teatro e educação da grecia antiga
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Universidade Estadual de Maringá 08 e 09 de Junho de 2009
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TEATRO, EDUCAÇÃO E TRANSFORMAÇÃO SOCIAL NA GRÉCIA
ANTIGA: A FUNÇÃO EDUCADORA DO POETA
SOUZA, Paulo Rogério de (UEM)
PEREIRA MELO, José Joaquim (Orientador/UEM)
Este trabalho tem como proposta mostrar como a tragédia foi utilizada pelo homem
grego como forma de instruir o seu povo desde a sua origem no período denominado
“Arcaico”. As primeiras apresentações deste gênero se deram com as “líricas corais”, ou
seja, a tragédia na sua forma inicial. Essas primeiras manifestações trágicas eram
celebrações místicas geradas pelo culto aos deuses – em particular Dioniso – o que
proporcionava uma maior relação desse povo com a sua religião.
As “líricas corais” eram também utilizadas para contar, através dos cantos corais, os
feitos heróicos dos guerreiros gregos e consequentemente, serviam como uma forma de
reforçar o conhecimento que esse povo tinha de sua origem guerreira.
Apesar de ter surgido como uma manifestação utilizada por pequenos grupos para
entreter o povo a tragédia somente passou a ter um caráter de festa popular no período
Clássico (o qual se convencional datar historicamente entre os séculos VI e V a.C.). As
grandes Dionisíacas – festa popular onde se homenageava o deus Dioniso e onde eram
encenadas a peças trágicas – tinham o apoio dos governantes da pólis grega, que
passaram a patrocinar materialmente as sua realização, principalmente custeando as
apresentações.
O interesse dos governantes da cidade-Estado em patrocinar essas encenações míticas
justifica o caráter política que a tragédia passou a ter nesse contexto. No entanto, essas
influências não fizeram com que as apresentações trágicas perdessem por completo suas
características primárias: a religiosidade e a distração.
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A própria manutenção do “coro” na forma mais acabada da tragédia o século V a.C., foi
um exemplo das características primarias das “líricas corais” que se perpetuaram com o
tempo. Mesmo com a introdução das personagens interpretadas pelo ator (o
protagonista) e, posteriormente, pelo segundo ator (o deuteragonista) introduzido nas
apresentações pelo poeta Ésquilo, e pelo terceiro ator (o tritagonista), utilizado pela
primeira vez por Sófocles –, o coro não perdeu sua função dentro da tragédia que era
anunciar os fatos trágicos e fazer exortações morais aos atos de desvio de conduta do
herói trágico.
Outras funções também eram desempenhadas pelo coro dentro das peças. Esse fazia às
vezes de testemunha de fatos e eventos, outras de confidente do herói, ou ainda se fazia
de conselheiro nos momentos de conflito. Era, segundo Junito de Souza Brandão, o “...
eco da sabedoria popular, traço-de-união entre o público e os atores...” (1992, p. 51); o
elo de ligação entre o mito e homem.
Mas a manutenção dessas funções do “coro” dentro da tragédia no período Clássico
mesmo depois da transformação proporcionada pela introdução dos atores não foi algo
casual, mas sim causal. O que acaba por levar a uma conclusão: a de que esse gênero (a
teatro) passou a ter outros fins que os até então explicitados: “... o poder de o coro ter
sobrevivido demonstra que a tragédia não se preocupava exclusivamente com a
produção do efeito dramático, mas se propunha atingir outros fins além da mera
distração” (HAUSER, 1990, p. 126).
Esta afirmação é apoiada pelo helenista Werner Jaeger que mostra em sua obra Paidéia
como o coro trágico ocupava, dentro da peça, um papel fundamental no processo de
formação do cidadão que vivia na cidade-Estado. Uma formação não apenas de caráter
moral, mas também intelectual. O que acabou ocasionando à tragédia ocupar um lugar
de destaque na entranhas da pólis grega:
... O coro foi a alta escola na Grécia antiga, muito antes de existirem mestres que ensinassem a poesia. E a sua acção era com certeza bem mais profunda que a do ensino intelectual. Não é sem razão que a
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didascália coral guarda o seu nome a recordação da escola e do ensino. Pela sua solenidade e raridade, pela participação do Estado e de todos os cidadãos, pela gravidade e pelo zelo com que apresentavam e a atenção prestada durante o ano inteiro ao novo “Coro”, como se dizia, pelo número de poetas que concorriam para a obtenção do prêmio, aquelas apresentações chegaram a ser o ponto culminante da vida do Estado (JAEGER, 1979, p. 273)
A influência da tragédia e a importância dada à esse gênero pelos cidadãos da pólis
mostra o porquê desta ter sido incluída pela tirania numa festividade popular, passando
a ser utilizada como “um instrumento de propaganda” (HAUSER, 1990, p. 126) para
aqueles que ocupavam o poder: num primeiro momento os tiranos e posteriormente os
legisladores da pólis democrática.
A importância atribuída a esse gênero artístico pode ser dimensionada quando
vislumbrado pelo zelo na sua manutenção e continuidade. Para isso, no período Clássico
os legisladores da pólis instituíram um “fundo especial” onde arrecadavam determinado
montante em dinheiro o qual deveria servir para indenizar os cidadãos mais pobres com
uma quantia suficiente para ressarci-los ao dia – ou dias – de trabalho perdido, para que
esses cidadãos pudessem estar presentes na platéia das peças, assistindo as
apresentações:
... a partir de Péricles, ou bem mais tarde, do demagogo Cleofonte, foi instituído [...] uma subvenção de dois óbolos diários que recebiam os pobres, a fim de que pudessem assistir aos espetáculos teatrais. [...] uma autêntica indenização, para que os menos favorecidos pudessem deixar o trabalho nos dias de festa (BRANDÃO, 1992, p. 116).
Mas, apesar de serem “convocados”, até mesmo a troco de uma “indenização”, os
cidadãos não tinham o “direito” de interferir no processo de criação, nem no desenrolar
das apresentações. “... A entrada gratuita e o pagamento de compensações em dinheiro
pelo tempo gasto no teatro [...] constituíam exatamente os fatores que inibiam
inteiramente as massas a exercer qualquer influência nos destinos do teatro” (HAUSER,
1990, p. 225). Apesar de estarem inseridas numa festividade popular estes estavam
sujeitos aos interesses dos setores legisladores do poder da cidade-Estado que
mantinham as apresentações.
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Assim, nesse contexto, a tragédia grega passou a ser influenciada pelos cidadãos mais
ricos que a patrocinavam, cobrindo as despesas dos espetáculos e custeando os atores:
“... Cidadãos ricos (um para cada poeta) a quem tal tarefa era incumbidos a título de
imposto, eram designados para subvencionar os custos da contratação e do vestuário do
coro e dos artistas...” (ROBERT, 1987, p.27), o que acabou por tornar muitas peças
tendenciosas aos interesses dos seus patrocinadores.
Os temas não eram discutidos de maneira a questionar os interesses dos governantes da
cidade que viabilizavam sua existência, nem criticavam os que financiavam suas
apresentações. Tampouco eles abordavam assuntos que fossem de encontro ao sistema
político vigente, que permitia sua realização:
As tragédias são, deste modo, francamente tendenciosas e não pretendem passar por não serem. Tratam questões da política corrente e giram em volta de problemas, todos eles direta ou indiretamente relacionados com as questões candentes no momento (HAUSER, 1990, p. 128).
Para evitar que algum autor trágico pudesse tender de encontro aos interesses dos seus
patrocinadores ou dos setores sociais que viabilizavam suas apresentações, todas as
peças eram previamente submetidas ao crivo de um magistrado escolhido pelos
legisladores da pólis. Esse magistrado tinha com função “estatal” selecionar e escolher
quais delas iriam ser apresentadas nas festas dionisíacas: “... Os autores que
participavam dos concursos dramáticos primeiramente submetiam suas peças ao
magistrado encarregado de organizar a festa, que eliminava certo número de
candidatos” (ROBERT, 1987, p. 27).
A atenção dispensada pelos setores dominantes da sociedade grega no cuidado com a
escolha dos tragediógrafos e das peças que esses iriam encenar nas Dionisíacas tinha
com objetivo não apenas uma preocupação com a qualidade artística ou com o sucesso
das festividades e das apresentações. O principal objetivo era certificarem-se de que a
discussões abordadas pelas peças não fossem numa vertente oposta aos seus interesses
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de condução da ordem social: “... O arconte admitia nos concursos quem bem lhe
parecesse, sem deixar, contudo, de se aconselhar com os entendidos no assunto, uma
vez que o próprio magistrado tinha interesse pessoal no sucesso de festa...”
(BRANDÃO, 1992, p. 95).
Desta forma pode verificar que, devido ao patrocínio subsidiado para a produção e
dispensado a organização das apresentações, e também pela necessidade de submissão
ao crivo do magistrado na análise e aprovação – ou não – das peças a serem encenadas,
as apresentações trágicas acabavam por se tornarem submissas a um controle rígido,
tanto religioso quanto político, por parte dos legisladores da pólis e dos setores
dominantes desta sociedade.
O controle “estatal” fez-se necessário nesse momento, pois a tragédia grega atingira no
período clássico patamares tão elevados que colocaram as apresentações no centro da
vida pública desse povo:
O Estado fomentava estes concursos por meio de prêmios e representações, para os orientar na sua carreira e simultaneamente estimular. Independentemente da permanência da tradição profissional em qualquer arte e principalmente na grega, era inevitável que esta comparação viva, ano após ano, criasse para aquela nova forma de arte um “controle” espiritual e social permanente (JAEGER, 1979, p. 293).
Com toda a interferência dos setores administrativos da pólis, a tragédia passou a expor
uma função política, pois era constantemente usada pelos legisladores das cidades-
Estado, como Clístenes (510-508 a.C.) e Péricles (443-429 a.C.) – entre outros –, como
instrumento de propaganda “estatal”.
Nesta perspectiva, Werner Jaeger afirma que a tragédia grega carregava em si “uma
força educativa” (1979, p. 293) que os líderes da pólis, no século V a.C. acabaram
adotando para ajudar na organização das cidades que estavam se estruturando e para a
manutenção do sistema democrático que vigorara como forma de administração na
maioria das cidades-Estado grega, principalmente na cidade de Atenas.
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Essa “força educadora” do teatro que descreve Werner Jaeger pode ser vista na forma
como a tragédia representava o homem em suas encenações. Nas peças o grego era
sempre representado com um cidadão com virtudes morais elevadas. Os poetas trágicos
também procuravam mostrar como estes cidadãos deveriam agir dentro da comunidade.
O herói trágico centralizava as atenções no enredo das encenações. Era o modelo ideal
de homem. Ele carregava no seu caráter as virtudes mais elevadas para o grego:
sabedoria, honestidade, coragem, bondade, honra, lealdade. Era a personagem que
deveria ser espelho para todos os cidadãos e os legisladores da pólis: um verdadeiro
estereótipo de virtude e de comportamento para manutenção da ordem social da sua
cidade.
Por isso, segundo o filósofo grego Aristóteles: “... a tragédia é a imitação de homens
melhores que nós...” (Poética XIII, 1453b 07, 1987, p. 212), homens que deveriam ser
imitados pelos espectadores.
Até mesmo quando o herói trágico era descrito nas peças como não tendo atitudes
condizentes com as virtudes elevadas supracitadas, agindo de maneira deliberada com
alguma forma de comportamento que acabava rompendo com a ordem e a harmonia da
sua comunidade – o momento em que se dava o chamado efeito trágico na peça –, o
objetivo do poeta era mostrar ao espectador a fragilidade do homem diante da vida:
CORO Vossa existência, frágeis mortais é aos meus olhos menos que nada. Felicidade só conheceis imaginada; vossa ilusão logo é seguida pelas desdita ... (Édipo Re1i, vv. 1393-1397, p 83).
O efeito trágico ocorria quando o herói cometia algum ato – de forma voluntária e
consciente, ou involuntariamente como obra de um Destino predeterminado – que não
1 A peça Édipo Rei é de autoria de Sófocles e narra o mito de Édipo que assume o trono da cidade de Tebas após matar o pai e casar-se com a própria mãe sem o saber, causando assim a ira dos deuses que amaldiçoa a cidade de Tebas com uma peste até que os crimes cometido por Édipo fossem espiados.
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estava de acordo com as regras de conduta social. Isso fazia com que passasse da
felicidade à dor, da paz à desarmonia, quebrando assim o equilíbrio mantido e/ou
pretendido pelas leis e/ou convenções da comunidade da qual fazia parte como
integrante ou como detentor do poder.
Com isso o herói da tragédia acabava por ter que pagar um castigo por sua desventura
ou por seu crime como forma de purificação. A pena geralmente era o exílio como no
caso de Édipo (na peça Édipo Rei), ou a morte como no caso de Ájax (na peça
homônima).
O que se pode verificar nas peças trágicas é que esse desequilíbrio causado não
acontecia com a total ignorância do herói. A intenção da tragédia era que o efeito
trágico fosse a representação da emancipação do herói, ou do homem da pólis, diante da
crença num destino predeterminado. Sua função era provocar um rompimento com a
crença mítica do herói num destino imposto pelos deuses em favor da vontade do
homem racional e detentor de suas decisões:
Ao longo do conflito trágico participamos da luta do herói com um sentimento de admiração e, mais, de estreita fraternidade. Esta participação, esta alegria, só podem significar uma coisa – uma vez que somos homens: é que a luta do herói contém, até na morte-testemunho, a promessa de que a ação do herói contribui para nos libertar do Destino (BONNARD, 1980, p. 159).
Essa característica de libertar o homem das amarras de um destino predeterminado
diferenciava a tragédia dos gêneros poéticos que a antecederam: a poesia épica e a
poesia lírica. A tragédia do período Clássico não apresentava o herói ou o governante
como eram apresentados nas epopéias e nas poesias líricas.
Esses gêneros poéticos anteriores a tragédia mostravam heróis que atribuíam as
responsabilidades de seus atos ao destino predeterminado pela deusa Moira, e por isso
aceitavam suas penas de maneira submissa, mesmo porque acreditavam que qualquer
interferência humana no destino imposto pelos deuses poderia causar a desordem na
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sociedade: “As noções de Moira2 e Ananké3 apresentam o destino humano como
imutável e mostram como algo organizado onde não se pode intervir sob pena de
instalação do caos” (COSTAS & REMÉDIOS, 1988, p. 08).
Em contra partida, o herói da tragédia clássica passou a assumir a responsabilidade por
seus atos e também aceitava os resultados das suas ações de desvio de conduta, mesmo
que as penas – impostas por outros ou por sua consciência – o levassem à morte, como
acontecia com as personagens das tragédias na maioria das peças.
Um exemplo desse novo modelo de herói que a tragédia apresentava no período
Clássico pode ser verificado na peça Ájax4. Nesta tragédia é narrado a história mítica do
guerreiro Ájax a qual apresentava o suicídio da personagem diante dos seus conflitos
pessoais.
O enredo da peça descreve a revolta de Ájax diante da decisão dos chefes gregos de
entregar à Odisseu5 as armas de Aquiles6 que fora morto por Páris7 em combate na
guerra entre gregos e troianos na mitológica Guerra de Tróia descrita por Homero na
Ilíada. Ájax achava-se no direito de receber os espólios de Aquiles, e diante desta
decisão contrária ao seu desejo, ele decide matar os chefes gregos, entre os quais
estavam Agamêmnon8 e Menelau9, enquanto estes dormiam.
2 Moira era a divindade da mitologia grega que era responsável pelo destino da vida de todo os homens. 3 Conceito grego de necessidade. 4 Ájax é uma peça de Sófocles onde é narrado o mito de mesmo nome. A peça tem início no momento subseqüente a tentativa do herói de assassinar os chefes aqueus, considerados responsáveis pelo destino dado às armas de Aquiles. Fato frustrado pela deusa Atena o que acaba por humilhar Ájax que decide suicidar-se, lançando-se sobre a própria espada. A peça de desenrola na reflexão de Ájax sobre seus erros, até a morte do herói. 5 Odisseu era um dos chefes aqueus na guerra de Tróia, rival de Ájax e protagonista da Odisséia de Homero. 6 Aquiles: considerado o mais valentes dos guerreiros gregos, morto na batalha com o inimigo. 7 Paris: filho mais novo de Príamo, rei de Tróia, foi o causador da guerra de Tróia ao raptar Helena, esposa do Menelau.
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Ao ir em busca concretizar sua empreitada, Ájax acabou sendo privado de sua razão
pela deusa Atenas que vai em defesa dos chefes gregos. Ensandecido pela interferência
da deusa, num ataque de loucura, o herói acaba por exterminar o rebanho de bois e
carneiros que o exército grego havia conquistado nas terras tebanas, acreditando que
estava realizando seu intento de matar os chefes gregos.
Quando recobra a razão, o protagonista, o próprio Ájax, depara-se com as
conseqüências dos seus atos: “Hoje zombam de mim às gargalhadas!...” (Ájax, vv. 561,
p. 94). Ou melhor, depara-se com “... as conseqüências de seus erros, de sua cegueira”
(ROBERT, 1987, p. 32), e da sua responsabilidade diante do feito:
ÁJAX Como sou infeliz! Com minhas mãos por contra mim os gênios vingadores!... Precipitei-me contra os bois chifrudos e contra os alvos e belos carneiros, banhando-me no sangue escuro deles (Ájax, vv. 517-521, p. 94)
Mesmo sofrendo a interferência divina da deusa Atenas o herói não se isentou da sua
culpabilidade diante do seu ato desonroso. Ájax assumiu a imputabilidade do que havia
cometido, não como conseqüência de um destino, mas como resultado de um ato seu.
Dessa forma, ele decretou sua própria sentença de morte, e cometeu suicídio.
Outra exemplo desse novo modelo de herói que carregava essa característica é Édipo. A
personagem de Édipo, ao assumir a responsabilidade por suas faltas, revelava que o
homem grego não estava mais sujeito a sofrer as penalidades que, segundo a tradição,
eram impostas pelos deuses, ou determinadas pelo destino:
ÉDIPO ... Mas, não quero que me atribuam como crimes nem esse casamento nem o assassínio
8 Agamêmnon também era um chefe dos aqueus que lutou contra Tróia. Era considera o grego mais sábio entre todos. 9 Menelau: rei de Esparta e esposo de Helena.
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de um pai, que me lanças ao rosto sem cessar, insultando-me ainda com rudes ultrajes. (Édipo em Colono10, vv. 1143-1146, p. 157).
O que o tragediógrafo queria com suas peças era mostrar ao cidadão que o homem da
pólis, responsável por suas ações e por seus crimes, não devia mais nortear sua vida
numa crença num destino predeterminado, mas deveria submeter-se às leis da cidade.
Leis elaboradas por esse mesmo homem para manter a ordem e para julgar ações e a
responsabilidade dos atos humanos que pudessem vir a pôr em risco a manutenção da
estrutura social organizada da cidade-Estado: “... Mas se ele tem a idéia/ de impor-nos
novas leis, tratá-lo-ei de acordo/ com suas próprias leis, e não com quaisquer outra...”
(Édipo em Colono, vv. 1038-1040, p. 154).
Um aspecto novo para o homem da pólis nesse contexto, e que o poeta trágico
apresentou em suas peças foi o conceito de justiça na cidade-Estado. O que até então era
responsabilidade dos deuses passou para o plano humano e adquiriu novas abordagens.
No período Arcaico os homens eram julgados por preceitos divinos e condenados
sumariamente. Já no cotidiano da pólis o homem da cidade-Estado não precisava
assumir as penalidades que lhe eram impostas sem antes expor sua defesa, como
permitia a própria lei da pólis democrática.
A pretensão do poeta era mostrar que a submissão à crença no destino e as “leis divinas”
perderam completamente sua função na pólis e foram substituídas definitivamente pela
racionalidade e pelas “leis escritas”.
Por isso, não incorreria em erro afirmar que, “... a tragédia [...] significa a luta de um
homem contra seu destino” (ROBERT, 1987, p. 32). Era a luta desse homem que
aceitava suas penas pelos seus erros, mas que questionava as injustiças cometidas à ele.
Ele responderia por seus crimes e ações inconseqüentes, no entanto imporia defesa
contra as acusações que considerassem iníquas e involuntárias. 10 Édipo em Colono é uma peça de Sófocles onde continua sendo narrando a trajetória do mito de Édipo iniciada com a peça Édipo Rei e na qual a história do mito de Édipo tem seu desfecho.
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Nesta perspectiva se verifica que, mesmo apresentando temas míticos como do
guerreiro Ájax ou do rei Édipo, a discussão central da tragédia era sobre a cidade e os
seus cidadãos. O seu interesse não era somente o de narrar os feitos dos heróis míticos
da religião ou das epopéias, mas tinha como objetivo central discutir o homem grego, a
sua sociedade, suas relações sociais e a sua estrutura organizacional:
... as tragédias refletem as ânsias da cidade-Estado. Os problemas domésticos das famílias reais têm obviamente uma relevância política. Por conseguinte, representar histórias heróicas tornou-se (entre outras coisas) um modo de refletir sobre as implicações políticas de ordem doméstica (REDFIELD apud. VERNANT, 1994, p. 153).
O objetivo do autor trágico era mostrar como devia agir o homem da cidade. Assim, o
tema mítico na tragédia tornara-se apenas um pretexto dentro da peça para que essa
discussão fosse feita. O herói da tragédia representava o modelo de como devia ser o
homem da pólis, com suas virtudes elevadas, para ser um bom cidadão.
A principal preocupação da trágica era fazer uma discussão que fosse para além de uma
simples abordagem religiosa do mito, ou simplesmente apresentar as desventuras e o
sofrimento do herói trágico, levando o cidadão refletir sobre a necessidade de se manter
a ordem social para não prejudicar o bom andamento da cidade. Por isso, mostrava ao
cidadão a necessidade de buscar a prática de atitudes moras elevadas e evitar os vícios e
paixões nocivas ao bem estar coletivo da sua comunidade.
É a partir desta perspectiva que a tragédia grega clássica passa a ser entendida como um
gênero formador do povo grego – função ou intenção educativa que foi posta em prática
no século V a.C. pelos poetas trágicos do período Clássico –, e que ajudou a educar o
cidadão da pólis que deveria viver e organizar a cidade-Estado, e administrar a sua
estrutura baseada no ideal de Democracia.
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REFERÊNCIAS:
ARISTÓTELES. Poética. São Paulo: Nova Cultural, 1987. (os Pensadores). BONNARD, André. A civilização grega. São Paulo: Martins Fontes, 1980. BRANDÃO, Junito de Souza. Teatro grego: origem e evolução. São Paulo: Ars Poética, 1992. COSTA, Lígia M.; REMÉDIOS, Maria L. R. A tragédia: estrutura e história. São Paulo: Ática, 1988. HAUSER, Arnald, História da arte e da literatura. São Paulo: Mestrejou, 1990. JAEGER, Werner. Paidéia: a formação do homem grego. São Paulo: Herder, 1979. ROBERT, Fernand. A literatura grega. Trad: Gilson César Cardoso de Souza. 1ed. São Paulo: Martins Fontes, 1987. REDFIELD, James. O homem e a vida doméstica. In. VERNANT, Jean-Pierre (org.). O homem grego. Lisboa-Portugal; Editorial Presença, 1994, p. 145-172. SÓFOCLES. Ájax. Trad. Mario da Gama Kury. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1990. _____. Édipo em Colono Trad. Mario da Gama Kury. Rio de Janeiro; Jorge Zahar, 1990. _____. Édipo Rei. Trad. Mario da Gama Kury. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1990.