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HISTÓRIA BACHARELADO FURG 2007 1 (19 DE AGOSTO - DIA DO HISTORIADOR) BREAD SOARES ESTEVAM UMA CONTRIBUIÇÃO AO ESTUDO DO MOVIMENTO ECOLÓGICO E SUA MILITÂNCIA ESCRITA ATRAVÉS DO JORNAL AGORA DO RIO GRANDE /RS NOS ANOS DE 1978-79 Monografia apresentada à Fundação Universidade Federal do Rio Grande, como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel em História. Orientador: Prof. Dr. Lauro de Brito Vianna Rio Grande dezembro 2007

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HISTÓRIA BACHARELADO

FURG 2007

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(19 DE AGOSTO - DIA DO HISTORIADOR)

BREAD SOARES ESTEVAM

UMA CONTRIBUIÇÃO AO ESTUDO DO MOVIMENTO ECOLÓGICO E SUA

MILITÂNCIA ESCRITA ATRAVÉS DO JORNAL AGORA DO RIO GRANDE /RS

NOS ANOS DE 1978-79

Monografia apresentada à Fundação

Universidade Federal do Rio Grande,

como requisito parcial para obtenção do

título de Bacharel em História.

Orientador:

Prof. Dr. Lauro de Brito Vianna

Rio Grande

dezembro 2007

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BREAD SOARES ESTEVAM

UMA CONTRIBUIÇÃO AO ESTUDO DO MOVIMENTO ECOLÓGICO E SUA

MILITÂNCIA ESCRITA ATRAVÉS DO JORNAL AGORA DO RIO GRANDE /RS

NOS ANOS DE 1978-79

Monografia apresentada à Fundação

Universidade Federal do Rio Grande,

como requisito parcial para obtenção

do título de Bacharel em História.

Orientador:

Prof. Dr. Lauro de Brito Vianna

Rio Grande

dezembro 2007

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AGRADECIMENTOS

Desenvolver uma monografia não é trabalho muito fácil, porém é desafiante. Apesar

da solidão em nossa pesquisa, temos muito que agradecer as pessoas que de uma forma ou

de outra contribuíram para o nosso empreendimento.

Obrigado, Senhor Todo-Poderoso (Olorum), por eu ter tido persistência de

continuar meus estudos mesmo sabendo das dificuldades. Obrigado aos anjos guardiões da

natureza: sem a fé que tenho em vocês não seria possível nem mesmo estar vivo.

Obrigado aos espíritos de luz que me influenciaram nos momentos de mais precisão.

Muito obrigado aos meus familiares, [familia Soares Estevam (Samir, Luis

Henrique e o Pai João Carlos e mãe Cléa)] por ser quem são e por tudo que representam

para mim. Muito agradecido pelo meu filho Matheus, fruto do amor intenso, que veio em

um momento crucial de minha vida. Isabela, ele é fruto do nosso amor, muito obrigado por

tudo. Não posso me esquecer do Rafael, valeu, consegui.

Muito obrigado ao meu orientador, Lauro de Brito Vianna, pelos subsídios

intelectuais e materiais. Também aos professores que compuseram a banca examinadora,

Daniel Prado e Francisco das Neves Alves. Agradeço-lhes especialmente por contribuir de

forma crítico-científica para o meu crescimento intelectual. Também meus agradecimentos

à professora Márcia Naomi Kuniochi, por acreditar e me incentivar, sendo uma mãe dentro

da Universidade, em diversas situações me aconselhando e me apoiando. Também meus

agradecimentos a Ivana, ao Fabiano, a Cris, ao Hingo que acreditaram no meu trabalho e

me deram uma oportunidade de emprego. Agradecido a Luciano Rubira por ter

desenvolvido uma planilha de Excel para facilitar meus estudos e pelas conversas que

tivemos, a Jana e ao Ronaldo pelos dias em que passamos juntos no horário da noite no

Sesi HPS.

Minhas saudações e agradecimentos à minha avó Nilva e avô Élcio, minha mãe,

Cléa, e a todos que me deram uma palavra de incentivo. Sem essas duas senhoras e o dito

senhor seria praticamente impossível.

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Muito Obrigado aqueles que me incentivaram à estudar, a familia Fontoura e a

Dona Nilza Fontoura pelo incentivo e crença no meu potencial. Muito obrigado aos Silveira

por contribuir ao meu crescimento político e a Dona Maria pelo orgulho que vi em seus

olhos. Muito obrigado a todas as pessoas que conversei, esses de alguma maneira

contribuíram para o debate desenvolvido aqui.

Muito agradecido ao corpo docente do Departamento de Biblioteconomia e História,

que foi decisivo na minha formação e a minha turma (turma prof. Lauro de Brito Vianna)

como um todo.

Aos meus amigos e colegas de curso, mando meu salve. Também aos meus colegas

de serviço e aos meus amigos, em especial o Edinho e a Débora, muito agradecido por

tudo. Fiquem com Deus (Olórum), o filho (Oxalá) e os anjos da Natureza. Muito

agradecido a todos que acreditaram em mim.

Peço a Deus, persistência, obstinação, coragem, inteligência, sabedoria e

discernimento para poder deixar minha contribuição aos meus semelhantes e ao habitat que

resido, o planeta Terra. Meu salve eco-histórico.

Ass: Bread Soares Estevam

Bacharelando do curso de História da Furg.

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Resumo?/Abstract?

O presente trabalho teve a intenção de empreender uma investigação,

compreensão e explicação do tema militância escrita do ambientalismo. Sob o título

de: UMA CONTRIBUIÇÃO AO ESTUDO DO MOVIMENTO ECOLÓGICO E SUA

MILITÂNCIA ESCRITA ATRAVÉS DO JORNAL AGORA DO RIO GRANDE/RS

NOS ANOS DE 1978-79, desenvolvemos nosso texto permeado por autores que nos

deram embasamento teórico para tratar o tema. Procuramos construir nosso texto de

maneira científica para trazer a público as informações que possam contribuir com o

estudo do movimento ecológico. Também temos a intenção de nos inserir nas

discussões de caráter histórico-ambiental para cooperar com a construção de

conhecimento na área de Educação Ambiental e História. Sabemos que é um tema

pioneiro e que temos o dever de explorar o objeto e dar nossa contribuição a

construção de EDUCAÇÃO E CONHECIMENTO.

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SUMÁRIO

Introdução.....................................................................................................................06

1 – Metodologia analítico-histórica.............................................................................10

1.1 – Conceito de História...................................................................................10

1.2 – Análise histórica: estudo, observação e compreensão...............................11

1.3 – Critérios e passos para formulação da pesquisa ........................................12

1.4 – Método de análise do processo histórico...................................................17

1.5 – Método de análise das fontes históricas ....................................................20

2 – O contexto histórico ...............................................................................................27

2.1 – A história da idéia de natureza nas civilizações humanas .........................27

2.2 – Inserção do modo de vida urbano-industrial no Ocidente..........................31

2.3 – A mundialização do modo de vida capitalista urbano-industrial...............34

2.4 – A inserção do modo de vida capitalista no Brasil (1930-1965).................40

2.5 – Os governos militares no Brasil e a consolidação do modo de vida

capitalista urbano-industrial............................................................................................44

2.6 – O contexto histórico-ambiental sul-rio-grandense.....................................48

2.7 – Industrialização e meio ambiente em Rio Grande ....................................54

3 – Uma introdução à ecologia: origens, evolução e estabelecimento do movimento

ecológico e sua militância escrita ................................................................................59

3.1 – O desenvolvimento das quatro ecologias ..................................................59

3.2 – Origens e evolução do movimento ecológico no Brasil ............................62

3.3 – A emergência da entidade AGAPAN no Rio Grande do Sul ....................64

3.4 – AGAPAN e sua “militância escrita” .........................................................67

4 – Análise do discurso da AGAPAN – núcleo rio-grandino: crítica ao Distrito

Industrial de Rio Grande (DIRG) e a identificação teórica desse movimento .......71

Conclusão.......................................................................................................................96

Referências...................................................................................................................105

Anexo 1: Crônicas ecológicas utilizadas ...................................................................107

Anexo 2: Projeto Provisório de Pesquisa..................................................................131

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7

INTRODUÇÃO

O presente trabalho trata de uma reflexão histórica intitulada “Uma Contribuição ao

Estudo do Movimento ecológico e sua militância escrita através do jornal Agora do Rio

Grande/ RS nos anos de 1978-79”. Para realizá-lo, percorremos um caminho bastante

árduo. No segundo ano do curso tivemos de desenvolver um projeto de pesquisa para a

disciplina de Práticas de Pesquisa. Esboçamos uma proposta intitulada “História dos preços

dos derivados do petróleo”. Na metade do ano de 2005 levamos nosso projeto e uma carta

de recomendação redigida pela Comissão de Curso de História para a Refinaria Ipiranga. A

empresa não demonstrou interesse no projeto, pois seria necessário recorrer a fontes

contábeis.

Então, fomos pesquisar no jornal Agora. Nesse periódico encontramos diversas

notícias, mas nada que pudesse nos possibilitar uma análise detalhada acerca do mercado

dos derivados de petróleo. Paralelamente a essa pesquisa, acabamos por encontrar as

“Crônicas ecológicas”, em séries contínuas, que vieram a constituir o tema desta pesquisa.

Dessa maneira, desenvolvemos uma planilha de coleta das referências que nos

possibilitasse mapear os discursos da AGAPAN – Associação Gaúcha de Proteção ao

Ambiente Natural. Logo após a coleta das referências, buscamos coletar os textos na forma

de fotocópias. Depois de obter todas as cópias, começamos uma triagem das crônicas que

iríamos utilizar no trabalho, a fim de selecionar os textos que questionavam o Distrito

Industrial de Rio Grande.

A nossa inspiração para a pesquisa com esse tema foi à busca por conhecimento

com relação ao movimento ecológico, assim como a possibilidade de desenvolver tal

projeto na área da pós-graduação em Educação Ambiental.

As dificuldades foram inúmeras, desde o difícil acesso, pois moramos no Cassino,

até o tempo disponível para leitura e análise das fontes pesquisadas. Tivemos que ser,

extremamente, organizados, inclusive desenvolvemos uma planilha de horários de estudo e

horários de ônibus, seguindo à risca todo o tempo demarcado, pois tínhamos que trabalhar

para ter condições de manter a família.

Partindo para a discussão acerca do tema proposto, analisamos as diversas formas

de pensar o mundo no decorrer da História da humanidade. Cada período histórico teve sua

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identidade ideológica e seu “modo de vida”, o que será objeto de discussão no decorrer do

trabalho.

Tomamos como referência a Revolução Industrial e o surgimento do “modo de

vida” capitalista urbano-industrial. Entendemos que nesse período os acontecimentos

históricos levaram à dinamização da produção e a uma forma de pensamento e um “modo

de vida” histórico-ambiental diferentes das outras “idades históricas”.

Buscamos contextualizar os acontecimentos que levaram à transformação do

pensamento e das estruturas produtivas com relação à natureza, à ruptura com padrões de

vida limitados pelos ciclos naturais.

As civilizações da Antiguidade clássica e da Idade Média desenvolveram suas

forças produtivas limitando-se de acordo com os ciclos da natureza, vivendo um “modo de

vida” estabelecido pelos padrões de subsistência condicionados a natureza. Com relação ao

modo de pensar, as civilizações viam a natureza ou como algo “divino em si”, caso do

período –antigo-clássico, ou como obra de Deus, no decorrer da Idade Média.

Em termos de pensamento, buscamos verificar a ruptura com a ótica mitológica,

metafísica, e o surgimento de um pragmatismo utilitarista-moderno, contexto em que surgiu

o movimento ecológico.

No que diz respeito à sua estrutura, este trabalho se divide em: Introdução,

Metodologia de Análise Histórica, Contextualização (Geral, Nacional, Regional e Local),

Teorias Ecológicas e Movimento Ecológico, Análise das Crônicas Ecológicas e Conclusão.

Por matriz do Movimento Ecológico entendemos uma forma de discurso com

qualidades gerais encontradas em um conjunto de textos, cujas categorias adquirem

significados implícitos, conforme os acontecimentos que se desenvolvem, e por isso

mesmo, utilizadas pelos seus discípulos “militantes ecologistas”.

Nosso objetivo ao escolher o tema “Militância Escrita do Ambientalismo” foi de

identificar a matriz de pensamento da AGAPAN de Rio Grande e observar a dinâmica da

industrialização e os impactos ecológicos produzidos pela produção industrial.

Propomo-nos, a partir disso, observar o processo histórico como um todo,

identificar as formas de pensamento que deram orientação ao “modo de vida” da

humanidade e da sua dinâmica histórica; resgatar a gênese do movimento ecológico, as

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vertentes de pensamento, o contexto que se refletia a partir das teses ecologistas e a

expressão local do ativismo e pensamento ecológico.

Primeiro, acreditamos ser prudente resgatar o contexto, geral, nacional e local, e

alocar o objeto proposto pelo projeto. Para empreendermos tal pesquisa, desenvolvemos um

método de pesquisa partindo da vertente historiográfica dos Annales, sob a influência do

Materialismo Dialético, também tomando como referência alguns autores que

desenvolveram análises correspondentes ao tipo de fonte a que recorremos, a imprensa.

A partir dessa fusão de pensamento e metodologia, surgiu o método de análise que

nos permitiu desenvolver um modelo que permeou a pesquisa. Orientado pela criação de

modelos explicativos que C. F. S. Cardoso explicita em sua obra, buscamos em vários

autores referências para desenvolver a metodologia aqui aplicada. Isso permitiu uma

melhor adaptação entre objeto de pesquisa e aparato teórico-metodológico.

A partir da ótica de nossa metodologia, surgiram questionamentos do tipo: Como

era a relação entre humanidade e natureza? Como era a percepção da humanidade antigo-

clássica e medieval com relação à Natureza? Como evoluiu o pensamento mitológico e

depois metafísico? Quando ocorreu o rompimento com o pensamento mitológico? Quando

ocorreu o rompimento com o pensamento metafísico? Como surgiu o pensamento moderno

pragmático-utilitarista? Como surgiu o “modo de vida” capitalista urbano-industrial? Onde

surgiu esse “modo de vida”? Como evoluiu no ambiente histórico e no tempo histórico?

Quando ocorreu a inserção do “modo de vida” urbano industrial no Brasil? Como se

apresentou o contexto da formação de uma sociedade urbano-industrial brasileira? Quais as

suas contradições sociais e ambientais? E a partir de tais contradições, como surgiu o

movimento ecológico e em que contexto ocorreu a sua gênese? Quais eram suas ideologias

e seus anseios? Quais eram seus enfoques de críticas? Como esse movimento se manifestou

no tempo histórico e ambiente histórico de Rio Grande? Qual entidade encabeçou o

movimento ecológico em Rio Grande? Qual era sua ideologia?

Partindo desses questionamentos, pretendemos desenvolver a nossa análise acerca

do objeto proposto pelo projeto de pesquisa, uma vez que este trabalho visa a investigar e

analisar os discursos dos militantes da AGAPAN de Rio Grande.

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Para prover embasamento teórico consistente, realizamos uma revisão bibliográfica,

em que pesquisamos livros, jornais, periódicos, livros de resumos de autores que têm

relação direta com o tema aqui proposto.

Formulamos o aparato teórico-metodológico, buscando uma conjugação de

reflexões históricas, atentos à observação de bibliografia nas áreas da Geografia, Ecologia

Social, Biologia Social, Economia, Sociologia e História Geral, Nacional, Regional e

Local.

Compreendemos que o ponto de enfoque do conhecimento, aquele que permite a

explicação e compreensão histórica, é a forma da articulação histórico-sócio-ambiental

proposta por nós. Desse modo, nos orientamos em traçar uma análise “totalizante”,

objetivando integrar as várias formas constituintes de conhecimento acerca do ambiente

cultural e do ambiente natural para explicar as conexões histórico-ecológicas que regem a

dinâmica das sociedades, tomando como exemplo a cidade do Rio Grande.

Mostraremos as transformações ocorridas numa esfera (econômica, política, social,

cultural e ambiental) que implicaram gradações das mais diversas no tempo histórico, no

ambiente histórico-cultural e no ambiente natural da cidade de Rio Grande.

Portanto, estudaremos, analisaremos, observaremos, compreenderemos e

explicaremos o objeto de pesquisa permeado por uma metodologia histórico-científica

desenvolvida a partir da corrente de pensamento dos Annales sob a influência do

Materialismo Dialético, também considerando alguns conselhos de obras que permeiam o

estudo de história da localidade rio-grandina.

Nesse sentido, este estudo visa a resgatar as formas de pensamento em que a

humanidade desenvolveu seus “modos de vida”. Assim, inserir o atual “modo e percepção

de viver” no ambiente histórico-cultural e a ação sobre o ambiente natural da cidade do Rio

Grande. Desse modo, depois de situar o contexto histórico, visamos a inserir o agente

histórico AGAPAN em conjunto com o jornal Agora, e analisar e compreender os discursos

da “militância escrita do movimento ecológico em Rio Grande”. Analisaremos o tema na

dinâmica desenvolvida em nosso trabalho, permeado pela metodologia aqui abordada.

Chamamos a atenção para expressões que ao longo da obra foram sendo elucidadas.

Como exemplo, “modo de vida”, “ambiente histórico”, “meio ambiente cultural”, “meio

ambiente natural”. Não tivemos a intenção de criar conceitos novos, mas utilizar “licença

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poética” para melhor nos fazermos entender. Não sabemos se essas expressões já foram

utilizadas em outros autores, com uma ressalva: a expressão “modo de vida” é utilizada por

Carlos Walter Porto Gonçalves na obra intitulada “Os descaminhos do meio ambiente”.

1 – METODOLOGIA ANALÍTICO-HISTÓRICA

1.1 – Conceito de História

Atualmente, com o estágio de evolução em que se encontra a ciência como um todo,

permitimo-nos questionar o conceito de História. No decorrer do processo histórico,

segundo Marc Bloch, Fernand Braudel e Frèdéric Mauro, a palavra “História”, fiel a seu

conceito primeiro – continua a designar “investigação”.

Entretanto, a dúvida surge quando observamos o modo pelo qual vamos direcionar

essa investigação, ou seja, quais são os passos que iremos utilizar no processo de pesquisa.

Nesse momento, o que nos surge no pensamento é o método pelo qual nortearemos nossa

investigação. Agora, é que reside o atual paradigma que está sofrendo a História: Qual

método devemos utilizar? Se o conceito de História continua a designar “investigação” – e

o método, como se caracteriza? Quais são seus passos para se tornar científico?

A fim de buscar solução, primeiro desenvolveremos o conceito de História, e a

partir do diálogo com a obra de Marc Bloch esboçaremos nossa concepção acerca do

trabalho historiográfico. De acordo com Bloch,

A palavra “história” [...] não proíbe de antemão nenhuma direcção de

pesquisa, quer deva orientar-se de preferência para o indivíduo ou para a

sociedade para a descrição das coisas momentâneas dos elementos mais

duradouros; ela não contém em si mesma nenhum credo; não obriga,

consoante a sua etimologia primeira, a outra coisa além da investigação1.

Desse modo, verificamos na passagem de Bloch que o conceito de História

desenvolvido e concebido por ele é totalizante. Ou seja, tornou-se totalizante a partir do

momento em que abrange as diversas manifestações de concepção acerca da construção da

1 BLOCH, Marc. Introdução à História. Tradução de Maria Manuel e Rui Grácio. 4. ed. Publicações Europa-

América, 1941. Col. Saber.

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História, permitindo as diversas formas de pensamento e as diversas maneiras do método de

construção do conhecimento histórico.

O sentido da palavra História é um: designa “investigação”, entretanto a forma de

construir o conhecimento histórico é “plural”. Nesse sentido, nos permite a construção de

um modelo que melhor se adapte ao objeto de pesquisa. Porém, para designarmos a

História como ciência, devemos caracterizar o conceito de História. Cardoso assim nos

descreve o conceito de História de acordo com Marc Bloch: “[...] a História como ciência:

para ele, não se trata da „ciência do passado‟, como pretendem alguns, mas da „ciência dos

homens no tempo‟”2.

Então, podemos dizer conforme Bloch explicita em sua obra: “[...] o historiador

nunca sai do tempo, [...], considera, no tempo, ora as grandes ondas de fenômenos

aparentados que percorrem, de lado a lado, a duração, ora o momento em que essas

correntes se apertam no poderoso nó das consciências”3.

Portanto, durante algum tempo a historiografia designou ser a História “ciência do

passado”. Marc Bloch diz que não, enfatizando ser a História ciência do estudo do homem

na estrutura tempo do processo histórico. Por isso, o historiador deve ter seu foco de ação

no tempo, seu objeto é o homem e a ação humana no tempo histórico.

Dessa maneira, chegamos à conclusão de que a “História” é a “ciência” que

observa, estuda, compreende e explica o ser humano no tempo histórico. Uma vez que

desenvolve tal empreendimento percebendo o ambiente histórico, este se torna relevante

inclusive no âmbito das atuais discussões acerca de Educação Ambiental.

Podemos, então, adaptar o conceito de História aos atuais empreendimentos

ecológicos, dizendo que: História é a ciência que estuda, observa, compreende e explica o

ser humano no tempo histórico e no ambiente histórico. Particularmente, designamos ser o

“ambiente histórico” o “meio ambiente” onde o ser humano atuou e que utilizou no tempo

para a construção da cultura, ou seja, o ambiente cultural e natural que foi palco de uma

determinada História.

1.2 – Análise histórica: estudo, observação e compreensão

2 CARDOSO, Ciro Flamarion S. Uma introdução à história. São Paulo: Brasiliense, 1983.

3 BLOCH, Marc. Introdução à História, op. cit., p. 136.

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A partir do conceito de História desenvolvido, nortearemos o nosso método de

análise embasado na obra de Marc Bloch. Esse historiador nos propõe uma forma de

análise histórica com características a tornar nossos estudos esclarecedores. Bloch nos

aconselha através do seu trabalho: “compreenderdes a dinâmica histórica e o ser humano,

deixando o julgamento aos juízes”. Isso pode ser evidenciado nesta passagem:

Existem duas maneiras de ser imparcial: a do sábio e a do juiz. Têm uma

raiz comum que é a honesta submissão à verdade. O sábio regista, melhor

ainda, provoca a experiência que, possivelmente, deitará por terra as

teorias que mais prezou. Qualquer que seja o voto secreto do seu coração,

o bom juiz interroga as testemunhas com a única preocupação de conhecer

os fatos, tal como se passaram. É essa, em ambos os casos, uma obrigação

de consciência que não tem discussão4.

Nesse sentido, verificamos o caráter da investigação histórica que podemos

caracterizar como sendo objeto de estudo, observação, compreensão e explicação, evitando

o “julgamento de valores”.

O objeto não deve “sofrer” julgamento e sim ser compreendido na sua dinâmica. Há

uma identidade de método na investigação do historiador com o juiz. Ambos precisam

conhecer os fatos para explicar. Porém, esse caminho tem destinos diferentes depois do

empreendimento das teses. Conforme Marc Bloch, isso pode ser explicado assim:

Chega [...] um momento em que os dois caminhos se separam. Logo que o sábio

observou e explicou, dá-se por finda a tarefa. Ao juiz falta ainda dar a sentença. Se

calando em si qualquer inclinação pessoal, a dita de harmonia com a lei, [...]5.

Compreender, todavia, nada tem de passivo. Para fazer uma ciência serão sempre

necessárias duas coisas: uma matéria, mas também um homem. A realidade

humana, como as do mundo físico, é enorme e variegada6.

Portanto, verificamos que a análise histórica deve ser permeada pelos fatores de

estudo, observação, compreensão e explicação. Nesse sentido, o devir do historiador se

caracteriza como sendo explicativo, deixando de lado o julgamento de valores. Estes são

prejudiciais à compreensão do objeto escolhido pelo pesquisador.

4 BLOCH, Marc. Introdução à História, op. cit., p. 121-122.

5 BLOCH, Marc. Introdução à História, op. cit., p. 122.

6 BLOCH, Marc. Introdução à História, op. cit., p. 126.

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É através do método de análise que o historiador evitará o julgamento, dedicando-se

a seguir passos que o levem para as conclusões sem expressar o certo e errado, limitando-se

apenas à compreensão dos fatos e da dinâmica. Finalmente, sob essa influência de

pensamento é que iremos construir nossos passos de análise e de pesquisa em História.

1.3 – Critérios e passos para formulação e organização da pesquisa

Depois de ter abordado o conceito de História, empreendido a concepção de como

vamos proceder na análise de nossos fatos, desenvolveremos os critérios que vamos utilizar

para formular e organizar o nosso objeto de estudo. Faremos essa discussão dialogando

com a obra de Ciro Flamarion S. Cardoso.

Começamos explicitando que precisamos enumerar alguns critérios. Primeiro e

segundo passos: identificação do problema e delimitação do tema de pesquisa.

Conforme Cardoso, “Esta parte do projeto deve conter a formulação do tema, sua

delimitação no tempo, no espaço e como universo de análise [...] e a justificação do tema”7.

Para identificar um problema, precisamos encontrar um objeto de pesquisa. Isso se

dá por meio de uma eventual pesquisa de campo para verificar as fontes disponíveis acerca

do que se quer estudar. No nosso caso, estávamos empreendendo um outro tema de

pesquisa, quando encontramos textos em seqüência. Observamos que esses textos podiam

nos constituir uma série.

Fomos verificando e observando que tais textos, sob o nome de “Crônicas

Ecológicas”, eram escritos de uma “militância escrita do movimento ecológico”. E isso nos

instigou a uma pesquisa mais séria. Dessa maneira, construímos o projeto de forma

provisória, propondo ao nosso orientador um tema de pesquisa, que verificamos ser

praticamente novo. E isso vem ao encontro deste comentário de Cardoso: “[...] a ciência

histórica, como as demais, evolui, e em cada etapa redefine os objetos, conceitos,

prioridades e possibilidades”8.

Nesse sentido, acreditamos ser relevante desenvolver uma pesquisa, análise,

compreensão e explicação acerca do objeto que abordamos: “militância escrita do

ambientalismo”. A partir das manifestações escritas dos ecologistas da AGAPAN em Rio

7 CARDOSO, Ciro Flamarion S. Uma Introdução à História, op. cit., p. 11.

8 CARDOSO, Ciro Flamarion S. Uma Introdução à História, op. cit., p. 73-74.

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Grande no fim da década de 1970, conheceremos suas tendências ideológicas e seus focos

de questionamento.

Para isso, acreditamos ser prudente elucidar mais alguns passos e critérios do

desenvolver do método de análise histórica aqui esboçado. Explicitaremos o terceiro passo

do nosso referencial, que é a relevância social e científica.

A relevância científica pode ser caracterizada como foi dito acima: a ciência

histórica evolui. Seus métodos, técnicas e teorias estão em constante mutação e evolução.

Os objetivos da História também modificam seu foco de ação e até mesmo seus

anseios científicos. Queremos propor ao estudo da História algo atual. Como as atuais

discussões incluem cada vez mais os problemas relacionados a ecologia e meio ambiente,

propomos um objeto intimamente ligado a esse quadro.

O movimento ecológico está no cerne dessas discussões. Seus propósitos de

existência em certa dinâmica são relevantes. Por isso acreditamos na relevância científica

deste empreendimento, pois estamos desenvolvendo algo novo em História. Isso irá

expandir os estudos históricos a áreas do conhecimento que não fogem ao objeto da

história: o homem no tempo histórico e no ambiente histórico. O conceito de História aqui

ganha maior abrangência e os métodos de pesquisa e análise das fontes também evoluem,

encontrando uma nova forma de saber e um novo foco de ação.

A relevância social se faz presente quando detectamos em nossa sociedade a

necessidade de mudança do “modo de vida”, com novas alternativas de organização social

e novo projeto de sociedade ambientalmente menos destrutivo. Nesse sentido, a histórica e

atual crise ambiental faz-nos pensar o nosso papel social como cientista histórico.

Acreditamos que a História muito contribua com as atuais discussões acerca dos

problemas gerados pela sociedade capitalista urbano-industrial. Os exemplos das

sociedades passadas e mesmo das atuais podem nos mostrar a necessidade de uma nova

forma de organização sócio-ambiental.

Através da análise do nosso objeto encetaremos uma discussão acerca do atual

modo de vida, estudaremos, observaremos e pretendemos compreender e explicar o

exemplo aqui proposto, socializando os resultados de nossa pesquisa. Partindo desse

postulado, enumeraremos alguns critérios de análise das fontes que observamos.

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O quarto passo a ser desenvolvido é o “critério de viabilidade”, o de “originalidade”

e a “classificação das fontes”.

Ciro F. S. Cardoso caracteriza os critérios acima enumerados: “O critério de

viabilidade se refere a recursos humanos, financiamento e recursos materiais, e ao tempo disponível

para realizar o trabalho”9.

Quanto ao critério de originalidade, o nosso trabalho, se caracteriza por ser algo

novo e pouco explorado pela História. Isso nos exige desenvolver renovados métodos de

abordagem, nova forma de tratar o objeto, e uma discussão nova, ser uma inovação no

construir a História, uma nova forma de saber histórico: História sócio-ambiental.

Outro critério é desenvolver o “tipo de pesquisa” empreendida por nós. Conforme

Magda Alves,

Pesquisa bibliográfica: é aquela desenvolvida exclusivamente a partir de

fontes já elaboradas – livros, artigos científicos, publicações periódicas, as

chamadas fontes de “papel”. Tem como vantagem cobrir uma ampla gama

de fenômenos que o pesquisador não poderia contemplar diretamente. No

entanto, deve-se ter o cuidado de, ao escolher tais fontes, certificar-se de

que sejam seguras10

.

É relevante explicitar que pesquisa bibliográfica apresenta-se tão importante quanto

a pesquisa documental. Sem dúvida, devemos ter em mente que as fontes bibliográficas são

fontes conscientes, permeadas por uma ideologia ou intenção estabelecida. Ou seja, são as

chamadas fontes voluntárias.

Essas fontes são escritas com a intenção de instigar uma idéia preestabelecida pelo

autor. Por isso os aparelhos utilizados pelo historiador que, em dada circunstância, escolheu

esse tipo de fonte devem ser extremamente analíticos. Devem ser permeados pela análise

desse discurso voluntário, procurando elucidar, através de crítica científica, os objetivos

ideológicos do discurso.

O próximo passo que empreenderemos são alguns “critérios de análise” acerca das

fontes. São estes critérios os seguintes: “estabelecer a natureza do conhecimento histórico”,

“crítica dos testemunhos”, “crítica de erudição”, “crítica interna”, “crítica de exatidão”,

“crítica de sinceridade”.

9 CARDOSO, Ciro Flamarion S. Uma Introdução à História, op. cit., p. 74.

10 ALVES, Magda. Como escrever teses e monografias. Rio de Janeiro: Elsevier, 2003.

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17

Em primeiro lugar, precisamos esclarecer a natureza do conhecimento histórico.

Conforme Cardoso,

o conhecimento histórico se basearia na observação indireta dos fatos

históricos através dos testemunhos conservados. Ao tratar-se de fatos

passados, chegar a conhecê-los dependeria estritamente daquilo que, sobre

eles, nos dissessem as fontes, e muito especialmente os documentos

escritos11

.

Deste modo, observamos que os documentos escritos, principalmente os de cunho

voluntário, podem nos levar a um caminho ideológico e não científico. Ou seja, se o agente

histórico que construiu dados discursos estiver impregnado de uma ideologia e escrever seu

texto, ele tem alguma intenção ou objetivo.

Nesse momento, entra a palavra metodológica “compreensão”. Ou seja, a análise de

dada fonte deve ser permeada por essa influência, pois podemos ser levados a empreender o

julgamento de valores, e estabelecer que tal manifestação ou fenômeno histórico é bom ou

mau.

O historiador não deve ser levado pelo discurso, e sim analisá-lo conforme o aparato

teórico-metodológico escolhido. Esse aspecto da metodologia chama-se “observação

indireta dos fatos”, ou seja, através da “análise dos discursos” emitidos pelos agentes

históricos é que chegamos a ter contato com o fato histórico em si, por isso é que

precisamos relativizar as informações explicitadas pelos personagens históricos através dos

documentos. Então se aplicam as chamadas críticas de “testemunho”, “erudição”, “interna”,

“exatidão” e “sinceridade” que serão aplicadas na hora da análise das fontes e dos discursos

destas.

Para estabelecermos contato com o acontecimento histórico, precisamos nos

orientar por uma atividade importante que denominamos de “heurística”. De acordo com

Ciro Flamarion S. Cardoso, heurística é a “atividade que consiste em localizar, reunir,

classificar fontes históricas, delas fazendo em seguida listas, repertórios, inventários, índices [...]”12

.

No caso deste trabalho, a atividade heurística concentrou-se nas fontes que

constituem o acervo do jornal local Agora.

11

CARDOSO, Ciro Flamarion S. Uma Introdução à História, op. cit., p. 45. 12

CARDOSO, Ciro Flamarion S. Uma Introdução à História, op. cit., p. 47.

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Sabendo então onde estavam as fontes, desenvolvemos uma planilha de coleta

rápida no programa Word. Nessa planilha estabelecemos referências a serem preenchidas,

como: fonte, local de edição, ano, número da edição, dia, data, coluna, página, título do

texto, autor, número do texto (para ordenar a seqüência de textos coletados). Esse trabalho

possibilitou a coleta rápida das fontes, proporcionando economia de tempo.

Logo após essa coleta, procuramos fazer fotocópias das crônicas, para ter fácil

acesso aos discursos a serem analisados. Após coletarmos as fontes, foi desenvolvida uma

planilha no programa Excel, que possibilitou melhor organização das referências das fontes

coletadas e maior controle sobre as referências de tais textos.

Por fim, outro aspecto metodológico levado em consideração no nosso trabalho foi a

busca de embasamento em outras disciplinas do conhecimento.

Verificamos que seria relevante buscarmos informação em disciplinas tais como:

geografia, economia, sociologia, ecologia social, biologia social, educação, educação

ambiental, informática e cronologia, por meio das quais podemos construir um

conhecimento interdisciplinar e multidisciplinar, possibilitando uma análise mais

abrangente do conhecimento histórico acerca do objeto proposto pelo nosso projeto de

pesquisa.

Nesse sentido, o atual paradigma da História pode ser resolvido com o

estabelecimento de um diálogo com as outras áreas do conhecimento.

Entretanto, a História não pode perder sua identidade, sempre estabelecendo seu

foco de investigação no ser humano –o homem no tempo histórico e no ambiente histórico.

A História só aconteceu porque é percebida e vivida pelo ser humano. Ela aconteceu

também na consciência do ser humano, ela expressa o ser humano, é ação humana no

tempo e no espaço.

Portanto, concluímos este sub-capítulo enfatizando o caráter científico desenvolvido

pela pesquisa. A ciência estabelece critérios. Nesse sentido, procuramos estabelecer alguns

critérios para o nosso empreendimento. Verificamos que o método científico aqui proposto

nos deu a possibilidade de organizar os estudos com relação ao objeto.

Finalmente, através de nosso método de formulação e organização da pesquisa,

visamos a estabelecer a sistematização e orientação para podermos chegar a resultados

científicos acerca do tema desenvolvido.

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19

1.4 – Método de Análise do Processo Histórico-Ambiental

Para desenvolver uma análise acerca do contexto histórico, utilizaremos um método

que possibilite detectarmos toda a dinâmica do processo histórico geral.

Nesse sentido, o “método dialético” se apresenta como uma forma de verificarmos

através de seus conceitos a totalidade da dinâmica histórica. Para melhor entendermos essa

metodologia, acreditamos ser prudente desenvolver um diálogo com o autor Leandro

Konder.

De acordo com Konder, o conceito primeiro de dialética pode assim ser

caracterizado: “Dialética era, na Grécia antiga, a arte do diálogo. Aos poucos, passou a ser

a arte de, no diálogo, demonstrar uma tese por meio de uma argumentação capaz de definir

e distinguir os conceitos envolvidos na discussão”13

.

Portanto, o conceito de “dialética” pode ser verificado como método que utiliza o

diálogo, como fundamento básico. Porém, no decorrer de sua história como método de

análise, a dialética vem sofrendo alterações, como toda a dinâmica do pensamento humano.

No contexto do surgimento da Era Moderna, a dialética ganhou um novo caráter. De

acordo com Konder, “Na acepção moderna, [...] dialética significa outra coisa: é o modo de

pensarmos as contradições da realidade, o modo de compreendermos a realidade como

essencialmente contraditória e em permanente transformação”14

.

Nessa perspectiva, podemos verificar uma adaptação no pensamento dialético. No

seu conceito primeiro, apresenta-se como arte do diálogo. Com o decorrer da evolução

científica, torna-se a arte de verificar as contradições. Esse modo de pensar a dialética se

apresenta fruto de uma modernidade que estabeleceu essa relação entre os grupos sociais.

Na acepção de Karl Marx, a dialética verificou cientificamente as relações de

produção existentes no decorrer da história da Humanidade.

Conforme esse pensamento, Marx verificou ser a História o processo da “luta de

classes”. Ou seja, o motor da história é a “luta pelo poder”, ou combate pela hegemonia

social. É o processo de totalização da “luta de classes” que move a História para Marx.

13

KONDER, Leandro. O que é dialética. 11 ed. São Paulo: Brasiliense, 1985. 14

KONDER, Leandro. O que é dialética, op. cit., p. 8

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20

Konder nos estabelece as características da dialética marxista dessa maneira: “Para a

dialética marxista, o conhecimento é totalizante e a atividade humana, em geral, é um

processo de totalização, que nunca alcança uma etapa definida e acabada”15

.

Nesse sentido, o objeto de estudo deve ser verificado em seu contexto global, ou

seja, deve ser inserido no processo de História global.

Assim, para isso ser desenvolvido, é necessário que se estude e desenvolva uma

idéia de contexto geral, contexto nacional, contexto regional e contexto local, para aí

estabelecer a ligação da parte com o todo. O todo é o processo geral, e a parte é o objeto de

estudo. Essa busca é permeada por uma teoria social que identifique o grupo investigado.

Dessa maneira, Konder nos dá a idéia de que qualquer objeto a ser estudado é parte

desse todo. Conforme o autor,

Qualquer objeto que o homem possa perceber ou criar é parte de um todo.

Em cada ação empreendida, o ser humano se defronta, inevitavelmente,

com problemas interligados. Por isso, para encaminhar uma solução para

os problemas, o ser humano precisa ter uma certa visão de conjunto deles:

é a partir da visão de conjunto que a gente pode avaliar a dimensão de

cada elemento do quadro16

.

Desse modo, quando analisamos uma realidade específica, esta se torna total, pois

está inserida no contexto global. Em se tratando de problemas ambientais, isso é regra já

verificada, pois se acontece algum impacto ecológico em uma região específica, isso tem

repercussões e efeitos em escala do equilíbrio da vida como um todo no planeta.

Sabemos que, em se tratando de ecossistemas, “tudo está ligado a tudo”. Desse

modo, a menor ação desenvolvida em uma localidade se torna global porque afeta o

equilíbrio ecológico.

Nesse sentido, verificamos a pertinência do método dialético para verificarmos a

dinâmica das ações humanas sobre o ambiente. Assim, primamos por um conceito de

História mais amplo que abarque o estudo do ambiente histórico, ou seja, o objeto da

História, o ser humano que registra sua ação sobre o meio ambiente. E são essas ações que

queremos verificar, observar, compreender e explicar através do “método de percepção

dialético”.

15

KONDER, Leandro. O que é dialética, op. cit., p. 36. 16

KONDER, Leandro. O que é dialética, op. cit., p. 36.

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21

De acordo com Konder, a dialética como método de percepção científica se exprime

assim: “A síntese é a visão de conjunto que permite ao homem descobrir a estrutura

significativa da realidade com que defronta, numa situação dada. E é essa estrutura

significativa – que a visão de conjunto proporciona – que é chamada de totalidade”17

.

Para estudarmos a totalidade de nosso objeto, encontramos na dialética uma

concepção de interdependência entre a parte e o todo. Pretendemos investigar o todo

partindo de uma visão de abrangência do contexto da formação do modo de vida capitalista

urbano-industrial e seus efeitos ambientais sobre a ecologia.

Nesse sentido, inseriremos e compararemos os exemplos do contexto internacional

da civilização industrial com o exemplo do modo de produzir a sobrevivência da vida na

localidade.

Em Rio Grande, temos um distrito industrial que pode ser comparado a qualquer

distrito industrial do mundo em termos ambientais. Seus impactos são nocivos ao ambiente

natural, e isso verificamos através de bibliografia e fonte jornalística.

Faremos uma analogia com os exemplos internacionais. Observaremos como isso

repercute através das crônicas ecológicas dos militantes da AGAPAN – Rio Grande. Para

isso precisamos desenvolver um quadro global para compararmos com o quadro local.

Logo após essa empreitada, analisaremos os discursos dos militantes ecológicos da

AGAPAN e verificarmos sua pertinência empírica.

Nesse sentido, Konder sugere: “Uma certa compreensão do todo precede a própria

possibilidade de aprofundar o conhecimento das partes”18

.

Ainda citando Konder: “[...] movimento infinitamente rico pelo qual a realidade está

sempre assumindo formas novas, os conceitos com os quais o nosso conhecimento trabalha

precisam ser fluidos”19

.

Desse modo, Konder nos dá a percepção de que os conceitos do “método dialético”

estão sempre em constante evolução. O pensamento dialético é decorrente da idéia de

processo dinâmico, ou seja, como a História se apresenta dinâmica e em andamento, os

conceitos de percepção precisam estar em constante adaptação e mutação.

17

KONDER, Leandro. O que é dialética, op. cit., p. 37. 18

KONDER, Leandro. O que é dialética, op. cit., p. 45. 19

KONDER, Leandro. O que é dialética, op. cit., p. 51-52.

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Conforme Konder: “Marx, [...] materialista, [...], para ele, o processo da realidade só

podia ser encarado como uma totalidade aberta, [...] através de esquemas que não

pretendessem „reduzir‟ a infinita riqueza da realidade ao conhecimento”20

.

Ainda em conformidade com Konder:

A natureza humana, por conseguinte, conforme o conceito que Marx tem

dela, só existe na história, num processo global de transformação, que

abarca todos os seus aspectos. E a história, em seu conjunto, “não é outra

coisa senão uma transformação contínua da natureza humana”21

.

Finalmente, concluímos que precisamos deixar claro que a nossa orientação

dialética se restringe ao que diz respeito ao método científico. Ou seja, nos posicionamos

em conformidade com a ciência histórica, isentando-nos de qualquer ideologia político-

partidário que possa estar vinculada ao conceito de dialética.

Nesse sentido, através da dialética buscamos orientação teórico-metodológica, pois

acreditamos que esse método ainda se faz relevante para a construção do conhecimento

científico.

A partir da dialética visamos a estudar, observar, compreender e explicar a dinâmica

do processo histórico através de conhecimento científico que enfatizamos ser relevante. Os

atuais estudos histórico-ambientais precisam dar retorno à sociedade.

1.5 – Método de análise das fontes históricas

Sabemos que a História, para ser contada cientificamente, precisa das fontes

disponíveis que a fundamentem. Nesse sentido, com a evolução do construir História é que

as fontes foram sendo descobertas e adaptadas. Os historiadores foram ampliando seu foco

de ação, permitindo que diversas fontes fossem acopladas aos estudos da História. Com a

evolução dos objetos do estudo histórico, foi permitido que a imprensa se tornasse uma

fonte histórica. Essa fonte histórica ganhou campo, tornando-se até mesmo uma corrente de

estudo, usando a imprensa como fonte histórica, como em “nosso caso”, a História da

própria imprensa.

20

KONDER, Leandro. O que é dialética, op. cit., p. 51. 21

KONDER, Leandro. O que é dialética, op. cit., p. 53.

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23

A imprensa vem desempenhando papel primordial no decorrer dos períodos

históricos, conforme observa Francisco das Neves Alves:

A evolução histórica da imprensa esteve ligada à constante busca por

informações inerente a grande parte das sociedades, de modo que a

curiosidade pública, a narração dos acontecimentos e as necessidades

burocrático-administrativas dos Estados, entre outros, consistiram em

elementos motores para a criação de sistemas de coleta e propagação de

informações22

.

Dessa maneira, verificamos que a imprensa se apresentava como veículo de

construção de uma identidade cultural, em que as concepções políticas eram socializadas

pelos jornais. Essas manifestações escritas se apresentavam como veículo de diversas

tendências políticas e sócio-econômicas, que arquitetavam e construíam uma identidade

para os fatos históricos. Os fatos eram descritos de acordo com a ideologia predominante

no corpo editorial do jornal e interesses político-econômico, conforme o contexto histórico

e o ambiente histórico de quem detinha o poder da informação e poder financeiro.

Podemos verificar que a imprensa começa a evoluir no mesmo contexto em que a

própria ciência moderna começa a desenvolver seu método científico. A modernidade

“ganha corpo” e precisa de novas formas de expressão, para que as informações sejam

espalhadas e essa forma de pensar o mundo e o novo “modo de vida” possa ser implantada

e disseminada.

Conforme Alves, a imprensa começa a surgir como força de expressão neste

contexto:

[...] as transformações do mundo moderno, com o crescimento da

curiosidade científica e da necessidade de dados informativos, com o

Renascimento; as polêmicas religiosas advindas da Reforma e da Contra-

Reforma; as trocas de informações, com os incrementos das atividades

bancárias e comerciais; os progressos burocráticos e de comunicação que

acompanham a afirmação dos Estados Nacionais; e os avanços

tecnológicos, mormente com a invenção da tipografia, desempenham

significativo papel. Surgiram, desta maneira, ainda nos séculos XVI e

XVII, uma série de folhas volantes impressas, como os libelos, os

pasquins, os almanaques, além das occasionnels francesas, dos Zeitungen

22

ALVES, Francisco das Neves. O discurso político-partidário sul-rio-grandense sob o prisma da imprensa

rio-grandina (1868-1895). Rio Grande: Ed. da FURG, 2002.

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24

alemães e das gazetas italianas, atividades que tiveram uma longa

sobrevivência23

.

Dessa maneira, as atividades que se desenvolveram no sentido jornalístico ainda

eram incipientes e começariam se desenvolver somente lá no século XVIII. Porém essas

manifestações marcaram a gênese de um poderoso veículo de construção do imaginário

popular no decorrer da história. A imprensa propriamente dita, como veículo ideológico,

apareceria depois com o desenvolver das condições históricas que possibilitaram a sua

disseminação, as chamadas “revoluções liberais e industrial”.

De acordo com Alves,

Estavam, assim, reunidas as condições para o aparecimento de uma

imprensa periódica, ocorrendo numerosas tentativas de levar em frente

este tipo de publicação. Porém, foi só ao final do século XVIII e durante a

centúria seguinte que o jornalismo veio a desenvolver-se e atingir sua

fundamental importância na formação da opinião pública, acompanhando

as ondas revolucionárias que demarcaram a história européia e mundial

desse período. Neste sentido, a evolução da imprensa acompanhou os

avanços das revoluções liberais, desenvolvendo-se mais acentuadamente

nos países onde estas primeiras fizeram sentir seus efeitos, notadamente

na Inglaterra, na França e nos Estados Unidos. Esta fase revolucionária

serviu para dar extraordinário impulso às atividades jornalísticas em

diversas partes do mundo ocidental, como na América Latina, onde

tiveram importante participação nos processos de emancipação nacional,

primeiramente na de colonização espanhola, onde as tipografias já se

faziam presentes há um maior tempo, e, mais tarde, na América

Portuguesa. Deste modo, mesmo com notáveis diferenças de país para

país, o jornalismo fez progressos consideráveis nessa época, e, a partir daí,

aperfeiçoando-se constantemente, esteve cada vez mais presente em todos

os setores das sociedades nas quais foi praticada24

.

Assim, podemos perceber que a imprensa está presente em toda a evolução da

modernidade, apresentando-se como veículo formador de imaginário e de opinião. Por isso

os historiadores começaram a dar importância à imprensa como fonte histórica.

Podemos verificar através da imprensa as diversas manifestações ideológicas da

humanidade moderna, podendo até mesmo ser considerada imprescindível na manutenção

do poder e de extrema importância nos processos históricos de disputa pela hegemonia. A

23

ALVES, Francisco das Neves. Discurso político-partidário sul-rio-grandense, op. cit., p. 13. 24

ALVES, Francisco das Neves. Discurso político-partidário sul-rio-grandense, op. cit., p. 14.

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imprensa teve e tem relevante papel, até os dias atuais, na formação da opinião pública. Ela

é um veículo de manipulação e construção do imaginário de massa.

Sendo um veículo informativo de massa, podemos portanto verificar a concepção de

uma época através da imprensa. E por isso os historiadores deram importância à imprensa

como fonte histórica e objeto de análise.

Conforme Alves,

Como meio de comunicação [...] na difusão de informações e opiniões,

[...], a imprensa escrita teve um papel significativo na formação dos

hábitos, dos gostos, das atitudes, dos desejos e, enfim, da opinião pública,

de modo a constituir-se num “instrumento de manipulação de interesses e

intervenção na vida social”, proporcionando estudos nos quais ela pode

atuar “como agente da história”, permitindo “captar o movimento vivo das

idéias e personagens que circulam pelas páginas dos jornais”. Esta

valorização do jornalismo como instrumento para as pesquisas históricas

levou os historiadores a enfrentar e sobrepujar uma série de obstáculos

intrínsecos á utilização desse tipo de documentação, como a falta de

coleções completas, mormente quando se trata da pequena imprensa, da

qual os exemplares remanescentes são de número extremamente reduzido;

os problemas de conservação material das fontes; a carência de

informações complementares nos documentos oficiais, e “uma

mediocridade geral dos arquivos de empresas que permitiram descrever a

instituição do jornal, suas finanças, seus métodos de recrutamento e suas

ligações cotidianas com diferentes poderes”25

.

Verificamos, assim, que os jornais representam, além de fonte histórica, um agente

histórico, e bastante atuante, é construtor de cultura e que permeia os imaginários. Nesse

sentido, a valorização do jornal como fonte histórica é relevante, pois permite ao

historiador ter disponível uma seqüência do quotidiano. A partir desse cotidiano é que o

historiador verificará os movimentos diários da História.

No quotidiano que é construída a evolução dos grandes eventos. A imprensa torna-

se, então, primordial para o reconstruir da história. Dessa maneira, verificamos que quem

detém os meios de comunicação detém o poder e constrói a história diariamente aceita.

Diz Guareschi: “„A comunicação constrói a realidade‟. [...] Quem detém a

comunicação constrói uma realidade de acordo com seus interesses, justamente para poder

garantir o poder”26

.

25

ALVES, Francisco das Neves. Discurso político-partidário sul-rio-grandense, op. cit., p. 14. 26

GUARESCHI, Pedrinho A. Sociologia crítica: alternativas de mudança. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2001.

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Nesse sentido, comunicação e poder andam sempre juntos. Dessa maneira, os

jornais representam em uma sociedade a construção de pensamento e costumes ligados a

grupos de interesses ideológicos. Por outro lado, os jornais podem ser tomados como

veículos de manifestações contrárias ao poder vigente, caracterizando-se como “imprensa

subversiva”. Esse tipo de imprensa também foi bastante atuante no decorrer principalmente

do século XIX e século XX. Representava associações de trabalhadores que questionavam

o modo de produção e o poder vigente.

A partir da década de 1930, no Rio Grande do Sul, surge uma militância escrita

através dos jornais, que era permeada pelos anseios ecológicos. Essa militância se

desenvolveu no decorrer do século XX, dando origem a um novo tipo de ativismo político-

social.

A partir da atuação de Henrique Luís Roessler, começou a desenvolver-se uma

corrente de cronistas ecológicos que questionam através da imprensa o modo de vida atual

“ambientalmente incorreto”, segundo essa vertente de pensamento, como verificamos

através de suas manifestações jornalísticas.

De acordo com Alves, “Nos jornais, [...] esses conflitos encontram seu espaço de

propagação, chegando o jornalismo a servir como elo de ligação ou agente de combate

entre diferentes tendências político-ideológicas”27

.

Nesse sentido, verificamos que, os jornais representam um veículo dos anseios de

informação da humanidade como um todo. Essa representação da humanidade se expressa

literariamente pelos jornais, trazendo à luz seus preceitos e aspirações.

As manifestações jornalísticas representam os mais variados projetos ideológicos de

cultura e de sociedade. É uma vanguarda jornalística que permeia essa construção de

cultura. Essa vanguarda atua sob influência de um projeto social, seja ele qual for.

Dessa maneira, o jornal como fonte histórica é de extrema relevância. De acordo

com Francisco das Neves Alves,

o jornal “é quase sempre uma mistura do imparcial e do tendencioso, do

certo e do falso”, de maneira que seu texto deve ser interpretado além do

sentido literal, pois as informações nele contidas constituem-se em

verdadeiro “magma que tende a ser por vezes complexo, heterogêneo,

acontecível e vivo”. Desta forma, o periódico representa o “construtor e

27

ALVES, Francisco das Neves. Discurso político-partidário sul-rio-grandense, op. cit., p. 15-16.

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organizador de uma verdade”, uma vez que “seus redatores acreditam na

palavra no sentido de „poder‟ e de obtenção de efeitos através da mesma”,

criando aquela verdade a partir de suas visões de mundo. Assim, torna-se

necessário “trazer à luz os centros de interesse do jornal e a evolução

desses centros de interesse”, buscando revelar os “valores explícita ou

implicitamente expressos” no mesmo, pois “a sinceridade dos jornais

mede-se, a priori, tanto pelas omissões quanto pelo destaque

deliberadamente concedido às notícias escolhidas”. Nesta linha, as

próprias tendências, distorções, distinções e/ou omissões marcantes nos

pronunciamentos de grande parte dos jornais também se constituem em

elementos para a análise histórica, uma vez que demonstram as formas

pelas quais os responsáveis pelos periódicos buscam estruturar (ou

desestruturar) os acontecimentos de uma dada realidade, atuando assim na

elaboração de uma construção discursiva28

.

Dessa maneira, é prudente para a pesquisa histórica, quando for analisar um

discurso dos jornais, verificar os acontecimentos do contexto, a linha teórica que permeia

os textos desses jornais, e depois analisar os discursos minuciosamente, para verificar suas

contradições, caso ocorram. Nesse sentido, os discursos a partir dos jornais se tornam

construtores de uma “história oficial” de uma verdade histórica, se forem a favor da

manutenção do status quo.

Uma vez que os meios de comunicação são formadores de opinião, o que ali está

noticiado torna-se verdade, porém através dos aparatos da História precisamos filtrar esses

discursos, para podermos concluir algo a respeito de dado assunto escolhido. Nesse

momento entra em cena o aparato teórico metodológico utilizado pelo pesquisador, que

deve ser extremamente crítico e minucioso para poder entender os discursos nas

entrelinhas.

De acordo com Alves,

o discurso tende a constituir-se num elemento que reflete as diversas

características de uma dada sociedade, pois, mesmo que não se pretenda

que todo discurso seja “como um aerólito miraculoso, independente das

redes de memórias e dos trajetos sociais nos quais ele irrompe”, é

necessário sublinhar que só por sua existência, todo discurso marca a

possibilidade de uma desestruturação-restauração dessas redes e trajetos,

ou seja, “todo discurso emitido pelos jornais, por si só, não é histórico”, e,

“pelo contrário, trata-se, antes, de relacionar texto e contexto”, buscando-

se “os nexos entre as idéias contidas nos discursos, as formas pelas quais

28

ALVES, Francisco das Neves. Discurso político-partidário sul-rio-grandense, op. cit., p. 18-19.

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28

elas se exprimem e o conjunto de determinações extratextuais que

presidem a produção, a circulação e o consumo dos discursos”29

.

Desse modo, entendemos que o discurso é fruto de um contexto histórico e um

ambiente histórico ímpar. Ou seja, esse discurso é proporcionado pelas aspirações de um

grupo que almeja o poder e que se faz presenciar através de retórica ou manifestações

textuais que dão o embasamento teórico a um movimento ou projeto social. Entretanto, os

discursos jornalísticos representam uma vanguarda específica que visa a permear o

imaginário e se inserir como verdade.

Assim, as informações podem servir como armas para persuadir e granjear adeptos

ao que se está construindo como verdade. Os historiadores precisam tomar cuidado nesse

aspecto e desenvolver a sensibilidade de captar a idéia que está por detrás dessas

manifestações discursivas.

Conforme Alves,

Para a interpretação da construção discursiva jornalística, torna-se

necessário, assim, o estudo da “dimensão da exterioridade” na elaboração

desse discurso, colocando-se “em evidência o problema das condições de

produção como quadro de informação prévio e necessário a uma

observação interna de cada realidade discursiva”. Esta preocupação com o

ambiente no qual foi produzido o discurso deve-se ao fato de que a prática

discursiva por parte da imprensa não é “um objeto concreto oferecido à

instituição e sim o resultado de uma construção” condicionada pelo

contexto histórico no qual foi elaborada, de modo que a leitura de um

determinado jornal “não é possível e/ou razoável em si, mas em relação às

suas histórias”, não se constituindo seu texto em algo “fechado em si

mesmo e auto-suficiente”. Desta maneira, as condições de produção de

um discurso jornalístico remetem à análise do global de uma sociedade,

permitindo entender o mesmo como “fruto de uma ideologia e um

instrumento de ideologização – como criador de seus próprios

destinatários, como realizador de um trabalho de constituição de uma

nova realidade aos agentes sociais”. A partir deste cuidadoso estudo da

inter-relação entre produção discursiva e o meio histórico no qual ela foi

entabulada e da manifesta historicidade do discurso da imprensa, pode-se

proceder à reconstrução de uma realidade a respeito dos mais variados

elementos constitutivos de uma determinada sociedade, num dado

momento histórico30

.

Concluímos, finalizando conforme o que diz Cardoso:

29

ALVES, Francisco das Neves. Discurso político-partidário sul-rio-grandense, op. cit., p. 19-20. 30

ALVES, Francisco das Neves. Discurso político-partidário sul-rio-grandense, op. cit., p. 20.

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[...] os textos não são tratados apenas em seus conteúdos ou enunciados,

mas também mediante métodos lingüísticos de análise de discurso [para

os historiadores análise histórica da construção discursiva31

], da

enunciação, com apoio em alguma teoria das classes e das ideologias

sociais. [...] procura-se determinar em que condições sócio-históricas a

produção do texto pôde ocorrer32

.

Portanto, concluímos que a imprensa deve ser estudada como fonte histórica sempre

ficando alerta às possíveis interpretações desenvolvidas acerca de uma dada época

histórica. A imprensa reflete seu contexto de forma parcial, pois os jornais são construtores

de verdades.

Se um fato deixa de ser noticiado, para a maioria das pessoas aquele fato deixou de

existir. Torna-se manipulação de massa, e é nesta manipulação que devemos ficar atentos

quando for desenvolver um estudo histórico tomando como fonte os jornais.

Nesse sentido, sendo a nossa fonte de pesquisa o jornal Agora, pretendemos

verificar: Qual discurso é proposto por esse meio circulante de informações? Quais os

objetivos e anseios acerca das Crônicas Ecológicas? Qual o discurso dos militantes

ecológicos da AGAPAN nas páginas do Jornal Agora? Aceitando os conselhos

metodológicos de Alves em sua obra, pretendemos analisar o contexto histórico e o

ambiente histórico em que se desenvolveu o discurso militante ecológico dos membros da

AGAPAN. Finalmente, nesse sentido, acreditamos ser prudente analisar o contexto geral,

do Brasil, do Rio Grande do Sul e do Rio Grande e inserir na referência discursiva as

Crônicas Ecológicas da AGAPAN – Núcleo de Rio Grande.

2 – O CONTEXTO HISTÓRICO

2.1 – A história da idéia de natureza nas civilizações humanas

Para podermos desenvolver a construção de um conceito de “modo de vida

capitalista”, precisamos primeiro mostrar como as sociedades pré-capitalistas observavam e

31

Método utilizado por Francisco das Neves Alves e reutilizado neste trabalho. 32

CARDOSO, Ciro Flamarion S. Uma Introdução à História, op. cit., p. 54.

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identificavam a natureza. Nesse sentido, verificamos ser prudente observar a “evolução” do

conceito de “natureza” nas sociedades antigas e medievais que influenciaram a sociedade

ocidental moderna e contemporânea.

No decorrer da pré-história, o homem esteve intimamente ligado com a natureza.

Com o advento das civilizações, saiu dessa natureza e criou seu próprio ambiente. Desse

modo, o ser humano que vivia no ambiente natural passou, por volta dos anos 4000 a. C.

aproximadamente, a construir o meio ambiente cultural.

Veremos essa afirmativa na obra de Carlos Walter Porto Gonçalves: “[...] a separação

homem-natureza (cultura-natureza, história-natureza) é uma característica marcante do

pensamento que tem dominado o chamado mundo ocidental, cuja matriz filosófica se encontra

na Grécia e Roma Clássicas”33

.

Observamos que o pensamento que coloca em oposição homem/natureza é herança

da forma de conceber o mundo das civilizações clássicas. Porém, o ocidente já tivera

expressado outras formas de pensar a natureza, conforme Gonçalves:

No ocidente, já houve época em que o modo de pensar a natureza foi

radicalmente diferente do que tem dominado nas épocas moderna e

contemporânea, muito embora possamos encontrar na Idade Média e entre

filósofos do período clássico grego essa mesma visão dicotomizada,

parcelada, oposta, entre homem e natureza34

.

Ainda conforme citação de Gerd Bornheim (apud Gonçalves):

Em nossos dias, a natureza se contrapõe ao psíquico, ao anímico, ao

espiritual, qualquer que seja o sentido que se empreste a esta palavra. Mas

para os gregos, mesmo do período pré-socrático, o psíquico também

pertence à physis. [...] Os deuses gregos não são entidades sobrenaturais,

pois são compreendidos como parte integrante da natureza35

.

Desse modo, verificamos que o modo de ver o mundo dos gregos do período pré-

socrático se direcionava a uma “divinização da natureza”. Os deuses gregos eram

personificações dos elementos naturais. Exemplos: Posseidon, deus do mar; Hades, deus do

mundo subterrâneo, e Deméter, deusa da germinação e da colheita. Os gregos antigos

33

GONÇALVES, Carlos Walter Porto. Os descaminhos do meio ambiente. 4 ed. São Paulo: Contexto, 1993. 34

GONÇALVES, Carlos Walter Porto. Os descaminhos do meio ambiente, op. cit., p. 28-29. 35

GONÇALVES, Carlos Walter Porto. Os descaminhos do meio ambiente, op. cit., p. 29.

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31

personificavam tudo à sua volta, designando nomes e identidades aos elementos naturais.

Podemos verificar essa característica em outras culturas do mundo antigo, como os assírio-

babilônicos, os romanos e os egípcios. Nesse sentido, verificamos como os antigos

percebiam a natureza. Para eles, a natureza, physis, “era o que era” em sua essência, e era

vida como um todo interligado.

Conforme Gonçalves, verificamos que para os “antigos gregos” a natureza, ou seja,

a physis, era assim concebida:

A physis é a totalidade de o que é. Ela pode ser apreendida em tudo o que

acontece: na aurora, no crescimento das plantas, no nascimento de

animais e homens. [...] a physis não designa principalmente aquilo que

nós, hoje, compreendemos por natureza, estendendo-se, secundariamente

ao extranatural. [...]. À physis pertencem o céu e a terra, a pedra, a planta,

o animal e o homem, o acontecer humano como obra do homem e dos

deuses e, sobretudo, pertencem à physis os próprios deuses36

.

Verificamos, assim, que os gregos e outras civilizações antigas concebiam a

natureza como um sistema interligado, ou seja, como um imenso todo. “Tudo está ligado a

tudo”. O mundo material é ligado ao mundo energético, como expressão de um todo em si

mesmo.

Em contraponto a essa idéia e ótica acerca da natureza, Gonçalves assim nos expõe

a ruptura desse pensamento:

É com Platão e Aristóteles que se começa a assistir a um certo desprezo

“pelas pedras e plantas” e a um privilegiamento do homem da idéia. [...]

Três questões então aqui se colocam. A primeira [...] desqualificação dos

pensadores anteriores como expressando um pensamento mítico e não

filosófico [...]. Em segundo lugar, [...] com esse processo se inicia uma

mudança no conceito de physis, de natureza, que se afirmará até atingir

contemporaneamente esta concepção de natureza desumanizada e desta

natureza não-humana37

.

Desse modo, observamos que ocorreu, a partir do pensamento aristotélico-platônico,

uma modificação no modo de conceber a natureza. Nesse momento, são lançadas as bases

do pensamento contemporâneo no ocidente. Esse pensamento adquiriu “corpo” no modo de

conceber a história judaico-cristã. De acordo com Gonçalves,

36

GONÇALVES, Carlos Walter Porto. Os descaminhos do meio ambiente, op. cit., p. 30. 37

GONÇALVES, Carlos Walter Porto. Os descaminhos do meio ambiente, op. cit., p. 31.

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32

[...] foi sobretudo com a influência judaico-cristã que a oposição homem-

natureza e espírito-matéria adquiriu maior dimensão. [...] “Deus criou o

homem a sua imagem e semelhança”. [...]. O homem é, assim, dotado de

um privilégio. Com o cristianismo no Ocidente, Deus sobe aos céus e, de

fora, passa a agir sobre o mundo imperfeito do dia-a-dia dos mortais. A

assimilação aristotélico-platônica que o cristianismo fará em toda a Idade

Média levará à cristalização da separação entre espírito e matéria38

.

Dessa maneira, vimos à ruptura entre homem-natureza no pensamento da

humanidade ocidental. Foi no decorrer da Idade Média que isso se constituiu como verdade

e se tornou predominante. Nesse momento, o ser humano torna-se o centro dessa natureza

que é concebida secundariamente e utilizada para os anseios e necessidades humanas.

Afinal, “o homem torna-se aqui imagem e semelhança de Deus”. Com a inserção desse

pensamento, verificamos uma nova forma de ver a natureza, que se consolidara com o

pensamento de René Descartes. “É com Descartes [...] que essa oposição homem-natureza,

espírito-matéria, sujeito-objeto se tornará mais completa, constituindo-se no centro do

pensamento moderno e contemporâneo”39

.

A partir daqui, temos as condições de pensamento que levaram a humanidade a um

mundo industrializado.

O desprezo pelas coisas materiais da Idade Média começa a ganhar, a partir

dos séculos XVI, XVII e XVIII, um sentido positivo, na medida em que

encontrar uma outra prática onde poderíamos empregá-los da mesma maneira

em todos os usos para os quais são próprios [...]. O antropocentrismo e o

sentido pragmático-utilitarista do pensamento cartesiano não podem ser

vistos desvinculados do mercantilismo [...], com o colonialismo, senhor

possuidor de todo o mundo. [...]. O antropocentrismo consagrará a capacidade

humana de dominar a natureza40

.

Observamos, a partir de tal citação, que o pensamento ocidental não via mais a

natureza como algo maculado. Nesse momento, compreendemos que o pensamento

humano percebia a natureza como passível de manipulação e utilização das necessidades

humanas.

38

GONÇALVES, Carlos Walter Porto. Os descaminhos do meio ambiente, op. cit., p. 32. 39

GONÇALVES, Carlos Walter Porto. Os descaminhos do meio ambiente, op. cit., p. 33. 40

GONÇALVES, Carlos Walter Porto. Os descaminhos do meio ambiente, op. cit., p. 34.

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33

Intensificam-se as expansões marítimas em busca de novas matérias-primas e

mercados consumidores. Incentiva-se a transição para o desenvolvimento da produção para

suprir os mercados em expansão. O pensamento mercantilista começa a conceber a

natureza como sendo algo útil para a concentração de riquezas. Não mais, nesse momento,

enxergavam vida na natureza, e sim matérias-primas a serem exploradas e bens a serem

acumulados. Há uma ruptura definitiva com a forma antiga de modo de vida e de perceber

o mundo.

De acordo com Gonçalves,

Com a instituição do capitalismo essa tendência será levada às últimas

conseqüências. O Iluminismo, no século XVIII, como que antecipando

esse desfecho se encarregará de limpar a filosofia renascentista de seus

traços religiosos medievalistas41

.

O século XIX será o do triunfo desse mundo pragmático, com a ciência e

a técnica adquirindo, como nunca, um significado central na vida dos

homens. A natureza, cada vez mais um objeto a ser possuído e dominado,

é agora subdividida em Física, Química, Biologia. O homem, em

Economia, Sociologia, Antropologia, História, Psicologia, etc.42

Essas condições proporcionaram o desenvolvimento da Revolução Industrial

inglesa. A Inglaterra reuniu as condições necessárias para o surgimento da indústria de

grande porte, e desenvolveu um novo modo de vida, o urbano-industrial.

Gonçalves explicita algumas inovações que deram maior dinamização à formação

do complexo industrial capitalista inglês:

A divisão social e técnica do trabalho faz parte do mundo concreto dos

homens, e não pensar de modo fragmentado, dicotomizado, passa a ser

mais característico daqueles que pertencem ter perdido o sentido de

realidade...43

A idéia de uma natureza objetiva e exterior ao homem, o que pressupõe

uma idéia de homem não-natural e fora da natureza, cristaliza-se com a

civilização industrial inaugurada pelo capitalismo44

.

41

GONÇALVES, Carlos Walter Porto. Os descaminhos do meio ambiente, op. cit., p. 34. 42

GONÇALVES, Carlos Walter Porto. Os descaminhos do meio ambiente, op. cit., p. 34. 43

GONÇALVES, Carlos Walter Porto. Os descaminhos do meio ambiente, op. cit., p. 35. 44

GONÇALVES, Carlos Walter Porto. Os descaminhos do meio ambiente, op. cit., p. 35.

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34

Portanto, em contraponto ao modo de vida instituído em todo o mundo pela forma

de produção do capitalismo urbano-industrial, os modos de vida das civilizações da

Antigüidade e da Idade Média não estavam preocupados com o desenvolvimento das forças

produtivas.

As civilizações do passado desenvolveram modos de ver a natureza que delimitaram

alguns limites quanto os seus anseios e transformação do ambiente. Permeados pelos ciclos

da natureza, organizavam sua forma de produção e seu modo de vida. Podemos citar como

exemplos: o Egito Antigo, China Antiga, Mesopotâmia e a Meso-América, que

demarcavam seus ciclos de produção conforme as estações do ano e os ciclos astronômicos.

2.2 – Inserção do modo de vida urbano-industrial no Ocidente

A Revolução Industrial significou uma ruptura no modo de vida, que ocasionou

transformações no meio ambiente natural, no meio ambiente cultural e no modo de pensar e

até hoje repercute na história da humanidade. Foi a partir dela que o padrão de vida e a

ótica humana começaram a ser modificados, com a inserção de uma sociedade materialista,

urbana e industrial. A partir da ruptura com a sociedade e o modo de vida feudal e com a

ascensão do modo de produção capitalista no ocidente, a vida passou a ser mais dinâmica.

Desse modo, as formas de produzir os bens foram sendo modificadas e

transformadas para desenvolverem suas tarefas mais rápidas e suprir as demandas das

necessidades humanas e da acumulação de riquezas. Nesse sentido, o surgimento das

máquinas significou a substituição da energia humana pela energia motriz.

Criou-se, a partir disso, as condições para que a produção de bens fosse mais

acelerada e abriu-se a possibilidade para a expansão dos mercados e do próprio modo de

vida capitalista. Nesse sentido, o modo pragmático-utilitarista de ver a natureza substituiu o

modo mitológico e metafísico.

Porém, toda essa expressão da “evolução” humana teve suas contradições, tanto

sociais como ambientais, como observamos a partir de bibliografia estudada para

desenvolver este capítulo.

Contribuindo ao debate, citamos Eric Hobsbawm, historiador britânico “marxista”,

que aborda a dita “revolução dupla”. Através desse autor, caracterizamos o ambiente

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35

histórico em que se desenvolveu a Revolução Industrial e seu processo de formação no

tempo histórico. Hobsbawm assim caracteriza o surgimento da civilização industrial:

[...] a transformação rápida, fundamental e qualitativa que se deu por volta

da década de 1780. [...] a revolução industrial não foi um episódio com

um princípio e um fim [...], pois a sua essência foi a de que a mudança

revolucionária se tornou norma desde então45

.

Ela ainda prossegue; quando muito podemos perguntar quando as

transformações econômicas substancialmente industrializada, capaz de

produzir, em termos amplos, tudo que desejasse dentro dos limites da

técnica disponíveis, uma “economia industrial amadurecida” [...]46

.

Verificamos com Hobsbawm a mudança qualitativa na sociedade da Europa dos

séculos XVIII e XIX. Essa “evolução material”, permeada pelo “avanço tecnológico”,

transformou, sócio-ambientalmente, a civilização européia.

Basicamente, a Revolução Industrial significou a transformação do modo de

produzir e da sociedade como um todo. Dessa maneira, dentro do período de 1760 até 1850

a Revolução Industrial na Inglaterra foi a substituição das ferramentas pelas máquinas, da

energia humana pela energia motriz, configurando-se assim a produção de bens de

consumo.

Nesse sentido, o modo de produção, que tinha características domésticas, passa a ser

um modo de produção fabril. Hobsbawm diz que: “[...] começou com a „partida‟ na década

de 1780, pode-se dizer com certa acuidade que terminou com a construção das ferrovias e

da indústria pesada na Grã-Bretanha na década de 1840”47

.

Assim, observamos o primeiro período da industrialização capitalista no Ocidente,

entre os anos de 1760 e 1850, predominando a produção de bens de consumo, produtos

têxteis e energia a vapor. Podemos verificar que em 90 anos a Revolução Industrial

repercutiu em transformações sociais e ambientais.

Hobsbawm explica o estímulo a uma economia industrializada:

[...] a dianteira no crescimento industrial foi tomada por fabricantes de

mercadorias de consumo de massa – principalmente, mas não

45

HOBSBAWM, Eric J. A era das revoluções: Europa 1789-1848. Tradução de Maria Tereza Lopes Teixeira

e Marcos Penchel. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1977. 46

HOBSBAWM, Eric J. A era das revoluções, op. cit., p. 51. 47

HOBSBAWM, Eric J. A era das revoluções, op. cit., p. 51.

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36

exclusivamente, produtos têxteis – porque o mercado para tais

mercadorias já existia e os homens de negócios podiam ver claramente

suas possibilidades de expansão48

.

Em contraponto ao crescimento industrial, verificamos algumas distorções sociais

no ambiente histórico analisado:

Suas mais sérias conseqüências foram sociais: a transição da nova

economia criou a miséria e o descontentamento, os ingredientes da

revolução social. E, de fato, a revolução social eclodiu na forma de

levantes espontâneos dos trabalhadores da indústria e das populações

pobres das cidades, produzindo as revoluções de 1848 no continente e os

amplos movimentos cartistas na Grã-Bretanha49

.

Cabe aqui uma observação. Verificamos ser uma norma histórica o crescimento

industrial desenvolver distorções sócio-ambientais. Essas distorções eram ocasionadas pela

produção industrial, pressionada por um mercado em expansão. Por conseguinte, a

crescente mecanização traria benefícios aos capitalistas, que visavam ao lucro através da

produtividade, mas trazia malefícios ao ambiente por uma produtividade condicionada pelo

meio ambiente natural, que naquele momento já sofria os impactos da industrialização.

A indústria estava assim sob uma enorme pressão para que se mecanizasse

[...], racionalizasse e aumentasse a produção e as vendas, compensando

com uma massa de pequenos lucros por unidade a queda nas margens [...],

o crescimento real da produção e das exportações foi gigantesco; bem

como, depois de 1815, a mecanização das ocupações até então manuais ou

parcialmente mecanizadas, notadamente a tecelagem. Isto tomou a forma

principalmente de uma adoção geral da maquinaria já existente ou

ligeiramente melhorada, ao invés de uma evolução tecnológica

adicional50

.

Nesse sentido, a Inglaterra passava da forma de produção manufatureira para a

maquinofatureira.

O rápido crescimento das cidades e dos agrupamentos não-agrícolas na

Grã-Bretanha tinha há muito tempo estimulado naturalmente a agricultura,

[...]. Essa mudança agrícola tinha precedido a revolução industrial e

tornou possível os primeiros estágios de rápidos aumentos populacionais,

e o ímpeto naturalmente continuou [...]. Em termos de tecnologia e de

48

HOBSBAWM, Eric J. A era das revoluções, op. cit., p. 57. 49

HOBSBAWM, Eric J. A era das revoluções, op. cit., p. 64. 50

HOBSBAWM, Eric J. A era das revoluções, op. cit., p. 69.

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37

investimento de capital,[...] as mudanças de nosso período em que se pode

dizer que a ciência e a engenharia agrícolas atingiram a maturidade. O

vasto aumento na produção, que capacitou as atividades agrícolas

britânicas na década de 1830 a fornecer 98% dos cereais consumidos por

uma população duas vezes maior que a de meados do século XVIII, foi

obtido pela adoção geral de métodos descobertos no início do século

XVIII, pela racionalização e pela expansão da área cultivada51

.

Nesse sentido, a agricultura estava voltada para o crescimento urbano-industrial.

Ainda conforme Hobsbawm,

Em termos de produtividade econômica, esta transformação social foi um imenso

sucesso; em termos de sofrimento humano, uma tragédia, aprofundada pela

depressão agrícola depois de 1815, que reduziu os camponeses pobres a uma massa

destituída e desmoralizada. [...]. Mas do ponto de vista da industrialização, esses

efeitos também eram desejáveis; pois uma economia industrial necessita de mão-de-

obra [...]. A população rural doméstica ou estrangeira [...] era a fonte mais óbvia,

suplementada pela mistura de pequenos produtores e trabalhadores pobres52

.

Com as sucessivas transformações, a indústria buscou sua mão-de-obra nas

populações provindas do campo. A partir do crescimento demográfico, verificamos o

surgimento de um proletariado urbano-industrial que se inseriu ao novo modo de vida.

A Revolução Industrial trouxe grandes transformações sociais no que diz respeito à

oposição proveniente do contraste entre capitalistas (donos do meio-de-produção) e os

proletários (ou operariado urbano-industrial, donos da força-de-trabalho). Essa dinâmica

provocou grande desenvolvimento urbano, excedente de produção, em contraponto às

distorções sociais e os impactos ambientais ocasionados pela expansão industrial.

Podemos verificar essas características do crescimento industrial, concluindo nosso

argumento com uma passagem de Hobsbawm, que diz assim:

Deste modo bastante empírico, não planificado e acidental, construiu-se a

primeira economia industrial de vulto [...]. em 1848, ela era monumental,

embora também chocasse bastante, pois suas novas cidades eram mais

feias e seu proletariado mais pobre do que em outros países. A atmosfera

envolta em neblina e saturada de fumaça, na qual as pálidas massas

operárias se movimentavam, perturbava o visitante estrangeiro. Mas essa

economia utilizava a força de um milhão de cavalos em suas máquinas a

vapor, produzia 2 milhões de jardas [...] de tecido de algodão por ano em

mais de 17 milhões de fusos mecânicos, recolhia quase 50 milhões de

51

HOBSBAWM, Eric J. A era das revoluções, op. cit., p. 77. 52

HOBSBAWM, Eric J. A era das revoluções, op. cit., p. 78.

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38

toneladas de carvão, importava e exportava 170 milhões de libras

esterlinas em mercadorias em um só ano. [...]. Era, de fato, a “oficina do

mundo”53

.

Nada poderia detê-la. Os deuses e os reis do passado eram impotentes

diante dos homens de negócios e das máquinas a vapor do presente54

.

Portanto, a partir de tais evidências, podemos observar o desenvolvimento de um

novo modo de vida, ou seja, a sociedade urbano-industrial. A expansão industrial inglesa se

tornou um marco histórico-ecológico. As distorções sociais e os impactos ambientais

ocasionados pela indústria são abordados na obra de Eric Hobsbawm, que analisa as

condições do ambiente histórico, as lutas sociais, e explica como foi o surgimento e

evolução da civilização urbano-industrial-capitalista.

Esse modelo de sociedade, no decorrer do tempo histórico, acaba por se expandir no

território da Europa, América e Ásia.

2.3 – A mundialização do modo de vida capitalista urbano industrial

Entre os anos de 1850 e 1900, a Revolução Industrial se expandiu como modo de

vida em diversas sociedades, tais como a européia, a asiática e a americana. Podemos

verificar alguns exemplos: França, Alemanha, Bélgica, Estados Unidos, Itália, Japão e

Rússia. Essa expansão industrial foi ocasionada, no fim do segundo cinqüentenário do

século XIX, por uma crise agrícola de grande vulto, que desencadeou a queda do Antigo

Regime.

Conforme Hobsbawm,

A crise econômica que ateou fogo a tamanha parte da Europa em 1846-48

[...] uma depressão do velho estilo, predominantemente agrária. Foi de

certa forma a última, e talvez a pior, catástrofe econômica do Ancien-

Régime55

.

Dessa maneira, o novo modo de vida surgiu, pioneiramente, em terras britânicas. A

civilização urbano-industrial começava a se expandir nas frestas de uma sociedade rural-

53

HOBSBAWM, Eric J. A era das revoluções, op. cit., p. 82. 54

HOBSBAWM, Eric J. A era das revoluções, op. cit., p. 82. 55

HOBSBAWM, Eric J. A era das revoluções, op. cit., p. 236.

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39

agrícola de produção ainda pouco dinâmica. O Estado Absolutista, permeado pelas políticas

mercantilistas, ainda via-se influenciado pela lógica do acúmulo de metais preciosos,

esquecendo-se da “evolução” material e da produção de bens para a sociedade.

Em contrapartida da crise do Antigo Regime, a indústria mostrou-se como uma

possibilidade de desenvolvimento econômico. Desse modo, começou a ser incentivada a

industrialização de várias regiões do globo terrestre. Segundo Hobsbawm, as mudanças

estavam acontecendo de forma gradual, e isso possibilitou criar-se um ambiente histórico

propicio de uma segunda etapa da revolução industrial.

Hobsbawm mostra uma das características fundamentais para que se criasse um

ambiente propício à implantação da indústria em um território potencialmente produtivo:

[...] não é que, por padrões posteriores, suas mudanças econômicas fossem

pequenas, mas sim que as mudanças fundamentais estavam claramente

acontecendo. A primeira destas mudanças foi demográfica. A população

mundial – e em especial a população do mundo dentro da órbita da

revolução dupla – tinha iniciado uma “explosão” sem precedentes, que

tem multiplicado seu número no curso dos últimos 150 anos56

.

Verificamos na passagem acima, que ocorria crescente êxodo rural, em busca de

trabalho nas cidades, que ocasionou uma explosão demográfica. Hobsbawm assim comenta

esse fenômeno:

A população dos EUA (aumentada pela imigração, encorajada pelos

ilimitados recursos e espaços de um continente) aumentou quase seis

vezes de 1790 a 1850, ou seja, de 4 para 23 milhões de habitantes. A

população do Reino Unido quase duplicou entre 1800 e 1850, quase

triplicou entre 1750 e 1850. A população da Prússia (considerando as

fronteiras de 1846) quase duplicou entre 1800 e 1846, o mesmo

acontecendo na Rússia européia (sem a Finlândia). As populações da

Noruega, da Dinamarca, da Suécia, da Holanda e grandes partes da Itália

quase duplicaram entre 1750 e 1850, mas cresceram a uma taxa menos

extraordinária durante nosso período; as da Espanha e Portugal

aumentaram em 1/357

.

Nesse sentido, verificamos as crescentes levas migratórias que proporcionaram a

fundamentação de um mercado de trabalho com abundante oferta de mão-de-obra. Isso

possibilitou aos capitalistas estabelecerem um panorama favorável à industrialização e, em

56

HOBSBAWM, Eric J. A era das revoluções, op. cit., p. 237. 57

HOBSBAWM, Eric J. A era das revoluções, op. cit., p. 237.

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40

conseqüência, à lucratividade. Quanto mais oferta de mão-de-obra no mercado, menores

poderiam ser os salários e com isso aumentar a extração de “mais-valia”.

Assim, em conseqüência das levas migratórias, formou-se um exército de mão-de-

obra, que supria a força de trabalho da indústria capitalista inglesa. Essa massa trabalhadora

vivia em más condições de subsistência, baixas condições de saneamento básico e infra-

estrutura nos cortiços operários, que impunham aos trabalhadores e aos marginalizados uma

vida muito árdua e insalubre. Desse modo, podemos notar que as distorções sócio-

ambientais começaram a acontecer.

Daí os males ocasionados pelo surto urbano-industrial: alcoolismo, doenças

respiratórias, doenças cardiovasculares, a crescente prostituição, poluição sonora, poluição

dos recursos hídricos, poluição aérea, além da crescente marginalização e criminalidade.

Em oposição a essas conseqüências, a sociedade prosperava muito em termos

materiais, às custas do trabalho humano e da degradação ambiental:

O extraordinário aumento da população naturalmente estimulou muito a

economia, embora devêssemos considerá-la antes como uma

conseqüência do que uma causa exterior da revolução econômica, pois

sem ela um crescimento populacional tão rápido não poderia ter sido

mantido durante mais do que um limitado período58

.

Assim, o crescimento populacional e suas distorções sociais ocasionaram uma

explosão econômica sem precedentes. A Revolução Industrial e o modo de vida capitalista

se expandiram e se tornaram hegemônicos no mundo ocidental. De acordo com Hobsbawm,

verificamos a expansão material do modo de vida capitalista:

Segundo senso geral, as ferrovias estavam apenas na infância em 1848,

embora já fossem de considerável importância prática na Grã-Bretanha,

nos Estados Unidos, na Bélgica, na França e na Alemanha. Mas, mesmo

antes da ferrovia, o desenvolvimento das comunicações foi, pelos padrões

anteriores, empolgante. O império austríaco, por exemplo (excluída a

Hungria), acrescentou mais de 30 mil milhas de estradas entre 1830 e

1847, multiplicando assim sua rede de estradas entre 1830 e 1850, e até

mesmo a Espanha, graças em grande parte à ocupação francesa, quase

duplicou sua diminuta teia viária. Os Estados Unidos, [...], multiplicou seu

sistema viário para carruagens em mais de oito vezes – 21 mil milhas em

1800 e 1847 para 170 mil em 1850. Enquanto a Grã-Bretanha adquiria seu

58

HOBSBAWM, Eric J. A era das revoluções, op. cit., p. 238.

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41

sistema de canais, a França construía 2 mil milhas deles entre 1800 e 1847

e os Estados Unidos abriam rotas fluviais tão importantes como as do

Lago Erie, do Chesapeake e do Ohio. O total da tonelagem mercante do

mundo ocidental mais do que duplicou entre 1800 e o início da década de

1840, e já os navios a vapor uniam a Grã-Bretanha e a França (1822) e

subiam e desciam o Danúbio. (Em 1840, havia cerca de 370 mil toneladas

de navios a vapor comparadas a 9 milhões de toneladas de navios a vela,

embora isto já representasse na verdade cerca de 1/6 da capacidade de

carga)59

.

Dessa maneira, verificamos o crescimento da produtividade, da abertura de

mercados e da revolução dos transportes. Essa revolução tornou mais dinâmico o sistema

capitalista. Sua produtividade poderia ser mais rapidamente espalhada pelo mercado

consumidor. Hobsbawm diz que a mudança ocasionou problemas sociais provindos da

industrialização e da substituição da mão-de-obra humana pelas máquinas.

A inquestionável repercussão ambiental, ainda não muito discutida naquele

momento, os crescentes movimentos revolucionários e as convulsões sociais ocasionadas

pela exploração do trabalho, a marginalização e a criminalidade começaram a atemorizar a

classe capitalista, os administradores e políticos, que eram partidários do novo modo de

vida. Em oposição, começaram a surgir movimentos que questionavam a organização

social e o modo-de-produção. A respeito das conseqüências da industrialização, diz

Hobsbawm:

Depois de 1830 [...] a situação mudou rápida e drasticamente, a ponto de,

por volta de 1840, os problemas sociais característicos do industrialismo –

o novo proletariado, os horrores da incontestável urbanização – se

transformarem no lugar-comum de sérias discussões na Europa Ocidental

e no pesadelo dos políticos e administradores. O número de máquinas a

vapor na Bélgica duplicou, sua potência em cavalos-força também

triplicou, entre 1830 e 1838: de 354 (com mil hp) para 712 (com 30 mil

hp). Por volta de 1850, o pequeno país, agora maciçamente

industrializado, tinha quase 2.300 máquinas de 66 mil hp, e quase 6

milhões de toneladas de produção de carvão [...]. Em 1830, não havia

qualquer companhia de capital social na mineração belga; por volta de

1841, quase metade da produção de carvão vinha destas companhias60

.

Paralelo a esse “progresso”, movimentos sociais que questionavam o modo de

produção começaram a surgir. Desse modo, ocorreu a emergência do movimento operário,

59

HOBSBAWM, Eric J. A era das revoluções, op. cit., p. 239. 60

HOBSBAWM, Eric J. A era das revoluções, op. cit., p. 241-242.

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dentro do qual surgiram várias vertentes de pensamento, como o socialismo, o anarquismo

e o comunismo. A massa trabalhadora começou a organizar-se e através de entidades como

os sindicatos, começaram a reivindicar direitos.

Três grandes levas revolucionárias podem ser citadas num primeiro momento entre

1815 e 1848: uma, mais ou menos por volta de 1820-24; outra, por volta de 1829-34, e a

última, por volta de 1848. Depois desses levantes revolucionários burgueses, o movimento

operário começou a organizar-se ganhando “consciência de classe”, com o surgimento das

chamadas “Internacionais dos Trabalhadores”, justamente para questionar a organização

social instituída pelo projeto de sociedade capitalista.

No mesmo contexto, estabelecendo como referência de “progresso” o

industrialismo, estabeleceu-se o conceito de “atrasado” e “moderno”. Hobsbawm contribui

com essa discussão:

De todas as conseqüências da época da revolução dupla, esta divisão entre

países “adiantados” e os “subdesenvolvidos” provou ser a mais duradoura.

Falando a grosso modo, por volta de 1848 estava claro que os países

deviam seguir o exemplo do primeiro grupo, isto é, da Europa Ocidental

[...], da Alemanha, do norte da Itália e partes da Europa Central, da

Escandinávia, dos Estados Unidos e talvez das colônias controladas pelos

imigrantes de língua inglesa. Mas também era claro que o resto do mundo

estava, com exceção de alguns pedaços, muito atrasado ou se

transformando – sob a pressão informal das exportações ocidentais ou sob

a pressão militar das canhoneiras e das expedições militares ocidentais –

em dependências econômicas do Ocidente. Até que os russos tivessem

desenvolvido, na década de 1930, de transpor este fosso entre “atrasado” e

“adiantado”, ele permaneceria imóvel, intransponível, e mesmo

crescendo, entre a minoria e a maioria dos habitantes do mundo. Nenhum

outro fato determinou a história do século XX de maneira mais firme61

.

Portanto, a partir de tais evidências, observamos a expansão capitalista urbano-

industrial pelo mundo ocidental. De acordo com Gonçalves,

o advento da Revolução Industrial, nos séculos XVIII e XIX, com o

estabelecimento de uma economia industrializada, centrada no espaço

urbano e baseada numa tecnologia altamente consumidora de energia e

matérias-primas. Essa economia industrial, que nasceu sob o signo do

modo de produção capitalista, supõe um mercado em permanente

expansão, onde produzir cada vez mais passa a ser uma necessidade

inerente ao próprio sistema, não para assegurar a satisfação das

61

HOBSBAWM, Eric J. A era das revoluções, op. cit., p. 253.

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necessidades coletivas, mas sim para garantir o processo de acumulação

de capital no interior da economia baseada na competição entre grandes

empresas62

.

[...] essa economia industrial de crescimento ilimitado exerce um impacto

violentamente destrutivo sobre a natureza, a ponto de ameaçar a própria

sobrevivência do sistema natural que serve de suporte para a vida na

Terra63

.

Assim, da leitura das obras de Hobsbawm e Gonçalves, depreendemos que o atual

modo de vida repercute tanto social como ambientalmente. O projeto de sociedade

capitalista, surgido nos séculos XVIII e XIX, apresentou suas inovações e contradições.

Como disse Marx: “os sistemas de organização social trazem em si o germe de suas

contradições”. Dessa maneira, o modo de vida capitalista urbano-industrial trouxe diversos

aspectos, tanto positivos como negativos.

A contradição aí está estabelecida, pois houve a dinamização da sociedade, o

crescimento do número de serviços, a possibilidade de melhores condições materiais de

existência, a evolução científica e tecnológica. Por outro lado, ocasionou distorções sociais,

a exploração e alienação do trabalho humano, a marginalização, a criminalidade e os

impactos ambientais.

No mesmo sentido, os impactos ambientais causados pela expansão industrial,

poluição aérea, degradação dos recursos naturais, o surgimento de cidades ambientalmente

sujas, geraram em contrapartida o acúmulo de capital concentrado nas mãos de uma

minoria, que desfruta da melhor qualidade de vida que o capital acumulado proporcionou

em dado contexto histórico. Assim, foi “a submissão do trabalho pelo capital” que em

conseqüência, “através da transformação ambiental”, “concentrou renda às custas de

impactos ecológicos”.

Desse modo, com a disseminação do modo de vida urbano-industrial, verificaremos

nos próximos capítulos os impactos e distorções sócio-ambientais ocasionados pelo projeto

de vida capitalista.

Portanto, concluímos que, a décima oitava, décima nona e vigésima centúria depois

de Jesus Cristo caracterizaram-se na ruptura definitiva com os modos de perceber a

natureza, a mitologia e a metafísica. Os três séculos de história do modo-de-produção

62

GONÇALVES, Carlos Walter Porto. Os descaminhos do meio ambiente, op. cit., p. 32. 63

GONÇALVES, Carlos Walter Porto. Os descaminhos do meio ambiente, op. cit., p. 32.

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capitalista industrial e urbano representaram na história da humanidade os trezentos anos

mais conturbados em que os seres humanos desenvolveram suas potencialidades culturais e

ambientais.

Com o advento da sociedade urbano-industrial, ou seja, a partir da Revolução

Industrial, a poluição passou a ser um problema para a vida no planeta Terra. O alto grau de

poluição, desencadeado pelo industrialismo e a urbanização, fez surgir efeitos ambientais

que serão sentidos pelas gerações futuras. A Revolução Industrial e sua expansão

representaram a mundialização e a consolidação do modo de vida capitalista, que

atualmente domina o mundo.

A partir da Revolução Industrial, com o desenvolvimento do capitalismo, a natureza

vai aos poucos sendo transformada de ambiente natural para ambiente cultural. Ou seja, o

homem deixa de viver em harmonia com a natureza, seu habitat de origem, e passa a

construir um meio ambiente artificial através da transformação dos recursos do meio

ambiente natural.

2.4 – A inserção do modo de vida capitalista no Brasil (1930-1965)

Com a crescente expansão capitalista e o fenômeno do imperialismo no século XIX,

no início do século XX o capitalismo já estava praticamente dominando a metade do globo

terrestre. Esse fenômeno repercutiu na Primeira Grande Guerra. Esse acontecimento da

história teve imensas perdas humanas e destruições ambientais.

No término da Primeira Guerra Mundial, os Estado Unidos da América ascenderam

como a maior potência mundial. No período de 1914 a 1929 (início da Primeira Guerra e o

Entre-Guerras), a economia norte-americana tornou-se hegemônica. De país devedor,

passou a potência mundial, devido ao desenvolvimento de suas forças produtivas. Os

Estados Unidos auxiliaram na reconstrução da Europa e assim mantiveram seus níveis de

exportação. Era a manutenção do seu modo de vida capitalista.

Outras formas de organização surgiram nesse momento. No Leste europeu, a

Revolução Russa de 1917 e a implantação de um sistema socialista (ou algo próximo

disso). A Rússia rompeu com o capitalismo, construindo um modelo baseado nas teorias

marxista-leninistas.

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45

Paralelamente a esse acontecimento, surgiu o fenômeno do nazi-fascismo, em países

como Alemanha, Itália, Portugal, Polônia e Espanha. Nesse sentido, a crise capitalista

determinou os fatos em direção a um confronto entre o dito “mundo livre” e os “regimes

totalitários”.

Os países nazi-fascistas fizeram, então, uma aliança denominada Eixo (Alemanha,

Itália e Japão). Opondo-se a essa aliança, uniram-se EUA, URSS e Inglaterra. A rivalidade

desses dois blocos desencadeou a Segunda Grande Guerra, explicando seus antecedentes.

O crescimento da economia norte-americana havia alcançado níveis “exorbitantes” de

produção, com elevado grau de produção, ocasionando uma crise de superprodução. Como

essa produção em alto grau não tinha o respectivo mercado consumidor, adveio a crise de

1929.

Com a quebra da Bolsa de Nova York, o mercado mundial sofreu grandes impactos,

ocasionando pouco depois a Segunda Grande Guerra Mundial. Desse modo, o capitalismo

entrou em crise e a partir dessa dinâmica o governo assumiu o importante papel de

organizar a vida econômica, fundamentando uma nova política de gerenciamento do modo-

de-produção nos Estados Unidos.

Nos EUA, a política do New Deal, proposta de F. D. Roosevelt, gerenciava a

economia de forma intervencionista do Estado. Por outro lado, os regimes totalitários

haviam adotado esse mesmo caráter intervencionista.

A crise de 1929 repercutiu no Brasil e na América Latina de forma a modificar o

padrão econômico-ambiental de suas sociedades. Nesse sentido, ocorreram transformações

econômicas e o incremento do capitalismo monopolista, além de uma expansão industrial

que alcançou quase toda a América Latina (diante principalmente da necessidade de

substituição dos produtos importados).

De acordo com Luiz Roberto Lopez,

O moderno crescimento industrial brasileiro marcou o fim da velha

sociedade mandonista [...], o processo industrial em nosso país inseriu-se

no contexto capitalista dos anos 30, marcado por uma profunda recessão,

cujo primeiro sintoma tinha sido a quebra da Bolsa de Valores de Nova

York, em 192964

.

64

LOPEZ, Luiz Roberto. História do Brasil contemporâneo. 2. ed. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1983.

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46

Reforçando tal fato, buscamos embasamento paralelo na obra de Francisco de

Oliveira: “A Revolução de 1930 marca o fim de um ciclo e início de outro na economia

brasileira: o fim da hegemonia agrário-exportadora e o início da predominância da estrutura

produtiva de base urbano-industrial”65

.

A implantação do industrialismo no Brasil foi orientada e subsidiada pelo Estado.

Conforme Lopez,

Perante o espectro da falência do sistema capitalista, o Estado passou a

assumir, no mundo ocidental, o papel de garantidor dos mecanismos

capazes de mantê-lo em funcionamento. O mercado livre deixou de ser o

principal aspecto a considerar e o Estado passou a manipular o crédito e a

moeda para controlar a especulação e evitar nova recessão. Foi daí que

nasceu o tipo de capitalismo de nossos dias, onde o ciclo de expansão

consegue manter-se por um período mais longo e é qualificado de

“milagre econômico” pela máquina publicitária do sistema, tal como

ocorreu na Alemanha, Japão e Brasil66

.

O modelo capitalista contemporâneo (capitalismo monopolista de Estado) coincidiu

com a inserção e o desenvolvimento do modo de vida urbano-industrial no Brasil. Nesse

sentido, o Estado brasileiro assumiu o projeto de industrialização e expandiu pelo território

nacional seu programa “desenvolvimentista”.

De acordo com Oliveira, “o papel do Estado é „institucionalizar‟ as regras do jogo;

[...]”67

. Conforme o mesmo autor, a função do Estado era “introduzir um novo modo de

acumulação, qualitativa e quantitativamente distinto”68

.

Dessa maneira, o Estado assumiu para si o papel de organizador, estabelecendo as

condições para o desenvolvimento industrial. Nesse sentido, através da legislação

trabalhista, fixava o salário-mínimo, e artificialmente criava um mercado de trabalho que

possibilitou o acúmulo de capital, ou seja, a concentração de renda.

A industrialização e a empresa capitalista tornaram-se o cerne do projeto do Estado

brasileiro. O financiamento de tal projeto era subsidiado através do “preço social”, o preço

de mercadorias fixado no mercado interno pelo aparato estatal-nacional a fim de gerar

65

OLIVEIRA, Francisco de. A economia brasileira: crítica à razão dualista. Petrópolis: Vozes, 1988. 66

LOPEZ, Luiz Roberto. História do Brasil Contemporâneo, op. cit., p. 77. 67

OLIVEIRA, Francisco de. A economia brasileira: Crítica à razão dualista, op. cit., p. 16. 68

OLIVEIRA, Francisco de. A economia brasileira: Crítica à razão dualista, op. cit., p. 14.

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condições sustentáveis, manutenção, financiamento e expansão das empresas estatais

capitalistas.

O Estado assumiu o gerenciamento econômico e subsidiava o desenvolvimento

infra-estrutural para a acumulação e financiamento das empresas que se tornaram o centro

da economia nacional. Era a chamada intervenção do Estado na economia, através da

regulamentação e fixação de preços no mercado interno. Essa política permitia, assim,

desenvolver as empresas industriais estatais brasileiras. O projeto dos distritos industriais

desenvolveu-se com o auxílio desse mecanismo econômico, artificialmente instituído pelo

Estado.

Portanto, concluímos que os preços sociais foram o artifício utilizado pelo governo

para estimular uma sociedade urbano-industrial capitalista de grande porte e deste modo,

garantir o financiamento de empresas estatais, que eram o cerne da política econômica. No

contexto do período que vai de 1930 a 1985, o projeto brasileiro foi desenvolvido em torno

da “modernização” da economia nacional.

Conforme Francisco de Oliveira,

assiste-se à emergência e à ampliação das funções do Estado, num período

que perdura até os anos Kubitschek. Regulando o preço do trabalho, [...],

investindo em infra-estrutura, impondo o confisco cambial ao café para

redistribuir os ganhos entre a classe capitalista, rebaixando o custo de

capital na forma de subsídio cambial para as importações de

equipamentos para as empresas industriais e na forma de subsídio cambial

para as importações de equipamentos para as empresas industriais e na

forma da expansão do crédito a taxas de juros negativas reais, investindo

na produção (Volta Redonda e Petrobrás), o Estado opera continuamente

transferindo recursos e ganhos para a empresa industrial, fazendo dela o

centro do sistema69

.

De acordo com Lopez,

a industrialização se acelerou ainda mais com a II Guerra Mundial de

1939-1945, visto que naquela fase, como nunca, a importação andou entre

o difícil e o impossível. [...] o processo substitutivo, pela primeira vez,

começou a evoluir para o ramo de bens intermediários e matérias-primas

vitais para a instalação da indústria (como foi o caso da Usina de Volta

Redonda, instalada em 1942)70

.

69

OLIVEIRA, Francisco de. A economia brasileira: Crítica à razão dualista, op. cit., p. 19. 70

LOPEZ, Luiz Roberto. História do Brasil Contemporâneo, op. cit., p. 79-80.

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Complementando a idéia, nesse sentido, a evolução da nova forma industrial de

organização econômica atingiu a predominância. Segundo Francisco de Oliveira,

em 1956 [...] pela primeira vez a renda do setor industrial superará a da

agricultura, o processo mediante o qual a posição hegemônica se

caracterizaria é crucial: a nova correlação de forças sociais, a

reformulação do aparelho e da ação estatal, a regulamentação dos fatores,

entre os quais o trabalho ou o preço do trabalho, tem significado, de um

lado, de destruição das regras do jogo segundo as quais a economia se

inclinava para as atividades agrário-exportadoras e, de outro, de criação

das condições institucionais para a expansão das atividades ligadas ao

mercado interno71

.

[...] a produtividade industrial crescia enormemente, o que, contraposto ao

quadro da força de trabalho e ajudado pelo tipo de intervenção estatal [...],

deu margem à enorme acumulação de renda na economia brasileira72

.

Deste modo, verificamos a tendência a um projeto industrial “concentracionista” na

economia brasileira. O crescimento das urbes desencadeia toda uma dinâmica sócio-

ambiental com a fundamentação do modo de vida urbano-industrial no Brasil.

Tal projeto de sociedade perpassa todos os governos, desde Vargas, entre 1930 e 1945

e 1951-1954, mas foi interrompido no governo de Eurico Gaspar Dutra (que se abriu ao

capital externo entre 1946-1950), e depois foi retomado com Juscelino Kubitschek (1956-

1961), Jânio Quadros (1961), João Goulart (1961-1964), chegando até os governos militares

(1964-1985).

O período que vai de 1930 até os dias atuais se caracterizou pela instituição do

modo de vida urbano-industrial capitalista no Brasil, sendo o Estado o principal subsidiário

desse projeto “desenvolvimentista”. Depois da “abertura” e o fim das ditaduras militares,

houve uma “abertura econômica” com a privatização de empresas estatais, mas isto não

quer dizer que a burguesia nacional não foi protegida até certo ponto. A abertura ao capital

estrangeiro, entretanto, é atualmente uma característica marcante.

2.5 – Os governos militares no Brasil e a consolidação do modo de vida capitalista

urbano-industrial

71

OLIVEIRA, Francisco de. A economia brasileira: Crítica à razão dualista, op. cit., p. 14. 72

OLIVEIRA, Francisco de. A economia brasileira: Crítica à razão dualista, op . cit., p. 24.

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49

A partir daqui, trataremos do contexto em que nasceu o movimento político

ecológico brasileiro.

Com o advento da “Revolução de 1964” e a crescente centralização, vimos que se

intensificou a industrialização.

L. R. Lopez nos fala como se caracterizou a ascensão dos militares no Brasil:

[...] os militares assumiram definitivamente o poder, respaldados no

monopólio da força armada e na sua coesão como grupo decisório. [...], os

militares resolveram passar da posição de árbitros para a posição de

atuantes diretos [...]73

.

Respaldados por Washington, representando uma burguesia nacional e ligados aos

interesses do capital estrangeiro, os militares sobem ao poder apresentando um projeto

desenvolvimentista, que visou a dar continuidade à “modernização” do Brasil. Eram os

chamados PNDs, ou seja, Planos Nacionais de Desenvolvimento, cujo “carro-chefe” eram

os “Distritos Industriais”.

L. R. Lopez comenta como as elites sofreram os impactos no contexto do Golpe de

1964:

Quanto às elites civis, as oposicionistas foram afastadas ou reprimidas

pelas sucessivas demonstrações de força, feitas com requintes jurídicos,

através de Atos Institucionais, ao passo que aquelas que colaboraram com

o golpe, foram constrangidas a atuar dentro dos limites prescritos pelo

setor militar que comandava a situação, o que não deixou de causar

desapontamentos e fissuras entre vários políticos que tinham participado

da queda de Goulart com esperanças de que os militares nada mais

houvessem feito do que aplainar o caminho para eles74

.

Assim, os militares assumiram a chancela do governo instituindo um regime de

limitações políticas e sociais.

Sobre o amparo institucional do regime militar, diz Lopez:

Os três Atos Institucionais decretados no governo Castelo Branco, entre

1964 e 1967, ampliaram consideravelmente o sistema centralizador e

repressivo instalado em 1964 e foram dando contornos definidos aos

objetivos dos líderes do movimento militar que tomara o poder. O Ato

73

LOPEZ, Luiz Roberto. História do Brasil Contemporâneo, op. cit., p. 116. 74

LOPEZ, Luiz Roberto. História do Brasil Contemporâneo, . cit., p. 117.

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Institucional n.º 2 estabeleceu eleições indiretas para a presidência da

República, a supressão dos partidos políticos existentes e a conseqüente

implantação do bipartidarismo. O Ato Institucional n.º 3 fixou eleições

indiretas para governador estadual, pois o governo Castelo Branco tinha

sofrido uma surpresa desagradável com o resultado das recentes eleições

diretas em Minas e na Guanabara. E, finalmente, o Ato Institucional n.º 4

transformou o Congresso Nacional em Assembléia Constituinte com

vistas à aprovação da nova Constituição, a qual efetivamente passou a

vigorar a partir de 1967, atenuando o federalismo em favor do centralismo

e diminuindo consideravelmente a participação popular nos mecanismos

decisórios. Com essa Constituição, pode-se dizer, encerrou-se

juridicamente o que já tinha se encerrado historicamente, isto é, a era do

populismo75

.

Em dezembro de 1967 ocorreu um atrito entre as forças armadas e o Congresso, e

em conseqüência foi criado o Ato Institucional n.º 5, com o qual o presidente militar estava

autorizado a suspender os direitos políticos, cassar mandatos e acabar com qualquer

instituição que questionasse a política e projeto dos militares.

O ano de 1968 foi de muitas convulsões sociais em todo o mundo, ao mesmo tempo

um ano marcante para a política brasileira. Segundo Lopez,

Aquele ano foi, de fato, muito problemático no Brasil como no resto do

mundo ocidental. As contestações explodiram em vários lugares,

culminando com agitações de maio, na França. No Brasil, multiplicaram-

se greves e protestos em setores trabalhistas estudantis, os setores

marginalizados pelo sistema [...] implantado76

.

Gonçalves diz que nessa época surgiu o movimento ecológico, momento ímpar em

meio às efervescências sociais internacionais, no questionamento geral do padrão cultural

de “modo de vida” instituído pelo capitalismo urbano-industrial. Nas fissuras dos governos

militares, começaram surgir vários movimentos sociais: das mulheres, dos negros, dos

estudantes, dos homossexuais, e, inclusive, o movimento ecológico.

Conforme Gonçalves,

No Brasil, o movimento ecológico emerge na década de 1970 em um

contexto muito específico. Vivia-se sob uma ditadura que se abateu de

maneira cruel sobre diversos movimentos como o sindical e o estudantil.

A nossa esquerda de então acreditava que o subdesenvolvimento do país

se devia fundamentalmente à ação do imperialismo, que tinha como aliado

75

LOPEZ, Luiz Roberto. História do Brasil Contemporâneo, op. cit., p. 117. 76

LOPEZ, Luiz Roberto. História do Brasil Contemporâneo, op. cit., p. 118.

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interno a oligarquia latifundiária. Essa era a razão do atraso e da miséria

em que vivia o povo brasileiro e, em decorrência, devíamos nos bater por

uma revolução antiimperialista, de caráter popular, e com o apoio de

setores da burguesia nacional. Assim, acreditava-se, estaria aberto o

caminho para a modernização da sociedade brasileira, etapa necessária

para consolidar uma classe operária que pudesse empunhar a bandeira do

socialismo. [...]. Todavia, aqui a burguesia nacional não optou por essa via

e se aliou à burguesia internacional. A FIESP – Federação das Indústrias

do Estado de São Paulo – foi a grande articuladora dessa aliança desde a

década de 5077

.

Verifica-se, portanto, um deslocamento da consideração da questão

nacional do plano das condições sociais – como era colocado pela

esquerda – para um plano técnico-econômico desenvolvimentista. A

burguesia consegue atrair não só os investimentos estrangeiros como

também o apoio da tecnoburocracia civil e, sobretudo, militar78

.

Concluímos essa idéia citando Gonçalves, que nos explicita a consolidação do

Governo Militar:

A partir da Junta Militar de 1969 e do governo de Médici, assistiu-se à

consolidação desse regime autoritário e desenvolvimentista que vai

mostrar, contrariando a crença da esquerda até então, que ao Imperialismo

não interessava a não-industrialização do país79

.

Ainda conforme Gonçalves, “sob a égide do capital internacional que o Brasil

alcançara o maior desenvolvimento industrial de sua História”80

.

Lopez complementa essa idéia :

[...] o general Médici integrou-se plenamente nas novas regras

estabelecidas pelo arbítrio: o crescimento econômico acelerado, associado

intimamente ao capital estrangeiro, o ufanismo, traduzido em várias

medidas de pouco efeito (construção da estrada Transamazônica,

estabelecimento do mar territorial de 200 milhas, etc.), e o predomínio

impune da violência oficial contra as variadas oposições, sem excluir a

agressão física e a brutalidade generalizada, em particular na luta contra

os grupos de guerrilha urbana que então surgiram e que atuaram até 1973-

7481

.

77

GONÇALVES, Carlos Walter Porto. Os descaminhos do meio ambiente, op. cit., p. 13. 78

GONÇALVES, Carlos Walter Porto. Os descaminhos do meio ambiente, op. cit., p. 14. 79

GONÇALVES, Carlos Walter Porto. Os descaminhos do meio ambiente, op. cit., p. 14. 80

GONÇALVES, Carlos Walter Porto. Os descaminhos do meio ambiente, op. cit., p. 14. 81

LOPEZ, Luiz Roberto. História do Brasil Contemporâneo, op. cit., p. 118.

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Verifica-se assim o alto grau de desenvolvimento material. Nesse sentido, em

termos industriais, os militares investiram muito, e podemos citar como exemplo o Distrito

Industrial de Rio Grande. Convencionou-se chamar isto de “Milagre Brasileiro”.

Em 1974, o general Geisel substituiu Médici em meio a uma crise de âmbito

mundial. A chamada “Crise do Petróleo” de 1973 abalou como um todo as economias

brasileira e mundial. Sendo a economia brasileira permeada pela dependência do petróleo

estrangeiro, essa crise abalou as estruturas do sistema econômico implantado pelos

militares no Brasil (que se baseava na indústria automotiva).

Os preços do petróleo aumentaram de mais ou menos 2 dólares/barril para mais ou

menos 10 dólares/ barriu. A civilização ocidental como um todo entrou em crise e o modo

de vida capitalista urbano-industrial brasileiro, altamente dependente do petróleo, quase

ruiu e mostrou que a política econômica dos militares era frágil.

A crise do capitalismo, com o primeiro choque do petróleo (1974-75), assim se

caracterizou, conforme Lopez:

A crise recente do capitalismo começou por volta de 1974-75, logo depois

que a Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP), cartel de

produtores dominado pelos países árabes principalmente, decretou

violentos aumentos no preço do produto. As multinacionais que

dominavam a comercialização do petróleo descarregaram estes aumentos

sobre os compradores, do que decorreu uma recessão econômica

generalizada, que atingiu o Brasil de forma ampla. Revelou-se, então, que

enquanto países que importavam nossos produtos podiam viver sem eles,

nós não poderíamos fazer o mesmo: o petróleo era vital82

.

Depreende-se daí o caráter dependente da economia brasileira. O industrialismo

brasileiro trouxe um clima de ufanismo, através do “Milagre Brasileiro”, porém essa

euforia duraria não mais que cinco anos.

Em 1979, desencadeou-se mais uma crise do petróleo, o chamado “Segundo Choque

(ou Crise) do Petróleo”. O projeto econômico em seguida ruiu pela “fragilidade” com que

se elaborou o PND. Esse projeto foi desenvolvido sem prever soluções para os períodos de

crise, justamente do petróleo, produto de vital importância para o desenvolvimento dos

transportes.

82

LOPEZ,Luiz Roberto. História do Brasil Contemporâneo, op. cit., p. 127.

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53

O progresso industrial brasileiro fora implantado, porém às custas de impactos

ambientais, repressão, exploração do trabalho, etc. Eis aí as contradições do projeto dos

militares, que com a crise econômica acabou na década de 1980.

Lopez comenta esse fato:

Tornando-se mais frágil do que nunca em vista da crise, o modelo

desenvolvimentista brasileiro estava, em escala crescente, dependente do

capital estrangeiro. O II PND (Programa Nacional de Desenvolvimento),

do governo Geisel, já reconhecera tal dependência ao manter todas as

vantagens possíveis para os investimentos estrangeiros. Na era

Figueiredo, o poder instituído reconheceu a crise e pretendeu encontrar

alternativas para ela, mas sem sacrificar o sistema econômico, visto que

isso envolveria opções perigosas. Em conseqüência, a crise não pôde ser

resolvida, pois solucioná-la significaria tocar em privilégios estabelecidos

e reativar as forças populares há tanto tempo esquecidas e

marginalizadas83

.

Portanto, o contexto no qual emerge o movimento ecológico brasileiro foi bastante

intenso. Nas frestas de um regime autoritário, surgiu um movimento que questiona o modo

de vida impresso pelo projeto governista. Verificamos assim, como se desenvolveu a

continuidade do projeto de modernização do Brasil e as contradições desse processo

histórico. Observamos, também, como foi a dinâmica do projeto desenvolvimentista para

subsidiar o crescimento urbano-industrial.

Explicitaremos agora o exemplo da sociedade urbano-industrial de Rio Grande, a

qual foi delimitada pela nossa proposta de investigação. O objeto de pesquisa aqui estudado

é o ambiente histórico rio-grandino e o movimento ecológico desenvolvido em tal dinâmica

histórica.

Finalmente, trataremos do contexto da urbe de Rio Grande e em posterior capítulo

as ações discursivas da AGAPAN em Rio Grande.

2.6 – O contexto histórico-ambiental sul-rio-grandense

Neste subcapítulo, abordamos a área de “Eco-história”, “Geo-história” e “História”

acerca do ambiente histórico de Rio Grande.

83

LOPEZ, Luiz Roberto. História do Brasil Contemporâneo, op. cit., p. 129.

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54

Sabemos que na década de 1970 algumas cidades brasileiras já se encontram em um

estágio avançado de industrialização e urbanização, como é o caso de Rio Grande.

De acordo com Daniel Prado, a partir do estímulo da razão, o ser humano

desenvolveu diversos mecanismos que permeiam e orientam seu modo de vida. Isso não é

diferente em Rio Grande.

Com o desenvolvimento humano ao longo da História, observamos o

surgimento de instituições como Estado, organizações políticas, militares

e religiosas, doutrinas ideológicas, sistemas econômicos, produção

científica e tecnológica, que por conseqüência geraram mutações sobre o

meio ambiente. Com o advento do sistema capitalista, através de suas

várias formas, desde o mercantilismo [Capitalismo Comercial] até o atual

neoliberalismo [Capitalismo Monopolista], acentuam-se vertiginosamente

as ações de transformação radical da natureza84

.

Observamos através de Prado que o capitalismo acentuou e radicalizou a

transformação ambiental, através de seu modo de produção: a indústria. O modo-de-

produção capitalista desenvolveu-se de longa data. Criação dos ingleses, a indústria

capitalista teve sua expansão em âmbito mundial a partir do século XVIII, XIX e XX e

chegou através dos transportes marítimos ao Brasil e a Rio Grande.

Desse modo, Rio Grande pode ser comparada a uma cidade capitalista

desenvolvida, apresentando suas características tanto em termos de “evolução material”

quanto em termos ambientais.

Em seu artigo, Prado teve a intenção de instigar uma linha de pesquisa dentro da

História, a chamada “Eco-História”. O objetivo é refletir a História dentro de um ambiente

histórico-natural e histórico-cultural, o Rio Grande do Sul. Prado argumenta em defesa

dessa linha de investigação:

[...] a História certamente é a evolução dos seres humanos (sociedade) e

sua constante adaptação ao ambiente, pois é no ambiente empírico,

concreto, que se dá, sem dúvida nenhuma, a História. É no ambiente do

cotidiano, das percepções, do inconsciente coletivo, das mentalidades, das

revoluções, das guerras, das decisões políticas, da dialética, das classes,

[...] da natureza, que se realiza a História humana85

.

84

PRADO, Daniel. Por uma eco-história a partir do ambiente Rio Grande do Sul. In: ALVES, Francisco das

Neves (Org.). Por uma história multidisciplinar do Rio Grande do Sul. Rio Grande: FURG, 1999. p 114. 85

PRADO, Daneil P. Por Uma eco-história, op. cit., p. 114-115.

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55

Permeados por essa concepção, analisaremos o ambiente histórico rio-grandino.

Com a obra de Eurípedes Falcão Vieira e Suzana Salum Rangel, discutiremos como se

expandiu a industrialização de Rio Grande e como isso repercutiu ambientalmente.

Conforme Vieira e Rangel, a Geo-História econômica de Rio Grande é caracterizada

por “acentuada predominância no setor secundário, numa ampla interação com o sistema

viário, liderado pelas instalações portuárias”86

.

Como podemos verificar, a predominância da economia rio-grandina é de base

urbano-industrial. Nesse sentido, observamos a dinâmica desenvolvida por uma

organização citadina industrializada. O autor descreve algumas distorções sociais que são

conseqüências da urbe industrial rio-grandina:

Em alguns períodos as crises abalaram o setor industrial, agravando as

distorções sociais já existentes. A evolução social não teve

correspondência de nível com o desenvolvimento econômico. Como

resultado produziu-se acentuada estratificação social com larga e

predominante base operária de baixa renda. Cresceu também um grande

contingente marginalizado, formando uma população favelada na periferia

da cidade87

.

Assim, vemos que o fenômeno capitalista urbano-industrial desenvolve em seu

cerne as contradições inerentes ao seu desenvolvimento. A configuração de uma cidade de

base capitalista urbano-industrial caracteriza-se de maneira a estabelecer uma norma

histórica.

Verificamos que a dinâmica geográfica destas cidades assim se apresenta: o

complexo industrial altamente desenvolvido e a concentração de renda, por outro lado uma

periferia que abriga a massa operária e marginalizada que se constitui no exército de mão-

de-obra dessa industrialização. Essa periferia mostra-se em condições muito precárias,

apresentando distorções sócio-ambientais.

Veremos no capítulo que analisa os discursos da AGAPAN no jornal Agora que

essa população sofreu diretamente os impactos causados pelo complexo industrial e as

precárias condições ambientais. Nos arredores do Porto Novo, podemos detectar através

86

VIEIRA, Eurípedes Falcão; RANGEL, Suzana Regina Salum. Rio Grande: geografia física, humana e

econômica. Porto Alegre: Sagra, 1983. 87

VIEIRA; Euripedes Falcão, Rio Grande: geografia física, humana e econômica, op. cit., p. 129.

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das crônicas ecológicas que a poluição é ecologicamente nociva e as condições de vida

muito precárias.

Por outro lado, analisaremos e comentaremos acerca do projeto do governo, o

chamado PND, que se apresentara de forma intensa, em paralelo ao subdesenvolvimento

das massas operárias. Conforme Vieira e Rangel,

O último decênio assinalou nova fase no progresso rio-grandino,

alcançado por importantes medidas na área do planejamento federal. A

partir de obras vitais, Rio Grande se transformou rapidamente em pólo

industrial-portuário-viário. As ampliações portuárias, Porto Novo e

Superporto, a instalação do distrito industrial, a superação de dois

importantes problemas, água e energia, foram medidas concretas

resultantes do dinamismo dos investimentos públicos88

.

O período da industrialização rio-grandina inicia no final do século XIX, com

algumas atividades industriais, e depois se dinamiza de 1920 a 1970 com recursos

destinados pelo governo para fomentar o crescimento industrial. Vieira e Rangel nos

noticiam a intensificação industrial rio-grandina:

A partir de 1920 a indústria rio-grandina se diversificou com o

crescimento da indústria do pescado, conservas, bolachas, bebidas e

outras. Profundas transformações atingiram as indústrias pioneiras. As

que se modernizaram tecnologicamente progrediram, diversificando

atividades89

.

A partir daqui falaremos do mais importante marco histórico-ambiental da história

de Rio Grande, a fundação da Ipiranga.

Conforme Vieira e Rangel,

Em 1937 foi fundada a Refinaria de Petróleo Ipiranga S. A., constituindo

a iniciativa num importante marco na economia rio-grandina. O

crescimento da nova companhia foi acelerado, diversificando-se em outras

empresas e ramos industriais até a construção de uma importante unidade

de fertilizantes, além de absorver duas indústrias de pescado da cidade90

.

Dessa maneira, verificamos a importância econômica da Ipiranga para o município

de Rio Grande. Sobre a fundação da Refinaria de Petróleo Ipiranga, diz Terezinha Santos:

88

Vieira, Euripedes Falcão. Rio Grande geografia física, humana e econômica, op. cit. pg: 129 89

Vieira, Euripedes Falcão. Rio Grande geografia física, humana e econômica, op. cit. pg: 134 90

Vieira; Euripedes Falcão, Rio Grande geografia física, humana e econômica, op. cit., p. 134.

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57

Segundo Francisco Martins Bastos (1967), para se fazer um breve histórico

da Ipiranga, faz-se necessário remontar à constituição da primeira Refinaria

de petróleo no país, Destilaria Rio-Grandense de Petróleo S/A, de

Uruguaiana (RS), ali constituída em março de 1933. Teve o início de sua

operação no dia 26 de novembro de 1933 (encerrou suas atividades 39 anos

após)91

.

Constatamos que a gênese do setor petrolífero no Brasil é Uruguaiana e não Rio

Grande, como muitos supõem. Assim, a partir da destilaria de Uruguaiana uniu-se um

grupo de capitalistas que encontravam dificuldades de manter tal empreendimento, devido

ao difícil acesso. Então, tais capitalistas resolveram construir uma refinaria na cidade do

Rio Grande. Foi através da iniciativa privada e incentivo governamental, que foi inaugurada

a “Ypiranga S.A. Companhia Brasileira de Petróleo”92

.

Em um primeiro momento surgiram problemas técnicos e de risco ambiental. A

Ipiranga fabricava quatro produtos derivados do petróleo: gasolina, querosene, óleo diesel e

o fuel-oil. Conforme Santos,

O empenho principal fora em solucionar os problemas técnicos, no

entanto não se aperceberam de outro grave problema que iniciava-se: a

refinaria produzia os quatro produtos básicos: gasolina, querosene, óleo

diesel e “fuel-oil” (óleo combustível pesado). Em relação a gasolina e

óleo diesel, não encontravam dificuldade alguma para comercializá-los.

Por outro lado, o querosene e o “fuel-oil”, não conseguiam vender um

litro sequer. E para resolver esse problema, não tinham como diminuir a

produção desses dois produtos, pois, para a obtenção de cada litro de

gasolina, forçosamente, produziam uma determinada quantidade dos

mesmos. Devido à limitada capacidade de armazenamento, a refinaria

teria que parar93

.

Assim, a refinaria de petróleo estava colocando em risco os ecossistemas de seus

arredores. Devido à crescente quantidade de produtos químicos que essa empresa

representava ao ambiente rio-grandino, surgiu um sério problema com suas atividades

industriais. Gases e substâncias químicas altamente nocivas ao ambiente e ao ser humano

foram lançados durante décadas, contribuindo para o mal-estar ecológico. Além disso, a

91

SANTOS, Terezinha de Jesus Vargas dos. O Grito da Ipiranga na cidade do Rio Grande: um histórico da

Refinaria de Petróleo Ipiranga. In: ALVES, Francisco das Neves. Indústria e comércio na cidade do Rio

Grande: estudos históricos. Rio Grande: FURG, 2001. 92

SANTOS, Terezinha de J. V. O Grito do Ipiranga na cidade do Rio Grande, op. cit. 93

SANTOS, Terezinha de J. V. O Grito do Ipiranga na cidade do Rio Grande, op. cit., p. 109.

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Ipiranga expandiu-se para diversos ramos industriais igualmente nocivos ao ambiente

natural. Podemos depreender isso no texto Teresinha Santos, que assim diz:

[...] a Ipiranga dividiu-se em outras empresas. Isto evidentemente, não era

decorrente somente pelo volume dos negócios que esses setores

representavam, mas também em vista de exigências do Conselho Nacional

do Petróleo, que desejava controlar as operações de refinaria e

distribuição de produtos de petróleo94

.

Dentro da refinaria, havia também outras indústrias correlatas,

diretamente ligadas ao que fabricavam: ácido sulfúrico em unidade

especializada; operavam também como o fabrico de latas e de tambores

para atender as necessidades básicas; produção de ceras para assoalho e,

de forma incipiente, produziam ácido naftênico utilizando resíduos de

tratamento de produtos de petróleo95

.

A partir da refinaria, as atividades do grupo Ipiranga foram se expandindo para

outros setores da indústria, que também podemos apontar como de atividades nocivas ao

ambiente, como: a Fertisul e a Ipiranga Serrana (fertilizantes), a Prodichem (produtos

químicos) e a compra da Betubrás (indústria asfáltica).

A expansão industrial da Empresa de Petróleo Ipiranga, que fomentou da indústria

de petróleo em Rio Grande, ocorreu num processo de revolução nos transportes, que Vieira

e Rangel caracterizam: “fator negativo de significação social foi a modificação operada no

setor do transporte. O terminal ferroviário do Rio Grande perdeu importância sendo

substituído pela rodovia, tanto para cargas como para transporte coletivo”96

.

Vimos, então, uma migração para o transporte rodoviário e uma crescente

dependência dos combustíveis derivados do petróleo. Houve o aumento da frota rodoviária,

e conseqüentemente, o aumento de emissão de gases tóxicos, provindos do aumento do

consumo de combustíveis e do aumento da produtividade para suprir esse mercado

consumidor.

Assim, aumentou a emissão de gases tóxicos, que soltos na atmosfera, provocam

diversas mudanças ambientais e conseqüências nocivas à saúde humana. A poluição desse

complexo industrial foi altamente nociva aos seres humanos das redondezas de tal

indústria.

94

SANTOS, Terezinha de J. V. O Grito do Ipiranga na cidade do Rio Grande, op. cit., p. 119. 95

SANTOS, Terezinha de J. V. O Grito do Ipiranga na cidade do Rio Grande, op. cit., p. 119. 96

VIEIRA; Euripedes Falcão. Rio Grande: geografia física, humana e econômica, op. cit., p. 134.

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Vieira e Rangel comentam que a diversificação do setor industrial atingira índices

de um potente distrito industrial. Ele explicita sua percepção desta maneira:

A diversificação industrial corresponde aos seguintes tipos de indústrias

atuantes em Rio Grande: transformação de produtos minerais não-

metálicos, metálicos, mecânica, material de transporte, madeira,

mobiliário, borracha, química, perfumaria, sabões e velas, têxtil,

vestuário, calçados e artefatos de tecidos, produtos alimentares, fumo,

editorial e gráfica, fertilizantes, óleos vegetais, petróleo, sal, construção

civil97

.

Observamos que o distrito industrial de Rio Grande se transformou em uma

potência em âmbito nacional. E, a partir disso ganhou enorme incentivo governamental

para aumentar seu potencial de infra-estrutura. Podemos dizer que esse fato pode ser

denominado de “Período do Superporto e Distrito Industrial”, transformando Rio Grande

num potente complexo industrial, num dos maiores da América Latina, já na década de

1970.

De acordo com Vieira e Rangel,

A partir de 1970, nova e grande fase de progresso começou a se delinear

para o município do Rio Grande. A transformação da área portuária em

grande terminal marítimo, nele desembocando os corredores da

exportação da produção gaúcha, criou em Rio Grande a condição de pólo

de desenvolvimento. Como conseqüência natural, a política dos distritos

industriais, em voga no início da década de 70, destinou a área do

retroporto à instalação do distrito industrial de Rio Grande. O terminal

marítimo não se limitou a uma expansão das instalações portuárias

existentes, mas inclusive utilizando nova área, nas margens do canal de

acesso, junto à Quarta Secção da Barra. As obras foram iniciadas com a

construção do primeiro terminal graneleiro, de responsabilidade da

Cotrijuí, em 1969. Outras obras se seguiram, como silos verticais,

terminal de carnes, todas obras de grande porte e vultosos investimentos

públicos98

.

Com toda a infra-estrutura viária-energética, abastecimento de água

colocada em termos adequados à implantação do terminal portuário e

distrito industrial, o crescimento do Rio Grande em termos de

desenvolvimento sócio-econômico foi extremamente rápido. A política de

planejamento das atividades econômicas pelo setor público mostrou sua

97

VIEIRA; Euripedes Falcão. Rio Grande: geografia física, humana e econômica, op. cit., p. 135. 98

VIEIRA; Euripedes Falcão, Rio Grande: geografia física, humano e econômica, op. cit., p. 135-137.

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60

eficiência, garantindo o estímulo necessário ao plano de desenvolvimento

da economia rio-grandense99

.

Portanto, notamos com tudo isso o desenvolvimento de uma civilização urbano-

industrial de grande vulto em Rio Grande. A crescente industrialização, subsidiada pelo

Estado brasileiro, ocorreu em um processo de mutação dos ambientes tanto aquáticos

quanto terrestres da geografia do município. A partir daqui, verificaremos e analisaremos as

conseqüências da industrialização rio-grandina e seus perigos e impactos ambientais.

2.7 – Industrialização e meio ambiente em Rio Grande

Como vimos no desenvolvimento do nosso trabalho, a industrialização mundial

decorreu de um processo longo, porém contínuo. Nesse sentido, inserido nesse contexto,

Rio Grande apresentou grande desenvolvimento, decorrente de industrialização, num

primeiro momento, espontânea, e num segundo momento, subsidiada pelo Estado.

Em decorrência dessa dinâmica, vimos que a industrialização trouxe alguns

benefícios econômicos, mas perigos ecológicos. Sabemos que os prós se caracterizam pelo

desenvolvimento que a região atingiu em termos materiais; já os contras verificamos na

dinâmica das conseqüências sócio-ambientais.

Vieira e Rangel caracterizam a industrialização projetada e subsidiada pelo Estado,

em Rio Grande: “O novo processo de industrialização que se iniciou em Rio Grande a

partir dos grandes investimentos públicos de infra-estrutura na área do Superporto e Distrito

Industrial, projeta alguns problemas [...]100

.

O progresso de uma sociedade era medido por sua produção e não pelo ambiente

preservado. Vieira e Rangel comentam: “A transformação de matérias-primas em outros

bens-de-produção e bens-de-consumo definem um estágio importante do próprio

desenvolvimento da sociedade”101

.

A sociedade é assim caracterizada pelo seu grau de produção, ou seja, pelo que

produz e como produz. Essa produção necessita de planejamento, que no Brasil, de acordo

com Vieira e Rangel, se apresenta dessa maneira: “[...] processo de planejamento, [...]

99

VIEIRA; Euripedes Falcão. Rio Grande: geografia física, humana e econômica,op. cit., p. 138-139. 100

VIEIRA; Euripedes, Falcão. Rio grande: geografia física, humana e econômica,op. cit., p. 150. 101

VIEIRA; Euripedes Falcão. Rio Grande: geografia física, humana e econômica, op. cit., p. 150.

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interesses públicos e privados. Essa dualidade de interesse é muito típica dos países em

desenvolvimento, onde o poder público tem uma participação ativa não só em obras de

infra-estrutura como diretamente no processo produtivo”102

.

O assunto acima exposto foi o que propusemos explicar no capítulo acerca do

contexto brasileiro. Nesse sentido, o projeto do desenvolvimento econômico brasileiro teve

como grande orientador e subsidiário o Estado e não uma classe específica (como ocorrera

na Revolução Industrial pioneira).

O Estado projetou o tipo de distribuição e incentivo no setor industrial, subsidiou

através de mecanismo de acumulação de renda e direcionou para o desenvolvimento

industrial. O Estado brasileiro privilegiou como centro de sua economia a empresa

industrial-capitalista.

A partir disso, conseguiu-se construir distritos industriais mais produtivos, mas

altamente nocivos aos ecossistemas, por sua diversificação na produção e matérias-primas e

produtos finais altamente poluentes. Outros aspectos do projeto são descritos por Vieira e

Rangel:

Outra característica do processo de industrialização é a descentralização,

ou melhor, a distribuição das unidades ou conjuntos fabris em áreas

adequadas em função da matéria-prima, sistema de transporte, mão-de-

obra, interesse social e a formação de pólos de desenvolvimento103

.

Vieira e Rangel expõem que o projeto do Estado brasileiro está vinculado a

interesses públicos e privados. Desse modo, permeado pelos incentivos tanto públicos

quanto privados, Rio Grande desenvolveu-se como pólo industrial altamente complexo. O

autor nos coloca o porquê de Rio Grande ter sido escolhido para abarcar uma obra de tal

vulto: “Em Rio Grande o processo de industrialização, em sua nova fase, obedeceu a

imperativos ligados à localização geográfica, tendo os meios de transporte como

componente essencial do sistema”104

.

Notamos dois tipos de industrialização em Rio Grande. O primeiro é de

característica espontânea, onde a iniciativa privada toma a frente do projeto e o desenvolve.

O outro tipo de industrialização é a programada. Esta caracteriza-se por ser projetada, de

102

VIEIRA; Euripedes Falcão. Rio Grande: geografia física, humana e econômica, op. cit., p. 151. 103

VIEIRA; Euripedes Falcão. Rio Grande: geografia física, humana e econômica, op. cit., p. 151. 104

VIEIRA; Euripedes Falcão. Rio Grande: geografia física, humana e econômica, op. cit., p. 151.

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acordo com um planejamento, penetrada por um tipo de política para o setor econômico

através do Estado.

A partir dessa dinâmica, foi incentivada pelo governo uma política de

desenvolvimento nacional e regional do tipo industrial. Rio Grande foi escolhido como pólo

de desenvolvimento, visando a equilibrar o balanço de pagamentos e incentivos à economia

de exportação. Essa política econômica se caracterizava pelas grandes safras, produzidas

para suprir o mercado externo. Vieira e Rangel comentam:

A política das grandes safras exigiu investimentos consideráveis em

transporte e armazenamento. Nasceram os corredores de exportação com

terminalidade no porto de Rio Grande. Os corredores de exportação

envolveram os transportes ferroviários, rodoviários e hidroviários105

.

O ambiente histórico de Rio Grande estava em transformação – sua área urbana e

seus recursos naturais. Indústrias foram sendo desenvolvidas, a infra-estrutura sendo

construída e a expansão industrial sendo incentivada. Para tal empreendimento ser

fomentado e desenvolvido, conforme Vieira e Rangel, “foi necessária a ampliação do porto

novo e a projeção do chamado Superporto, estritamente, como para o distrito industrial

correu por conta do planejamento público”106

.

Em contraponto a todo esse crescimento industrial, Vieira e Rangel assim nos

explicam com relação ao ambiente geo-histórico rio-grandino:

O crescimento industrial tem também seus aspectos negativos. É preciso

muito cuidado com o meio ambiente, principalmente em se tratando de

zona estuarial, mantenedora de grande riqueza ecossistêmica. De um

modo geral os pólos de desenvolvimento, ou mais especialmente os

distritos industriais, tornam-se terríveis focos de poluição ambiental com

dejetos tecnogênicos devastadores aos recursos naturais e biológicos,

nomeadamente para o caso rio-grandino107

.

Nessa passagem de Vieira e Rangel, verificamos os perigos da expansão industrial e

em conseqüência as ações de poluição, desencadeadas pelos dejetos industriais gerados

pelas fábricas. Vieira e Rangel comentam sobre a posição geográfica de Rio Grande:

105

VIEIRA; Euripedes Falcão. Rio Grande: geografia física, humana e econômica, op. cit., p. 152. 106

VIEIRA; Euripedes Falcão. Rio Grande: geografia física, humana e econômica, op. cit., p. 152-153. 107

VIEIRA; Euripedes Falcão. Rio Grande: geografia física, humana e econômica, op. cit., p. 155.

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A posição geográfica de Rio Grande é de grande importância ecológica. O

meio ambiente apresenta um notável cenário de vida, a partir da

consideração de sua feição estuarial e costeira. Os ambientes estão

profundamente ligados por condições naturais, favorecendo a presença de

extraordinários ecossistemas. A vida que se desenvolve nos dois

ambientes repousa nas trocas permanentes da matéria e energia. É na

verdade uma parte da biosfera em circuito constante e de certo modo

fechado108

.

O ambiente natural de Rio Grande apresenta características importantes à cadeia

alimentar, por sua rica gama de espécies nativas tanto da fauna quanto da flora, em

decorrência dos ambientes naturais marinhos e terrestres. A relação entre ambiente cultural

e ambiente natural se apresenta em Rio Grande em uma linha muito tênue de coexistência.

Verificamos isso mais claramente na obra de Vieira e Rangel:

Aqui a relação sociedade-natureza coexiste em linha de fronteira. São

necessários cuidados extremos para evitar-se prejuízos no que pode

considerar “interesses vitais próprios”. Para Rio Grande a industrialização

é um interesse vital próprio; mas não o é em menor escala a preservação

dos seus ricos ecossistemas109

.

Os autores querem dizer que o planejamento com relação à industrialização deve ser

desenvolvido respeitando os limites do ambiente natural. As linhas de coexistência entre

cultura e natureza devem ser preservadas e cuidadosamente estabelecidas. A preservação

ambiental é também de interesse vital próprio, pois os ecossistemas de Rio Grande

dependem desse cuidado. Uma industrialização imprudente geraria as mais nocivas

distorções à vida, tanto da fauna e como da flora, e inclusive à vida humana.

Sabemos que Rio Grande está exposta as mais variadas formas de componentes

altamente químicos. De acordo com Vieira e Rangel,

Não se deve esquecer que algumas das principais fontes poluidoras já

operam em Rio Grande, liberando produtos tóxicos de elevado grau de

nocividade: gás carbônico, óxido de carbono, bióxido de enxofre, diversos

compostos químicos ausentes em estado natural, substâncias sólidas em

suspensão no ar atmosférico, produtos liberados do refino do petróleo,

mercúrio, chumbo, cádmio e o perigoso cancerígeno benzapireno. Em

termos do processo de urbanização, funcionam como agentes principais

108

VIEIRA; Euripedes Falcão. Rio grande: geografia física, humana e econômica, op. cit., p.155. 109

VIEIRA, Euripedes Falcão. Rio Grande: geografia física, humana e econômica, op. cit., p. 156.

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da poluição: os transportes (rodoviários, ferroviários, hidroviário-

marítimos) e as empresas industriais110

.

Nesse contexto, em meio a um regime autoritário, cujo cerne do programa de

desenvolvimento são os distritos industriais, surge o movimento ecológico. Esse

movimento tem sua representatividade em Rio Grande através da AGAPAN. Sua

expressão, em meio a uma sociedade urbano-industrial, é desenvolvida através da imprensa

local. Os militantes ecológicos se expressam através das Crônicas Ecológicas do jornal

Agora.

Portanto, logo após da descrição do ambiente histórico de Rio Grande, verificamos

que a militância escrita da AGAPAN Rio Grande desenvolveu um mecanismo de

“militância escrita”, que questionava o projeto dos distritos industriais e todo o modo de

vida urbano-industrial.

Nesse sentido, verificamos através da obra de Vieira e Rangel, a dinâmica histórica

ambiental, seus benefícios econômicos e seus perigos ecológicos. O contexto de Rio

Grande é um campo rico em se tratando de estudos ambientais, por decorrência da

dinâmica industrial aqui desencadeada. Observamos que a preocupação dos ecologistas da

AGAPAN era fundamentada, pois o complexo industrial de Rio Grande desenvolvera as

mais variadas distorções tanto de cunho social como de cunho ambiental.

Compreendemos através da análise de discurso das Crônicas Ecológicas, que a

industrialização rio-grandina caracterizava-se como sendo altamente perigosa em termos

ecológicos.

Finalmente, analisaremos os discursos dos militantes da AGAPAN no jornal Agora,

que questionam o projeto desenvolvimentista do Estado brasileiro, através de sua

“militância escrita”.

110

VIEIRA, Euripedes Falcão. Rio grande: geografia física, humana e econômica, op. cit., p. 157.

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3 – UMA INTRODUÇÃO À ECOLOGIA: ORIGENS, EVOLUÇÃO E

ESTABELECIMENTO DO MOVIMENTO ECOLÓGICO E SUA “MILITÂNCIA

ESCRITA”

3.1 – O desenvolvimento das quatro ecologias

Sabemos através de produção escrita que diz respeito ao assunto aqui abordado, que

o conceito primeiro de ecologia vem datado do século XIX, quando designava o nome de

uma disciplina acadêmica. No decorrer do século XX, o conceito veio se adaptando às

diversas lutas e movimentos sociais e ganhando espaço considerável nas discussões globais,

por causa da atual e histórica crise ambiental. Por isso, acreditamos ser prudente explicitar

aqui a evolução do conceito de ecologia e descrevermos o raio de ação do pensamento

ecológico, ou seja, as quatro ecologias. Podemos observar que é um movimento tanto

teórico como empírico, ou seja, tanto na ação como no pensamento. O conceito de ecologia

nos remete a algo que diz respeito à natureza, e que está a par da cultura. Verificamos que,

no desenvolver das discussões acerca do termo, ganhou caráter universal, como diz Antônio

Lago:

Em 1866, o biólogo [...] Ernest Haeckel, em sua obra Morfologia geral

dos organismos, propôs a criação de uma [...] disciplina científica, ligada

ao campo da biologia, [...] função estudar as relações entre as espécies

animais e o seu ambiente orgânico. Para denominá-la, ele utilizou a

palavra grega oikos (casa) e cunhou o termo “ecologia” (ciência da

casa)111

.

Nesse sentido, verificamos que ecologia quer dizer ciência que estuda a casa, ou

seja, que estuda as espécies animais em seus habitats (meio ambiente). Porém, com o

desenvolver do pensamento científico e anseios sócio-ambientais, a palavra ecologia vem

ganhando um caráter mais amplo. Isso verificamos em uma passagem de Antônio Lago:

[...] a ampla gama de idéias, projetos e visões de mundo que reivindica

hoje em dia o uso da palavra “Ecologia” [...]: em 1980, gigantescas

manifestações de centenas de milhares de pessoas, comparáveis apenas às

manifestações da década de 60 pelos direitos civis e contra a guerra do

Vietnã, estenderam por diversas cidades americanas para protestar contra

111

LAGO, Antônio. O que é ecologia. São Paulo: Abril Cultural: Brasiliense, 1985.

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66

os perigos ecológicos do uso da energia nuclear, estimulada pela pane na

usina de “Three Miles Island”, em Harrisburg112

.

Podemos verificar, a partir de tais considerações, que a ecologia se socializou em

termos de expressão, ou seja, de disciplina acadêmica e científica se transformou em

movimento social. A ampla referência de idéias e grandes contingentes de militantes

ecológicos mostra o caráter de movimento social, ou seja, o ambientalismo abrange uma

gama de pensamento com diversas tendências político-sociais, militante-ativistas e teóricas,

tendo até mesmo um novo projeto de sociedade, no caso do ecologismo.

Segundo Antônio Lago,

Podemos ver [...] que a palavra Ecologia não é usada em nossos dias

apenas para designar uma disciplina, cultivada em meios acadêmicos, mas

também para identificar um amplo e variado movimento social, em certos

lugares e ocasiões chega a adquirir contornos de um movimento de

massas e uma clara expressividade política113

.

[...] o movimento social que surgiu a partir da questão da ecologia, o

chamado “movimento ecológico”, não é de forma alguma homogêneo e

unitário. Incorporados nesta classificação temos desde cientistas, amantes

da natureza e empresários até representantes de correntes socialistas,

libertárias, contraculturais e um amplo espectro de idéias e modos de vida

paralelos ou alternativos ao estilo de vida dominante nas modernas

sociedades industriais114

.

Verificamos que, em contraponto ao projeto capitalista urbano-industrial, o

movimento ecológico propõe um novo modo de vida, uma nova forma de organização da

sociedade em seu modo de produzir, e como um todo, trazendo a voga uma nova forma de

projeto e costumes para o social. Uma forma comunitária e ambientalmente correta dentro

dos padrões sustentáveis.

A partir de tais considerações, organizaremos com o auxílio do autor Antônio Lago

as divisões da ecologia, ou seja, da Ecologia Natural ao Ecologismo. A ecologia se divide

em Ecologia Natural, Ecologia Social, Conservacionismo (ao qual daremos enfoque

especial) e o Ecologismo.

112

LAGO, Antônio. O que é ecologia, op. cit, p. 8. 113

LAGO, Antônio. O que é ecologia, op. cit, p. 8. 114

LAGO, Antônio. O que é ecologia, op. cit, p. 10.

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67

Primeiramente, apresentamos a Ecologia Natural: “A Ecologia Natural foi a primeira a

surgir, é a área do pensamento ecológico que se dedica a estudar o funcionamento dos sistemas

naturais [...], procurando entender as leis que regem a dinâmica de vida da natureza ”115

.

Verificamos que a Ecologia Natural se caracteriza por estudar as espécies da fauna e

flora em seus ambientes específicos, tentando entender e descrever a dinâmica dos

ecossistemas. O objeto de estudo da Ecologia Natural são as cadeias alimentares em seus

ambientes naturais.

Em segundo lugar, se apresenta como expressão acadêmica da ecologia, a Ecologia

Social, que assim é definida por Lago:

A Ecologia Social [...] nasceu a partir do momento em que a reflexão

ecológica deixou de se ocupar apenas do estudo do mundo natural para

abarcar também os múltiplos aspectos da relação entre os homens e o

meio ambiente, [...] a forma pela qual a ação humana costuma incidir

destrutivamente sobre a natureza. [...] campos das ciências sociais e

humanas116

.

Dessa forma, o objeto de estudo da Ecologia Social é a ação humana no ambiente.

Essa ciência estuda e verifica os impactos da cultura humana no ambiente natural, ou seja,

toda ação humana desenvolvida no sentido de transformação do meio ambiente é abarcada

pelo estudo da Ecologia Social. Verificamos que a Ecologia Social é de extrema relevância

para este estudo, pois essa disciplina nos mostra os exemplos de impactos ambientais para

podermos fazer um comparativo com o contexto local de Rio Grande.

Em terceiro lugar, o foco principal do nosso trabalho, o Movimento

Conservacionista, e sua expressão em Rio Grande, a AGAPAN (Associação Gaúcha de

Proteção ao Ambiente Natural), que se expressava na imprensa rio-grandina, mais

especificamente no jornal Agora. De acordo com Lago, o Conservacionismo assim pode ser

descrito:

O Conservacionismo nasceu justamente da percepção da destrutividade

ambiental da ação humana. Ele é de natureza prática e engloba o conjunto

das idéias e estratégias de ação voltadas para a luta em favor da

115

LAGO, Antônio. O que é ecologia, op. cit, p. 14. 116

LAGO, Antônio. O que é ecologia, op. cit, p. 14.

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68

conservação da natureza e da preservação dos recursos naturais. [...]

defesa do ambiente natural [...]117

.

Na década de 1970, em Rio Grande, esse movimento teve grande expressão através

das Crônicas Ecológicas do jornal Agora, onde alguns membros da AGAPAN se

expressavam em defesa do ambiente natural e contra o projeto dos militares (distritos

industriais). Esse movimento luta pela preservação da natureza, que sofre os impactos da

ação humana. Os conservacionistas não têm um projeto distante do capitalista, porém

colocam a possibilidade de manutenção do sistema de forma a usar o turismo ecológico e

histórico em prol do ganho de recursos financeiros. É a dita “indústria sem fumaça”, ou

seja, lucratividade através da “civilização do lazer”.

Em quarto lugar, apresentamos o Ecologismo, um novo projeto de sociedade que

surgiu das discussões justamente das outras expressões da ecologia juntamente com

diversos segmentos da sociedade. Lago assim define o Ecologismo:

[...] Ecologismo, que vem se constituindo como um projeto político de

transformação social, calcado em princípios ecológicos e no ideal de uma

sociedade não-opressiva e comunitária. A idéia central do Ecologismo é

de que a resolução da atual crise ecológica não poderá ser concretizada

apenas com medidas parciais de conservação do ambiente, mas sim

através de uma ampla mudança na economia, na cultura e na própria

maneira de os homens se relacionarem entre si e com a natureza118

.

Dessa maneira, verificamos que o projeto do Ecologismo propõe uma ruptura com o

atual modo de vida urbano-industrial capitalista. Conforme expressa Antônio Lago, esse

projeto vem sendo desenvolvido pelo anseio de diversas facções sociais que reivindicam

seu espaço e um novo modo de vida comunitário e ambientalmente correto, pelo menos na

teoria.

No fundo, elas são diferentes facetas de uma mesma realidade e se

complementam mutuamente: a Ecologia Natural nos ensina sobre o

funcionamento da natureza, e Ecologia Social, sobre a forma como as

sociedades atuam sobre o funcionamento, o Conservacionismo nos

conduz à necessidade de proteger o meio natural como condição para a

117

LAGO, Antônio. O que ecologia, op. cit, p. 14-15. 118

LAGO, Antônio. O que ecologia, op. cit, p. 15.

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69

sobrevivência implica uma mudança nas bases mesmas da vida do homem

na Terra119

.

Após ter esboçado, em breve passagem, as quatro expressões da Ecologia, e também

ter explicado através da obra de Antônio Lago o conceito de Ecologia, pretendemos centrar

nosso foco de atenção na origem do movimento ecológico no Brasil. Essa origem se

caracteriza por ser em contexto ímpar: os militares tinham atingido um “êxtase de

industrialização elevada” e um “progresso material” jamais visto na história do Brasil,

porém com grande repercussão no ambiente natural. Esse projeto industrial teve grande

expressão em Rio Grande, com investimentos elevados na área portuária, píer petroleiro e

desenvolvimento do Distrito Industrial.

3.2 – Origens e evolução do movimento ecológico no Brasil

Em um contexto muito específico, surge no Brasil o movimento político ecológico.

Esse movimento é caracterizado pela enorme gama de idéias e de reivindicações exercidas

pelas diversas facções e classes sociais. Não é um movimento “classista”, no sentido

marxista da palavra. Caracteriza-se por não ter uma identidade de classe social; seus

anseios são mais abrangentes e dizem respeito à manutenção da vida como um todo. Porém,

o cerne do nosso trabalho é a pesquisa acerca da expressão conservacionista do Movimento

Ecológico. Nesse sentido, pretendemos esboçar a emergência do movimento como um

todo, e, logo após, analisar o Conservacionismo através da “militância escrita”, e dar um

destaque especial aos discursos ecológicos escritos pelos membros e para a entidade de

preservação do ambiente natural (AGAPAN) em Rio Grande. Situaremos o tema no

contexto e, finalmente, esboçaremos a abrangência e evolução do Movimento Ecológico.

Carlos Walter Porto Gonçalves assim situa o contexto histórico-cultural de onde

emerge o Movimento Ecológico no Brasil:

A década de 1970 marca a emergência, no plano político, de uma série de

movimentos sociais, dentre os quais o ecológico. Até então, o

questionamento da ordem sócio-política e cultural estava por conta dos

movimentos que – de diferentes maneiras – se reivindicavam socialistas

(os sociais-democratas, os comunistas e mesmo os anarquistas). O

119

LAGO, Antônio. O que ecologia, op. cit, p. 16-17.

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70

movimento operário constituía o eixo em torno do qual se fazia a crítica

teórica e prática da ordem instituída e o capitalismo aparecia como a

causa de todos os males com que os homens se defrontavam. Toda uma

cultura, cujas matrizes estão localizadas no século XIX, havia se

desenvolvido no interior do movimento operário. No século XX, em

alguns países do mundo, ocorrem revoluções que se proclamam

socialistas e que vão tentar pôr em prática outros princípios de

organização social120

.

Nesse sentido, o movimento ecológico é fruto de diversas tendências sociais e

marca a preocupação com o que estava acontecendo no contexto global. Após a Segunda

Guerra Mundial, o mundo foi dividido em dois blocos de influências. De um lado, o bloco

capitalista, sob a influência dos Estados Unidos da América. De outro lado, sob influência

da União Soviética, o projeto de sociedade socialista. Para que esses dois blocos se

mantivessem e fossem respeitados e temidos, construíram enormes arsenais, inclusive

nucleares, “progresso e desenvolvimento” – sem falar na urbanização desenfreada e no

industrialismo devastador, conforme concepção dos conservacionistas. Isso representava

uma ameaça à manutenção da vida global e o movimento ecológico emerge para questionar

esse modo de vida.

Conforme Gonçalves,

A década de 1960 assistirá, portanto, ao crescimento de movimentos que

não criticam exclusivamente o modo de produção, mas,

fundamentalmente, o modo de vida. E o cotidiano emerge aí como

categoria central nesse questionamento. É claro que cotidiano e História

não se excluem; todavia há um deslocamento de ênfase: enquanto o

movimento operário em sua vertente marxista dominante (social-

democrata e leninista) insistia na “missão histórica do proletariado” que,

uma vez vitorioso sobre a burguesia capitalista, resolveria então todos os

problemas cotidianos, os movimentos que emergem na década de 1960

partem da situação concreta de vida dos jovens, das mulheres, das

“minorias” étnicas, etc., para exigir a mudança dessas condições. É como

se observássemos um deslocamento do plano temporal (História, futuro)

para o espacial (o quadro de vida, o aqui e o agora)121

.

Talvez nenhum outro movimento social tenha levado tão a fundo essa

idéia, na verdade essa prática, de questionamento das condições presentes

de vida. Sob a chancela do movimento ecológico, vemos o

desenvolvimento de lutas em torno de questões as mais diversas: extinção

de espécies, desmatamento, uso de agrotóxicos, urbanização desenfreada,

120

GONÇALVES, Carlos Walter Porto. Os descaminhos do meio ambiente, 1993. 121

GONÇALVES, Carlos Walter Porto. Os descaminhos do meio ambiente, op. cit., p. 11-12.

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explosão demográfica, poluição do ar a da água, contaminação de

alimentos, erosão dos solos, diminuição das terras agricultáveis pela

construção de grandes barragens, ameaça nuclear, guerra bacteriológica,

corrida armamentista, tecnologias que afirmam a concentração de poder,

entre outros122

.

Portanto, podemos concluir depois de tais evidências explícitas, que o movimento

ecológico é fruto de um contexto de crise global. O mundo dividido entre dois blocos, a

ameaça nuclear, a civilização urbano-industrial e suas conseqüências sociais, e os demais

impactos ambientais que vem sofrendo no decorrer da história do “progresso industrial”.

Logo após o desenvolvimento das forças produtivas na Inglaterra e depois no mundo todo,

podemos ver a inserção de um novo modo de vida: o capitalista urbano-industrial.

Finalmente, o movimento ecológico questiona toda essa forma de viver, e sua luta maior é

pela manutenção da vida no planeta. Nesse sentido, delimitamos o tema aqui abordado,

tomando as “Crônicas Ecológicas” que dizem respeito ao questionamento do DIRG

(Distrito Industrial de Rio Grande). Os militantes da AGAPAN de Rio Grande têm seu foco

de crítica em torno dessa expressão do “progresso industrial”. Por fim, verificamos aqui o

conceito de totalidade expresso pelo método utilizado aqui, o foco de observação situado na

parte (distrito industrial rio-grandino) que é expressão do todo sociedade urbano-industrial

capitalista. Finalmente, verificamos o nível de totalização do objeto proposto. O conceito

de totalidade aqui expresso é verificado pelos impactos causados pela indústria ao meio

ambiente. Em se tratando de equilíbrio ecológico, tudo está ligado a tudo, e isso é uma

totalidade mais abrangente, como expressa o conceito desenvolvido na nossa metodologia

por Leandro Konder.

3.3 – A emergência da entidade AGAPAN no Rio Grande do Sul

No Rio Grande do Sul, o ambientalismo se fez pioneiro em se tratando de

movimento ecológico consciente e com expressão teórica. Essa “militância escrita” começa

a ganhar o “terreno histórico” em meados da década de 1930.

De acordo com Augusto Cunha Carneiro,

122

GONÇALVES, Carlos Walter Porto. Os descaminhos do meio ambiente, op. cit., p. 12.

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72

Em 1939, no auge da navegação fluvial no Rio Grande do Sul, um

desconhecido funcionário da Capitania dos Portos, setor do Rio dos Sinos,

São Leopoldo, Henrique Luís Roessler, começou a se interessar pela

defesa da Natureza, de forma pioneira no Brasil, intervindo na caça,

pesca, desmatamento, poluição, e fazendo Educação Ambiental através de

boletins. Roessler usava as possibilidades dentro da sua repartição e, mais

tarde, pedia às empresas comerciais que pagassem os impressos de

propaganda. Em 1955 começou a escrever crônicas semanais, publicadas

no jornal de maior circulação do estado, o Correio do Povo123

.

No início, parecia que Roessler trabalhava só e que as reivindicações dele não

ganhariam consistência. Depois, vários militantes começaram a engrossar as fileiras do

movimento ecológico, inclusive de sua “militância escrita”, no decorrer das décadas de 40,

50, 60 e 70 do século XX.

Conforme Carneiro,

Henrique Luís Roessler morreu em 1963. Por volta de 1965, um seguidor

dele começou a escrever e publicar crônicas em defesa da Natureza, desde

esse ano até 1975. O seguidor era Nicolau A. Campos, que depois ajudou

a fundar a AGAPAN – Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente

Natural –, a ONG que desencadeou por todo país, pioneiramente, a luta

ambientalista. A orientação de luta dos iniciadores, somada à capacidade

de Lutzenberger em fazer conferências, projetaram a AGAPAN nacional e

internacionalmente124

.

Assim, verificamos que a AGAPAN nasceu sob a influência de Roessler e que

garantiu sua expressão no movimento ecológico a partir da atuação de Nicolau Campos e

José Lutzemberger. Este teve papel primordial na evolução da entidade e grande influência

ativista e teórica. Podemos dizer que José Antônio Lutzemberger é uma grande referência

no pensamento e na causa ecológica, de acordo com os autores lidos para este trabalho.

A gênese da AGAPAN pode assim ser complementada, de acordo com Gonçalves:

[...] em finais da década de setenta, com a anistia, retornaram ao Brasil

diversos exilados políticos que vivenciaram os movimentos ambientalistas

europeus e que vão trazer um enorme enriquecimento do movimento

ecológico brasileiro. Juntar-se-ão a outros que aqui já vinham defendendo

teses ecologistas, como é o caso de José Lutzemberger. [...] o movimento

ecologistas é socialmente mais enraizado no Rio Grande do Sul, onde a

AGAPAN (Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural) reuniu

ecologistas a partir da luta contra a Borregaard, empresa multinacional

123

CARNEIRO, Augusto Cunha. A história do ambientalismo. Porto Alegre: Sagra Luzzato, 2003. 124

CARNEIRO, Augusto Cunha. A história do ambientalismo, op. cit., p. 17-18.

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73

que poluía as águas do rio Guaíba, na Grande Porto Alegre e onde José

Lutzemberger, ex-agrônomo de uma grande empresa de agrotóxicos,

rompe com a perspectiva da agroquímica e assume profundamente a causa

ecológica e social125

.

Assim, o movimento ecológico ganha consistência e começa a ter grande expressão

através da imprensa e de conferências realizadas para discutir questões ambientais. A

orientação do movimento da AGAPAN é de caráter conservacionista, primando pela defesa

do ambiente natural. A AGAPAN em um primeiro momento não apresenta nenhum projeto

social que pudesse substituir o projeto capitalista. Os conservacionistas se limitavam em

questionar o modelo industrial e descrever sua ação no ambiente natural, além de exaltar o

valor dos recursos naturais. Sua proposta era de um capitalismo calcado no turismo

ecológico e histórico, como verificamos nas Crônicas Ecológicas do jornal Agora.

Assim, de diferentes lugares emergem discursos ecológicos e práticas

contraditórias entre si. Do ponto de vista das elites empresariais e

tecnoburocráticas, a maior parte dos ecologistas são românticos e contra o

progresso e o desenvolvimento. Em nenhum momento admitem que os

ecologistas são contra a sua concepção de progresso e de

desenvolvimento126

.

Verificamos que no âmbito de Rio Grande a AGAPAN se fez presente. Luiz Felipe

Pinheiro Guerra e outros militantes da AGAPAN de Rio Grande, através da imprensa,

publicaram as Crônicas Ecológicas na década de 1970 e fizeram parte da entidade desde a

sua fundação local. No jornal Agora, conseguimos investigar e construir uma incipiente

percepção acerca da militância da AGAPAN em Rio Grande. Em termos de preservação,

investigação e relatos jornalísticos, os membros da AGAPAN foram ativistas ferrenhos no

que concerne às questões ecológicas locais. A partir de suas Crônicas Ecológicas podemos

verificar a influência do pensamento predominante dentro da AGAPAN rio-grandina e o

cerne de sua luta. O foco central de seu questionamento era o Distrito Industrial de Rio

Grande, que, segundo os militantes da AGAPAN, era altamente nocivo aos ecossistemas,

chegando até a denominar o Distrito Industrial de “projeto devastador”.

Portanto, concluímos que Rio Grande pode ser inserido como referência de

pensamento ambiental no que diz respeito ao movimento ecológico político consciente. A

125

GONÇALVES, Carlos Walter Porto. Os descaminhos do meio ambiente, op. cit., p. 15-16. 126

GONÇALVES, Carlos Walter Porto. Os descaminhos do meio ambiente, op. cit., p. 16.

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AGAPAN teve sua expressão muito ativa e marcante em Rio Grande. Finalmente,

concluímos que Rio Grande precisava ter uma entidade que reivindicasse a preservação do

ambiente natural e a AGAPAN foi essa expressão, como verificamos nas Crônicas

Ecológicas do jornal Agora na década de 1970. Seu ativismo foi muito importante, tanto

teoricamente como empiricamente. Enfim, a conclusão a que chegamos é que os membros

da AGAPAN apresentavam, ou na melhor das intenções, tentavam discutir com a

comunidade os problemas ecológicos existentes em Rio Grande, através das Crônicas

Ecológicas do jornal Agora. Isso possibilitava pelo menos despertar uma consciência

ecológica local, como era pretendido pelos membros da AGAPAN Rio Grande, como

iremos verificar.

3.4 – AGAPAN e sua “militância escrita”

A expressão escrita do movimento ecológico vem se fundamentando no decorrer do

século XX, e pode ser encontrada em diversos países, de diversas formas. Foi através de

vários veículos de informação que se desenvolveu esta “militância escrita”. Essa

manifestação escrita pode ser encontrada em vários continentes, como Europa, América do

Norte e, principalmente, se fazendo pioneira, a América do Sul.

Nesse sentido, explicitaremos, a partir de agora, a “militância escrita” no tempo

histórico e no ambiente histórico.

Conforme Augusto Cunha Carneiro,

Os cientistas-escritores (ecologistas) contribuíram com o grande e maior

impulso inicial. Da França, Jean Dorst deu para o mundo Antes que a

natureza morra. [...] Também na França, J. Charbonneau e outros

realizaram a melhor obra que surgiu: Enciclopédia da ecologia; dos

Estados Unidos, Richard Falk, com Morte e sobrevivência da Terra;

Eugene Schwartz, com Inflação da técnica – declínio da tecnologia

moderna; Paul Ehrlich, com População – recursos – ambiente; Rachel

Carson, com Primavera silenciosa; Hermam Daly, com A economia do

Século XXI; Stewart Udall, com A crise silenciosa – a tragédia do

desmatamento e da erosão; na Inglaterra, G. Rattray Taylor, com A

grande ameaça; na Alemanha, Hans Joachim Netzer, com Crimes contra

a natureza; e até um livro escrito para a Conferência de Estocolmo/72,

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Uma Terra somente – preservação de um pequeno planeta, de Barbara

Ward127

.

Deste modo, verificamos assim que, se a preocupação ambiental não é de âmbito

mundial, pelo menos é presente no Ocidente. Os impactos sofridos pelo meio ambiente são

questões discutidas nos grandes países ocidentais. Detectamos que a maior parte dos países

aqui citados com suas expressões escritas são altamente industrializados e urbanizados.

Nesse sentido, podemos até arriscar uma norma histórica: onde há civilização urbano-

industrial, há poluição; e onde há poluição, espera-se que tenha um movimento ecológico

ou pelo menos expressões de Ecologia para discutir essa concepção de “progresso e

desenvolvimento”.

No contexto da América Latina, mais especificamente no Brasil, encontramos

expressão escrita ambiental, e posteriormente, um forte movimento ecológico. De acordo

com Carneiro,

Também no Brasil, [...] o jovem falecido Antônio Teixeira Guerra (1969)

publicou Recursos naturais do Brasil – conservacionismo; Samuel

Murgel Branco, com Poluição – a morte dos nossos rios (1972); depois,

José Lutzemberger com Fim do futuro? – Manifesto Ecológico Brasileiro

(1975); Vasconcelos Sobrinho, de Recife, com o melhor livro de

propaganda, Catecismo da ecologia (1979)128

.

Novamente em contexto internacional, segundo Carneiro:

Em 1960 o escritor norte americano Vance Packard escreveu A estratégia

do desperdício, condenando e mostrando que a sociedade atual, visando

crescimento ininterrupto, estava – e até hoje está – criando um perigoso

caminho para o próprio planeta, que era e é a obsolescência planejada que

consiste em planificar vida curta para todos os produtos, seja através de

planos de fabricação com materiais de curta durabilidade ou através da

propaganda, quando se pode convencer o consumidor a desperdiçar de mil

formas129

.

Dessa forma, verificamos que a “militância escrita” questiona o atual modo de viver

e se reproduzir. Os ambientalistas emergem em um contexto de diversos impactos

ambientais. Esses impactos estão se fazendo presentes na história mundial desde a

127

CARNEIRO, Augusto Cunha. A história do ambientalismo, op. cit., p. 21. 128

CARNEIRO, Augusto Cunha. A história do ambientalismo, op. cit., p 21. 129

CARNEIRO, Augusto Cunha. A história do ambientalismo, op. cit., p. 21-22.

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Revolução Industrial inglesa. Porém, a vertente conservacionista do movimento ecológico

preocupou-se em apenas questionar e em apresentar uma solução voltada para o turismo

histórico-ecológico, esquecendo-se que, como falam os adeptos do Ecologismo, precisamos

de uma mudança nos costumes, mudança no modo de vermos a natureza. A humanidade

moderna vê a natureza como útil às suas necessidades; o homem antigo via a natureza

como algo divino – ocorreu uma inversão de concepção.

Em se tratando, novamente, de escritos militantes, de acordo com Carneiro,

Lutz escrevia quase todas as semanas na imprensa e, em 1975, escreveu o

livro O fim do futuro? – Manifesto Ecológico Brasileiro, sendo que nós já

tínhamos vários trabalhos avulsos de Balduíno Rambo, além de seu livro

Fisionomia do Rio Grande do Sul, de 1942; H. Luís Roessler já tinha

escrito 303 crônicas ecológicas em décadas anteriores e tinha

centralizado, na mesma época, debates sobre defesa da natureza no

Correio do Povo Rural (1957-1963)130

.

Lutzemberger também fazia conferências de alto nível. O seu principal

colaborador, organizador e mantenedor da AGAPAN, era um ex-livreiro e

ex-profissional do comunismo, que sempre soube evitar os comuns erros

dos comunistas em matéria de organização e propaganda, e ex-livreiro

que, além de seu trabalho de organização, criou um método de divulgação

de folhetos teóricos e venda de livros, dirigido em primeiro lugar aos

próprios militantes da entidade. Entre muitos livros, como a Enciclopédia

de Chaborneau; Antes que a natureza morra, de Dorst, e População –

recursos – ambiente, de Erlich, o ex-comunista vendeu mais de cinco mil

exemplares, e em livro, várias edições, num total de dez mil exemplares.

Tudo isso vem funcionando até agora, primeiro dentro, depois fora da

AGAPAN131

.

Ao verificar a quem o autor estava se referindo, concluímos que era a ele mesmo.

Chegamos essa conclusão através das “orelhas” do livro de Carneiro onde diz:

Augusto C. Carneiro nasceu em 1922. Mostrou interesse por política

desde cedo. Teve sua atenção voltada para a invasão da Etiópia pelos

fascistas de Mussolini em 1934, mas foi em 1936, com a invasão da

Espanha pelas tropas marroquinas do General Franco, que Carneiro viveu

intensamente, do primeiro ao último dia, a Guerra da Espanha. Durante a

Guerra Mundial participou de inúmeras manifestações, até que no fim

desta entrou para o Partido Comunista do Brasil.

130

CARNEIRO, Augusto Cunha. A história do ambientalismo, op. cit., p. 25. 131

CARNEIRO, Augusto Cunha. A história do ambientalismo, op. cit., p. 25-26.

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Como membro do Partido, participou de toda a propaganda dessa

organização, principalmente difundindo livros comunistas e também

como editor do importante semanário A Classe Operária.

Em 1956, com a invasão pela URSS, da Hungria, Carneiro fez parte de

numeroso grupo de dissidentes, sob o comando do Capitão do Exército

Agildo Barata, que revoltou-se, não aceitando a intervenção militar.

Afastado da política, Carneiro foi estudar, fazendo a Faculdade de Direito.

Em 1963, conheceu o primeiro ecologista do Brasil: Henrique Luís

Roessler. Em 1970 encontrou-se com Lutzemberger, e juntos deram início

à fundação da AGAPAN [...] entidade ambientalista do Brasil132

.

Assim, verificamos que a militância escrita da AGAPAN é vasta e consistente. Seus

escritos vêm evoluindo no decorrer do contexto do século XX. Tentamos esboçar um pouco

da influência do pensamento e referência teórica dos escritores ecologistas da AGAPAN

como um todo. Certamente, essa bibliografia citada acima influenciou os escritos das

Crônicas Ecológicas do jornal Agora. Analisaremos essa afirmação diretamente nas

crônicas escritas pelos militantes da AGAPAN de Rio Grande. Portanto, a partir daqui

chegamos no cerne de nosso trabalho. Finalmente, analisaremos o objeto proposto pelo

projeto de pesquisa: as Crônicas Ecológicas do jornal Agora.

4 – ANÁLISE DA CONSTRUÇÃO DO DISCURSO DA AGAPAN – NÚCLEO RIO-

GRANDINO: CRÍTICA AO DISTRITO INDUSTRIAL DE RIO GRANDE (DIRG) E

A IDENTIFICAÇÃO TEÓRICA DESSE MOVIMENTO

A partir desta etapa do trabalho, empreendemos uma análise da fonte proposta pelo

nosso projeto de pesquisa. Observaremos, analisaremos e faremos uma tentativa de

compreender os discursos dos militantes escritores da AGAPAN de Rio Grande.

Através das matérias sob o título “Crônicas Ecológicas”, eles levantaram diversas

discussões sob o prisma da ecologia. Esse fenômeno ocorreu no tempo histórico da década

de 1970, no ambiente histórico da cidade do Rio Grande.

Portanto, o projeto enfocou um assunto pertinente em se tratando de debate dos

estudos histórico-ambientais. A questão aqui levantada propõe analisarmos o discurso

ecológico acerca da industrialização de Rio Grande, ou seja, o Distrito Industrial (DIRG).

O programa de industrialização do Brasil faz parte da expressão do cerne de uma

política de desenvolvimento das forças produtivas do Estado que vem “evoluindo”, em

132

CARNEIRO, Augusto Cunha. A história do ambientalismo, op. cit., contracapa.

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termos materiais, desde a década de 1930. Marca um certo “ápice” na década de 1970, o

chamado “Milagre Brasileiro”.

Verificamos, assim, a passagem de uma sociedade rural agroexportadora para uma

sociedade urbano-industrial.

Desse modo, em se tratando de “evolução industrial”, podemos observar que esse

modo de produção traz em si suas contradições, como podemos observar nos discursos dos

militantes ecologistas.

A década de 1970 marca o ápice da “modernização infra-estrutural brasileira”, ou

seja, nesse momento a organização econômica da sociedade brasileira já é

predominantemente urbano-industrial.

Nesse contexto, surge o movimento ecológico, questionando esse modo de vida e

seus impactos com relação ao meio ambiente. Verificamos isso através de diversas

manifestações, e o exemplo enfocado aqui é o discurso ecológico dos membros da

AGAPAN de Rio Grande.

Abrindo o debate com os cronistas ecológicos, faremos um questionamento acerca

das fontes aqui utilizadas: “Qual o prisma em que os ecologistas da AGAPAN Rio Grande

visualizaram o Distrito Industrial de Rio Grande?”

Deste modo, começamos com a primeira “crônica ecológica” do jornal Agora já

questionando a forma de “progresso” desenvolvida pelo Estado no Brasil. Luiz Felipe

Pinheiro Guerra disse:

Em rápida esticada até ao Cassino, deparamos com mais progresso

naqueles páramos. Do dia para a noite, descendo o viaduto da Rede

Ferroviária, proximidades do “Mate Amargo”, imponentes placas de

firmas empreiteiras de engenharia surgiram prenunciando que canteiros de

obras do canal adutor de 25km de extensão amenizarão a sede de água

industrial de que o Distrito da 4.ª Secção da Barra está a se ressentir133

.

Notamos em Rio Grande naquele momento que é visível a expansão industrial que o

Estado brasileiro está subsidiando. Em contraponto a esse projeto, Guerra faz um alerta:

Fica, aqui o nosso apelo para que derrubem o mínimo de vegetação.

Somente aquela essencialmente necessária à construção do canal. Plantem

espécies nativas. Cerejeiras, pitangueiras, guabirobeiras. Toda intervenção

133

GUERRA, Luiz Felipe Pinheiro. Agora, Rio Grande, n. 946, 8 nov. 1978, coluna Opinião, p. 2.

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no ambiente natural deverá ser feita com o zelo de quem vai macular algo

sagrado134

.

Nesta passagem da primeira crônica, visualizamos a ideologia conservacionista do

núcleo da AGAPAN de Rio Grande. A expressão: “preservá-la é o que importa”.

Verificamos, assim, o caráter “preservacionista” de tal entidade. E Guerra reforça bem isso

na passagem abaixo, falando sobre conciliação entre o ser humano e natureza.

Ainda sobre o canal adutor: – Que glória imensa teremos ao inflar nossos

pulmões de ar naquele local, daqui a alguns anos, podermos proclamar ao

nosso filho que homens de bem do Planeta Terra lá estiveram mais

semeando do que colhendo. Conciliando o progresso e o desenvolvimento

com o meio ambiente. Harmonizando a necessidade humana com a

preservação da Natureza135

.

Na passagem abaixo, Guerra questiona a forma como será tratada a água utilizada

para fins industriais:

Já que o assunto é água, convém argüirmos nossas forças vivas

“papareias” sobre o destino que será dado a tanta água usada. Será tratada

convenientemente antes de ser lançada no canal do Porto de Rio

Grande?136

No discurso da crônica do dia 8 de novembro de 1978, o debate desenvolvido pelo

militante ecológico Luiz Felipe Pinheiro Guerra gira em torno da preservação do ambiente

rio-grandino.

Guerra percebe a natureza como sagrada. Sua preocupação é quanto à preservação

das espécies nativas e o ambiente natural. Ele critica a forma de “progresso” industrial. Em

certa passagem do texto, o ecologista explicita ser uma “glória” a conciliação entre

progresso e o desenvolvimento com o meio ambiente. Porém, não poupa crítica à forma

como é utilizada a água para a refrigeração do maquinário industrial. E questiona qual o

destino e o tratamento que será dado a esse recurso natural líquido.

Depois de 29 dias transcorridos de debates acerca de outros assuntos ecológicos, a

crônica do dia 6 de dezembro de 1978 volta a ser escrita com o enfoque nos impactos

134

Idem, ibidem. 135

Idem, ibidem. 136

Idem, ibidem.

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ambientais causados pela indústria. Podemos verificar o crescente destaque à ecologia na

imprensa:

Uma relanceada de olhos nos jornais de Porto Alegre nos dá uma idéia do

crescente enfoque que a ecologia está sendo alvo por parte da imprensa.

Aliás, assunto de cruciante interesse para nós terráqueos que pretendemos

ver esta magnífica nave espacial de complexidade infinita que é o

“Terceiro Planeta” sobrevivendo como suporte de vida, tal a conhecemos,

nos seus mais variados matizes137

.

L. F. P. Guerra, aqui, salienta a relevância que a imprensa está direcionando aos

assuntos ecológicos, entretanto situa seu foco de discussão na qualidade da água que supriu

a cidade do Rio Grande:

Particularmente, não somos técnicos, mas queremos crer não haver

necessidade de profundos conhecimentos científicos para concluirmos [...]

que a água que serve a Rio Grande já está por demais comprometida pela

poluição, e que os sistemas de sustentação da vida no meio líquido que

circunda a “Península Rio-Grandina” estão a definhar138

.

Guerra cita um exemplo da reclamação de um conhecido seu (um agente histórico

de dado contexto):

Ainda um destes dias, alguém de nosso círculo de amizade nos perguntou

o que fazer ante o óleo que o canalete carreava até os fundos da sua

morada que faz limite ao sul com o “Saco da Mangueira”. Está aí uma

pergunta que os órgãos responsáveis do meio ambiente “papa-areia”

poderiam responder139

.

Dessa maneira, Guerra descreve um exemplo de poluição no ambiente histórico rio-

grandino. Ele questiona os órgãos governamentais responsáveis pela preservação

ambiental. O cronista propõe uma medida que pode trazer solução para a ocorrência

ambiental:

Seria de urgência (porque entendemos que em preservação ambiental tudo

deve ser feito com máxima rapidez) a formação de uma comissão de

137

GUERRA, Luiz Felipe Pinheiro. Agora, Rio Grande, n. 970, 6 dez. 1978, coluna Cidade, p. 3. 138

Idem, ibidem. 139

Idem, ibidem.

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estudos para aquilatar o problema dos despejos em meio hídrico aqui em

Rio Grande140

.

A passagem acima citada demonstra a preocupação da AGAPAN quanto à poluição

em meio hídrico. Guerra em crônica exposta acima, argumenta que não é necessário ter

formação técnica para verificar os impactos desenvolvidos pelo “progresso industrial”. E,

novamente, traz a destaque o problema da poluição dos recursos hídricos de Rio Grande. Ele

coloca o exemplo do óleo que circula no canalete da Major Carlos Pinto, que está ligado ao

Saco da Mangueira.

Deste modo, verificamos que as indústrias rio-grandinas pouco faziam com relação

à preservação ambiental, como vemos no episódio descrito pelo ecologista.

Na próxima crônica, depois de três dias transcorridos de debates acerca de outros

assuntos ecológicos, no dia 9 de dezembro de 1978, voltam a ser enfocados os assuntos

acerca da indústria, em discussão acerca da metalurgia do cobre, que pretendia se instalar

em Rio Grande na década de 1980.

A metalurgia do cobre vem mesmo para Rio Grande. Assunto

comprovado. Questão de tempo, apenas, e a Eluma S/A fará parte do

complexo fabril do Distrito Industrial da 4.ª Secção da Barra, cuja área

designada já está sofrendo terraplanagem.

A previsão aponta o ano de 1984 para a entrada em operação da primeira

etapa do empreendimento metalúrgico, sendo que, naquele ano, pretende-

se produzir 100mil toneladas de lingotes e demais sub-produtos. Até

1987, a “Eluma” aumentará sua produção em mais de 50 mil toneladas141

.

Verificamos, através de Guerra, a inserção de mais uma indústria na cidade do Rio

Grande. Porém, essa indústria vem com a proposta de “não poluir”. É uma opção de utilizar

o ácido sulfúrico, um componente químico altamente poluente, para fins industriais.

Nesse sentido, Guerra expõe apenas dados que descrevem as possibilidades desse

projeto, e procura ainda uma posição de defesa. Ele não se posicionou, em dado momento,

com relação à implantação da metalurgia do cobre em Rio Grande. Guerra assim descreve

certa opção de utilização do ácido sulfúrico para a localidade:

Foi a possibilidade de “aproveitamento do ácido sulfúrico para fins

industriais, além das reservas minerais de cobre e carvão do Estado”, que

140

Idem, ibidem. 141

GUERRA, Luiz Felipe Pinheiro. Agora, Rio Grande, n. 973, 9 dez. 1978, coluna Cidade, p. 4.

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lograram êxito em escolher o Distrito Industrial de Rio Grande para

implantação de referido complexo metalúrgico142

.

A princípio parece ser um projeto que possibilitaria o desenvolvimento da região.

Porém, com algumas ressalvas, conforme citou Guerra:

[...]a “Eluma” vem com a máxima intenção e disposição de não poluir.

Sabemos que qualquer indústria de transformação de metais pesados (e

muito em especial do cobre) é, por si só, altamente poluente. Alega-se,

porém, que a tecnologia hoje existente, se bem empregada, anulará por

inteiro os agravos ao meio ambiente e à vida humana143

.

Entretanto, de acordo com Guerra, o diretor da Eluma argumentou de forma a não

ter outra opção para minimizar a poluição decorrente da emanação de ácido sulfúrico ao ar,

se expressando assim, em dado momento histórico:

O diretor da “Eluma” afirma que “o aproveitamento do ácido sulfúrico,

para fins industriais, na região vai minimizar ainda mais o problema da

poluição aérea”. E disse mais: “Caso não houvesse esta possibilidade, este

subproduto teria que ser lançado no ar, com todos os efeitos poluentes”144

.

A partir de tais considerações, Guerra se mostra com relação a esse assunto um

pouco duvidoso. Ele preferiu ficar na retaguarda, para futuramente, após observação mais

embasada, poder se posicionar de forma definitiva.

Estamos nos restringindo a enfocar dados quase que sem comentá-los para

que tenhamos subsídios no futuro. Quarenta por cento dos dispêndios em

equipamentos que a “Eluma” terá, será forçosamente, para prevenir a

poluição145

.

Depois de debates acerca de outros assuntos ecológicos, a crônica de 11 de

dezembro de 1978 voltou enfocar a indústria. Nessa crônica, Guerra salienta, com

ressalvas, a disposição que a Eluma tem de instalar-se em Rio Grande, sem poluir o

ambiente. Guerra se posiciona com cautela, dizendo que a transformação de metais pesados

é um potencial poluente aos ambientes naturais.

142

Idem, ibidem. 143

Idem, ibidem. 144

Idem, ibidem. 145

Idem, ibidem.

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Em crônica anterior falamos da disposição que a “Eluma” possui de aqui

se instalar, transformar o minério de cobre em produtos industrializáveis,

tudo isso SEM POLUIR o recinto da 4.ª secção da Barra. A uma empresa que vem com esta excelsa intenção só nos resta creditar

nossas boas vindas. Vamos, porém, tomar a cautela de salientar que

metais pesados e seus resíduos, quando lançados em bruto no meio

hídrico, são potencialmente nefastos à fauna ictiológica, ao plâncton e

demais habitantes do mar146

.

Nessa passagem aparenta-nos que Guerra dá um “voto de confiança” para a Eluma,

porém, sempre “desconfiado”. Compreendemos o discurso do ecologista, pois as indústrias

aqui instaladas foram altamente poluentes em dado contexto histórico.

Por outro lado, Guerra argumenta com denúncias de poluição com relação à

metalurgia do cobre em Rio Grande. O cronista assim se expressava em tal data:

Não é menos verdade que já foi denunciado, aqui em Rio Grande, que a

metalurgia do cobre trará problemas ao meio marinho. Nós,

principalmente, não temos condições de aquilatar a extensão destes

agravos. Cedemos vaga, portanto, para aqueles que as têm. Fala-se, inclusive, na extinção de determinadas espécies marinhas.

Estamos, apenas, nos resumindo em sintetizar hipóteses que, se

comprovadas, trarão malefícios a uma região que tem suas atenções

voltadas para o mar, dele dependendo grande parte de sua população147

.

Porém, por outro lado, de acordo com Guerra, “A „Eluma‟ promete empregar toda a

tecnologia existente, atualmente, para combater uma provável poluição que porventura

venha a acontecer”148

.

Guerra alerta com relação a tal dispêndio: “Vamos com calma, portanto. Aliás, nós

gostaríamos de que alguém desse o exemplo para as demais fábricas que, efetivamente, sem

a menor sombra de dúvida, estão poluindo em Rio Grande”149

.

Guerra utilizara o exemplo da “intenção” que a Eluma tinha de “não poluir” para

criticar as demais indústrias que poluíam o ambiente de Rio Grande. E comenta:

“Acreditamos que em se tratando de meio ambiente devemos ser um tanto radicais. Ou

somos ou não somos pela defesa ambiental”150

.

146

GUERRA, Luiz Felipe Pinheiro. Agora, Rio Grande, n. 974, 11 dez. 1978, coluna Opinião, p. 2. 147

Idem, ibidem. 148

Idem, ibidem. 149

Idem, ibidem. 150

Idem, ibidem.

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A respeito das fábricas de adubo, diz Guerra: “Sabemos que falar nas fábricas de

adubo que estão dizimando, por exemplo, as árvores da 4.ª Secção é bastante delicado. Nem

por isto, deixaremos de denunciar”151

.

Luiz Felipe Pinheiro Guerra traz à luz, novamente, o assunto dos técnicos que

vieram a Rio Grande com a intenção de resolver o problema dos impactos ambientais

causados pelas indústrias:

Os técnicos, quando aqui estiveram, disseram haver visitado apenas uma

fábrica, dada a exigüidade de tempo, alegando que o problema é

essencialmente técnico e só a eles compete. Redargüimos que o problema

tinha um matizado de ângulos a serem enfocados. Inclusive o aspecto

emocional da questão, só quem sente na carne a nefasticidade do gás que

emana até dos esgotos pluviais, adentrando o Porto Novo, causando

alergia, transformando-se em visicante pulmonar, é que poderia dizer se

existe ou não poluição.

Esta história de filtros subdimensionados, de avaliação da planta industrial

das unidades produtoras, etc... ajuda mas não é tudo152

.

De acordo com que foi exposto acima, Guerra enfatiza que a Eluma viria para o

Distrito Industrial de Rio Grande com a intenção de “não poluir”. No entanto, o cronista

militante da AGAPAN, nas duas crônicas expostas acima, se coloca numa posição de

somente opinar quando tiver os argumentos bem embasados. Nesse sentido, ele abriu o

debate para quem pudesse se posicionar de forma consistente com relação à metalurgia do

cobre.

Porém, Guerra declara que Rio Grande precisava de um exemplo de indústrias que

cuidem da parte ambiental de forma prudente, como a Eluma propôs em seu projeto. Por

outro lado, Guerra explicita que, em se tratando das questões ambientais não existiriam

meios termos, devendo ser “radical quanto à preservação do ambiente natural”.

Em contraponto, também, Guerra dá o exemplo de quem mais sofre com a poluição

industrial: os moradores da região das fábricas desenvolveram, por causa da poluição aérea,

uma série de doenças. Podemos citar como exemplos as doenças respiratórias, as

insuficiências orgânicas, além do mal estar psicológico e ambiental, causado pela fumaça das

indústrias.

151

Idem, ibidem. 152

Idem, ibidem.

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Guerra comenta de forma enfática que só esses seres humanos poderiam dizer se

existia ou não poluição industrial. Esses bairros ficam situados na região do Porto Novo e

proximidades da estrada da Quarta Secção da Barra. São bairros onde morava a maior parte

dos operários dessas fábricas e do próprio porto de Rio Grande.

Verificamos, assim, as condições em que desenvolviam suas potencialidades

humanas, naquele momento, ou seja, jornada de trabalho e período de descanso em

contexto ambientalmente poluído. Nesse sentido, os impactos causados pelas indústrias

tiveram maior repercussão, coincidentemente, fazendo-se nocivos aos habitantes desses

bairros operários, conforme observamos na crônica de Guerra.

Em menor intensidade, mas afetado também, o centro da cidade de Rio Grande

recebia resquícios da poluição emanada pelas chaminés das fábricas. A poluição aérea em

Rio Grande era no momento algo visível, como podemos verificar através das crônicas.

Em crônica de 25 de janeiro de 1979, depois de transcorridos 44 dias de uma

crônica a outra que enfoca sua discussão acerca dos impactos da industrialização em Rio

Grande, Luiz Felipe Pinheiro Guerra coloca em evidência a desapropriação das terras da

região do arroio Vieira. Guerra enfatiza que é categórico e metódico em se tratando de

preservação ecológica. Ele questiona a pressa que têm os mentores do projeto industrial em

desapropriar das terras da região de daquele arroio, e chama o projeto industrial de

“devastador”. Ainda expõe que seu maior temor é que as atividades industriais transformem

o ambiente aquático em “cloaca de dejetos industriais”.

Em foco a desapropriação de terras na região do “Vieira”. Terras

desapropriadas pelo CEDIC e que deverão ficar à disposição do progresso

a partir de março, próximo vindouro.

Enche-me de curiosidade que para dar início ou andamento a obras de

indústrias ou edificação de porte, logo órgãos governamentais acorrem

com a máxima presteza cuidando que nenhum segundo seja desperdiçado

a esmo153

.

Nesse sentido, Guerra “radicalizara” – no sentido de verificar a raiz do problema –

seu discurso, se posicionando assim: “No que respeita ao Vieira, sempre cuidei de ser

categórico, pois nunca hesitei em afirmar que ecologia não aceita meios termos”154

.

153

GUERRA, Luiz Felipe Pinheiro. Agora, Rio Grande, n. 1011, 25 jan. 1979, coluna Cidade, p. 3. 154

Idem, ibidem.

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Ainda conforme Guerra, que trouxera uma proposta de desenvolvimento e na

seqüência criticara os mentores do projeto industrial, dizendo assim: “Ou optamos por

turismo e respeitamos nossa „vila Siqueira‟ como tal ou deixamos que os apologistas deste

progresso niilista tomem conta de nossos melhores recantos de lazer”155

.

Guerra expôs sua preocupação com relação às atitudes e formas de enfocar o

“progresso” dos mentores da industrialização brasileira, dizendo:

Meu maior temor é que os grandes teóricos deste progresso discutível,

inexoravelmente vão terminar transformando em cloaca o lindo córrego

no qual tantos veranistas atenuam a canícula dos dias de verão com um

delicioso banho de sanga156

.

Nesse sentido, Guerra expôs suas leituras com relação às leis de proteção aos

recursos hídricos:

Vem muito a propósito minha leitura sobre “As atividades industriais e as

leis de proteção aos mananciais”. A referida leitura traça aspectos de

relevo da legislação de defesa dos recursos hídricos urbanos. Buscam,

estes tópicos, disciplinar o uso e ocupação do solo, através da imposição

de limitações urbanísticas, nas áreas de proteção aos mananciais157

.

Analisando a referência acima, e comparando com a prática industrial, Guerra se

posicionara, criticando as indústrias locais, dessa maneira:

Começo a desconfiar do descumprimento destas leis no que diz respeito

ao nosso Distrito Industrial, pois o que fizeram com o “arroio dos

Macacos” foi bem um exemplo da pouca atenção que os grandes homens

de nossa nação procuram impingir ao meio ambiente158

.

Guerra se mostra extremamente crítico contra um candidato a deputado que se

expôs “negligentemente” defendendo as manipulações com relação ao meio ambiente:

Sei de fonte segura que um dos candidatos mais votados, que despejou

dinheiro às mãos cheias para conseguir uma cadeira na Câmara dos

Deputados, disse, ao visitar aquelas raízes à mostra e todo aquele caótico

quadro de árvores crestadas pela fumaça das fábricas de adubo e pelo

155

Idem, ibidem. 156

Idem, ibidem. 157

Idem, ibidem. 158

Idem, ibidem.

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vandalismo oficial e permitido. Disse ele, despejando boca afora, que as

obras não estavam de todo concluídas e que “depois reflorestaremos o

local”. Bem! Diante deste modo de pensar e de tanta demonstração de

“sabedoria”, vou atirar de LUTZEMBERGER de novo: Dito em reunião

solene da Câmara de Vereadores de Rio Grande: – “O homem atual busca

desertificar o que existe. Planta desertos e, depois, parte para o

reflorestamento dispendioso. O que está certo pensa estar errado. Onde

existem florestas as destrói para formar pastagens. Onde existem

pastagens pensa em reflorestamento”159

.

Guerra direciona sua crítica aos administradores do CEDIC:

Permitam-me os senhores diretores do “CEDIC” argüi-los sobre tão

premente necessidade de enxotar os moradores daquelas redondezas tão

açodadamente quando se sabe que as terras só serão infestadas de

progresso daqui a uns dez ou vinte anos?

Mas, se é isto que a paranóia oportunista que os nossos caçadores de

emprego e posições políticas desejam, só me resta socorrer-me de minha

Câmara de Vereadores para que não permitam estes tipos de atentados à

ecologia e aos velhos moradores daquelas paragens 160

.

Nessa crônica, podemos observar que Guerra torna-se mais enfático quanto ao

projeto industrial. Ele explicita de forma aberta sua crítica aos diretores do CEDIC, órgão

responsável pelo desenvolvimento econômico e material dos governos militares no período

de sua estadia no poder do Estado brasileiro.

Guerra também argumentou a respeito da concepção dos mentores do projeto de

sociedade industrial com relação ao planejamento e manipulação do ambiente natural.

Dessa maneira, ele cita Lutzemberger para enfatizar sua crítica quanto à forma como que é

tratada a natureza e seus recursos. O cronista questionou essa concepção do programa

industrial instituído e visto como “progresso de uma nação desenvolvida”. Cada vez mais o

articulista demonstra audácia em meio a um regime em que a expressão é reprimida

inclusive por agressão física.

Verificamos a coragem dos militantes da AGAPAN em se manifestar contra o

projeto de sociedade instituída e orgulhosamente ostentada pelos militares no Brasil às

custas de uma dívida externa que perdura até nossos dias, em benefício da concentração de

renda.

159

Idem, ibidem. 160

Idem, ibidem.

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No Brasil, observamos a fase de acumulação de capital, que se caracterizou pelo

caráter da expansão industrial no ambiente histórico do território nacional. Verificamos

assim, que o ambiente está sendo transformado em beneficio da concentração de renda,

causando impactos ambientais, como no exemplo de Rio Grande, descrito nas crônicas do

jornal Agora.

Depois de 37 dias transcorridos de uma crônica a outra que faz alusão ao assunto

indústria e poluição, verificamos no dia 3 de março de 1979 a frustração no discurso de

Luiz Felipe Pinheiro Guerra. No final dessa crônica ele diz que “uma andorinha só não faz

verão”. Ele critica os governantes que estão ausentes dos problemas ambientais. Diz que

somente ele enxerga os impactos causados pela poluição aérea oriunda das fábricas de

adubo em Rio Grande. Fala, também, do ambiente mais afetado, que se localiza nas

proximidades do Distrito Industrial e do Saco da Mangueira. Os habitantes de tais

localidades, segundo Guerra, vivem em condições muito precárias e sofrem diretamente os

impactos industriais, e pelo menos uma parcela dessa população compõe o exército de mão-

de-obra de tais indústrias.

Assim, vemos que quem sofre mais os impactos é a população menos abastada,

agentes passivos da expansão industrial, no que diz respeito à expropriação do seu trabalho,

conforme concepção da corrente do “materialismo dialético”, no que diz respeito às

condições de vida em um ambiente poluído, nocivo à saúde. Desse modo, o cronista mais

uma vez enfoca sua crítica ao dito “progresso” e à sociedade de consumo e desperdício que

exerce suas repercussões no ambiente histórico em forma de indústria de transformação de

bens de consumo.

Custa-me crer [...] que toda aquela fumaceira das fábricas de adubo seja

antevista só pela minha pessoa.

Serei eu tão obcecado assim pela defesa da saúde dos outros e da minha,

logicamente, que me ponho preocupado com aquelas maléficas baforadas

a fluírem, impunemente [...]

E quem reside nas proximidades? Como ficam as crianças que inalam

toda aquela sujeira aérea?

E não venham me dizer que “é o cheiro do progresso”.

Eflúvios agressivos à epiderme. Deve ser um vesicante pulmonar por

excelência. Pois, o que aquele gás de adubo pode causar na sutil

intimidade de nossos alvéolos do pulmão, quando ocorre essa maravilha

que se chama hematose, que explicada melhor é a troca gasosa do ar sujo

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oriundo de nossas células, carregado de impurezas, pelo ar externo que, e

aí reside a ironia, deveria ser límpido e isento de qualquer nocividade.

O que respiram os que habitam nas adjacências destes focos de poluição?

Uma boa pergunta a espicaçar a acuidade dos técnicos que, oriundos de

Porto Alegre, se hospedam no melhor hotel da cidade. Com um gostoso ar

condicionado.[...] Tudo por conta do controle do equilíbrio ecológico161

.

Guerra contrapõe duas “realidades diferentes”: os técnicos, que dispõem de uma

infra-estrutura de manutenção da vida em boas condições. Por outro lado, uma “realidade”

de condições ambientalmente precárias. Guerra assim expõe o problema:

Penso que os que “se escondem da chuva” ali pela Vila da Naba,

verdadeiros párias desta sociedade de consumo e desperdício, não

possuem a mesma opinião dos nossos técnicos que, anestesiados pela

conveniência, levam, por exemplo, “uma tonelada e meia” de tempo para

chegarem a concluir que um filtro destas fábricas está

“subdimensionado”.

Quem temia em sobreviver lá por aquele recinto ultrapoluído, tanto

hídrico como aéreo, fustigado por aquela névoa maléfica e nauseado pelo

emporcalhamento daquelas águas (também, quase que inteiramente,

provocado pelos detritos industriais) deve ter sua visão bem diferenciada

do que seja este maravilhoso progresso, tão ardilosamente implantado

pelos idealizadores de nosso “magnífico” modelo econômico.

Sábias palavras ouvi ao conhecer ADROALDO FERREIRA, presidente

do MOVIMENTO CONSERVACIONISTA DE CACHOEIRA DO SUL:

– Os organismos oficiais de controle ecológico estão a se comportar, no

Brasil, no mais das vezes, “quais gigantes eunucos a montarem guarda no

harém da conveniência econômica do sistema, quase sempre

ALIENÍGENA”162

.

Desse modo, Guerra faz-se presente na imprensa através das Crônicas Ecológicas.

Depois de 37 dias, outra crônica critica a forma de produção industrial em Rio Grande. No

dia 23 de março de 1979, Guerra mostra-se extremamente crítico como sempre se

expressara com relação ao DIRG. Nessa crônica, expressa indignação quanto ao dito

“progresso industrial”. Diz que a industrialização que estão implantando em Rio Grande

naquele momento é expressão da “paranóia” e da “megalomania” de um “progresso

devastador”. Guerra ainda salienta que a pretensão dos mentores do projeto industrial é de

“devastação” ao ambiente natural. Afirma estar de posse de um relatório sobre a

reformulação do planejamento do Distrito Industrial. Diz ele ser esse documento muito

161

GUERRA, Luiz Felipe Pinheiro. Agora, Rio Grande, n. 1041, 3 mar. 1979, coluna Opinião, p. 2. 162

Idem, ibidem.

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importante para a causa ecológica, e que o analisou de forma cuidadosa e metódica, para

questionar com conhecimento do assunto.

Guerra considerou a análise e conhecimento de tal projeto como escudo protetor

para a luta ecológica. Nesse sentido, Guerra disse que, em sendo posto em prática o projeto

desenvolvido por tal proposta, seria uma perda para a ecologia e o ambiente, ocasionando

diversas conseqüências nocivas ao meio ambiente.

Após 20 dias de uma crônica ecológica a outra que trata do assunto industrialização

no município, observamos o discurso de Guerra, em contraponto ao projeto industrial. Guerra

questiona a forma de “progresso”, dessa vez sendo irônico. Ele expõe seu pensamento de

forma a fazer com que a sociedade reflita acerca da crise ambiental que está ocorrendo por

causa dos impactos causados pela indústria. Guerra enfocara os mentores desse projeto

industrial e os critica fazendo com que eles sejam evidenciados e questionados pela sociedade

como um todo.

Os faraós do progresso estão chegando. E parece que pretendem

estacionar suas bigas douradas no município de Rio Grande.

O que os forjadores de pirâmides pretendem fazer com a cidade e o

município papareia é pura e simplesmente algo que transita entre o

horrendo e o perplexo.

Não imaginava que os paranóicos do progresso aparente estavam

infectados de tanta megalomania163

.

Guerra diz estar de posse, nesse momento, de um relatório que apresentava tal

projeto de “desenvolvimento material”:

Agora estou de posse da “REFORMULAÇÃO DO PLANEJAMENTO

BÁSICO DO DISTRITO INDUSTRIAL DE RIO GRANDE – DIRG”.

Bem, “para não discutir sem base”, vou dar um verdadeiro “chá-de-

sovaco” no referido relatório. Será meu companheiro de todos os dias.

Escudo protetor na luta para que os desastres nele contidos não se

realizem.

Se explodir todo este “magnífico” progresso que o livro está a estimular,

azar da ecologia e do meio ambiente rio-grandinos164

.

163

GUERRA, Luiz Felipe Pinheiro. Agora, Rio Grande, n. 1058, 23 mar. 1979, coluna Opinião, p. 2. 164

Idem, ibidem.

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Guerra aponta o que considera distorções no documento: “O próprio relatório é um

festival de paradoxos. Reservam espaços „livres‟. Áreas verdes despoluentes. Tudo no mais

requintado e aberrante planejamento de onde o ser humano foi alijado”165

.

Assim, verificamos que Guerra explicita um fator importante. De acordo com ele, o

ser humano fora colocado em segundo plano, no que diz respeito à qualidade de vida. E as

espécies que fazem parte do ecossistema foram, assim, “negligenciadas” conforme

podemos entender na crônica de Guerra. Ele ainda argumenta: “Quando a gente fustiga pela

imprensa estes absurdos homéricos os coniventes com o sistema de destruição da natureza

riograndina se param a contestar que virão indústrias e não poluição”166

.

Guerra conclui a crônica usando linguagem metafórica, com o termo “apocalipse”,

que faz relação com a destruição total da natureza. O autor assim se expressa em sua

conclusão:

Mas, prometo ir lendo e digredindo o precioso relatório do APOCALIPSE

ECOLÓGICO de que a “Noiva do Mar” será a vítima a ser imolada em

holocausto desta aberração que os destruidores oficiais alcunham de

progresso167

.

Verificamos na crônica exposta acima a crescente radicalização no discurso de

Guerra. Ele começa a utilizar metáfora catastrófico-religiosa para descrever os impactos

ambientais que decorreram da indústria na cidade do Rio Grande. Guerra, mostra-se ainda

mais pessimista e diz que arremessou seus argumentos ao léu. Porém, não deixa de ser

crítico ao projeto industrial como sempre se mostrou. O cronista utiliza várias formas de

expressão que remetem a acontecimentos históricos da antigüidade, demonstrando

conhecimento e valorização da história. Ele compara esse projeto com o apocalipse bíblico,

e denomina o dito “progresso” como apocalipse ecológico. Parece que, nesse momento,

Guerra perde um pouco a noção do argumento cientifico e se torna mais militante

ideológico-religioso, fazendo várias acusações quanto à forma com que estão a proceder no

ambiente natural rio-grandino. Guerra tenta de forma mais enfática conscientizar os

habitantes de Rio Grande para que percebam as conseqüências da expansão industrial e

suas repercussões.

165

Idem, ibidem. 166

Idem, ibidem. 167

Idem, ibidem.

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Paralelamente aos discursos de Luiz Felipe Pinheiro Guerra, outro cronista

ecológico, membro da Sociedade Botânica do Brasil e militante ecológico da AGAPAN –

Núcleo de Rio Grande, também se insere no debate acerca da forma industrial de sociedade.

Helton Batholomeu Silva expressou-se através das Crônicas Ecológicas do jornal Agora, no

dia 29 de março de 1979, seis dias depois de uma crônica acerca das fábricas em Rio

Grande. Silva se expressa de forma equivalente a Guerra no que diz respeito a criticar o

modo de vida industrial. Ele diz que os ecologistas começam a ser atacados pelos

“apologistas do progresso industrial”, sendo chamado de “loucos ou fanáticos”. Ele salienta

que um dos ditos “loucos” ecologistas, no caso, Lutzemberger, prega coisas sensatas. Ele

diz que Lutz, como é chamado por Augusto Carneiro em sua obra História do

ambientalismo, também reivindica assistência ao ambiente de Porto Alegre. De forma

metafórica, Silva se expressa quanto à expansão industrial, falando sobre a “ambição” que

se fez “empresária” e começou a transformar o ambiente natural em benefício da

acumulação do capital. Em conseqüência da descrita expansão e transformação do

ambiente, Silva descreve diversos impactos desencadeados por uma expansão industrial

“imprudente” quanto ao meio ambiente.

Os defensores da integridade do meio ambiente começam a ser atacados

por aqueles que fecham os olhos a tudo que foge a sua concepção de

progresso, esquecendo que mesmo conservar o que existe de bom é uma

das mais difíceis formas de progresso. Primeiro os conservacionistas são

acusados de fanáticos ou loucos, na tentativa de vencê-los pelo ridículo,

como tentaram com Lutzemberger, mas o velho e querido louco diz e

prega coisas sensatas demais. E, prega, sobre tudo, a uma assistência

receptiva como é a população da Capital do Estado, traumatizada pela

realidade hedionda de uma fábrica de celulose que reivindicou e agora não

suporta.

E a ambição se fez empresária e habitou entre nós “Que belo renque de

árvores, isso aí reduzido a toras, estacas e achas vai dar uns bons cobres.

Que magnífico regato. Instalo aqui meu curtume, ali minha destilaria,

acolá minha usina de cobre e tenho para onde descarregar meus resíduos.

Ah, que mar imenso, afinal o mar é a lixeira natural dos países

industrializados. Este tonel de óleo queimado eu mando jogar no mar,

quero minha fábrica limpa, meus operários não se poderão queixar de

insalubridade em minha empresa; os outros... bem, que se lixem, longe

dos olhos... e assim vou instalando meu benfazejo progresso168

.

Silva comenta acerca da concepção de progresso:

168

SILVA, Helton Bartholomeu. Agora, Rio Grande, n. 1063, 29 mar. 1979, coluna Cidade, p. 3.

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Progresso desenfreado leva à ruína o que temos de melhor em recursos

naturais. A ruína da natureza leva à ruína da sociedade. A Inglaterra

sofreu isso há 150 anos e apresentou o quadro de miséria social que

inspirou a Karl Marx sua filosofia. Ninguém que se procure manter

informado a respeito de problemas ambientais ignora o que a Inglaterra

despendeu para ressuscitar o Tamisa, onde novamente procriam os cisnes

selvagens e, evidentemente licenciados, os pescadores podem fisgar

alguns salmões e trutas. Problemas idênticos, pelos quais passaram o

Reno, o Sena e o Mississipi, em parte já foram superados. O deserto em

que, em menos de meio milênio, idade de nosso jovem País, transformou-

se a outrora virente floresta do pau-brasil, o mesmo que muito

oportunamente foi declarado oficialmente árvore nacional, ainda clama

por reparação. O povo brasileiro, gaúcho, rio-grandino pode e deve saber

desses problemas para que tenham em mente que nem tudo que a

Natureza nos deu pode ser trocado por um punhado de moedas, mesmo

porque tal progresso se tem exprimido principalmente por emprego de

mão-de-obra de fora, desapropriação de terras produtivas e abate de

árvores em profusão sem nada replantar, em benefício do mealheiro de

uns poucos, em sua maioria, nem mesmo ligados por suas raízes à nossa

terra169

.

Na crônica exposta acima, verificamos os impactos causados em diversas regiões da

Europa por atividades industriais. Silva expõe a sua percepção ideológica e influência de

pensamento. Observamos que Silva foi um tanto “corajoso”, pois explicitou sua concepção

ideológica. Arriscou-se ao citar Marx como referência de leitura, num período em que isso

significava o risco de sofrer algum tipo de repressão.

Na crônica em que protesta contra o Distrito Industrial, volta Guerra a se expressar

com relação aos incômodos causados pela fumaça que emana das chaminés industriais.

Depois de dez dias da crônica anterior, ele denuncia essa forma de poluição aérea, através

das Crônicas Ecológicas.

Uma verdadeira névoa de fumaça impedia a visibilidade de quem vinha da

Quarta Secção da Barra e demandava à cidade, aproximando-se da Ponte

dos Franceses, em uma dessas noites oitonais.

É claro que a oscilação de temperatura que produz o fenômeno da

inversão termal, isto é, as camadas de ar menos densas ganham maior

altitude e as mais adensadas ficam espargindo-se ao rés do chão, contribui

para o agravamento do problema. Foi assim que Londres mergulhou em

um violento e feroz “smog” que ocasionou várias vítimas. Muitos

cardíacos e doentes pulmonares foram aniquilados pelo ar irrespirável que

constituiu o famoso nevoeiro londrino de anos atrás. Sabe-se que a região

169

Idem, ibidem.

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94

de Londres, por exemplo, é propicia a reedição destes casos graves de

poluição aérea170

.

Guerra dissertou acerca do fenômeno de poluição aérea ocorrido na Inglaterra, o

chamado “smog”, que causara diversas vítimas. Porém, critica que o ar que é respirado se

caracteriza pela sua impureza derivada da poluição urbano-industrial: “Mas, o ar que

respiramos, cada vez menos puro e pleno de gases oriundos da descarga de automóveis e

das chaminés das fábricas, é algo muito precioso para ser danificado com venenos

mortíferos”171

.

Guerra cita as conseqüências da poluição aérea das fábricas, assim:

Em Rio Grande, a poluição das fábricas de adubo aliadas a outras estão a

crestar o arvoredo circundante. Já ouvi de muitos moradores do Bairro

Getúlio Vargas que ali naquelas paragens não há mais o maravilhoso

fenômeno biológico do frutificar172

.

Depois de demonstrar exemplos de impactos ambientais, Guerra tece sua crítica,

como é de costume, nesse sentido:

A bela Noiva do Mar de outrora é mera saga na lembrança dos mais

idosos. Hoje, triste e trôpega rameira deste progresso aniquilante, está

embriagada de emanações químicas. Suas águas, os recantos hídricos que

delineiam a Península Papareia, manchadas de óleo e outros resíduos,

começam a se tornar impróprias à vida. Outro contribuinte para o

despovoamento de nossas águas interiores é a pesca indiscriminada e

predatória.

Toda esta poluição que dizima a flora e fauna de nossa gleba municipal,

no entender de alguns acostumados a conivência com o sistema

econômico dominante, é um preço „irrisório‟ que estamos apagar pelo

desenvolvimento de nossa terra 173

.

O cronista como é característica marcante em seu discurso, sempre enfatiza um

comentário crítico acerca dos beneficiários de dado projeto.

Mas, anestesiados por uma cátedra, sucumbidos em cargo público de

polpudo salário, entregam a urbe aos desmandos, justamente, e para ironia

da estória que estamos a contar, a quem não daqui e nada faz pela nossa

170

GUERRA, Luiz Felipe Pinheiro. Agora, Rio Grande, n. 1066, 2 abr. 1979, coluna Última Página, p. 8. 171

Idem, ibidem. 172

Idem, ibidem. 173

Idem, ibidem.

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95

terra a não ser assentar indústrias poluentes, em flagrante desrespeito aos

nossos habitantes174

.

Dessa maneira, verificamos a crítica de Guerra direcionada aos coniventes com o

sistema econômico industrial. No contexto da década de 1970, fazia parte do grupo de

mentores do projeto militar o general Golbery Couto e Silva, natural da cidade do Rio

Grande. Ele muito contribuiu para o incentivo à industrialização rio-grandina, inclusive

colaborou na construção e desenvolvimento da FURG. Portanto, o mesmo Couto e Silva foi

decisivo em incentivar o implemento de uma universidade que privilegia os estudos das

ciências ambientais.

Foi nessa época que Rio Grande mais cresceu em termos de infra-estrutura

industrial. Porém, Guerra questiona esse modo de organização da produção, dizendo que

isso é um “desrespeito com os habitantes de Rio Grande”.

No dia 6 de abril de 1979, depois de quatro dias transcorridos desde a crônica

anterior, Guerra volta a enfocar o DIRG, dando ênfase, novamente, para as condições

ambientais dos bairros das adjacências do complexo industrial e arredores do Porto Novo.

O ecologista cita os malefícios da fumaça das chaminés das fábricas de adubo na

localidade.

Observamos, através de Guerra, os impactos causados pela fumaça à saúde daquele

ambiente histórico. Guerra explicita os males causados pela indústria naquela localidade,

em que enumera desde doenças pulmonares, doenças cardiovasculares, otites crônicas,

náuseas e doenças de pele. Vimos, através da crônica de Guerra, que a poluição das

fábricas de adubo ali localizadas exercia má influência na qualidade de vida e saúde.

Imagine-se uma casa, o lar de uma pessoa, o local onde este ser habita,

ficar completamente toldado pela fumaça de uma fábrica de adubo que

esparge ao ar suas nojeiras. Como conseqüência desta fumaceira o

arvoredo da redondeza resta todo ele crestado pela impureza nauseante.

Digo nauseante porque só de acompanhar a reportagem, voltei com a pele

irritada, a garganta rouca e o peito doído de respirar toda aquela poluição.

O que dizer daqueles que são obrigados a ali fixarem sua moradia? O que

devemos fazer, quando um chefe de família nos mostra o assoalho da

residência dele pleno de um pó branco oriundo destas emanações e que

adentra a casa pelas venezianas, sujando tudo em sua passagem?175

174

Idem, ibidem. 175

GUERRA, Luiz Felipe Pinheiro. Agora, Rio Grande, n. 1070, 6 abr. 1979, coluna Cidade, p. 3.

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Guerra deu o exemplo do Bairro Getúlio Vargas, nas proximidades das fábricas: “A

saúde dos habitantes do Bairro Getúlio Vargas e adjacências, está seriamente sendo

comprometida pois seus habitantes em vez de ar puro, respiram resíduos tóxicos de

adubo”176

.

Em contraponto, de acordo com Guerra, essa dinâmica é tida como aceitável pelos

mentores do projeto industrial:

Isto porém passa despercebidamente pela ótica dos que enfocam o

progresso de uma urbe só do ponto de vista de um punhado de dólares.

Contanto que existam fábricas não importa para estes paranóicos do

progresso que eles tragam cânceres de pele, otites crônicas e enfisema

pulmonar177

.

Portanto, Guerra deixa explícitas as conseqüências da indústria conforme se

desenvolve em Rio Grande.

Desse modo, na crônica acima citada, o articulista retrata o quadro de vida dos

arredores de uma indústria de adubo, na região do Bairro Getúlio Vargas. Esse quadro, de

acordo com Guerra, apresenta-se de forma “caótica” no que diz respeito às condições

ambientais. Guerra faz pensar sobre o ambiente em que sobrevivem os moradores do

antigamente chamado “Cedro”. Esses moradores recebem uma carga de poluição e

respiram um ar nocivo a sua saúde.

Guerra questionou, assim, a forma de “progresso” que em nada é benéfica aos

habitantes do “BGV” e arredores. Ele critica os mentores desse “progresso” que nada

“enxergam” e “visualizam” a forma de “desenvolvimento econômico” do ponto de vista

financeiro, e não ambiental. Guerra nomeia em várias crônicas essas autoridades de

“paranóicos do progresso aniquilante”.

Desse modo, Guerra continua a sua luta pela causa ecológica, através da militância

escrita, e expõe seu pensamento. Cita um artigo publicado no jornal Zero Hora que faz

referência à degradação ambiental. Esse artigo de Jorge Ossanai, do dia 29 de abril daquele

ano, expõe a falta de planejamento quanto à localização das habitações e das atividades

produtivas. Ossanai salienta que devem ser previamente estudados os projetos de infra-

176

Idem, ibidem. 177

Idem, ibidem.

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97

estrutura da produção para que ocorra um controle com relação à poluição, e aconselha que

esse estudo englobe diversas áreas do conhecimento, desde as engenharias, as ciências

físico-químicas, as ciências da saúde até as ciências humanas. Dessa maneira, Ossanai

acredita ser prudente levar o debate também para âmbito da sociedade como um todo e,

inclusive, inserir na discussão principalmente os ecologistas, que são os mais interessados em

questões que fazem referência ao meio ambiente. Guerra expõe em sua crônica algo a

respeito desse assunto.

Artigo de Jorge Ossanai, publicado em Zero Hora de 29/4/79, cita como

fatores de degradação ambiental a “má localização de populações ou de

atividades produtivas”. Adianta-se mais ainda em sua exposição Ossanai,

frisando ser a “análise prévia de projetos” fator importante no controle

preventivo da poluição178

.

Na passagem citada, Guerra faz relaciona o argumentação do autor ao assunto da

poluição das fábricas dos arredores do “BGV”. Também, questiona que um projeto

industrial deve ser construído e discutido por vários profissionais de diversas áreas. Guerra

assim diz:

Na perfeita consecussão de um projeto industrial devem concorrer

urbanistas, biólogos, engenheiros, químicos, meteorologistas,

economistas, médicos e outros profissionais das mais diversas áreas.

Nestes “outros profissionais” eu penso estarem incluídos os

conservacionistas, leigos interessados e demais elementos que constituem

o “time sem camisa” que luta em defesa do meio ambiente. Nem precisa

ser dito que estes “narizes de folha” não pertencem a órgão oficial

nenhum e tampouco são remunerados.

Abro o bem-elaborado relatório sobre a Reformulação do Planejamento

Básico do Distrito Industrial de Rio Grande – DIRG e busco calcar o

artigo de Jorge Ossanai nas promessas contidas no referido relatório

quanto ao que diz respeito aos Objetivos –Funções Sociais179

.

Verificamos, nessa passagem, que os projetores do programa industrial são

conscientes com relação à poluição industrial, como disse Guerra na passagem abaixo:

“Algo muito bem ali mencionado: „Evitar agressões ao equilíbrio ecológico natural,

178

GUERRA, Luiz Felipe Pinheiro. Agora, Rio Grande, n. 1092, 5 maio 1979, coluna Opinião, p. 2 179

Idem, ibidem.

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98

minimizando os efeitos da poluição ambiental decorrente dos processos de industrialização

e urbanização‟”180

.

Nesse sentido, Guerra questionara: “Ponho-me a divagar para tentar concluir onde

os organismos oficiais erraram, estão errando e vão assim continuar não cumprindo o que a

si próprios estipulam”181

.

Guerra ainda comenta acerca das contradições de certos procedimentos do governo,

em que na teoria é tudo muito correto e na prática somente enxerga seus interesses:

As contradições são por demais gritantes. Onde, por exemplo, os

mandantes da “Reformulação Básica” preocupam-se com a execução de

controle ambiental na 4.ª Secção da Barra? Ou, porventura, se

desmesuraram em zelo nos cuidados com a natureza que acabaram em

transformar o Arroio dos Macacos em cloaca de uma fábrica de óleo de

soja?

A uma conclusão pois, ouso a chegar: nossas autoridades projetam,

formulam, ditam leis ambientais para depois nada disto cumprirem.

É triste, então, admitir que nossa ecologia está entregue à displicência

oficial. A falta de fiscalização. A ausência de cumprimento das leis de

proteção à natureza182

.

Nesse momento do discurso de Luiz Felipe Pinheiro Guerra, verificamos certo

“conhecimento” quanto ao dito relatório de Reformulação do Distrito Industrial de Rio

Grande. Ele comenta o relatório dizendo que projetam a partir do documento uma política

de não-agressão aos ambientes naturais que circundam a localidade da Barra, porém diz ser

contraditório tal documento, pois o que estipulam os órgãos governamentais a si mesmos

em termos de proteção ambiental, esses não se fazem cumpridos pelo projeto de

desenvolvimento do Estado brasileiro. Nesse sentido, por eles não é cumprida tal

legislação, pois implantam na localidade indústrias altamente poluentes. Guerra dá o

exemplo do Arroio dos Macacos, que serve de receptáculo de resíduos industriais de uma

fábrica de derivados de soja.

Verificamos, assim, através do discurso de Guerra, as contradições no planejamento e

reformulação da planta do Distrito Industrial de Rio Grande. Observamos que as autoridades no

Brasil, no período delimitado por este trabalho, em nada se movimentam para o cumprimento

das leis ambientais. Nesse sentido, acreditamos ser o discurso de Guerra muito pertinente com

180

Idem, ibidem. 181

Idem, ibidem. 182

Idem, ibidem.

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99

relação aos temas abordados por ele. Observamos uma militância ecológica muito presente e

informada do que está acontecendo em termos de projeto industrial e impactos causados.

Salientamos o caráter e a preocupação da AGAPAN através desses discursos.

No jornal Agora de 23 de maio de 1979, depois de transcorridos 18 dias da última

crônica crítica com relação ao Distrito Industrial rio-grandino, Helton Bartholomeu da Silva

escreveu:

Parece que a desgraça das regiões ricas é justamente o fato de serem ricas.

A abundância atrai os especuladores mais inescrupulosos de todas as

partes. Para analisar o fato a nível continental, não nos faltariam exemplos

das insídias do colonialismo na Ásia, na África ou nas Américas, mas

nosso objetivo é o município do Rio Grande.

Que isto aqui já foi um celeiro nós sabemos muito bem, que a primeira

uva produzida e o primeiro vinho pisado no Estado o foram aqui, na ilha

dos Marinheiros, que o primeiro trigo madurou no Povo Novo e o

primeiro charque transpôs nossa Barra para saciar a fome de outros povos,

que cebolas e tomates eram exportados (hoje importamos tomates de São

Paulo e, às vezes, até cebolas da Espanha) e que nossa grande riqueza, os

frutos do mar, supriam a panela de nosso povo e ainda sobravam para

exportar [...]. Quanto à riqueza, outras que não enchem o bolso de

ninguém e que portanto são afanosamente suprimidas, referimo-nos a

aspectos botânicos e zoológicos muito peculiares [...]. Rio Grande sempre

tem sido uma gorda mina de ouro, não só pelo que pode produzir, como

também por sua situação geográfica privilegiada, e isso é uma tentação

para os ambiciosos que aqui se estabelecem, uns portando capital e outros

nada, com a melhor das intenções de nos trazerem o progresso [...]. E

tome progresso e tome indústrias poluidoras que ninguém deseja em

outras cidades, e tome contingentes de trabalhadores trazidos de fora em

detrimento dos desempregados locais, sem falar no aumento da

criminalidade que a crônica policial acusa. – O assunto agora é cobre, [...],

metalurgia do cobre, e para opinar foram chamadas à Câmara três

autoridades exponenciais. TRÊS, para opinar sobre um assunto que é do

interesse de mais de 150.000 riograndinos. – Adelino Mendes é suspeito,

oceanólogo com profundas convicções ecológicas [...], já tendo

denunciado pela imprensa as inúmeras modalidades de agressão ambiental

a que Rio Grande tem sido exposto. – Eliezer Carvalho Rios é químico

industrial diplomado [...], além de professor da matéria na FURG [...]. –

Norton Gianuca, biólogo, Diretor da Base Atlântica, [...], também não faz

da ecologia continental seu alvo de preferência [...]. – São poucos.

Ouçamos mais gente, por favor. Quem tiver algo a opinar que encare isso

como dever cívico, opine. De passagem, devo dizer que ecologia não é

privilégio de ninguém, pelo menos ainda não é objeto específico de uma

profissão liberal. [...]. Todos podem, isto sim, se devotar à defesa do meio

ambiente, sejam médicos, padres, sorveteiros, jornalistas, agricultores,

banqueiros, comerciantes, arquitetos ou donos de jornal [...]. – Outra

coisa: Quebrar lanças pela preservação do progresso que visa ao bem-

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estar da pessoa humana, não é também enterrar “caveira de burro”, é, isto

sim, combater o pretenso progresso egocentrista e mau que só visa “forrar

a guaiaca” sem que se importe com as monstruosidades que acarreta183

.

Na crônica citada acima, verificamos que o discurso de Silva vai ao encontro das

reivindicações de Guerra no decorrer de seus escritos. Isso mostra a consciência e a

uniformidade de tal movimento. O núcleo da AGAPAN de Rio Grande, aparenta-nos,

através de seus discursos, uma identidade de pensamento bem coesa. Silva também é

bastante crítico quanto ao Distrito Industrial, expondo uma visão semelhante à de Guerra

quanto ao dito “progresso industrial”, que, segundo ele, só implementa firmas poluidoras,

que trazem o “mau progresso” conforme dito na crônica.

Nesse sentido, observamos no texto acima, novamente, em pauta a discussão acerca

da inserção da Eluma no complexo fabril de Rio Grande. Silva diz que são chamados

apenas três membros da comunidade para tratar de um assunto que diz respeito a toda

população. Porém, segundo Silva, todos os três que iram opinar tinham ligação direta com a

ecologia. Parecem-nos oportunas essas escolhas, porque os membros da AGAPAN estão a

se comportar na retaguarda, sem ser abertamente críticos a esse projeto.

Em contrapartida, Silva questionou enfaticamente, conforme a crônica, a forma de

“progresso” desenvolvida pelo Estado brasileiro, sempre se referindo aos privilegiados do

sistema como “ambiciosos”. Ele retratou as distorções nas regiões que acumulam riqueza e por

isso atraem grande contingente de mão-de-obra de outros lugares, em busca de empregos. Esses

contingentes se alocam nas periferias ou nos subúrbios, desenvolvendo expansão urbana em

condições ambientais muito precárias. Essas são algumas das distorções sociais causadas pela

“concentração de renda”, sem falar nas distorções ambientais ocasionadas pelo avanço

industrial.

Indo ao encontro do discurso de Silva, a crônica de 28 de maio de 1979, a última

analisada no presente trabalho, novamente faz críticas ao modelo econômico industrial.

Guerra retorna ao debate acerca da metalurgia do cobre. Após essa crônica, os escritos

ecologistas deixam um pouco de lado o assunto, para debater outros temas mais voltados

para o ambiente natural. Guerra se encontra fora de Rio Grande, mas não abandona seu

ativismo ambiental voltado para a realidade local.

Luiz Felipe Pinheiro Guerra diz:

183

SILVA, Helton Bartholomeu. Agora, Rio Grande, n. 1107, 23 maio 1979, coluna Opinião, p. 2.

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Assunto em pauta o da metalurgia do cobre. Mais propriamente, versando

sobre a conveniência econômica para o município que sua implantação

poderá proporcionar.

Em contrapartida, os eventuais efeitos nocivos que uma poluição metálica,

irreversível, no entender do oceanólogo Adelino Mendes, acenam como o

espectro aterrador do empreendimento.

Quando, ainda em prenúncio, a viabilidade da instalação da metalurgia do

cobre no DIRG, penso haver sido bem delineada minha posição quanto à

possível e insofismável nefasticidade que qualquer destrave técnico no

controle dos efluentes poderia causar ao meio ambiente marinho e

terrestre.

Alinhei fatos, na ocasião, e, inclusive, não deixei de parabenizar a Eluma

pela honestidade de princípios com os quais buscava se impor como

empresa idônea.

Disse, também, que, no entretanto, qualquer otimismo deveria ser

policiado com a apreensão eivada na experiência do cotidiano quando

víamos tantas indústrias que juraram de “pés juntos” que não poluiriam e,

agora, estão a lançar gases, os mais corrosivos, no ar.

Argüidas a respeito e ouvidos os técnicos incumbidos da minimização do

problema, logo vêm eles com a velha e surrada estória de filtros “mal

dimensionados” e outros “que tais”. E, assim, a 4.ª Secção da Barra

encheu-se de poluição, muito embora os projetos antipoluentes, que não

foram além do papel.

Justiça se faça e verdade se diga, a Eluma parece estar muito ciente dos

malefícios que uma metalurgia descontrolada, em especial a do cobre, que

para sua elaboração vai usar compostos de chumbo, poderá causar.

Entre otimismo e o pessimismo, pólos diametrais do senso humano,

transita, de permeio, o que proponho a chamar de realismo.

Quanto à desativação ou não de metalurgia do cobre no âmbito do Distrito

Industrial de Rio Grande, convém salientar que, se lá instalada, trará

benefícios econômicos, muito embora os perigos de poluição sejam

enormes.

Agora, por favor, que outros interesses não venham fazer de bode

expiatório os “bruxos da ecologia” quanto à não-efetivação do projeto da

Eluma em Rio Grande.

Minha opinião sincera e desapaixonada: a entrada dos Molhes de Rio

Grande, parte deste magnífico complexo hídrico ímpar em todo o

contingente americano, não é, forçosamente, o melhor local para a

instalação deste projeto. Muito embora os alentados benefícios

redundantes do mesmo.

A vida, às vezes, não nos oferece uma segunda opção. Quando as espécies

marinhas definharem, o meio hídrico, impróprio à vida, degradado que foi

por dejectos industriais, porem à falência nosso parque pesqueiro, orgulho

de Rio Grande, talvez somente aí viremos a concluir que deveríamos de

haver escolhido “porongo e não mel”184

.

184

GUERRA, Luiz Felipe Pinheiro. Agora, Rio Grande, n. 1111, 28 maio 1979, coluna Opinião, p. 2.

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Mesmo longe da cidade, Guerra continua inserido no debate acerca da metalurgia do

cobre. Depois de tanto se expor na retaguarda, nessa crônica o ecologista se posiciona

contra a vinda da Eluma para o município. Ele argumenta que o ambiente rio-grandino não

seria um local apropriado devido à localização costeira. Os possíveis impactos que

poderiam ocorrer, em conseqüência da indústria de transformação do cobre e o despejo

desse material em meio hídrico, seriam devastadores. Verificamos, assim, na última crônica

por nós analisada, que Guerra até “elogia” as intenções da empresa, porém, com algumas

ressalvas. Ele argumenta que entre o otimismo e o pessimismo existe a realidade dos fatos,

e estes é que são o grande receio dos membros da AGAPAN – Núcleo de Rio Grande.

Enfim, Guerra se coloca contra a instalação da metalurgia do cobre, que seria mais uma

indústria a colocar os preciosos bens naturais (fauna e flora) de Rio Grande em sério perigo

ambiental.

Depois de ter analisado 103 crônicas ecológicas, publicadas no período de 8 de

novembro de 1978 até 31 de dezembro de 1979, selecionamos 12 crônicas que expressavam

críticas com relação ao DIRG (Distrito Industrial de Rio Grande).

A intenção dessa análise foi enfocar o discurso crítico dos membros da AGAPAN

de Rio Grande acerca dos impactos ambientais ocasionados pela indústria, e identificar

ideologicamente os discursos dessa entidade. Desse modo, a expressão do “projeto de

desenvolvimento” dos militares foi extremamente questionada pelos ecologistas. Nesse

sentido, a intenção foi observar, analisar e compreender com qual linha de pensamento os

ecologistas da AGAPAN se identificavam no contexto delimitado pelo projeto de pesquisa.

Portanto, a partir de tais evidências, podemos identificar os membros da AGAPAN com

a corrente de pensamento “conservacionista”. Nesse sentido, podemos inseri-los nessa vertente

de pensamento, caracterizando sua identidade teórica conforme a classificação de Antonio

Lago.

A partir do aspecto metodológico de que a análise de discurso deve ser apoiada em

alguma teoria das classes ou das ideologias sociais, é que verificamos ser pertinente o

esboço da “teoria social conservacionista”, que entendemos ser a identidade ideológica da

AGAPAN de Rio Grande.

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103

De acordo com Antônio Lago, “O Conservacionismo é a luta pela conservação do

ambiente natural, ou de partes e aspectos dele, contra as pressões destrutivas das sociedades

humanas”185

.

Verificamos que esse movimento trabalhava na perspectiva de conservação das

espécies e do ambiente natural, algo muito “inovador” para a “realidade brasileira” e até

mesmo porque se tratava de um contexto de “ditadura militar”. O conservacionismo

mantinha atividades de conservação do ambiente natural e tinha sua expressão na imprensa.

Em Rio Grande, através das Crônicas Ecológicas do jornal Agora, como analisado acima,

os militantes escritores questionavam o projeto dos “distritos industriais”, o cerne do

programa de desenvolvimento do Estado brasileiro (que fora desenvolvido a partir de

Vargas e perdura na história do Brasil até os dias atuais).

Dentro do movimento ecológico, o movimento conservacionista tem suas raízes de

expressão primitivas lá no século XIX, onde podemos verificar algumas atitudes

ecológicas. Conforme Antônio Lago, “Já no século XIX começou a surgir entre

naturalistas, artistas e amantes da natureza um movimento para conter a destruição das

áreas naturais”186

.

Naquele momento, não poderia ainda ser caracterizado como “movimento

conservacionista”, tal como o entendemos atualmente, pois esse movimento é um

fenômeno do século XX. Porém, podemos caracterizá-lo como uma expressão de

pensamento ecológico. Entretanto, no século XX podemos lançar as bases de um conceito

de “conservacionismo”, pois, conforme Lago, nesse contexto o movimento ganha

consciência política:

No século XX essa luta se intensificou mais ainda, tendo sido criada na

década de 40 a União Internacional para a Conservação da Natureza e de

seus Recursos (UICN), com sede em Morges (Suiça) que tem por objetivo

incentivar o crescimento da preocupação internacional por esses

problemas187

.

Em âmbito internacional, a preocupação com a natureza e seus recursos começa a

ser esboçada na década de 1940. Um contexto muito específico, pois o mundo vivera no

185

LAGO, Antonio. O que é ecologia, op. cit., p. 34. 186

LAGO, Antonio. O que é ecologia, op. cit., p. 34. 187

LAGO, Antônio. O que é ecologia, op. cit., p. 34.

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momento a Segunda Guerra Mundial, que causara grande impacto ambiental. Inclusive, a

manipulação e o uso de energia nuclear para fins militares ocorre nessa época (Hiroshima e

Nagasaki, no Japão).

De acordo com Antônio Lago, o Brasil é anterior em seus anseios ecológicos

conscientes. Ou seja, o surgimento da influência de uma consciência ecológica política. O

movimento ambientalista organizado se faz pioneiro no Brasil. Diz o autor:

No Brasil [...] movimento conservacionista [...]. A 1.ª Conferência

Brasileira de Proteção à Natureza foi realizada no Museu Nacional em

1934, seguida, três anos depois, pela criação do primeiro Parque Nacional

Brasileiro, na região de Itatiaia (RJ). No ano de 1958 foi estabelecida a

Fundação Brasileira para a Conservação da Natureza, e nos anos recentes

foram fundados inúmeros grupos com o mesmo objetivo em diversas

capitais e cidades do interior188

.

Porém, como o objetivo do nosso trabalho foi analisar a “militância escrita

ecológica”, pioneiramente isso foi encontrado no Rio Grande do Sul. Em 1939, Henrique

Luís Roessler desenvolveu um mecanismo de “militância escrita”, as chamadas “Crônicas

Ecológicas”. Essa expressão escrita influenciou toda uma geração de cronista ecológicos,

inclusive os escritores da AGAPAN de Rio Grande. Roessler continua sendo referência no

que diz respeito aos escritos ambientais. Podemos verificar isso na proposta de pesquisa do

professor doutorando em Educação Ambiental Daniel Porciúncula Prado, que atualmente

está pesquisando a respeito das crônicas publicadas por Roessler no jornal Correio do

Povo.

Dessa maneira, verificamos os esforços de uma corrente de pensamento

conservacionista que se contrapõe a um projeto de sociedade industrial. Lago assim diz:

Os esforços desses grupos conservacionistas são altamente meritórios e

ajudam a contrapor as tendências destrutivas da economia industrial de

crescimento. [...] esse tipo de luta não implica a apresentação de um

projeto alternativo global para a transformação da sociedade, pois os

conservacionistas estão preocupados apenas em criticar os aspectos da

estrutura sócio-econômica que possuem impacto destrutivo direto sobre a

natureza, não se ocupando em questionar aqueles aspectos que não dizem

respeito diretamente a essa questão189

.

188

LAGO, Antonio. O que é ecologia, op. cit., p. 34-35. 189

LAGO, Antonio. O que é ecologia, op. cit., p. 35.

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Portanto, verificamos que os discursos dos membros da AGAPAN de Rio Grande

têm características conservacionistas. Esses discursos marcam muito esse caráter, pois

muitas expressões remetem à idéia de conservação do ambiente natural acima de qualquer

coisa. Os cronistas ecológicos têm uma identidade de pensamento coeso, e seus discursos

têm uma identidade ideológica bastante semelhante. Os textos não são contraditórios entre

si, apresentando as idéias sempre na mesma direção.

Os debates propostos pelos discursos ecológicos são em torno da preservação da

natureza e de uma “consciência ambientalizadora”. Eles demonstram o ambiente industrial

de Rio Grande, criticando essas práticas desenvolvidas pelo programa de desenvolvimento

projetado pelo Estado brasileiro. Outras discussões são desenvolvidas nas crônicas. Porém,

como o objetivo deste trabalho é o enfoque crítico acerca do DIRG, deixaremos para

analisar os outros assuntos discutidos pelos cronistas em posteriores trabalhos. Finalmente,

acreditamos ter atingido o objetivo do trabalho, que foi o de observar, analisar,

compreender e explicar a discussão desenvolvida pelos membros da AGAPAN de Rio

Grande e sua tendência ideológica, que concluímos ser conservacionista e altamente crítica

com relação ao projeto industrial desenvolvido pelos Governos Militares na década de

1970.

CONCLUSÃO

Após o desenvolvimento do texto, compreendemos que a dinâmica histórica

retratada e analisada demonstrou ser importante para a construção do conhecimento

historiográfico.

Orientado por questões de estudo, questionamos nossas fontes de maneira a elucidar

as formas de percepção da humanidade acerca da natureza. No período mitológico, a

relação dos seres humanos com relação à natureza era de íntima ligação. Através do

pensamento pré-socrático visualizamos a forma como os gregos concebiam a physis, ou

seja, o mundo. Da physis faziam parte à humanidade, os deuses, as plantas, os animais e

outros entes naturais. “Tudo estava ligado e tudo”.

A partir do pensamento aristotélico-platônico, observamos uma ruptura com o

pensamento pré-socrático, privilegiando o “homem de idéias” e deixando de lado a physis.

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Então o homem rompe laços com a natureza, passando a pensar e conceber a natureza como

algo à parte da humanidade.

O pensamento aristotélico-platônico passa a ser a forma de conceber a natureza que

vai predominar em quase toda a Idade Média, contrapondo natureza e homem.

Na Idade Média a natureza passou a ser considerada criação de Deus. E o homem

passou a ser o centro dessa natureza, porque Deus o criou a sua imagem e semelhança. Esse

caráter de pensamento coloca a natureza com relação à humanidade em estado de

inferioridade. A metafísica predominava como forma de pensar o mundo na sociedade

medieval.

A partir do pensamento de René Descartes, houve uma ruptura com a forma de

perceber o mundo. No “método cartesiano”, a natureza começou a ser percebida através de

método científico. O pragmatismo utilitarista da era moderna rompeu com as formas de

perceber o mundo das idades Clássica e Medieval. Não se privilegiava mais as coisas

espirituais e sim a matéria. A natureza passou a ser vista como recurso ou matéria-prima.

As condições intelectuais eram propicias para o desenvolvimento de uma sociedade

urbano-industrial capitalista.

A Revolução Industrial significou a ruptura com os antigos padrões tanto de

pensamento quanto de produção. O surgimento da indústria significou a troca da energia

humana pela energia das máquinas. Estava rompido, definitivamente, o elo entre natureza e

humanidade.

A forma de sociedade capitalista urbano-industrial se estendeu pelo mundo através

das expansões marítimas, até chegar às terras brasileiras. Esse padrão de civilização foi

inserido no Brasil a partir da década de 1930.

No decorrer da dinâmica histórica, a indústria foi se expandindo no território

brasileiro, por incentivo do governo, e chegou a Rio Grande de forma “pesada”. O

industrialismo rio-grandino passou por dois processos de incentivo, o primeiro (século

XIX), pelo capital privado, e em um segundo momento (a partir de 1930), pelo capital

estatal. Com o crescente desenvolvimento industrial, surgiram algumas distorções tanto de

caráter social, como ambiental. Surgiu, então, o movimento ecológico na década de 1960-

70, embora desde a década de 30 já houvesse algumas iniciativas pioneiras.

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Nesse sentido, orientado por questões de estudo, construímos o texto que analisou

os discursos da AGAPAN de Rio Grande. A AGAPAN representava um movimento que

questionava o “modo de vida” urbano-industrial, e em relação ao movimento ecológico,

também surgiriam reivindicações imediatas em outras localidades como no Rio de Janeiro.

As crônicas ecológicas através do jornal Agora usaram de um discurso ecológico

embasado na teoria conservacionista, terminando por influenciar outros movimentos

regionais e nacionais.

Observamos, no decorrer da análise, que as crônicas ecológicas selecionadas para o

trabalho tecem fortes críticas com relação ao projeto do Distrito Industrial rio-grandino e,

indiretamente, contra o regime autoritário brasileiro. Os Distritos Industriais representavam

o cerne do “programa desenvolvimentista” do Estado Brasileiro, pois esse projeto era

fomentado por legislação apropriada e planejada, além de montar empresas estatais que

recentemente foram repassadas a baixo custo para a iniciativa privada.

Nesse contexto surgiu o movimento ecológico, do qual analisamos uma das

expressões no ambiente histórico rio-grandino. A AGAPAN, entidade conservacionista,

encabeçava a causa ecológica no sul do Brasil. Essa entidade se lançou na luta, e uma de

suas expressões foi a “militância escrita” que analisamos neste trabalho.

No contexto da ditadura militar, em pleno desenvolvimento urbano-industrial, a partir

de 1978, os cronistas ecológicos da AGAPAN – Núcleo de Rio grande se expressavam e

militavam contra a política econômica desenvolvimentista industrial no periódico denominado

Agora.

Essa entidade se fez representada em Rio Grande, conforme detectamos através das

páginas do jornal Agora da década de 1970 (anos 1978-79)190

.

Observamos, no decorrer do trabalho, que as crônicas selecionadas, dos anos de

1978-79 demonstraram acirrada crítica com relação ao projeto do Distrito Industrial rio-

grandino e imediatamente contra o regime autoritário brasileiro.

Após a transformação econômica ocorrida no Brasil a partir de 1930, passando de

uma economia agro-exportadora para o modo de produção urbano-industrial, o projeto de

gerenciamento do Estado brasileiro passou a considerar a empresa capitalista industrial o

cerne de seu projeto de desenvolvimento econômico.

190

Período abordado pelo presente trabalho.

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Verificamos a “evolução” industrial e, em conseqüência, os impactos no ambiente

histórico brasileiro. Através de incentivo estatal, foi desenvolvido um complexo industrial,

esse assumiu a fabricação de produtos químicos e importação e exportação de diversas

mercadorias.

Na cidade do Rio Grande desenvolveu-se um processo de implantação da indústria

desde meados do fim do século XIX e se estendeu até as décadas de 1970-80-90. Houve um

período de industrialização espontânea, em um primeiro momento, depois foi desenvolvido,

industrialmente, pelo Estado através de subsídios financeiros.

O Governo brasileiro começou a investir em infra-estrutura, pois a geografia de Rio

Grande era favorável ao desenvolvimento de um corredor de importação e exportação.

Em paralelo, a geografia de Rio Grande mostrava-se ímpar no que diz respeito aos

ambientes marinhos e terrestres. O rico ecossistema marinho rio-grandino estava em

relação de fronteira com o “desenvolvimento” das forças produtivas.

Aqui meio ambiente natural e meio ambiente cultural tinham íntima relação e uma

linha muito tênue no que diz respeito ao equilíbrio ecológico. Porém, a cidade tinha totais

condições geográficas de instalação de um complexo industrial. Em contraponto, conforme

Vieira e Rangel, “o desenvolvimento econômico é tão importante, porém a preservação do

ambiente também o é”. Em se tratando de ecologia, como disse L. F. P. Guerra, “não

existem meios-termos, ou somos ou não somos pela preservação ambiental”. Permeados

por esse imaginário os cronistas ecológicos questionam o Distrito da Quarta Secção da

Barra.

O complexo do Distrito Industrial desenvolveu distorções ecológicas no ambiente

natural rio-grandino. Podemos observar nas crônicas ecológicas que a poluição na cidade

de Rio Grande era já visível. Exemplos são colocados pelos cronistas de que o óleo era

evidente no meio hídrico e a fumaça das fábricas era insuportável em seus arredores

afetando os ambientes e as espécies vivas.

Desse modo, o projeto do Distrito Industrial apresentava distorções com relação à

preservação das espécies e do ambiente natural. Os cronistas ecológicos discutiam esse

paradigma com a comunidade por meio das páginas do jornal Agora.

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Segundo os articulistas, dejetos industriais eram despejados em meio líquido e a

fumaça das chaminés das fábricas poluíam o ar nos arredores da localização das indústrias,

principalmente em bairros operários situados na região do Porto Novo.

Os representantes ecológicos questionavam a forma de “progresso” que estava

sendo desenvolvido em Rio Grande, socializando a informação através de sua “militância

escrita” no Jornal Agora.

Em seus textos, teciam fortes críticas com relação à forma de “progresso”

subsidiada na localidade. Ferrenhas críticas com relação às obras projetadas pelo CEDIC,

órgão responsável pelo desenvolvimento infra-estrutural brasileiro no período dos governos

militares, eram publicadas nas páginas do jornal Agora. Os ecologistas enxergavam com

receio a forma de complexo industrial aqui fomentada.

Algumas fábricas eram alvo de crítica dos ecologistas, principalmente, as indústrias

fabricantes de adubos e do setor químico. O que não vimos no ano de 1979 eram as críticas

com relação à Refinaria de Petróleo, deixando “no ar” um questionamento: Será que a

Refinaria de Petróleo não poluía? Conforme Vieira e Rangel, essa indústria causava grande

impacto no ambiente natural e cultural de seus arredores, emitindo gases do refino de

petróleo.

Nesse sentido, as indústrias que mais poluíam o ambiente de Rio Grande eram, sem

dúvida, a refinaria de petróleo e as fábricas de fertilizantes, conforme bibliografia estudada.

Permeados por essas informações, fomos levados a crer que o movimento

ecológico, no que diz respeito à AGAPAN, questionava em parte o programa de sociedade

projetado pelos militares no Brasil. Isso nos levou a crer que o movimento ambientalista

tinha seu foco de crítica nas indústrias que desenvolviam resíduos “tecnogênicos” nocivos

aos ambientes naturais.

As críticas eram direcionadas para as indústrias que emitiam vários componentes

químicos. Esses circulavam em estado bruto no ar, provocando de doenças respiratórias e

cardiovasculares.

Em uma passagem das crônicas de L. F. P. Guerra, ele diz que é um preocupado

com a saúde alheia. E diz que, aparentemente, somente ele enxerga a poluição produzida

pelas fábricas de adubo, denunciando a indiferença tanto dos órgãos responsáveis pelo meio

ambiente do Rio Grande, como por parte da indústria e da sociedade como um todo.

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Compreendemos que a dinâmica histórica retratada e analisada demonstrou ser

importante para a construção do conhecimento historiográfico-ambiental e a contribuição

para o desenvolvimento de um “novo projeto de sociedade auto-sustentável”.

Nesse sentido, salientamos que o nosso objeto é relevante com relação aos “estudos

históricos” na área das ciências sócio-ambientais. Não temos notícia de que o tema

proposto pelo projeto de pesquisa tenha sido evidenciado pela historiografia, com exceção

da proposta de pesquisa para o doutorado em Educação Ambiental do professor Daniel

Prado.

No que diz respeito à discussão acerca do “modo de vida”, podemos observar que

no decorrer da História da Humanidade tivemos diversas “formas de viver”, ou seja,

“modos de organização da cultura humana”, que limitavam e permeavam os seres humanos

aos limites que a natureza “estabelecia” em termos de recursos de subsistência.

Os estudos acerca do objeto proposto ainda estão na fase inicial, e a bibliografia a

esse respeito na área da História ainda é muito escassa. Os trabalhos existentes são mais

relacionados com a área da Geografia, Ecologia e Educação Ambiental.

Ao estudarmos o objeto no contexto histórico, tentamos utilizar a concepção de

Marc Bloch com relação à análise do objeto histórico: “compreender” a dinâmica dos fatos

históricos. Permeados pelo método dialético, desenvolvemos uma análise inserindo o nosso

objeto na “totalidade” da História Humana.

Sabemos que para Marc Bloch, Fernand Braudel e Frédéric Mauro, a História

destina a ser “investigação”. Foi com essa influência que fomos instigados a investigar o

objeto proposto pelo projeto de pesquisa.

Procuramos estabelecer um método de análise do contexto histórico. Nosso método

foi permeado pela “concepção dialética da História” e nos trouxe resultados que facilitaram

a análise do discurso ecológico dos militantes da AGAPAN de Rio Grande.

Analisamos as várias etapas da História, observando desde a Pré-História, a Idade

Antigo-clássica, Idade Média, Idade Moderna e Contemporânea. Detectamos diversas

formas de concepção com relação à natureza. O pensamento humano foi representado por

diversas fases. As idades históricas podem ser caracterizadas assim: em um primeiro

momento, a Idade Mitológica, depois a Idade Metafísica, e por fim, a Idade Pragmático-

Utilitarista, que correspondem aos modos de produção escravista, feudal e capitalista.

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A concepção humana em um primeiro momento viu a natureza como algo divino e

o ser humano era o guardião designado para preservar esse ambiente natural. A partir da

Revolução Industrial houve um rompimento do ser humano com a natureza, e esta passou a

ser tratada como detentora de matéria-prima para a fabricação de bens de consumo e

transformação.

Após ter desenvolvido o método de análise do processo histórico, procuramos

caracterizar os diversos “modos de vida” e “organização social” no decorrer da dinâmica

histórica, como foi dito acima.

Desde o pensamento pré-socrático, passando pelo pensamento aristotélico-platônico

e o pensamento cartesiano, até chegar à forma de pensar utilitarista da sociedade moderna,

observamos as mutações que ocorreram no ambiente histórico natural e no ambiente

histórico cultural. As civilizações ganham configuração de grandes pólos de

desenvolvimento. Citamos o exemplo da urbe rio-grandina, altamente desenvolvida no que

diz respeito à indústria.

Nesse sentido, observamos no decorrer do processo histórico, em contrapartida ao

“modo de vida” antigo-clássico e medieval, a mudança de pensamento e a gênese do “modo

de vida” moderno capitalista e urbano-industrial. Esse foi desempenhado pela mudança de

pensamento cultural e pela transformação do modo de produção, ou seja, a implantação do

“modo de vida” urbano-industrial.

Após a Revolução Industrial, migrou-se para uma percepção utilitarista e

pragmática com relação ao modo de conceber a natureza. A inserção de um pensamento

racionalista desenvolveu as condições da formação de uma sociedade capitalista urbano-

industrial.

A substituição da energia humana pela energia motriz tornou o sistema de produção

mais dinâmico e permitiu a expansão dos mercados. Em conseqüência, a expansão do

“modo de vida” capitalista, das cidades e das indústrias trouxe transformações nas

configurações tanto do ambiente cultural (civilização/ sociedade) como no ambiente natural

(ecosfera).

Dessa maneira, no século XIX, o “modo de vida” capitalista foi sendo disseminado

pelo mundo através da “Segunda Revolução Industrial”. A inserção do petróleo e da

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energia elétrica dinamizou mais as forças produtivas.[este parágrafo e os próximos não

estão bem, aqui. Melhor coloca-los antes, onde fala da história da humanidade]

A Revolução dos Transportes criou condições de uma rápida expansão capitalista

pelo globo terrestre.

Logo após isso, vimos a inserção da energia atômica colocando em risco todo o

globo terrestre, no contexto da Segunda Grande Guerra e período da Guerra Fria.

No contexto “bi-polar”, a corrida armamentista se acentuou e os “dois gigantes”

(EUA e URSS) desenvolviam pesquisas e “evoluíam” seus armamentos bélicos e nucleares.

Nesse sentido, o crescimento urbano-industrial-tecnológico desenvolveu uma

dinâmica de sociedade onde diversos mecanismos de produção e manutenção da “ordem”

eram “nocivos” aos ambientes naturais e à própria perpetuação da espécie humana.

A manipulação de material químico colocava em risco os ecossistemas naturais e a

vida humana. Na década de 1960-70 começaram a disseminar-se por diversos países

movimentos sociais, inclusive o “movimento ecológico”, que começam questionar o “modo

de vida”.

Com a crescente industrialização, após 1930, o Brasil se tornou uma civilização

permeada pelo “modo de vida urbano industrial”.

No decorrer do processo histórico brasileiro, verificamos o desenvolvimento dos

centros urbano-industriais. Rio Grande foi um exemplo de rápido crescimento industrial.

Observamos que, depois da construção da forma de produção industrial, acentuou-

se a poluição nos ambientes naturais e nos ambientes urbano-culturais, conforme

verificamos através das crônicas ecológicas. Luiz Felipe Pinheiro Guerra, Helton

Bartholomeu da Silva e Adelino M. Mendes foram os que escreveram com mais freqüência

no anos de 1978-79.

Os cronistas discutiam assuntos relacionados com a ecologia e a forma de

organização sócio-ambiental dominante. Apresentavam em seus discursos exemplos de

distorções ambientais e instigavam providências para a resolução dos problemas causados

pelos impactos da indústria em Rio Grande. Questionavam os órgãos responsáveis pelo

meio ambiente no município.

Eles discutiam questões ecológicas das mais variadas espécies. A ação da AGAPAN

era ativista e crítica no que diz respeito aos ambientes naturais dos arredores de Rio

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Grande. Os cronistas ecológicos discutiam com a comunidade, através das páginas do

jornal Agora, a forma como estava sendo transformado o ambiente natural da localidade.

Verificamos que a urbe industrial rio-grandina desenvolveu distorções sociais e

ambientais. A desigualdade social e a poluição apareciam cada vez mais com o

desenvolvimento das forças produtivas. A crescente industrialização e urbanização foram

conseqüência da “evolução” das forças produtivas. Deste modo, quanto mais produziam-se

através das máquinas, mais crescia a pobreza, e a poluição se alastrava pelo ambiente

natural e pelo ambiente cultural.

No contexto do desenvolvimento urbano-industrial da década de 1970, surgiu o

movimento ecológico brasileiro que questionava toda essa “forma de vida”.

Em meio a um contexto orientado pela “repressão militar” (Ditadura Militar 1964-

85), a partir de 1978 os cronistas ecológicos da AGAPAN, núcleo de Rio Grande, se

expressavam e militavam, contra a política econômica desenvolvimentista industrial, nas

páginas do jornal Agora.

O núcleo rio-grandino da Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural –

AGAPAN se expressava através de uma militância escrita e seu foco de críticas era o DIRG

(Distrito Industrial de Rio Grande).

Os militantes ambientalistas demonstravam através da imprensa as distorções

ocorridas pela industrialização e a urbanização “mal-planejada” em Rio Grande. Seus

escritos criticavam o modo de vida urbano-industrial e a poluição e degradação ocorrida

pelo desenvolvimento da produção industrial.

Os cronistas da AGAPAN de Rio Grande, em meio ao processo histórico brasileiro

da década de 1970, criticavam e descreviam um ambiente urbano-industrial altamente

poluído. Os ecologistas chamavam de “projeto niilista” o programa desenvolvido pelo

governo brasileiro no período de 1964-85.

Rio Grande após a industrialização, desenvolveu condições ambientais “horrendas”,

de acordo com os cronistas ecológicos do núcleo rio-grandino da AGAPAN.

Depois de ter esboçado o contexto em que surgiu o movimento ecológico da

AGAPAN de Rio Grande, a nossa intenção foi verificar e analisar o discurso e a identidade

ideológica dos membros daquela ONG. Atingimos o objetivo, e identificamos a AGAPAN

como uma entidade de ideologia conservacionista, no que diz respeito à década de 1970.

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Depois, na década de 1980, migrou grande contingente de militantes socialistas e a entidade

começou a desenvolver outro caráter ideológico que perdura até os dias atuais.

A corrente conservacionista criticava o modelo industrial de desenvolvimento,

porém não apresentava um novo projeto de sociedade, limitando-se somente ao

questionamento do modo de vida da urbe industrializada, como era o caso de Rio Grande.

Portanto, após ter proposto uma pesquisa acerca do movimento ecológico, ter

desenvolvido e adaptado uma metodologia de análise histórica, observamos, analisamos,

compreendemos e explicamos a conjuntura e estrutura histórica, a gênese e evolução do

movimento ecológico, o discurso militante e a identidade ideológica de tal movimento.

Conclui-se também, que o modelo de crônica empreendida pelos ecologistas que

escreviam no jornal Agora evidenciava os impactos ecológicos causados pela indústria

instalada no Distrito Industrial da Quarta Secção da Barra e toda uma gama de discussões

relacionadas a assuntos de cunho ecológico de dado contexto histórico.

Percebemos no decorrer deste trabalho que o modo de vida capitalista urbano-

industrial, de acordo com bibliografia, era “nocivo” aos ambientes naturais e a saúde

humana. Utilizamos uma bibliografia que pode, de forma científica, elucidar tais fatos

histórico-ambientais.

Analisando a documentação, o resultado que obtivemos traz à luz diversos

questionamentos com relação à forma como é tratado o ambiente rio-grandino pelas

indústrias e pelos órgãos responsáveis pelo meio ambiente em dado momento.

Não estamos, ao findar o trabalho, considerando que esgotamos as interrogações

que surgiram, pois acreditamos que o processo de investigação está em sua gênese. Com

isso, procuramos evidenciar que o nosso intuito é de não denegrir a imagem do complexo

industrial de Rio Grande e as empresas alocadas no município, e sim propor que se preserve

mais o ambiente natural que circunda Rio Grande e cuide da saúde da população, que

convive com as distorções tanto sociais quanto ambientais. Somos trabalhadores da

indústria e gostaríamos de um complexo industrial ambientalmente correto e auto-

sustentável.

Nesse sentido, observando o exemplo rio-grandino, acreditamos ser preciso um

projeto de sociedade que concilie progresso industrial e desenvolvimento com Educação

Ambiental e preservação do ambiente natural e cultural.

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Deste modo, seguindo a linha raciocínio da eco-pesquisa, propomos que a História

tem muito a contribuir com as atuais discussões com relação aos estudos em Educação

Ambiental.

De acordo com Daniel Porciúncula Prado,

a História também deve contribuir para a eco-pesquisa. A História

certamente é a evolução dos seres humanos (sociedades) e sua constante

adaptação ao ambiente, pois é no ambiente empírico, concreto, que se dá,

sem dúvida nenhuma, a História. É no ambiente do cotidiano, das

percepções, do inconsciente coletivo, das mentalidades, das revoluções,

das guerras, das decisões políticas, da dialética, das classes, e [...], da

natureza, que se realiza a história humana191

.

A partir de tais evidências, concluímos que se tornam relevantes tanto para a

História, quanto para a pesquisa de caráter ambiental, os resultados aqui obtidos.

Finalmente, colocamos à disposição as conclusões aqui obtidas para um debate

acerca do atual modelo de sociedade, que verificamos e explicamos ser nocivo à

manutenção da vida no planeta. Assim, o discurso conservacionista mostrou a dinâmica de

um processo de industrialização ainda pouco planejado com relação à manutenção do

ambiente natural. Verificamos ser prudente a migração para uma idéia de projeto de

sociedade ambientalmente auto-sustentável. É muito importante para a sobrevivência da

espécie humana!!!

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Agora, Rio Grande, n. 1058, 23 mar. 1978, coluna Opinião, p. 2.

Agora, Rio Grande, n. 1066, 2 abr. 1979, coluna Última Página, p. 8.

Agora, Rio Grande, n. 1070, 6 abr. 1979, coluna Cidade, p. 3.

Agora, Rio Grande, n. 1092, 5 maio 1979, coluna Opinião, p. 2.

Agora, Rio Grande, n. 1107, 23 maio 1979, coluna Opinião, p. 2.

Agora, Rio Grande, n. 1111, 28 maio 1979, coluna Opinião, p. 2.

CRÔNICAS ECOLÓGICAS UTILIZADAS PARA O TEXTO DO TRABALHO

A seguir transcrevemos as 18 Crônicas Ecológicas utilizadas como fonte para

este trabalho, publicadas no jornal Agora no período de 8 de novembro de 1978 a 28

de dezembro de 1979.

Crônica 0001- AGAPAN (01)

Jornal Agora, Rio Grande, n. 946, 8 nov. 1978, coluna Opinião, p. 2 – Luiz Felipe Pinheiro

Guerra:

Em rápida esticada até ao Cassino, deparamos com mais progresso naqueles páramos. Do dia para a

noite, descendo o viaduto da Rede Ferroviária, proximidades do “Mate Amargo”, imponentes placas de firmas

empreiteiras de engenharia surgiram prenunciando que canteiros de obras do canal adutor de 25km de

extensão amenizará a sede de água industrial de que o Distrito da 4 Secção da Barra está a se ressentir.

Parabéns!... As margens do Canal serão gramadas e 24 mil mudas de árvores serão plantadas.

Começamos a desconfiar que algum apóstolo da Natureza andou metendo o bedelho naquele projeto.

Fica aqui o nosso apelo para que derrubem o mínimo de vegetação. Somente aquela essencialmente

necessária à construção do canal. Plantem essências nativas. Cerejeiras, pitangueiras, guabirobeiras. Toda

intervenção no ambiente natural deverá ser feita com o zelo de quem vai macular algo sagrado. Terra

revolvida é terra perdida. A erosão se instala. O nitrogênio se esvai.

Desconfiamos que os rio-grandinos não se ativeram a avaliar ser quase um milagre que o nitrogênio

e outros nutrientes naturais consigam se fixar em nosso terreno arenoso. No entretanto, uma verdadeira capa

de vegetação cobre as glebas rio-grandinas. Preservá-la é que importa.

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Ainda sobre o canal adutor: - Que glória imensa teremos ao inflar nossos pulmões de ar naquele

local, daqui a alguns anos, pudermos proclamar ao nosso filho que homens de bem do Planeta Terra lá

estiveram mais semeando do que colhendo. Conciliando o progresso e o desenvolvimento com o meio

ambiente. Harmonizando a necessidade humana com a preservação da Natureza.

Já que o assunto é água, convém argüirmos nossas forças vivas de “papareias” sobre o destino que

será dado a tanta água usada. Será tratada convenientemente antes de ser lançada no canal do Porto de Rio

Grande?

Crônica 0004 - AGAPAN (02)

Jornal Agora, Rio Grande, n. 968, 4 dez. 1978, coluna Cidade, p. 4 – Luiz Felipe Pinheiro

Guerra:

Seja bem-vinda, Temporada de Praia...

Dunas ausentes,

Por motivos influentes.

Gigantescos contornos matizados de dourado

Onde o visitante repoltreava sua satisfação na cálida areia.

Hoje, quimera... Lembrança mórbida dos dias de antanho

Onde o assanho benfazejo das gaivotas, hoje mortas,

Loucas, alucinadas, acossadas

Pela arminha de salão.

Seja bem-vinda, Temporada de Praia...

Da fumaça chegando lá

Triste enseio do progresso desonesto

Onde só o lucro fácil tem valor.

Fumaça cegante, asfixiante, crescente

das árvores em redor

local onde nenhum herbívoro se atreve a ruminar.

Poluição sem par,

Nuvem envolvente que empenha o olhar.

Tolhe a visibilidade

Adentra os olhos

Inibe nossa acuidade

Mas, não consegue penetrar na consciência

De nossas autoridades...

Seja bem-vinda, Temporada de Praia...

Da ausência de opções de lazer

O que fazer?

Ante o “Bolacha” fechado

O “Arroio dos Macacos” conspurcado

Vilipendiado pela atroz retificação.

As árvores da 4 Secção destroçadas

Aprisionadas. O mato aramado.

Seja bem-vinda, Temporada de Praia...

Dos caminhões a lavarem seus tanques no “Vieira”,

As fábricas, seus filtros no “Senandes”

A cidade avançando, aprisionando.

O surto imobiliário desapropriando

O Balneário em si travestido

Em cidade-dormitório.

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Seja bem-vinda, Temporada de Praia...

Do depósito de argamassa a afrontar o plano diretor.

Hoje um simples depósito, amanhã uma fábrica, depois uma cidade

A SE MUDAR PARA MAIS LONGE

“NOVO CASSINO”? ... “CASSINO SUL”?

E assim sendo, a mudar nossa mentalidade,

Um dia chegaremos a Hermenegildo.

Hermenegildo... Bem!... Hermenegildo?!...

Crônica 0005 - AGAPAN (03)

Jornal Agora, Rio Grande, n. 970, 6 dez. 1978, coluna Cidade, p. 3 – Luiz Felipe Pinheiro

Guerra:

Uma relanceada de olhos nos jornais de Porto Alegre nos dá uma idéia do crescente enfoque de que a

ecologia está sendo alvo por parte da imprensa. Aliás, assunto de cruciante interesse para nós terráqueos, que

pretendemos ver esta magnífica nave espacial de complexidade infinita que é o “Terceiro Planeta”

sobrevivendo como suporte de vida, tal a conhecemos, nos seus mais variados matizes.

A solução de “varrermos a sujeira para debaixo do tapete” ou “jogarmos lixo no quintal do vizinho”

nunca condizeu com nossa situação de civilizados. No entretanto, alguns ainda teimam em proceder como o

vaqueiro do velho oeste que ia destruindo tudo na sua passagem. Até manadas de búfalos e bisões, pelo

simples e sádico prazer de matar.

Leio com interesse a notícia de que a Secretaria Municipal do Meio ambiente, em conjunto com a

Federação das Associações do Garajistas e Revendedores de Petróleo de Porto Alegre, está a estudar um meio

de conscientizar e solucionar problemas oriundos de despejo de óleo, detergentes e outros elementos

poluentes hídricos na rede de esgoto pluvial que tem o estuário do Guaíba como receptor.

Particularmente, não somos técnicos, mas, queremos crer não haver necessidade de profundos

conhecimentos científicos para concluirmos, por exemplo, que trazido o problema para o âmbito da nossa

“Noiva do Mar”, veremos que a água que serve Rio Grande já está por demais comprometida pela poluição, e

que os sistemas de sustentação da vida no meio líquido que circunda a “península rio-grandina” estão a

definhar.

Ainda um destes dias, alguém de nosso círculo de amizade nos perguntou o que fazer ante o óleo que

o canalete carreava até os fundos da sua morada que faz limite ao sul com o Saco da Mangueira. Está aí uma

pergunta que os órgãos responsáveis do meio ambiente “papa-areia” poderiam responder.

Seria de urgência (porque entendemos que em preservação ambiental tudo deve ser feito com máxima

rapidez) a formação de uma comissão de estudos para aquilatar o problema dos despejos em meio hídrico aqui

em Rio Grande, a exemplo do que está ocorrendo em Porto Alegre para tentar salvar o Guaíba, que está

agonizando.

Devemos, como dizia Bismarck, aprender com o erro dos outros, pois com os próprios, além de

perda de tempo, é estultice...

Crônica 0008 - AGAPAN (04)

Jornal Agora, Rio Grande, n. 973, 9 dez. 1978, coluna Cidade, p. 4 – Luiz Felipe Pinheiro

Guerra:

A metalurgia do cobre vem mesmo para Rio Grande. Assunto comprovado. Questão de tempo,

apenas, e a Eluma S/A fará parte do complexo fabril do Distrito Industrial da 4.ª Secção da Barra, cuja área

designada já está sofrendo terraplanagem.

A previsão aponta o ano de 1984 para a entrada em operação da primeira etapa do empreendimento

metalúrgico, sendo que, naquele ano, pretende-se produzir 100mil toneladas de lingotes e demais

subprodutos. Até 1987, a Eluma aumentará sua produção em mais de 50 mil toneladas.

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Foi a possibilidade de “aproveitamento do ácido sulfúrico para fins industriais, além das reservas

minerais de cobre e carvão do Estado”, que lograram êxito em escolher o Distrito Industrial de Rio Grande

para implantação de referido complexo metalúrgico.

Estes são os dados importantes da notícia da “Folha da Tarde” de 5 de dezembro de 78, sobre o

assunto.

Mas, mais importante ainda, é que a Eluma vem com a máxima intenção e disposição de não poluir.

Sabemos que qualquer indústria de transformação de metais pesados (e muito em especial do cobre) é, por si

só, altamente poluente. Alega-se, porém, que a tecnologia hoje existente, se bem empregada, anulará por

inteiro os agravos ao meio ambiente e à vida humana.

O diretor da Eluma afirma que “o aproveitamento do ácido sulfúrico, para fins industriais, na região

vai minimizar ainda mais o problema da poluição aérea”. E disse mais: “Caso não houvesse esta

possibilidade, este subproduto teria que ser lançado no ar, com todos os efietos poluentes”.

Estamos nos restringindo a enfocar dados quase que sem comentá-los para que tenhamos subsídios

no futuro. Quarenta por cento dos dispêndios em equipamentos que a Eluma terá, serão forçosamente para

prevenir a poluição.

Em sendo assim, só nos resta aguardar para ver, pois o tempo é o mais implacável dos juízes que eu

conheço. É ele que deflui a verdade dos acontecimentos. Esperemos.

Crônica 0009 - AGAPAN (05)

Jornal Agora, Rio Grande, n. 974, 11 dez. 1978, coluna Opinião, p. 2 – Luiz Felipe

Pinheiro Guerra:

Em crônica anterior falamos da disposição que a Eluma possui de aqui se instalar, transformar o

minério de cobre em produtos industrializáveis, tudo isso SEM POLUIR o recinto da 4.ª Secção da Barra.

A uma empresa que vem com esta excelsa intenção só nos resta creditar nossas boas-vindas. Vamos,

porém, tomar a cautela de salientar que metais pesados e seus resíduos, quando lançados em bruto no meio

hídrico, são potencialmente nefastos à fauna ictiológica, ao plâncton e demais habitantes do mar.

Sabe-se, por outro lado, que existe convênio entre países signatários da carta das Nações Unidas

coibindo o lançamento puro e simples de resíduos industriais essencialmente danosos aos aceanos e rios. Isto

é uma verdade insofismável.

Não é menos verdade que já foi denunciado, aqui em Rio Grande, que a metalurgia do cobre trará

problemas ao meio marinho. Nós, principalmente, não temos condições de aquilatar a extensão destes

agravos. Cedemos vaga, portanto, para aqueles que as têm.

Fala-se, inclusive, na extinção de determinadas espécies marinhas. Estamos, apenas, nos resumindo

em sintetizar hipóteses que, se comprovadas, trarão malefícios a uma região que tem suas atenções voltadas

para o mar, dele dependendo grande parte de sua população.

Não vamos, porém, nos antecipar aos fatos. A Eluma promete empregar toda a tecnologia existente,

atualmente, para combater uma provável poluição que porventura venha a acontecer.

Vamos com calma, portanto. Aliás, gostaríamos que alguém desse o exemplo para as demais fábricas

que, efetivamente, sem a menor sombra de dúvida, estão poluindo em Rio Grande.

Nós, propriamente, estivemos com a reportagem no hotel onde se hospedavam os técnicos que

vieram aquilatar e fiscalizar as fábricas de adubo na “Noiva do Mar”.

Apresentamos, na ocasião, nossa carteirinha de associado da AGAPAN. Furtivamente, deixaram eles

transparecer um sorriso não isento de ironia. Acreditamos que, em se tratando de meio ambiente, devemos ser

um tanto radicais. Ou somos ou não somos pela defesa ambiental.

Ao longo de nossa jornada, temos colecionado elogios e críticas. Mas estas não nos fustigam nem

aqueles nos exultam. Seguimos nosso caminho colhendo os acridoces frutos de nosso labor.

Sabemos que falar nas fábricas de adubo que estão dizimando, por exemplo, as árvores da 4.ª Secção

é bastante delicado. Nem por isso deixaremos de denunciar.

Os técnicos, quando aqui estiveram, disseram haver visitado apenas uma fábrica, dada a exigüidade

de tempo, alegando que o problema é essencialmente técnico e só a eles compete. Redargüimos que o

problema tinha um matizado de ângulos a serem enfocados. Inclusive o aspecto emocional da questão, só

quem sente na carne a nefasticidade do gás que emana até dos esgotos pluviais, adentrando o Porto Novo,

causando alergia, transformando-se em visicante pulmonar, é que poderia dizer se existe ou não poluição.

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Esta história de filtros subdimensionados, de avaliação da planta industrial das unidades produtoras,

etc., ajuda mas não é tudo.

Bem! Enquanto os técnicos não solucionam o problema, nós vamos aqui espargindo nossas

“PHILIPICAS”.

Crônica 0028 – AGAPAN (06)

Jornal Agora, Rio Grande, n. 1011, 25 jan. 1979, coluna Cidade, p. 3 – Luiz Felipe Pinheiro

Guerra:

Em foco a desapropriação de terras na região do “Vieira”. Terras desapropriadas pelo CEDIC e que

deverão ficar à disposição do progresso a partir de março próximo vindouro.

Enche-me de curiosidade que para dar início ou andamento a obras de indústrias ou edificação de

porte, logo órgãos governamentais acorrem com a máxima presteza cuidando que nenhum segundo seja

desperdiçado a esmo.

No que respeita ao “Vieira”, sempre cuidei de ser categórico, pois nunca hesitei em afirmar que

ecologia não aceita meios-termos. Para meu modesto ponto de vista, o Balneário do Cassino e sua infra-

estrutura de instância de férias e repouso deve iniciar aí no trecho que antecede a Avenida Itália.

Ou optamos por turismo e respeitamos nossa “Vila Siqueira” como tal ou deixamos que os

apologistas deste progresso niilista tomem conta de nossos melhores recantos de lazer. Perguntaria eu: qual a

prioridade de um plano que desapropria a margem de uma estrada tão linda como a que demanda ao Cassino?

Meu maior temor é que os grandes teóricos deste progresso discutível inexoravelmente vão terminar

transformando em cloaca o lindo córrego no qual tantos veranistas atenuam a canícula dos dias de verão com

um delicioso banho de sanga.

Vem muito a propósito minha leitura sobre “As atividades industriais e as leis de proteção aos

mananciais”. A referida leitura traça aspectos de relevo da legislação de defesa dos recursos hídricos urbanos.

Buscam estes tópicos disciplinar o uso e ocupação do solo, através da imposição de limitações urbanísticas,

nas áreas de proteção aos mananciais.

Começo a desconfiar do descumprimento destas leis no que diz respeito ao nosso Distrito Industrial,

pois o que fizeram com o “Arroio dos Macacos” foi bem um exemplo da pouca atenção que os grandes

homens de nossa nação procuram impingir ao meio ambiente.

Sei de fonte segura que um dos candidatos mais votados, que despejou dinheiro às mãos-cheias para

conseguir uma cadeira na Câmara dos Deputados, ao visitar aquelas raízes à mostra e todo aquele caótico

quadro de árvores crestadas pela fumaça das fábricas de adubo e pelo vandalismo oficial e permitido, disse,

despejando boca afora, que as obras não estavam de todo concluídas e que “depois reflorestaremos o local”.

Bem! Diante deste modo de pensar e de tanta demonstração de “sabedoria”, vou atirar de Lutzemberger de

novo: dito em reunião solene da Câmara de Vereadores de Rio Grande: “O homem atual busca desertificar o

que existe. Planta desertos e, depois, parte para o reflorestamento dispendioso. O que está certo pensa estar

errado. Onde existem florestas as destrói para formar pastagens. Onde existem pastagens, pensa em

reflorestamento”.

Permitam-me os senhores diretores do CEDIC argüi-los sobre tão premente necessidade de enxotar

os moradores daquelas redondezas tão açodadamente, quando se sabe que as terras só serão infestadas de

progresso daqui a uns dez ou vinte anos.

Mas, se é isto que a paranóia oportunista que os nossos caçadores de emprego e posições políticas

desejam, só me resta socorrer-me de minha Câmara de Vereadores para que não permitam estes tipos de

atentados à ecologia e aos velhos moradores daquelas paragens.

Crônica 0047 - AGAPAN (07)

Jornal Agora, Rio Grande, n. 1041, 3 mar. 1979, coluna Opinião, p. 2 – Luiz Felipe

Pinheiro Guerra:

Assunto velho e surrado. Objeto de tantos enfoques.

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Não é possível que os nossos homens públicos dele ainda andem ausentes. Parece que a gente se põe

a pregar num deserto; ou sou um dos poucos que enxergam nesta terra de cegos?

Custa-me crer, por exemplo, que toda aquela fumaceira das fábricas de adubo seja antevista só pela

minha pessoa.

Serei eu tão obcecado assim pela defesa da saúde dos outros e da minha, logicamente, que me ponho

preocupado com aquelas maléficas baforadas a fluir impunemente, inclusive dos esgotos pluviais?

E quem reside nas proximidades? Como ficam as crianças que inalam toda aquela sujeira aérea?

E não venham me dizer que “é o cheiro do progresso”.

Eflúvios agressivos à epiderme. Deve ser um vesicante pulmonar por excelência. Pois, o que aquele

gás de adubo pode causar na sutil intimidade de nossos alvéolos do pulmão, quando ocorre esta maravilha que

se chama hematose, que explicada melhor é a troca gasosa do ar sujo oriundo de nossas células, carregado de

impurezas, pelo ar extremo que e, aí reside a ironia, deveria ser límpido e isento de qualquer nocividade.

O que respiram os que habitam nas adjacências destes focos de poluição? Uma boa pergunta a

espicaçar a acuidade dos técnicos que, oriundos de Porto Alegre, se hospedam no melhor hotel da cidade.

Com um gostoso ar condicionado. Atendimento de primeira. Tudo por conta do controle do equilíbrio

ecológico. Monitores, como gostam de serem chamados, deles já ouvi, certa ocasião em que acompanhei a

imprensa em uma reportagem, que “o problema é eminentemente técnico e só a eles compete”.

Aliás, maneira muito cômoda de vislumbrar a situação quando a gente destes organismos e não a

estes empresta o labor desinteressado em prol da comunidade.

Penso que os que “se escondem da chuva” ali pela “Vila da Naba”, verdadeiros párias desta

sociedade de consumo e desperdício, não possuem a mesma opinião dos nossos técnicos que, anestesiados

pela conveniência, levam, por exemplo, “uma tonelada e meia” de tempo para chegarem a concluir que um

filtro destas fábricas está “subdimensionado”.

Quem temia em sobreviver lá por aquele recinto ultrapoluído, tanto hídrico como aéreo, fustigado

por aquela névoa maléfica e nauseado pelo emporcalhamento daquelas águas (também, quase inteiramente

provocado pelos detritos industriais) deve ter sua visão bem diferenciada do que seja este maravilhoso

progresso, tão ardilosamente implantado pelos idealizadores de nosso “magnífico” modelo econômico.

Sábias palavras ouvi ao conhecer Adroaldo Ferreira, presidente do Movimento Conservacionista de

Cachoeira do Sul: – Os organismos oficiais de controle ecológico estão a se comportar, no Brasil, no mais das

vezes, “quais gigantes eunucos a montar guarda no harém da conveniência econômica do sistema, quase

sempre alienígena”.

De quebra, caros leitores de minhas denúncias, resta-me o consolo do ditado que, apesar de minha

teimosia, vou ter que chegar a conclusão de que ele está eivado de verdade: - Uma andorinha só não faz

verão...

Crônica 0050 – AGAPAN (08)

Jornal Agora, Rio Grande, n. 1058, 23 mar. 1979, coluna Opinião, p. 2 – Luiz Felipe

Pinheiro Guerra:

Os faraós do progresso estão chegando. E parece que pretendem estacionar suas bigas douradas no

município de Rio Grande.

O que os forjadores de pirâmides pretendem fazer com a cidade e o município papareia é pura e

simplesmente algo que transita entre o horrendo e o perplexo.

Não imaginava que os paranóicos do progresso aparente estavam infectados de tanta megalomania.

Agora estou de posse da “Reformulação do planejamento básico do Distrito Industrial de Rio Grande

– DIRG‟.

Prometo que o “meu novo amigo”, depois meu primeiro livro de leitura, quando minha velha mestra

ensinou-me o alfabeto, este vai ser o segundo de minha vida. Brindado pelo meu colega Nilo Dias Tavares,

que gentilmente o “batalhou” para a minha pessoa, para que eu ESTUDE E VEJA O QUE QUEREM FAZER

COM NOSSA RIO GRANDE.

Bem, “para não discutir sem base”, vou dar um verdadeiro “chá-de-sovaco” no referido relatório.

Será meu companheiro de todos os dias. Escudo protetor na luta para que os desastres nele contidos não se

realizem.

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Se explodir todo este “magnífico” progresso que o livro está a estimular, azar da ecologia e do meio

ambiente rio-grandinos.

O que mais me entristece é entender que arremessei meus arrebates ao léu. Estive, todo o tempo, com

minhas crônicas, a tirar “água de pedra”. Se bem que os americanos já descobriram ser viável extrair o

precioso líquido de determinadas rochas (as lunares, por exemplo). Mas, os estadunidenses vivem no futuro e

nós mourejamos na miséria de importar modelos econômicos.

O próprio relatório é um festival de paradoxos. Reservam espaços “livres”. Áreas verdes

despoluentes. Tudo no mais requintado e aberrante planejamento de onde o ser humano foi alijado.

Quando a gente fustiga pela imprensa estes absurdos homéricos, os coniventes com o sistema de

destruição da natureza rio-grandina se param a contestar que virão indústrias e não poluição.

Ledo engano de nossos interesseiros membros de um sistema que só trará prejuízos e destruição a

Rio Grande.

Fazer de Rio Grande uma cloaca é crime contra a história gaudéria, além de um acinte a seus

habitantes.

Mas, prometo ir lendo e digredindo o precioso relatório do APOCALIPSE ECOLÓGICO de que a

“Noiva do Mar” será a vítima a ser imoloda em holocausto desta aberração que os destruidores oficiais

alcunham de progresso.

Crônica 0053 - AGAPAN (09)

Jornal Agora, Rio Grande, n. 1063, 23 mar. 1979, coluna Cidade, p. 3 – Helton

Bartholomeu Silva:

Os defensores da integridade do meio ambiente começam a ser atacados por aqueles que fecham os

olhos a tudo que foge a sua concepção de progresso, esquecendo que mesmo conservar o que existe de bom é

uma das mais difíceis formas de progresso. Primeiro os conservacionistas são acusados de fanáticos ou

loucos, na tentativa de vencê-los pelo ridículo, como tentaram com Lutzemberger, mas o velho e querido

louco diz e prega coisas sensatas demais. E, prega, sobretudo, a uma assistência receptiva como é a população

da Capital do Estado, traumatizada pela realidade hedionda de uma fábrica de celulose que reivindicou e

agora não suporta.

E a ambição se fez empresária e habitou entre nós: “Que belo renque de árvores, isso aí reduzido a

toras, estacas e achas vai dar uns bons cobres”. “Que magnífico regato. Instalo aqui meu curtume, ali minha

destilaria, acolá minha usina de cobre, e tenho para onde descarregar meus resíduos”. “Ah, que mar imenso,

afinal o mar é a lixeira natural dos países industrializados. Este tonel de óleo queimado em mando jogar no

mar, quero minha fábrica limpa, meus operários não se poderão queixar de insalubridade em minha empresa;

os outros... bem, que se lixem, longe dos olhos... e assim vou instalando meu benfazejo progresso”. É bem

verdade que vez por outra aparece um indesejável, mas também não é problema. Investiga-se a vida dele. Sua

conduta é irrepreensível, é bom chefe de família, é honesto, diz a verdade sem véus, não está comprometido

com nenhum grupo econômico? Bem, ele não é daqui... “Ah, isso serve. É meio fraco, mas para botocudos e

semi-analfabetos está mais que bom”.

Se o recurso não convencer ninguém, restará um palavrão qualquer: pessimista, derrotista,

oposicionista, e teremos a opinião pública contra ele sem grande dificuldades.

Progresso desenfreado leva à ruína o que temos de melhor em recursos naturais. A ruína da natureza

leva à ruína da sociedade. A Inglaterra sofreu isso há 150 anos e apresentou o quadro de miséria social que

inspirou a Karl Marx sua filosofia. Ninguém que se procure manter informado a respeito de problemas

ambientais ignora o que a Inglaterra despendeu para ressuscitar o Tamisa, onde novamente procriam os cisnes

selvagens e, evidentemente licenciados, os pescadores podem fisgar alguns salmões e trutas. Problemas

idênticos, pelos quais passaram o Reno, o Sena e o Mississipi, em parte já foram superados. O deserto em

que, em menos de meio milênio, idade de nosso jovem País, transformou-se a outrora virente floresta do pau-

brasil, o mesmo que muito oportunamente foi declarado oficialmente árvore nacional, ainda clama por

reparação. O povo brasileiro, gaúcho, rio-grandino pode e deve saber desses problemas para que tenham em

mente que nem tudo que a Natureza nos deu pode ser trocado por um punhado de moedas, mesmo porque tal

progresso se tem exprimido principalmente por emprego de mão-de-obra de fora, desapropriação de terras

produtivas e abate de árvores em profusão sem nada replantar, em benefício do mealheiro de uns poucos, em

sua maioria, nem mesmo ligados por suas raízes à nossa terra.

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Forasteiro, quem quer que sejas, que denuncias a agressão ecológica, tu estás defendendo o que é de

todos nós, sê bem-vindo, mas não exagera, não procura levar nossa usina para a praça principal de tua aldeia.

Crônica 0056- APAGAN (10)

Jornal Agora, Rio Grande, n. 1066, 2 abr. 1979, coluna Última Página, p. 8 – Luiz Felipe

Pinheiro Guerra:

Uma verdadeira névoa de fumaça impedia a visibilidade de quem vinha da Quarta Secção da Barra e

demandava a cidade, aproximando-se da Ponte dos Franceses, em uma destas noites oitonais.

É claro que a oscilação de temperatura que produz o fenômeno da inversão termal, isto é, as camadas

de ar menos densas ganham maior altitude e as mais adensadas ficam espargindo-se ao rés do chão, contribui

para o agravamento do problema. Foi assim que Londres mergulhou em um violento e feroz “smog” que

ocasionou várias vítimas. Muitos cardíacos e doentes pulmonares foram aniquilados pelo ar irrespirável que

constituiu o famoso nevoeiro londrino de anos atrás. Sabe-se que a região de Londres, por exemplo, é propicia

à reedição destes casos graves de poluição aérea.

Mas, o ar que respiramos, cada vez menos puro e pleno de gases oriundos da descarga de automóveis

e das chaminés das fábricas, é algo muito precioso para ser danificado com venenos mortíferos.

Em Rio Grande, a poluição das fábricas de adubo aliadas a outras, está a crestar o arvoredo

circundante. Já ouvi de muitos moradores do Bairro Getúlio Vargas que ali naquelas paragens não há mais o

maravilhoso fenômeno biológico do frutificar das laranjeiras, pereiras e abacateiros.

A bela “Noiva do Mar” de outrora é mera saga na lembrança dos mais idosos. Hoje, triste e trôpega

rameira deste progresso aniquilante, está embriagada de emanações químicas. Suas águas, os recantos

hídricos que delineiam a “península Papareia”, manchadas de óleo e outros resíduos, começam a se tornar

impróprias à vida. Outro contribuinte para o despovoamento de nossas águas interiores é a pesca

indiscriminada e predatória. Na base do “salve-se quem puder”.

Mas, afinal, nós os “estrangeiros” não devemos meter o bedelho na ecologia rio-grandina com nossos

“clamores exagerados”, para não espantar nem melindrar as novéis indústrias que por aqui pretendem se

instalar.

Toda esta poluição que dizima a flora e fauna de nossa gleba municipal, no entender de alguns

acostumados à conivência com o sistema econômico dominante, é um preço “irrisório” que estamos a pagar

pelo desenvolvimento de nossa terra.

Os prédios da FURG, recém-construídos, de cá para lá. As classes “X, Y, Z” vão para... para as ilhas(?).

Toda esta catástrofe que paira sobre Rio Grande devemos creditar ao “excesso de zelo dos encarregados do

DIRG”.

Porém: “cala-te boca”...

És alienígena. Não nasceste aqui. Só os detentores do mando e os gestores dos desígnios desta cidade

desesperada aqui natos é que podem sugerir, redargüir, criticar.

Mas, anestesiados por uma cátedra, sucumbidos em cargo público de polpudo salário, entregam a

urbe aos desmandos, justamente, e para ironia da estória que estamos a contar, a quem não é daqui e nada faz

pela nossa terra a não ser assentar indústrias poluentes, em flagrante desrespeito aos nossos habitantes.

Mas, para quem gosta: “uma travessa cheia...”

Não irei corar de espanto no dia que, dentro deste modo canhestro de pensar, quando vier a querer

desfrutar com meu filho daquele magnífico refúgio ambiental que é a Praça Tamandaré, nela encontrar uma

moderna, “florescente” fábrica de minério instalada.

O que direi ao meu pequeno Júnior?

“É progresso, meu filho, é o progresso”.

Crônica 0058 - AGAPAN (11)

Jornal Agora, Rio Grande, n. 1070, 6 abr. 1979, coluna Cidade, p. 3 – Luiz Felipe Pinheiro

Guerra:

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O abelhudo novamente, e quase sempre, não se compõe e volta na ecologia papareia. Alienígena do

jeito que é, não se conforma com certos destraves que se está cometendo contra o meio ambiente rio-

grandino.

Imagine-se uma casa, o lar de uma pessoa, o local onde este ser habita, ficar completamente toldado

pela fumaça de uma fábrica de adubo que esparge ao ar suas nojeiras. Como conseqüência dessa fumaceira, o

arvoredo da redondeza resta todo ele crestado pela impureza nauseante. Digo nauseante porque só de

acompanhar a reportagem, voltei com a pele irritada, a garganta rouca e o peito doído de respirar toda aquela

poluição.

O que dizer daqueles que são obrigados a ali fixar sua moradia? O que devemos fazer, quando um

chefe de família nos mostra o assoalho da residência dele pleno de um pó branco oriundo destas emanações e

que adentra a casa pelas venezianas, sujando tudo em sua passagem?

Já frisei em crônica passada que o arvoredo frutífero daquelas paragens não pode mais levar este

nome; não por culpa das espécies arbóreas ali plantadas, mas pela acintosa emanação aérea daquela fábrica.

A saúde dos habitantes do Bairro Getúlio Vargas e adjacências está seriamente sendo comprometida,

pois seus habitantes, em vez de ar puro, respiram resíduos tóxicos de adubo.

Isso, porém, passa despercebidamente pela ótica dos que enfocam o progresso de uma urbe só do

ponto de vista de um punhado de dólares. Contando que existam fábricas, não importa para estes paranóicos

do progresso que eles tragam cânceres de pele, otites crônicas e enfisema pulmonar.

Não sei aonde foram parar os técnicos que meses atrás, a soldo da Secretaria do Meio Ambiente,

hospedaram-se no melhor hotel da cidade para estudar e avaliar a extensão do problema que estas

abomináveis emanações estão a provocar. Por certo que ainda andam a fazer conta de chegar para ver se, do

ponto de vista “eminentemente técnico” os filtros destas indústrias estão subdimensaionados.

Ante a agressão tão nefasta de que estão sendo alvos os habitantes das vilas circundantes a essa

indústria, tomei o microfone da Rádio Minuano por empréstimo, em alguns momentos, no programa

“Trinômio do Sucesso”, para me posicionar ante tamanhas aberrações.

O problema requer mais do que conscientização: exige ação por parte de nossas autoridades. Atitude

imediata. Sem constrangimentos, medos e demoras.

Crônica 0064 - AGAPAN (12)

Jornal Agora, Rio Grande, n. 1092, 5 maio 1979, coluna Opinião, p. 2 – Luiz Felipe

Pinheiro Guerra:

Artigo de Jorge Ossanai, publicado em “Zero Hora” de 29/4/79, cita como fatores de degradação

ambiental a “má localização de populações ou de atividades produtivas”. Adianta-se mais ainda em sua

exposição Ossanai, frisando ser a “análise prévia de projetos” fator importante no controle preventivo da

poluição.

Na perfeita consecussão de um projeto industrial devem concorrer urbanistas, biólogos, engenheiros,

químicos, meteorologistas, economistas, médicos e outros profissionais das mais diversas áreas. Nestes

“outros profissionais” eu penso estarem incluídos os conservacionistas, leigos interessados e demais

elementos que constituem o “time sem camisa” que luta em defesa do meio ambiente. Nem precisa ser dito

que estes “narizes de folha” não pertencem a órgão oficial nenhum, tampouco são remunerados.

Abro o bem elaborado relatório sobre a “Reformulação do planejamento básico do Distrito Industrial

de Rio Grande – DIRG” e busco calcar o artigo de Jorge Ossanai nas promessas contidas no referido relatório

quanto ao que diz respeito aos “Objetivos - Funções Sociais”.

Algo muito bem ali mencionado: “Evitar agressões ao equilíbrio ecológico natural, minimizando os

efeitos da poluição ambiental decorrente dos processos de industrialização e urbanização”.

Ponho-me a divagar para tentar concluir onde os organismos oficiais erraram, estão errando e vão

assim continuar, não cumprindo o que a si próprio estipulam.

As contradições são por demais gritantes. Onde, por exemplo, os mandantes da “Reformulação

básica” preocupam-se com a execução de controle ambiental na 4.ª Secção da Barra? Ou, porventura, se

desmesuraram em zelo nos cuidados com a natureza que acabaram em transformar o “Arroio dos Macacos”

em cloaca de uma fábrica de óleo de soja?

A uma conclusão, pois, ouso chegar: nossas autoridades projetam, formulam, ditam leis ambientais,

para depois nada disto cumprirem.

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É triste, então, admitir que nossa ecologia está entregue à displicência oficial. A falta de fiscalização.

A ausência de cumprimento das leis de proteção à natureza.

E enquanto isto perdurar, teremos inevitavelmente de pegar pesado ônus pela nossa indiferença ante

problemas tão cruciantes.

Crônica 0074 – AGAPAN (13)

Jornal Agora, Rio Grande, n. 1107, 23 maio 1979, coluna Opinião, p. 2 – Helton

Bartholomeu da Silva:

Parece que a desgraça das regiões ricas é justamente o fato de serem ricas. A abundância atrai os

especuladores mais inescrupulosos de todas as partes. Para analisar o fato a nível continental, não nos

faltariam exemplos das insídias do colonialismo na Ásia, na África ou nas Américas, mas nosso objetivo é o

município do Rio Grande, nossa terra, onde está o cartório que nos registrou e os mestres que nos ensinaram a

pensar, alguns ainda vivos e queridos e outros que já não estão entre nós, cuja memória reverenciamos.

Que isto aqui já foi um celeiro nós sabemos muito bem, que a primeira uva produzida e o primeiro

vinho pisado no Estado o foram aqui, na Ilha dos Marinheiros, que o primeiro trigo madurou no Povo Novo e

o primeiro charque transpôs nossa Barra para saciar a fome de outros povos, que cebolas e tomates eram

exportados (hoje importamos tomates de São Paulo e, às vezes, até cebolas da Espanha) e que nossa grande

riqueza, os frutos do mar, supria a panela de nosso povo e ainda sobrava para exportar (hoje são exportados e

às vezes sobra para a panela, desde que se esteja disposto a pagar por eles um preço extorsivo). Quanto à

riqueza, outras que não enchem o bolso de ninguém e que portanto são afanosamente suprimidas, referimo-

nos a aspectos botânicos e zoológicos muito peculiares, que serão assunto de outras crônicas. Rio Grande

sempre tem sido uma gorda mina de ouro, não só pelo que pode produzir, como também por sua situação

geográfica privilegiada, e isso é uma tentação para os ambiciosos que aqui se estabelecem, uns portando

capital e outros nada, com a melhor das intenções de nos trazerem o progresso (de suas contas bancárias). E

tome progresso e tome indústrias poluidoras que ninguém deseja em outras cidades, e tome contingentes de

trabalhadores trazidos de fora em detrimento dos desempregados locais, sem falar no aumento da

criminalidade que a crônica policial acusa. O assunto agora é cobre (no plural também), mais precisamente,

metalurgia do cobre, e para opinar foram chamadas à Câmara três autoridades exponenciais. TRÊS, para

opinar sobre um assunto que é do interesse de mais de 150.000 rio-grandinos. Adelino Mendes é suspeito,

oceanólogo com profundas convicções ecológicas, disso não faz segredo, já tendo denunciado pela imprensa

as inúmeras modalidades de agressão ambiental a que Rio Grande tem sido exposto. Eliézer Carvalho Rios é

químico industrial diplomado, e não apenas “entendido em química” como informou a TV Rio Grande, além

de professor da matéria na FURG e entendido sim, em conquiliologia, ciência que estuda as conchas

independente dos molucos que as produzem, ciência para a qual já contribuiu com pelo menos duas obras de

fôlego, mas que, embora tenha opinado, quando solicitado, sobre assuntos de ecologia, jamais mencionou se

devotar particularmente àquela matéria. Norton Gianuca, biólogo, Diretor da Base Atlântica, particular

pesquisador de organismos marinhos que constituem o necton (seres que se locomovem com recursos

próprios), também não faz da ecologia continental seu alvo de preferência, embora não seja omisso ao

assunto. São poucos. Ouçamos mais gente, por favor. Quem tiver algo a opinar que encare isso como dever

cívico, opine. De passagem, devo dizer que ecologia não é privilégio de ninguém, pelo menos ainda não é

objeto especifico de uma profissão liberal. Por enquanto ninguém se forma ecólogo e recebe um canudo atado

com fitinha colorida. Todos podem, isto sim, se devotar à defesa do meio ambiente, sejam médicos, padres,

sorveteiros, jornalistas, agricultores, banqueiros, comerciantes, arquitetos ou donos de jornal, basta que

queiram o melhor para a terra em que vivem, sejam naturais dela ou não. Outra coisa: quebrar lanças pela

preservação do progresso que visa ao bem-estar da pessoa humana não é também enterrar “caveira de burro”,

é, isto sim, combater o pretenso progresso egocentrista e mau que só visa a “forrar a guaiaca” sem que se

importe com as monstruosidades que acarreta.

Quanto à “caveira de burro”, não passa de lenda. Caveiras há sim, humanas, retiradas de onde

deveriam estar repousando e incluídas em seus ritos grotescos por adeptos da magia negra medieval, bem

como há burros vivos, egoístas, paranóicos e mal-intencionados.

Crônica 0077 - AGAPAN (14)

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Jornal Agora, Rio Grande, n. 1111, 28 maio 1979, coluna Opinião, p. 2 – Luiz Felipe

Pinheiro Guerra:

Assunto em pauta o da metalurgia do cobre. Mais propriamente, versando sobre a conveniência

econômica para o município que sua implantação poderá proporcionar.

Em contrapartida, os eventuais efeitos nocivos que uma poluição metálica, irreversível, no entender

do oceanólogo Adelino Mendes, acena como o espectro aterrador do empreendimento.

Muito embora um pouco distanciado do palco dos acontecimentos, aqui destes contrafortes de cerros

que delineiam e engrandecem o horizonte do município de Agudo, onde me encontro, não estou de todo

isolado dos fatos papareias.

Ocorre que o jornal “Agora” tem me chegado com a regularidade indispensável para que eu fique a

par dos assuntos do meu universo de interesse, que é a ecologia e a luta pela conservação ambiental.

Quanto, ainda em prenúncio, à viabilidade da instalação da metalurgia do cobre no DIRG, penso

haver sido bem delineada minha posição quanto à possível e insofismável nefasticidade que qualquer destrave

técnico no controle dos efluentes poderia causar ao meio ambiente marinho e terrestre.

Alinhei fatos, na ocasião, inclusive não deixei de parabenizar a Eluma pela honestidade de princípios

com os quais buscava se impor como empresa idônea.

Disse, também, que, no entretanto, qualquer otimismo deveria ser policiado com a apreensão eivada

na experiência do cotidiano quando víamos tantas indústrias que juraram de “pés juntos” que não poluiriam e,

agora, estão a lançar gases, os mais corrosivos, no ar.

Argüidas a respeito e ouvidos os técnicos incumbidos da minimização do problema, logo vêm eles

com a velha e surrada estória de filtros “mal-dimensionados” e outros quetais. E assim, a 4.ª Secção da Barra

encheu-se de poluição, muito embora os projetos antipoluentes, que não foram além do papel.

Justiça se faça e verdade se diga, a Eluma parece estar muito ciente dos malefícios que uma

metalurgia descontrolada, em especial a do cobre, que, para sua elaboração vai usar compostos de chumbo,

poderá causar. Para tanto, aliou-se ao grupo Morandia, do Canadá, que, por sinal, é detentor de considerável

tecnologia antipoluente.

Entre o otimismo e o pessimismo, pólos diametrais do senso humano, transita, de permeio, o que

proponho chamar de realismo.

Em outras palavras: a verdade nua dos fatos delineada em sua verdadeira grandeza. Sem

subterfúgios. Talhada na épura da análise isenta de ânimo que o rejuntar de pontos de vista poderá ocasionar.

Quanto à desativação ou não de metalurgia do cobre no âmbito do Distrito Industrial de Rio Grande,

convém salientar que, se lá instalada, trará benefícios econômicos, muito embora os perigos de poluição sejam

enormes.

Agora, por favor, que outros interesses não venham fazer de bode expiatório os “bruxos da

ecologia”, quanto à não-efetivação do projeto da Eluma em Rio Grande.

Minha opinião sincera e desapaixonada: a entrada dos Molhes de Rio Grande, parte deste magnífico

complexo hídrico ímpar em todo o contingente americano não é, forçosamente, o melhor local para a

instalação desse projeto, muito embora os alentados benefícios redundantes do mesmo.

A vida, às vezes, não nos oferece uma segunda opção. Quando as espécies marinhas definharem, o

meio hídrico, impróprio à vida, degradado por dejectos industriais, porem à falência nosso parque pesqueiro,

orgulho de Rio Grande, talvez somente aí viremos a concluir que deveríamos de haver escolhido “porongo e

não mel”.

Crônica 0083 – AGAPAN (15)

Jornal Agora, Rio Grande, n. 1155, 19 jul. 1979, coluna Opinião, p. 2 – Adelino Marques

Mendes:

À medida que foi aumentando a população do planeta, paralelamente o homem começou a explorar

em maior escala os recursos naturais, principalmente após alguns milênios de anos, quando começaram a

surgir as organizações mercantilistas, entidades que se compunham de elementos que tinham como objetivo a

riqueza e o poderio econômico. Até então, enquanto o homem consumia estritamente o necessário para

satisfazer as suas necessidades biológicas, não causava desorganização de grande porte sobre os ciclos

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biogeoquímicos da natureza, oferecendo deste modo condições de recuperação aos ecossistemas por ele

explorados.

Assim transcorreram milhões de anos e a atitude do homem em relação à natureza continuou a

mesma, sendo que no mundo moderno, no qual a civilização goza do expoente máximo da tecnologia, a

espoliação dos recursos naturais enveredou por um caminho orgiástico, motivado pela ganância do querer

mais e mais, suplantando-se desta maneira as condições necessárias para que o ecossistema do planeta Terra

se recupere, pois a sua desagregação sela o fim de nossa civilização.

Atualmente, o homem moderno está enfrentando a crise energética e problemas de alimentação para

seus semelhantes, mas mesmo assim continuamos depredando quem nos fornece tudo de que necessitamos

para sobreviver, sem pelo menos pararmos e olhar as mutilações acarretadas ao nosso ambiente natural.

Hoje fala-se em tecnologia do álcool, tudo muito lindo na teoria e imaginação, mas na realidade uma

nova forma de poluição e degradação ambiental será desencadeada pela mente doentia dos tecnocratas, os

quais já estão prima para abastecer a industria do álcool.

A conseqüência de tal atitude será a fome, marginalização e a destruição de diversas formas de vida

existentes no país, pois o ecossistema sofrerá alterações drásticas, determinando a extinção de inúmeros

representantes da flora e fauna nativas.

Portanto PROGRESSO E TECNOLOGIA são lindos na expressão do termo, mas doentios na sua

aplicação irracional, visto serem a causa determinante das guerras, catástrofes e todas as adversidades que o

homem está enfrentando, tornando-se necessário pôr fim a estes atos indecorosos para com a nossa sábia mater

natura.

A CONSERVAÇÃO DA NATUREZA DEPENDE DE VOCÊS E SUA VIDA DEPENDE DA

NATUREZA.

Crônica 0085- AGAPAN (16)

Jornal Agora, Rio Grande, n. 1163, 28 jul. 1979, coluna Cidade, p. 3 – Adelino Marques

Mendes:

Desde épocas primitivas, sempre existiram homens com a idéia de submeter tudo e todos aos seus

caprichos, mesmo que para conseguir tal objetivo fosse necessário destruir a vida do próximo e dos demais

seres vivos. Essa idéia mesquinha permaneceu através das diversas eras geológicas, chegando até o homem

moderno, o qual está com a mente doentia, devido à estrutura da ganância e da plusvalia, sendo que na

sociedade atual o homem é avaliado pela sua capacidade de destruição e pelos sofisticados GENOCÍDIOS

que pratica contra a natureza.

Assim é Rio Grande, uma cidade histórica, que outrora muito possuía uma flora e fauna nativa

exuberante, mas devido a sarcástica idéia de dominar e escravizar o ambiente natural, os rio-grandinos

praticaram GENOCIDIOS SOFISTICADOS, exterminado deste modo a flora e fauna de nosso município.

Como não desejo que a ínfima parte restante desta flora e fauna seja vítima de um BIOCIDIO, vou

esclarecer aqui uma dúvida de um vereador rio-grandino que disse no plenário da Câmara Municipal

desconhecer a LEGISLAÇÃO que regulamenta a caça no país, fato que demonstra que homens representantes

do povo estão completamente alheios aos interesses da comunidade e do país. Para esse vereador, indico olhar

a LEI N.º 5197, DE 3 DE JANEIRO DE 1976, bem como a instrução complementar de caça amadorista de

1979 e as diversas portarias do IBDF; também a SEMA publicou uma separata com toda a legislação que

regulamenta a conservação ambiental no país, limitando a ação do homem sobre a flora e fauna nativa. Mas

como fonte de elucidação e cultura, não só para o desinformado edil, como para todos os rio-grandinos,

comunico que no dia 27 de janeiro de 1978, em Bruxelas, a UNESCO aprovou a DECLARAÇÃO

UNIVERSAL DE DIREITOS DOS ANIMAIS, sendo que o Brasil, país membro da ONU e UNESCO,

comprometeu-se em fazer cumprir esta declaração, fato estranho, quando um Poder Legislativo conta com um

vereador, advogado, o qual nem sequer acompanha os compromissos internacionais de sua pátria, podendo de

certa forma comprometer internacionalmente a nação. Perante estes fatos, cito alguns artigos desta declaração:

“Art. 1) Todos os animais nascem iguais diante da vida e têm o mesmo direito à existência. Art 10) a –

Nenhum animal deve ser usado para divertimento do homem; b – A exibição dos animais e dos espetáculos

que utilizam animais são incompatíveis com a dignidade do animal”.

Após essa breve consideração, tenho convicção de que todos os rio-grandinos vão se aliar à luta

ecológica, exigir dos políticos e depredadores do ambiente natural, bem como de técnicos e CIENTISTAS

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existentes em Rio Grande, o devido respeito para com a natureza e com a vida da população de seus filhos, os

quais serão os homens do futuro.

A verdadeira arte aproxima o homem da natureza, assim como a ciência pura alerta que

GENOCÍDOS são perpetrados por homens inescrupulosos, os quais apenas visam à ganância e ao poder

econômico, espoliando o próprio homem e a natureza.

Crônica 0101- AGAPAN (17)

Jornal Agora, Rio Grande, n. 1288, 26 dez. 1979, coluna Cidade, p. 4 – Adelino Marques

Mendes:

Num momento em que a sociedade moderna passa por crises enormes, onde a tecnologia nefasta e

perniciosa se acentua a cada momento que passa, fato este determinado pelo uso irracional desta tecnologia, a

qual determinou alterações drásticas no meio ambiente e nos princípios éticos, morais e religiosos dos

diversos povos que habitam este planeta, sendo que alguns representantes da espécie Homo sapiens

esqueceram-se de si próprios e dos demais seres vivos deste planeta, o ser humano, dominado pela máquina

de propaganda, que o incentiva a dominar a natureza e espoliá-la até o último, esqueceu de que ele também é

uma parte deste ecossistema, sem o qual sua vida é impossível.

Se prestarmos atenção para o meio no qual estamos vivendo, constatamos que o homem destruiu e

continua desorganizando os ciclos biogeoquímicos da natureza, determinando a extinção de recursos não-

renováveis e de diversas espécies da flora e fauna.

Como exemplo de tal fato, podemos constatar a visão reducionista que os tecnocratas possuem com

relação ao nosso meio ambiente, principalmente com relação aos recursos d‟água, pois estão transformando

os mesmos em cloaca da sociedade atual, poluindo cada vez mais e mais nossas águas, acarretando a extinção

da flora e fauna aquática.

Há vários dias constatei no canal de acesso ao porto de Rio Grande certa quantidade de

hidrocarbonetos, que formavam uma película sobre a superfície d‟água, sendo que este produto foi lançado

por um navio que entrava em nossa barra e que possivelmente terminava a limpeza de seus tanques de

combustível. Tal fato tornou a praia insuportável, o que determinou o afastamento dos veranistas das

proximidades dos molhes da barra, pois a água não apresentava condições para que pudessem tomar seu

banho.

Não considerando apenas o aspecto turístico, a flora e fauna marinha são totalmente prejudicadas,

uma vez que os hidrocarbonetos impedem as trocas gasosas entre o mar e a atmosfera.

Se levarmos em conta que as águas do canal do Rio Grande e de acesso ao porto recebem grandes

efluxos das indústrias situadas na orla portuária e limítrofes, logo poderemos ter uma noção das alterações

deste ecossistema por elementos estranhos ao mesmo, principalmente produtos químicos, devido aos efluxos

não tratados adequadamente.

Já não bastando as indústrias que poluem nossa cidade e nosso ambiente natural, navios de diversas

bandeiras, que aqui aportam, derramam resíduos os mais diversos na entrada da barra e até mesmo no canal

de acesso ao porto.

Perante tais acontecimentos periódicos, torna-se necessário que a polícia naval mantenha um serviço

de vigilância permanente para coibir tais abusos, os quais vêm em detrimento de nosso ambiente marinho, de

nossos balneários e de nosso ambiente natural.

Crônica 0103 - AGAPAN (18) Sociedade Brasileira de Biologia.

Jornal Agora, Rio Grande, n. 1290, 28 dez. 1979, coluna Opinião, p. 2 – Helton

Bartholomeu da Silva:

Seria pretensão imaginar que nossa civilização começou há 10 mil anos e que antes dela caçavam-se

mulheres a cacetadas e arrastando pelos cabelos.

A arqueologia dá-nos conta de que enquanto o hirsuto Esaú procurava Jacó para vingar-se da

velhacaria deste, já um plácido pintor, de há muito, havia misturado as tintas que deram os bisões das “Cuevas

de Altamira” (aproximadamente 35.000 anos). A Bíblia nos permite entender muitos paradoxos da atual “Era

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civilizada”. Também se sucederam várias Eras Glaciais. Mas uma coisa salta aos olhos da primeira à última

página do Grande Livro, e esta é a irreprimível tendência dos hebreus a reincidir na idolatria.

O testemunho mais gritante de tal tendência podemos constatar após o Êxodo, quando Moisés subiu

ao Sinai, para receber as Tábuas da Lei, e lá se demorando, o povo aqui embaixo reuniu suas jóias de ouro e

fundiu a imagem de um bezerro, “Mamom”, ao qual em seguida adorou.

Os hebreus passaram, os primitivos cristãos passaram, Mamom ficou e a ele a humanidade e a

natureza pagam tributos cada vez mais pesados.

AÇÃO DE GRAÇAS A MAMOM

Quem tem pouco para dar

Tira tudo,

Tira até o que não deu

Depois...

Depois dá a metade.

E todo o mundo agradece.

Obrigado, senhor

pela metade do sol,

o resto é o colosso de concreto.

Obrigado, Senhor

pela metade do ar

o resto é CO2 - SO3, aerosol

Obrigado, Senhor

pela metade da água

o resto é espuma, lixívia, coliforme

Obrigado, Senhor

pela metade do mar,

pela metade da última baleia,

pela metade do último albatroz,

pela metade do direito de sonhar,

o resto é lixo atômico,

arpões, cargas explosivas,

pingüins encharcados de petróleo,

fígados encharcados de DDT,

o resto é o pesadelo final.

Obrigado Senhor

OBRIGADO... POR QUÊ?

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Ministério da Educação

Fundação Universidade Federal do Rio Grande

Departamento de Biblioteconomia e História

Projeto Provisório de Pesquisa em Nível de graduação em História

Nome: Bread Soares Estevam

Número: 34091

Aluno do curso de História

Projeto sob orientação:

Prof. Dr. Lauro de Brito Vianna

Rio Grande/ RS, março 2007.

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Projeto Provisório de Pesquisa

1. Título Provisório: UMA CONTRIBUIÇÃO AO ESTUDO DO MOVIMENTO

ECOLÓGICO E SUA MILITÂNCIA ESCRITA ATRAVÉS DO JORNAL AGORA DE

RIO GRANDE NOS ANOS DE 1978 EM DIANTE.

2. Tema Proposto: Um estudo da "CONSTRUÇÃO DISCURSIVA" do

Movimento Ecológico no Rio Grande do Sul através das crônicas ecológicas do Jornal

Agora da cidade do Rio grande.

3. Objeto de Estudo: Movimento ecológico e "militância escrita" do ambientalismo

no Jornal Agora.

4. Delimitação: O presente projeto abordará uma pesquisa referente ao movimento

ecológico e "militância escrita", ou seja, a compreensão da “construção discursiva” da

AGAPAN no Rio Grande na década de 1970. Centramos nossa pesquisa nas 'crônicas

ecológicas' do Jornal Agora na cidade do Rio Grande. Observando a experiência escrita da

militância da AGAPAN do Rio Grande delimitamos contar a história ambiental através da

“construção discursiva” de ecologistas que procuraram demonstrar a dinâmica histórico-

ecológica da cidade do Rio Grande no tempo histórico dos anos de 1978 em diante.

5.Justificativa:

De acordo com Carlos Walter Porto Gonsalves: "A década de 1960 marca a

emergência, no plano político, de uma série de movimentos sociais, dentre os quais o ecológico.

Até então, o questionamento da ordem sócio-política e cultural estava por conta dos movimentos

que- de diferentes maneiras- se reivindicavam socialistas (os social-democratas, os comunistas e

mesmo os anarquistas). Seguindo ainda a linha de raciocínio de Gonçalves, " [...] começam a

emergir com feições autônomas uma série de movimentos, tais como os movimentos das mulheres,

dos negros, os movimentos ecológicos"192

.

Como podemos observar, o movimento ecológico nasceu em meio a uma ebulição

192

(Gonsalves, Carlos Walter Porto. Os descaminhos do meio ambiente/ Carlos Walter Porto Gonçalves. 4 ed.

São Paulo: Contexto, 1993. pg: 10-11).

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de questionamentos e propostas. O período de seu surgimento é extremamente intenso,

crise mundial, crise de valores culturais e principalmente de sobrevivência das espécies

habitantes da Terra, por causa da corrida de armamentos nucleares e a monstruosa

industrialização por parte das superpotências, efervescência de diversas manifestações

contra o poder vigente, o modelo de sociedade já não agradava a todas as facções e classes

sociais.

Segundo Gonsalves:

"A década de 1960 assistirá, portanto, ao crescimento de movimentos que não

criticam exclusivamente o modo de produção, mas fundamentalmente, o modo de

vida. E o cotidiano emerge aí como categoria central nesse questionamento. [...],

os movimentos que emergem na década de 1960 partem da situação concreta de

vida dos jovens, das mulheres, das 'minorias' étnicas, etc. para exigir a mudança

dessas condições. É como se observássemos um deslocamento do plano temporal

(História, Futuro) para o espacial (o quadro de vida, o aqui e o agora)"193

.

A partir de tais considerações, detectamos que, no Brasil surge com muita força o

movimento ambientalista, esse se caracterizara como manifestação dos anseios de vários

grupos culturais. A idéia que esse movimento social defende é muito ampla.

Para melhor entendermos a passagem acima, citaremos Carlos Walter Porto

Gonsalves. O autor diz que:

"[...]. Talvez nenhum outro movimento social tenha levado tão a fundo essa

idéia, na verdade prática, de questionamento das condições presentes de

vida. Sob a chancela do movimento ecológico, veremos o desenvolvimento

de lutas em torno de questões as mais diversas: extinção de espécies,

desmatamento, uso de agrotóxicos, urbanização desenfreada, explosão

demográfica, poluíção do ar e da água, contaminação de alimentos, erosão

dos solos, diminuição das terras agricultáveis pela construção de grandes

barragens, ameaça nuclear, guerra bacteriológica, corrida armamentista,

193

Gonçalves, Carlos Walter Porto. Os descaminhos do meio ambiente, op. cit. pg: 11-12

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tecnologias que afirmam a concentração de poder, entre outras"194

.

Nesse sentido, verificamos que, o movimento ecológico é "multifaccionado

ideologicamente", ou seja, defende um novo modo de vida pegando uma grande gama de

idéias que defendem a preservação da vida no planeta e a igualdade social para grupos

oprimidos. Encontra sua força nos mais variados grupos sociais marginalizados, as ditas

'minorias' , em oposição a uma sociedade de concentração de poderes nas mãos de uma

parcela reduzida que usa a natureza ao seu objetivo de acúmulo de bens materiais. Como já

dissemos o seu principal questionamento é o modo de vida da sociedade capitalista, e não

simplesmente o modo de produção do capital.

Para melhor entendermos o ambientalismo, podemos dizer que, Ecologia se divide

em quatro grandes linhas de pensamento que se nomeiam por: Ecologia Natural (Ciências

que estudam a natureza em si), Ecologia Social (estuda a relação seres humanos e

natureza), Conservacionismo (de natureza mais prática, visa a conservação das espécies

vivas) e Ecologismo (constitui-se em um novo projeto de sociedade sócio-ambientalmente

correta e menos desigual). Essas quatro grandes correntes do pensamento ecológico

constitui o movimento ambientalista.

Dessa maneira, surge no Brasil, em um contexto impar e singular, o movimento

ambientalista brasileiro. De acordo com Gonsalves:

"No Brasil, o movimento ecológico emerge na década de 1970 em um

contexto muito específico. Vivia-se sob uma ditadura que se abateu de

maneira cruel sobre diversos movimentos como o sindical e o estudantil"195

.

Como verificamos, o Brasil vivia sob os Governos dos Presidentes Militares que

defendiam a Doutrina de Segurança Nacional. Essa era uma doutrina de repressão aos

diversos movimentos sociais que questionavam o modelo implantado pelos militares.

Também era uma doutrina de contenção ao comunismo mundial. E, foi nessa dinâmica

histórica que surgiu no Rio Grande do Sul a AGAPAN (Associação Gaúcha de Preservação

194

Gonçalves, Carlos Walter Porto. Os Descaminhos do meio ambiente, op. cit. pg: 12 195

Gonçalves, Carlos Walter Porto. Os Descaminhos do meio ambiente, op. cit. pg: 14

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ao Ambiente Natural). Gonsalves nos diz algo a respeito. O autor diz que:

"[...] em finais da década de setenta, com a anistia, retornam ao Brasil

diversos exilados políticos que vivenciaram os movimentos ambientalistas

europeus e que vão trazer um enorme enriquecimento ao movimento

ecológico brasileiro. Juntar-se-ão a outros que aqui já vinham defendendo

teses ecologistas, como é o caso de José Lutzemberger. [...] o movimento

ecologista é socialmente mais eraizado no Rio Grande do Sul, onde a

AGAPAN (...) reuniu ecologistas a partir da luta contra a Borregaarde,

empresa multinacional que poluía as águas do Rio Guaíba, na Grande

Porto Alegre e onde José Lutzemberger, ex-agrônomo de uma empresa

multinacional de agrotóxicos, rompe com a perspectiva da agroquímica e

assume profundamente a causa ecológica e social"196

Na mesma direção do referencial de Lutzemberger, vários outros militantes

ecologistas se expressaram através de diversos veículos de informação. Podemos dar alguns

exemplos:

"Na década de 60, pessoas isoladas ou em grupos denunciavam a

monstruosa destruição da Natureza. [...]. Em 1962, nos Estados Unidos da

América, Rachel Carson, com Primavera Silenciosa. Aqui no Sul do Brasil,

desde 1939, tivemos Henrique Luís Roessler, com 303 crônicas

jornalísticas, além uma atividade prática em defesa da Natureza. Depois,

Balduíno Rambo, em 1942, também se transformou em um cronista da

Natureza, com o livro Fisionomia do Rio Grande do Sul. Na Inglaterra, em

janeiro de 1972, cinco autores fizeram um Manifesto para a Sobrevivência,

a primeira obra de denúncia completa e global. Finalmente em Porto

Alegre, em 1976, José Lutzemberger lança outro manifesto, [...] com o

nome: Fim do Futuro ? - Manifesto Ecológico Brasileiro. [...]. Manual de

Educação Ambiental Paralela- Em Defesa dos Animais Silvestres

196

Gonçalves, Carlos Walter Porto. Os Descaminhos do meio ambiente, op. cit. pg: 14

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Aprisionados; A Vizão dos Circunvizinhos na Aceitação ou Respeito às

Áreas Silvestres; Todo Mundo é Ecologista; A Nossa Responsabilidade

Frente ao Grande Problema do Lixo; A Caiação das Árvores; e

Queimadas"197

.

Como podemos verificar através de Carneiro, a "militância escrita" do ecologismo é

consistente e bastante ativista no Rio Grande do Sul como observamos a partir da

bibliografia citada acima. A lista acima foi uma pequena amostra do "ativismo escrito" dos

"ecologistas militantes".

A partir de tais evidências, podemos lançar uma pesquisa a respeito das

"manifestações escritas" do ambientalismo na imprensa de Rio Grande sob o nome de

"Crônicas Ecológicas" do Jornal Agora. Através de coleta de dados e leitura para possível

sugestão do tema proposto é que pensamos ser relevante o presente objeto de pesquisa.

A importância da execução do projeto de pesquisa proposto nesse esboço adquiriu

atualmente séria e indispensável relevância. Os atuais acontecimentos fazem-nos acreditar

que devemos nos alertar para o problema histórico-ambiental. O atual desequilíbrio

ambiental e o aquecimento global causam estado de alerta e ameaçam a vida do planeta.

Por isso, acreditamos ser de importância vital a presente pesquisa.

Toda a pesquisa científica deve ser relevante, por isso reforçaremos o que foi dito

acima sobre a importância da execução deste trabalho de acordo com os critérios de

relevância que Ciro Flamarion Cardoso aborda em sua obra. Dentro dos critérios de

relevância que Cardoso nos faz referência justificaremos a proposta de pesquisa relatada

neste documento. Cardoso nos diz que: "[...] o tema a pesquisar deve ser relevante, ou

seja, importante. O critério tem dois aspectos: o da relevância social e o da relevância

científica" (Cardoso, Ciro Flamarion S. Uma Introdução à História. São Paulo, Brasiliense,

1983. pg: 83).

Primeiramente, nos diz Cardoso: "[...] existe o critério de relevância científica: a

ciência histórica, como as demais, evolui, e em cada etapa redefine os objetos, conceitos,

prioridades e possibilidades. É evidente que isto deve ser levado em conta quando se

197

Carneiro, Augusto Cunha. A história do Ambientalismo. Porto Alegre, Editora Sagra, 2003.

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selecionar um tema de pesquisa"198

.

Nesse sentido, a seleção do tema proposto é relevante por causa da atual discussão

da interdisciplinariedade proposta pelo curso de pós-graduação em Educação Ambiental e

também pelo atual paradigma da auto-sustentabilidade. Também, a ciência histórica,

acreditamos nós, tem grande obrigação de ajudar na discussão e levantar propostas de

ensino e pesquisa na área do ambientalismo. Sabemos que, a História tem o dever como

ciência social de buscar soluções, tanto de cunho educacional como de pesquisa, para

auxiliar no objetivo de proposta de um melhor modo de vida para a nossa espécie,

executando essa tarefa através da abordagem dos exemplos do passado.

Sabendo disso, é que se designa importante também para o aspecto social uma

avaliação a cerca do objeto proposto. É explícito inúmeras lacunas na historiografia

referente ao assunto. Através das correntes historiográficas que usaremos como referência

em nosso trabalho, acreditamos que poderemos contribuir com algo de relevância tanto

científica quanto social.

Portanto, acreditamos ser de vital importância, e de relevância tanto social, como

científica. Esse tipo de resgate na ciência histórica nos traria uma melhor referência do

exemplo que ocorrera no âmbito local e o que ocorre no modelo capitalista de sociedade.

Nossos ecossistemas locais sofreram e sofrem o impacto de uma "política

desenvolvimentista" capitalista desenvolvida pelo Estado brasileiro através da crescente

industrialização ambientalmente incorreta. Dessa maneira, acreditamos que, o historiador

dispõe ou em outra hipótese pode desenvolver um aparato teórico-metodológico para poder

discutir o objeto proposto nas atuais circunstâncias deste projeto. A partir de um estudo

minucioso de bibliografia, fontes primárias e recursos que puderam sustentar o argumento

historiográfico é que podemos chegar a um diagnóstico da dinâmica histórica na qual o

objeto de estudo está inserido.

Nesse sentido, focalizando a figura do pesquisador de história e seu papel na

sociedade, Ciro Flamarion Cardoso explicitou que, "Lucien Febvre afirmou certa vez que a

História é ao mesmo tempo ciência do passado e ciência do presente: é a forma pela qual o

historiador atua na sua época, na sociedade, deve ajudar a explicar o social no presente (e,

198

Cardoso, Ciro Flamarion S. Uma Introdução à História. Brasiliense, 1983

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assim, auxiliar a preparação do futuro)"199

.

Finalmente, acreditamos que o tipo de abordagem aqui proposta pode auxiliar tanto

cientificamente, quanto sócio-ambiental. Primeiramente, para o avanço dos aparatos

teórico-metodológico e conhecimento historiográfico da ciência. E, consequentemente, para

o planejamento de um futuro que todas as espécies vivas possam sobreviver e as sociedades

humanas possam desenvolver um modelo social auto-sustentado e ambientalmente correto.

6. Objetivos: A partir de fontes bibliográficas e fontes primárias desenvolveremos

uma análise que será tanto relevante cientificamente quanto socialmente. Baseado nas

fontes tentaremos resgatar a História do objeto proposto através de uma análise minuciosa.

Nesse sentido, o ponto central do trabalho é analisar o discurso de um militante

ambientalista membro da AGAPAN. Localizaremos o seu discurso nas páginas da

imprensa local. A partir disso, verificaremos o comportamento da sociedade capitalista com

relação ao meio ambiente. Através dos resultados dessa pesquisa procuraremos contribuir

com a discussão em relação a construção de um modelo ambientalmente menos destrutivo,

e discutir a relação humano e natureza na sociedade capitalista.

7. Quadro Teórico: É de senso científico que o quadro teórico é o "corpo de

conceitos, mais ou menos sistemático, construído pela ciência, por meio do qual o

pesquisador interroga o objeto que deseja investigar, procurando descobrir suas

características e regulariedades sob as aparências com que mostra ao observador direto. No

objeto teórico (ou teoria) se encontra uma organização dos tipos de relações sociais básicas

que servem de referência para que o historiador situe os problemas concretos que deseja

investigar" (Petersen, Silvia. Considerações preliminares sobre "Teoria", "métodos" e

"técnicas".).

8. Metodologia: Sabemos que "teoria", "método" e "técnicas" de pesquisa em

História ainda é algo em construção, coisa que permite ao historiador aperfeiçoar sua

capacidade de criação de modelos explicativos. Mas, por outro lado, o pesquisador precisa

partir de um referencial teórico-metodológico para acompanhar a evolução da ciência

199

Cardoso, Ciro Flamarion S. Uma Introdução à História, Op .cit. pg: 73

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histórica. Nesse sentido, citamos como ponto de partida de uma pesquisa em História a

idéia citada em Ciro Flamarion Cardoso que explicita assim: "apoiando-nos em Mário

Bunge, consideraremos que o método científico, visto como método geral de pesquisa

comum às diversas ciências factuais, compreendem cinco grandes etapas: colocação do

problema; construção do modelo teórico e invenção das hipóteses; dedução das

consequências particulares comprováveis das hipóteses; e, finalmente, a introdução das

conclusões obtidas no corpo teórico"200

(Cardoso, op. cit. pg: 58).

Sabendo disso, pretendemos construir ou adaptar um modelo teórico-metodológico

que possa nos trazer resultados satisfatórios tanto na discussão de temas sócio-ambiental

como científicos na área da História.

9. Fontes de Pesquisa:

Acervo de Jornais do Jornal Agora

Biblioteca da Fundação Universidade Federal do Rio Grande

Biblioteca Riograndense

Centro de Documentação Histórica da FURG (CDH-FURG).

10. Cronograma:

1) Revisão bibliográfica (março, abril de 2008).

2) Elaboração do Projeto (março de 2008).

3) Pesquisa bibliográfica e trabalho de campo (março, abril, maio, junho, julho,

agosto, setembro e outubro de 2008).

4) Redação ( setembro, outubro e novembro de 2008).

5) Conclusão e Defesa (dezembro de 2008).

11. Bibliografia:

1) Cardoso, Ciro Flamarion S. Uma Introdução a História. São Paulo; Brasiliense,

1983.

2) Gonsalves, Carlos Walter Porto. Os descaminhos do meio ambiente/ Carlos

Walter Porto Gonsalves. 4 ed. São Paulo: Contexto, 1993.

200

Cardoso, Ciro Flamarion S. Uma Introdução à História, op. cit. pg: 58

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3) Lago, Antônio. O que é Ecologia./ Antônio Lago. José de Pádua. _ São Paulo:

Abril Cultural: Brasiliense, 1985.

4) Carneiro, Augusto Cunha. A história do ambientalismo/ Augusto Cunha

Carneiro. - Porto Alegre: Editora Sagra Luzzatto, 2003.

5) Alves, Magda. Como escrever teses e monografias/ Magda Alves. - Rio de

Janeiro: Elsevier, 2003.