tÁcito borralho e josias sobrinho · 2019-11-26 · ou cruz arriba do umbigo? (cantando) (falando)...
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MÚSICA DE ABERTURA Olhos graúdos, asa de borboleta
Era uma rica princesa, a minha serpente
Não tinha nada de cobra
Saía voando por sobre a baia
Rodeava a ilha e voltava e dormia.
Eu só não me lembro o que ela comia
- Comia os sumidos dentro da baia
- Só comia vento, pois não existia.
Não comia gente, não comia peixe
Comia as estrelas da praia
Bebia as espumas das ondas.
Eu a via voando!
Voando ....
Sorria comigo!
Comigo.....
Comigo brincava!
Brincava ...
E voltava a dormir!
E voltava a dormir...
Uma vez a coroa caiu.
OS SETE ENCONTROS DO AVENTUREIRO CORRE-TERRA OU O
CAVALEIRO DO DESTINO
TÁCITO BORRALHO e JOSIAS SOBRINHO [email protected]
MUSICA DE INTRODUÇÃO DO ESPETÁCULO Bumba – boi sotaque da baixada Guenta, touro!
Faz acender, aluzia.
Dá lenha pro fogo, arrocha o luzeiro
Pra esquentar meu pandeiro.
Urrou onça no mato, piou bacurau
Dançou no terreiro
Alevantou poeira de brabo
Esquentou meu sendeiro
Peguei da mia lira
Para anunciar
Dum homem atrevido
A história e o sentido
Do seu caminhar
Sete meses, sete anos
Sete dias, sete noites
Sete vidas, sete encontros
Sete lutas, sete açoites
Sete brigas por um mundo
Diferente desse seu
Sete batalhas vencidas
Vezes sete que virão
Vem do fundo para a boca
Do sertão pro litoral
Vem de dentro para fora
Procurando o seu final
Este homem destemido
Procurando a sua sorte
Medo não lhe faz sentido
Nesta busca do seu norte
bis
bis
bis
1
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5
6
7
8
9
Arregale bem os olhos
Abra os ouvidos também
Quem tiver nesse terreiro
Pra história que aí vem
Aprume bem o seu corpo
Que o mato vai estala
A noite caiu de cheio
Já ouço o seu estalar
1° EPISÓDIO
O COURO VELHO
(O homem vai chegando a um lugar desconhecido e depara-se surpreso,
com o bicho. Ambos se assustam)
COURO VELHO - Quem vem lá que se apeie, que aqui não pode passar
HOMEM - Quem tá lá que se aguente, pois que aqui pude chegar.
COURO VELHO - Então se apronte, valente, pro couro velho enfrentar
HOMEM - Corri terra, rasguei mato,
Saltei touceira de espinho,
Rompi capão por capão
À procura de um caminho.
Botei bênção pra madrinha,
Joguei no saco a farinha.
Enfrentei cobra, coceira,
lezão, picada e moleza
Conversa contrária à minha
Pra sentar pé nas estradas
e chegar onde cheguei.
Pois não vai ser qualquer vulto que esturre, pule ou bufe que
vai me fazer eu esbarrar.
COURO VELHO - Danou-se, que ladainha!
Minhas pelancas balança!
Donde vens, ó forasteiro,
trazendo Deus nessa pança!?
HOMEM - Venho de terras distantes,
de longes caminhos venho,
Cavalgando a esperança,
único alazão que tenho.
COURO VELHO - Não falou nada, ó Atrevido,
será que tem punhal de prata
ou cruz arriba do umbigo?
(Cantando )
(Falando )
HOMEM - Não trago nada demais.
Nem punhal, espada ou faca.
Pra defender, trago as mãos,
de mochila, o velho saco
me serviu todo o estirão!
Agora que tá vazio
e não me pesa no ombro,
jogo fora e não me queixo,
se disso fazes questão.
COURO VELHO - Continuas, ó desgraçado!
Não tá tomando tenência.
Será que enxerga direito
ou o que será que ele pensa?
HOMEM - Arrenego desse troço!
Em que posso me valer?
Não sei oração de força
pra poder me defender.
COURO VELHO - (Cantando) Não precisa arriar as calças
nem pedir minha bênção.
Couro Velho quando abraça,
faz virar assombração.
HOMEM - (Cantando) sai pra lá pelanca magra,
seja o que for que tu seja,
não te arraste pro meu lado
que meu sangue se esbraveja.
COURO VELHO - (Falando) É brabo, o bacurim novo, e arrota valentia que só
jumento no viço e cobra em rabo de cutia. (Bem sério)
Cristão, que gente que és? Eu não te dou dez mil réis pra
quereres me conhecer. Mas se bravura despontas, te deixo
com as pernas soltas, se as perguntas que eu fizer, tu
souberes responder.
HOMEM - Valei-me minha qualquer coisa,
que esse bicho me engoloba.
COURO VELHO - Tá pronto, ou queres descanso
enquanto a cabeça engloba?
HOMEM - De descanso morre a lesma
e preguiça cai as unhas,
eu quero é seguir pra frente
botá pé nessas estradas.
Me aponte o rumo, que eu sigo,
não importa caso ou perigo:
nada me faz esbarrar.
Por isso aprume da frente,
se arraste, bufe, se dane!
Pois se for de comer gente
os meus costados não come.
COURO VELHO - Alto lá, seu engraçado
que estás em meu terreno.
Aqui quem grita sou eu.
Ou te faço ir correndo
pedir ajuda a judeu!
HOMEM - Não precisa ficar brabo,
seu Couro Velho falado.
Só quero seguir pra frente,
e que você me aponte o lado.
COURO VELHO - Isso quem resolve é eu,
Mas deixa eu te avisar
Que se passares daqui,
Outras demais cangarices,
Tu vais de enfrentar.
HOMEM - Já lhe disse e mais repito, que medo, que é nome feio, Não
se encontra em meu falar.
COURO VELHO - (Cantando) Pois dobre os joelho e volte
Em cima dos calcanhá,
Pois o caminho mais certo
Ficou pro lado de lá.
HOMEM - (Cantando) ”Aonde”, bicho lesudo?
Tá querendo me agarrar?!
Mas deixa que de onde venho
Nada existe pra buscar
COURO VELHO - Não duvide ou eu me infezo. Se te faz de besta te assombro.
E se te assombro não contas a mais ninguém o teu sonho.
HOMEM - Danou-se! Tá ruim mesmo! Como é que eu posso me
explicar? Seus Couro, Não se arrependa de querer me ajudar.
Se precisar dum recurso para eu poder lhe passar me ensine
que cuido disso e lhe termino o penar.
COURO VELHO - Conversa! Que só demora o teu destino encontrar. Cada
coisa com sua sina, a minha é de assombrar. Estou bem no
meu feitio e cuide de se aprontar pois quem corre terra é afoito
e afoiteza é mau siná. Os encantados do mundo, não são
muito de brincar.
HOMEM - Arre! Que chega de lero! Já me avexo de passar, logo, me
ensine o caminho, e certo, sem querer me atrapalhar.
COURO VELHO - Não vai se assim tão fácil: de graça não ganharás! Me
responda três perguntas ou daqui não passarás.
HOMEM - Agora entornou-se o caldo! e a minha sina define. Se não
acerto nenhuma, não basta que desamine o meu propósito de
andar, me assombra ou me bota encanto pra mia carreira
cortar.
COURO VELHO - Já tá pronto aventureiro,
Pra peleja começar?
Então lá vai a primeira,
E não vá se atropelar:
Quantas quinas tem um poço
No meu ou no seu quintal?
HOMEM - 7.000 tem quando grande,
Mais 700 se médio,
Mais 70 se pequeno
E sete pra arredondá.
COURO VELHO - Quanta curiosidade,
Em responder com presteza.
Não tenho tanta certeza
Se está certo o seu falar.
HOMEM - Pois ora que já duvida
Bote-se então a contar!
COURO VELHO - Ganhou, esperto vivente,
Não me presto a duvidar.
Mas por quê o porco anda
De focinho a empurrar?
HOMEM - Ora deixe de ser besta
Quem não sabe o que que há?
Porque sua mãe é uma porca
E a vergonha o faz fuçar.
COURO VELHO - A dele, se me permite.
Acertou na cagação,
Mas esta não vai passar:
Quem foi que foi mas não foi?
HOMEM - Quem não saiu do lugar!
COURO VELHO - Bravo! Vivente aloprado,
Que a coragem faz ganhar!
É pena que acerte tudo,
pois vou te deixar passar,
sabendo que daqui pra diante,
logo ali noutro chegado
morrerás sem te coçar.
HOMEM - Nenhum perigo me assusta
já disse e torno lembrar.
COURO VELHO - Mas já que respondeu tudo,
e que merece passar te aviso:
não vai ser fácil
o que vais na frente achar.
Pra passar pra mais adiante,
a cobra verde encantada
tu terás que acabar,
furando seu olho esquerdo
com um esporão que vou te dar.
Se errares ela morde,
e pra poder escapar,
somente a grande Manguda,
chupando o veneno mau,
tua vida recobrará.
HOMEM - Se tudo isso é verdade, tou pronto pra continuar.
COURO VELHO - Arriba meu couro atrás e um esporão de Rabo Torto será
dagora em vante tua defesa e punhal!
HOMEM - Te agradeço Couro Velho,
e avante perna e pé
pois já sinto um arrepio
e cheiro bom de mulher
2° EPISÓDIO
PRINCESA MAGALONA
(O homem segue caminho e ao chegar a outro sítio, ouve uma voz
feminina, triste, entoando uma canção)
PRINCESA - Ai, como me dói o peito...
O meu defeito é só penar...
Quando o sol descamba atrás do matos
Eu já não posso sonhar.
Meu couro esverdeia como o brilho
Do lodo do pantanal
E os meus olhos transformam
Qualquer rosinha em punhal.
HOMEM - Ai, que santa assombração!
Tomara que não suma já.
Mulher que há tempo não vejo
De saia, peito e chamego,
MAGALONA
Nos olhos do bom virar.
Vige! Que até me agonio
Se minha hora chegar,
Pois no atraso que tou!
Ai, meu Deus, no que ai dar?
PRINCESA - O sol já despede os raios,
Bola vermelha se faz
A angústia do meu coração
Cresce e não acho paz.
Até que um cavaleiro
Me dê sua mão, seu amor,
Todo encanto quebrando
E serei mulher em flor.
HOMEM - Taqui ele, formosa princesa,
que os olhos do mundo encanta,
sua voz, seu jeito e meiguice
qualquer aurora suplanta.
(Acho que devo ir devagar, pois não sei do que se trata. Se bem
me lembro, o curo velho...)
PRINCESA - Quem fala, quem ronca assim tão grosseiro, que o meu reinado
balança? Quem se atreve a atravessar as fronteiras da Pedra
Branca? Não sabe que vale a vida ouvir e ver a princesa, que
sofre do encantamento pior que aos ventos se conta?
HOMEM - Perdoe, gentil princesa, se me intrometo em mistério, mas o
peito estoura pro alto, e a cabeça roda tonta, se Vossa Alteza
permite, atiro a minha alma nos seus pés, pois tou morrendo
duma aflição, e um corpo todo alvoroça uma coceira medonha
que só vai passar coçando!
PRINCESA - Bem se vê que és forasteiro, e mesmo daqui não seria, pois
todo vivente são que por aqui residia, virou pasto da danada que
sou quando some o dia. Mas que te faz não coçar teu corpo que
arde tanto? Se falta unha, tucum tem espinho que arranha
HOMEM - Oh! Burrice cavaluda! Não se trata de aranhar, não é bem sarna
de pele que sinto, é outro coçar.
(Cantando )
MAGALONA
MAGALONA
MAGALONA
PRINCESA - Piorou meu desentendo! Já me basta essa aflição de esperar
todos os dias pra de noite a perdição chegar pro que me espia,
prometendo salvação
HOMEM - Princesa, meu peito arde, minhas pernas tremem e balançam,
mas meu ouvido ensurdece pra outra coisa que não seja sua voz
de moça dama.
PRINCESA - O meu nome é Magalona, princesa da Pedra Branca, aguardo
anos e anos, um homem que seja macho, que me queira dar
amor, que me faça mãe de filhos para quebrar todo o encanto que
me transtorna o juízo.
HOMEM - Ai, princesa, meus encantos, meus bolsos tão fervilhando. Desça
daí um instante e me permita o avanço, que faz dias que não
como, não namoro, beijo ou danço.
PRINCESA - Descer, desse meu castelo, prisão dourada sem sonho? Blasfemas,
vivente incerto! Daqui só desço à noitinhas e com formato
medonho, pois dentro de um calabouço é que esqueço meu sonho.
E pra fugir, tenho a grade, que só permite a cabeça se por de fora
ao relento.
HOMEM - Esqueça de tudo isso por um momento, só um. Salte daí em meus
braços. Ponha fim nesse suplício, que sendo seu, meu eu faço.
PRINCESA - Ai, que meus pés não desgrudam. Bem que eu sinto um
assanhaço!
HOMEM - Te atira, fêmea dos sonhos, que me esqueço do cansaço, das
andanças e do medo, do poço, do porco ou do quem, se jogue cá
nos meus braços!
PRINCESA - Não, não pode ser assim! Minha “Alteza” posta ao chão! Há
sacrifício a fazer. Coragem a me demonstrar. Com ou contra m’ia
vontade, pureza pude guardar. E depois de tanto zelo, como a um
qualquer entregar!?
HOMEM - Não me pára a tiririca
Dos joelhos me arranhar,
Às coxas sobe a coceira,
Até ao umbigo vai dar.
Me incha dedo e pescoço
Vontade de avançar
(Cantando )
MAGALONA
MAGALONA
MAGALONA
MAGALONA
MAGALONA
Acabou-se o meu controle
Sou capaz até de pular!
PRINCESA - Se aguente seu plebeu feio
Se quiser me conquistar,
Não se esqueça quem sou eu,
Não esqueça o seu lugar.
HOMEM - A senhora usa saia,
Que esconde seu naturá.
Eu uso calça e camisa
Que não dá pra disfarçar.
PRINCESA - (Chorando) Ai, ai, ai! Que sina, meu Deus, que sina. Tá na porta o
reis chegado, e eu grudada aqui em cima. Bate palmas o coração,
pestana, grinalda e tudo! Só porque me acende o fogo as falas
desse lambudo.
HOMEM - Princesa Magaloninha. Já chega de tanto papo. As veias que
correm sangue, não dão vinho de jenipapo.
PRINCESA - Ui, ui, que desfaleço, pois já tá morrendo o dia. Oh! Sol ingrato,
agoniza, peste! Pois já está farto de meu sofrer desfrutar.
HOMEM - Depressa, princesa lindo, que já não vejo o formato. (À parte)
pois pra cavalo com fome não importa a cor do pasto). Me instrua,
o que é que eu faço, o que há com você, me conte, que astúcia
devo fazer, pra escapar desse embaraço?
PRINCESA - (Chorosa) Meu pobre vagabundante, que buscas nesses
caminhos?
HOMEM - Busco aventura constante, procuro achar um destino.
PRINCESA - Oh! Triste sina te aguarda. Mas se disposto estás, me tira dessa
aflição então me desposarás.
HOMEM - Me basta, real princesa, uma noite nos teus braços, teus amores
desfrutar
PRINCESA - (Com raiva) Ah! Nem pense tais asneiras. Pra provar meu
picadinho, terás que me desposar. E para tal, teu destino, terás que
aqui mesmo achar.
HOMEM - Ai, desgraça! Ai, desventura! Que fazer pra me aliviar? Fingir, sei
lá o que, ou as calças arrebentar. Estou pronto, dona Alteza, pra
Pedra Branca reinar.
(Cantando )
(Cantando )
MAGALONA
MAGALONA
MAGALONA
MAGALONA
MAGALONA
MAGALONA
PRINCESA - Então, valente guerreiro, arreganhe bem o ouvido pra meu
tormento saber. Sou princesa 6 a 6, à noite terrível cobra, me torno
e me temereis. Sou a mais terrível coisa, que o manto do céu
cobriu desde que a estrela cadente escorregou e caiu, num março,
em meu fevereiro e me fez verde e feroz, num noturno cativeiro.
HOMEM - Valei-me Jorge, o guerreiro. Em que foram te encantar?!
PRINCESA - Devorei meu reino todo, quem quis ou não ajudar, enfrentando a
cobra verde bem aí nesse lugar.
HOMEM - Pois eu tou pronto, princesa, pr’essa façanha aprontar pois me
interessa o carinho que Vossa Mercê pode dar.
PRINCESA - Então escute, mancebo, cavaleiro desmontado. Essa pedra é o
travesseiro do monstro que me tornarei, Se dorme antes que
chegue a cabeça a reclinar na pedra branca e macia, ela não te
notará. Então seu olho esquerdo, com um esporão encantado,
trate, sem dó, de furar.
HOMEM - Daí o encanto desfaz, e o que acontece mais?
PRINCESA - Meus braços, meu corpo e reino. Em tudo reinarás! Ui, ui, ui
(Desaparece)
HOMEM - Que foi, Alteza? Que foi? Não suma, não desfaleça, Não me
deixe em desespero com esse pezão na cabeça.
CORO - (Cantando) Coragem, caboclo véio,
Coragem, tem santo é forte,
Se não comer a princesa,
Comerás a mãe da morte
HOMEM - Acho bom botar cilada,
E esperar o que vier
Pois neste estirão todo
Fruta mais rara é mulher
(O homem reclina a cabeça e finge dormir. Vem a cobra, deita a cabeça a
seu lado. Ele tenta furar-lhe o olho esquerdo e atinge o direito. Ela acorda e
se enfurece mordendo-lhe uma das pernas. A cobra some. Ele pula, grita e
tem alucinações revendo os encantados que já encontrou)
COURO VELHO - Burro e desajeitado. Se não achar a Manguda morrerás
envenenado!
MAGALONA
MAGALONA
MAGALONA
MAGALONA
PRINCESA - Ai, ai, ai! Nem macho, nem reino nem nada. Serei para sempre
cobra em vez de fêmea montada.
HOMEM - (Cantando) Manguda, Mangudinha
Me acode bicho do céu.
Tô doido, tô ardendo em febre,
Tô variando queimando
Me acode, me chupa bicha
Ou me vou probeleléu
3° EPISÓDIO
MANGUDA
(Acudindo, aos gritos do homem sobe a Manguda. Primeiro a cabeça do
apenas a metade do tronco)
MANGUDA - Êta! Tá cheirando sangue riá. Hum! Cheirinho bom, bom e bom...
HOMEM - Minha santa Mangudinha, alma, gente, assombração – seja lá o
que for – me acuda. Já me sinto morto-vivo, ou de encanto sou
cativo!
MANGUDA - Ui, mancebo dos meus encantos! Por quê te aventuras tanto de
passar no meu quintal?
HOMEM - Só porque soube que eras um bicho morto ou vivente, mas que
vai me livrar do mal.
MANGUDA - Ai, doçura dos meus olhos, na solidão que me encontro, até
carniça ou veneno pode muito me assanhar.
HOMEM - Pois me chupa, bicha feia, que as veias tão pra estourar.
MANGUDA - Ah! É? Pois não é fácil, não. Antes tens que me beijar, sobre o
lábios sedutores, pra ter força pra chupar
HOMEM - Me chupa, por caridade! Esquece desse chamego. Se estás aí bem
em cima, como posso te alcançar?
MANGUDA - Muito bonito, bestão. Se cá não podes subir, como vou te chupar aí?
HOMEM - Não conversa muito ou morro. Se pra vir em meu socorro, preciso
as calças arriá...
MANGUDA -Vige como ele é afoito! Já te disse que pra isso de eu poder te
chupar vais ter que beijar-me a boca pra força eu poder criar.
HOMEM - Ai! Lá se se vai a minha vida! Veneno me come o sangue! Pois
beijar essa sulapa, lá vai ser papel de homem?
MAGALONA
MANGUDA - Ah! Não! Me insultas, seu atrevido... Pois fiquei braba! Engasguei!
Beijarás querendo ou não ou então me arrependerei.
(Ela cresce assustadoramente)
HOMEM - Ai! Valei-me minha madrinha. Pra se conhecer o mundo se sofre
mais que galinha, em mesa de pobre, domingo, que é lambida, é
devorada do couro até os ossinhos.
MANGUDA – (Tentando agarrá-lo) Vem cá, frouxo, macho manso. Me abraça,
me dá um beijo. Não corre que eu te alcanço.
HOMEM - Ai! Meu Deus que bicho feio, que gigante esfomeado. Já me falta o
sangue, as pernas, nem posso fazer de brabo. Ai, Pera! Larga! Xô!
Passa! Soco...r...r...roooo...
MANGUDA – (Gritando) Peguei! Peguei o sovina. Me beija, meu santo lindo,
meu canarinho real. (Envolve-o beijando-o)
HOMEM - Ui! Acho que fui vacinado! Não arde mais o bocado que o bicho
tirou daqui.
MANGUDA – Coitado! Desalentado! Vou te fazer um presente antes que possa
cuspir. Dou-te um fio de cabelo do suvaco mais cheiroso, que o
mundo vai possuir
HOMEM - Arre, credo! Que catinga, e que faço disso aqui?
MANGUDA - Não posso prever o futuro, mas seja para o que sirva te guarda pro
que há de vir.
HOMEM - Brigado, guento o cheiro... Mas o que há? Que tremes toda, que
engulha, Que te retorce? Vige! Parece que vai parir.
(Ela sobe outra vez. De cima, cospe uma bomba” que levanta fumaça do chão. Abre-se um rombo no pano, rente ao chão e sai o bicho
que dominará o próximo episódio)
4° EPISÓDIO
CAVALO DO CÃO
(Do rombo aberto pela Manguda, sai o Cavalo do Cão )
CAVALO DO CÃO - Arre, que não tem égua!
Arre que não tem égua!
(Corre atrás do homem já recuperado)
HOMEM - Pra lá, pangaré do Diabo! Pra lá, Cavalo do Cão! Tás
bestando, besta do Diabo! Arreda com essa Chapola, que
“fugareiro” é o apelido que dão para “fiofó”
CAVALO DO CÃO - (Bufando e parando de correr) Que merda de frio é esse
que meus olhos vem tampar?
HOMEM - Frio? A noite até que está morna! Vai ver que o buraco é
quente e tu confunde o lugar.
CAVALO DO CÃO - Quem fala com arrogância?!
HOMEM - Sou eu, Vicente Jamanta, que nunca quebrei cruzeiro, mas
o inferno não espanta
CAVALO DO CÃO - Olá, companheiro surdo!
HOMEM - Sai pra lá, caco de égua! Senão te apronto um bom murro.
CAVALO DO CÃO – Que é isso? Vivo cansado de correr de espeto quente.
Espora de fogo queima e coze o pelo da gente
HOMEM - Já se viu coisa igual? Um monte de ossada velha de
pelanca estraçalhada que não serve nem pro Diabo, vem
pra cá contar piada.
CAVALO DO CÃO - Se avexe você, seu corno
Assim é que se recebe,
Visita tão importante
Que sobe pra cá pra cima,
Pra poder se refresca?
HOMEM - Ó vulto dos seiscentos
Que além de beiçola, Chapola,
Pangaré do Diabo, espora
Vai querer me apoquentar?
CAVALO DO CÃO - Não seja tão repelente,
Não bazugue fora a sorte
De um ser que conhece o mundo
Poder um dia encontrar.
HOMEM - De que me serve uma coisa que até o Diabo rejeita?
CAVALO DO CÃO - Pode servir pra jumento
Pra guia ou pra montaria
Pode ser sua alegria se o bicho souber tratar
HOMEM - Que tratamento eu vou dar pra uma cangalha velha que
escapou do inferno onde nem serviu d grelha?
CAVALO DO CÃO - Seu moço, seja decente, não escorrace um amigo, pois tou
cansado do cão por isso me acho fugido.
HOMEM - Então o Diabo era o teu amo? Como então quis escapar?
CAVALO DO CÃO - nunca queira ter um amo como o que eu tive por lá. Catuca
a gente com espora, cavalga até nos gastar. Veja o resto
que sobrou do alazão que eu era.
HOMEM - Arre! Cruz credo O tinhoso sabe bem esculhambar.
CAVALO DO CÃO - Por isso me faça servente, senhor do meu cavalgar. Posso
ser daqui pra frente fiel servo a seu mandar. Mas não me
dê tarefas grandes que eu tenha que me negar, pois
quando fugi, o Diabo danou-se me espraguejar, que se me
nego três vezes meu amo acompanhar, mudo de minhas
feições e volto pra infernar.
HOMEM - Embora não possa de todo acreditar no que dizes, pois
vindo donde tu vens, é difícil se aceitar que sejas coisa de
bem. Posso ser teu companheiro daqui pra frente também.
CAVALO DO CÃO - Ora vivas! Tenho um amo! Do bom talvez ele seja. Posso
agora corre livre sem cabresto, peia ou espora.
HOMEM - Não fique tão assanhado
Nem rinche cantando glória,
Pois cabresto tu vais ter
Logo, sem muita demora.
CAVALO DO CÃO - Ai, acabou-se a alegria. Que adianta mudar de amos?
Podem acabar-se as esporas mas o cabresto eu tomo.
HOMEM - Não chia, pangaré velho, sem cabresto, besta-fera como
posso te montar?
CAVALO DO CÃO - Seu moço, não adianta querer me engolobar. Não podia
ser meu amo, sem querer me encabrestar?
HOMEM - Não posso porque trato é trato. Já que tenho cavalgar
nas tuas costas sem cair, cabresto tem que amarrar!
CAVALO DO CÃO - Apois bote, mas não aperte. Vige! Que cheiro medonho!
HOMEM - Não é de enxofre, eu garanto, nem cordão de Santo
Antonio.
CAVALO DO CÃO - Apois suba em meus costados. Se abotele todo e cuide dar
partida o sinal. Correrá mais do que o vento no pangaré da
esperteza.
HOMEM - Espero que quebre as peias, rompa mato, arrede nuvem,
escale montanhas altas, nade em rios, fure serras, pro
mundo se desvendar.
CAVALO DO CÃO - Diga “Ôa” e me catuque, pra viagem começar. Pra onde
vamos, Cavaleiro?
HOMEM - Pras terras do Deus dará.
(Intervalo que introduz ao próximo episódio)
HOMEM - Ôa! Ôa! Aazão
Corre, corre, avoa, avoa
CAVALO DO CÃO - Não espere criar asas
Sapo velho de lagoa
HOMEM - passa terra
Corre céu
Passa chuva
Corre sol..
CAVALO DO CÃO - O cavalo do meu amo
Mais enrolado que anzol
HOMEM - Corre, avoa,
Azula o vento,
Te arrebenta pangaré.
CAVALO DO CÃO - Nessa terra que se passa
Não dá égua nem mulher
HOMEM - Coisa boa, é ter o tempo
De correr quando quiser.
CAVALO DO CÃO - Tenho os coatados ardendo
Que até o bucho dá fé.
HOMEM - Passa terra e u passo fome
E não vejo o que comer
CAVALO DO CÃO - Tenho a Chapola coçando
Só de fome padecer
HOMEM - Não falava dessa fome,
Pra que foste de alembrar?
CAVALO DO CÃO - Vejo ali uma fumacinha
É bom meu amo apear.
HOMEM - Eia, Eia! Pangaré velho, esbarra, Cavalo do Cão!
CAVALO DO CÃO - Ih! Meu amo, sinto cheiro de gente de assombração. Chega
pra perto pra ver. Tem casa ali, tem cristão.
HOMEM - Não chego, fico de cá, coisa boa não há lá não.
CAVALO DO CÃO - Já me negaste uma coisa!
HOMEM - Neguei, meu amo. Perdão.
5° EPISÓDIO
A VELHA QUE VIRA PORCO
(O Homem aprecia, o pangaré aguarda )
CAVALO DO CÃO - Cuidado meu amo.
Aí nessas casinha apertada.
De mistério tem um jeito
e cheiro que não me agrada
HOMEM - Tô pronto. Fica de guarda. (gritando) Ó de casa, se
apresente pra receber embaixada.
VELHA - (De baixo) De fora! Fico contente de receber sua chegada!
HOMEM - Tenho fome e tenho sede. Boa velha, o que pode me
servir?
VELHA - Entre e vá se abancando, por sorte tenho um angu de
caroço cozinhando.
HOMEM - Leva alho, cheiro ou louro?
VELHA - Arre! Não me fale de alho, que me arrepia o couro.
HOMEM - Não carece eu entrar não, fico de fora e espero, não quero
lhe dar serviço, tampouco incomodação.
VELHA - Entre sim, até me ajuda que a noite já cobre o céu e mia
vista encurtece. Depois tenho um tesouro pra lhe mostrar.
Se merece. Uma espada de força que foi do Rei Salomão!
HOMEM - Qui nada, mia boa velha, não precisa mostrar não, esses
tesouros tão caros às vezes trazem perdição.
VELHA - É só ver e não tocar nele. Ela é uma espada de força que
protege o dono dela abrindo todo o fechado, matando onça,
inimigo, seja vivo ou encantado.
HOMEM - Tá bom, já que faz empenho dessa espada eu olhar, eu
entro, mas não vou me demorar (Ambos vão pra detrás do
pano)
VELHA - Que tal, não é uma beleza? (Gritando) Eu! Não se atreva
a tocar!
HOMEM - Que diabo de olhar é esse? Vire esses olhos pra lá! (Sai
correndo pra fora do pano, e sobe um porco no lugar da
Velha) Ajuda-me pangaré, a velha parece o diabo, se não
for ele, o tinhoso, é algum bicho encantado.
CAVALO DO CÃO - (Rindo) Não disse? Não lhe avisei? Um porco grande e
safado! Mas que trambolho é esse, que traz aí tão pesado?
HOMEM - Ichi! Que na afobação, do susto que tomei, com tanta
pressa eu corri que a espada roubei.
CAVALO DO CÃO - Depressa, lá vem o bicho! Arranque esse caco velho de
dente, aqui detrás do meu queixo.
HOMEM - (Puxando) Tá duro!
CAVALO DO CÃO - Arranque que eu não me queixo!... Isso! Jogue no porco,
que o desencanto é na certa.
(O homem faz como manda o pangaré, e o porco que corria e bufava praguejando,
pedindo a espada de volta, grunhe, esturra e volta a ser a velha)
VELHA - Volta aqui, vivente imundo, capacho de Satanás!
HOMEM - Tua espada de força é minha e não mais verás. Azula,
alazão do diabo, que a velha quer vir atrás.
(Intervalo que introduz o próximo episódio)
HOMEM - Ôa, ôa, meu cavalo,
Meu pangaré de alazão,
CAVALO DO CÃO - Agora sou teu cavalo
Já fui cavalo do cão
HOMEM - Corre cangalha de osso
Te arrebenta na ilusão.
CAVALO DO CÃO - Não xinga senão te atiro
Agorinha mesmo no chão
6° EPISÓDIO
A SERPENTE GUARDIÃ
HOMEM - Eia, bicho! Devagar pra procurar qual é o lugar mais raso
p’ressa água atravessar.
CAVALO DO CÃO - Que água, senhor meu amo? Esse bruto igarapé? Isso é
fosso de castelo, não vê pé de pangaré
HOMEM - Tá me negando de novo? Segunda vez que me nega.
CAVALO DO CÃO - Perdoe, Senhor meu amo, mas esse igarapé é fosso de
castelo encantado.
HOMEM - Que castelo, isso é uma ilha.
CAVALO DO CÃO - Que ilha, isso é castelo. Ói! Viu? Senti a terra abalar...
(Ouve-se um esturro) A bicha tá se mexendo e vem a
gente atacar.
HOMEM - Que bicha, que nada, frouxo!
CAVALO DO CÃO - pois então o senhor que se arrisque. Que a bicha que eu
tou falando, é a serpente encantada, guardiã desse lugar
(Um esturro mais forte e a cabeça da serpente de abas aparece)
HOMEM - Cruz credo! Parece o cão! Avante, pangaré velho! Tenho
a espada na mão, vam’bora a bicha enfrentar!
CAVALO DO CÃO - Valei-me meu amo antigo, Adeus meu amo de agora, pois
nego a terceira vez, me transformo sem demora
(O pangaré dá um jeito de ser arrastado para detrás do pano e em seu lugar
sobe um urubu-Rei relinchando e voando atrás desaparecer numa cortina
de fumaça, enquanto o homem esbraveja)
HOMEM - (Cantando) Ah, Bicho frouxo, medroso!
Era do diabo, não nega.
Me trouxe para o “Sem-Fim”
E do inferno não arrenega!
bis
(Outro esturro e a serpente já está em cena ao ataque)
HOMEM - (Falando) Poia juro que te atravesso, seja castelo, ilha ou
nada, esse igarapé ou fosso, dessa medonha encantada
(Trava-se uma luta) Vem, minhoca das profundezas! Te
arreganha pro meu aço. Te torce e retorce toda, me leva pra
água funda. Vem, bichona, vem de jeito que te acabo, que te
racho, te corto esse coração e enfio a espada na bunda! (O
homem consegue cortar a ponta do rabo da serpente e
com um grande esturro ela morre. Ele pega-lhe com jeito
e arruma-a como uma ponte e atravessa o igarapé
fictício) Adeus, espada de força, valeste-me em boa hora!
Abram-se portas, janelas, do encanto da bela ilha, que seja
ilha, que seja terra ou castelo, as minhas pernas fervilham!
(Dá-se jeito da Serpente ser puxada para dentro do pano, enquanto o homem faz que
nada. Ao sumir o rabo da serpente, em sombra, a silhueta de uma barca aparece)
7° EPISÓDIO
A BARCA DE DOM JOÃO
HOMEM - Meu Deus, que a vista enturvece! Que brilho! Que maravilha! Será
que é água de vera, ou vidro, ou pedras preciosas, que como areia
nesses meus olhos cintilam? Não pode ser verdadeiro! Tanta água,
Tanta espuma não se vê donde nos chega. A vista não alcança a
terra e o céu a encontra e a beija
BARCA - (Cantando) Sê bem vindo, companheiro
Resoluto a navegar,
Molha os pés e benze a testa
Com a salgada água do mar
HOMEM - (Falando) Como é bela e não me assombro!
BARCA - (Cantando) Porque não sou de assombrar!
Porque não sou de assombrar!
HOMEM - (Falando) Quem és criatura estranha?
BARCA - (Cantando) Sou teu anjo bom do mar
Sou teu anjo de maré,
Sou quem vai te acompanhar
Nos caminhos do oceano,
Nos caminhos do oceano
Que tem ida sem voltar.
HOMEM - (Falando) Onde vai dar o oceano,
Onde esse mar vai parar?
BARCA - (Falando) Em lugar nenhum do mundo,
Esse oceano profundo
Só tem beira, só tem fundo
Só tem beira, só tem fundo.
É água que enche e vaza
Não adianta nem atrasa
E chega a todo lugar
Sem nunca se esvaziar.
HOMEM - (Falando) Mas quem és, ó criatura,
Que só canta sem falar?
Qual teu destino no mundo
Que fazes neste lugar?
BARCA - Te esperava, aventureiro,
Pra poder te carregar.
Vivente como tu és,
Com a coragem que trouxeste
Chegando da terra ao mar.
De Dom João sou a barca
Encantada da ilusão,
Carrego para o seu reino
(Sou farol de assombração).
Os barcos que ele merece
Pra sua marinha de guerra,
Enfrentar a situação,
(Cantando )
Dos reinos que estão no fundo,
Aguardando dia e hora
Pra mudarem sem demora
As coisas cá deste mundo
HOMEM - Já sinto um tonto banzeiro,
Me abre um buraco e o peito
Se afunda dentro de mim.
Não sinto o sangue e a cabeça
Cambaleia no pescoço,
Parece que não tem osso,
No meu corpo a sustentar.
CORO - (Cantando) E ora, agora, senhora,
A me ofuscar os olhos,
Me derrama a luz no colo,
Me esfumaçando o pensar.
BARCA - (Cantando) Ai, meu companheiro,
Te largas ao mar
No fundo deste oceano,
Tem reinos pra mergulhar
HOMEM - (Cantando) Não sei se estou vivo ou morto,
Nem sei qual é este lugar
Ai não me lembro de onde venho
Nem porque cá vim chegar.
BARCA - (Cantando) Esse é que é o destino
De quem chega para o mar
Ah, não mais pára nessas ondas
Que fazem a vida encantar
HOMEM - (Cantando) Marinheiro de uma barca,
Eu que cavaleiro fui,
De uma sina de esperança,
Que se fez meu norte e luz.
BARCA - (Cantando) Entra pro meu bojo e dança
Essa dança que seduz
Navega tua esperança e te guarda
Pra batalha de Queluz
bis
bis
bis
bis
F I M
E ora, agora, senhora,
A me ofuscar os olhos,
Me derrama a luz no colo,
Me esfumaçando o pensar.
(Cantando)
bis
bis
bis