado a um sentimento de fracasso e perda, perfeito para qualquer poema de Emily Dickinson... Eles possuem intensidades de fuga muito parecidas.

Domingo :

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A linguagem foi criada para fixar a vida, mas ela não consegue fazer isso, ela apenas cava a aura da vida, sua aura de acontecimento puro imune a eventos e outras simulações, embora cave fundo e incessantemente, a linguagem jamais encontra um centro ou essência da vida para fixá-la em seu corpo de signos e sons. Por isso não acredito na linguagem como um lugar que será um dia visitado pela vida ou seja pela essência do acontecimento, mas apenas como uma ponte utilizada pelos que se afastaram muito dela por dentro para tentar atravessá-lae vê-la ao mesmo tempo, enquanto outros se afastaram muito dela por fora, para tentar atravessá-la e controlá-la ao mesmo tempo.Ambos fracassam, seja lá o que fizermos sempre estaremos nos afastando da vida por dentro ou por fora e estamos todos em cima dessa ponte erguida aqui sobre o rio morto das coisas-mercadoria, de um lado os escravos-fantasmagorizados por seu próprio reflexo nas águas do rio morto das coisas mercadoria se encontram conosco, nós os enfeitiçados e domados pela mistificação da linguagem, os escravos presos na ponte, que para nós é um local de observação, nos movemos por dentro através da ponte, os fantasmagorizados passam por nós e nós ficamos ali até que o silêncio e a morte unem as duas margens do rio, cancelando a ponte e finalmente fixando a vida em algo.

Domingo :

antes eu era enganado pelo aspecto eufórico da minha sede de amar e ela me conduzia a maravilhosos fracassos e aí fui me interiorizando e as coisas se adensaram em mim como uma serena noite interior, mas você nessa noite é como uma pequena estrela em um horizonte que não se afasta, uma estrela que mais-do-que-ver toco e sinto como uma oração

Domingo :

Ontem estava sonhando com o vento nas árvoresele e o vento nas árvoresde mãos dadaspara cancelar o horrorinauguraro novo sentido para a escuridão de uma longa noite:'Amanhecer bem devagar'é o nome da canção dentrodo sonhoonde nossa vozem sua hora obscura e secretaalém da temporalidadetriunfa

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cantando a imagem que nos farádespertar

Domingo :

O amor em oposição à impossibilidade do diálogo total não se nutre das noções abstratas do outro construídas a partir do que podemos chamar de absolutismo do imaginário-nomeador, ao contrário, ele se inicia quando no autêntico encontro humano todos os rótulos são retirados e o rosto do outro pode ser visto num vislumbre como parte-do-ser-equivalente-ao-misterioso-desconhecimento-do-mundo ou seja o outro sem rótulos e sem nome construído pelo êxtase-aniquilamento do tempo é o vislumbre-vertigem da Alma.

Domingo :

Os mortos do futuro entre as imagens e a memóriaescolherão as imagensOs mortos do futuronão saberão ser livresos mortos do futuronão saberãoque estão mortoscomo as criançasnão sabemque são criançascomo uma árvorenão entende o fogoos mortos do futurocontinuarão a jogarnosso jogo.

Domingo :

Compilei alguns aforismos de Robert Bresson sobre os atores e o teatro, com alguns comentários em itálico:

" Realizador ou diretornão se trata de dirigir alguém,mas de dirigir a si mesmo.Nada de atores.( Nada de direção de atores.)

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Nada de papéis.( Nada de estudo de papéis.)Nada de encenação,mas a utilização de modelosencontrados na vida.Ser ( Modelos) em vez de parecer (Atores)Modelos:movimentos de forapara dentro.( Atores: movimento de dentro para fora.)O importante são as trocas telepáticas, adivinhação.A cura para o terrível hábito do teatro.A confusão desta vez estará do lado da vida e não do ladodo hábito do teatro.As proximidades possibilitam um movimentode fora para dentro?Não falar a língua do teatro, estar nele como em um país estrangeiro, como a natureza nas cidadesindustriaisÁrvores na entrada das fábricas.Não copiar a vida, nem realizar movimentos estudados.Não há relações entre um atore uma árvore.Eles pertencem a dois universos diferentes( Uma árvore de teatro simula uma árvore verdadeira)

Dedicar-se no POEMA EM AÇÃO ao encontro com os gestos insignificantes.

(Não aos significantes, do desejo de significar nasce a simulação teatral)Procurar dentro de si a força que irrompe do olho.Suprimir radicalmenteas intenções nos seus modelos.Procurar a maneira silenciosa e visível de

falar dos corpos,dos objetos, das casas, das árvores, dos campos.

Evitar os excessos do kabuki,procurar a concisão do hai kai.Quanto maior o sucesso, mais ele beira o fracasso, como a obra-prima da pintura que se transforma em estampa para anúncios, camisetas, xícaras de café...A mistura do verdadeiro com o falso, gera o falso.Cave onde você está, não deslize para outros lugares, dupla, tripla camada de coisas.Tenha certeza de ter esgotado tudo, explorado tudo o que se comunica pelaimobilidade e elo silêncio.Extraia de seus modelos a prova de que eles existem com as estranhezas e enigmas deles.Captar instantes, espontaneidade, frescor.

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Não corra atrás da poesia. Ela penetra sozinha pelas articulações( Elipses, pausas)Que o público procure, não o talento no seu rosto, maso enigma particular de todo ser vivo.Representação, aquilo que parece ter existência própria, fora do ator,o que pode ser palpável e não se desvanece por causa de ridículos aplausos. (amor simulado)Desmontar e remontar atéa intensidade.Gestos como as modulações da música. "

Robert Bresson/Marcelo Ariel/Evaldo Morcazel ( Trad.)

Domingo :

O título original do filme do Godard é 'VIVER SUA VIDA' foi lançado no Brasil com a seguinte tradução: ' VIVER A VIDA' , a diferença é gritante.

Domingo :

(De uma carta de amor)

Sua carne é uma estrelaenterradano não-ser deste sonoque se agitacomo o marquando a angústia grita sua corque cega para o futuroBasta olhá-los de pertopara que se espreguiceme se levantempor dentroou tocá-los com o pólen da memóriapara que suas lágrimas cantem para o instantedo esquecimentoe se os vemos dançarde costas para o rolo compressor do tempoou sorrirpara o cadáver da luz geralo que podemos fazersenão abrir os nossosque também cantam

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como um fósforo acesodentro do vidro de um poema( Que ela certamente abrirá para colhero silencioso triunfo de uma rosa)Domingo :

...ele não era como seu irmão que oscilava entre a coragem de enfrentar o absurdo com a ironia e o medo da loucura... ele era um blues ambulante....a diferença entre as duas coisas era sutil...Jonas poderia ficar séculos falando sobre este e outros sonhos esquecidos...por exemplo...ele pensou..ontem sonhei que estava saindo de um sonho e Deus aparecia no banheiro feminino e dizia sem voz...

EU SOU RAMAL...ESQUEÇA A AMÉRICA GLACIAL, A MORTE SERÁ O ATAQUE DA NUVENS...e em outro momento da lembrança do sonho...Deus aparecia no meio da copa das árvores e tinha a voz de Chuck Berry... A MENTE É COMO UM COPO D' ÁGUA NO FUNDO DO OCEANO...Deus cantava em volta de uma plantação de fender’s stratocasters...Havia o outro sonho onde Jonas acordava na cama do Hospital-carnavalesco e havia O NADA..

Domingo :

Sou uma espécie de semi-escuridão...Ela disse, repetindo os sinais da sua quase-presença...Xará, não vou me livrar da metafísica tão cedo...também não vou matar o Pessoa dentro dos meus latidos.... álias preciso matar de novo aquele Heidegger... como disse o meu amigo Lúcio Flávio...é preciso matar os mortos outra vez...ontem mesmo descobri outra pessoa viva dentro de mim...descobri que o centro dos poemas que estou escrevendo é aquele diálogo-interno escrito pela Alejandra...o centro e uma tempestade que me duplica para aquele nada do W. Faulkner ( Entre a dor e o nada, prefiro o nada)

Outro dia o cão me disse que a rede interna ( internet) criava uma ligação ente todos os limbos formando um HIPERLIMBO maior do que o inferno e o paraíso juntos...eu não sabia se o cão estava descrevendo a rede interna ou a externa...

O jardim costa silva e a vila esperança inclusos... a avenida paulista e higienópolis inclusos e etc...

Domingo :

(Depoimento-poema de Yasunari K.)

Yukio Mishima possuía como um 'Dibuk' o corpo de Kimitake Hiraoka e tinha o hábito de caminhar dentro do jardim de crisântemos em sua memória

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onde um vapor amarelo se desprendia do cadáver de sua mãe...Com o tempo a possessão se converteu em fusãoe Mishima decidido a ser uma espécie de Ícarofabricou para si um par de asas com espadase tentou voar até o Sol interior do corpoonde o tempo pode ser vencido dentro do sonho...Ao tocar com suas mãos cheirando a crisântemos neste Solele caiu e suas asas feitas com espadas ao se soltarem de seu corpo deceparam sua cabeça... Mas Mishima ainda teve tempo de gritar seu verdadeiro nome para o Solque por sua vez estendeu seus braços infernais até ele e disse;" Entre !"

Domingo :

( Poema inédito de Alejandra)

A vaporização e centralização do euem tudoé o limitepara o pássaro esquartejadoconstantementepelo 'poder oceânico' da noiteestávamos 'fora do corpo' o tempo todoesperando...Aquela criança cantarolando no escuropara tentar impedir os enforcamentos

Domingo :

O Carnaval é uma boa oportunidade para ler a poesia completa de Murilo Mendes ou rever um filme do Buñuel, minha rotina não muda nestes dias de escapismo onde a burocracia festiva tenta invadir o deserto da alegria ou melhor de uma euforia coletiva, que pode e é regida pela engrenagem contraditória dos relógios, eleições e tvs ligadas para ninguém...Álias do Rei Momo ao presidente é um pulo no abismo. Eu estava aonde? Na minha rotina? Porra, estou imitando outra vez o estilo do meu Xará Mirisola, dane-se o Eu é um roubo das transfigurações..."Minha rotina" é um lugar neutro onde acordo meio-dia para economizar a grana do café e depois passo na floricultura do meu amigo e filósofo-amador Tadeu, conversamos sobre o assassinato de todas as subjetividades na fila dos bancos ou dos açougues e chega! Esse negócio de diário é outra roubada e eu não sou Baudelaire...Isso não serve para justificar uma leitura dentro deste nosso universo em dispersão...Para encerrar o assunto, o Carnaval não está à altura das festas promovidas pelo Gabriele D'Anunzio na época do fascismo italiano, que segundo o escritor infantil e pedagogo Hakim Bey em T.A.Z. chegavam a durar dois anos. Ah, eu já ia me

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esquecendo, costumo ler a coluna do Álvaro Pereira Júnior na Folha de São Paulo ( leio e depois levo para o banheiro para limpar o rabo). Em uma das últimas, ele apontava para a necessidade de dinamitarmos algumas unânimidades incontestáveis e citava algumas : João Gilberto, a série Lost, Tomzé e outras...Concordo com o cara e começo com a série Lost que poderia ser livremente inspirada no livro A Invenção de Morel de Bioy Casares ( Mas não é). Para mim Lost é um blefe teledramatúrgico e seus episódios não querem dizer absolutamente nada, Lost não passa de um episódio longo demais do 'Além da imaginação' editado de maneira esperta por um publicitário que queria ser Brian de Palma e esse pessoal fanático por Lost e sua retórica de pastel de vento chupada dos filmes de David Lynch deveria ser condenado a ver o filme Berlin Alexanderplatz do Fassbinder (Foi exibido pela TV Cultura há dez mil anos em 11 espisódios).

Eles deveriam ver o Berlim Alexanderplatz várias vezes para saber até onde uma série de tv ( No caso um filme exibido como série de tv) pode ir, quando seus criadores realmente têm algo a dizer.

Domingo :

O Carnaval em Cubatão acabou no primeiro dia, apesar das irradiações melancólicas da alegria eclipsada em volta dos acampamentos e etc...Tudo aqui cheira a ditadura militar requentada, coronéis & traficantes forever ou como ressaltou o Nelson Motta outro dia: Cerveja ou morte!

Maconha ou morte! Putas ou morte! Cubatão é isto e a natural deselegância da tríade: putas simbólicas+ bêbados+ operários explorados até o osso. A quietude das árvores dá de dez a zero no silêncio del pueblo que vive nesta mistura de Macondo-Favelas e Blade Runner.

No último dia do Carnaval fui para casa ouvir Billie Holiday, mas antes passei em uma Loja de 1 Real e comprei um incenso de mirra que deixa o ar do meu quarto meio branco, é meu filhote de Smog, chegando no quarto acendi o filhote e abri o Lobo Antunes , li o loucão até a frase:

" Eu para o cano das metralhadoras.

Estou bom."

Esse cara sabe transformar o caos em poesia...troquei de cd, coloquei o amor supremo do Coltrane e pensei em Ana B. ( Ou Ana Estela) que está adaptando para o teatro o meu : Me enterrem com a minha AR 15. As coisas se ligam umas as outras: Ana B., Lobo Antunes, metralhadoras, o verão em Cubatão...Aproveitei a brecha aberta pelo amor supremo do J.C. e falei para o meu cérebro: " Desta vez, nada de punhetas-zen para a porra da alma, ok!"

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O problema com as punhetas-zen é o falso satori-transfigurado nas redes, principalmente na internet... Esta é uma das inúmeras possibilidades arquivadas neste vácuo, ou êxtase estrangulado... " In tutte parti impera e quivi regge; quivi è la sua città e l'alto seggio;". Por ele nomearemos todas as possibilidades perdidas... O não-dito e o não-feito... Nosso catálogo de perdas , alheamentos ( M.M.) e insuficientes transcendências ( J.P.)

Oh,morte,oh,cobiçosa, oh,ávida ladra, por que não tens compaixão de nós, ao menos uma vez? "

Isaac Babel em A Cavalaria vermelha

Esse apelo-pergunta do final do livro de I.B. sempre me devolve ao abismo sem solução da minha infância..Li esse texto há mais de dez anos, quando voltava do enterro da minha mãe...Babel naquele momento, ampliou meu luto e o transformou em um patético e absurdo luto pela humanidade inteira e principalmente por mim mesmo..E esse luto é o centro de tudo o que escrevo..esse luto e a frase 'Não acredito na humanidade e em seu Carnaval triste'..Álias..Abdico de ser humano..Quero ser o último tigre branco atingido por um míssil..A última baleia afogada no petróleo..A última flôr do Ártico...

Domingo :

"Por que escolhi o abismo? Eu pertenço aos céus...Se não fosse assim por que os céus me olhariam como me olham agora "

Mishima em 'Sol & Aço'

Sim tenho algumas lembranças felizes que são agora menos que um sonho... diante do poder do tempo... todas as lembranças serão uma piada do pó contada pelo vento... em algumas dessa lembrança me vejo na fazenda de café do pintor Mabe .Tinha 25 anos e o Brasil visto da fazenda do Sr. Mabe me pareceu um lugar lírico e irreal... voltei anos depois para ver o carnaval.. e o país havia se transformado em uma cena do purgatório, onde os mortos festejavam a própria morte em uma missa de corpos suados gritando... hordas de crianças selvagens cantavam hinos que exaltavam a alegria dentro do desespero..por mais que procure jamais encontrarei as palavras exatas para descrever o carnaval e suas hordas aterrorizadas péla alegria... mas é exatamente isso que quero lhe dizer Sensei Kawabatta...

Não podemos encarar a morte como uma derrota... mas como algo que podemos sentir no vento e nas ondas do mar... antes mesmo de termos contemplado pela

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primeira vez o oceano...no Crepúsculo..no instante-êxtase em que morreremos o sangue sorrirá como os rostos dos carnavalescos..por isso não tema amigo...como disse Epictecto o dia que tememos como o último será apenas o aniversário da eternidade

Domingo :

(Figure Eigh)

Outro disco que ouvi muito enquanto escrevia o AR 15... Elliot Smith era outro anjo-caído... Quem ler o livro vai perceber que o clima das canções dele vazou para os poemas. O exercício da poesia hoje, se é algo autêntico e não mais um showzinho do ego ou exposição do lixo emocional do "autor" ou "autora" é uma coisa absurda e contraditória...Um paradoxo infernal...A vida também é isso...

Domingo:

“ não saberás quem pronunciará o teu nome

quando o caminho desejado for por todos desconhecidoseguirás, extraindo dos abismos as gargalhadastua loucura misturando-se com a tardee na montanha em forma de crânio – belvedere de gritosos teus outros eus, elevadosanunciarão a morte do silêncio.”

Camila Vardarc

Já disse em algum lugar que o 'Me enterrem com a minha AR 15' é o meu 'Roman Candle', mas não tenho a menor idéia do significado disso para a lógica abstrata da minha poética da nadificação...Hoje no ônibus que vai para o Centro (Santos) houve uma convenção de clones-fantasmas na janela, estes são os clones-sombra da paisagem,ouvi minha voz subterrânea dizer ou cantar , o calor infernalário atravessa o vidro e canta junto...Na volta : a tempestade o deus-Turner pintou um céu cinza seguido de um arco-íris duplo que não pára o trânsito;

Domingo :

( Thomas Mann & Machado de Assis como deidades)

A mestiçagem é um ousado projeto ético-estético irrealizado e é para ela que a humanidade irá avançar, pensei nisso ao reler pela segunda vez o romance do escritor e jornalista Lucius de Mello. Mestiços da Casa Velha explora a dimensão

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da alteridade onde só podemos realizar uma comunicação profunda com o outro se entramos em estados perigosos do ser onde a identidade se torna cada vez mais difusa e vaporosa e não consegue mais exercer sua função de fronteira de um devir. A paixão é o devir desse estado perigoso onde o ser se torna vaporoso e pode até ser incendiado pela idéia do outro como um país estrangeiro. Falemos um pouco do livro, nele Paraty é uma espécie de Casablanca onde os personagens se encontram, existem conexões entre o romance de Lucius e o filme de Michael Curtiz, mas não irei me aprofundar nelas, o romance de L.M. e o filme são hinos à amizade em sua dimensão erótica mas quero tratar do livro como um campo de polaridades ontológicas, e um pequeno tratado psicológico sobre a extraterritorialidade, se por um lado o livro evoca ícones dos romances de Machado e Mann, por outro cria para estes ícones uma nova dimensão extraterritorial que equivale a um devir da mestiçagem ou seja a um novo e perigoso estado do ser criado pelo desejo de imersão no outro.

As polaridades são o ex-juiz Antônio Joaquim x Gustavo Zauber, obvias referências ao universo dos dois escritores e aqui acontece a mestiçagem como fusão de características de personagens mannianos e machadianos na caracterização psicológica do ex-juiz e do jovem Gustavo e esse é um dos maiores trunfos do romance de L.M., a fusão dos universos míticos de Mann e de Machado sem que se saiba onde começa um e termina o outro, imagino que o próprio Mann se pudesse ler o livro de L.M. o consideraria como algo sério e ao mesmo tempo burlesco (mas de modo algum trivial).

L.M. parece ter explorado o inconsciente dos dois escritores e sonhado com um dentro do outro enquanto escrevia o livro.

Esta idéia da mestiçagem de estilísticas transplantada para o terreno da ficção. Foi a coisa que mais me agradou no livro, isto transcende a própria estória que está sendo contada e insere o romance de L.M. na rara categoria dos livros que escondem grandes teses em seu interior, como Bartleby e Cia de Enrique Vila-Matas e A invenção de Morel de Bioy Casares, livros que incorporam outros modos narrativos em nome de um imperativo maior que podemos chamar de desejo de dignificar o mistério do outro.

Domingo :

Desintegração do espírito

Em uma festa dos anos 60,70,80 e 90 em Cubatão pude comprovar a eficácia da nostalgia como uma forma de suicídio simbólico de toda uma geração de vapores humanos ainda não atravessados pela luz do agora, antes um zumbi fosforescente do mundo das compras havia me dito : " seu discurso é evasivo" e acordei sem eu no meio de uma multidão sonolobotomizada por um telão que exibia o enterro de michael jackson ao som de "ursinho blau blau" de Silvinho e no corredor dos

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fumantes uma modelo da Fiesta (da revista Fiesta) me perguntou se eu queria: " dar uns tirinhos" obviamente tudo era como nunca e eu não havia acordado do apocalipse sem now da máquina de desintegração .

Domingo :

(Anne-Ana)

Neste “A self portrait in letters”, livro póstumo de Anne Sexton podemos encontrar a matriz de seus poemas mítico-confessionais e talvez a fonte de uma sinergia que a partir de um sentimento trágico do mundo ( Ver Unamuno) converte a interioridade em exterioridade, algo similar ocorre com a poesia de Ana Cristina César, que como Anne Sexton vivia dentro da trincheira do poema-sem-trégua. " A Self portrait in letters" merecia ser lançado no Brasil junto com toda a obra poética de Anne Sexton,uma obra onde as fronteiras entre a poesia e a vida cotidiana desaparecem, álias estas fronteiras jamais existiram , sei que estou dizendo o óbvio, mas Anne Sexton evoca para esse óbvio que precisa ser dito e repetido sempre, o status de uma poderosa mitologia.

Domingo :

(Simonal-Mishima)

Vi duas vezes o documentário de Cláudio Manoel, Calvito Leal e Micael Langer sobre a vida-obra de Wilson Simonal, e a impossibilidade de separar vida e obra é uma das coisas que o filme parece provar, Simonal é o Mishima da Música Popular brasileira, como o extraordinário escritor japonês ele era um talento sem limites, como Mishima ele pagou caro por ter vivido em nome de uma ética própria, que muitos podem considerar como ingênua ,mas que foi em sua época e momento essencialmente pragmática, como Mishima ele renovou uma tradição cultural, no caso a da canção brasileira, é inegável que ele e Johnny Alf são os grandes negros criadores e renovadores da canção brasileira e Mishima também renovou a tradição dos romances japoneses ao incorporar elementos da narrativa ocidental ( influências de Oscar Wilde , Proust, de Dostoiévski e Maupassant foram misturadas com a tradição do romance trágico japonês e o resultado é genial, basta lermos a tetralogia Mar da fertilidade . A diferença fundamental entre Mishima e Simonal é no tipo de suicídio,o suicídio voluntário de Mishima foi parte de seu projeto ético-estético e pode ser considerado como um resultado da ficionalização de sua própria vida, o de Simonal foi um suicídio simbólico e involuntário, podemos afirmar que ele foi de algum modo suicidado pelo patrulhamento dos (também) ingênuos militantes de esquerda da época, mas ele não era vítima, ele iniciou um suicídio simbólico que foi completado pelo patrulhamento e pelo ostracismo patrocinado pela patrulha ideológica, a mesma patrulha que hoje bate palmas para o fantasma dele e sai chorando do cinema. O

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que importa para mim e depois de rever o filme isso ficou claro, é o assombroso parentesco e a assustadora afinidade que sinto existir entre a alegria ( e a malandragem também simbólica) de Simonal e a melancólica objetividade do projeto de Yukio Mishima,ambos em um determinado momento de suas obras-vida alcançaram o que podemos chamar de superioridade da estética sobre a ética. Mishima em seus romances que no fundo eram anúncios da dissolução como meta e do trágico fracasso da impermanência da beleza no mundo e Simonal em seus shows nos anos 60. àlias, Simonal quando saía do palco e ia tomar um café, enquanto uma multidão de otários ficava cantando sozinha no palco, não estava ( por alguns minutos) pairando acima desse fracasso? E Mishima ao encenar e filmar o próprio suicídio em seu fime Patriotismo, não estava tentando de uma maneira sutil e distanciada rir de sua própria tragédia?

Domingo :

Em uma cena do filme de animação do israelense Ari Folman, dentes de leão flutuam ( São o espirito?) enquanto um garoto descarrega um fuzil pesado em uma tropa que atravessa um campo de trigo, vemos os dentes de leão flutuando ao som de uma sonata de Bach ( O espírito?) e o garoto é morto em segundos pela tropa. Ao enfocar a vida "fora da guerra" ( Onde o filme começa) como parte de uma " Reserche" do horror e de seus incontáveis símiles-fantasmas que se materializam no Opus tragicum do final do filme, A.F. não defende tese nenhuma sobre o horror da guerra e esse parece ser seu maior mérito, ele simplesmente nos coloca lá dentro e depois ao sair do cinema, voltamos para nossa busca por um sentido.

Domingo :

" (.....) Que o amor cujos olhos estão sempre vendados,tenha que  encontrar sem visão nenhuma o caminho franco para seu desejo (......) Aqui onde o ódio dá muito trabalho e amor ainda mais. Ah, o amor tão pleno de conflitos e delicadas violências! Ah, o o ódio amoroso que envolve todas estas coisas que vieram do nada e irão para o tudo.Levezas pesadas, egoísmos nada sutis, vaidades rigorosas. Caos de formas desejadas chamado vida. Pluma de chumbo que flutua,sono acordado que sonha em pleno dia e tudo que é mais do que é... Assim te  sinto, Amor " Shakespeare, Romeu e Julieta. Tradução Ultralivre de Marcelo Ariel

Domingo :

Brasil 13/12/12  1.1 A poesia como emanação do sagrado chamado Natureza, não se configura como uma potência da ilusão dicotômica chamada 'mercadoria', o petróleo moeda

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cunhada por Tânato e não por Eros não pode ser comparado com O Sol do Poema Contínuo, cujos raios atravessam o Real que em breve provocará a devastação de todas as ilusões, a começar pela ' ilusão da mercadoria' 1.2 Quando absolutamente desvalorizada e fantasmagorizada talvez a mercadoria possa até se tornar um poema ou parte de um poema, quando se dá a fantasmagorização do que fantasmagorizava ou seja da mercadoria , ela pode até se tornar parte da emanação do poema. Oswald cuja maior contribuição para o tremor do conhecimento do antidevir-Brasil foi a frase ' Tupi or not tupi, thats is the question' se vivo estivesse iria defender o plantio da mandioca em praças públicas e a desmercantilização da comida, frutas,arroz, feijão e tapioca de graça para todos. Seria bom se entre uma bairro e outro existissem não estas patéticas torres de escritórios, mas pomares públicos e imensos bosques, o que me lembra ' A Cidade do homem nú' de Flávio de Carvalho, o antiNiemeyer... 1.3 a poesia é tão temida quanto o "Real" que ela anuncia, pela sociedade de consumo cada vez mais autofágica...O Irreal governa a bolsa de valores e é o vetor de muitos editais do governo... 1.4 Para mim infelizmente o que existe com mais frequência hoje se parece mais com um culto da imitação da poesia, a poesia é por natureza uma força do obscuro, quando alguém diz ' Lixo da metafísica'  talvez esteja se referindo a um fracasso da historiografia filosófica de encarar a poesia como pensamento, Heidegger foi um dos poucos que colocaram a questão do ' habitar poéticamente o mundo' , questão que ainda está em aberto, o mundo da mercadoria não pode ser chamado de mundo,logo ele é também ignorado quando habitamos poeticamente este ' Topos' , ' Atopos' e ' Utopos' ao mesmo tempo, chamar ese 'topos', ' atopos' e ' Utopos' de'Vida' é um modo de encarar esta questão colocada por Heidegger? Talvez... 1.5 A Poesia é como o PCC,precisamos de um PCC Cultural, costumo dizer isso, a situação de um poeta-escritor que está fora das panelinhas filiais e nepotista é similar a de um presidiário em uma cela lotada...mas tudo é reconfigurado pelo mercado, principalmente o que advém das ações terroristas do próprio mercado que se confunde, se mistura com o Estado,tudo menos a grande poesia.  1.6 Kierkegaard um dos mestres de Fernando Pessoa associava o horror a um estado de abertura e não de fechamento, os olhos se dilatam quando estamos aterrorizados, mas só os olhos de fora? Por que não fundar um horror-terror para os olhos de dentro, que não apenas se dilatam mas explodem como o Sol. A questão, para mim, não é sair do horror mas atravessá-lo e chegar a regiões, altas ilhas do 'real' que ele não pode alcançar, o horror econômico por exemplo não pode alcançar uma cadeira na calçada de uma rua em uma cidadezinha invisível no Brasil profundo, pode? Ele , o Horror pode alcançar uma interioridade configurada pela poética do encontro? Pela grande poesia da humanidade?quem está se suicidando é capital, os poetas, os bons poetas que descobrem Eros e o riso de Cérbero e de Menipo, o horror não pode tocar neles...Veja o caso da permanência de TERRA EM TRANSE de

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Gláuber, daqui há cem anos, esse filme ainda estará alimentando as interioridades contra o Horror. 1.7 O primeiro poema que escrevi na vida  se chama ' acordar' e não consegui concluí-lo até agora e o último se chama ' Scherzo rajada' , este estou escrevendo nesse momento, a poesia não vem do poeta , vem do Daimon, quanto mais perto de Sócrates ficarmos melhor,mas o ato de assinarmos um texto é anti-socrático,ainda estamos longe da Alma 1.8 Restam os mitos, Os mitos, D.H. Lawrence dizendo para Freud deixar ' Édipo' em paz, pode ser uma proposição interessante.Diante da impossibilidade da existência do nada, o mito é tudo.Mas como Lawrence também constato que precisamos lutar contra a banalização ou o uso funcional e mercadológico do mito. A poesia oral e todas as imensas possibilidades do ' Spoken Word' e do R.A.P. apontam para uma pequena renascença do poema, se não é lido pelas massas, poderá ser ouvido...

Domingo :

Para Peter Sloterdjiek

Rimbô: A fé queima tudo menos o silêncio

( Não A-tor sentado em uma cadeira em um lugar que simula um deserto, mas lembra a avenida paulista )Himbaud: Gostaria que você falasse minha língua e não a língua dos escravos…

Cruz & Souza: A língua do dinheiro?

Rimbô: Sim, mas agora é tarde demais para voltar a fazer aquilo, o lixo que você chama de poesia.O lixo da Alma

Cruz e Souza: No dia seguinte ele terá fé, isso é como se o brilho do Sol cintilasse sobre uma fina camada de gelo

(Não Ator acende uma vela , a coloca na cabeça e mergulha na piscina)

Ivo Barroso: Mas Jean Arthur era orgulhoso demais, cético demais, enfim, ele era jovem e não conseguia desprezar as palavras, isso que ele chamava “lixo da Alma”

Rimbô: Por outro lado ele não conseguia perceber que a fé nas manhãs africanas era uma máscara da santificação do mundo.

Gill Scott Heron: Como é estar preso no Metaxu da interzona, meu caro?

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Rimbaud: As próprias imagens são ruídos do sagrado, por isso é necessário abrir mão do enredo em nome das visões mais puras.

Gill Scott Heron: E esse papo de ser uma griffe das semi-transcendências, cara?

Rimbaud: Ao descermos em nós mesmos encontraremos nossa A-morte se multiplicando através do atravessamento, todas as coisas são pontes que levam para Áfricas imanentes e oceanos interiores.

Gill Scott Heron: Para mim a prisão equivale a isso.

Rimbaud: Talvez só seja assim a partir de um certo ponto, onde os monastérios sejam como a ponta de uma pirâmide ou o interior de uma árvore sêca.

Gill Scott Heron: Você sabia que eu recebi o R.A.P. e o aprimorei até uma poética dos abismos da jazz improvisation?

Rimbaud: E eu inventei o cinema.

Comentário:

O que vemos nesta foto recém descoberta de Rimbaud é um olhar muito parecido com os olhares de Marcel Proust e de Thomas Pynchon, Rimbaud talvez tenha se sentido enojado com a mistificação da figura do escritor, hoje ele é um dos ícones dessa mistificação, em vida foi uma espécie de hierofante do mundo das visões, coisa que não pode ser confundida com os atuais profetas laicos do mundo das imagens, as visões, principalmente as visões epifânicas, as visões interiores, estão no mundo ontologizado e são a gênese dos mitos ( não da mistificação) e o mundo das imagens, está em um Atopos misturado a uma espécie de lixão metafísico da vida cotidiana, nas visões existem profundas estruturas de conhecimento que podemos chamar de poético e profético ao mesmo tempo e nas imagens existe apenas a possibilidade de comunicação,as imagens são a anima da internet e as visões formam ( como sonhavam os gregos) a alma onírica do mundo. Existe uma opacidade delicada no olhar de Rimbaud, nesta foto, típica dos lords ingleses do período da colonização da Índia,estamos no terreno da subjetividade e esse olhar poderia pertencer a um garçon de um restaurante  da avenida paulista ou a um dervixe. Talvez Rimbaud tenha tentado a fusão impossível entre a vida prática, seu Hotel das imagens e sua neutralidade veloz e a transcendência atemporal do mundo das visões místicas.(continua)

Domingo :

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Cubatão - Zona Metropolitana de Santos, Brazil.A escola de samba, Unidos da Vila Eterna que reúne todas as 312 comunidades da Serra do Mar, apresenta o enredo " Blade Runner" e o destaque é carro alegórico " Zona Industrial", uma enorme chaminé que se abre e de dentro dela saem 299 palafitas e um sol formado por 1.900 metralhadoras. Comentário:

Dante (na imagem tirada a partir do cérebro de Michelângelo) é ainda a referência & lugar possível do convívio com o sentido da literatura, já o era para Baudelaire, na cena do filme estático de Michelângelo, vemos sua figura tomada por um furor que a princípio parece "melancólico", talvez seja o furor do fogo imóvel da rosa vermelha de Novalis ( ver Bachelard, A psicanálise do fogo )Não me espelho em nenhum escritor contemporâneo brasileiro, não é possível nenhuma transmissão da lâmpada com estes ( em sua esmagadora maioria) Pavões sem rabo, principalmente com os pavões sem rabo da poesia contemporânea, neles o "acordados" (um lugar chamado Bliss) foi substituído pelo acordados das panelinhas & oficinas literárias, jogos de fumaça da vaidade, acreditando em inspiração e em talento ou seja em atenção concentrada e trabalho intenso, não posso acreditar em oficinas literárias, paradoxalmente fui convidado a ministrar uma e deverei falar durante 15 anos ( é a duração da minha oficina, na verdade uma oficina de silêncios) sobre a metafísica do palito de fósforo aceso e sua relação com o O evangelho segundo São João. O outro tema seria Rimbaud & Gláuber Rocha, mas esta dura 5 anos e só pode ser feita no Haiti.Fugi do tema, mas esse tipo de humor é a única arma contra a demarcação territorial (territorial pissings) da classe média escrevinhadora (filhinhos de papai especialistas em marketing serão os próximos ganhadores do Big Brother Literário, mas haverão prêmios também para mestiços-álibis, cronistas e gritadores domados, veremos). O Big Brother Cult é uma boa idéia para o michel melamed e seus 1001 programas ( não confundir com os governos e a distribuição de cargos e salários principalmente na lavanderia cultural). No primeiro Big Brother Cult, apenas com escritores, teremos um paredão com o filho do poeta e o filho do ator global que escreve, teremos pseudo-orgias com a apadrinhada do escritor recluso famoso e o filho do cantor famoso que escreve e assim por diante... Será o máximo e Dante se estivesse vivo poderia ser o apresentador deste círculo ( raiz da palavra Circo, talvez...) que ele deve ter se esquecido de colocar em sua Comédia. " Ou a morte ou o tempo, um dos dois não existe", sussurram as Harpias na passarela. E a Praça do Paradiso, onde fica?

Domingo :

É difícil abarcar o trágico em uma definição, o trágico principalmente quando contem dentro de si o irremediável e o irrecuperável ultrapassa qualquer tentativa de reparação no presente e só encontra o eco de um sentido quando a consciência do que se perdeu é projetada no futuro. Ao ser uma testemunha distante de mais um

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genocídio por nada, me lembro da conclusão de um texto que escrevi sobre a bomba de Hiroxima, em uma redação escolar nos anos 80 : O universo não é concebido pelo absurdo, mas por um mistério inominável, infelizmente não podemos dizer o mesmo dos atos de violência da humanidade contra si mesma, nestes atos a culpa trágica é uma culpa moral e o único mistério que os toca é o da repetição da crueldade.

Domingo :

Existe uma força dentro do Antichrist de Lars Von Triers que emana do corpo da atriz e cantora Charlotte Gainsbourg, é através das pulsações das imagens do corpo de C.G. que o filme ganha uma densidade poética, ou seja a presença de C.G. abre uma outra dimensão para o filme que sem ela, seria apenas mais uma tentativa de aproximação do cinema de Lars Von Triers com a dimensão dos livros de Arthur Machen e Alan Poe. Charlotte é a verdade física por trás do horror onírico projetado na natureza e essa é a essência do do filme. O cinema de L.V.T. sempre aposta tudo na vampirização ou osmose da presença do corpo feminino, mas dessa vez, é como se C.G. se tornasse o vetor e o Maelstrom que engole o filme e o leva para um lugar escuro bem próximo de um pesadelo que pouquíssimos seriam capazes de plasmar sem se perder e este é o maior mérito de L.V.T., para isso ele teve de mais uma vez matar o centro do filme e criar uma paradoxal cena final que como a cena final de Breaking the waves, dialoga com o enigma de um poema.Cap. 1/ O Óbvio: Quem viu a série " O Reino" perceberá a vinculação deste filme e de toda a obra de L.V.T. com a derrisão e a negatividade, estas são as energias de seu cinema, que pode padecer de uma "doença esquemática e auto-irônica" que não retira a beleza de suas imagens cada vez mais oníricas. Cap.2/ A Filiação: Poderemos pensar em um Carl Dreyer que leu karl Kraus, Nietszche e Cioran, mas ficaremos com um adolescente tímido que leu Baudelaire e Poe. Cap.3/ Não falaremos do filme: A força do filme está na capacidade de "domar" as imagens e fazê-las defender uma tese, a tese da transformação da negatividade em uma energia onírica ou da ordem do maravilhoso e não do fantástico,vejam o filme mais de uma vez. Cap.4/A sinergia: Todas as cenas dialogam entre si formando uma tessitura que em algun momentos me lembrou o romance " O TERROR" de Arthur Machen.

Domingo :

Ficar em casa lendo é uma utopia muito blue ( Ver Emily Dickinson) encontrei uma cópia de Lust for life na barraquinha dos camelôs que em Ozônia são chamados de " Do Paraguay" algo sem nenhuma relação com o país em si ( pausa para ouvir Yon Lu cantando Suicide Song ) ecos de Nick Drake em Van Gogh e por aí vaí Isto está ficando cada vez menos inteligível( citação óbvia do melhor disco do Arnaldo) ah, o pássaro com asas na cabeça não sabe voar, ninguém sabe viver mas o the best of é a frase de abertura do épico

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interior do Adorno:" A vida não vive" também é outro pássaro.

Domingo :

É existe mesmo um conflito infernal entre a gratuidade do afeto (uma das utopias mais comuns) e a esfera dos negócios que envenenou a vida do espírito humano, estava pensando no futuro e em outras promessas que não poderemos cumprir. Ontem terminei de ler o Palmeiras selvagens ( Wild palms) do Faulkner e ingenuamente descobri que o final do filme Casablanca do Michael Curtiz se comunica com o final do Wild palms. Será que Gláuber Rocha descobriu estas e outras conexões e por isso cogitou filmar Wild palms em Hollywood? Talvez a história da arte seja feita de promessas não cumpridas, como o filme americano de Gláuber e etc...

Domingo :

Sim... A luz é uma flor do indizível e haverá sempre um copo d'água no fundo do oceano do nosso olhar..Podemos imaginar uma orquídea no lugar da alma e um monte de terra no lugar do corpo..Ainda assim..O Indizível nos escapa...Quando a ROSA DO REAL se abrir não estaremos mais aqui..Até lá podemos imaginar nossa própria ausência mas isso não basta para acender em nós essa superluz...Domingo:

Sim... Há um esfriamento das camadas interiores... Um reforço da blindagem psíquica... Um culto à Nostalgia do presente onde somos constantemente assassinados por todas as esperas... Envolvidos por esse casulo-sono onde também dormem o Harry Haller de 'O Lobo da estepe' e a Nastássia Filipovna de 'O Idiota'... Os dois seguram as mãos de Cristo que trânquilamente sorri para as ossadas...

Domingo :

Ao dobrar a esquinaminha sombra quisme abraçarcomo uma peça de roupacansada de ser usada,a luz me disseque eu além do corpoestava;Pelo quartode um lado para o outroos loucos berram

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como avesno corredor do futuro,eles gritam:- Não devemosfazer o visívelmurchar.&-Devagar com os relógios.enquanto minhas mãosroubam o movimentodas asaspara criar um abismo.

Domingo :

Luís Buñuel sonha que está parado dentro da névoa e um anjo aparece vindo do nada :-Buñuel : Um anjo? Que merda..-Anjo: Ainda não..Meu nome é Vulnávia..-Buñuel: E estas asas?-Anjo: São de sonho como o seu corpo..Você têm fósforos?-Buñuel: Para que você quer fósforos?-Anjo: Para queimar a névoa..Buñuel acorda e descobre que está quase-cego.

(Voltando para a floresta-sem-floresta que a película de Berkeley sempre confundida erroneamente com o véu de Maya continua escondendo... Nesse lençol de luz e gravidade que chamamos de VISÕES a 'Une rose seule,c'est toutes les roses' continua cantando :" Ó imenso mar das formas coberto por este manto de olhares imensamente fechados... Logo mais TUDO estará flutuando...como o sonho

Domingo :

Thomas Pynchon: Existe realmente alguma diferença entre pensar e escrever?J.D.Salinger: A mesma que há entre uma alegoria e uma metáfora..Thomas Pynchon: A coisa toda acaba se transformando em uma mistificação dos infernos..J.D.Salinger: Se ISSO acontece a culpa não é nossa..Escrevemos para tornar ISSO nítido..Mas a literatura sempre correu o perigo de transformar a presença do mundo em algo totalmente subjetivoThomas Pynchon:Isso não é culpa da literatura..É um problema metafísico..J.D.Salinger: Foi exatamente o que eu disse..Seja como for a literatura que realmente importa é a dos autores anônimos que escreveram os livros sagrados..O

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meu predileto é o BARDO TODOL..Já leu esse?

Thomas Pynchon:Já..É como Lewis Carroll sem Alice..

( Silêncio)J.D.Salinger:O que você busca?Thomas Pynchon: Não sei..talvez o espelho da quimera..e você?J.D.Salinger: Nada..Thomas Pynchon: Então você não está em busca de uma simplificação purificadora..

Thomas Pynchon: Nosso tempo acabou..Faça uma última pergunta para si-mesmo..J.D.Salinger:Qual é a relação entre todas estas realidades entrelaçadas e a infância infinita do Dharma?

Domingo :

O CAMPO DAS VOZES DO DEMÔNIO  Os poetas Cruz & Souza & Nei Duclós caminham por um bosque encoberto por uma densa névoa prateada... Cruz & Souza: Por que você escreve?

Nei Duclós: Lembro o primeiro dia em que comecei a escrever. Tinha acabado de chegar de uma longa temporada na praia.Para quem nasceu e foi criado numa cidade que fica no meio do pampa, o mar revelou que existe uma paisagem neste mundo parecida com a que te cerca - lisa, poderosa e infinita -, mas com uma diferença fundamental: ela é livre, mutante e pode jogar no teu corpo a água misteriosamente fria num tórrido dia de verão.Quando entrei no mar pela primeira vez, enfrentei-o a socos e às gargalhadas. Foi uma relação intensa de felicidade, o de descobrir o tesouro que o mundo real escondia além da minha fronteira: movimento e liberdade. Ao voltar para minha escrivaninha de estudos, fiz meu primeiro poema. Hoje, adoto a explicação do escritor Julio Monteiro Martins, que mora na Itália: escrever é missão não imposta, nascida do próprio senso de humanidade do escritor. Julio diz mais: a literatura é o único discurso com poder suficiente para enfrentar a manipulação da publicidade, da mídia e dos governos.

Cruz & Souza: O que é a vida para você?

Nei Duclós: A vida é um mergulho intenso no verbo, representação e carne de um espírito maior que nos cria e redime. Viver é estar no miolo do furacão desencadeado pela palavra, esse canal que nos liga ao eterno e nos prende à humanidade. Viver é estar eticamente ligado ao que está vivo.

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Cruz & Souza: E a morte?Nei Duclós:Morte é mistério e perda. É presença, detectada pelo medo, e uma advertência perene à nossa arrogância. Morte é revelação quando a sentimos e obscurantismo quando a ignoramos .

Cruz & Souza: Qual seria a função da poesia em um mundo como o nosso, assolado pela peste consumista e em permanente crise ou inversão de valores ?

Nei Duclós: Poesia é a palavra com o dom da transformação. Poesia é claridade e avalanche. É denúncia e resgate. É o que dá sentido à dispersão da vida. É síntese e desdobramento e é luta contra a indiferença.O maior inimigo da poesia é a sua imitação: a máscara que a exila, a espada que a retalha, a dor que é puro deboche. A imitação é a negação do carisma e a danação do verdadeiro poeta.A poesia está fora do circuito, porque seu sentido sempre retorna renovado, por mais que a cerquem. A poesia desmoraliza o circo de horrores e recupera, para o humano, sua transcendência. Por isso a linguagem das religiões usa o poético, porque esse é o único meio de se sobrepor a todas as pestes.A poesia é quando Deus silencia para escutar e ao mesmo tempo é o grito da divindade quando se enxerga. A função da poesia é engendrar o sagrado, mesmo quando precisa ser profano para expulsar o que nos aniquila. A poesia traz de volta o que estava oculto e eternamente presente. É o alívio da criação quando encontra enfim a saída do labirinto.Poesia é a proximidade mais íntima com o humano. Os dois chegam ao fim do bosque e a névoa  se confunde com a visão de um mar, onde antes havia uma cidade.   Domingo :

O SALMO DO NASCIMENTO  “Deus diz: Eu próprio sou a luz do dia, não produzida pelo Sol. Mas, ao contrário criando o Sol e pondo-o em brasa.” Hildegard Von Bingen Sentiremos a chegada dessa manhãdo Infinitocomo o mendigo. Dormindona porta do paláciosente a luzatravessando

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o linho do sudáriodo  arna  parte luminosa da noite

despertando desejaremosque nosso terroresbarre em teu esplendorpara quea Graça sejao louvordo pássaroem teu corpo de nuvensenquanto o nossoesta peça de roupacansada de ser dobradadescansa na águado sono provisórioe desbota no tempoespaço onde ecoaa invisignificânciado nome de todas as imagensque o Sol apagaráquando chegar. Até lásustentas com teu soproas brasas do tempono Pólen do nosso sonho. No fundo do dia escurocarregamos o desejode dizer e desaparecersem deixar de seresse feixe frágilatravessado pelovento sem nome. Por esta Luzque se levantano fundo da noite:Pó da Almaflutuando na sensaçãodo tempose dividindoem bilhões e bilhões

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de outros domingos. Através da nossa ausênciaSentiremos a tua chegada.

Domingo :

(O espírito dos butoístas)  em encontro com o dançarino de Butoh, Tadashi Endo, ele me disse algo sobre vivermos no "Spirit of Butoist"  se referindo certamente ao lugar dos poetas no útero do mundo, realmente desde uma parceria há alguns anos com Flávia Pucci, de um encontro (também único) com Kazuo & Yoshito Ohno no Sesc Santos, me sinto muito próximo do Butoh,como um modo de viver o poema contínuo. Tadashi explicou em sua aula e isto me foi narrado por Lila, minha parceira e amiga, que existe uma distinção entre o dançarino de Butoh e o Butoísta, a pessoa que de  algum modo, vive o Butoh. Realmente jamais saberemos o que é o Butoh, embora saibamos com os orgãos quando vemos uma verdadeira dança Butoh, do mesmo modo, podemos reconhecer um butoísta, assim que o vemos. A delicadeza e o firme equilíbrio destes seres no mundo, a intensidade e o paradoxal movimento poético de suas vidas vividas no fio que desenha a forma, mas não a limita, a corajosa imersão no abismo oceânico da sensação do poema como coisa e de sua urgência como um exercício inadiável e uma busca, um caminhar num terreno pedregoso que esconde finíssimos galhos de árvore floridos, sem quebrar os galhos, nem machucar os pés com as pedrinhas pontiagudas, a vida vivida como uma metáfora do êxtase sutilíssimo do encontro, seja com uma pessoa-cãozinho, com uma pessoa-nuvem branca de outono, com uma pessoa-copo d' água, com uma pessoa-sereno da noite ou com uma pessoa-diante-de-nós, seja ela quem for,um butoista a considera como um caminho a ser percorrido até o lugar do poema

Domingo :

Redes internas

O tempo-eternidade parece estar em oposição com o onirismo sutil da Internet, percebo que ambos são capazes de diluir o tempo cronológico e esta insurreição essencial criará espaço para o triunfo do tempo-eternidade sobre todos os outros tempos, nesse momento, será possível a migração dos mecanismos do sonho para o cotidiano sem o uso da tecnologia alucinatória ou da manipulação bioquímica das drogas.

(Infinito)

A dimensão do entre é onde se dão os encontros dos corpos de todas as coisas com o humano delas, corpo-lugar que recebe o canto-reza da palavra e do silêncio,

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entrecorpos da visitação das vozes do visível e do invisível que entram em estado de transe no corpomundo onde noções como dentro e fora são insuficientes , tudo começa e termina no transe do corpo, o entre é o entre do corpo, o entre dos diálogos e entre da amizade das coisas pelas coisas. Por isso é importante se abrir para a desnomeação, desterritorialização do corpo como ente transcendental, para o estudo dos processos de imanência. Para o diálogo em todas as suas formas como relembramento de vivências e experiências de alteridade radical e como cartografia para além das categorias, para a phala do corpo, a pulsação do corpo, este índio da tribo do sopro das energias. Os poetas estão no mundo como índios, como loucos que são índios psíquicos, como crianças que são a materialidade ontológica da dimensão do entre, crianças estão entre o onírico e o sagrado, entre o animal e o anjo, entre o éden e a árvore no meio da névoa-nada. Podemos que as subjetividades ocidentais não servem mais para o poema. Que Artaud é o Moisés e o corpo e a montanha, a estrela e o céu são a mesma coisa. Que a única fronteira que ficará intacta será a fronteira do estranhamento, fundada pelo poema, a fronteira entre as limitações da língua e as descobertas da linguagem que avança para o sonho, para o indefinível, para o inominável, que avança para o mundo. Aquilo que Clarice Lispector quis dizer com ‘ A descoberta do mundo’ é o que está prestes a acontecer, não o fim, nem o começo, a descoberta. Agora uma epígrafe fora do lugar, um fragmento de Rimbaud, da iluminações recriado por mim, do poema ‘ Com vinte anos’

As vozes que ensinam todas exiladas...A ingenuidade física, material guardada com uma amargura, uma angústia contida, pausada...Agora o Adágio, Ah, o egoísmo infinito dessa adolescência, o otimismo pesquisador: como era repleto de flores o mundo naquele verão! Formas e espirais no ar...um verdadeiro coro, para acalmar a impotência e a ausência! Um coro de melodias obscuras como vidros...O fato é que os nervos estão expostos!

Num território sem lugar, um Atopos que a partir da nossa interioridade cancela as fronteiras entre o mundo e nosso corpo, onde flores são como um coro de tragédia grega e como nervos ao mesmo tempo, em que as coisas são mediadas por uma transparência obscura como vidro que pode muito bem ser noção de Alma, que tudo indica não ser algo individual, somos todos uma Alma separada em milhões de formas que se movem em espirais em direção ao fim do tempo, em direção a morte do tempo, isso que uns ousam chamar de eternidade e outros de infinito, é este território que iremos ocupar com nossa hiperpresença, porque não concebo os mortos como ausentes, os mortos entram em um estado de hiperpresença, estão muito mais aqui do que nós podemos conceber, nós de um modo misterioso somos as luzes que os mortos acenderam

A seguir:

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‘ Tudo o que existe veio do sonho: Segundo diário ontológico”POSFÁCIO:

MARCELO ARIEL, HELDER, ITAMAR E SCOTT HERON: CORRESPONDÊNCIAS 

O autor Marcelo Ariel se mostra como um agente da poesia, um atuante nos modos de circulação da matéria literária – do livro à página volante da web onde ele mantém o blog TeatroFantasma. Atinge, assim, a materialidade escritural e os campos discursivos em que se lançam a literatura hoje e, em especial, aqueles decorrentes do compósito poético-situacional em combustão traçado no território de Cubatão. Seus poemas variam na expansão do dado ambiental (no sentido de ambiência, ampliado da questão imediatamente ecológica, de uma acepção unidimensional a esse respeito). Dado decisivo para a forma que tomaram seus textos em livro e se atualizam através da teatralidade com a qual Ariel concebe suas performances, desdobramentos das leituras feitas em recitais. Curiosamente , ele se refere aos eventos em que participa de corpo presente, como realizações de seu clonefantasma, numa espécie de prótese conceitual referente à sua atividade como escritor de máquinas em rede, assim como criatura subsistente, testemunha deambulante da tragédia-motiv que define sua trajetória como ser e produtor de poesia, uma vez que rege sua produção o evento-acidente (com a pregância da imagem em torno da criança morta) de Vila Socó, em Cubatão, ocorrido na década de 1980, onde foi dizimada a favela sob a qual passava um oleoduto da maior petrolífera nacional.           Inevitável se mostra um paralelo com a irrupção de outro artista seminal, vitalizado pela abertura de um raio de correspondências criadoras e culturais, tendo em mira a condição saturada, supurada da socialidade. É o  que  se  descortinou  no  início  dos  anos  1980 com o, também,  paulista Itamar Assumpção. Tinha ele clonado a si a figura de Beleléu, uma persona da indigência nacional em que se lê, simultaneamente, a perspectiva postmortem ou a extrema, crescente, desmaterialização da existência cotidiana tomada como premissa da arte em trabalho. Como  frisa a gíria tornada corpo, nome e pessoa, vem da morte em vida do social – Beleléu – esses fragmentos-entidades testemunhais apreendidos num andamento de performatividade. Cultura mediática, música negra e sublevação comunitária criam um potente elo real com a tão almejada transdisciplinaridade e a nacionalidade em tempos globais.          No contrapólo da saturação dos discursos em vigor sobre o social, a poética de Ariel ergue uma pauta muito afim da ecosofia proposta por Félix Guattari de forma antecipadora, quando de sua estada no Brasil durante os eventos da Eco 92, no final do último século.           Transformação/Atravessamento dos diversos estágios do campo social/Transfiguração de “áreas industriais” tomadas como travessia de novos agentes e seres em ambiência, em elaboração cognitiva e engajamento humano na escolha de valores. O texto “Fundamentos ético-políticos da interdisciplinaridade”

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ganha uma gritante atualidade quando lido  no  compasso  dos poemas construídos pelo autor  de  Santos-Cubatão. Escritos de literatura que impressionam imediatamente pelo vértice amplificado de referências neles contidos. Uma política de escrita, frise-se, em tempos de ultramediação, bem distante do espetáculo autoreferencializador da linguagem literária em clave monológica presente na poesia entronizada por imprensa-universidade como característica dos anos 1990-2000.         O autor não só inventaria elos culturais da poesia, mas os interliga como uma intervenção em movimento. Pois se revela sintonizada com um corpus que se resitua em veios/linhas/formas de vida concebidas após o desastre, na reverberação dos vestígios onipresentes, descontínuos, próprios da ontologia de que parte Agamben para politizar, sob a forma do contágio, os campos da palavra e dos seres em uma ética comunitária, uma partilha de pensamento alterno, refeito pela subjetivação em larga escala de troca e socialidade.         Quando se leem as páginas de Ariel na web dedicadas a um diálogo com o grande poeta de língua portuguesa, Herberto Helder, mais chamejante, clamoroso, se torna o sentido da palavra volante em tempos de imaterialidade e cultura imagética. Instauração de uma ontologia do poema-contínuo, pode-se intitular seu projeto de escrita.                                Investigação dos momentos do ser onde ele se sente dentro                do mundo (...) imerso em uma clareira do tempo na qual a hora é                incerta e onírica e não seguimos nenhum relógio, não tentamos          esquadrinhar o invisível, é justamente nestes momentos que a      interioridade-exterior iluminada por uma ininteligível exterioridade          constrói o corpo de uma criança morta apenas no lado de fora da         memória.  (Blog TeatroFantasma, novembro 2008)           A afirmação de um novo paradigma de criação processual próximo à estética no domínio social (Guattari, 1992: 20) havia sido contemplada pelo esquizoanalista-cartógrafo das ciências humanas, por ocasião de seu momento interventivo nas discussões sobre Ecologia e Bioesfera no Brasil, no início da década de 1990. Tudo o que pode ser detectado como transformação cultural, em sincronia não-consensual com a dimensão axiológica tomada pelo mapa geopolítico do mundo composto no andamento da tecnociência e dos fluxos desterritorializados  do   capital,  ganha  um  contorno  polivante   e  atuante na poética pensada e produzida por Marcelo Ariel. Quer ele conduzir a um ponto paroxístico sua relação com a esfera societal e a destinação da vida em comum, ao mesmo tempo em que dissemina o lugar indagativo, relacional, da poesia agora. Urgência e combustão. Não por acaso, toma como matriz a elocução do Ofício cantante, tal como a concebe Herberto Helder. Alinhando-se a uma enunciação dotada de múltiplos endereçamentos, integra, em seu plano de composição, mito e agrupamento humano, ambiência e inventário cultural.          No longo poema “O soco na névoa”, dois eixos referenciais despontam: Gill Scott-Heron, a quem é dedicado, e Herberto Helder, através de uma menção ao

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conjunto reunido pelo autor português em 2004 (recentemente intitulado Ofício cantante):                    Impossível não-pensar nos olhos                   Do Saturno de Goya                   No rosto do “Ou o poema contínuo”                   Mirando os raios                   “estes”                   Que escrevem                    (Ariel, op.cit.: 59)           Nesse, que surge como o texto mais revelador de sua poética, por força de um sentido de súmula assim como pelo compasso multiplicador de citações/recorrências (artísticas, filosóficas, culturais), Ariel deixa explícito seu vínculo com a negritude e a problematização da marginalidade (por meio da dedicatória a Scott-Heron). Ao mesmo tempo, ele se inscreve na ritmia plástico-performativa operada por Helder em poemas sempre longos, timbrados pelo movimento da memória/montagem (como alude um dos textos de Photomaton & Vox), que refigura as noções de conjunto e continuidade de livros-obras em função de cada título surgido (como ocorreu em 2008 com a publicação de A faca não corta o fogo inserido, no ano seguinte, na suma Ofício cantante). Em função do correr do tempo e de uma topologia sempre reconfigurada.         Não por acaso, “O soco na névoa” faz do núcleo “É quase/ impossível/Não-pensar” (versos 4-6) o mote, em variação, de um poema simultaneamente confrontado com o horror social, alastrado numa dimensão civilizatória, e com o legado de arte e pensamento, visitado de linha a linha, num cruzamento incessante de superposições indagativas e composicionais. Em correspondência com o autor de Photomaton & Vox, mostra-se atualizada, em “Soco na névoa”, a disposição heterotópica produzida por Helder em textos assinalados pelo corte das linhas (Helder, 1987: 149). Entendidas não apenas numa acepção rítimica, as linhas são seccionadas, interrompidas, como “as descontinuidades criando precipícios entre fortes massas de representação” (Ibidem), diferentemente de um mero discurso estilístico epocal, referendador da linguagem poética como investimento autoespeculativo. Muito mais se difunde a modulação combinatória, formada por intersecções heterogêneas, numa dinâmica em que a mescla e a circulação referenciais preponderam sobre a citação e o comentário de um poema sobre outros textos (como se lê de modo monovalente na maior parte da literatura atual, centrada em releituras e recriações de obras preexistentes, em obediência a um padronizado decoro pós-modernista).                          Se há aqui excesso de nomes e referências, sejam eles tomados         como montagem, concebida num apoio cultural estilisticamente      irônico (...) no esforço para criar o mundo, fábula última de uma          espécie de

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montagem planetária segundo o medo sagrado e o          exorcismo dentro das trevas.                   O filme projeta-se em nós, os projetores.                            (Helder, op.cit.: 149)              Não se frisa à toa a radiação operada no poema contínuo de Ariel a partir dos olhos do Saturno de Goya no rosto do livro de Helder. Através de um composto de plasticidade e linha poética, “O soco na névoa” extrai do olhar exorbitado do mito seu traço finito, encarnadamente humano, ameaçado pelo tempo (os descendentes de Saturno sendo devorados por ele, o próprio pai, em confronto com a previsão profética da tomada filial de seu poder). Em torno mesmo do tempo, da problematização da continuidade, o poeta constrói uma montagem a contar do desmembramento das figuras da arte. Sobre a matéria escrita se expande uma voltagem de visualidade, tal como aponta o dêitico “estes” –  relativos aos elementos pictóricos (“Mirando os raios”) de uma metáfora centrada no continuum da duração e do poema, entre a agonia do mito e o horror da história presente.          Curioso é ver em um autor situado na chamada periferia sua estratégia de registro/arquivo (notas cotidianas compostas a partir de leitura de livros e filmes; entrevistas com artistas pouco divulgados e mix textuais). Por outro lado, é articulada, como atividade diária (blog enquanto bloco de anotações), a cartografia de um repertório diversificado, que possibilita a Ariel um trânsito (algo mais misto e extenso do que o imediato navegar infonáutico) da tecnoesfera à produção de livros como aqueles outros editados em caráter artesanal –  integrantes da série Dulcinéia Catadora, impressa em papelão/papel jornal (caso de títulos como Me enterrem com minha AR 15 e O Céu no fundo do mar).          O autor em pauta realiza uma conjunção conexional, no seu modo de escrever e fazer cultura no sentido menos restritivo e alinhado possível, com maneiras presentificadas, renovadoras, de ser. Efetiva um rompimento com a modelação pelas formas monológicas de adestramento e funcionalismo próprias da máquina tantas vezes reiteradora de informação e comunicação direta, numa continuidade ao infinito dos pop-ups: discursos hegemônicos e modos de vida em vigor. Dá , assim, uma resposta nada unidimensional à subjetividade e seus aportes coletivos de atuação/enunciação.          Como pensa N. Katherine Hayles, a estudiosa da escrita em época de alta tecnologia, a rede é utilizada através de um engenho conjuntivo, conexo entre maquinismo e vida em tempo real, em mais de uma linha (sob o afluxo de correspondências viabilizadas on-line). Move-se pelo poder de relacionar a palavra com as suas diferentes configurações cognitivas tal como propicia a ambiência digital: uma dimensão sincrônica ao irrompimento das diferentes formações comunitárias que tomam corpo no cotidiano de uma globalidade em dissenso e ampliação das potencialidades de representação/legitimação. Não é por acaso que Scott-Heron comparece no início de “O soco na névoa”, em epígrafe, como matriz cinemático-permutacional das citações contidas no poema.         Lançado no epicentro dos embates político-culturais que envolveram a negritude desde a década de 1960, o músico, escritor e ativista Gil Scott-Heron   é

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introduzido no poema de Ariel pelo dimensionamento tomado em seu trabalho criativo assim como no que se refere à ética comunitária e às demarcações territoriais. Situado na margem novaiorquina, no bairro do Bronx, o autor de Abutre (único de seus livros traduzidos no Brasil) não se desvincula do uso dos espaços mediáticos, no que oferecem de invenção e intervenção – tanto é que a canção-manifesto “The Revolution Will Not Be Televised” soa simultaneamente como plataforma do gênero rap. Insere inusitado potencial de fala, ritmo e poética numa refiguração do ato político em larga escala. No instante em que investiga o sistema televisual, sua atitude crítica, em relação às linhas de força e aos pontos de problematicidade que cercam a “causa” negra, se expõe para além de um imediato e redutor engajamento.          Nítida se mostra, em Abutre, a impossibilidade de simplificar a discursividade e a atuação crescentes em torno do poder negro. O romancista sabe tanto captar as contradições – a manutenção da ideologia no gueto, o narcotráfico, o jogo entre controle e consumo na megasociedade/cidade do capital – quanto as trilhas vitalistas menos evidentes de autonomia, capazes de combinar militância e pacificismo, ativação criativa e autoafirmação. Por meio da disseminação cultural de um modo de ser (pela música, logo engrenada no toque da palavra, caso do rap e outras variações oralizantes, e, também, pela escrita contemporânea dos pequenos heróis de rua, na recriação da vertente noir desbravada por Chester Himes). Por outro lado, sua forma de atuar no espaço urbano abre um campo de heterogenia e intensificação do pluralismo no que diz respeito à imagem da multidão negra que se mescla polifonicamente para fora de uma demarcada, restritiva, realidade étnica, tão adequada aos usos correntes dos poderes sejam pela segregação sejam pela inserção.          Em face do arsenal de possibilidades criadoras erguido pela escrita e pela música de Scott-Heron, o poeta de Cubatão torna mais pluralizadas e atualizadoras a produção de cultura e a concepção de globalidade ante a convocação mediática irrefutável a abranger todos os setores e séries do saber, e, mais especificamente, a compreensão dos territórios e da diversificação que os caracteriza. Justamente, se frisa a combinatória nada simplificadora de uma época marcada por planificações de ordem macroeconômica, mas implicada, ao mesmo tempo, na variada presença de agentes/atores em um “contexto de sensorialidade alargada”, sinalizados por uma “heterogenidade não totalizável”, como pensa Peter Pál Pelbart (2004: 30).  Através de uma modulação performadora da pertença ao pacto da mundialização, é que pode ser percebido o acento de mescla e multiplicação de referências articulado na poética de Marcelo Ariel.         O autor de Tratado dos anjos afogados configura, em compasso com o som e a narrativa de Scott-Heron, um campo ampliado, complexificado, onde a etnicidade e a localidade deixam de se explicitar por uma via biológica e essencialista. Não se restringre a reiterar o estatuto identitário, no momento mesmo em que mais intervém enquanto escritor “afro-descendente”. No espaço da poesia brasileira, ele realiza um trabalho de elaborada e contemporânea voltagem, que redesenha os lugares antes reservados à linguagem literária, tornando-se um autor seminal, raro em seu poder de captar a ambiência do presente assim como a pauta transversalizada (formulada por Guattari) em diferentes domínios da arte

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(audiovisual, cena/performance, campo plástico-gráfico, música) e do conhecimento (sociologia, história, filosofia, política, tecnologia, ecologia).  Sua força se exerce, em dessintonia com um aparente consenso de “universais” mundializados, pelo contraponto não-dualista aos discursos correntes, construídos tanto por obra de uma totalização quanto em nome de uma “minorização”.       Situado na margem, no ponto mais extremo do desastre, da espoliação econômica, e, simultaneamente, no horizonte de uma cultura global, o autor, antes e depois do livro, engendra um sentido de errância quanto à destinação, ao endereçamento previsto para um poeta habitante de Cubatão. Muito além da política literária em vigência, reservada a todo escritor que surge por obra dos elos criados entre imprensa-universidade-mercado. Instâncias da visibilidade do poder cultural, que se voltam todas para a normativaçao da arte como segmento rentável, sob a égide da disciplinarização e da especialização, dentro de um ideal de autoria e de escrita a ser serializado como modelo e modo de capitalização empresarial, institucional.         Na composição de ontologia e ética, entre o teatro fantasmático da máquina imaterial-informacional e a forma-livro, o corpo de uma criança morta, instaurado no centro do mundo (tal como consta do texto/projeto “Instauração de uma ontologia do poema-contínuo”, publicado on-line, em novembro de 2008), situa-se na exterioridade da memória, da história, como signo de uma cultura de corpo presente. Tudo aqui flameja, sem um único endereço. Nada ocorre por meio da discursividade da falta e da subjugação. A poética de Ariel alcança o cerne da problemática do pertencimento e da convivialidade a se alastrar por diferentes segmentos geopolíticos e culturais. Agora.                                                 Mauricio Salles Vasconcelos                  Escritor e ensaísta, é autor, entre outros livros, de Rimbaud da América e outras iluminações (2000) , Stereo (2002) e Ela não fuma mais maconha ( 2011). Realizou os vídeos Ocidentes (2001) e Blanchot: Para onde vai a literatura? (2005). Atualmente, prepara a edição de O arvoredo, criação videográfica em torno da poética de Marcelo Ariel. É professor da área de Estudos Comparados de Literaturas de Língua Portuguesa (USP)                                REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:          AGAMBEN, Giorgio. A comunidade que vem. Trad. António              Guerreiro. Lisboa: Presença, 1993.          ARIEL, Marcelo. Tratado dos anjos afogados. Caraguatatuba: Letra     Selvagem, 2008.          GUATTARI, Félix. “Fundamentos ético-políticos da            

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             transdisciplinaridade. In Tempo Brasileiro, Interdisciplinaridade,              n. 108, janeiro-março 1992. p. 19-25.          HAYLES, N. Katherine. Writing Machines. Cambridge,              Massachussets, e Londres: The MIT Press, 2002.          HELDER, Herberto. Photomaton & Vox. 2.ed. Lisboa: Assírio &              Alvim, 1987.          _____________. Ou o poema continuo. São Paulo: A Girafa, 2006.          PÁL PELBART, Peter. Vida capital. Ensaios de biopolítica.            São Paulo: Iluminuras, 2004.          RANCIÈRE, Jacques. Políticas da escrita. Trad. São Paulo: 34, 199.          SCOTT-HERON, Gil. Abutre. Trad. Ludmila Hashimoto Barros.               São Paulo: Conrad, 2002.   

 

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EDIÇÕES CAIÇARAS

São Vicente Brasil

A Edições Caiçaras é uma pequena editora independente artesanal inspirada nas cartoneras da América Latina, principalmente na Sereia Cantadora de Santos e na Dulcinéia Catadora de São Paulo. Nasceu pela dificuldade homérica e labiríntica em publicar meus livros em uma editora convencional. É uma forma de reavivar o ideal punk do “faça você mesmo”, incentivando a auto-gestão e o uso da habilidade manual, algo que está se perdendo em nossa sociedade tecnocrata. Assim, de fato, começa a tomar forma a filosofia da Edições Caiçaras, mais do que um caráter social, nos interessa, ousar na forma e no conteúdo. Na forma é um aprimoramento das técnicas das cartoneras - os livros são feitos com capa dura, costurados com sisal e presos com detalhes em bambu, e no conteúdo, priorizamos um diálogo profundo com a Internet e com as literaturas locais do Brasil.

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Márcio Barreto

CATÁLOGO

POESIA

O Novo em Folha - Márcio Barreto

Nietszche ou do que é feito o arco dos violinos - Márcio Barreto

Pequena Cartografia da Poesia Brasileira Contemporânea - Marcelo Ariel (Org.)

Perdas & Danos - Madô Martins

Mundocorpo– as aerografias e outros desvios do tempo – Márcio Barreto

Peixe-palavra (poesias caiçaras) – Domingos Santos

Mar por Perto – Flávio Viegas Amoreira

Anga ibiisi – Luis Serguilha (Portiugal)

excídio – Jorge Melícias (Portugal)

DRAMATURGIA

Atro Coração - Márcio Barreto

Ácidos Trópicos – uma livre criação sobre a obra de Gilberto Mendes – Márcio Barreto

ENSAIO

Obras Cadáveres - Arthur Bispo do Rosário, Estamira, Jardelina, Violeta e o Deus do Reino das Coisas Inúteis - Ademir Demarchi

Desaforismos (aforismos) - Flávio Viegas Amoreira

Meu Namoro com o Cinema – André Azenha

PRÓXIMO LANÇAMENTO

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Impressões Transmodernas (ensaio) – Antonio Eduardo

O IMAGINÁRIO COLETIVO

O Imaginário Coletivo de Arte agrega artistas do litoral paulista em suas diferentes linguagens e tem como proposta fortalecer e propagar a “Arte Contemporânea Caiçara”, valorizando nossas raízes e misturando-as à contemporaneidade. Formado em fevereiro de 2011, é resultado de anos de pesquisas desenvolvidas em diferentes áreas que culminaram na busca de uma nova sintaxe através da reflexão sobre os processos criativos na Arte Contemporânea Caiçara. Seus integrantes convergem da dança, eutonia, teatro, circo, música, literatura, história, jornalismo, filosofia e artes visuais. Estão diretamente ligados à experimentação através de núcleos de pesquisas desenvolvidos no grupo Percutindo Mundos – música contemporânea caiçara (2008), Núcleo de Pesquisa do Movimento - dança contemporânea (2011), no Espaço de Consciência Corporal Célia Faustino - eutonia (2003), no Projeto Canoa e Instituto Ocanoa – pesquisa da Cultura Caiçara (2007). Em seu repertório constam “Ácidos Trópicos – uma livre criação sobre a obra de Gilberto Mendes” (teatro), “Atro Coração – uma livre adaptação sobre o amor” (teatro), “Homo Ludens – fluxos, lugares e imprevisibilidades” (dança), “O Jardim de Patrícia” (dança); “Percutindo Mundos – universo em Gentileza” (música), “Percutindo o samba – história e poesia” (música) e “Poéticas para um novo tempo” (música). Ao longo do tempo  realizou encontros, oficinas e palestras, tais como o "Sarau Caiçara" - Pinacoteca Benedito Calixto - Santos /SP, "Mostra de Arte Contemporânea Caiçara" - Casa da Frontaria Azulejada - Santos/SP, "Itinerâncias - Encontros Caiçaras" - Casa da Cultura de Paraty - Paraty /RJ, "Sarau Filosófico" - SESC Santos - Santos /SP, "Virada Caiçara" - São Vicente /SP, “Vitrine Literária” – SESC Santos – Santos /SP e “Raias Poéticas – Brasil | Portugal” – SESC Santos – Santos /SP. Seu trabalho está presente em universidades, escolas públicas e

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instituições de cultura através de cursos, apresentações e palestras, além de inserir sua proposta artística  em espaços públicos.

www.edicoescaicaras.blogspot.com

www.youtube.com/projetocanoa

www.percutindomundos.blogspot.com

www.soundcloud.com/percutindomundos

Teatrofantasma - o Doutor Imponderável contra o onirismo groove foi impresso sobre papel reciclado 75g/m² (miolo). A capa foi composta a partir de papelão e sacolas de papel doadas pelo Espaço de Consciência Corporal Célia Faustino.

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www.espacodeconscienciacorporalceliafaustino.blogspot.com

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