tcc ii - contrato temporário de trabalho
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CENTRO UNIVERSITÁRIO LUTERANO DE MANAUS - CEULMCOMUNIDADE EVANGÉLICA LUTERANA "SÃO PAULO"
Credenciado pelo Decreto de 26/03/2001 – D.O.U. de 27/03/2001
LUCIANA DOS SANTOS MARQUES
O DESVIRTUAMENTO DOS CONTRATOS TEMPORÁRIOS NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
Manaus2011
LUCIANA DOS SANTOS MARQUES
O DESVIRTUAMENTO DOS CONTRATOS TEMPORÁRIOS NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
TCC II – Monografia apresentada ao curso de Direito do Centro Universitário Luterano de Manaus, como requisito para obtenção do título de bacharel em Direito.
Orientador: Prof. André Rodrigues de Almeida
Manaus2011
LUCIANA DOS SANTOS MARQUES
O DESVIRTUAMENTO DOS CONTRATOS TEMPORÁRIOS NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
TCC II – Monografia apresentada ao curso de Direito do Centro Universitário Luterano de Manaus, como requisito para obtenção do título de bacharel em Direito.
Banca Examinadora:
_____________________________________Prof. André Rodrigues de Almeida
_____________________________________Prof.
_____________________________________Prof.
Conceito:
Manaus, de de 2011.
DEDICATÓRIA
AGRADECIMENTOS
EPÍGRAFE
RESUMO
Aborda-se neste trabalho acerca dos contratos temporários de trabalho
firmados pela Administração Pública, nas suas mais diversas esferas e, conforme
admitido pela nossa Lei Fundamental em seu art. 37, IX, em caráter transitório e
excepcional, por esta razão, sem a exigência, necessária, de ter se prestado e
contratado mediante um concurso público. Se tratando de pessoal que vem a suprir
necessidades especiais e específicas fora da normalidade e que as quais precisam
ser imediatamente atendidas pelo Poder Público, já que não se suportaria a demora
dos trâmites regulares oriundos entre a elaboração de um concurso até a devida
convocação e contratação dos servidores, entretanto esta permissão legal deve ser
vislumbrada de modo passageiro.
Palavras-chave:Contrato temporário – ilegalidade – empregado público
ABSTRACT
Covers of this work on temporary contracts of employment signed by the
Public Administration, in its various spheres, and as admitted by our Basic Law in its
art. 37, IX, on an interim and exceptional basis, therefore, no requirement, necessary
to have provided and if hired through an open tender. When dealing with people who
come to meet special needs and specific outside normal and that which must be
immediately addressed by the Government, since it does not bear the delay of
scheduled proceedings arising from the preparation of a tender by the due calling
and hiring servers, however this legal permission shall be seen so fleeting.
Keywords:contract temporary – illegality – public servant
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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO....................................................................................................... 09
1 CONTRATO DE TRABALHO............................................................................ 101.1 DISPOSIÇÕES GERAIS ACERCA DO TRABALHO TEMPORÁRIO..............10 1.2 BREVES CONCEPÇÕES DO CONTRATO TEMPORÁRIO NO DIREITODO TRABALHO.................................................................................................... 111.3 O CONTRATO TEMPORÁRIO DO DIREITO ADMINISTRATIVO.................. 131.4 A RELEVÂNCIA DO CONCURSO PARA INVESTIDURA EM CARGOS POR SERVIDORES PÚBLICOS E DA CONTRATAÇÃO DE EMPREGADOS TEMPORÁRIOS..........................................................................141.5 DA ILEGALIDADE E CONSEQUÊNCIAS DA PRORROGAÇÃO DE CONTRATOS........................................................................................................ 171.6 A SUCESSIVA PRORROGAÇÃO DO CONTRATO TEMPORÁRIOCOMO FRAUDE E CONSEQÜENTES DIREITOS AOS EMPREGADOS PÚBLICOS............................................................................................................. 191.7 DA PRESCRIÇÃO ADMINISTRATIVA.......................................................... 241.8 DA NECESSÁRIA ESTABILIZAÇÃO DOS SERVIDORES..............................
291.9 DA COMPETÊNCIA JURISDICIONAL PARA JULGAMENTO DAS LIDESDE CONTRATOS TEMPORÁRIOS........................................................................... 35
CONCLUSÃO........................................................................................................ 42
OBRAS CONSULTADAS..................................................................................... 43
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INTRODUÇÃO
Em decorrência de acúmulo de serviço, férias ou impedimento de
empregados tais como doença, licença maternidade, e ou ainda as
excepcionalidades previstas no art. 37, IX, da Constituição Federal, que admite
contratação por tempo determinado para execução serviços por falta de mão de
obra, observa-se, entretanto, que esse tipo de prestação de serviços só será lícito
para atender a necessidade transitória de substituição de pessoal regular e
permanente ou acréscimo extraordinário de serviços.
O benefício à Administração Pública nessas situações transitórias, prolifera,
acomoda por sua conveniência e transgride o mundo jurídico uma vez que
intensifica o acúmulo dos contratos sem uma característica de relação de trabalho.
Em vez de admitir novos empregados mediante concurso como prevê a Carta
Constitucional em seu art. 37, II, lança a admitir os serviços dos empregados de
trabalho temporários, visto que esse pessoal treinado para o exercício da função de
que ela necessita, evitando perda de tempo na seleção treinamento dos
empregados ou, ainda, por ser tal procedimento menos oneroso.
O trabalhador em questão é empregado do ente público provisoriamente,
não deixa de ser, por seguinte, empregado, porém um empregado especial, com
direitos limitados ä legislação especial.
O fato gerador do direito pretendido se encontra bem delineado e estribado
não só na legislação, como também na doutrina e jurisprudência, os quais garantem,
de forma uníssona, o direito dos trabalhadores temporários permanecerem
integrados à Administração Pública, face à reiteração de suas contratações.
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1 CONTRATO DE TRABALHO
1.1 DISPOSIÇÕES GERAIS ACERCA DO TRABALHO TEMPORÁRIO
Das relações de emprego existentes na legislação trabalhista pátria, a do
trabalho temporário vem a apresentar uma hipótese interessante quando aplicada no
âmbito da Administração Pública.
Primordialmente, para fins metodológicos, neste trabalho será utilizado o
termo empregado público ao invés de servidor público, por considerar coerente o
entendimento do renomado doutrinador MEIRELLES (2010, p.440), em que leciona
ser o termo “servidor público”, o que abrange apenas os titulares de cargo público
efetivo nas pessoas jurídicas de Direito Público, enquanto os “empregados públicos”
são titulares de emprego público da Administração direta e indireta e não titulares do
cargo.
A peculiaridade deste caso reside na análise do objeto jurídico do contrato
temporário no âmbito trabalhista, que é o suprimento temporário da necessidade de
um determinado serviço. A seu turno, este tipo de relação defronta-se com um dos
requisitos primários existentes na Administração Pública em relação aos seus
servidores, o qual seja, a necessidade de concurso público para efetivação em
determinado cargo.
A priori, cabível transcrever o texto constitucional, mais precisamente a
previsão do art. 77, inciso IX, acerca do permissivo para a celebração de contratos
temporários nas instituições, seja pública ou privada:
A lei estabelecerá os casos de contratação por tempo determinado
para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público
O objetivo principal para a Administração Pública convocar os serviços de
empregados temporários é para o atendimento das necessidades temporárias de
excepcional interesse público, sendo, portanto, desnecessário concurso público para
estes empregados.
Na esfera trabalhista, os contratos temporários, também regidos pela Lei nº
6.019/74, regulamentada pelo Decreto 73.841/1974, possuem o mesmo objetivo
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qual seja, atender à necessidade transitória de substituição de pessoal regular e
permanente, ou suprir o acréscimo extraordinário dos serviços. (OLIVEIRA, 2009,
51).
São sutis as diferenças se comparados os requisitos essenciais para essa
modalidade de trabalho, tanto na esfera administrativa, quanto na trabalhista, ainda
que na mesma condição de celetistas – amparados pela Consolidação das Leis
Trabalhistas. Insta salientar que os direitos aos empregados de instituições privadas
levam a crença de serem mais cristalinos que os da administração pública, motivo
este que, por vezes, estes últimos costumam recorrer à solução jurisdicional para
demandarem por seus pleitos.
1.2 BREVES CONCEPÇÕES DO CONTRATO TEMPORÁRIO NO DIREITO DO
TRABALHO
A Lei 6.019 de 03 de janeiro de 1974 vem a estabelecer as diretrizes que
coordenam este tipo de vínculo.
O art. 2º da mencionada lei vem a apresentar o conceito concernente ao
trabalho temporário:
Trabalho temporário é aquele prestado por pessoa física a uma empresa, para atender à necessidade transitória de substituição de seu pessoal regular e permanente ou à acréscimo extraordinário de serviços.
O reconhecimento do trabalho temporário regido pela Lei. 6.019/74 está
condicionado ao atendimento dos requisitos expressos na Carteira de Trabalho e
Previdência Social e ao que se pede para o registro da empresa na Secretaria de
mão de obra do Ministério do Trabalho. (OLIVEIRA, 2009, p.52)
Deve ainda ser formalizado mediante contrato escrito, firmado com a empresa
concedente de trabalho temporário. Portanto, o contrato só será válido se houver
uma tríplice relação contratual - empresa tomadora do serviço (cessionária), a
empresa de trabalho temporário (concedente) e o empregado.
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Reforça-se ainda que, neste mesmo contrato, deve existir a declaração
expressa do motivo justificador da demanda do trabalho temporário, bem como sua
modalidade de remuneração, início e término de contrato, não podendo ser período
superior a 3 (três) meses, salvo a hipótese de prorrogação, a qual deverá ser
comunicada antecipadamente ao Ministério do Trabalho, sendo que o período total
não poderá ultrapassar 6 (seis) meses.
PANTALEÃO1, acerca das regras para prorrogação do contrato temporário,
dispõe em seu artigo, que o Ministro de Estado do Trabalho e do Emprego através
da publicação da Instrução Normativa 574 de 22.11.2007 da SRT, estabeleceu
novas regras para a prorrogação do contrato de trabalho temporário, a qual dispõe
que o contrato poderá ser renovado, uma única vez, desde que a empresa tomadora
ou cliente informe e justifique que:
I - a necessidade transitória de substituição de pessoal regular e permanente excedeu ao prazo inicialmente previsto; e
II - as circunstâncias que geraram o acréscimo extraordinário dos serviços e ensejaram o contrato de trabalho temporário foram mantidas.
É importante ressaltar que a empresa tomadora terá que requerer 15 (quinze)
dias antes do vencimento do contrato, a necessidade de prorrogação de forma
justificada.
Caso não sejam contempladas as disposições previstas na legislação laboral,
o contrato que antes configurava-se como temporário, passa a ser por tempo
indeterminado, desde o seu início, e as garantias ao empregado como aviso prévio,
13º salário, férias com o terço constitucional, FGTS mais a multa de 40% entre
outras parcelas, serão de responsabilidade direta da tomadora de serviços ou
cliente.
Interessante frisar que no caso de falência da empresa do trabalho
temporário, a empresa tomadora de serviço - ou cliente, é solidariamente
responsável pelo recolhimento das contribuições previdenciárias quanto ao tempo
em que o trabalhador esteve sob suas ordens, assim como em referência ao mesmo
período, pela remuneração e indenização no Decreto 73.841/1974.
1.3 O CONTRATO TEMPORÁRIO DO DIREITO ADMINISTRATIVO
1 PANTALEAO. Sergio Ferreira. Contrato Temporário - Riscos de Descaracterização – Disponível em http://www.guiatrabalhista.com.br/tematicas/temporarioriscos.htm
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Para MEIRELLES (2010, p.440), os empregados públicos são todos os
titulares de emprego público (não de cargo público) da Administração direta e
indireta, sujeitos ao regime jurídico da CLT.
A lei que dispôs a obrigatoriedade do regime celetista a esta modalidade de
contrato foi a Lei Ordinária nº 9.962/2000, que disciplina o regime de emprego
público do pessoal da Administração federal direta, autárquica e fundacional, e dá
outras providências. Em seu artigo primeiro, assim dispõe, in verbis:
Art. 1o O pessoal admitido para emprego público na Administração federal direta, autárquica e fundacional terá sua relação de trabalho regida pela Consolidação das Leis do Trabalho, aprovada pelo Decreto-Lei no
5.452, de 1o de maio de 1943, e legislação trabalhista correlata, naquilo que a lei não dispuser em contrário.
Os empregados públicos não ocupam cargo público e não podem, desta feita,
adquirir a estabilidade constitucional (CF.41). Os contratados por tempo determinado
são os servidores públicos submetidos ao regime jurídico administrativo especial da
lei prevista no art.37, IX, da Constituição Federal, ipsi literis:
Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte
IX - a lei estabelecerá os casos de contratação por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público;
A lei 8.745/93 com modificações insertas pela Lei 9.849/99, que trata da
contratação por tempo determinado para atender a necessidade temporária de
excepcional interesse público, nos termos do inciso IX do art. 37 da Constituição
Federal, dando outras providências, vem a apresentar as hipóteses de necessidade
temporária e excepcional para a convocação de empregados públicos.
Em seu artigo 2º, assim prevê:
2º - Considera-se necessidade temporária de excepcional interesse público:
I – assistência a situações de calamidade pública;
II – combate a surtos endêmicos;
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III – realização de recenseamentos e outras pesquisas de natureza estatística efetuadas pela fundação Instituto de Geografia e Estatística – IBGE;
IV – admissão de professor substituto e professor visitante;
V- admissão de professor e pesquisador visitante estrangeiro;
V – atividades:
a) Especiais nas organizações das Forças Armadas para atender área industrial ou a encargos temporários de obras e serviços de engenharia.
b) De identificação e demarcação desenvolvidas pela FUNAI;
c) De análise e registro e marcas e patentes pelo Instituto de Propriedade Industrial – INPI.
d) Finalística das Forças Armadas;
e) De pesquisa e desenvolvimento de produtos destinados à segurança de sistemas de informações, sob a responsabilidade do Centro de Pesquisa e Desenvolvimento para a Segurança das Comunicações – CEPESC;
f) De vigilância e inspeção, relacionadas à defesa agropecuária, no âmbito do Ministério da Agricultura e do Abastecimento, para atendimento de situações emergenciais ligadas ao comércio internacional de produtos de origem animal ou vegetal ou de iminente risco à saúde, animal, vegetal ou humana.
g) Desenvolvidas no âmbito dos projetos do Sistema de Vigilância da Amazônia – SIVAM e do Sistema de Proteção da Amazônia – SIPAM.
Como devidamente expostos, os requisitos que o dispositivo legal preocupou-
se em demonstrar, são a principio hipóteses taxativas, portanto, é necessária
previsão legal para dispor de necessidade específica diversa na Administração
Publica para o provimento de empregados temporários para o exercício da atividade.
Todavia, foi sancionada a Lei 12.314/2010 que apresentou alterações em
alguns dispositivos da Lei 8.745/93, apresentando para cada modalidade de serviço,
o tempo máximo para o término do contrato.
1.4 A RELEVÂNCIA DO CONCURSO PARA INVESTIDURA EM CARGOS POR SERVIDORES PÚBLICOS E DA CONTRATAÇÃO DE EMPREGADOS TEMPORÁRIOS
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Conquanto a Constituição Federal estabeleça o concuso público como regra para ingresso na Administração Pública (art. 37, II), existem situações excepcionais, em que se faz necessária sua dispensa, para a contratação de pessoal em caráter temporário:
Art. 37. (...)
IX - a lei estabelecerá os casos de contratação por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público;
Ainda que, em nível federal, a legislação a que se refere o dispositivo supra seja a Lei nº 8.745/1993, constata-se que a regulamentação a que a Constituição se refere, deve partir de cada um dos entes autônomos que compõem a Federação, pois prerrogativa exclusiva de suas autonomias. Nesse sentido, Diogenes Gasparini:
A lei a que se refere o mencionado preceptivo constitucional é a da entidade responsável pela correção da situação de anormalidade. Será, portanto, federal, estadual, distrital ou municipal, conforme seja a situação de competência da União, do Estado-Membro, do Distrito Federal ou do Município, em vista da autonomia que têm na organização e prestação dos respectivos serviços de suas competências. Ademais, nada leva a crer que seria lei federal.2
Por tal razão, existe regulamentação específica para a contratação de pessoal temporário pelo Município de Manaus, ou seja, a Lei nº 336/1996 (Doc. 04, fls. 269 a 273), a qual permite a contratação de pessoal para, por exemplo, limpeza, magistério e serviços técnicos, em caso de inexistência de efetivo suficiente nos seus quadros.
Decerto que tal Lei somente deve permitir a contratação em caráter excepcional, para que não fruste o princípio do concurso público, sob as penas do art. 37, §2º da Constituição Federal.
Com exceção dos cargos em comissão e empregados públicos, para
investidura de cargo público é obrigatório a realização de concurso público.
MEIRELLES (2010, p.461) apresenta a conveniente definição acerca do
concurso público:
O concurso é o meio técnico posto à disposição da Administração Pública para obter-se moralidade, eficiência e aperfeiçoamento do serviço público e, ao mesmo tempo, propiciar igual oportunidade a todos os interessados que atendam aos requisitos da lei, fixados de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, consoante determina o art.37, II, da CF. Pelo concurso afastam-se, pois, os ineptos e os apaniguados que costumam abarrotar as repartições, num espetáculo
2 GASPARINI, Diogenes. Direito Administrativo, 13ª Edição, Saraiva, 2008, p. 162.
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degradante de protecionismo e falta de escrúpulos políticos que se alçam e se mantêm no poder leiloando cargos e empregos públicos.
A Constituição Brasileira de 1988 abrigou como instituto e princípio basilar
para a Administração Pública, o concurso público, mesmo porque representa vetor
axiológico perfeitamente alinhado com os princípios contidos no caput do multicitado
art. 37 da Carta Política, quais sejam os da impessoalidade, legalidade, moralidade,
publicidade e eficiência. Assim, sendo o concurso público, regra profundamente
delineada no ordenamento brasileiro, sua exceção, a contratação temporária sem
concurso, deve ser interpretada restritivamente, sob pena de ferir-se de morte todo o
sistema cuidadosamente construído pelo constituinte de 1988.
SILVA (1999, p.658) oferece crítica quanto ao controle deficiente na
contratação dos empregados públicos na Administração Pública:
Deixa a Constituição, porém, uma grave lacuna nessa matéria, ao não exigir nenhuma forma de seleção para a admissão às funções (autônomas) referidas no art. 37, I, ao lado dos cargos e empregos. Admissões a funções autônomas sempre foram fonte de apadrinhamentos, de abusos e de injustiças aos concursados.
Imperioso ressaltar, portanto, que apenas com a superveniência de lei
regulamentadora, determinado ente da federação poderá implementar a contratação
temporária sem concurso público. No caso da União, essa lei já foi editada, qual seja
a de nº 8.745/1993, que estabelece precisos critérios para a realização de
contratação temporária, exigindo, entre outros requisitos, áreas pré-definidas,
período limitativo e necessidade de processo seletivo simplificado
Para fiscalizar e controlar este tipo de contrato é competente o Tribunal de
Contas da União, incumbido, pelos arts. 71 e 72 da Carta de 1988, conjuntamente
com o Congresso Nacional e em auxílio a este, de realizar o controle externo da
Administração Pública Federal, exercendo, nesse mister, a fiscalização contábil,
financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da União e das entidades que
compõem a denominada Administração Pública Indireta.
Essa atribuição é implementada mediante prestações de contas ou por
qualquer fiscalização realizada pelo Tribunal, seja por promoção ex officio, seja em
atendimento a representações ou denúncias dirigidas ao Tribunal, ou, ainda, por
solicitação do Congresso Nacional. Nesses casos, deve a Corte de Contas
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investigar as contratações de pessoal dos órgãos e entidades federais para
averiguar a obediência à regra constitucional do concurso público e, caso existente
contratação temporária, averiguar a observância aos requisitos previstos na
Constituição Federal e na Lei nº 8.745/1993.
1.5 DA ILEGALIDADE E CONSEQUÊNCIAS DA PRORROGAÇÃO DE CONTRATOS
Ocorre, mesmo que as legislações prevejam – ou tivessem de prever –
limitações às contratações, de modo a se atender unicamente às excepcionalidades
a que alude a Constituição Federal, existem problemas oriundos de sua utilização,
como bem ressalta Marçal Justen Filho:
“Há grande riscos na utilização da figura do contrato por prazo determinado. O primeiro consiste na seleção equivocada dos sujeitos.
O segundo é a atribuição de funções estatais de grande relevo a pessoas destituídas de garantias correspondentes. Há exemplo que se pode qualificar como surreal no âmbito das agências reguladoras. Tal como exposto acima, a Lei n. 9.986/2000 previra que as relações de emprego nas agências reguladoras seriam trabalhistas. O STF deferiu a suspensão liminar dessa solução, sob o fundamento de que a natureza das atribuições exigia cargo de provimento efetivo. Como resultado prático, houve a contratação de servidores com base no art. 37, IX, da Constituição, uma vez que a criação de cargos públicos dependia de lei. Ou seja, as funções essenciais das agências reguladoras foram atribuídas a agentes destituídos de qualquer garantia.
O terceiro é o risco futuro, sempre presente na vida pública brasileira. Há o risco de o contratado ser ‘estabilizado’ por alguma lei superveniente. Essa é, talvez, a questão mais séria, que exige atenção e rejeição firme e decidida”.3
De fato, como pondera Marçal Justen Filho, os riscos da utilização do contrato
temporário não estão afastados do caso em comento, tanto é que existe projeto de
lei destinado à regulamentação dos servidores temporários.
Contudo, a própria Constituição Federal estabelece mecanismo destinado à
salvaguarda do princípio do concurso público, impondo punições àqueles que
busacarem, por vias oblíquas, violar suas disposições:
3 JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo, 3ª Edição, Saraiva, 2008, p. 792.
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Art. 37. (...)
§ 2º - A não observância do disposto nos incisos II e III implicará a nulidade do ato e a punição da autoridade responsável, nos termos da lei.
Como bem se demonstrou pela exposição fática supramencionada, assim
como deixa claro o Ministério Público do Trabalho quanto Administração Pública, o
Município de Manaus vem, durante mais de uma década, se valendo da contratação
temporária para manter em seus quadros pessoal não egresso de concurso público,
em franca violação às disposições constitucionais. Por tal razão, segundo bem
impõe a Carta Constitucional, deveriam os responsáveis pela reiteração dos atos de
contratação, responder às penalidades legais.
Entretanto, como bem explicita o Termo de Acordo Judicial, a par de se
estabelecerem condições para o desligamento dos servidores temporários,
inexistem disposições relativas às punições cabíveis aos responsáveis pelas
sucessivas prorrogações nos contratos..
Nesse tocante, importante se destacar que não poderão ser os agentes
públicos os únicos a sentirem as consequências das ilegalidades mantidas por mais
de uma década pela administração pública. Em verdade, como bem se demonstrará
abaixo, estes é que devem ter suas situações jurídicas, ainda que ilegalmente
geradas, convalidadas.
Por outro lado, se não se pode exigir de tais servidores o encargo pelos atos,
seria dos Administradores que se deveria cobrar a responsabilidade pela sucessiva
prorrogação contrária à lei.
Oras se o Ministério Público conferiu a possibilidade de transacionar com a
violação da legislação, deveria ter observado com mais acuidade todas as partes
envolvidas no imbróglio. Nesse caso, ao invés de ignorar os patentes e reiterados
casos de improbidade administrativa, punindo milhares de servidores de boa-fé,
deveria, como na presente ação, buscando amparo em decisões consolidadas do
Superior Tribunal de Justiça e Supremo Tribunal Federal, preservar-lhes situações
consolidadas no tempo, responsabilizando, tão somente os administradores
responsáveis.
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1.6 A SUCESSIVA PRORROGAÇÃO DO CONTRATO TEMPORÁRIO COMO FRAUDE E CONSEQÜENTES DIREITOS AOS EMPREGADOS PÚBLICOS
Na esfera estadual foram editadas leis que permitiam, além dos funcionários
e servidores públicos da Administração direta e autárquica, a admissão de pessoal
temporário para o exercício de atividade correspondente à função de serviço público
de caráter permanente, em atenção à evidente necessidade, até criação e
preenchimento dos cargos correspondentes; para a execução de obra determinada,
serviços de campo ou trabalhos rurais, todos de natureza transitória.
A admissão desse pessoal temporário tem que ser justificada pelo órgão
interessado e o ato de admissão deverá fixar desde logo o prazo de exercício do
serviço e/ou atividade, que, evidentemente, não deverá ultrapassar o limite que a lei
eventualmente fixar, coincidente com o estritamente necessário à realização do
serviço que excepcionalmente tenha surgido, não podendo a remuneração desse
servidor temporário ultrapassar a do cargo correspondente ou assemelhado.
A seguridade social desses servidores deverá ficar a cargo do Regime Geral
de Previdência Social, como manda a Constituição; e seus direitos e deveres,
deverão ser, supletivamente, aqueles constantes do RJU (regime jurídico) dos
Servidores Públicos, aplicáveis, naquilo que não conflite com as disposições desse
regime e com a transitoriedade da contratação.
Esse regime deverá ser de natureza administrativa, regido por princípios de
direito público, onde deverá constar a "necessidade temporária" e o "excepcional
interesse público" dessas funções e/ou atividades, resguardados os direitos sociais
inscritos na Constituição Federal.
O contrato administrativo que formalizará a admissão desse pessoal a ser
contratado temporariamente deverá ser registrado no Tribunal de Contas e tem a
seguinte conceituação feita por Meirelles (2010,p.188-9) :
E o ajuste que a Administração Pública, agindo nessa qualidade, firma com particular ou outra entidade administrativa, para a consecução de objetivos de interesse público, nas condições estabelecidas pela própria Administração.
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Esse contrato deverá traçar as diretrizes da execução do serviço ou atividade
para o qual está sendo feita a contratação e fazer referência expressa aos direitos
que assegurarão ao servidor temporário a execução desse serviço ou atividade. São
as cláusulas regulamentares ou de serviço, sendo formal, oneroso, comutativo e
realizado "intuitu personae", muito embora haja a participação da Administração
nessa relação jurídica com supremacia de poder com revogação das normas de
direito privado. O contrato administrativo ainda é consensual porque enfeixa um
acordo de vontades e não um ato unilateral e impositivo da Administração a que está
sujeito o administrado em certos casos. (MEIRELLES, 2010, p.189).
Assim, o contrato só é administrativo porque há a participação da
Administração Pública num dos pólos da relação jurídica, - ensina o renomado e
saudoso Mestre - mas há que ter seguridade social que enseje o amparo
assistencial no decorrer do período de execução do contrato.
Entre as características extrínsecas do contrato administrativo encontra-se o da exigência de prévia licitação, só dispensável nos casos expressamente previstos em lei. E dentre as modalidades de licitação encontra-se a do concurso.
No caso, é dispensável a licitação, ou o concurso público, pela própria
Constituição Federal que, ao excepcionalizar no inciso II, do art. 37, facultou que a
lei estabelecesse os casos de contratação de pessoal para o atendimento de
necessidade temporária de excepcional interesse público (é o pressuposto fático "a
circunstância relevante que autoriza a discriminação") que enseja a contratação
imediata, sem maiores delongas ou formalidades, já que estes não serão investidos
em cargos ou empregos públicos, mas tão-somente exercerão uma função ou
atividade para as quais não é exigido concurso público, mas tão-só admissibilidade
de contratação por tempo determinado que se exaure com a realização do serviço
ou obra, e, mesmo assim, em procedimento seletivo que não implique maiores
formalidades, vale dizer, com teste seletivo simplificado.
Definida assim a lei da contratação dos servidores temporários, passemos agora a analisar o seu conteúdo.
Entre os direitos dos trabalhadores inscritos no art. 7º da CF/88, dezesseis foram estendidos expressamente aos servidores públicos pelo art. 39, § 3º (c/ a renumeração e redação dada pela EC 19/98).
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Assim, a lei que estabelecer os casos de contratação temporária para
atendimento de necessidade temporária de excepcional interesse público, desde
logo deverá consignar tais direitos, e não é despiciendo afirmar que - muito embora
não esteja expresso - a igualdade de direitos entre o trabalhador com vínculo
empregatício permanente e o trabalhador avulso deverá presidir todas as relações
empregatícias, pois que, são normas de aplicabilidade imediata, inclusive para o
serviço público, que independem de legislação infraconstitucional.
Essa lei não terá o seu âmbito restrito à excepcionalidade da contratação e
nem chegará a se constituir em um novo regime jurídico de pessoal, mas deverá
consignar, também, os direitos, deveres e obrigações desses servidores que, a par
dos já existentes no contrato e para os servidores com vínculo permanente com a
Administração Pública, venham a lhes assegurar salário capaz de atender as suas
necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação,
educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com
reajustes nas mesmas proporções e na mesma data em que se modificar a
remuneração dos servidores permanentes.
Deverá também prever os casos em que serão considerados de efetivo
exercício os dias em que o servidor temporário estiver afastado do serviço, pois que
"a contagem do tempo de serviço beneficia a todos os agentes públicos
administrativos, desde que comprovada a efetiva prestação dos serviços públicos,
mesmo não remunerados", é a conclusão a que chegou a 2ª Cam. Civ. do Tribunal
de Justiça do Estado de São Paulo em julgamento da Ap. 205.735-1/2 - Capital, no
dia 19 de abril de 1994, tendo como Relator o Desembargador Pereira da Silva.
MEIRELLES (op.cit.pg.71) já prelecionava tal entendimento quando dizia:
Os agentes honoríficos não são funcionários públicos, mas momentaneamente exercem uma função pública e, enquanto desempenham, sujeitam-se à hierarquia e disciplina do órgão que estão servindo, podendo perceber um pró labore e contar o período de trabalho como de serviço público.
Deverá prever igualmente como os casos de sua dispensa, que poderá ser: a
pedido, a critério da Administração, pelo termo do prazo fixado para o exercício da
função (que não deverá ser renovado mais de uma vez, ainda que para outra
22
função) ou pela conclusão da obra ou serviço, ou, ainda, pela criação e provimento
do cargo correspondente à função e/ou atividade para o qual foi admitido.
Muito embora o legislador ache mais fácil remeter ao regramento dos
servidores públicos a aplicabilidade dos direitos e deveres dos servidores
contratados, nunca é demais ressaltar que alguns deles ficam, desde logo à
admissão, cristalinizados por esse ato, muito embora seus contratos sejam de índole
administrativa.
Poderemos citar, a título de ilustração, aqueles elencados no § 3º, do art. 39,
da CF/88, aplicável a qualquer servidor público, quer seja ele estatutário ou
contratado temporariamente. Além desses vale citar também a contagem recíproca
do tempo de contribuição na administração pública e na atividade privada, rural e
urbana, para fins de aposentadoria, e direitos outros que esse "terceiro regime" vier
a definir ou consignar. Aliás, com referência ao tempo de serviço prestado pelo
contratado temporariamente pela Administração Pública, a Lei nº 8.745, de 1993
(DOU de 10.12.93) consigna em seu art. 16, que esse tempo de serviço será
contado para todos os efeitos, valendo dizer então que conta, inclusive, para
percepção da gratificação de adicional por tempo de serviço, até porque outro não
poderia ser o entendimento, já que o art. 11, da Lei sob comento consigna a
aplicação do disposto no art. 67, da Lei nº 8.112, de 1990, que trata do pagamento
do adicional por tempo de serviço para os servidores estatutários federais, aos
servidores contratados temporariamente.
Esse raciocínio, muito embora pareça aos desavisados que venha a
contrariar a transitoriedade da contratação afigura-se-nos cristalino em relação ao
fato consumado pelo servidor em decorrência do tempo de serviço (ex facto
temporis) que passa a ser "irretirável" do servidor, constituindo-se em direito
adquirido por ele, cuja condição jurídica para o recebimento desse acréscimo
pecuniário é tão-somente o tempo de serviço já prestado, sem que haja exigência de
qualquer outro requisito para o seu pagamento.
Socorremo-nos, mais uma vez, de uma das lições do inolvidável mestre
Meirelles (op.cit.p.396) para afirmar, com ele, que:
Certas pecuniárias se incorporam automaticamente ao vencimento (v.g., por tempo de serviço) e o acompanham em todas as suas mutações,
23
inclusive quando se converte em proventos da inatividade (vantagens pessoais subjetivas);
Se a lei que tratar do Regime Jurídico dos contratados temporariamente
mandar contar o tempo de serviço público prestado pelo servidor à União, aos
Estados e aos Municípios para fins de aposentadoria e disponibilidade, essa
contagem não exclui nem proíbe que o seja também para fins diversos, como
sumulou o Pretório Excelso:
A Constituição, ao assegurar no § 3º, do art. 102 a contagem integral do tempo de serviço público federal, estadual ou municipal para os efeitos de aposentadoria e disponibilidade, não proíbe à União, aos Estados e aos Municípios mandarem contar, mediante lei, para efeito diverso, tempo de serviço prestado a outra pessoa de direito público interno. (Súmula 567).
Todos nós sabemos que, apesar de referir-se à EC nº 1/69, esta Súmula ainda
tem perfeita aplicabilidade diante dos enunciados do art. 202, § 2º, c/c o art. 40, § 3º,
da CF/88, para os servidores públicos.
Igualmente também, o tempo de serviço público desses servidores,
contratados temporariamente antes da vigência da atual Carta Fundamental, conta
para efeito da estabilidade consignada no art. 19, do ADCT, da CF/88, desde que
venham a contar o tempo lá consignado, à época da sua promulgação. Nesse
sentido o E. Tribunal de Justiça de Minas Gerais em Acórdão Unânime da 4ª
Câmara Civil manifestou-se favoravelmente à estabilidade no serviço público do
contratado temporariamente para o atendimento de necessidade excepcional de
interesse público, em voto proferido pelo Relator, Des. Caetano Carelos:
Não sendo o acesso ao serviço público pela via especial de contratação temporária e excepcional estorvo ao benefício da estabilidade extraordinária preconizada pelo art. 19 do ADCT, uma vez que a modalidade de contratação não é, por si só e necessariamente, causa de arredar do servidor aquele atributo, estando presentes os 5 anos da prestação laboral, a interrupção do contrato por interregno de dias, assim como a sua cessação durante o recesso de férias constituem hiatos desprezíveis, não sendo entrave ao benefício constitucional da estabilidade, tendo o servidor público prestado serviço à administração por mais de 5 anos corridos e continuados. Desse modo, a estabilidade de que trata o art. 19 do ADCT se dá no serviço público e não na função. (Ap.86.946/4, DOE de 10.09.92)
24
1.7 DA PRESCRIÇÃO ADMINISTRATIVA
A Administração Pública, que se encontra balizada por uma série de
princípios, tem no da legalidade sua maior expressão, pois dele afluem a grande
maioria dos princípios destinados a regular o funcionamento da máquina pública.
Segundo bem expressa Maria Sylvia Zanella Di Pietro, em decorrência de tal
princípio, “a Administração Pública não pode, por simples ato administrativo,
conceder direitos de qualquer espécie, criar obrigações ou impor vedações aos
administrados; para tanto, ela depende de lei”.4
Destarte, para se resguardar a prevalência da legalidade, à Administração se
impõe também o uso do chamado Princípio da Autotutela, o qual, no dizer da
professora Di Pietro, é consectário da Legalidade:
“Enquanto pela tutela a Administração exerce o controle sobre outra pessoa jurídica por ela mesma instituída, pela autotutela o controle se exerce sobre os próprios atos, com a possibilidade de anular os ilegais e revogar os inconvenientes ou inoportunos, independentemente de recurso ao Poder Judiciário.
É uma decorrência do princípio da legalidade; se a Administração Pública está sujeita à lei, cabe-lhe, evidentemente, o controle da legalidade”.5
Cabe destacar que a Administração não só tem o Poder, como é seu
dever anular atos ilegais, como bem enuncia o Supremo Tribunal Federal, nas
Súmulas 346 e 473:
Súmula 346. A Administração Pública pode declarar a nulidade dos seus próprios atos.
Súmula 473. A Administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornam ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial.
Todavia, até mesmo o poder-dever de anular atos ilegais encontra limites, não
podendo a Administração se valer da eternidade para rever atos ilegais em momento
4 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo, 21ª Edição, Atlas, 2008, p. 63.
5 Idem, p. 68.
25
longíquos de sua gênese. É nesse sentido, que a doutrina nacional vem
consagrando a chamada prescrição administrativa, como bem salienta Edmir Netto
de Araújo:
Realmente o decurso do tempo influi de muitas maneiras nas relações jurídicas: em decorrência dele, adquirem-se direitos, extinguem-se direitos, cumprem-se punições e às vezes, sem perder o direito, perde-se a possibilidade de operacionalizá-lo através dos meios próprios: isto acontece, também, com a Administração em relação ao exercício do poder de rever os próprios atos, por ilegalidade ou inconveniência, e do dever de corrigir as ilegalidades de seus atos.6
Completando o raciocínio, Celso Antônio Bandeira de Mello esclarece
que até mesmo na via judicial não mais se poderá exigir atuação revisora da
Administração quando do vencimento de prazos legalmente estabelecidos:
“Assim como as pretensões do administrado contra a Administração sujeitam-se a prazos para serem interpostas – seja na via judicial, seja na via administrativa –, também podem se extinguir por decurso do prazo as ações judiciais da Administração contra o administrado, tanto quanto o poder administrativo de incidir sobre dada situação jurídica específica ou de reincidir sobre ela”.7
Tal entendimento ficou consagrado com a Lei nº 9.784/1999, que regula
o processo administrativo na Administração Pública Federal. Esta norma,
segundo enuncia seu art. 54, estabelece prazo para que a Administração
Pública, mesmo à frente de ato ilegal, possa exercer seu poder de autotutela:
Art. 54. O direito da Administração de anular os atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis para os destinatários decai em cinco anos, contados da data em que foram praticados, salvo comprovada má-fé.
Observe-se que a norma não fala em prescrição, mas sim em
decadência, pois segundo Celso Antônio Bandeira de Melo, a anulação de atos
ilegais não se operacionaliza somente por ação, como também é prerrogativa
da Administração usar de seus próprios meios para tanto:
Trata-se, pura e simplesmente, da omissão do tempestivo exercício da própria pretensão substantiva (não adjetiva) da
6 ARAÚJO, Edmir Netto de. Curso de Direito Administrativo, 3ª Edição, Saraiva, 2007, p. 495.
7 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo, 25ª Edição, Malheiros, 2008, p. 1031.
26
Administração, isto é, de seu poder-dever; logo, o que estará em pauta, in casu, é o não exercício, a bom tempo, do que corresponderia, no Direito Privado, ao próprio exercício do direito. Donde, configura-se situação de decadência, antes que de prescrição, como já observara Weida Zancaner.8
Constata-se então que a inação da Administração provoca-lhe efeitos
integrais, impedindo de per si atuar em prejuízo de situações consolidadas,
como também impede o uso das vias judiciais. Por tal razão a doutrina
majoritária, em consonância como autorizada jurisprudência, vem
reconhecendo àqueles de boa-fé a consagração de situações, originariamente
ilegais, convalidando-as, como bem ressalta José dos Santos Carvalho Filho:
Há dois tipos de prazos que acarretam a prescrição administrativa: os prazos que têm previsão legal e os que não dispõem dessa previsão.
No que toca aos prazos cuja fixação se encontra expressa na lei, inexistem problemas. Decorrido o prazo legal, consuma-se de pleno direito a prescrição administrativa (ou decadência, se for o caso). Bom exemplo dessa hipótese veio à tona na Lei nº 9.784, de 29/01/1999, reguladora do processo administrativo na esfera federal. Aí a lei foi expressa: segundo dispositivo expresso, o direito da Administração de anular atos administrativos que tenham produzido efeitos favoráveis para os administrados decai em cinco anos, contados da data em que foram praticados, ressalvando-se apenas a hipótese de comprovada má-fé. Trata-se de limitação ao poder de autotutela da Administração, agora convertida em direito positivo em nome do cada vez mais consolidado princípio da segurança jurídica e de seu corolário, o princípio da proteção à confiança.9
Os reflexos da Lei nº 9.784/1999 também são observados por Celso
Antônio Bandeira de Mello:
Além disto, conforme importante regra introduzida pelo art. 54 da lei federal de processo administrativo, decai em cinco anos o direito da Administração de anular ato do qual decorram efeitos
favoráveis para os destinatários, contados da data em que foi praticado, salvo comprovada má-fé. Entendemos que dito prazo também se aplica aos contratos administrativos, pois, se é impositivo perante atos unilaterais, quando o particular, então, sequer concorreu para a integração deles, maiormente deverá sê-lo se estes são frutos de vontade que se transfundem para lhes dar nascimento.10
8 Idem.
9 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo, 20ª Edição, Lúmen Júris, 2008, p. 904.
27
O que se extrai das citações acima é um interessante conflito entre o
princípio da legalidade e o da segurança jurídica. No caso em tela, existe não
só a Constituição Federal, que impõe a contratação de servidores temporários
como excepcionalidade, assim como a mesma remete às legislações de cada
ente federativo, in casu a Lei Municipal nº 336/1996, a qual impede a
prorrogação dos contratos (art. 4º). Contudo, a despeito das disposições legais,
a própria Administração Municipal – em franca ilegalidade – patrocina a
permanência de uma miríade de servidores, gerando-lhes justa expectativa de
continuidade nos quadros do Município. Daí, é inegável, profileram-se
circunstâncias de dependência, famílias, v.g., são estruturadas com base na
boa-fé, na crença da regulamentação das situações originariamente ilegais.
Desta forma, quando toda uma coletividade, motivada por anos de
inércia e propaganda positiva – pois de conhecimento notório os informes não
oficiais da Administração no sentido da busca de uma solução para a
estabilização –, os servidores se vêem à frente de um imediato e funesto
futuro: o desligamento sumário, sem a concessão de quaisquer garantias. É
nesse ponto que o embate entre a Legalidade e a Segurança Jurídica ganha
contornos mais evidentes, sendo missão do Judiciário, diante de tal quadro de
evidente desespero social, amparar as situações consolidadas no tempo,
mesmo que os atos sejam originalmente inválidos, como bem salienta Marçal
Justen Filho:
“A doutrina vem-se manifestando no sentido da necessidade de respeitar os efeitos gerados por atos inválidos sobre a esfera de terceiros de boa-fé. Assim, WEIDA ZANCANER afirma que o dever de desfazer o ato administrativo viciado ‘pode se transmutar no dever de não invalidar, ora tão-só por força do princípio da segurança jurídica, ora deste, aliado ao da boa-fé, quando em causa atos ampliativos de direitos’. Idêntica é a orientação de LÚCIA VALLE FIGUEIREDO e de ALMIRO DO COUTO E SILVA.
JUAREZ FREITAS propugna que ‘a afirmação da autonomia e da juridicidade do princípio da boa-fé ou da confiança do administrado na Administração Pública, e vice-versa, conduz, forçosa e logicamente ao reconhecimento de limites – menos formais que substanciais – para a decretação da nulidade de um ato administrativo, ou a anulação do mesmo’. Cabe examinar, no caso concreto, se deverá prevalecer o princípio da legalidade ou aquele da boa-fé, segundo o princípio da proporcionalidade.
10 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo, 25ª Edição, Malheiros, 2008, p. 1032.
28
Em suma, não é necessariamente verdade que o ato administrativo nulo não geraria efeitos jurídicos – aliás, pode produzir outra ordem de efeitos, tal como adiante exposto”.11
Nesse mesmo sentido, esclarece Gilmar Ferreira Mendes:
“Assim, ainda que não se possa invocar a idéia de direito adquirido para a proteção das chamadas situações estatutárias ou que não se possa reivindicar direito adquirido a um instituto jurídico, não pode o legislador ou o Poder Público em geral, sem ferir o princípio da segurança jurídica, fazer tabula rasa das situações jurídicas consolidadas ao longo do tempo.
Situações ou posições consolidadas podem assentar-se até mesmo em
um quadro inicial de ilicitude.
Nesse contexto assume relevância o debate sobre a anulação de atos
administrativos, em decorrência de sua eventual ilicitude. Igualmente relevante
se afigura a controvérsia sobre a legitimidade ou não da revogação de certos
atos da Administração depois de decorrido determinado prazo.
Em geral, associam-se aqui elementos de variada ordem ligados à boa-fé da pessoa afetada pela medida, a confiança depositada na inalterabilidade da situação e o decurso de tempo razoável”.12
Então, por mais absurdo que possa parecer ser, a inércia da Administração
em tomar providências contra atos ilegais, acabará causando no administrado de
boa-fé, beneficiário do ato, uma justa expectativa de que a situação seja
consolidada, pois se a Administração, que é guiada pela Legalidade, consente e
permite que atos ilegais se protraiam no tempo, acaba criando ideia de confiança no
administrado, ou seja, de que sua situação se encontra protegida. Tal é o cerne do
chamado princípio da proteção à confiança, como explica Marçal Justen Filho:
“A questão dos atos administrativos inválidos vem sendo objeto de tratamento específico no direito europeu, envolvendo o chamado princípio da proteção da confiança. Se o Estado atribui a seus atos uma presunção de legitimidade e se constrange os jurisdicionados a respeitar esses atos, a contrapartida inafastável é que os efeitos concretos desses atos sejam respeitados”.13
Diante do que se expôs, conclui-se inexoravelmente que é nesse sentido que
a doutrina administrativista brasileira vem encarando a questão da aplicação da
11 JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo, 3ª Edição, Saraiva, 2008, p.318.
12 MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de Direito Constitucional, 4ª Edição, Saraiva, 2009, p. 532.
13 Idem, p. 317.
29
segurança jurídica às relações entre a Administração e os administrados. Entendem,
de forma mais pragmática que o raciocínio constitucionalista, que os atos da
administração, assim como dos próprios administrados não podem ficam sob um
eterno aguardo, tal qual Espada de Dâmocles, incidindo-lhes o que usualmente
chamavam de prescrição.
Por fim, importante se faz frisar que a disposição contida no art. 54 da Lei nº
9.784/1999, não está adstrita somente à Administração Pública Federal, pois tal
como se demonstrará pelos julgados abaixo, conforma-se como verdadeira norma
geral de Direito Administrativo, aplicável, portanto, em todos os entes integrantes da
Federação, como, mais uma vez, ensina Marçal Justen Filho:
O art. 54 da Lei n. 9.784 estabelece que ‘O direito da Administração de anular os atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis para os destinatários decai em 5 (cinco) anos, contados da data em que foram praticados, salvo comprovada má-fé.
Essa disposição se afigura como uma norma geral de direito administrativo, cujo conteúdo vincula a todos os entes federativos. Não se trata, como é evidente, de uma norma puramente procedimental, que tenha sido editada apenas para vigorar no âmbito da União”.14
1.8 DA NECESSÁRIA ESTABILIZAÇÃO DOS SERVIDORES
Observado então, que a Administração Pública tem prazo para defenestrar os
atos ilegais em prol da segurança jurídica, constata-se que o mesmo comando se
deve aplicar aos servidores temporários do Município de Manaus. Caso semelhante
já foi abordado pelo Supremo Tribunal Federal, como bem ressalta o Ministro Gilmar
Mendes: “O tema segurança jurídica tem assento constitucional (princípio do Estado
de Direito)”.
Numa linha de concretização parcial dessa idéia, a Lei n. 9.784, de 29-1-
1999, que regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública
Federal, estabelece em seu art. 54 o prazo decadencial de cinco anos,
contados da data em que foram praticados os atos administrativos, para que a
Administração possa anulá-los.
14 JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo, 3ª Edição, Saraiva, 2008, p. 982.
30
Em decisão de 27 de maio de 2004, o Supremo Tribunal Federal
considerou que não poderia mais ser revista, com fundamento na ilegalidade
da admissão, a contratação de empregados pela Infraero ocorrida em 1991 e
1992, tendo em vista o tempo decorrido (mais de 10 anos) e a presunção de
legitimidade do ato de admissão quanto de sua edição – controvérsia sobre a
necessidade ou não de concurso público para admissão nas empresas
públicas e sociedades de economia mista (CF, art. 37, II, c/c o art. 173, §1º).
Decisões reiteradas do Supremo Tribunal têm rejeitado a possibilidade de revogação ou anulação de atos administrativos sem a observância do direito ao contraditório e ampla defesa, ou em razão de decurso de tempo razoável, e têm proclamado a subsistência de atos concretos a despeito da declaração de inconstitucionalidade da lei que lhes dava base legal.15
A decisão, a que se refere o Ministro, tem a seguinte ementa (Doc. 81):
Mandado de Segurança. 2. Acórdão do Tribunal de Contas da União. Prestação de Contas da Empresa Brasileira de Infra-estrutura Aeroportuária - INFRAERO. Emprego Público. Regularização de admissões. 3. Contratações realizadas em conformidade com a legislação vigente à época. Admissões realizadas por processo seletivo sem concurso público, validadas por decisão administrativa e acórdão anterior do TCU. 4. Transcurso de mais de dez anos desde a concessão da liminar no mandado de segurança. 5. Obrigatoriedade da observância do princípio da segurança jurídica enquanto subprincípio do Estado de Direito. Necessidade de estabilidade das situações criadas administrativamente. 6. Princípio da confiança como elemento do princípio da segurança jurídica. Presença de um componente de ética jurídica e sua aplicação nas relações jurídicas de direito público. 7. Concurso de circunstâncias específicas e excepcionais que revelam: a boa fé dos impetrantes; a realização de processo seletivo rigoroso; a observância do regulamento da Infraero, vigente à época da realização do processo seletivo; a existência de controvérsia, à época das contratações, quanto à exigência, nos termos do art. 37 da Constituição, de concurso público no âmbito das empresas públicas e sociedades de economia mista. 8. Circunstâncias que, aliadas ao longo período de tempo transcorrido, afastam a alegada nulidade das contratações dos impetrantes. 9. Mandado de Segurança deferido (MS 22357, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 27/05/2004, DJ 05-11-2004 PP-00006 EMENT VOL-02171-01 PP-00043 LEXSTF v. 26, n. 312, 2005, p. 135-148 RTJ VOL 00192-02 PP-00620)
(Grifo Nosso)
15 MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de Direito Constitucional, 4ª Edição, Saraiva, 2009, p. 534.
31
O Supremo Tribunal Federal também conta com outros julgados no mesmo
sentido acima exposto, com se demonstra abaixo:
Mandado de Segurança. 2. Cancelamento de pensão especial pelo Tribunal de Contas da União. Ausência de comprovação da adoção por instrumento jurídico adequado. Pensão concedida há vinte anos. 3. Direito de defesa ampliado com a Constituição de 1988. Âmbito de proteção que contempla todos os processos, judiciais ou administrativos, e não se resume a um simples direito de manifestação no processo. 4. Direito constitucional comparado. Pretensão à tutela jurídica que envolve não só o direito de manifestação e de informação, mas também o direito de ver seus argumentos contemplados pelo órgão julgador. 5. Os princípios do contraditório e da ampla defesa, assegurados pela Constituição, aplicam-se a todos os procedimentos administrativos. 6. O exercício pleno do contraditório não se limita à garantia de alegação oportuna e eficaz a respeito de fatos, mas implica a possibilidade de ser ouvido também em matéria jurídica. 7. Aplicação do princípio da segurança jurídica, enquanto subprincípio do Estado de Direito. Possibilidade de revogação de atos administrativos que não se pode estender indefinidamente. Poder anulatório sujeito a prazo razoável. Necessidade de estabilidade das situações criadas administrativamente. 8. Distinção entre atuação administrativa que independe da audiência do interessado e decisão que, unilateralmente, cancela decisão anterior. Incidência da garantia do contraditório, da ampla defesa e do devido processo legal ao processo administrativo. 9. Princípio da confiança como elemento do princípio da segurança jurídica. Presença de um componente de ética jurídica. Aplicação nas relações jurídicas de direito público. 10. Mandado de Segurança deferido para determinar observância do princípio do contraditório e da ampla defesa (CF art. 5º LV) (MS 24268, Relator(a): Min. ELLEN GRACIE, Relator(a) p/ Acórdão: Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 05/02/2004, DJ 17-09-2004 PP-00053 EMENT VOL-02164-01 PP-00154 RDDP n. 23, 2005, p. 133-151 RTJ VOL-00191-03 PP-00922)
(Grifo Nosso)
CONSTITUCIONAL. SERVIDOR PÚBLICO: PROVIMENTO DERIVADO: INCONSTITUCIONALIDADE: EFEITO EX NUNC. PRINCÍPIOS DA BOA-FÉ E DA SEGURANÇA JURÍDICA. I. - A Constituição de 1988 instituiu o concurso público como forma de acesso aos cargos públicos. CF, art. 37, II. Pedido de desconstituição de ato administrativo que deferiu, mediante concurso interno, a progressão de servidores públicos. Acontece que, à época dos fatos 1987 a 1992 , o entendimento a respeito do tema não era pacífico, certo que, apenas em 17.02.1993, é que o Supremo Tribunal Federal suspendeu, com efeito ex nunc, a eficácia do art. 8º, III; art. 10, parágrafo único; art. 13, § 4º; art. 17 e art. 33, IV, da Lei 8.112, de 1990, dispositivos esses que foram declarados inconstitucionais em 27.8.1998: ADI 837/DF, Relator o Ministro Moreira Alves, "DJ" de 25.6.1999. II. - Os princípios da boa-fé e da segurança jurídica autorizam a adoção do efeito ex nunc para a decisão que decreta a inconstitucionalidade. Ademais, os prejuízos que adviriam para a Administração seriam maiores que eventuais vantagens do desfazimento dos atos administrativos. III. - Precedentes do Supremo Tribunal
32
Federal. IV. - RE conhecido, mas não provido. (RE 442683, Relator(a): Min. CARLOS VELLOSO, Segunda Turma, julgado em 13/12/2005, DJ 24-03-2006 PP-00055 EMENT VOL-02226-04 PP-00814 LEXSTF v. 28, n. 330, 2006, p. 282-299)
(Grifo Nosso)
1. Recurso Extraordinário. 2. Concurso Público. 3. Edital que não previu prazo de validade. Inexistência de ato de prorrogação. Alegação de validade de ato de anulação da nomeação realizada pelo Governador do Estado do Mato Grosso. Precedentes invocados pelo recorrente: RE no 201.634-BA, 1ª Turma, Red. Para acórdão Min. Moreira Alves, DJ de 17.05.2002 e RE no 352.258-BA, 2ª Turma, Rel. Min. Ellen Gracie, DJ de 14.05.2004. 4. Nomeação posterior de 25 defensores públicos dentro do número de vagas originariamente previstos no edital. Precedentes: RE no 192.568-PI, Rel. Min. Marco Aurélio, 2ª Turma, DJ de 13/06/1996; e RE no 199.733, Rel. Min. Marco Aurélio, 2ª Turma, DJ de 30.04.1999. 5. Inobservância dos princípios da ampla defesa, do contraditório e do devido processo legal(CF, art. 5º LIV e LV). Revogação, por ato unilateral e sem a devida audiência, de situação constituída com relação a defensores públicos em estágio probatório. Impossibilidade de anulação arbitrária dos atos de nomeação dos defensores pelo Governador do Estado do Mato Grosso. Precedente: MS no 24.268-MG, Pleno, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJ de 17.09.2004. 6. Inadmissibilidade de exoneração ad nutum de funcionários públicos em estágio probatório. Aplicação da Súmula no 21/STF. Precedente: RE no 378.041-MG, 1ª Turma, Rel Min. Carlos Brito, DJ de 11.02.2005. 7. Repercussão social, política e jurisdicional. Defensoria Pública Estadual. Essencialidade e relevância nos termos do art. 134, da Constituição Federal. Precedentes: HC no 76.526-RJ, 2ª Turma, Rel Min. Mauricio Corrêa, DJ de 17/03/1998 e RE nº 135.328-SP, Pleno, Rel Min. Marco Aurélio, DJ de 20.04.2001. Recurso desprovido. (RE 452721, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, Segunda Turma, julgado em 22/11/2005, DJ 03-02-2006 PP-00090 EMENT VOL-02219-10 PP-01990 LEXSTF v. 28, n. 326, 2006, p. 301-312)
SERVIDOR PÚBLICO. Funcionário. Aposentadoria. Cumulação de gratificações. Anulação pelo Tribunal de Contas da União - TCU. Inadmissibilidade. Ato julgado legal pelo TCU há mais de cinco (5) anos. Anulação do julgamento. Inadmissibilidade. Decadência administrativa. Consumação reconhecida. Ofensa a direito líquido e certo. Respeito ao princípio da confiança e segurança jurídica. Cassação do acórdão. Segurança concedida para esse fim. Aplicação do art. 5º, inc. LV, da CF, e art. 54 da Lei federal nº 9.784/99. Não pode o Tribunal de Contas da União, sob fundamento ou pretexto algum, anular aposentadoria que julgou legal há mais de 5 (cinco) anos. (MS 25963, Relator(a): Min. CEZAR PELUSO, Tribunal Pleno, julgado em 23/10/2008, DJe-222 DIVULG 20-11-2008 PUBLIC 21-11-2008 EMENT VOL-02342-02 PP-00323 RB v. 21, n. 544, 2009, p. 33-34 LEXSTF v. 31, n. 362, 2009, p. 195-198)
(Grifo Nosso)
CONTROLE EXTERNO - TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO - MOVIMENTAÇÃO FUNCIONAL - FATOR TEMPO - CONTRADITÓRIO. O ato de glosa do Tribunal de Contas da União na atividade de controle externo, alcançando situação constituída - ocupação de cargo por movimentação vertical (ascensão) -, fica sujeito ao prazo decadencial de cinco anos previsto no artigo 54 da Lei nº 9.784/99
33
e ao princípio constitucional do contraditório, presentes a segurança jurídica e o devido processo legal. (MS 26363, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno, julgado em 17/12/2007, DJe-065 DIVULG 10-04-2008 PUBLIC 11-04-2008 EMENT VOL-02314-03 PP-00632)
(Grifo Nosso)
SERVIDOR PÚBLICO. Funcionário (s) da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos - ECT. Cargo. Ascensão funcional sem concurso público. Anulação pelo Tribunal de Contas da União - TCU. Inadmissibilidade. Ato aprovado pelo TCU há mais de cinco (5) anos. Inobservância do contraditório e da ampla defesa. Consumação, ademais, da decadência administrativa após o qüinqüênio legal. Ofensa a direito líquido e certo. Cassação dos acórdãos. Segurança concedida
para esse fim. Aplicação do art. 5º, inc. LV, da CF, e art. 54 da Lei federal nº 9.784/99. Não pode o Tribunal de Contas da União, sob fundamento ou pretexto algum, anular ascensão funcional de servidor operada e aprovada há mais de 5 (cinco) anos, sobretudo em procedimento que lhe não assegura o contraditório e a ampla defesa. (MS 26628, Relator(a): Min. CEZAR PELUSO, Tribunal Pleno, julgado em 17/12/2007, DJe-031 DIVULG 21-02-2008 PUBLIC 22-02-2008 EMENT VOL-02308-02 PP-00427)
(Grifo Nosso)
SERVIDOR PÚBLICO. Funcionário (s) da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos - ECT. Cargo. Ascensão funcional sem concurso público. Anulação pelo Tribunal de Contas da União - TCU. Inadmissibilidade. Ato aprovado pelo TCU há mais de cinco (5) anos. Inobservância do contraditório e da ampla defesa. Consumação, ademais, da decadência administrativa após o qüinqüênio legal. Ofensa a direito líquido e certo. Cassação dos acórdãos. Segurança concedida para esse fim. Aplicação do art. 5º, inc. LV, da CF, e art. 54 da Lei federal nº 9.784/99. Não pode o Tribunal de Contas da União, sob fundamento ou pretexto algum, anular ascensão funcional de servidor operada e aprovada há mais de 5 (cinco) anos, sobretudo em procedimento que lhe não assegura o contraditório e a ampla defesa. (MS 26405, Relator(a): Min. CEZAR PELUSO, Tribunal Pleno, julgado em 17/12/2007, DJe-031 DIVULG 21-02-2008 PUBLIC 22-02-2008 EMENT VOL-02308-02 PP-00241)
(Grifo Nosso)
Em consonância com o Supremo Tribunal Federal, o Superior Tribunal de
Justiça vem amparando, com base nos mesmos princípios – segurança jurídica,
boa-fé e princípio da confiança –, as situações jurídicas de servidores que, embora
sem concurso público, tenham ingressado na Administração Pública e nela
permanecido pelo prazo decadencial apontado pela Lei nº 9.784/1999. Observe-se o
teor do julgado abaixo, da lavra do Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, julgado
procedente pela unanimidade dos Ministros da Quinta Turma do STJ (Doc. 77):
RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA. ADMINISTRATIVO. SERVIDORES PÚBLICOS QUE ASSUMIRAM CARGOS EFETIVOS
34
SEM PRÉVIO CONCURSO PÚBLICO, APÓS A CF DE 1988. ATOS NULOS. TRANSCURSO DE QUASE 20 ANOS. PRAZO DECADENCIAL DE CINCO ANOS CUMPRIDO, MESMO CONTADO APÓS A LEI 9.784/99, ART. 55. PREPONDERÂNCIA DO PRINCÍPIO DA SEGURANÇA JURÍDICA. RECURSO ORDINÁRIO PROVIDO. 1. O poder-dever da Administração de invalidar seus próprios atos encontra limite temporal no princípio da segurança jurídica, de índole constitucional, pela evidente razão de que os administrados não podem ficar indefinidamente sujeitos à instabilidade originada da autotutela do Poder Público. 2. O art. 55 da Lei 9.784/99 funda-se na importância da segurança jurídica no domínio do Direito Público, estipulando o prazo decadencial de 5 anos para a revisão dos atos administrativos viciosos e permitindo, a contrario sensu, a manutenção da eficácia dos mesmos, após o transcurso do interregno qüinqüenal, mediante a convalidação ex ope temporis, que tem aplicação excepcional a situações típicas e extremas, assim consideradas aquelas em que avulta grave lesão a direito subjetivo, sendo o seu titular isento de responsabilidade pelo ato eivado de vício. 3. A infringência à legalidade por um ato administrativo, sob o ponto de vista abstrato, sempre será prejudicial ao interesse público; por outro lado, quando analisada em face das circunstâncias do caso concreto, nem sempre sua anulação será a melhor solução. Em face da dinâmica das relações jurídicas sociais, haverá casos em que o próprio interesse da coletividade será melhor atendido com a subsistência do ato nascido de forma irregular. 4. O poder da Administração, dest'arte, não é absoluto, de forma que a recomposição da ordem jurídica violada está condicionada primordialmente ao interesse público. O decurso do tempo, em certos casos, é capaz de tornar a anulação de um ato ilegal claramente prejudicial ao interesse público, finalidade precípua da atividade exercida pela Administração. 5. Cumprir a lei nem que o mundo pereça é uma atitude que não tem mais o abono da Ciência Jurídica, neste tempo em que o espírito da justiça se apóia nos direitos fundamentais da pessoa humana, apontando que a razoabilidade é a medida sempre preferível para se mensurar o acerto ou desacerto de uma solução jurídica. 6. Os atos que efetivaram os ora recorrentes no serviço público da Assembléia Legislativa da Paraíba, sem a prévia aprovação em concurso público e após a vigência da norma prevista no art. 37, II da Constituição Federal, é induvidosamente ilegal, no entanto, o transcurso de quase vinte anos tornou a situação irreversível, convalidando os seus efeitos, em apreço ao postulado da segurança jurídica, máxime se considerando, como neste caso, que alguns dos nomeados até já se aposentaram, tendo sido os atos respectivos aprovados pela Corte de Contas Paraibana. 7. A singularidade deste caso o extrema de quaisquer outros e impõe a prevalência do princípio da segurança jurídica na ponderação dos valores em questão (legalidade vs segurança), não se podendo fechar os olhos à realidade e aplicar a norma jurídica como se incidisse em ambiente de absoluta abstratividade. 8. Recurso Ordinário provido, para assegurar o direito dos impetrantes de permanecerem nos seus respectivos cargos nos quadros da Assembléia Legislativa do Estado da Paraíba e de preservarem as suas aposentadorias. (RMS 25652/PB, Rel. Ministro NAPOLEÃO
35
NUNES MAIA FILHO, QUINTA TURMA, julgado em 16/09/2008, DJe 13/10/2008)
1.9 DA COMPETÊNCIA JURISDICIONAL PARA JULGAMENTO DAS LIDES DE CONTRATOS TEMPORÁRIOS
A competência para apreciação das lides de natureza contratual temporária, é
discussão evidente no âmbito doutrinário.
Em tese, tem a Justiça do Trabalho a jurisdição para contemplar litígios desta
natureza, no entanto, em decorrência da natureza peculiar nos contrário temporário na
Administração pública, a convergência existente dilui-se a entendimentos díspares.
Há o entendimento de que a justiça laboral pode apreciar a improbidade
administrativa quando, além de atentar contra a moralidade e demais princípios e regras
constitucionais da Administração Pública, o ato administrativo ofender, ainda, o
ordenamento trabalhista que consubstancia, por exemplo, como dito acima, o direito dos
cidadãos em ocupar cargos públicos regidos pela CLT.
Nessas condições, vale registrar o decisum proferido pelo Tribunal Regional do
Trabalho da 14a Região, de 17/03/2006, que, confirmando sentença proferida por Juiz do
Trabalho daquela Região, foi assim ementada:
AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DIREITOS SOCIAIS. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. A Justiça do Trabalho é competente para apreciar e julgar a improbidade administrativa trabalhista, assim como os demais interesses difusos e coletivos decorrentes das relações de trabalho.
Também nesse sentido já se manifestou o Ministro Marco Aurélio, do STF, de forma
monocrática, acolhendo a competência da Justiça do Trabalho relativamente a essa matéria
(AI nº 298733/AM, DJ de 14/02/2001, p. 29).
Após a Emenda Constitucional nº 45/2004, que ampliou o universo de atuação da Justiça do Trabalho, esse entendimento restou ainda mais nítido, havendo, por exemplo, o Ministro Carlos Brito declarado que "são, agora, da competência da Justiça do Trabalho todas as ações oriundas da relação de trabalho" (apud Ministro Cezar Peluso, CC 7204, pub. No DJ de 09/12/2005).
36
As repercussões da contratação irregular são tão sérias e espraiam-se por ramos tão
diversos no tocante à responsabilidade do administrador público que, segundo sustenta a
doutrina especializada na matéria, é viável até mesmo a imputação pessoal dos prejuízos ao
gestor público. Nesse sentido, vale reproduzir o entendimento da Procuradora do Ministério
Público do Trabalho Viviann Rodrigues Mattos, Vice-Coordenadora Nacional da
Coordenadoria Nacional de Combate às Irregularidades Trabalhistas na Administração
Pública – CONAP/MPT, em sua obra publicada: (MATTOS, 2010)
Frise-se que, em relação aos trabalhadores lesados que estavam de boa-fé, admitidos sem concurso público, a reparação do dano pelo agente ímprobo autoriza, também pela via coletiva, o reconhecimento de vínculo trabalhista diretamente com o administrador público, quando a contratação for efetuada em desacordo com a regra do art. 37, caput, incisos II e IX, e § 2o, da Constituição Federal, e as verbas decorrentes ainda não tiverem sido arcadas pelo erário. Medida esta, aliás, que encontra consonância com o disposto no art. 37, § 2o, da Lex Fundamentalis, c/c o art. 12, inciso II, da Lei nº 8.429/1992.
O foro competente para as demandas judiciais que porventura surjam no decorrer da
contratação excepcional e na sua resolução contratual é o da Justiça Comum e não o da
Justiça Trabalhista.
Sobre a matéria, remetemos o leitor para o percuciente trabalho elaborado por
FONSECA, publicado na Revista do TRT - 8ª Reg. Belém, 25(47); 69-78, JUL/DEZ/1991,
intitulado "Servidores Públicos - Incompetência da Justiça do Trabalho".
Entretanto, algumas súmulas a respeito da questão ficam aqui transcritas para
análise e reflexão sobre o tema.
COMPETÊNCIA - EX-CELETISTA - TEMPO DE SERVIÇO PARA FINS DE ANUÊNIO - MATÉRIAS TÍPICAS DO REGIME ESTATUTÁRIOO STF, ao julgar a Ação Direta da Inconstitucionalidade 492-1-DF, assentou que falece competência ex ratione materiae à Justiça do Trabalho para julgar as demandas envolvendo servidores públicos civis de regime estatutário, quando formulam pleitos típicos desse regime institucional, tendo declarado inconstitucionais as alíneas "d" e "e" do art. 240 da Lei 8.112, de 1990. No caso dos autos, o pedido referente à contagem de tempo de serviço para fins de anuênio e licença-prêmio por assiduidade, com pagamento de parcelas vencidas e vincendas, é típico do regime estatutário, sendo incompetente essa Justiça Especializada para instruir, conciliar e julgar o feito. Incompetência absoluta ex rationemateriae que se declara, de ofício, em consonância com o parecer do Ministério Público, com anulação de todos os atos decisórios e remessa dos autos à Justiça Federal do Distrito Federal (TRT - 10ª R.- Ac. unân. da 3ª T., publ. em 4-3-94 - RO 3956/92 - Rel. Juiz Bertholdo Satyro - Edmilson Matos Moreira x INAMPS - Advs. Rogério Luiz Borges de Resende e Francisco da Silva Freire).
37
COMPETÊNCIA - RECLAMAÇÃO ANTERIOR À LEI Nº 8.112/90 - LEI COMPLEMENTAR - Nº 233/90 DE PORTO ALEGREA Justiça do Trabalho é incompetente para julgar ações ajuizadas por servidores públicos em data posterior à promulgação da Lei 8.112 de 11.12.90 e a correspondente municipal, Lei Complementar 233, de 1990,
que dispõe sobre o Regime Jurídico Único do Município (TRT-4ª R. - Ac. da Seç. Esp., publ. em 16.05.94-RO 1467/92 - Rel. Juiz Toralles Leite - Município de Porto Alegre x Antônio Carlos Pereira).
A doutrina pátria é praticamente unânime em afirmar que a escolha do regime a ser aplicado ao temporário compete exclusivamente ao ente estatal, pois a Constituição Federal não impôs ao temporário nem o regime estatutário, nem o celetista. Nesse sentido a lição de MEDAUAR (2003,p.296) e DI PIETRO (2004, p.434)16:
Nos termos da Constituição Federal de 1988, art. 37, IX, pode-se considerar sob regime especial os servidores contratados por tempo determinado para atender a necessidade temporária, de excepcional interesse público, na conformidade da lei. Trata-se da possibilidade de contratar, sem concurso público, por prazo determinado (curto), para atender a necessidade que difere das necessidades comuns, por ser qualificada como de ‘excepcional interesse público’; por exemplo, em casos de calamidade, epidemia, vacinação em massa. Para tanto, uma lei, em cada nível deve dispor a respeito. Segundo fixar a lei, o contrato poderá ser regido pela CLT ou a própria lei estabelecerá o regime jurídico, PODENDO ATÉ DETERMINAR A APLICAÇÃO, A TAIS SERVIDORES, DE PRECEITOS DO ESTATUTO CORRESPONDENTE.
(...) servidores temporários (...) contratados para exercer funções temporárias, mediante regime jurídico especial a ser disciplinado em LEI DE CADA UNIDADE DA FEDERAÇÃO.
Note-se, portanto, que o regime dos temporários é tido como especial, e que
pode ser tanto o celetista quanto o estatutário, conforme determinação da lei que
discipline a matéria. Aliás, hoje o RJU não é mais o regime a ser adotado pelo ente
federativo. Quem o tem, tem, quem não o tem poderá escolher qualquer outro
regime jurídico, até mesmo o celetista, ou fazê-lo de modo a contemplar os direitos
dos servidores e as necessidades da Administração Pública.
Na parte final de sua decisão, o Min. Cezar Peluso mencionou
expressamente que as relações de caráter jurídico-administrativo não serão
apreciadas pela Justiça do Trabalho, donde se conclui que os temporários do Estado
do Pará, por estarem a este vinculados por força de vínculo jurídico-administrativo,
não se submetem à jurisdição trabalhista.
16 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo, 17ª ed., São Paulo: Atlas, 2004, pg. 434
38
Ressalta-se novamente, que o eventual acolhimento de competência pela
Justiça do Trabalho importará em desrespeito à autoridade do STF, haja vista a
liminar concedida na ADI 3395 e referendada pelo Plenário do STF em 05/04/2006,
desafiando o art. 102, I “l” da CF/88, que prevê o instituto da Reclamação para
preservar a competência e garantir a autoridade das decisões da Corte Suprema,
pois se estaria exercendo o controle abstrato de constitucionalidade, usurpando a
competência do Supremo Tribunal Federal conforme precedentes do Plenário nas
Reclamações 434/SP (*) e 370/MT (**).
Cabe acrescentar que o entendimento que vem prevalecendo tanto na
doutrina quanto na jurisprudência é o seguinte: se existir regime estatutário para os
servidores permanentes, então o regime dos servidores temporários não poderá ser
o celetista. Neste caso, aflora a incompetência da Justiça do Trabalho para as lides
decorrentes da relação de servidor temporário.
Ademais, a incompetência para casos que envolvam servidores temporários,
ainda quando alegada a nulidade da contratação e a desvirtuação do contrato para
celetista, tem sido declarada de modo reiterado pelo TRT da 8ª Região, baseado no
entendimento do Colendo STF conforme os seguintes julgados: TRT-8ª/ 2ª
T./RO/00850-2004-105-08-00-6 (DO/JT de 05/04/2005), TRT-8ª/ 2ª T./RO/00827-
2004-105-08-00-1 (DO/JT de 01/04/2005) e TRT-8ª/2ª T./RO/00826-2004-105-08-
00-2 (DO/JT de 05/04/2005).
Além dos julgados supramencionados, existem decisões de Tribunais
Regionais do Trabalho de outras regiões reafirmando esse entendimento, in verbis:
COMPETÊNCIA – LEI ESTADUAL (SP) N. 500/1974 – SERVIDOR
TEMPORÁRIO – JUSTIÇA ESTADUAL COMUM – O regime jurídico
instituído pela Lei Estadual (SP) n. 500/1974 é incompatível com a atual
carta magna, que somente refere-se aos regimes estatutário ou
celetista. O regime adotado no Estado de São Paulo é o estatutário, por
força do artigo 124 da sua Constituição Estadual. Destarte a norma
estadual invocada alhures, tal qual a Lei Complementar Estadual (SP) n
733/93 e o Decreto Estadual (SP) n. 38888/94, referem-se a servidores
públicos. O reclamante foi contratado como servidor público
temporário. Não está a lide enquadrada, portanto, no artigo 114 da CF,
donde a justiça do trabalho não têm competência para conhecer da
39
mesma, mas sim a Justiça Estadual Comum (Cf. Súmula 137 do C.
STJ)” (TRT 15ª R.- Proc. 16159/99 – 3ª T – Rel. Juiz Mauro Cesar Martins
de Souza – DOESP 12.02.2001 – p.27).
“INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO – À luz do art. 114 da
Constituição Federal, em se tratando de ação movida por servidor
público municipal vinculado ao regime estatutário, a Justiça do
Trabalho é incompetente para apreciar e julgar o feito”. (TRT 4ª R.- RO
01421.531/97-6 – 3ª T. – Rel. Juiz Armando Macedônio Franco – J.
24.02.2000).
Em caráter preliminar, imperioso se faz o confronto com a polêmica questão da competência para tratamento de causas que envolvam servidores temporários. Tais servidores, segundo é assente na doutrina, apesar de ocuparem cargos públicos, são regidos pela legislação trabalhista, daí se originaram divergentes interpretações a respeito sobre o foro competente para julgamento da causa.
Tal cizânia se deve à redação do art. 114 da Constituição Federal, o qual, após a Emenda Constitucional nº 45/2004, passou a ter o seguinte texto:
Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar:
I - as ações oriundas da relação de trabalho, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios;
A literalidade do dispositivo, como se observa supra, carreava à inexorável conclusão de que todas as relações de trabalho, inclusive as que envolvessem servidores públicos, seriam da alçada da Justiça do Trabalho. Frente a tal imbróglio, foi proposta pela Associação dos Juízes Federais do Brasil – AJUFE e pela Associação Nacional dos Magistrados Estaduais – ANAMAGES, Ação Direta de Inconstitucionalidade, que tomou o nº 3395 (Doc. 78), em que se obteve a seguinte decisão liminar:
EMENTA: INCONSTITUCIONALIDADE. Ação direta. Competência. Justiça do Trabalho. Incompetência reconhecida. Causas entre o Poder Público e seus servidores estatutários. Ações que não se reputam oriundas de relação de trabalho. Conceito estrito desta relação. Feitos da competência da Justiça Comum. Interpretação do art. 114, inc. I, da CF, introduzido pela EC 45/2004. Precedentes. Liminar deferida para excluir outra interpretação. O disposto no art. 114, I, da Constituição da República, não abrange as causas instauradas entre o Poder Público e servidor que lhe seja vinculado por relação jurídico-estatutária. (ADI 3395 MC, Relator(a): Min. CEZAR PELUSO, Tribunal Pleno, julgado em 05/04/2006, DJ 10-11-2006 PP-00049
40
EMENT VOL-02255-02 PP-00274 RDECTRAB v. 14, n. 150, 2007, p. 114-134 RDECTRAB v. 14, n. 152, 2007, p. 226-245)
Verifica-se pela ementa que o Supremo Tribunal Federal afastou qualquer interpretação do art. 114, I CF, que carreie para a Justiça do Trabalho o julgamento de conflitos entre o Poder Público e servidores estatutários. Conquanto tal não seja a situação jurídica dos ditos servidores temporários, corolário do julgamento supra são entendimentos reiterados, na mesma Corte, de que suas demandas, por envolverem regras de Direito Administrativo, também devem ser tratados na Justiça Comum, como se demonstra pelo julgado abaixo (Doc. 79):
Servidores públicos. Regime temporário. Justiça do Trabalho. Incompetência. No julgamento da ADI n. 3.395/DF-MC, este Supremo Tribunal suspendeu toda e qualquer interpretação do inciso I do artigo 114 da Constituição Federal (na redação da EC n. 45/04) que inserisse, na competência da Justiça do Trabalho, a apreciação de causas instauradas entre o Poder Público e seus servidores, a ele vinculados por típica relação de ordem estatutária ou de caráter jurídico-administrativo. As contratações temporárias para suprir os serviços públicos estão no âmbito de relação jurídico-administrativa, sendo competente para dirimir os conflitos a Justiça comum e não a Justiça especializada.” (Rcl 4.872, Rel. p/ o ac. Min. Menezes Direito, julgamento em 21-8-08, Plenário, DJE de 7-11-08). No mesmo sentido: Rcl 5.171, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgamento em 21-8-08, Plenário, DJE de 3-10-08; Rcl 5.381, Rel. Min. Carlos Britto, julgamento em 17-3-08, Plenário, DJE de 8-8-08.
O fundamento do julgado acima, extraído por maioria de votos, com base no voto do já falecido Ministro Carlos Menezes Direito, é alicerçado na Reclamação nº 5.381 (Doc. 80), cujo relator foi o Ministro Carlos Britto:
EMENTA: CONSTITUCIONAL. RECLAMAÇÃO. MEDIDA LIMINAR NA ADI 3.357. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. SERVIDORES PÚBLICOS. REGIME TEMPORÁRIO. JUSTIÇA DO TRABALHO. INCOMPETÊNCIA. 1. No julgamento da ADI 3.395-MC, este Supremo Tribunal suspendeu toda e qualquer interpretação do inciso I do artigo 114 da CF (na redação da EC 45/2004) que inserisse, na competência da Justiça do Trabalho, a apreciação de causas instauradas entre o Poder Público e seus servidores, a ele vinculados por típica relação de ordem estatutária ou de caráter jurídico-administrativo. 2. Contratações temporárias que se deram com fundamento na Lei amazonense nº 2.607/00, que minudenciou o regime jurídico aplicável às partes figurantes do contrato. Caracterização de vínculo jurídico-administrativo entre contratante e contratados. 3. Procedência do pedido. 4. Agravo regimental prejudicado. (Rcl 5381, Relator(a): Min. CARLOS BRITTO, Tribunal Pleno, julgado em 17/03/2008, DJe-147 DIVULG 07-08-2008 PUBLIC 08-08-2008 EMENT VOL-02327-01 PP-00136)
Há que se destacar tal julgado se referir a caso de contratação de temporários no Estado do Amazonas, o qual apesar de julgado ano passado, teve nova confirmação quando da análise de Embargos de Declaração nesse ano de 2009:
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EMENTA: EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM RECLAMAÇÃO. MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO. SUPOSTA CONTRATAÇÃO IRREGULAR DE SERVIDORES PÚBLICOS TEMPORÁRIOS. INEXISTÊNCIA DE OMISSÃO. 1. Cabe ao Procurador-Geral da República exercer as funções do Ministério Público junto ao Supremo Tribunal Federal (art. 46 da Lei Complementar nº 75/93). Declaração nos autos de que "nada tem a requerer". 2. Atestado, no acórdão recorrido, o caráter jurídico-administrativo do vínculo entre reclamante e seus servidores temporários. Inviável rediscussão do tema em embargos de declaração. 3. "Não compete ao Supremo Tribunal Federal, no âmbito estreito de cognição próprio da reclamação constitucional, analisar a regularidade constitucional e legal das investiduras em cargos efetivos ou comissionados ou das contratações temporárias realizadas pelo Poder Público" (Rcl 4.785-MC-AgR, Rel. Min. Gilmar Mendes). 4. Embargos de declaração de que não se conhece. (Rcl 5381 ED, Relator(a): Min. CARLOS BRITTO, Tribunal Pleno, julgado em 20/05/2009, DJe-157 DIVULG 20-08-2009 PUBLIC 21-08-2009 EMENT VOL-02370-02 PP-00371)
Assim, pelo que se demonstra, o entendimento do Supremo Tribunal Federal é de que a Justiça Comum tenha a competência para o tratamento de conflitos que envolvam as relações de trabalho dos servidores públicos em regime temporário.
42
CONCLUSÃO
Tal situação não é contraproducente? Se ao acusado em processo criminal se
devem assegurar todos os direitos de defesa antes de que lhe seja aplicada pena,
aos milhares de servidores que, de boa-fé, vem laborando durante anos não se
estende tal direito, podendo ser exonerados sem que antes lhes seja dada
oportunidade de simples manifestação.
Admitir-se a imposição de obrigações de tal magnitude para os trabalhadores
temporários, seria crer que a expressão “coisa julgada erga omnes” contida no art.
16 da Lei nº 7.347/1985, tem expressão mais larga do que lhe emprega a doutrina e
a jurisprudência, ou seja, seria crer que o Judiciário poderia, em flagrante
substituição ao Legislativo, impor restrições à toda a uma coletividade sem a mínima
oportunidade de prévia manifestação. Esse não é o sentido da lei, como já se
demonstrou alhures.
43
OBRAS CONSULTADAS
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05 de outubro de 1988. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm. Acesso em 20 de
agosto de 2010.
________. Lei nº 6.019 - de 03 de janeiro de 1974 - DOU de 4/1/74. Disponível em:<
http:<//www010.dataprev.gov.br/sislex/paginas/42/1974/6019.htm>.Acesso em 22 de agosto
de 2010.
_________. Lei nº 8.745, de 09 de dezembro de 1993. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8745cons.htm> Acesso em: 02 de setembro de
2010.
_________. Lei no 9.962, de 22 de fevereiro de 2000. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9962.htm.> Acesso em 22 de agosto de 2010.
_________. Lei n. 12.314, de 19 de agosto de 2010. Disponível em:,
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007.2010/2010/Lei/L12314.htm#art2> Acesso em
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44
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OLIVEIRA, Aristeu de. Estágio, trabalho temporário e trabalho de tempo parcial./ Aristeu de
Oliveira. – São Paulo: Atlas, 2009.
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VENEZIANO, André Horta. Direito e Processo do Trabalho. 3.ed. rev. e atual. São Paulo:
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