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CENTRO UNIVERSITÁRIO CENTRAL PAULISTA – UNICEP Contribuição para o Estudo sobre a Educação no Brasil no período de 1968 / 1974 Ronaldo Martins Gomes São Carlos 2008

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CENTRO UNIVERSITÁRIO CENTRAL PAULISTA – UNICEP

Contribuição para o Estudo sobre a Educação no Brasil no período de 1968 / 1974

Ronaldo Martins Gomes

São Carlos2008

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CENTRO UNIVERSITÁRIO CENTRAL PAULISTA – UNICEP

Contribuição para o Estudo sobre a Educação no Brasil no período de 1968 / 1974

Ronaldo Martins Gomes

Monografia apresentada ao centro Universitário Paulista – UNICEP – para a obtenção do título de Especialista em História, Cultura e Educação.

Orientador Professor Doutor: Marco Antônio Pratta

São Carlos2008

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Dedicatória

Ao Criador de todas as coisas, visíveis e invisíveis, que nos fez sujeitos aptos à busca, ao interesse e a apreensão do conhecimento.A Ana esposa, amiga e companheira.A Anita, Gabriel, Lucas e Izabel, filhos de uma relação de amor.

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RESUMO

O objetivo desta monografia é discutir a educação no Brasil, no período maior restrição

das liberdades política e civil da população. Tal liberdade é, indiscutivelmente, conditia

sine qua non para o desenvolvimento maduro e consciente de um povo.

Como parte de um projeto que substituiu no país as teses do nacional-

desenvolvimentismo, o regime militar que se impôs à quarta República (1946-1964),

investiu na idéia de crescimento com segurança. O que significa dizer reafirmou, a

primazia do capital sobre o trabalho.

Partindo de uma breve visita a história da educação geral e no Brasil, discute-se em que

medida as relações no âmbito político se traduziram em um modelo, ou, pelo menos, em

profundos reflexos no modelo educativo pátrio.

Dentre os muitos reflexos, optou-se por observar a privatização do ensino como uma das

principais características da educação no Brasil militarizado.

Palavras-chave: Educação, Pedagogia, Regime Militar.

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SUMÁRIO

DEDICATÓRIA ..................................................................................................................... I

RESUMO ............................................................................................................................ II

SUMÁRIO .......................................................................................................................... III

INTRODUÇÃO .....................................................................................................................1

CAPÍTULO 1 – A EDUCAÇÃO NO BRASIL – PERÍODOS 1500/1930 ............................... 5

CAPÍTULO 2 – A PEDAGOGIA A PARTIR DAS REVOLUÇÕES BURGUESAS .............. 14

CAPÍTULO 3 – A QUARTA REPÚBLICA 1946/1964 ........................................................ 21

CAPÍTULO 4 – BRASIL 1964/1968 .................................................................................. 29

CAPÍTULO 5 – 1968 / 1964 EFEITOS DO MILITARISMO NA EDUCAÇÃO

BRASILEIRA ..................................................................................................................... 42

CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................................................................................. 54

BIBLIOGRAFIA ................................................................................................................. 56

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ÍNDICE

INTRODUÇÃO .....................................................................................................................1

CAPÍTULO 1 ....................................................................................................................... 51. O BRASIL DE 1945-1964 ............................................................................................... 52. O GOLPE DE 1945 ......................................................................................................... 83. A EDUCAÇÃO NO BRASIL ............................................................................................. 9

3.1. Período Colonial: 1500 a 1822 .......................................................................... 93.2. O Período Imperial: 1822-1889 ....................................................................... 103.3. O Ensino Primário no Império ......................................................................... 113.4. O Ensino Secundário e Superior no Império: 1822-1889 ................................ 123.5. O Ensino na Primeira República ..................................................................... 123.6. A Educação no Período Getulista: 1930-1945 ................................................ 13

CAPÍTULO 2 ..................................................................................................................... 141. A PEDAGOGIA ANTES DAS REVOLUÇÕES BURGUESAS ....................................... 14

1.1. A Educação Após as Revoluções Burguesas: as escolas ............................... 152. A PEDAGOGIA TRADICIONAL ..................................................................................... 173. A PEDAGOGIA NOVA ................................................................................................... 19

CAPÍTULO 3 ..................................................................................................................... 211. A QUARTA REPÚBLICA: 1945-1964 ............................................................................ 21

CAPÍTULO 4 ..................................................................................................................... 291. O BRASIL DE 1964 a 1968 ........................................................................................... 292. OS MILITARES E A EDUCAÇÃO NO BRASIL ............................................................. 34

CAPÍTULO 5 ..................................................................................................................... 421. O PERÍODO DE 1968-1974 – EFEITOS NA EDUCAÇÃO BRASILEIRA .................... 42

1.1 A Reforma Universitária de 1968 – LEI 5.540/68 ............................................. 451.2. A Reforma do Ensino de 1o e 2o Graus – Lei 5.692/71 .................................. 481.3. A Privatização do Ensino no Brasil .................................................................. 51

CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................................................................................. 54

BIBLIOGRAFIA ................................................................................................................. 56

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INTRODUÇÃO

O homem vive uma intensa interatividade com a realidade que o cerca. Essa

interação cria sentido para as experiências que vive no tempo e no espaço. À atribuição

de um sentido, a determinado objeto ou circunstância vivida, em um determinado

momento no tempo e no espaço, e, nesse particular Fatone diz que: “Espacio y tiempo son no dos realidades exteriores, sino las formas de aprehensión sensible de los objetos. Esas formas no derivan de la experiencia: no son a posteriori; por el contrario, son necesarias para que la experiencia sea posible: son a priori. Espacio y tiempo son formas a priori de la sensibilidad: son fundamento de todas las intuiciones. Son nuestras 'maneras' de intuir”1. FATONE (1960, p. 151).

Assim, tem-se que, ao perpetuar aquilo que se atribui um sentido ou significação

espaço-temporal, o indivíduo cria a cultura, sendo essa a filha da relação do ser com a

realidade que o cerca, em todas as dimensões possíveis.

Um dos aspectos da cultura é o conhecimento. O conhecimento, por sua vez, é

uma relação complexa entre três elementos: sujeito, objeto e imagem da realidade.

O conhecimento, que explica a realidade, se transforma em patrimônio comum aos

homens, mas, uma vez que a relação entre os homens tem como característica

fundamental a variação, a mutabilidade, surge outro problema: o conhecimento se torna

passível de interpretação, de ressignificações, conforme os interesses envolvidos.

Na mesma linha de raciocínio, considera-se o fenômeno do gregarismo, sentido

primordial do animal político aristotélico, que faz com que determinados grupos se

constituam sob uma identidade comum e, a partir daí, busque sobrepor o seu modus

pensandi sobre os demais grupos existentes.

A relação de conflito com a realidade, em todos os níveis possíveis, leva os

indivíduos a uma atitude de beligerância com o meio. Ocorre que, tal modo relacional é

encoberto como que por uma cortina de fumaça. Surgem, então, as formas, ditas

civilizadas, de se processarem as relações de poder no seio das sociedades humanas.

A educação, por sua vez, é outro aspecto dessa gama extremamente complexa de

relacionamentos que se processa na vida dos indivíduos, bem como do coletivo.

Essa é uma forma de se dizer que a educação não é algo externo ao ser e que se

constitua em elemento de neutralidade ou separação no processo de existir. Como dito,

tanto do indivíduo visto em si mesmo, quanto do grupo social em que este se encontra

1. “Espaço e tempo não são duas realidades exteriores, são sim formas de apreensão sensível dos abjetos. Essas formas não derivam da experiência: não são a posteriori; pelo contrário, são necessárias para que a experiência seja possível: são a priori. Espaço e tempo são formas a priori da sensibilidade: é fundamento de todas as instituições. São as nossas “maneiras” de intuir”. (Tradução livre). FATONE (1961, p. 151).

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inserido. A educação, portanto, mostra o que aconteceu, como foi valorado e, como

assumir o papel social que lhe cabe.

Dois são os tipos de educação que se tem conhecimento: a) educação como

sinônimo de transmissão de informações e b) educação como sinônimo de formação.

Enquanto a primeira opção situa o indivíduo diante de seu contexto existencial, a

segunda, o habilita não apenas à interação no pólo passivo, mas, o leva além, o capacita

à interatividade no pólo ativo, isto é, enquanto sujeito histórico em seu período existencial.

Há uma definição muito ilustrativa feita no prefácio da obra de Dewey – Vida e

Educação – pelo professor Anísio Teixeira: “Podemos, já agora, definir com Dewey, educação como o processo de reconstrução e reorganização da experiência, pelo qual lhe percebemos mais agudamente o sentido, e com isso nos habilitamos a melhor dirigir o curso de nossas experiências futuras. (grifo do texto original). Por essa definição a educação é fenômeno direto da vida, tão inelutável como a própria vida. A continua reorganização e reconstrução da experiência pela reflexão, constitui o característico mais particular da vida humana, desde que emergiu do nível puramente animal para o nível mental ou espiritual” (apud DEWEY, 1978, p. 17).

A educação, portanto, quer seja enquanto informação, quer seja enquanto

formação, é reconstrução e a reorganização das experiências existenciais, que são

naturalmente complexas e passíveis de valoração conforme o contexto em que se

insiram.

Uma vez que com o conjunto de significações e representações simbólicas se faz a

leitura de existência humana é passível de apropriação, isto é, quando determinado grupo

traz a si a prerrogativa de explicar a realidade, surge um modelo relacional em que a

educação pode ser também, um simples recurso utilizado na manutenção das relações

sócio-políticas nas mãos de um mesmo grupo ou classe hegemônica. Na história

contemporânea, cabe a classe burguesa esse papel.

Se considerar-se que a educação, no papel informativo e no formativo, serve como

instrumento de dominação, é imperativo que os grupos dominados também dela se

apropriem, sob pena da não-alteração do status quo de sua própria existência, ou seja, o

de sujeito passivo de sua própria história.

Pelo que até aqui se disse, é possível entender também a educação com um forte

entrelaçamento com a política, com a forma de manutenção e estabilização das relações

de poder entre homens, na vida social ou coletiva.

Portanto, pretende-se discutir no presente trabalho a educação. Esta, porém,

contextualizada com a realidade política e histórica do país. Aqui se quer discutir o ensino

no Brasil, no período mais crítico da história recente: 1968-1974.

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Contudo, sabe-se que, ainda que vista de forma fragmentada, a história é um todo

onde causa e efeito se relacionam dialeticamente.

Para fins, então, de contextualização, discutir-se-á o período que antecedeu ao

Golpe militar de 1964, especificamente, a chamada Quarta República, entre 1946 e 1964.

A importância de tal abordagem dá-se pelo fato de que não é possível entender os rumos

adotados no país naquele período histórico, sem ver que tipo de reflexos estavam aí

consignados pelos fatos antecedentes. Essa é uma abordagem com forte conotação

histórica e política.

Far-se-á ainda, uma panorâmica sobre a história da educação no Brasil desde a

chegada dos primeiros jesuítas em 1549, e qual era o padrão educacional que se adotava

na época. Desde aí, então, apresentar-se-á uma síntese histórica na educação brasileira,

cobrindo o período Imperial, a Primeira República, o Golpe de 1930 e o Estado Novo.

A discussão posterior irá abordar sinteticamente a história da classe burguesa e

suas concepções educacionais: a Educação Tradicional e a Escola Nova. Esta

panorâmica histórica contribuirá para a compreensão da educação em um contexto mais

abrangente, qual seja como elemento da estrutura social, dependente sim, do modo de

produção econômica, conforme advoga a concepção marxista.

A situação determinada pelo final da II Grande Guerra em 1945 criou determinadas

condições históricas, que atuaram fortemente na geopolítica mundial, o mundo da Guerra-

Fria 1947-1989. Tais condições históricas afetaram todo o mundo ocidental de uma forma

até então desconhecida; nas áreas social e cultural, entre as décadas de 1940 e 1960,

houve tantas transformações que, indiscutivelmente alteraram os padrões existenciais.

Isso não apenas afetou o Brasil, como influenciou a educação.

O golpe ocorrido em 1964 foi uma confluência de situações que aglutinou vários

setores pertencentes a uma mesma classe: capitalista, e se deu sob determinadas

circunstâncias históricas, e sua interferência na educação é o desdobramento necessário

de um determinado contexto.

O período inicial do Golpe de 1964 também teve características distintivas em

relação ao período que se enfocará nesse trabalho.

Finalmente, objetiva-se analisar as Reformas ocorridas no Ensino Superior e de 1º

e 2º graus, tendo como principal preocupação discutir a privatização do ensino no Brasil.

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CAPÍTULO 1

1. O BRASIL DE 1945-1964

A retomada histórica de certos fenômenos observáveis na vida social é um

elemento indissociável da busca por respostas coerentes. Nesse sentido, é que ensina

Durkheim: “Com efeito, o presente no qual somos convidados a nos encerrar não é nada por si; é apenas o prolongamento do passado, do qual não pode ser separado sem perder grande parte de seu significado. (...). Não só esse método nos permite prevenir muitos erros possíveis no futuro, como também podemos prever que ele nos fornecerá os meios de corrigir certos erros que foram cometidos no passado e cujas conseqüências ainda sofremos” (1995, pp. 22-23)

Esta parece ser a perspectiva correta para que se compreendam os

acontecimentos desse importante momento da história pátria: a quarta República 1945-

1964.

O Brasil, colonizado sobre a bandeira do modelo de exploração, manteve uma

atitude de “estupro consentido”, desde 1533 (começo efetivo do processo de colonização)

até 1822, quando atingiu o status de nação livre. Há quem considere um tanto quanto

ambíguo tal status, haja vista, ser o Brasil o maior país em extensão territorial e, ainda

assim, ser o último a romper as amarras impostas pela metrópole.

O período imperial, 1822-1889, não fez senão aprofundar laços de dependência

econômica e cultural, notadamente o célebre tratado com a Inglaterra em 1810, iniciado

ainda no período colonial: o Tratado de Aliança e Amizade, de Comércio e Navegação e

além do tratado que regulamentou as relações postais entre os dois reinos.

É inclusive surpreendente que, enquanto em todo mundo dito civilizado, as

relações políticas baseadas no absolutismo são abolidas, no Brasil, inicia-se o Império.

Tal foi a força deste modelo de sujeição que, na primeira República, não houve

uma ruptura com o padrão exploratório. A massa de seres humanos que compunham o

povo brasileiro parece ter estado ausente tanto no sete de setembro de 1822 quanto no

quinze de novembro de 1889.

A primeira República brasileira desenvolveu-se sob domínio das oligarquias do

café, os paulistas, e da pecuária, os mineiros. Donde se conserva até hoje o nome de

república do café-com-leite.

Este foi o modelo político centralizado no interesse das classes dominantes,

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desarticulado das aspirações das massas.

Durante a república do café-com-leite ocorreu um grande fluxo de transformações

no mundo ocidental. Estas transformações influenciaram muitas mudanças significativas

no Brasil. Para fins de exemplo, a vinda de imigrantes europeus, dos quais a dívida

histórica para com os italianos é significativa. Idéias como liberdade e participação

política, tiveram maior repercussão no solo brasileiro, a partir da presença dos imigrantes

italianos.

A guerra mundial de 1914-1918 apresentou também forte influência no pensamento

social, político e cultural. Movimentos como a Semana da Arte Moderna em São Paulo,

em 1922, a criação do Partido Comunista Brasileiro, em março de 1922, o movimento

tenentista no forte de Copacabana, também em 1922, mostraram que novos pensares e

aspirações já faziam parte do inconsciente coletivo brasileiro, ou, pelo menos, da classe

média. Finalmente, em 1929 a Grande Depressão derrubou a economia ocidental,

inclusive os cafeicultores. Tem início então, um movimento destinado a mudar o eixo do

poder, ainda que sob a mesma classe.

Em 1930 o caudilho Getúlio Dornelles Vargas, apoiado pelo descontentamento

mineiro (os do leite), assume as rédeas do poder depois de um crime passional. O Dr.

João Pessoa não era um político perseguido por oposição; senão, pela do marido a quem

havia seduzido a esposa!

O período getulista, por sua vez, comportou três significativas divisões:

a) 1930-1934 – Governo Provisório;

b) 1934-1937 – Governo Constitucional;

c) 1937-1945 – Estado Novo (o golpe no golpe).

Como não é objetivo deste trabalho discutir tais períodos, apenas na medida em

que os acontecimentos contribuam para aclarar a aura de liberdade que, entre 1945 e

1964, se instalou na alma dos brasileiros.

Nesse sentido, é fundamental lembrar que Getúlio não carregou em vão à alcunha

de “pai dos pobres”. Até sua vinda ao cenário político, as condições das massas eram, na

melhor das hipóteses, de esquecimento. A ele se deve:

a) a criação da Justiça do Trabalho;

b) a instituição de um salário mínimo, digno à época;

c) a CLT, ou Consolidação das Leis Trabalhistas, diante da exploração feita pelos

oligarcas e empresas que no período estavam em solo brasileiro;

d) a Carteira de Trabalho;

e) a jornada de 48 horas e férias remuneradas;

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f) o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística em 1938;

g) a nacionalização do petróleo, na famosa campanha: o petróleo é nosso;

h) a indústria de base como: Companhia Siderúrgica Nacional em 1940; a Vale do Rio

Doce em 1942; a Hidrelétrica do Vale do São Francisco em 1945.

Até o golpe militar de 1945, Getúlio Vargas, em alguma medida, encheu o brasileiro

de certo “orgulho” de haver nascido no Brasil.

Em que pese sua simpatia haver pendido para o nazifascismo e sua polícia política,

representada pelo “patrono dos torturadores” brasileiros, Dr. Filinto Strubing Muller,

Getúlio introduziu mudanças positivas no Brasil.

A idéia de fazer parte do cenário; de poder afetar aos rumos políticos (ainda que

nos limites de interesses fora de si); de ver reconhecido a sua capacidade laborativa; de

ver os patrões serem limitados em sua área de influência, deu ao brasileiro uma nova

forma de se perceber enquanto indivíduo. Foi nesse animus impregnado da uma forte

consciência de si mesmo e do papel social de povo, é que se deve pensar a história

brasileira pós-45 e pré-64.

Não menos importante para essa discussão é o próprio momento histórico vivido

pelo ocidente na época. A propaganda oficial dos Aliados (leia-se EUA) havia

demonstrado, ou manipulado, que as potencias do eixo eram os grandes inimigos da

humanidade. Os “bandidos” eram os ditadores que desejavam aniquilar a democracia,

fazendo com que se vivesse em uma sociedade de fantoches. Assim, era natural, e

moderno, lutar por direitos e participação política, cujo germe estava se desenvolvendo

por estágios desde a chegada das massas dos movimentos migratórios no início do

século XX, como dito anteriormente, com grande débito para com os italianos.

Este brevíssimo panorama histórico servirá de pano de fundo para a discussão

sobre o período conhecido como a Quarta República brasileira, iniciada com o golpe

militar de 1945, que depôs o presidente Getúlio Dornelles Vargas e foi finalizado com

outro golpe militar, o de março de 1964.

É notável que o animus golpista dos militares serviu tanto para abrir as porteiras

quanto para fechá-las, de forma violenta. Também sobre esta aura de liberdade, há

algumas questões importantes que devem ser levantadas a partir do contexto mundial.

Para uma melhor compreensão deste momento histórico, deve-se ter em mente

que foi durante a Grande Guerra de 1939-1945, que os EUA se estabeleceram como

paladinos da democracia. Com este perfil ideológico, desenvolveram e aplicaram as

bases da Doutrina de Segurança Nacional. Doutrina essa que subsidiou as ditaduras

militares latino-americanas, nas décadas de 1960 e 1970.

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O Pós-Guerra em 1945 foi também um movimento preparatório para a Guerra-Fria,

1947-1989. Nesse contexto, já as potencias do Eixo Alemanha, Itália e Japão estavam

subjugados. Era momento de começar a combater o novo “inimigo” da liberdade e da

democracia, o comunismo representado pela URSS.

Este momento histórico trouxe muitas alterações na geopolítica mundial, por

exemplo, em 1948, com a criação do Estado de Israel no Oriente Médio, houve um

fortalecimento da política norte-americana na região da antiga Palestina. Os povos árabes

demonstraram maior simpatia pelo nazismo durante o conflito mundial.

2. O GOLPE DE 1945

Ghiraldelli afirma que a deposição de Getúlio, após o pânico gerado pelo

movimento “queremista”, não foi um ato de fortalecimento e busca de bases político-

democráticas, foi, antes, uma preocupação de manter as “rédeas” da política nacional nas

mãos da elite econômica e de seus aliados:“As forças que derrubaram Getúlio nada tinham de democráticas. Eram, na verdade, as mesmas forças que foram suas aliadas no período mais reacionário do Estado Novo. Deram o golpe final na ditadura não por interesses democráticos, mas sim pela aproximação de Vargas das teses defendidas pelas esquerdas” (1990, p. 105).

As questões levantadas são importantes para o texto, pois a educação é um reflexo

do que sucede na superestrutura da sociedade, conforme a cosmovisão dos que estejam

no exercício regular, ou, talvez, não tão regular como nos casos em que há o

estabelecimento de um modelo político ditatorial, do poder. Como diz Piletti:“Então, a educação, sendo universal, varia de sociedade para sociedade, de um grupo social para outro, segundo as concepções que cada sociedade e cada grupo social tenham de mundo, de homem, de vida social e do próprio processo educativo” (...) (1990, p. 8).

3. A EDUCAÇÃO NO BRASIL

3.1. Período Colonial: 1500 a 1822.

Sobre a educação no Brasil, é preciso observar algumas considerações históricas

feitas por Durkheim, em obra já citada nesse trabalho:

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“Escolas de catequização das igrejas, escolas claustrais monoásticas, eis o gênero humilde e modesto donde saiu todo o nosso sistema de ensino. Escolas elementares, universidades, colégios, tudo nos veio de lá; e eis porque de lá precisamos partir” (1995, p. 30).

O período a que se refere Durkheim é o início da Idade Média. Não há qualquer

variação profunda no modelo educativo que vigorou como padrão durante toda a Idade

Média (séculos V ao XV). O que equivale a dizer que o padrão da educação brasileira

esteve sempre dividido, desde sua fase inicial, em ensinar um padrão cultural pré-

existente, a cultura da Europa pós-Idade Média, e, utilizando esse mesmo padrão,

dominar e manipular os educandos.

Quando os religiosos ensinavam aos silvícolas sobre as primeiras letras, traziam

não apenas o modus pensandi do catolicismo romano, mas, sim, toda a carga cultural

européia, nesse caso: a cultura greco-romana somada aos padrões culturais dos

inúmeros povos nativos da Europa, que interagiram com a cultura esposada pela religião

romana. Portanto, o único propósito com que se desenvolveu o ensino no período em

questão é a conversão dos índios ao pensamento da igreja católica, na mesma medida

em que formava indivíduos aptos para o projeto de exploração econômica, delineado pelo

padrão colonialista.

Para uma abordagem crítica, as ações e os ensinamentos de Jesus Cristo e as

práticas da Igreja, que dizia representá-lo, não refletem necessariamente uma relação de

coerência e concordância de princípios.

O modelo educacional que esteve presente no Brasil, desde o início do processo

educativo, em 1549 com a vinda dos primeiros jesuítas, conforme Saviani (2008) até a

discutível autonomia alcançada em 1822 foi um misto de anexação das mentes à religião

católica e à cultura indo-européia do homem branco.

3.2. O Período Imperial: 1822-1889.

O período colonial caracterizou-se pelo predomínio da visão defendida pelo

catolicismo romano, com as devidas atualizações em sua forma de agir. O modo de agir

normal da igreja foi o de gravitar na órbita do poder. A formação de uma elite é o

desdobramento natural de tal modelo relacional.

As elites burguesas, por sua vez, devem ser vistas em seu respectivo contexto

histórico mundial. Nesse sentido, há alguns pontos levantados pelo professor Piletti, que

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são fundamentais para a compreensão do assunto. São eles:“* No plano político, a burguesia derrota a nobreza e assume o poder do Estado, como, por exemplo, na França, com a Revolução Francesa (1789).* No campo econômico, a Revolução Industrial, iniciada na segunda metade do século XVIII com o emprego da máquina e a produção em grandes fábricas, produz um grande avanço do capitalismo, paralelamente às miseráveis condições de trabalho e de vida dos trabalhadores.* No aspecto social, crescem as grandes cidades, em torno das fábricas, e surge uma nova classe, a dos proletários – trabalhadores assalariados cuja única riqueza são a prole numerosa e a força de trabalho, que são obrigados a vender em troca de salários aviltantes.* Tentando compreender e explicar as transformações políticas, econômicas e sociais, e nelas influir, desenvolvem-se as ciências humanas: a História, a Sociologia, a Psicologia, a Antropologia e outras” (1990, p. 41).

Compreende-se então que, enquanto os países capitalistas, EUA e Europa,

usavam suas próprias contradições históricas e criavam alternativas de crescimento

econômico e educação, por exemplo, as ciências humanas para explicar a realidade; as

condições no Brasil não favoreciam um modelo educacional libertador. Viabilizavam, sim,

a simples manutenção do status quo estabelecido.

Observa-se que, desde este momento da história da educação brasileira, a

continuação do modelo de dominação implantado desde o início do processo de

exploração da colônia de além-mar.

As oligarquias rurais, a classe burguesa e os que representavam seus interesses,

em ascensão no Brasil, utilizaram a educação como fator distintivo, como substrato de

seu “direito” de governar. Caminhava-se em direção à “república dos bacharéis”.

Este padrão sempre teve em conta que, deveria haver uma elite “iluminada” para

determinar e traçar os rumos do coletivo. Esse fenômeno se refletiu na educação; o

descaso das elites tem aí uma de suas bases naturais.

3.3. O Ensino Primário no Império.

Conforme ensina Piletti:“* Em 1823, através do decreto de 1º de março, foi criada no Rio de Janeiro uma escola que deveria trabalhar segundo o método Lancaster, ou ensino mútuo. Segundo esse método, baseado na obra de Joseph Lancaster (Sistema monitoral, 1798), haveria apenas um professor por escola e, para cada grupo de dez alunos (decúria), haveria um aluno menos ignorante (decurião) que ensinaria os demais.* A Constituição outorgada em 1824 limitou-se a estabelecer que “a instrução primária é gratuita a todos os cidadãos” (art. 179).* Uma lei de 1827 determinou que deveriam ser criadas escolas de primeiras letras em todas as cidades, vilas e lugarejos, e escolas de meninas nas cidades mais populosas, dispositivos que nunca chagaram a

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ser cumpridos. (...)” (1990, p. 42-43).

Cada província que compunha este país de dimensões continentais deveria fazer-

se cargo de implantar as medidas determinadas pelo governo central. É totalmente

desnecessário dizer que nada se fez. Escravos não podiam participar das escolas, sua

condição era de “coisa”.

Piletti ainda fala sobre desprezo, por parte do governo, pelo ensino técnico-

profissional: “Durante o período imperial quase nada se fez em relação ao ensino técnico-

profissional. (...)” (1990, p. 43). Este descaso é significativo se tiver em conta que o ensino

técnico-profissionalizante, foi um dos fatores de auxílio ao desenvolvimento industrial. Tal

abandono reflete a despreocupação das elites com o crescimento econômico, senão na

medida em que atendia seus próprios interesses. A monocultura e o latifúndio ainda

estavam na ordem do dia. Barão de Mauá, infelizmente, só houve um no Brasil.

A situação aqui apresentada justifica a crítica ao modelo educativo voltado para a

manutenção do eixo de poder nas mãos de poucos privilegiados. Nesse sentido, mesmo o

ensino secundário e superior mostraram fortes ranços do pensamento dos “donos do

poder”, tomando emprestada a expressão cunhada com muita propriedade por Raimundo

Faoro, ainda que, enquanto discutia outro momento histórico.

É necessário reafirmar aqui, mais uma vez, que há uma forte ligação entre o que se

ensina, e as relações político-sociais, estabelecidas no interior das sociedades, nesse

caso, no país em questão, o Brasil.

Educação e política são aspectos sociais que caminham “de mãos dadas” com o

modelo econômico adotado.

3.4. O Ensino Secundário e Superior no Império: 1822-1889.

Através de um ato adicional datado, a lei número 16 de 12/08/1834, o poder

público, segundo Haidar: “(...) conferiu às províncias o direito (grifo do autor) de legislar sobre instruções públicas e estabelecimentos próprios a promovê-la, excluindo, porém, de sua competência as Faculdades de Medicina, os cursos jurídicos, academias então existentes e outros quaisquer estabelecimentos que, no futuro, fossem criados por lei geral” (apud PILETTI 1990, p. 45).

As grandes vedetes da educação imperial foram, portanto, os cursos de medicina e

direito, profissões essas que tradicionalmente foram e, continuam a ser até hoje,

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pertencentes aos filhos da elite brasileira. O governo central dedicou sua atenção aos

cursos do ensino superior de forma geral, além do primário e o secundário na capital. O

ensino primário e secundário, a cargo das províncias, ficou relegado a uma posição

totalmente desfavorável, para prejuízo do próprio povo brasileiro.

Depois da edição do ato adicional de 1834, houve, conforme o professor Piletti,

dois moldes de ensino secundário:“* o sistema regular, seriado, oferecido pelo Colégio de Pedro II e, eventualmente, pelos liceus provinciais e alguns poucos estabelecimentos particulares;* o sistema irregular, inorgânico, constituído pelos cursos preparatórios e exames parcelados de ingresso ao ensino superior, mantido pelos estabelecimentos provinciais e particulares” (1990, p. 46).

Este modelo, claramente, expressava a pouquíssima preocupação que as classes

dominantes tinham para com o ensino no país. Na verdade, os filhos das elites, na

maioria das vezes, tinham acesso às capitais européias, onde desenvolviam sua

formação ou, então, aperfeiçoavam a formação adquirida em solo pátrio.

3.5. O Ensino na Primeira República.

O período chamado de Primeira República, entre 1899 e 1930, em sua fase inicial,

trouxe promessas de transformações e esperanças de um novo Brasil: uma república

federativa que estabelecesse independência econômica e cultural (a idéia de ser o país

do futuro, é muito antiga), que criasse um clima de convivência social harmônica, mostrou

que o revezamento entre os grupos das classes dominantes não é garantia de

transformação social.

Os coronéis se encarregaram de subverter a federação: o voto masculino a partir

dos 21 anos não suprimiu as fraudes descaradas (n votos por pessoa, nem mesmos os

mortos se eximiam do “dever” de votar); as classes dominantes não permitiram alterações

nas estruturas do poder (já nesse tempo, a classe média e os trabalhadores pagavam a

conta); o café era a verdadeira moeda social. Tais condições forjaram a rebeldia contra a

dependência cultural. Isso arrastou alguns intelectuais a uma tomada de posição fora dos

padrões das elites, por exemplo, a Semana da Arte Moderna.

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3.6. A Educação no Período Getulista: 1930-1945.

A falência política da Primeira República foi recheada de elementos internos: as

contradições existentes no próprio modelo; e de elementos externos: a quebra da

economia em 1929, e sua influência sobre toda a economia do mundo ocidental. Por

conta do modo de produção capitalista, cheio também de suas próprias contradições.

Após o golpe de 1930, Getúlio “bamboleou” no poder, até a Constituição de 1934,

de longe, a mais liberal conhecida até então e, quiçá, até o advento da Constituição de

1988.

A Constituição de 1934 trouxe alguns elementos novos. Mesmo a Constituição

imperial de 1824, já falava sobre a gratuidade do ensina primário, porém, a Constituição

de 1934 trouxe além da gratuidade a obrigatoriedade, conforme diz Piletti (1990), o artigo

150 determinava pela primeira vez: “ensino primário integral gratuito e a freqüência

obrigatória, extensiva aos adultos”. Esse artigo era precedido pelo artigo 149 que dizia: “a

educação é direito de todos”.

Até 1934 com a Constituição Polaca a educação era um luxo/necessidade das

elites. A partir daí, no Brasil, a educação aparece com um status real e prático de direito

de todos os brasileiros. Como se sabe, a ser demandado em face do Estado, nesse

tempo, leia-se Getúlio Vargas.

Mas, além de estar inserida em um contexto histórico, a educação possui uma

história que lhe é própria. E, para que melhor se compreenda a educação do período

militarista, especificamente, o que ocorreu entre 1968 a 1974, é fundamental que se faça

um breve passeio pela história das idéias pedagógicas no Brasil.

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CAPÍTULO 2

1. A PEDAGOGIA ANTES DAS REVOLUÇÕES BURGUESAS

Unicamente para fins de criar uma perspectiva historicamente centrada, deve-se ter

em consideração que a educação é uma necessidade/possibilidade, que sempre esteve

presente na história humana.

Tal afirmativa se explica em função do objetivo principal da educação: a

manutenção de valores e a inclusão dos indivíduos, na existência espaço/temporal de

qualquer grupo social. A não-educação, portanto, tem como resultado a marginalização do

indivíduo. Nesse sentido, conforme Saviani:“(...). No primeiro, temos aquelas teorias que entendem ser a educação um instrumento de equalização social, portanto, de superação da marginalidade. No segundo, estão as teorias que entendem ser a educação um instrumento de discriminação social, logo, um fator de marginalização” (2007, p. 3).

Portanto, é ainda na mesma idéia que Saviani (2007, p. 14) afirma: “A educação

será concebida, pois, como um subsistema (grifo do autor), cujo funcionamento eficaz é

essencial ao equilíbrio do sistema social de que faz parte”.

Da mesma forma que a filosofia, a educação, teve sua “formatação” pela

mentalidade grega, mas, não é somente aí que se deve buscar sua origem. Desde as

primeiras civilizações que se têm notícias na história sempre houve um “educar”.

Conforme Durkheim, a idéia de um modelo educacional durante o período que vai

da Grécia clássica ao advento do cristianismo, nos moldes da igreja romana, não

comportou muitas inovações: “Na Antiguidade, o aluno recebia sua instrução de professores diferentes uns dos outros e sem nenhuma ligação entre eles. O aluno ia aprender a gramática na casa do gramatista ou do literato, a música na casa do citarista, a retória na casa do retor, etc. todos estes diversos ensinamentos juntavam-se nele, mas ignoravam-se mutuamente. Era um mosaico de ensinamentos diferentes cuja ligação era meramente externa. Vimos que a situação era totalmente oposta nas primeiras escolas cristãs. Todos os ensinamentos reunidos eram dados num mesmo local e, portanto, submetidos a mesma influência, a uma mesma direção moral. (...)” (1995, p. 32).

Partindo desse pressuposto, admite-se que não houve evolução, ou transformação

significativa, no que respeita a forma organizacional com que tais conteúdos ou objetos de

conhecimento eram transmitidos aos alunos. Que, na verdade, seria mais próprio chamar

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de discípulos. No que se refere aos conteúdos ou objetos de conhecimento, sim houve

importantes descobertas.

Seguindo a mesma linha de raciocínio defendida por Durkheim, vê-se que no

período que convencionalmente se chama de Idade Média: Alta (século V ao IX) e Baixa

(século X ao XV), a educação foi oferecida junto aos mosteiros, conventos e igrejas, e,

embasada na visão política, religiosa e social, abraçada pelo catolicismo romano. Mesmo

com o advento das universidades, parece razoável supor que não ocorreram mudanças

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família que estivesse no poder, por exemplo, os Bourbons ou os Bórgias no Papado, entre

outras. As Revoluções Burguesas: Independência das Colônias na América do Norte,

Revolução Francesa e Revolução Industrial, nada mais são do que o brado de

independência desta classe.

A burguesia, porém, para fixar-se no poder, sabia que o domínio pela força, como

nos modelos anteriores, não se sustentaria por muito tempo. Donde surgiram, então,

concepções tendentes a suplantar as iniciativas culturais locais. Para um melhor

conhecimento sobre esta questão, deve-se ver o que diz Eduardo Galeano:Os agentes comerciais de Manchester, Glasgow e Liverpool percorreram a Argentina e copiaram os modelos dos ponchos santiaguenhos e cordobeses e dos artigos de couro de Corrientes, além dos estribos de pau para se conformarem “ao uso do país”. Os ponchos argentinos valiam sete pesos; os de Yorkshire, três. A indústria têxtil mais desenvolvida do mundo triunfava a galope sobre os teares nativos, e outro tanto ocorria na produção de botas, esporas, rédeas, freios e até cravos. A miséria assolou as províncias interiores argentinas, que logo levantaram lanças contra a ditadura do porto de Buenos Aires. Os principais mercadores (Escalada, Belgrano, Pueyrredón, Vieytes, Las Heras, Cervifio) tomaram o poder arrebatado à Espanha13, e o comércio lhes dava a possibilidade de comprar sedas e facas inglesas, panos finos de Louviers, caixinhas de Flandres, sabres suíços, genebra holandesa, salames de Westfália e charutos de Hamburgo. Em troca, a Argentina exportava couros, sebo, ossos, carne salgada, e os pecuaristas da província de Buenos Aires estendiam seus mercados graças ao comércio livre. O cônsul inglês no Prata, Woodbine Parish, descrevia em 1837 um robusto gaúcho dos pampas: “Tomem-se todas as peças de sua roupa, examine-se o que o rodeia e, excetuando-se o que seja de couro, que coisa haverá que não seja inglesa? Se sua mulher tem uma saia, há dez possibilidades contra uma que seja manufatura de Manchester. O caldeirão ou panela em que cozinha, a peça de louça ordinária em que come, sua faca, suas esporas, o freio, o poncho que o cobre, todos são levados da Inglaterra”14. A Argentina recebia da Inglaterra até as pedras das calçadas. GALEANO (1978, p. 193-4)

Com muita propriedade a classe burguesa entendeu que, somente poderia se

perpetuar no poder, se dominasse as vontades dos indivíduos.

É aí que surge todo um corolário explicativo tendente a fazer do pensamento

burguês, o modelo de liberdade e felicidade, desejável por todos e para todos os povos.

Uma vez que o pensar da burguesia vinha de um longo processo histórico de

maturação, inclusive, o iluminismo revela inúmeros expoentes que clamavam por

mudanças sociais, mas, não necessariamente por justiça social para os oprimidos. Nada

mais adequado do que “moldar” os indivíduos dentro da concepção valorativa burguesa.

É nesse sentido que o modus educandi burguês permeou os modelos educativos

que se sucederam desde a Revolução Francesa, até as primeiras décadas do século XX.

Com efeito, ao ascender ao poder político, a burguesia se apropriou também da

elaboração cultural. Manacorda conta que:

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“Se considerarmos as conquistas ideais da burguesia revolucionária (liberal-democrática) durante o Setecentos no que diz respeito à instrução, podemos sintetizá-la em poucas palavras: universalidade, gratuidade, estatalidade, laicidade e, finalmente, renovação cultural e primeira assunção do problema do trabalho. Até mais, relendo a discussão da Assembléia Legislativa na França em 1792, sobre os aspectos da instrução (“literária, intelectual, física, moral e industrial”), apesar da inevitável desconfiança perante tais classificações, poderemos reconhecer neles o eco de classificações mais antigas e os primeiros sinais de uma nova classificação (...) (1996, p. 269).

A introdução deste novo modo de classificar, ainda que não seja totalmente uma

inovação, contudo, trouxe à luz novos elementos que se fariam sentir no modelo burguês.

Manacorda ainda afirma que: “(...). De fato, que outra coisa é a instrução literária, senão uma elaboração moderna da preparação formal para as artes do trívio (as letras são a gramática, essencialmente), e que outra coisa é a instrução intelectual senão a instrução concreta nas artes do quadrívio (as ciências naturais)? E a instrução física, o que é senão a preparação para o “fazer” da guerra, more Francorum? E a instrução moral, senão a “aculturação” nas tradições e nos costumes dominantes, até mediante um “catecismo republicano”? E, enfim o que é a instrução industrial, senão o fato novo através do qual se procura, pela primeira vez, superar a antiga separação entre escola e treinamento, assumindo na instituição-escola, ambiente tradicional dos adolescentes separados do trabalho, também esta parte que é essencial na formação humana?” (1996, P. 269).

2. A PEDAGOGIA TRADICIONAL

A burguesia desenvolveu, por meio da estatização da educação, os sistemas

nacionais de ensino, sedimentando assim, a implantação de um modelo educacional que

satisfizesse as suas necessidades de manutenção no poder, com a conseqüente

manipulação das formas de execução de tal objetivo.

Para que os interesses da classe atingissem seus fins, adotou como corolário

justificativo a máxima de que, o ensino deveria ser gratuito e, um direito de todos.

Somente assim, se chegaria a uma democracia ideal. A democracia segundo a concepção

burguesa.

Tal modelo democrático serviu-se de farta crítica ao Velho Regime, apontando

como ideal a ser atingido não mais o súdito ignorante, mas, sim o cidadão, como

superação da ignorância.

Este passo qualitativo só poderia ser dado através de um instrumento: a educação.

Zanoti (apud Saviani 2007, p. 6) afirma que: “redimindo os homens de seu duplo pecado

histórico: a ignorância, miséria moral, e a opressão, miséria política”.

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O discurso adotado pela classe burguesa instituiu a ignorância como sinônima de

marginalidade; atribuindo à educação a função de corrigir os desvios sociais originários do

modelo anterior. Para o que também contribuiu o contexto histórico. No século XIX, a idéia

de uma “evolução” natural permeava o pensamento iluminista/humanista. Assim, nada

mais natural do que admitir que, a redenção do súdito seria atingir o estágio de cidadão.

Nesse modelo, afirma Saviani (2007) que bastava a iniciativa de um professor

razoavelmente bem preparado, para dar à classe a necessária instrução.

A pedagogia tradicional, contudo, tem como indiscutível mérito o caráter

revolucionário. Centrava-se na postura essencialista, isto é, seu corolário explicativo

admitia que, quanto à essência, todos os indivíduos eram iguais por natureza, donde se

conclui que todas as diferenças originavam-se de modelos políticos exploratórios.“Vejam como é que se tece todo o raciocínio. Os homens são essencialmente livres; essa liberdade funda-se na igualdade natural, ou melhor, essencial dos homens, e se eles são livres, então podem dispor de sua liberdade, e na relação com outros homens, mediante contrato, fazer ou não concessões” (SAVIANI, 2007, p. 39).

É, portanto, natural que se veja a pedagogia tradicional como a única que deva

receber o qualificativo de “revolucionário”. Nesse sentido, a burguesia, em seu período de

ascensão, concentrou em si mesma as aspirações naturais de todas as classes existentes

em seu tempo.

Partindo dessa premissa, a burguesia defendeu um estudo laico, público e gratuito.

A classe burguesa sedimentou sua cosmovisão, na mesma medida em que a tornou

ideologia dominante. Nesse sentido, é importante recordar que a ideologia se caracteriza

por ser um elemento de adesão incondicional, isto é, o indivíduo a assume como sendo

suas justificativas sócio-existenciais, seus próprios valores pessoais. Conforme Plácido:“IDEOLOGIA: Derivado do grego idea e logos (ciência das idéias), originariamente significa ou designa o sistema filosófico em que a sensação é a única origem dos nossos conhecimentos.No sentido político, entanto, é empregado para designar a soma de princípios reguladores de uma ordem político-administrativa, que não se pode afastar das idéias instituídas como fundamentais. É a ideologia política.Procura estabelecer a primazia do regime partidário único, visto que não admite dissidência e não permite, em conseqüência, a intervenção na organização administrativa ou governamental de quem não esteja integrado ou identificado nas idéias político-partidárias instituídas. (...)” (1994, p. 401).

A explicação de Plácido ajuda a entender a forma pela qual a classe burguesa, ao

ascender ao poder político, se fez “dominadora” da mentalidade dos indivíduos, de modo

que, ideologicamente, seus valores se fizeram comum a todos os indivíduos dentro de

cada país. Sendo tais valores transmitidos via educação, ou, dos modelos educativos

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criados pela burguesia.

A proposta educativa nascida da pedagogia tradicional permitia aos indivíduos a

apropriação dos conteúdos da cultura clássica. É, ainda, bastante significativa a

provocação de Saviani (2007, p. 55): “(...): o dominado não se liberta se ele não vier a

dominar aquilo que os dominantes dominam. Então, dominar o que os dominantes

dominam é condição de libertação”. Tal situação, em longo prazo, determinou a

necessidade de uma revisão conceitual sobre a educação. É esse o momentum

adequado para a revisão do modelo educativo. Surge, então, a educação nova centrada

não mais na essência, mas na existência.

3. A PEDAGOGIA NOVA

Da mesma forma que a pedagogia tradicional se utilizou da negação do modelo

educacional aplicado durante o Velho Regime, ela mesma, em um movimento dialético,

também se viu negada pelo nascimento de um novo modelo: a escola chamada

Pedagogia Nova ou Escolanovismo.

Tenha-se em mente que não houve transformação nas bases, isto é, o modelo

capitalista, ou liberal-democrático, se reinventou, como se reinventa até hoje através da

história humana.

É significativa a crítica de Manacorda (1996, p. 269), no sentido de que não se

poderia pensar em uma “evolução” do político para o social, uma vez que o aspecto

político seria representado pela ascensão da burguesia e, no que respeita ao aspecto

social, caberia à nova classe em formação, isto é, o proletariado urbano.

O professor Saviani conta que: “O AIE (Aparelho Ideológico de Estado – terminologia de Althusser) [grifo do autor] escolar, em lugar de instrumento de equalização social, constitui um mecanismo construído pela burguesia para e perpetuar seus interesses” (2007, p. 24).

É, portanto, compreensível que, todo o desenvolvimento de uma teoria seja

centrado na crítica ao modelo educativo antecedente. Não propriamente no sentido de

“revolucionar” suas bases. Pelo contrário, a teoria velha deixa de ser a vanguarda, para

fazer-se claramente reacionária, isto é, inimiga das “mudanças”.

Para uma melhor compreensão é necessário que se discuta, sinteticamente, o

movimento chamado escolanovismo. Inclusive, pelo fato de que este modelo estava em

vigência quando dos períodos que estarão em consideração no presente trabalho: 1946-

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1964, a educação na 4ª República, e, principalmente a educação no período do AI-5,

1968-1974, que é o objeto da presente monografia.

A crítica elaborada por Saviani admite que o escolanovismo, que já existia na

Europa e América do Norte, não foi um movimento de democratização do ensino, antes,

pelo contrário, conforme Saviani (2007, p. 24) foi instrumento de perpetuação e

manutenção da burguesia no domínio e formação das mentes. E, ainda aduz: “Como

aparelho ideológico, a escola cumpre duas funções básicas: contribui para a formação da

força de trabalho e para a inculcação da ideologia burguesa” (Saviani, 2007, p. 26). Tal

pensamento é coerente com a análise crítica de alguns dispositivos de que se serviram:“II – Organização da escola secundária (de 6 anos) em tipo flexível, de nítida finalidade social, como escola para o povo, não preposta a preservar e a transmitir as culturas clássicas, mas destinada, pela sua estrutura democrática, a ser acessível e proporcionar as mesmas oportunidades para todos, tendo, sobre a base uma cultura geral (grifo do autor), as seções de especialização para as atividades de preferência intelectual (Humanidades e Ciências) ou de preponderância manual e mecânica (cursos de caráter técnico).III – Desenvolvimento da educação técnica profissional, de nível secundário e superior, como base da economia nacional, com a necessária variedade de tipos de escolas: a) de agricultura, de minas e de pesca (extração de matérias-primas); b) industriais e profissionais (elaboração de matérias-primas); c) de transportes e comércio (distribuição de produtos elaborados), e segundo métodos e diretrizes que possam formar técnicos e operários capazes em todos os graus da hierarquia industrial (grifo do autor)” (PILETTI, 1990, p. 84).

Do que se viu até aqui, pode-se admitir a título de conclusão que a Escola Nova

não teve compromisso de transformação social, como a libertação do indivíduo e a

realização plena do ideal de justiça social. Seu papel histórico esteve sim vinculado à

manutenção do domínio exercido pela burguesia sobre a classe proletária e, por extensão

ao campesinato, uma vez que a sociedade brasileira até a década de 1950 era

predominantemente rural.

Deve-se, contudo, à Escola Nova pensamentos e obras, como a de Freinet, na

França, e do educador brasileiro Paulo Reglus Neves Freire (1921-1997). Obras estas

que se inscrevem, por mérito próprio, entre as grandes contribuições à pedagogia do

século XX, em todo o mundo ocidental.

A Escola Nova serviu-se de farta crítica ao modelo da Pedagogia Tradicional,

contudo, essa escola, por sua vez, é a única a quem por direito cabe o qualificativo de

revolucionária. Conforme a citação feita por Giraldhelli (1990), o escolanovismo não se

constituiu em compromisso com a democracia, mas, sim, com a alternância do poder nas

mãos da mesma classe.

Essas considerações são importantes para a presente discussão, uma vez que é o

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pensar da Escola Nova que dominava oficialmente o modelo educativo do período que se

discutirá no próximo capítulo. O Brasil esteve, entre 1946 e 1964 impregnado de um

otimismo sem igual em sua história, é inegável o conjunto de “benefícios” sociais do

período getulista, mas, porém, não se pode confundir “benesses” estatais, com

movimento emancipatório.

Dentro dessa perspectiva é que se discutirá o capítulo 3.

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CAPÍTULO 3

1. A QUARTA REPÚBLICA: 1945-1964

Com o retorno a democracia, ou antes, ao modelo de democracia proposto pela

classe dominante, houve no Brasil uma revitalização do senso de participação política,

nas mais variadas esferas da vida. Com efeito, Piletti diz que: “Nada melhor do que a pratica democrática para aprender a democracia. No período que vai de 1945 a 1964, o livre jogo das forças democráticas permitiu certo desenvolvimento dos movimentos populares. Havia eleições diretas para todos os níveis – de vereador a presidente da República – e as organizações representativas dos diversos setores sociais puderam atuar mais ou menos livremente” (1990, p. 98).

Ainda que essa democratização deva ser compreendida na versão permitida pela

burguesia capitalista, uma vez que, os partidos que representavam aspirações voltadas

para as classes menos favorecidas, por exemplo, o Partido Comunista Brasileiro, a partir

de 1947 foi posto na ilegalidade, em consonância com a realidade global, a Guerra-Fria.

As desigualdades sociais não foram tratadas, os analfabetos não votaram, enfim os

deserdados estiveram, ou continuaram à margem da realidade político-social.

Na área educacional houve alguns avanços. A partir de uma maior participação

popular, certas expectativas de aproximação da educação e melhoria do nível técnico, por

exemplo, o ensino-técnico profissional foi equiparado ao ensino médio, na nomenclatura

da época, o ensino secundário, o que se pode considerar positivo.

Conforme Ghiraldelli (1990, p. 105): “Entre 1945 e 1947 o movimento popular no

Brasil. Cresceu”. E, enquanto movimento de participação política, influenciou e foi

influenciado pela educação.

A Constituição Federal de 1946 trouxe de volta princípios, que estavam presentes

na Carta liberal de 1934 e foram suprimidos pela Carta de 1937. A Constituição do Estado

Novo, caracteristicamente representando um momento de grave crise institucional

democrática. Tais princípios, segundo Chagas: “a educação como direito de todo, a escola primária obrigatória, a assistência aos estudantes e a gratuidade do ensino oficial para todos no nível primário e, aos níveis ulteriores, para quantos provassem falta ou insuficiência de meios” (apud PILETTI, 1990, p. 99).

A Constituição de 1946 previu o ensino como função a ser ministrada pelo poder

público, ainda que facultadas as oportunidades, conforme a lei, à iniciativa privada.

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O ensino religioso foi determinado à obrigatoriedade do oferecimento, tendo como

contraponto, a não-obrigatoriedade por parte dos alunos. Inclusive, facultou a

possibilidade de outros grupos religiosos, em havendo um número mínimo de alunos

inscritos, desenvolverem seu ensino, conforme o texto de Piletti (1990).

Em que pese às inovações constitucionais, contudo, a legislação educacional que

surgiu durante o Estado Novo, 1937-1945, foi a mesma até o início da vigência da Lei de

Diretrizes e Bases da Educação Nacional, em 1961. Houve, nesse período, 1946-1961,

inúmeras campanhas e manifestações pressionando por melhoras no ensino, bem como

a ampliação das vagas oferecidas, num claro exercício político. Conforme Chagas: “(...): a Campanha de Aperfeiçoamento e Difusão do Ensino Secundário (Cades), a de Aperfeiçoamento e Expansão do Ensino Comercial (Caec), a de Erradicação do Analfabetismo, a da Educação de Adultos, a de Educação Rural, a de Educação do Surdo, a de Reabilitação dos Deficientes Visuais, a de Merenda Escolar e a de Material de Ensino”. CHAGAS (apud PILETTI, 1990, p. 99).

Tal estado de organização e manifestação das vontades, foram pilares da

democratização e da participação popular que antecedeu ao golpe à democracia, na

mesma medida em que foi fator de “alimentação” de esperanças e perspectivas

educacionais, duramente subvertidas pelo modelo educativo militar como se verá no

decorrer do presente trabalho.

Este estado de arranjos e rearranjos, característica da fase de transição no modelo

político-social do Brasil durante a 4ª República, no que se refere à educação, é muito bem

descrita por Saviani ao fazer uma apresentação do pensamento do professor Paulo

Freire:“A luz dessa concepção, Freire interpretava a sociedade brasileira nos anos de 1960 como um processo de trânsito de uma sociedade fechada para uma sociedade aberta. E no interior desse processo ele situava o dilema da educação: estar a serviço da alienação e da domesticação ou da conscientização e da libertação” (2008, p. 335).

A principal característica, portanto, do período em questão foi a transitoriedade, isto

é, a passagem de uma mentalidade de submissão a interesses e projetos alheios, para

uma consciência de ser, e de ser em si e no coletivo, na mobilização e luta por seus

próprios interesses, antes que nos do patrão.

O Brasil necessitava de uma educação para a autonomia, pessoal e coletiva, isto é,

enquanto povo. Tais aspirações ocorreram em um momento histórico propício, e aqui

faremos algumas considerações sobre a história ocidental, na medida em que for útil ao

que se discute.

Com o fim da II Guerra (1939-1945) e o início da guerra ideológica, isto é, a

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Guerra-Fria (1947-1989), o cenário geopolítico sofreu alterações que se traduziram em

todas as áreas da vida humana, especialmente na área educacional. Pois, o educar é

uma forma de incutir a valoração da classe dominante; ou, em outra perspectiva, criar

e/ou revitalizar valores novos que se constituirão na vanguarda. Afim de que, os valores

anteriores se constituam em arcabouço reacionário.

O Brasil se fez área de influência dos EUA, durante a Guerra-Fria. Tal alinhamento

se constitui no ponto de partida ideológico firmado no modelo liberal-capitalista, cujo

compromisso era os interesses das elites dominantes.

A expressão imperialismo, muito em voga à época que discutimos, é sugestiva e

esclarecedora. Nesse período surgiram expressões como: países subdesenvolvidos,

terceiro mundo. Expressões pejorativas, mas que demonstravam com claridade como

funcionou o modelo relacional entre os EUA e seus satélites (invento criado nesse

contexto histórico).

Como todo o modelo que se desenvolve sob a sombra da exploração e do domínio,

também nos EUA inúmeros germes ficaram incubados, como materialização das próprias

contradições existentes no modelo. Tais germes são determinantes na apreciação do que

se criou posteriormente em termos de perspectiva dos indivíduos.

Com o final da II Grande Guerra muitos paradigmas da cultura norte-americana que

começavam a se fazer sentir no contexto da América Latina. No Brasil, a influência da

Inglaterra e da França, perdeu espaço pela própria “falência” desses países no pós-

guerra. Desponta então os EUA como novo modelo de capitalismo a ser seguido. Esse

modelo trouxe suas contradições na forma de um pensar contestatório, que surge na

década de 1950, na classe média norte-americana: os beatnicks. Os beats influenciaram

inúmeras áreas da vida social. Contudo, o que interessa a esse trabalho é o aspecto

educacional e a forma como isso se refletiu na cultura ocidental.

O movimento beatnick surgiu no bairro Greenwich Village, tradicional reduto

boêmio em Nova York, seus principais representantes foram Jack Kerouac, Allen

Ginsberg, William Burroughs, Gregory Corso, Clellon Holmes, Carl Solomon, Lawrence

Ferlinghetti, Barbara Guest, Denise Levertov, Frank O’Hara, John Ashbery, Keneth

Patchen, entre outros.

A citação desse movimento e de seus principais expoentes deve-se ao fato de que

eram acadêmicos, escritores, professores e poetas que se desiludiram dos valores de sua

sociedade e criaram alternativas contestatórias que serviram de exemplo aos movimentos

da década posterior, especificamente, os movimentos estudantis, como forma de

sedimentação de uma cultura educacional altamente politizada, e isso se refletiu em todo

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o mundo ocidental, inclusive no Brasil.

Este descontentamento nascido no seio do capitalismo em sua versão atualizada,

os EUA, reflete necessariamente as contradições do modelo, bem como permite perceber

que havia no universo de então, um clima de fragilização das premissas que embasavam

a sociedade capitalista/consumista da época.

Somando o momento histórico que se vivia internamente, o despertar político-social

de setores da intelectualidade, como o já citado Paulo Freire, dos estudantes da classe

média e dos trabalhadores brasileiros, à conjuntura histórica que levou a própria classe

média americana, como uma espécie de nave-mãe, do modelo capitalista, a se insurgir

contra os parâmetros básicos de sua própria sociedade, traduzidos no famoso american

way life. Chegou-se, a partir desse “pano de fundo”, a uma condição que elevou as

perspectivas do processo histórico educacional brasileiro.

Além do movimento de alfabetização encabeçado pelo professor Paulo Freire no

Recife, também no nordeste brasileiro, outra figura importante da história política

brasileira deve ser mencionada, o advogado Francisco Julião, organizador das ligas

camponesas, que também trabalharam uma mentalidade político-educativa, na fase de

transição que vivia o país segundo a leitura de Freire. Saviani conta que: “Na medida em que se ampliava a mobilização popular, com Ligas Camponesas no meio rural, liderados por Francisco Julião, os sindicatos de operários nas cidades, as organizações dos estudantes secundaristas e universitários e os movimentos de cultura e educação popular, (...)” (2008, p. 341).

A década de 1960 pode ser considerada como um divisor de águas na história do

mundo ocidental. Acontecimentos como a Guerra da Coréia em 1953, na Ásia, a

Revolução Cubana em 1959, na América Latina, os festivais folk, de Newport, e o advento

do Rock and Roll, nos EUA, no final da década de 1950, além do já citado movimento

beatnick, fizeram com que se adentrassem os anos 60 com uma perspectiva totalmente

diferente.

Logo no início da década de 1960 alguns acontecimentos como o ataque a Baía

dos Porcos, a Crise dos Mísseis, a luta pelos direitos político-sociais dos negros no sul

dos EUA e a Guerra do Vietnã, produziram uma sensação de “nada será como antes” que

definiu os rumos do que veio a ser a mais diferente e intensa década da história humana

recente.

O experimentalismo na música e nos hábitos sociais, a revolução sexual e os

anticoncepcionais, enfim o desejo de viver o presente e de romper os paradigmas do

passado, trouxe uma atmosfera de contestação e transição de valores que teve sua

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contrapartida educacional.

É importante a contribuição do experimentalismo para a educação, a esse respeito

diz Saviani (2008, p. 336): “De modo geral, pode-se considerar que a década de 1960 foi

uma época de intensa experimentação educativa, deixando clara a predominância da

concepção pedagógica renovadora”.

Foi nesse afã de vida e de experiências transformadoras que o Brasil, em 1964

recebe um severo golpe em sua experiência democrática. Saviani (2008, p. 335) afirma

que Paulo Freire entendia esse momento como “a passagem de uma sociedade fechada

para uma sociedade aberta” e que esse momento foi quando a “inexperiência

democrática” do brasileiro tendia a transformar-se em “emersão do povo na vida pública

brasileira”, conforme Saviani (2008, p. 321) fazendo considerações sobre a tese de Paulo

Freire Educação e atualidade brasileira em 1959, por conta de um concurso realizado na

Universidade de Recife, atual Universidade Federal de Pernambuco.

A eleição de Getúlio Vargas em 1950, e toda a problemática ocorrida durante seu

incompleto período governamental; a crise pós-suicídio; o governo de Juscelino Kubichek,

e sua relação com o capital estrangeiro; a eleição do controverso e pitoresco Jânio

Quadros; a difícil posse do getulista João Goulart, o Jango; a breve experiência do

parlamentarismo brasileiro; todos os fatos apontam para um momento ímpar da história

pátria.

Nesse momento em que o mundo ocidental de forma geral, e o Brasil

especificamente, vivia um novo alvorecer da história político-social, na terra brasilis,

abruptamente teve violentada a sua curta experiência democrática. O Golpe Militar

ocorrido, segundo Piletti (1990, p. 117) “em 1º de abril de 1964”.

Nesse golpe vislumbra-se a atuação coordenada entre as elites rurais, a burguesia

industrial, setores reacionários da classe média, políticos que ambicionavam o poder e

temia um modelo tendente ao socialismo, como parecia ser a intenção de Jango,

principalmente após o discurso de 13 de março de 1964 na Central do Brasil no Rio de

Janeiro, e as forças armadas nacionais. Germano diz que:“(...) o conjunto das classes dominantes, ou seja, a burguesia industrial e financeira – nacional e internacional –, o capital mercantil, latifundiários e militares, bem como uma camada (de caráter civil) de intelectuais e tecnocratas. O espectro de interesses representados por esse conjunto autoriza-nos a qualificá-la como uma elite” (1994, p. 17).

Após a tomada do poder houve forte recrudescimento na infante democracia

brasileira, cassações políticas, perseguições e exílios (inclusive do próprio Paulo Freire

que nunca foi um comunista) que jogaram fora o material humano que estava imbuído de

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realizar transformações tendentes a uma maior justiça social no Brasil.

Como todo o regime de exceção, a junta militar procurou legitimação nas classes

dominantes, pois, na verdade estavam a serviço dela.

A governabilidade se fez através de atos institucionais, que eram medidas

retaliativas contra as posturas democráticas que começavam a despontar no Brasil; a

isso, se some ainda a desestruturação dos oponentes, inclusive tragando junto até

mesmo políticos que, inicialmente, apoiaram o golpe de Estado: Carlos Lacerda,

Magalhães Pinto, etc.

Desde a década de 1940 até 1963, segundo Saviani (2008, p. 316) houve várias

campanhas que buscavam combater os problemas educacionais. São elas conforme o

autor acima mencionado:“Campanha de Educação de Adolescentes e Adultos (CEAA) (1947-1963); Campanha Nacional de Educação Rural (CNER) (1952-1963); Campanha Nacional de Erradicação do Analfabetismo (1958-1963); Mobilização Nacional contra o Analfabetismo (MNCA) (1962-1963)” (SAVIANI, 2008, p. 316)

No ano de 1961, após uma longa discussão e inúmeros dispositivos legais (Lei

1.076/50) permitindo aos concluintes do ciclo básico dos cursos comercial, industrial e

agrícola matricularem-se nos cursos clássico e científico; a Lei 1.821/53 estendeu o

mesmo direito aos concluintes do curso normal e dos cursos de formação de oficiais da

polícia militar; a Lei 3.104/57 que permitiu aos concluintes dos cursos de formação de

oficiais das polícias militares, em nível de segundo ciclo, candidatar-se em qualquer curso

de nível superior, o Brasil teve aprovada sua primeira LDB, a Lei 4.024/61.

Conforme relata Carneiro, havia um forte conteúdo escolanovista nessa Lei, além

do que, foi um projeto cuja discussão se estendeu por um largo período, o demonstra,

quiçá, menor interesse político em sua celeridade:“(...). Nela, há muito das idéias e do espírito do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, de 1932. Foi a partir desta percepção que o Ministro da Educação de então, Francisco Mariani, oficializou comissão de educadores para propor uma reforma geral da educação nacional. Aqui, a origem da Lei 4024/61, Lei das Diretrizes e Bases da Educação Nacional, nossa primeira LDB, somente foi aprovada pelo Congresso Nacional depois de uma longa gestação de onze anos” (1998, p. 21).

Carneiro (1998, p. 23-4) conta que o projeto chegou à Câmera Federal ainda no

ano de 1948, e, somente em maio de 1957 o texto entrou na pauta da discussão,

somando-se, portanto treze anos, nos quais o projeto não chegou aos destinatários.

Parte-se-se do princípio que educação é sinônimo de autonomia.

Tendo como base de desenvolvimento e metas a atingir a LDB promulgada em

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1961, e entrando em vigência a partir de 1962, havia em solo pátrio uma legislação

educacional para embasar as perspectivas de um povo que havia começado a incursionar

em um “viver democrático”, típico do Brasil de então.

Este dispositivo, a LDB 4024/61, ofereceu ao povo brasileiro um eixo educacional,

tendo, conforme Carneiro (1998, p. 24), os seguintes princípios:

a) Dos Fins da Educação;

b) Do Direito à Educação;

c) Da Liberdade de Ensino;

d) Da Administração do Ensino;

e) Dos Sistemas de Ensino;

f) Da educação de Grau Primário;

g) Da Assistência Social Escolar;

h) Dos Recursos para Educação.

Os movimentos populares e os centros de cultura popular haviam destilado nos

brasileiros o interesse e mesmo as possibilidades, nos limites vigentes à época, pela

ascensão social, via educação.

Carneiro (1998, p. 24), ainda conta que a LDB, estruturou e também permitiu uma

maior possibilidade de acesso ao ensino superior no Brasil. O que, até então, era um

sonho pouco acessível e, relativamente desconexo. Qualquer que fosse o curso que o

aluno houvesse cursado anteriormente. Esta mesma facilidade existia ainda para a

migração e aproveitamento de outros estudos. Tal possibilidade de participação na vida

político-cultural-social gerou expectativas desconhecidas da grande massa de jovens e

adolescentes brasileiros no início da década de 1960.

Essa aura de integração e participação que surge no Brasil desde o final da II

Guerra Mundial é fator importante na discussão sobre a educação no período militarista

brasileiro, especificamente após a Constituição de 1967 e, principalmente a partir do Ato

Institucional número 5 que foi, de longe, o maior golpe às Instituições Democráticas no

Brasil; se considerarmos as perspectivas existentes à época, foi mais brutal que o Estado

Novo de Getúlio Vargas.

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CAPÍTULO 4

1. O BRASIL DE 1964 a 1968

Uma vez que se admita que todo o complexo de relações sociais tem a sua origem

no modo de produção, e que, portanto, o aspecto econômico se constitui elemento

determinante na realidade social, o golpe militar não deve ser visto, em princípio, sob a

perspectiva educacional. O aspecto educacional é um reflexo da conjuntura econômica.

O Brasil, entre a queda de Getúlio em 1945 e a queda de Jango em 1964, viveu, segundo Loewenstein:

“Por contraposição à ‘democracia populista’, ao assumir o poder em 1964, os militares implantaram um regime autoritário – que segundo Loewenstein (1983:72) se caracteriza pelo fato de o ‘poder’ não estar submetido a nenhum limite, estar fora de qualquer controle político – e ditatorial, embora não se revista de uma forma totalitária” (apud GERMANO, 1994, p. 18)

Entre as características já citadas neste trabalho como elementos positivos na

formação da consciência político-social brasileira da Quarta República 1946-1964, há uma

questão de suprema importância que se deixou para abordar nesse capítulo: a ideologia

nacionalista-desenvolvimentista que dominou o Brasil de então.

O nacionalismo-desenvolvimentista se caracterizou por ser uma ideologia que

arregimentou setores distintos da sociedade brasileira, por exemplo, a aliança que

sustentava Jango Goulart, após a renúncia de Jânio Quadros, era constituída pelo PTB

(partido que congregava trabalhadores e parte da classe média) e o PSD (partido que

congregava a classe média alta). O PTB aliado a partidos de menor expressão se

direcionava as Reformas de Base que, no discurso proferido por João Goulart na Central

do Brasil em 13 de março de 1964, serviu como estopim para desencadear o golpe militar.

Os militares chamaram a ação de revolução, porque diziam defender um projeto de

moralização institucional, além de derrotar os “comunistas”; enquanto que a oposição

chamou de ditadura e/ou golpe, porque rompeu com o padrão democrático estabelecido a

partir da Constituição de 1946.

A verdade, porém, é muito simples, não houve nenhum tipo de mudança estrutural

na política brasileira, o que ocorreu, sim, foi uma migração do poder nas mãos da classe

dominante.

Sobre este aspecto é muito esclarecedora a explicação de Ghiraldeli:“A chamada Revolução de 64 nunca foi uma revolução. Sociologicamente falando, não houve uma verdadeira ruptura revolucionária em 64, ou seja, não ocorreu um movimento desencadeador de uma alteração da estrutura

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da sociedade brasileira. Houve, sim, uma ruptura reformista, ou seja, uma alteração superestrutural caracterizada por rearranjo na sociedade civil e na sociedade política com a ascensão de diferentes e novas frações da classe dominante ao comando do aparelho governamental” (1990, p. 163).

Sobre esse assunto, assim também relata Germano:“(...), que envolve uma articulação entre o conjunto das classes dominantes, ou seja, a burguesia industrial e financeira – nacional e internacional –, o capital mercantil, latifundiários e militares, bem como uma camada (de caráter civil) de intelectuais e tecnocratas. O espectro de interesses representados por esse conjunto autoriza-nos a qualificá-lo como uma elite” (1990, p. 17).

Em um primeiro momento, o discurso oficial dos golpistas era conter o “avanço

comunista”. Esta expressão se referia a todo o conjunto de reivindicações político-social-

econômicas, as manifestações populares, a busca de uma maior e melhor divisão das

riquezas nacionais. Todas essas ações se deviam ao clima liberal iniciado com a

Constituição de 1946, mesmo que, as elites, não estivessem muito alegres com tal

situação, a presença popular nas áreas de seu legitimo interesse era uma conquista.

O discurso nacional-desenvolvimentista pretendia efetuar mudanças que

fatalmente entrariam em choque com o interesse dos EUA. A nacionalização de

empresas; a restrição à remessa de numerários das multinacionais, que exigiam uma

tomada de postura. Conforme ainda Ghiraldelli (1990), o golpe se fez realidade aliando a

burguesia industrial e a tecnoburocracia civil e militar. O capital, portanto, foi o verdadeiro

líder do golpe de 64.

A primeira etapa do militarismo, sob Castelo Branco, atacou principalmente as

lideranças estudantis, a classe política vinculada ao período anterior, os sindicatos não-

domados, e os insatisfeitos na própria classe militar. Para os demais, os distanciados da

política, os relativamente alienados e setores mais pacíficos e menos reivindicantes da

sociedade, a situação era de aparente calma. A calmaria que precede a tempestade.

Este breve momento liberdade, considerando que a primeira fase do Golpe foi

relativamente tranqüila, se comparada ao 1968 brasileiro.

O general Umberto de Alencar Castelo Branco governou de 1964-1967, um

cearense pertencente à linha sorbonista, que poderia ser considerado mais inclinado a

medidas (relativamente) menos agressivas, se comparado com seus sucessores militares.

Castelo Branco empossou os governadores eleitos em 1965, ainda que a “linha

dura” pressionasse contra a posse destes, por serem considerados não-alinhados com o

pensar defendido pela caserna.

Apenas para fins de contrastar o que poderia ser considerado como linha não-dura,

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o sorbonista liberal Castelo Branco foi responsável por 3.747 atos punitivos em seu

governo, conforme informa Vieira (apud GERMANO, 1900, p. 53).

O que se seguiu foi a ascensão da chamada “linha dura” militar brasileira, esse foi

um período traumático no Brasil. O general Costa e Silva, que governou de 1967-1969,

era um dos representantes da ala mais agressiva da caserna. A esse general cabe a

duvidosa honra de, em seu governo, ser feita a edição do AI-5, o pior golpe que os

militares aplicaram no Brasil, na vigência de seu regime.

Com a saída do “linha dura” Costa e Silva, em função de uma trombose cerebral,

ficou aberto o espaço para a ala radical do exército brasileiro.

Do ponto de vista da intervenção dos militares na esfera pertencente ao legislativo

cabe aqui a explicação de Cunha:“Como se vê, estamos diante de um regime político de inequívoco cunho ditatorial, que, ao longo de sua duração (1964-1985), deixou como herança, do ponto de vista 'legislativo', 17 Atos Institucionais, 130 Atos Complementares, 11 Decretos Secretos e 2.260 Decretos-Leis” (apud GERMANO,1990, p. 70).

Tal colocação aqui é importante pelo fato de que, mesmo se considerar-se que

houve uma transição entre fases, a característica principal, o golpe de estado, se

manifestou não apenas pelo retrocesso democrático, mas também, que isso se faz

comprometendo princípios capitais do modelo republicano: a interferência entre os

poderes executivo, legislativo e judiciário. Princípios esses, sagrados em uma república.

Após um breve período governado por uma junta das três armas representada por:

Exercito: General Aurélio Lira Tavares; Marinha: Almirante Augusto Rademaker;

Aeronáutica: Brigadeiro Marcio de Souza e Melo. Subiu ao poder Emílio Garrastazu

Médici, gaúcho de Bagé, que governou durante o período de maior violência ocorrido no

Brasil.

Nesse período houve uma preocupação em fragmentar as iniciativas populares, o

que se fez, alterando, por meio de Decretos, Atos Institucionais, Legislações de áreas

específicas pela via legal e, pela via menos-legal, a formação de grupos paramilitares e

militares responsáveis pela desconstrução dos oponentes: Operação Bandeirantes,

Cenimar, Dói-Codi, entre outras siglas.

É necessário trazer à discussão, a questão da Doutrina de Segurança Nacional e

seu idealizador no Brasil, o general Golbery do Couto e Silva. A Doutrina de Segurança

Nacional é o pano de fundo de inúmeros acontecimentos no Brasil, e mesmo na América

Latina, entre as décadas de 1950 e 1970. Sobre isso Germano diz:“É evidente que a conformação do poder político nesses diferentes países depende dos seus respectivos desenvolvimentos históricos. Em todo caso é patente que o militarismo na América Latina se acentuou após a Segunda

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Guerra mundial e, para isso, contou com o decidido apoio norte-americano, numa espécie de latino-americanização da Guerra-Fria. Além disso, no que pesem as particularidades internas a cada país, a intervenção militar respondeu tanto ‘às determinações básicas do capital como às reivindicações e lutas de movimentos sociais e partidos políticos de base popular’(Ianni, 1986:35)” (1994, p. 19).

Golbery, natural da cidade de Rio Grande, no Rio Grande do Sul, foi considerado,

com muita justiça, segundo Saviani (2008, p. 354) a eminência parda do regime militar

brasileiro. A famigerada Doutrina de Segurança Nacional, ainda conforme Saviani (2008,

p. 352), é fruto da divisão: bloco ocidental EUA, e seus respectivos satélites x bloco

oriental URSS, também com seus satélites. Na América do Norte surgiu o National War

College, que teve a sua versão brasileira na Escola Superior de Guerra, no Rio de

Janeiro. O seu maior expoente foi o general Golbery do Couto e Silva.

Desde o pós-guerra em 1945 até o término do regime militar em 1985, o general

Golbery foi a principal figura dos bastidores políticos no Brasil. Sua principal característica

foi a ser o “poder abaixo do trono”. Hábil estrategista, esse militar não deixou a vaidade

pessoal querer levá-lo a uma posição de destaque na vida pública, contudo, de tudo o que

se fez no regime, praticamente nada se fez sem Golbery.

A transição “lenta, gradual e segurança” começada com Geisel e concluída com

Figueiredo foi arquitetada pelo general Golbery do Couto e Silva. Saviani assim a

sintetiza:“1. O mundo está guerra (guerra fria, mas com probabilidade de se transformar em quente a qualquer momento).2. Essa guerra trava-se entre dois blocos: o bloco ocidental, democrático e cristão, e o bloco oriental, comunista e ateu.3. O líder do bloco ocidental são os Estados Unidos. O líder do bloco oriental é a União Soviética.4. Como se trata de uma geopolítica, os países situados na área ocidental integram o bloco liderado pelos Estados Unidos; aqueles situados no bloco oriental situam-se sob a liderança da União Soviética.5. Um corolário dessas premissas é que não há possibilidade de terceira posição: ou se está de um lado, ou de outro. Com efeito, se um país que se situa numa das duas áreas geográficas assume posição de neutralidade, ele estará enfraquecendo o seu bloco e, consequentemente, fortalecendo o bloco antagonista.6. Quanto mais forte o líder, mais forte será o bloco como um todo” (2008, p. 359)

Percebe-se aí, claramente a dicotomia que sustentou a guerra fria. Nesse

horizonte, o Brasil esteve envolvido em uma relação interativa que, na mesma medida em

que estava e, precisava estar alinhado, ao bloco ocidental, proporcionalmente estava

também em um modelo relacional que tinha o capital como elemento determinante.

O chamado “Milagre Econômico”, que antecedeu a primeira crise pós-guerra, a

crise do petróleo em 1973, que, por coincidência, estabeleceu também o fim do “milagre”.

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O que se chamou foi o projeto entreguista capitaneado por Antônio Delphim Neto,

perfilado à política econômica de Roberto Campos, uma das grandes mentes civis do

regime militar no Brasil.

Sobre este entrelaçamento político-econômico-cultural, Silva ainda cita a cadeia de

pressupostos do general Golbery, que oferece um panorama histórico preciso e, útil ao

que se discute até aqui:“a) O Ocidente precisa do BrasilTendo em vista que, por razões históricas, culturais, religiosas, econômicas, políticas, mas principalmente geográficas, integra o bloco ocidental, daí decorre sua responsabilidade na defesa do Ocidente, cuja civilização foi diagnosticada como ameaçada pelas hostes comunistas do expansionismo sino-russo.Na defesa da civilização ocidental, os Estados Unidos da América (EUA) não podem prescindir das Américas Central e do Sul e, portanto, do Brasil, que aí ocupa posição central quanto: ao apoio diplomático maciço nas Nações Unidas; ao fornecimento de materiais estratégicos, cujas fontes se encontram em regiões instáveis, como é o caso do petróleo do Oriente Médio; à proteção do tráfego marítimo no mediterrâneo Atlântico, como rota alternativa no caso de um colapso de Suez ou Panamá; à abertura do espaço aéreo para a travessia sobre o oceano, alcançando a África, “retaguarda imediata e vital do bastião europeu de defesa”; à estruturação de um sistema de segurança continental que permita a defesa, em caso de guerra, dessa região situada no coração do dispositivo defensivo de todo o Ocidente, de modo especial “no caso de guerra mais prolongada em que haja necessidade de enfrentar as massas incontáveis da Rússia e da China (idem, p.246).b) O Brasil depende do OcidenteQue o Brasil depende essencialmente – e muito – do Ocidente, em especial dos EUA, para o desenvolvimento econômico, progresso técnico e cultural e para sua segurança é algo, diz Golbery, que hoje não existe maior discussão. Considera, então, que o melhor antídoto para “as promessas do milênio comunista” seria o soerguimento econômico e cultural dos países subdesenvolvidos, promovido pelas potências econômicas do Ocidente, à frente os EUA. E concluí, solene: “redimindo os povos irmãos desta América, o Ocidente redimirá, pela esperança, os povos todos da Terra. E as sereias comunistas cantariam ao vento suas promessas blandiciosas” (idem, p. 249) (apud SAVIANI, 2008, p. 360-1).

Este, portanto, era o “clima” existente à época. Nesse mesmo processo, a

educação também sofreu sérios reveses e refreamento em sua iniciativa. Os militares

tinham consciência de que, se não calassem as vozes da classe estudantil e do

professorado, haveria ainda maior dificuldade de manutenção do poder.

2. OS MILITARES E A EDUCAÇÃO NO BRASIL

Alguns fenômenos se fizeram sentir tão logo houve alteração do regime

político brasileiro. Os avanços populares foram derrotados nesse momento histórico,

conforme conta Piletti (1990). Alguns exemplos:

a) o povo brasileiro se viu impedido de eleger o presidente, governadores e prefeitos de

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alguns municípios considerados como interesses da Doutrina de Segurança Nacional:

cidades de maior vulto e cidades em regiões de fronteira;

b) houve uma aceleração na concentração de rendas. Os ricos ficaram mais ricos e os

pobres mais pobres, as terras também foram concentradas nas mãos de uma pequena

elite;

c) a precariedade das condições de vida ampliou largamente a migração em direção aos

grandes centros, aumentando o problema estrutural das cidades grandes. As grandes

favelas no Brasil tiveram um crescimento impressionante.

Entre os elementos distintivos de um regime democrático para um regime ditatorial

está a questão da participação popular. Entendida aqui como a possibilidade de discussão

sobre assuntos públicos, com os grupos que tem interesse imediato, como é o caso aqui

discutido, da educação brasileira.

O governo militar, ciente dos riscos que corria com o ambiente politizado que

dominava os estudantes nesse momento, interferiu na legislação educacional realizando

reformas conforme a sua própria cosmovisão. Logo, o clima impositivo gerado pela

ausência de participação dos principais interessados, educadores e educandos, serviu

apenas para que um grande desserviço fosse prestado à causa educacional.

Logo de entrada, no dia 9 de novembro de 1964, o governo militar impôs a Lei

4.464/64, também conhecido pelo nome do Ministro da Educação da época, Lei Suplicy

de Lacerda Flavio Suplicy de Lacerda (ex-reitor da UFPr), foi dos mais autoritários entre

os ministros da educação do governo militar, no período em que o general Castelo Branco

esteve a frente do governo do país (GERMANO 1990, p. 113).

Tal dispositivo legal tinha a função de atar as iniciativas de mobilização dos

estudantes, conforme fala Piletti:“Esta lei procurou acabar com o movimento estudantil, ao transformar as entidades dos estudantes em órgãos dependentes de verbas e orientação do Ministério da Educação. A União Nacional dos Estudantes (UNE) foi substituída pelo Diretório Nacional dos Estudantes; as Uniões estaduais foram substituídas pelos Diretórios estaduais. Os estudantes não podiam se reunir, discutir seus problemas, reivindicar mais vagas e melhores condições de ensino” (1990, p. 116).

Infelizmente essa não foi a única intromissão dos militares na educação. No ano de

1967 foi criado o Movimento Brasileiro de Alfabetização, o MOBRAL, que poderia utilizar

inclusive, conforme Ghiraldelli (1990, p. 170): “utilizar-se do método Paulo Freire desde

que desideologisado”.

No dia 28 de novembro de 1968, mais um dispositivo legal aparece para amordaçar

a educação pátria: a Lei 5.540/68, ou a lei da Reforma Universitária.

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Diz Antunha que a Reforma Universitária trouxe as seguintes questões:“a) a extinção da cátedra e sua substituição pelo departamento e a concomitante instituição da carreira universitária aberta;b) o abandono do modelo da Faculdade de Filosofia e a organização da Universidade em unidades, isto é, Institutos (dedicados à pesquisa e ao ensino básico) e Faculdades e Escolas (destinadas a formação profissional);c) currículos flexíveis, cursos parcelados, semestrais, com a introdução do sistema de créditos;d) a introdução dos exames vestibulares unificados e dos ciclos básicos, comuns a estudantes de diversos cursos;e) a instituição regular de pós-graduação (de mestrado e doutorado), bem como cursos de curta duração (...)” (apud PILETTI, 1990, p. 118).

Mas, não ficou apenas nisso. Os militares tinham objetivos maiores. No ano de

1969 começou a ser posta em prática a Reforma Universitária brasileira. Para fins de

contextualização, se deve recordar que o ano de 1968 foi o grande divisor de águas do

mundo ocidental: barricadas em Paris; Primavera de Praga; atletas negros nas

Olimpíadas no México; entre outros fatos.

As medidas propostas (impostas) pelo regime fortaleceram o papel da burocracia

institucional, fazendo com que a educação se tornasse mais e mais subordinada aos

interesses do establichment, que por sua vez, se aliava ao interesse da burguesia

industrial e da tecnoburocracia civil e militar que, por sua vez, congregava tudo e todos ao

interesse do capital. Nessa ocasião, já representado pelos EUA.

Sobre o que ocorreu com área educacional brasileira no período posterior a tomada

do poder pelos militares, Piletti relata que:“* Instituiu o vestibular classificatório, eliminando a nota mínima. Dessa forma. Só seriam aprovados tantos candidatos quanto fossem as vagas. Deixavam de existir os “excedentes”.* Através da organização em departamentos, procurou enquadrar a universidade dentro de um modelo empresarial, que lhe desse mais eficiência burocrática; o mesmo objetivo se tentou alcançar com a organização em semestres.* A organização da universidade em unidades, não mais centradas em torno da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, dificultou a integração entre os estudantes e a vida universitária propriamente dita; por outro lado, as matérias filosóficas, importantes para estimular a reflexão e a discussão, tornaram-se optativas para a maior parte dos estudantes.* Multiplicaram-se as vagas em escolas superiores particulares, de forma a permitir, em muitos casos, a existência de sobra de vagas nessas escolas. Se antes de 1969 a maior parte das vagas em escolas superiores eram públicas e gratuitas, hoje são particulares e pagas (...)” (1990, p. 119).

Tal reviravolta na educação apenas atendeu aos interesses do modelo político

“entronizado”, independentemente das reais necessidades do povo.

Obedecendo ao princípio de “amordaçar” o movimento estudantil e o professorado,

na realidade, de suprimir todo e qualquer foco de resistência no ambiente acadêmico, no

dia 26 de fevereiro de 1969, foi baixado pelos militares o Decreto-lei número 477/69.

Este dispositivo foi um marco pós AI5, na fragmentação e desmanche da

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consciência crítica e da participação política no meio acadêmico.

É oportuno o texto do artigo 1º:“ART. 1º - Comete infração disciplinar o professor, aluno, funcionário ou empregado de estabelecimento de ensino público ou particular que:I – alicie ou incite à deflagração de movimento que tenha por finalidade a paralisação de atividade escolar ou participe nesse movimento;II – atente contra pessoas ou bens tanto em prédio ou instalações, de qualquer natureza, dentro de estabelecimentos de ensino, como fora deles;III – pratique atos destinados à organização de movimentos subversivos, passeatas, desfiles ou comícios não autorizados, ou deles participe;V – seqüestre ou mantenha em cárcere privado diretor, membro do corpo docente, funcionário ou empregado de estabelecimento de ensino, agente de autoridade e aluno;VI – use dependência ou recinto escolar para fins de subversão ou para praticar ato contrário à moral ou à ordem pública;S 1º – As infrações definidas neste artigo serão punidas:I – se se tratar de membro do corpo docente, funcionário ou empregado de estabelecimento de ensino com pena de demissão ou dispensa, e a proibição de ser nomeado, admitido ou contratado por qualquer outro da mesma natureza, pelo prazo de cinco (5) anos;II – se se tratar de aluno, com a pena de desligamento, e a proibição de se matricular em qualquer outro estabelecimento de ensino pelo prazo de três (3) anos.S 2º – Se o infrator for beneficiário de bolsa de estudo ou perceber ajuda do Poder Público, perdê-la-á, e não poderá gozar de nenhum desses benefícios pelo prazo de cinco (5) anos.S 3º – Se se tratar de bolsista estrangeiro será solicitada a sua imediata retirada do território nacional” (apud PILETTI, 1990, p. 116-7).

Para programar uma política que pode ser qualificada como entreguista, a ditadura

também impôs alterações na educação básica. Além, obviamente, da Reforma

Universitária que foi outro dos inúmeros atos da ditadura que hoje podem ser objeto de

análise mais detalhada, dada a quantidade de material escrito sobre o assunto.

Tais mudanças se deram a partir da edição de mais uma lei: a Lei 5.692/71 editada

em 11 de agosto de 1971, que se incumbiu da Reforma do Ensino de 1º e 2º Graus.

Piletti (1990) conta que, no estado de São Paulo, na segunda metade da década

de 1960 já ocorria a tentativa de superação da questão da não-continuidade, um ranço do

modelo educativo em nível de ensino de 1º e 2º graus. Essa tentativa de melhoria ocorreu

na gestão do professor Ulhoa Cintra na Secretaria de Educação, sendo o professor José

Mário Pires Azanha diretor-geral do Departamento de Educação, responsável por

algumas iniciativas. São elas:“* no âmbito do ensino primário, a instituição do nível I (1ª e 2ª séries) e do nível II (3ª e 4ª séries), objetivando “tornar o processo de aprendizagem e, principalmente, o de alfabetização mais lento no âmbito da escola”;* simplificação dos programas de ensino primário, tornando-os mais genéricos, de forma a criar “uma margem de possibilidade de trabalho pessoal do professor”;* unificação dos exames de admissão, com a intenção de “abrir as portas do ginásio aos egressos do ensino primário”. Com isso, o ingresso no ginásio por parte dos egressos do primário, que antes era da ordem de 10% a 15%, elevou-se para cerca de 90%, o que praticamente duplicou a população do

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ginásio da noite para o dia: a matrícula na 1ª série ginasial passou de 128 890 em 1967 para 244 596 em 1968” (PILETTI, 1990, p. 120).

No computo geral, de toda essa situação pode ser resumido nos seguintes termos:

a ação do governo militarista foi tendente à supressão de todo o projeto participativo que

estava em desenvolvimento no Brasil, em termos de educação, participação política e

ativismo social. Especificamente, no que respeita à área educacional, os dispositivos

legais citados, são os instrumentos com que os militares introduziram as premissas que

sustentaram a ditadura tanto brasileira, quanto as demais ocorridas na América Latina

durante as décadas de 1960 e 1970.

Desde o início da Guerra-Fria em 1947, os EUA desenvolveram inúmeras formas

de atuação implícita e explícita na soberania dos países que gravitaram em torno de sua

órbita de influência. Desde as teses da famigerada Doutrina de Segurança Nacional que

foi noticiada aos militares brasileiros durante a última fase da II Guerra Mundial.

A Aliança para o Progresso surgiu como forma de tentar evitar uma nova Cuba na

América Latina. Para tanto, o governo dos EUA se propôs a investir 20 bilhões de dólares.

O discurso oficial dizia que a intenção era investir no crescimento econômico da

América Latina, afim de que, com a aceleração do crescimento, o desenvolvimento das

economias latino-americanas e o estabelecimento do que eles chamaram de “governos

democráticos”. Na verdade, os tais “governos democráticos” foram as sangrentas

ditaduras que se estabeleceram em alinhamento com o “grande irmão” do Norte. Porém,

o discurso real, se traduziu pela entrega da soberania nacional aos interesses do capital

estrangeiro.

Na educação o domínio se fez através dos acordos MEC-USAID. Cujo objetivo era,

em tese, o aperfeiçoamento do modelo educacional brasileiro. A realidade, porém, era

bem outra.

O novo modelo educativo implicou na vinda de técnicos para a implantação do

programa. Como se sabe, as agências de segurança dos EUA se serviram deste tipo de

“assessor” para espionar e influenciar os países tanto latino-americanos, quanto

europeus, durante a Guerra-Fria (1947-1989).

O programa importado para o Brasil instituiu a língua inglesa como obrigatória

desde o primeiro grau. Além disso, subtraiu do currículo disciplinas importantíssimas

como filosofia, educação política, reduziu a carga de história e outras disciplinas; retirou o

latim do currículo nacional.

Em que medida a transformação curricular afetou a cultura e reduziu elementos

como senso de identidade nacional, até hoje se pode ver no desenvolvimento cultural das

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gerações pós-acordo MEC-USAID.

Os acordos firmados em qualquer área da vida nacional podem, ou não, serem

benéficos. A idéia fundamental de qualquer acordo a interesse comum e a transferência

entre as partes. No presente caso, sem dúvida que muitas coisas poderiam subsidiar a

luta nacional por crescimento econômico e progresso social, considerando que os EUA

tem quase a mesma idade que o Brasil. Porém, nesses acordos, não houve transferência

entre as partes, apenas uma parte “amordaçou” a outra.

O que os EUA intentaram, e fizeram, foi impor um modelo de vinculação da

educação não mais com a autonomia e com desenvolvimento crítico dos estudantes, mas,

sim, transferiram tal vinculação aos interesses do capital estrangeiro, representado por

inúmeras empresas multinacionais. Além do que, com a presença e inclusão de

elementos de um modelo cultural, dito “superior”, é óbvio que houve uma depauperação

de alguns aspectos da cultura local. Um exemplo foi à questão do uso, ou não, de

guitarras elétricas na MPB, que permitiu aos tropicalistas trazerem uma grande

contribuição.

Outra questão é que o acordo MEC-USAID não trouxe a realidade dos EUA para o

Brasil, isto é, todo o crescimento e desenvolvimento político-econômico-educacional ficou

com os filhos do “tio Sam”, para os filhos do “tio Brasil” só restou a mordaça e a

dominação aos interesses alheios às suas necessidades.

Assim sendo, não há como fazer uma avaliação positiva deste período histórico.

Independentemente a somatória de elementos envolvidos, a educação brasileira piorou

sob certos aspectos após o golpe de 1964.

Não trata de adotar uma visão negativista ao extremo, conforme se verá em outro

momento do presente trabalho. Contudo, por enquanto, é bom lembrar o que diz

Ghiraldelli:“O período ditatorial, ao longo de duas décadas que serviram de palco para o revezamento de cinco generais na Presidência da República, se pautou em termos educacionais pela repressão, privatização do ensino, exclusão de boa parcela das classes populares do ensino elementar de boa qualidade, institucionalização do ensino profissionalizante, tecnicismo pedagógico e desmobilização do magistério através de abundante e confusa legislação educacional. Só uma visão otimista/ingênua poderia encontrar indícios de saldo positivo na herança deixada pela ditadura militar (grifo do autor)” (1990, p. 163).

Como se verá, há inúmeras mudanças que, nasceram sob justa inspiração,

contudo, a ação patrocinada pelo regime foi infeliz, no sentido de que, ao preterir todas as

demais áreas em favor das inversões no capital, mesmo as boas iniciativas se viram

fracassadas pelo próprio desenvolvimento das relações onde predomina o interesse do

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capital.

As mudanças, no caso do 1º e 2º graus, se fizeram sentir, negativamente, em

questões importantes na área educacional.

A esse respeito, Piletti diz que:

a) objetivos da educação“(...). O ensino de 1º e 2º graus tem por objetivo geral proporcionar ao educando a formação necessária ao desenvolvimento de suas potencialidades como elemento de auto-realização, preparação para o trabalho e para o exercício consciente da cidadania. (...). O que acontece, no entanto, é que a lei está longe de ser posta em prática. (...) (1990, p. 120).

b) estrutura da educação“(...). O que observamos é que a lei de 1971 estabeleceu um verdadeiro caos no antigo ciclo colegial e atual ensino de 2º grau: todos os estabelecimentos foram obrigados a implantar habilitação profissionais, mesmo sem as mínimas condições para tanto. O que se verificou, então, foi que grande parte dos estabelecimentos procurou burlar a lei ou cumpri-la da forma mais fácil possível:* alguns elaboravam um currículo oficial para a fiscalização ver e outro, com matérias diferentes, para os estudantes prepararem-se para o vestibular;* muitos estabelecimentos implantaram as habilitações mais baratas, que exigissem menos recursos, mesmo que não houvesse mercado de trabalho etc.” (1990, p. 121).

c) conteúdos da educação“(...). Sem contar o ensino religioso, facultativo para os alunos, o núcleo comum obrigatório passou a abranger dez conteúdos específicos: um de Comunicação e Expressão (Língua Portuguesa); três de Estudos Sociais (Geografia, História e Organização Social e Política do Brasil); dois de Ciências (Matemática e Ciências Físicas e Biológicas); e quatro Práticas Educativas (Educação Física, Educação Artística, Educação Moral e Cívica e Programas de Saúde). (...). Disciplinas mais reflexivas – que podem favorecer a discussão crítica como filosofia, sociologia, psicologia etc. – deixaram de ser ministradas no ensino de 2º grau” (1990, p. 122-3).

Outra questão fundamental nesse processo foi a elitização da educação através da

privatização do ensino no Brasil.

Esta foi das piores formas de exclusão, que, apesar de ser uma discussão antiga,

até a ascensão dos militares ainda havia certo equilíbrio, mas, desde então o ensino se

tornou uma espécie de empresa educacional.

A elitização do ensino brasileiro foi um dos grandes problemas para o povo, e das

grandes soluções para a iniciativa privada, enquanto busca de lucros fáceis e, também os

militares conseguiram abortar o processo de tomada de consciência política das massas.

Tal projeto se desenvolveu de forma exemplar: subtração e redução da carga horária de

disciplinas chave para a formatação da consciência crítica; privatização do ensino

(subvertendo o papel do Estado de fornecer um ensino de qualidade e gratuito) e fazendo

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com que apenas os membros da elite e seus protegidos tivessem acesso a estudos de

nível superior.

Tal situação atendeu de forma bastante positiva aos interesses do capital e dos

donos do poder no Brasil.

Sobre o acordo MEC-USAID é muito oportuna a fala da professora Marilena Chauí:“A reforma do ensino Brasil liga-se a um projeto: o do esquecido acordo Mec-Usaid. A proposta de reforma educacional não nasceu autodeterminada pelo país, veio sugerida do exterior. E o projeto Mec-Usaid assentava em três pilares: educação e desenvolvimento, educação e segurança, educação e comunidade.O item educação e desenvolvimento propunha a formação rápida de profissionais que atendam às necessidades urgentes do país quanto à tecnologia avançada. Profissionalização rápida e privatização do ensino foram objetivos prioritários da reforma voltada à criação de mão-de-obra especializada para um mercado em expansão. Permaneceu ignorada, porém, a natureza dos cursos considerados necessários. Contudo, o leitor atento já poderia decifrar nas entrelinhas: a idéia não era criar pesquisadores, mas executantes aptos de saber vindo de fora. Educação e desenvolvimento não significava mais do que educação e reprodução da dependência.Educação e segurança visava à formação do cidadão consciente, entende-se por consciência o civismo e o desejo de resolver os ‘problemas brasileiros’. O tópico segurança já determinava de antemão a natureza do civismo e dos problemas que seriam propostos aos alunos. Compensação humanística para o tópico tecnológico anterior, levaria a criação das disciplinas Educação Moral e Cívica (curso médio) e Problemas Brasileiros (superior). E já se abria uma brecha para o que se seguiu na prática: a extinção do curso de Filosofia no colegial e seu desprestígio na Universidade.O item Educação e comunidade

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Vieira entende que foram (apud GERMANO 1990, p. 104) “reformas passivas”, pois não

estavam de acordo com os anseios sociais, haja vista, não terem contado com a

participação popular e, nem mesmo, com a participação do professorado.

Tais reformas se fizeram em um contexto de grandes conflitos entre a sociedade e

o Estado militar. Além do clima de contestação, as próprias condições econômicas

também eram um entrave. Uma vez que o estado militarista fez a opção pelo crescimento

dependente, ainda que, dito seguro, seus investimentos se dirigiram, prioritariamente, à

área econômica, ficando as demais em uma relação de subordinação ou sobras. Sobre

isso Germano informa que:“Com efeito, apesar da constante valorização da educação escolar, no nível do discurso, o Estado esbarra, em primeiro lugar num limite de ordem material: a escassez de verbas para a educação pública. Isso acontece porque, como vimos, o Estado emprega o montante de recursos sob sua responsabilidade em setores diretamente vinculados à acumulação de capital. Esta é a prioridade real, a qual, por sua vez, aponta no sentido da privatização do ensino (grifo do autor)” (1990, p. 104).

As reformas, no contexto sócio-político-econômico em que foram feitos, apontaram

em uma única direção: a privatização do ensino. Esta nasceu sob o corolário explicativo

de que, ao se abrir espaço à iniciativa privada na área educacional, o ensino público

poderia ser ofertado às classes subalternas. A história provou o contrário.

Este capítulo final da presente monografia procurará demonstrar a relação de

subordinação, de conseqüência natural entre as reformas e a privatização do ensino. Tal

conclusão se faz com base na dinâmica necessária do modelo capitalista, isto é, a

transformação de bens e serviços em produtos economicamente negociáveis e passíveis

das leis de oferta e procura.

Analisar-se-á, portanto, a Reforma Universitária de 1968, a Reforma do Ensino de

1º e 2º graus e, a Privatização do Ensino no Brasil, tecendo as necessárias correlações

com o AI – 5 (a ditadura da ditadura) e o Decreto-Lei 477/69.

É ainda Germano que alerta para determinadas circunstâncias que são importantes

para a compreensão do que veio a ser, de fato, a política educacional desenvolvida pelo

Estado ditatorial que substituiu o governo democrático de João Goulart, o Jango, a partir

de março de 1964 se instalou no país. “Em síntese, a política educacional se desenvolveu em torno dos seguintes eixos: 1) Controle político e ideológico da educação escolar, em todos os níveis. Tal controle, no entanto, não ocorre de forma linear, porém, é estabelecida conforme a correlação de forças existentes nas diferentes conjunturas históricas da época. Em decorrência, o Estado militar e ditatorial não consegue exercer o controle total e completo da educação, a perda de controle acontece, sobretudo, em conjunturas em que as forças oposicionistas conseguem ampliar o seu espaço de atuação política. Daí os elementos de 'restauração' e de 'renovação' contidos nas reformas educacionais; a passagem da centralização das decisões e do planejamento,

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com base no saber da tecnocracia, aos apelos 'participacionistas' das classes subalternas. 2) Estabelecimento de uma relação direta e imediata, segundo a 'teoria do capital humano', entre educação e produção capitalista e que aparece de forma mais evidente na reforma do ensino do 2o grau, através da pretensa profissionalização. 3) Incentivo à pesquisa vinculada à acumulação de capital. 4) Descomprometimento com o financiamento da educação pública e gratuita, negando, na prática, o discurso de valorização da educação escolar e concorrendo decisivamente para a corrupção e privatização do ensino, transformando em negócio rendoso e subsidiado pelo Estado. Dessa forma, o Regime delega e incentiva a participação do setor privado na expansão do sistema educacional e desqualifica a escola pública de 1o e 2o graus, sobretudo.Finalmente, entendemos que a política educacional resulta da correlação de forças sociais existentes em determinado contexto histórico. No Brasil pós-1964 podemos afirmar que, no essencial, ela foi uma expressão da dominação burguesa, viabilizada pela ação política dos militares” (grifos do autor). GERMANO (1990, p. 105-6).

Cunha (apud GERMANO 1990, p. 101) afirma que “Por política educacional

entendemos 'o conjunto de medidas tomadas (ou apenas formuladas) pelo [Estado] e que

dizem respeito ao aparelho de ensino (propriamente escolar ou não. (...)”.

As informações aqui apresentadas demonstram inequivocamente que, até as

expressões utilizadas: reforma, revolução, são desfiguradas do sentido etimológico.

Tal técnica de que se utilizou com propriedade o regime militar brasileiro que tomou

as rédeas do poder em 1964, é apresentada com clareza na clássica obra 1984, de

autoria do inglês George Orwell; e consiste na alteração do sentido natural do vocábulo,

por exemplo, a expressão Reforma utilizada em 1517, quando o monge agostiniano

Martinho Lutero afixou as 95 teses na igreja de Wittenberg, serviu de explicação para uma

transformação qualitativa do modus pensandi religioso. Significou o fim da dominação

religiosa, via modelo único.

Sob esse mesmo prisma, deve-se observar como o regime ditatorial, explicou suas

teses e desenvolveu seu projeto e intervenção nas áreas social, política, econômica e,

principalmente, educacional, que é objeto de apreciação do presente trabalho.

No que respeita à Reforma do Ensino de 1º e 2º graus, a questão da

profissionalização do Ensino de 2º grau (atual Ensino Médio), deverá ser visto com

mesmo sentido crítico, haja vista, ser mais uma vez caracterizado o uso desfigurado da

expressão.

1.1. A Reforma Universitária de 1968 – LEI 5.540/68.

A reforma universitária imposta pelos militares em 1968 foi fruto de um contexto

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que deve ser dividido nos seguintes termos:

a) a natural aspiração surgida no seio social (classe média), dada a falta de vagas nas

universidades, aspiração essa nascida de contexto de participação e mobilização política

advindas do “clima” liberal que permeou a sociedade brasileira entre 1946-1964;

b) a necessidade, por parte de um regime ditatorial, não-popular, que se estabeleceu a

partir de 1964, como resultado de um pacto entre militares, setores reacionários da classe

média, latifundiários, tecnoburocratas e industriais (nacionais e internacionais), cujo

objetivo era a anexação do Brasil à política de alinhamento com os EUA, como

desdobramento necessário da Guerra-Fria 1947-1989.

Quanto ao contexto da reforma, é importante salientar que a classe média, nesse

período, e, mesmo alguns setores da política nacional que apoiaram o golpe, já se

encontravam caminhando em sentido contrário aos rumos adotados pelo regime.

Conforme confirma Wladimir Pereira, célebre líder estudantil nessa época:“A classe média apoiou o golpe, mas desde 1965 tem suas convicções abaladas por duas coisas: primeiro, a decadência econômica em função da crise. A classe média tem grande dificuldade, sobretudo seus setores autônomos e liberais, de enfrentar um aumento da inflação. E tem dificuldades maiores ainda em reagir. (...). Além do que a universidade estava muito ruim: havia a questão das vagas, colocadas pelos excedentes, o problema da democracia interna, as condições de trabalho e de formação profissional, tudo isso em nível muito aguçado. (...)” (apud GERMANO, 1990, p. 114).

Contudo, no que exatamente consistiu a Reforma Universitária? Conforme a

citação já feita em outra parte deste trabalho, Heládio Antunha relata sobre Reforma

Universitária os seguintes pontos:a) a extinção da cátedra e sua substituição pelo departamento e a concomitante instituição da carreira universitária aberta;b) o abandono do modelo da Faculdade de Filosofia e a organização da Universidade em unidades, isto é, Institutos (dedicados à pesquisa e ao ensino básico) e Faculdades e Escolas (destinadas a formação profissional);c) currículos flexíveis, cursos parcelados, semestrais, com a introdução do sistema de créditos;d) a introdução dos exames vestibulares unificados e dos ciclos básicos, comuns a estudantes de diversos cursos;e) a instituição regular de pós-graduação (de mestrado e doutorado), bem como cursos de curta duração (...) (apud PILETTI, 1990, p. 118).

Tais mudanças não podem ser vistas com justiça, se não se considerar o contexto

em que ocorreram. Nesse sentido, as transformações no modelo universitário eram uma

aspiração legítima e necessária à realidade educacional, no que respeita ao superior. O

grande problema, portanto, não são as alterações, mas, sim, a forma como o regime

militar brasileiro entendeu a questão educacional; a necessidade de amordaçar as

massas estudantis e o professorado, o que se logrou fazer a partir do Decreto-Lei 477/60,

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cujos dispositivos cita-se novamente:ART. 1º - Comete infração disciplinar o professor, aluno, funcionário ou empregado de estabelecimento de ensino público ou particular que:I – alicie ou incite à deflagração de movimento que tenha por finalidade a paralisação de atividade escolar ou participe nesse movimento;II – atente contra pessoas ou bens tanto em prédio ou instalações, de qualquer natureza, dentro de estabelecimentos de ensino, como fora deles;III – pratique atos destinados à organização de movimentos subversivos, passeatas, desfiles ou comícios não autorizados, ou deles participe;V – seqüestre ou mantenha em cárcere privado diretor, membro do corpo docente, funcionário ou empregado de estabelecimento de ensino, agente de autoridade e aluno;VI – use dependência ou recinto escolar para fins de subversão ou para praticar ato contrário à moral ou à ordem pública;S 1º – As infrações definidas neste artigo serão punidas:I – se se tratar de membro do corpo docente, funcionário ou empregado de estabelecimento de ensino com pena de demissão ou dispensa, e a proibição de ser nomeado, admitido ou contratado por qualquer outro da mesma natureza, pelo prazo de cinco (5) anos;II – se se tratar de aluno, com a pena de desligamento, e a proibição de se matricular em qualquer outro estabelecimento de ensino pelo prazo de três (3) anos.S 2º – Se o infrator for beneficiário de bolsa de estudo ou perceber ajuda do Poder Público, perdê-la-á, e não poderá gozar de nenhum desses benefícios pelo prazo de cinco (5) anos.S 3º – Se se tratar de bolsista estrangeiro será solicitada a sua imediata retirada do território nacional (PILETTI, 1990, p. 116-7).

E a principal questão que aqui se repete, a instituição de um modelo econômico

baseado na premissa do corolário explicativo do capital em detrimento do trabalho (inclua-

se aí a educação, mesmo na ótica capitalista, em que, o investimento educacional é

sinônimo de continuidade e crescimento do modelo) e sobre todas as demais áreas da

vida no país.

Ato seqüente, a reforma universitária foi “fortalecida” pelo Ato Institucional número

5 (AI-5), com muita justiça considerado o golpe no golpe. Este segundo golpe, como bem

lembra Germano (1990, p. 65): “A partir, evidenciou-se uma ditadura com 'D' maiúsculo”.

A partir de abril de 1969, a academia brasileira viu-se privada de inúmeras 'cabeças

pensantes', cujo crime foi o de não concordar com o modelo político, e, por via de

conseqüência, com o educacional adotado pela caserna.

Com a finalidade de honrar os professores que, à época, se mantiveram fiéis aos

princípios democráticos, cita-se aqui, alguns nomes dos representantes da academia

brasileira: Mario Schemberg, Fernando Henrique Cardoso, João Cruz Costa, Florestan

Fernandes, Caio Prado Júnior, Villanova Artigas, Samuel B. Pessoa, Isaías Raw, Pedro

Henrique Saldanha, Paul I. Singer, Bolivar Lamounier, José Leite Lopes, Manuel Maurício

de Albuquerque, Maria Yeda Linhares, Mirian Limoeiro Cardoso, Bento Prado Júnior, Elza

Berquó, Emília Vioti da Costa, Jean Claude Bernardet, José Arthur Gianotti, Luiz

Hildebrando Pereira da Silva, Octavio Ianni, Paulo A M Duarte, além de outros como

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Josué de Castro, Celso Furtado e Paulo Freire, punidos no começo do golpe de 1964.

Também se cita, nesse texto, os nomes de outros intelectuais que não se pautaram

pelos mesmos princípios, antes, pelo contrário, emprestaram seus nomes à aventura

violenta e desnacionalizante que setores da elite brasileira e internacional, empreenderam

no país após o golpe de 1964 e, mais especificamente, no pós-1968, são eles: Luiz

Antônio da Gama e Silva, Alfredo Buzaid, Moacyr Amaral dos Santos, Jerônimo Geraldo

de Campos Freire, Theodoreto I. De Arruda Souto, Flavio Suplicy de Lacerda, Raymundo

Muniz de Aragão, Eduardo Portella, Mario Henrique Simonsen, Carlos Geraldo Langoni,

Antônio Delphim Netto, Esther de Figueiredo Ferraz.

A lista completa, bem como as instituições acadêmicas de onde se originaram, e,

no caso dos apoiadores, as pastas e cargos que ocuparam, estão consignadas no livro –

Estado Militar e Educação no Brasil (1964-1985), de autoria do professor da Unicamp

José Willington Germano (pp. 106-113), um dos livros que embasam a presente

monografia.

Ainda que, indiscutivelmente, o Ensino Superior brasileiro na década de 1960

exigisse transformações, o modus executandi dos militares conseguiu criar condições

históricas que em longo prazo, não se constituíram em benefícios às classes subalternas.

Com a privatização do Ensino Superior, em consonância com o modus operandi

capitalista, o que se viu foi uma educação acrítica, transmutada em produto de mercado.

O Ensino Superior público, de excelente qualidade, é uma realidade às elites, não

às classes subalternas, como dizia o discurso oficial dos militares, quando empreenderam

as mudanças. Ainda que exista hoje uma maior possibilidade de acesso ao Ensino

Superior, inclusive com programas de financiamento pelo Governo Federal, contudo, de

longa data, o que se viu foi uma deterioração da qualidade do ensino oferecido,

incapacitando a sociedade, como regra, de participar ativamente do jogo político.

A somatória das transformações patrocinadas pelo regime militar apresentou como

efeito, entre inúmeros outros, de curto, médio e longo prazo, o “amordaçamento” do

diálogo e da crítica, instrumentos essenciais à maturação político-educacional do país.

1.2. A Reforma do Ensino de 1o e 2o Graus – Lei 5.692/71

Da mesma forma que o Ensino Superior, o Ensino de 1º e 2º graus também foi

contemplado com mudanças significativas, mas, dentro dos mesmos propósitos. Dada a

diferença do grau de politização entre estudantes de nível superior e secundarista, no que

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concerne à participação política, não houve um Decreto-Lei, nos mesmos moldes do

477/69 para o Ensino de 1º e 2º graus, contudo, os professores também carregam sobre a

si a “espada de Dâmocles” sob suas cabeças.

Duas características são distintivas nessa Reforma: 1) a criação de disciplinas

como Educação Moral e Cívica (1º grau) e Orientação Social e Política Brasileira (2º

grau); e 2) a tecnização do 2º grau. Tais características refletem onde o governo militar

pretendeu atuar na massa estudantil.

No primeiro caso, ao criar disciplinas tendentes à justificação ideológica do regime,

o estado militarista procurou atrair a população a uma relação consensual. Ou deveria

dizer-se, e um amordaçamento, com a aparência de consenso. O Estado militar, portanto,

priorizou uma política já conhecida na história: o “pão e circo” adotado em Roma,

adaptado ao contexto da história universal do século XX.

No segundo caso, a tecnização, fenômeno comum às idéias econômicas do

liberalismo, no modus brasili, não ocorreu o que seria de esperar. Com efeito, nas

economias capitalistas, o Ensino Técnico é uma necessidade natural do modelo e, que,

de certa forma se reflete positivamente na classe trabalhadora, uma vez que aumenta a

quantidade monetária despendida pelo proprietário dos meios de produção, em razão da

relativa especialização do assalariado. Aqui, no Brasil militarizado, não ocorreu desta

forma.

Uma vez que a educação técnica se tornou uma obrigação nascida de dispositivo

legal imposto, e não da transformação da cultura, isto é, do modus pensandi da própria

sociedade, é óbvio que, o que sucedeu foi um aumento de situações de corrupção, uso

inadequado de verbas públicas, enfim, houve sim um “inchamento” ao invés de

crescimento.

No artigo 1º da LDB 5692/71 está dito que: “O ensino de 1º e 2º graus tem por

objetivo geral proporcionar ao educando a formação necessária ao desenvolvimento de

suas potencialidades como elemento de auto-realização, preparação para o trabalho e

para o exercício consciente da cidadania”. PILETTI (1990, p. 121). Entende-se que esse é

um objetivo que se situa no âmbito da cultura, antes do que na área jurídica.

A crítica consciente toma em consideração um aspecto característico do tipo de

capitalismo adotado nas colônias de exploração: o capitalismo periférico.

Tal modelo se constituiu num ciclo exploratório ad infinitum, uma vez que, a

exploração da metrópole precisa criar uma elite local que, por sua vez, explorará as

classes submissas locais. No Brasil, esta foi uma realidade desde o início da colonização

em 1533 e, até a presente data 2008, não teve mudanças significativas.

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Esse ciclo exploratório favorece e cria condições para um grande mal chamado de

corrupção, existente em distintos graus, em todos os países de orientação econômica

capitalista.

Trazendo essa questão para a época que aqui se discute o início da década de

1970, sob o tacão do militares, o que se viu no Ensino Técnico não foi em nada diferente.

Sob o título de “Valor Econômico da Educação” – Theodor Schultz (lançado nos EUA em

1963, traduzido e publicado no Brasil em 1973), vinculou-se a educação de 1º e 2º graus

à visão pedagógica tecnicista (SAVIANI 2008, p. 369), a partir de princípios como: máximo

resultado com mínimo dispêndio; não duplicidade de meios para o mesmo fim (SAVIANI

2008, p. 380). Dessa forma, incorporou-se à busca do lucro, característica da empresa,

com a educação, cuja finalidade, supostamente, deveria ser outra. E, nesse mesmo

contexto, a corrupção serviu para deteriorar tanto um aspecto, a empresa, quanto o outro,

a escola.

O professor Saviani ensina que:“Com base no pressuposto da neutralidade científica e inspirada nos princípios de racionalidade, eficiência e produtividade, a pedagogia tecnicista advoga a reordenação do processo educativo de maneira que o torne objetivo e operacional. De modo semelhante ao que ocorreu no trabalho fabril, pretende-se a objetivação do trabalho pedagógico” (2008, p. 381).

Essa deturpação da finalidade, uma vez que se admita que a educação pode e

deve ser conduzida no sentido de melhorias sócio-materiais, contudo, não pode e nem

deve ser este o seu único enfoque, sob pena de perder-se uma das principais

características da construção do saber humano, conforme se registra na história da

humanidade: a postura crítica.

É por meio da postura crítica, em um legítimo movimento dialético, que a sociedade

ocidental logrou transformar as crises dos paradigmas sociais em alavancas de

mudanças. A própria ciência, enquanto ciência humana geral superou seus próprios

limites através de situações-problema, sem as quais, a história ocidental sem dúvida seria

muito diferente.

Repete-se aqui um texto citado por Piletti, para fins de explicitar em que,

sinteticamente, consistiu a Reforma produzida pela LDB de 1971: * no âmbito do ensino primário, a instituição do nível I (1ª e 2ª séries) e do nível II (3ª e 4ª séries), objetivando “tornar o processo de aprendizagem e, principalmente, o de alfabetização mais lento no âmbito da escola”;* simplificação dos programas de ensino primário, tornando-os mais genéricos, de forma a criar “uma margem de possibilidade de trabalho pessoal do professor”;* unificação dos exames de admissão, com a intenção de “abrir as portas do ginásio aos egressos do ensino primário”. Com isso, o ingresso no ginásio por parte dos egressos do primário, que antes era da ordem de 10% a 15%,

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elevou-se para cerca de 90%, o que praticamente duplicou a população do ginásio da noite para o dia: a matrícula na 1ª série ginasial passou de 128 890 em 1967 para 244 596 em 1968(1990, p. 120).

O regime militar esteve ligado a alguns setores reacionários, no caso, a igreja

romana, bem como de que forma se desvirtuou o pensamento cristão original, uma clara

defesa da igualitarização dos homens e, principalmente, uma opção pelos desfavorecidos,

para sedimentar uma postura que, melhor seria compreendê-la como contrária aos ideais

defendidos pelos primeiros cristãos. Assim se pronunciou o padre José Vieira de

Vasconcelos, presidente da Associação dos Educadores Católicos do Brasil:“A nova Lei tem, pois, na insistência por uma educação mais técnica, uma das suas notas dominantes. Significa esta premissa ruptura com as tradições educacionais cristãs no Brasil? Uma antinomia, entre tecnologia e humanismo? Reduz o sentido formador e a substância espiritualista do trabalho educador? Tende a fazer do aluno peça de uma máquina maior a serviço do desenvolvimento (tomado apenas o sentido material) do País? Apresso-me a responder que não. Até pouco tempo, quando se falava em tecnologia em confronto com a educação acadêmica, notavam-se com freqüência dois falsos subentendimentos. O primeiro era identificar-se humanismo com cultura acadêmica (...). O segundo (...) era ligar-se humanismo a cristianismo. Isto tem uma parcela de verdade e uma parcela de mal-entendido. O que há de verdade nesta associação de idéias é a preocupação do cristianismo de fazer da pessoa humana o centro do mundo. Como lemos na Populorum progressio, 'o que conta para nós é o homem, cada homem, cada grupo de homens, até chegar à humanidade inteira' (...). sob este ângulo o cristianismo é humanista. O mal-entendido é julgar que o cristianismo se oponha à educação tecnológica, como se ela fosse uma espécie de paganismo, em contraposição com a cultura clássica, que seria cristã. A verdade é outra: o renascimento da cultura clássica foi bem pouco cristão; por outro lado, a teoria de que o trabalho das mãos é indigno do homem livre é do pagão Aristóteles, Cristo foi carpinteiro (grifos do original)” (apud GERMANO, 1990, p. 180-1).

O que fica como razoável dúvida moral é o fato de que, Jesus Cristo, não foi

entusiasta do ócio, na mesma medida em que não apoiou a exploração do homem pelo

homem: “Portanto, tudo o que vós quereis que os homens vos façam, fazei-lho também

vós, porque esta é a lei e os profetas”. Mateus 7: 12 – Bíblia Sagrada.

O projeto de tecnização do Ensino de 1º e 2º graus, portanto, esteve, desde o

início, fadado ao fracasso. Germano (1990, p. 193) diz que: “Os princípios mais

importantes do Regime militar não chegaram a se efetivar”.

1.3. A Privatização do Ensino no Brasil

A questão da privatização não é um fenômeno novo na área educacional brasileira,

e nem se pode supor que é um reflexo do regime militarista apenas. Suas raízes

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históricas remontam ao final do período imperial e, antes da primeira Constituição pátria

ser outorgada em 1824 já havia um dispositivo legal que tratava da possibilidade da

iniciativa privada atuar na área. O dispositivo é a Lei número 20 de outubro de 1823.

Conforme relata Demerval Saviani:“O decreto de Leôncio de Carvalho deu ensejo, no parlamento, aos 'Pareceres' de Rui Barbosa, que lhe apôs um substitutivo em 1882. (...). Na verdade, o 'ensino livre de Leôncio de Carvalho' (ALMEIDA JÚNIOR, 1952a e 1952b) expressa à culminância, no final do Império, de uma tendência que já se manifestava logo após a Independência, quando a Lei 20 de outubro de 1823 abria caminho à iniciativa privada ao tornar livre a instrução, permitindo a qualquer um abrir escola independentemente de exame ou licença. Embora a iniciativa privada não chegasse a suplantar as escolas públicas no âmbito da instrução elementar, no nível secundário sua supremacia era total” (2008, p. 140).

Em tempos mais recentes, o assunto da privatização do ensino também esteve

presente na legislação brasileira. Germano relata que:“Desse modo o Estado pavimentou o caminho da privatização do ensino, sobretudo nos níveis médio e superior. Esclareçamos que essa tendência não é recente. Desde a Constituição de 1934 – que permitiu ao Estado isentar de impostos estabelecimentos privados de ensino tidos como idôneos – até a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (4.024) de 1961 (que prevê ajuda financeira ás escolas da rede privada de forma indiscriminada), os interesses privatistas conquistaram, sem dúvida, importantes vitórias” (1990, p. 195-6).

Esta tendência, como já dito nesse trabalho, é natural do modelo capitalista, que

tende a transformar qualquer coisa em produto de venda e troca. Se se levar em

consideração a primeira Lei que aborda o assunto, ter-se-á o período posterior a

Independência; deve-se ainda ter em consideração a influência inglesa sobre Portugal e,

como conseqüência necessária, sua influência sobre o vice-reino, o Brasil.

Quanto ao período final do Império e início da República, há um desenvolvimento

da classe em ascensão, a burguesia. É natural que se visse na educação uma fonte a

mais de exploração e acumulação de riquezas.

Não era, portanto, novidade a presença da iniciativa privada na área educacional

brasileira antes do Golpe de 1964. O que se vê, porém, no pós-1964, é a entrega do

ensino à iniciativa privada, orquestrada como parte de um programa supostamente

destinado a liberar o ensino público para as classes menos favorecidas, mas que

funcionou em sentido inverso.

A afirmativa supra, mostra o orquestramento da entrega à iniciativa privada

justifica-se pelo fato que, o Estado, não apenas criou mecanismos de ordem legal, por

exemplo, a Emenda Constitucional número 18 de 1965, ainda na vigência da Constituição

de 1946, que reformulou o sistema tributário nacional., Tal dispositivo vetou a cobrança de

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impostos sobre o patrimônio, a renda ou serviços de partidos políticos, de instituições de

educação e de assistência social; o veto se aplica à União, Estados Federados e

Municípios, conforme Germano (1990, p. 196).

A Constituição de 1967, contudo, concluiu a entrega à iniciativa privada uma vez

que suprimiu até mesmo os percentuais mínimos de recursos a serem despendidos com

educação em todos os níveis. Ora, a partir daí, e, sendo a educação um negócio

altamente lucrativo, as empresas educacionais cresceram e chegaram a atingir patamares

elevados de crescimento patrimonial, sem que, necessariamente, tal expansão se

refletisse de forma positiva na qualidade do ensino prestado à população.

Há um quadro extremamente significativo de se deve apresentar aqui:“BRASIL

Dispêndio em Educação e Cultura – feito pela União – como porcentagem da Receita de Impostos – Dados de Balanço.

1960 – 1976 Anos Porcentagem

1960 9,9

1961 10,1

1962 11,6

1963 9,2

1964 9,4

1965 13,1

1966 9,6

1967 11,8

1968 8,31969 8,01970 7,31971 6,31972 6,41973 5,51974 5,21975 6,0

1976 7,0 Fonte: União – Balanços – Dados do SEEC (Serviço de Estatística da Educação e Cultura) e Inspetoria Geral de Finanças (grifo do autor)”. GERMANO (1990, p. 197).

O que uma leitura superficial do gráfico comprova é que, no período de 1968-1974,

que é o enfoque deste trabalho e, que corresponde ao período de maior arbítrio cometido

pelos militares no país, a educação foi sendo gradualmente deixada de lado na ordem de

investimento estatal, constituindo-se tal situação em uma contradição frontal com a

própria perspectiva no capital.

Na mesma medida em que o Estado eximiu-se de investir na educação, franqueou

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à iniciativa privada uma imensa área de exploração.

Como dito em outro momento deste trabalho, a entrega ao capital de exploração

carrega consigo um “vírus” chamado corrupção. Nesse sentido, a iniciativa privada teve

duas formas de utilizar a oportunidade dada pelo Estado: 1) a contratação de professores

com menor preparação (nos mesmos princípios do exército de desempregados da

Revolução Industrial inglesa em sua fase inicial) e 2) a utilização das facilitações advindas

dos mecanismos legais fornecidos a título de incentivo pelo Estado.

É interessante a exposição do professor Germano, com a qual se conclui esse

capítulo:“Do exposto se pode depreender que: 1) que o Estado, ao se desobrigar de financiar a educação pública, abriu espaço para que a educação escolar fosse explorada como negócio lucrativo, com as empresas contando para isso com facilidades, incentivos e subsídios fiscais e creditícios, até mesmo para a pura e simples transferência de recursos públicos para a rede privada de ensino; 2) que os problemas referentes ao financiamento da educação não se restringem à questão do montante das verbas. A alocação de uma soma adequada de recursos é uma condição necessária para o desenvolvimento do sistema educacional, porém não é uma condição suficiente. A corrupção – desvio de verbas para as chamadas elites políticas e para grupos empresariais – consome boa parte dos recursos públicos destinados educação, e a burocratização, o clientelismo e a centralização administrativa impedem que o dinheiro chegue público chegue às escolas (grifo do autor). (...) (1990, p. 205).

Assim, a privatização que, hipoteticamente, seria uma solução para a ampliação

das vagas e acesso à educação superior, funcionou na prática, em franca contradição

com o discurso oficial. O que se viu desde então, é um ensino superior privado destituído

de qualidade, em inúmeras instituições; na mesma proporção em que o ensino superior

público se transformou em mais um elemento elitizante no país.

No que respeita ao Ensino de 1º e 2º graus, o que sucedeu foi exatamente o

contrário: enquanto o público foi sucateado, o privado se tornou elitizado, fornecendo os

estudantes para o ensino superior público.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

De tudo o que foi discutido até aqui, apresenta-se aqui, na forma de doze (12)

proposições, o que logrou alcançar em termos de conclusão:

a) O homem lê, percebe a realidade que o cerca no tempo e no espaço e, a partir daí,

atribui significação ao que lhe sucede; bem como reinterpreta o que lhe antecedeu.

b) Os resultados da criação se constituem em elemento formativo da cultura que, por sua

vez, há de se constituir em conhecimento na medida em que sua aplicabilidade se faça

importante à vida. Daqui em diante, torna-se patrimônio coletivo.

c) A educação, informativa e formativa, é a forma como se processa a transmissão do que

aconteceu, e como se insere o indivíduo dentro do quadro valorativo que é, por natureza a

identidade do grupo a que pertence.

d) No Brasil, a educação surgiu como forma de anexação cultural, desde o período

colonial até o advento da ascensão da burguesia no Brasil, o que ocorreu em um

momento histórico em que a burguesia européia já estava consolidada enquanto classe

hegemônica.

e) Em que pesem as alterações no exercício do poder desde a Primeira República, nunca

houve no país uma transformação no modo relacional entre as classes componentes.

Nesse sentido, tanto a Pedagogia Tradicional, baseada no essencialismo, quanto a

Pedagogia Nova, baseado no existencialismo (não o filosófico), mas no sentido de

realidade prática, concreta, foram partes da dominação mantida pela classe hegemônica,

a burguesia, sob as classes subalternas.

f) O Golpe Militar de 1964 não fugiu a regra, antes, foi um momento de aglutinação entre

as elites rurais e industriais – nacionais e estrangeiras – a tecnoburocracia, e mesmo

setores reacionários da classe média, da classe política, da intelectualidade e setores

conservadores da igreja católica. Ocorrido no contexto de alinhamento necessário, fruto

da Guerra-Fria, 1947-1989.

g) O militarismo efetuou Reformas na Universidade e no Ensino de 1º e 2º graus e,

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buscou a tardia e inadequada tecnização do Ensino de 2º grau. Tais medidas estavam de

acordo com a política de rompimento com o nacional-desenvolvimentismo que foi o pano

de fundo da Quarta República 1946-1964. Esse “alinhamento” se fez sob o predomínio do

capital sobre o trabalho.

h) A educação, nesse contexto, se viu vinculada a uma mentalidade tipo empresarial – o

capital humano – cujos desdobramentos históricos demonstram o profundo abismo entre

o discurso oficial e os frutos colhidos das “Reformas”.

i) Como parte do programa de “enfaixamento” das classes subalternas, pelos militares e

seus coligados, o ensino brasileiro foi privatizado. Tal privatização, enquanto projeto

social, ampliou o distanciamento entre a classe hegemônica e as subalternas; além disso,

o projeto se viu naufragado pela qualidade questionável de muitas instituições de ensino,

bem como pela corrupção, conseqüência natural do modelo exploratório assumido.

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