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Francisco Rodrigues da Silva Neto

A Formao da Identidade Nikkei no ParPar-Brasil

Orientador: Prof. Dr. Manoel Alexandre Ferreira da Cunha

Belm Par Junho de 2003

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Universidade Federal do Par Centro de Filosofia e Cincias Humanas Departamento de Histria

A Formao da Identidade Nikkei no Par-BrasilFrancisco Rodrigues da Silva Neto

Monografia apresentada ao Departamento de Histria da Universidade Federal do Par, para a obteno do grau de Bacharel e Licenciado Pleno em Histria. Orientador: Prof. Dr. Manoel Alexandre Cunha, do Departamento de Antropologia.

Belm Par 2003

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AgradecimentosFor nothing is never impossible with God(Luke 1:37) Deus-Pai onipotente, onipresente e onisciente pela sua infinita magnitude. Muito obrigado! Muito obrigado! Muito obrigado!; Aos meus Pais: Rui Nlio Lima da Silva & Maria Felipa da Silva e Silva que apesar das dificuldades puderam me proporcionar este momento e os prometo seguir em frente, dando o mximo de mim, sempre em busca de novos horizontes e ideais; minha irm, futura pedagoga: Dayse Lettcia da Silva e Silva que, procurou compreender a Lngua Japonesa por minha causa. Obrigado! ganbarimasho n!; Ao meu av: Francisco Rodrigues da Silva pela grande ajuda durante todos estes anos; minha tia e paraninfa: Snia Maria Lima da Silva pela ajuda e pela sua constante presena em minha vida e por ter viabilizado meu entendimento em Lngua Japonesa; todos os parentes que mesmo distantes compreenderam minha ausncia; Ao meu orientador Prof Dr Manoel Alexandre Cunha que foi paciente e esteve sempre pronto a me auxiliar em todas as etapas da elaborao do trabalho; Prof Dr Jane Felipe Beltro, que me recebeu como aluno ouvinte na disciplina de Mtodos e Tcnicas de Pesquisa em Antropologia, no Curso de Mestrado em Antropologia que me foi de grande relevncia, enquanto, pretenso futuro Antroplogo; Ao Colegiado do Curso de Histria: Representado pelas funcionrias Darlene Nvoa e Nildair pela constante benevolncia e prontido em atender meus pedidos; Sr Snia Maria Honda, que foi de grande ajuda no trabalho de campo realizado no municpio de Castanhal/PA e aos esclarecimentos de minhas dvidas; Prof Cludia Ryuko Miyake, que sempre esteve pronta a esclarecer nossos questionamentos mesmo distncia; Aos colegas de turma: Em especial, a gesto das Incendirias/99 pelas viagens, momentos inesquecveis, que guardarei na memria, Ao Consulado Geral do Japo em Belm: Representado pela Sr Rosa Kamada Furukawa; Ao Consulado Geral do Japo no Rio de Janeiro: Representado pela Sr Eliane Rebello de S, pela sua ateno e confiana em emprestar-me livros, enquanto estive na capital carioca; Ao Museu de Imigrao Japonesa em So Paulo: Representado pela Diretora Sr Clia Oi pela ateno dispensada e pelas informaes fornecidas; APANB: Pelos membros da diretoria representada pelo Dr Tsutsumi Gota e Prof Dr Midori Makino e demais funcionrios que sempre foram bastante atenciosos e ajudaram-me medida do possvel; Aos entrevistados, que me abriram as portas de suas casas e se prontificaram a colaborar com o presente trabalho respondendo a perguntas que os faziam resgatar suas memrias; todos que de alguma forma foram viabilizadores para a execuo deste e que eu, certamente, no teria espao suficiente para agradec-los... todos o meu sincero Muito obrigado!!!

! ! !Francisco Rodrigues da Silva Neto

13 SUMRIO

DEDICATRIA..I RESUMOII ABSTRACT.....III AGRADECIMENTOS...IV INTRODUO...V Captulo 1 Vou? Ou no vou? Eu vou! .....9 1.1 O incio das relaes entre os dois pases ...9 1.2 A vinda para o Estado do Par ..12 Captulo 2 Revendo o passado .18 2.1 A manuteno dos traos culturais ...18 2.2 Os embates polticos no Brasil ......21 2.3 Conflitos identitrios .....24 2.4 A saga dos imigrantes .32 Captulo 3 De mos dadas formando a Vitria Rgia ...36 3.1 A questo educacional .....36 3.2 Contribuies para a formao da cultura nacional brasileira ..40 3.3 A posio do imigrante ps II Guerra ...41 3.4 As perspectivas dos descendentes para o futuro ...43 Captulo 4 O cruzeiro do sul permanece iluminando ....46 4.1 A preservao da cultura .......46 4.2 A Associao Pan-Amaznia Nipo-brasileira de Belm ...47 4.2.1 As atividades e objetivos da APANB .....49 Captulo 5 A vida continua e os jovens precisam de empurres.....52 5.1 As perspectivas para o futuro 52 5.1.1 Semana do Japo e a dana Bon-odori ...54 5.1.2 Haiku ..58 5.1.3 Artes marciais .60 5.1.4 Mang .61 5.1.5 Religio ...62 CONCLUSO ....64 ANEXOS REFERNCIAS

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Introduo

O interesse em pesquisar o tema proposto est pautado nas observaes durante nossas idas as programaes organizadas pela Associao Pan-Amaznia Nipo-Brasileira (APANB), com sede em Belm/PA, que durante o ano promove vrios eventos direcionados a comunidade nikkei e aos no-nikkei, assim como, a nossa participao na condio de aluno da Escola de Lngua Japonesa de Belm, durante alguns anos. No curso de Histria suscitei a idia de trabalhar com a questo dos imigrantes japoneses e seus descendentes, tendo a cultura trazida por estes imigrantes como ponto central, contudo, dada nossa pouca leitura sobre o assunto, o orientador do trabalho nos props a centralizar mais o objeto a ser estudado, ento chegamos a um consenso que, analisar as trocas culturais entre Brasil-Japo e a formao da identidade nikkei no Par seria nosso objeto focalizado. Nada mais acertado, fora nossa busca ao auxlio da Antropologia que nos proporcionou as ferramentas necessrias para uma anlise a qual estvamos pleiteando. No decorrer do trabalho, alguns termos so bastantes utilizados como no caso: nikkei e no-nikkei, utilizamos estes termos por sabermos que todos so brasileiros, portanto, classific-los como brasileiros ou japoneses estaria sendo preconceito de nossa parte, o que fugiria do cerne da questo a qual pretendemos discutir.Algumas explicaes preliminares sero necessrias para que o leitor possa entender alguns termos utilizados durante o presente trabalho. As geraes entre os descendentes de imigrantes japoneses so divididas da seguinte forma: aos que vieram do Japo, chamamos de issei, ou seja, primeira gerao, queles que nasceram no Japo; aos filhos desses imigrantes que j nasceram no Brasil denominamos de nissei (a primeira gerao nascida no Brasil); os filhos destes nissei, so os sansei que j so netos dos primeiros imigrantes; a quarta gerao so os yonsei que so os bisnetos dos primeiros imigrantes; segundo estudo realizado por Adriana Capuano de OLIVEIRA

15 (s/d:806) na nota de rodap, a autora chama ateno para o trabalho de CARMO (1997) que j utiliza a quinta gerao de descendentes, ou seja, os gossei, portanto, tataranetos dos issei. Torna-se interessante observarmos que entre a comunidade nikkei estas diferenciaes geracionais so estabelecidas de forma acentuada, diferindo, certamente, de outras comunidades de imigrantes vindos, seja para o Brasil ou para o Estado do Par, que no tm uma diviso to marcante como as que so feitas entre os descendentes nikkei. Por diversas vezes, estas classificaes so usados erroneamente pelas pessoas que no esto acostumadas a elas. Estes termos so em lngua japonesa escritos com os nmeros correspondentes a cada gerao, no caso, acrescidos do sufixo sei, que significa gerao. Os ttulos dos captulos foram baseados na explicao da coreografia da msica Amazon Ondo, de autoria do Secretrio-executivo da Associao Pan-Amaznia Nipobrasileira, Dr. Gota Tsutsumi. Achamos interessante utilizar este mtodo pelo simples fato dele nos mostrar as etapas que os imigrantes e seus descendentes atravessaram e continuam a atravessar em busca daquele El dorado sonhado no perodo premigrao. Entretanto, para no deixarmos os ttulos to metafricos, colocamos subttulos para melhor esclarecer o leitor sobre o tema que iremos abordar em cada captulo. Em relao aos captulos em si, explicar-los-emos de forma bastante sucinta para que se tenha uma idia geral destas linhas a quais me propus escrever. No Captulo 1, tentamos traar uma trajetria da imigrao japonesa a nvel de Brasil, centrada no Estado do Par que, desde 1928 recebeu um grande contingente de imigrantes, mostrando um pouco as caractersticas das colnias no Par, sobretudo, Tom-A, que fora o grande plo de imigrantes japoneses na Amaznia e ficou conhecido internacionalmente por ter sido bem-sucedido na implantao da Cooperativa Mista de Tom-A (CAMTA); No Captulo 2, os aspectos gerais da cultura japonesa de origem, os aspectos culturais trazidos pelos imigrantes; No Captulo 3, fazemos uma anlise da situao atual dos descendentes, basicamente trabalhamos com a segunda, terceira e quarta gerao para podermos fazer um levantamento da crise geracional que se formou ao longo dos anos, assim, como a perda dos traos culturais japonesas por partes das geraes mais distanciadas dos primeiros imigrantes, ou seja, terceira e quarta gerao, discusso esta que gira em torno do domnio da lngua japonesa como

16 elemento identitrio; No Captulo 4, tratamos do movimento pela continuidade da cultura original, o que nos remete as Associaes Nipo-brasileiras locais, que tm por objetivos a difuso da lngua japonesa e dos costumes tradicionais; No Captulo 5, neste ltimo momento fazemos uma discusso sobre o espao sciocultural de convivncia entre descendentes e no-descendentes, as relaes de intercmbio cultural, assim como, as influncias recprocas e as reelaboraes ocorridas no interim da cultura brasileira. O motivo de muitas vezes recorrermos aos exemplos das colnias japonesas em So Paulo, citada, principalmente, por Alario ENNES (2001), pelo simples fato de estarmos tratando da questo relativa a identidade e a integrao do descendentes de japoneses na sociedade brasileira como um todo, o que nos leva a concluir que esta questo fora um problema enfrentado, sobretudo, pelos nissei enquanto gerao, portanto, ocorrido em todas as colnias, independente de serem no Par ou So Paulo. Somos conscientes que talvez alguma questo relevante possa ter sido deixada de lado, como magistralmente escreve Clifford GEERTZ (2001:124), Ningum sabe tudo, porque no h um tudo para se saber, entretanto, acreditamos que o objetivo ao qual nos propusemos discutir fora alcanado. Metodologicamente o trabalho utiliza levantamentos, documentao impressa (livros, revistas, jornais, informativos, internet), observao e entrevistas com informantes: 4 estudantes, 1 comercirio, 7 professores, 1 enfermeira, 1 proprietrio de restaurante, 2 donas de casa, 1 agricultor; o total de entrevistas de 17 pessoas na regio metropolitana de Belm, englobando Ananindeua e os municpios de Santa Isabel do Par e Castanhal, a entrevistas foram coletadas durante os meses de dezembro de 2002 e janeiro de 2003. princpio nosso objetivo seria analisar os estudantes do ensino mdio, ou seja, a terceira gerao, sansei. Com o decorrer do trabalho de campo e, de acordo com as observaes efetuadas, achamos que a ampliao destas anlises seria interessante medida que percebemos a existncia de diferenas peculiares em relao a identidade destes descendentes em todas as geraes. Para tanto, o papel identitrio torna-se fundamental para o descendente que busca identificar-se em ambas as culturas, seja a japonesa ou a brasileira, e, a partir, desta identificao reformulam a cultura trazida pelos imigrantes (o exemplo do sushi feito de manga, o amalgamento realizado pelas religies de origem japonesa e afrobrasileiras) inserindo-a na pluralidade cultural do Brasil.

17 Observa-se a problemtica do migrante no que diz respeito aos

condicionamentos da cultura de origem, a japonesa, seja no caso do migrante original, seja dos seus descendentes, que a cada gerao recebe uma denominao diferente: issei, nissei, sansei ou yonsei ou ainda mais recentemente gossei. Assim, geracionalmente h uma reelaborao no sentido de assumir uma nova identidade, a brasileira, sem deixar de possuir elementos da cultura de origem japonesa, como: restaurantes, comrcio, publicaes direcionadas a comunidade nipo-brasileira (Revista Made in Japan, Boletins Informativos das associaes nikkei locais, So Paulo Shinbun, sites na internet, entre outros) etc. Levando o imigrante e seus descendentes a elaborarem estratgias de participao na cultura brasileira. Montando, assim, um vnculo onde brasileiros e japoneses participam conjuntamente e a cultura brasileira, por sua vez, amplia-se e incorpora elementos da cultura nipnica. Sendo estas estratgias do dilogo entre as duas matizes que redesenham a variabilidade e a diversidade do Brasil. Sendo assim, esperamos de alguma forma estar contribuindo para a construo da discusso sobre a questo identitria de minorias tnicas, e que as discusses vindouras tratem dessa questo deixando um pouco de lado a pura e simples histria da vinda destes contigentes imigratrios e passem abordar as temticas relativas a integrao e a identidade que, ainda so poucos exploradas. S assim, poderemos construir um panorama da construo da identidade brasileira que por sua multitonalidade deixa alguns personagens da construo de fora pelo fato de no se ter um estudo mais detalhado desses intercmbios culturais que os imigrantes, tambm, trouxeram e que passaram a fazer parte da cultura nacional brasileira.

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Captulo 1

Ou Vou? Ou no vou? Eu vou!1(A Imigrao Japonesa no Brasil e no Par)

Pretendemos fazer uma trajetria histrica da imigrao japonesa para o Brasil, elegendo o Estado do Par como centro de nosso trabalho, mais especificamente a capital do Estado, Belm, para isso partimos da historiografia oficial que nos possibilitou a compreenso do perodo a ser estudado, assim como, as questes sciopolticas que permearam poca, relacionadas a imigrao japonesa. Em princpio, segundo Ogawa (1981), Praticamente inexistia um elo cultural entre as duas naes (Ogawa,1981:23), no caso Brasil e Japo, e em seguida escreve, A alimentao o vesturio, o idioma, a religio, a moradia, o clima, tudo muito distinto, sem contar com a diferena fundamental dos valores (ibidem). A outra diferena, que continua nas seguintes geraes, a que Ogawa chama de o estigma do corpo, caracterizado pela inexistncia da prega epicntrica (dobra) nos olhos das populaes de origem mongolide.

1.1 O incio das relaes entre os dois pases

No apagar das luzes do sculo XIX, segundo Clia SAKURAI (SAKURAI,2000), so estabelecidas as primeiras conversaes entre os governos brasileiro e japons sobre a introduo de imigrantes japoneses, quando tambm se inicia o dilogo diplomtico entre os dois pases. princpio, o Brasil apresenta reservas quanto vinda de imigrantes japoneses por poder contar, naquele momento, com imigrantes de outras origens para preencher as necessidades de mo-de-obra. forte tambm a presso deOs ttulos dos captulos apresentados foram inspirados na coreografia da msica Amazon Ondo, escrita pelo Secretrio Executivo da Associao Pan-Amaznia Nipo-brasileira de Belm (APANB) Dr Gota Tsutsumi. A explicao recebida em relao aos passos da dana foi feita pela Prof Dr Midori Makino. Ressaltamos que a coreografia das msicas de Festivais de Vero (Matsuri) tm toda uma simbologia, pois, este festival tem por objetivo demonstrar respeito aos antepassados, assim como, agradecer pela boa colheita do arroz e de frutos do mar. Ver: Amazon Ondo (Ritmo da Amaznia), em anexo.1

19 ordem racial contra a entrada de amarelos no Pas. Em 1895, firmado o Tratado de Amizade, Comrcio e Navegao entre o Brasil e o Japo, sem se estabelecer qualquer entendimento quanto a questo da imigrao. A imigrao de japoneses para o Brasil s pensada com maior afinco no momento em que a economia cafeeira passa a necessitar de mo-de-obra. Com a alta no preo do caf no mercado internacional no incio do sculo, os cafezais paulistas expandem a sua rea de cultivo. Ao mesmo tempo, o governo italiano restringe a vinda de novos contingentes para o Brasil em 1902, gerando carncia de braos para os cafezais. Diante deste quadro, os cafeicultores paulistas se decidem pela contratao da mo-de-obra japonesa (SAKURAI, 2000:206). A imigrao de japoneses para o Brasil, segundo dados de Marcelo Alario ENNES (2001), inicia-se no dia 28 de abril de 1908 quando parte do porto de Kobe o navio Kasato Maru com destino ao Brasil, trazendo a bordo 167 famlias, num total de 761 pessoas, sendo 601 do sexo masculino e 190 do sexo feminino, numa viagem de 52 dias. O navio atracaria no Porto de Santos, trazendo sonhos e esperanas de fazer a Amrica e depois voltar terra natal. De l para c, 234 mil imigrantes se fixam no Brasil, totalizando cerca de 1,2 milhes de pessoas no incio de 1980 (ENNES,2001:50). Para o Japo, segundo SAKURAI (ibid,216), o ponto culminante na questo da emigrao, a proibio definitiva das entradas nos Estados Unidos, em 1924. Exemplo este que fora seguido por outros pases americanos como Peru, Mxico e Canad e na Oceania nos pases que estavam sob o protetorado ingls e francs, a proibio da entrada de japoneses at mesmo como trabalhadores temporrios. Restando apenas alguns poucos pases que recebem pequenos contingentes como o caso da Bolvia, Paraguai e a Colmbia. O interesse pelo Brasil no se deve apenas a excluso sofrida em outros pases, a abundncia o grande chamariz. A relao imaginada entre terra e prosperidade uma motivao para o empenho do governo japons em dar continuidade imigrao para o Brasil (SAKURAI, 2000:217). Foi em 1927, aps as viagens de estudos realizadas pela comitiva do ento Embaixador Tatsuki, que os Estados do Par e Amazonas outorgaram concesses de terras de grande extenso. Foram fundadas, ento, a empresa Amazon Kongyo (1928) e o Instituto da Amaznia (ibid p.36). A partir de 1930, o investimento do capital japons voltou-se para a Amaznia. Fazendo um restrospecto histrico da situao pr-emigratria, a idia do paraso brasileiro, de acordo com Rui SANO (SANO,1989), e tambm a

20 impossibilidade das condies scio-econmicas do Japo poca, so fatores relevantes para o incio de um amplo programa de incentivo a emigrao que ligava as duas naes BrasilJapo. No Japo, a desintegrao das camadas rurais, que vinha ocorrendo desde os meados do sculo XIX, acelerou-se com a chamada restaurao Meiji (1868), e sua poltica de industrializao e urbanizao ultra-rpidas s custas do setor agrrio. De fato, para financiar essa modernizao do Japo sem recorrer a recursos estrangeiros, optou-se por uma pesada taxa sobre a terra e a produo agrcola o que para muitos pequenos proprietrios, arrendatrios e camponeses significou a deteriorao ainda maior de suas condies de vida. So, portanto, estas pessoas colocadas margem do processo de modernizao do Japo, que foram procurar no alm-mar novas perspectivas para suas vidas (ibidem). Para o governo japons, de acordo com SANO (ibid p.24), a imigrao representava a possibilidade de aliviar as tenses sociais provocadas pela crescente marginalizao de amplos setores da populao, agravadas ainda mais pela exploso demogrfica verificada na poca. No foi toa que os primeiros contingentes de imigrantes tenham sido recrutados entre desempregados e indigentes espalhados pelas cidades japonesas, sendo sua sada estimulada pelo governo (Ibidem). Aliado a isso, segundo nos esclarece Felcia OGAWA (1981), os japoneses vindos para o Brasil no perodo pr-guerra possuam um forte nacionalismo, ligado a um Japo militar, selado por um sentimento de fidelidade e tambm por uma certa conscincia de superioridade em relao s outras naes (OGAWA,1981:23). Este sentimento nacionalista japons esteve bastante presente na vida dos imigrantes recm-chegados, segundo ENNES (2001), o imigrante vinha fortemente imbudo pelas disposies culturais, marcado pela tradio militarista e todo o conjunto de atributos ticos e morais. Alm disso, o Japo tinha vencido, recentemente, duas guerras de grande importncia: contra os russos (1904-1905) de quem haviam conquistado as ilhas Kurilas; e contra a China (1894-1895), cuja vitria levou ocupao da Manchria. possvel, segundo ENNES (2001, P. 151) que, essas vitrias, que alentaram a crena da superioridade de seu povo, reforando o carter militarista de Esprito Japons ou Yamato damashii. Estes foram os fatores decisivos no intercurso da integrao destes imigrantes em terras brasileiras, pois, influenciaram sobremaneira a postura tomada por estes imigrantes em relao a sociedade brasileira.

21 Somando-se a todas estas circunstncias, o governo japons vinculou uma grande quantidade de campanhas de incentivo que estimulavam a imigrao, como fica explcito no depoimento de um entrevistado:As vrias revistas sobre o Brasil, com imagens do Rio de Janeiro, as imagens seduziam os pretensos emigrantes (...) Todos pensavam na possibilidade de tornaremse proprietrios de terra no Brasil que, no Japo, mostrava-se cada vez mais difcil (Entrevista do Sr. Yamatsumoto)

A quantidade de informaes sobre o Brasil invadiu o Japo de maneira que o futuros imigrantes ficaram ansiosos por poderem ir para um pas que se mostrava to vantajoso, em relao ao acmulo de dinheiro, terras e a grande quantidade de compatriotas, o que tornava a questo da adaptao supostamente mais fcil, construindo-se ao que os autores chamam da iluso do El dorado, que o Brasil representou no perodo.

1.2 A vinda para o Estado do Par

A chegada do primeiro contingente de imigrantes, em terras paraenses, deu-se em 16 de Setembro de 1929, segundo MARUOKA (s/d), ficando por cinco dias em Belm, hospedados na Casa do Imigrante2 e logo depois eram transferidos para a colnia de Tom-A3, localizada a 2 30de latitude sul e a 230 km da capital Belm, que fica no esturio do Rio Amazonas, colnia criada pelo governador do Par, Dionsio Bentes que desde o incio de seu governo em 1925 j pensava em introduzir imigrantes japoneses no Estado do Par, e ofereceu ao embaixador Tasuke no Rio de Janeiro a cesso gratuita de 500.000 hectares de terreno s margens do Rio Capim. Segundo referncia de MARUOKA (s/d) a Owake, este diz que: em 1930 os japoneses, em Belm, eram apenas funcionrios consulares e uns poucos plantadores de hortalias, assim, ramos alvo de curiosidade e os moleques nos caoavam chamandonos de china e macaco (Maruoka,s/d:147).

Segundo descrio de Edilza Fontes (2002), era um pouso na Diogo Mia, onde os imigrantes ficavam dormindo e, segundo palavras de um entrevistado da autora, por cima de esteira, onde desse, era um barraco (FONTES,2002:202). Op. Cit. 3 Colnia esta que fazia parte do municpio de Acar que em conseqncia do desenvolvimento promovido pela comunidade de imigrantes japoneses instalados no local, fora elevada a municpio

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22 Da mesma forma que pudemos constatar situao semelhante em uma de nossas entrevistas, o Sr. Igachi, nissei, nascido em So Paulo que, emigrou para o Par, narra que, na dcada de 50 ao visitar o Estado do Esprito Santo, com sua famlia, os moradores locais, vinham-os olhar, com curiosidade, no hotel onde estavam hospedados e perguntavam se eram atrao de um circo que estava na cidade (Entrevista do Sr. Igachi, 11.10.02). Isto demonstra a distncia entre os dois grupos, os brasileiros e os japoneses emigrados e seus descendentes. A imigrao para o Par ao dar-se ao final da dcada de vinte, insere-se na poltica expansionista japonesa realizada atravs de companhias de colonizao, que compram terras, loteando-as e propiciando a infra-estrutura para a instalao de pequenos proprietrios. Isto foi diferente da primeira migrao para o Sudeste ocorrida no sculo XIX, que decorreu da crise do setor agrrio no Japo e do processo de urbanizao e industrializao, chamado de reforma Meiji (SANO, S/D, 24). Em 1923 o governador do Par, denominado Souza Castro envia uma petio ao embaixador do Japo no Rio de Janeiro, solicitando imigrao japonesa e oferecendo 500.000 hectares de terra na bacia do Rio Capim-PA. Em 1924 chega uma Misso de Pesquisa Fukuhara, para examinar essa regio, concluindo pela insalubridade, falta de aptido agrcola e de dificuldade de transporte para a rea. O governo do Par autoriza a pesquisa de outras reas, assim procedendo a Misso, concluindo por selecionar uma rea no rio Acar. Nessa fase o Estado japons est preocupado com a formao de um sentimento anti-nipnico no exterior ao mesmo tempo incentiva empresrios na busca de novos mercados (Maruoka, 46, 47). Assim, funda-se a Cia. Sul Americana S.A. em 1928 para colonizao do terreno... com auxlio do capital, da tcnica e da mo de obra japonesa (Ibidem). O primeiro contigente de 189 pessoas chega a Belm, a bordo do Manila Maru, em 16 de Setembro de 1929 (Ibid, 50). Antes, em 1926 j haviam comprado 270.000 hectares de terra em Castanhal, tambm mostrado interesse em terras em Monte Alegre e visitado o Estado do Amazonas que oferecera semelhante proposta de concesso de terra, para tambm verem a possibilidade de plantao do guaran (Ver CUNHA & RODRIGUES,2003. Op. Cit.). Em 1926 uma comisso composta por 9 membros e o prprio embaixador Tasuke chegam a Belm e seguem para a bacia do Rio Capim e atestam a impossibilidade da colonizao no local destinado, aps outro levantamento decidemindependente de Acar pela lei n 1.725 de 17 de maro de 1959, tendo Magalhes Barata como governador.

23 selecionar uma rea s margens do Rio Acar e de seu afluente, Rio Acar Pequeno. Finalmente o contrato foi firmado com a concesso de 600.000 hectares em Acar, 400.000 em Monte Alegre, e alm delas, 10.000 hectares em cada uma das trs regies do Par, a saber, Marab, Conceio do Araguaia e Bragana, totalizando uma rea total de 1.030.000 hectares de terra para dar incio aos trabalhos de cultivo da terra (MARUOKA,s/d:48). A caracterstica da presena japonesa no Par e possivelmente na Amaznia por terem se estabelecido em ncleos coloniais agrcolas com preponderncia ou quase exclusividade de populao japonesa originria (CUNHA & RODRIGUES, 2003:04). Segundo Orlando Sampaio SILVA (1978:145-6), numa das primeiras anlises feitas sobre a imigrao japonesa no Par, o autor ressalta, o fracasso no cultivo do cacau ocasionado pelas dificuldade das tcnicas empregadas e pela presena da malria fazendo com que muitos imigrantes se afastassem de Tom-A, os que ficaram dedicaram-se a plantao do tipo queimada, plantando arroz e verduras (SILVA,1978:145-46). Estes aspectos relacionados ao insucesso das plantaes fica bem evidente em uma de nossas entrevistas de campo quando o Sr. Yamatsumoto diz:

Muitos imigrantes que iniciaram a agricultura no sabiam cultivar a terra, pois, muitos que vieram no eram agricultores no Japo (...) muitas das tcnicas aprendidas pelos imigrantes foram ensinadas pelos caboclos da regio que as dominavam melhor que os prprios agrnomos. (Entrevista concedida pelo Sr. Yamatsumoto, 2003)

Em 1947, os imigrantes introduziram o cultivo da pepicultura que foi de grandes reflexos na vida econmica e scio-cultural dos nikkei de Tom-A, formou-se neste perodo uma cooperativa com aspectos mais modernos para a comercializao da pimenta-do-reino. Junto com o desenvolvimento do cultivo da pimenta-do-reino a colnia ficara conhecida nacionalmente e internacionalmente pelo sucesso obtido, em 1959 a colnia de Tom-A fora elevada condio de municpio. Com o advento das dificuldades enfrentadas, os imigrantes tiveram que elaborar estratgias para solucionar os problemas que a agricultura lhes trouxera. Segundo KOYAMA (1980:11), [os imigrantes] logo nos primeiros anos de sua chegada, com a crise econmica observada no perodo imediatamente posterior a crise da

24 borracha, onde a Amaznia passou da categoria de El dorado da borracha para um simples inferno verde, alm disso, o cultivo dos produtos que seriam os principais em manter os imigrantes, foram de difcil cultivo, mesmo o cultivo de verduras e cereais eram difceis pela falta de aclimatao de certas plantas, at ento, desconhecidas nos trpicos e, sobretudo, o mais penoso fora criar o hbito de alimentao baseada em verduras entre os brasileiros (KOYAMA,1980:11). Depois de vrias tentativas na agricultura, os imigrantes puderam, finalmente, vislumbrar o perodo de auge aps sua vinda para a Amaznia, seja, com a plantao de pimenta ou juta, o fato que entre os anos de 1950-70, utilizaremos a diviso cronolgica estabelecida por KOYAMA (ibid. p.12-21), o cenrio da colnia japonesa em Tom-A muda com o incio da cultura da pimenta-do-reino ou diamante negro como era chamada na poca, cuja venda seria comparada a da borracha, que originada a partir de duas mudas, e que foram multiplicadas, trazidas por Makinosuke Usui de Singapura. Fora neste perodo que as famlias mais abastadas enviavam seus filhos para estudarem em Belm ou So Paulo, onde as possibilidades de alcanar o ensino superior seria mais acessvel. Contudo, novamente na dcada de 1970, a busca de diversificao fora iniciada pela queda da produo da pimenta-do-reino, provocada pelas doenas mosaico e pepino, que fez arrefecer o entusiasmo que reinava na colnia. A transferncia de diversas famlias fora inevitvel, fato este que j era observado desde 1960, quando do pauperismo e dos males sofridos nas colnias que no conseguiam suprir as necessidades dos imigrantes que passaram a ocupar lugares nos centros urbanos como So Paulo, Belm e seus arredores. O que ocasionou um verdadeiro xodo nas colnias tradicionais (KOYAMA,1980:20-1). A disperso das famlias japonesas observada, de forma mais acentuada, a partir da dcada de 70, fez com que muitas novos ncleos coloniais fossem formados no Par, estabeleceram-se principalmente na Zona Bragantina, que se estende a oeste do Par at atingir a linha costeira do Atlntico. Formam-se desse modo, os ncleos dispersos de: So Francisco do Par, Igarap-A, Santa Maria de Belm [sic], Capanema, Bragana, Ourm, Capito Poo, Bujaru, So Miguel do Guam, Barcarena, ou mesmo famlias que se projetaram para alm da Zona Bragantina, indo fixar-se em Santarm e Altamira, entre outras nas quais a populao japonesa variava entre 20 e 40 famlias. Numa anlise comparativa temos que na dcada anterior a 1970, o raio de

25 disperso estava limitado a 70 km de Belm, alargando-se depois para um vasto crculo de 250 km (ibid. p.19). Ainda obcecados na tentativa de cultivar a pimenta-do-reino (ibid. p.20), os imigrantes que se estabeleceram em outras reas do Estado, e que ainda no tinham notcias da doena nos pimentais, insistiram novamente no cultivo da pimenta-do-reino o que depois de poucos anos tambm foram atacados pela doena: as rvores apodreciam as razes e as folhas tornavam-se amarelas e depois caam. Precisaram, portanto, sair em busca de novas terras, sempre mais distantes. Na tentativa de descobrirem novas culturas que substitussem a monocultura at ento desenvolvida sem muito sucesso, plantaram, como plantam ainda hoje, em maior ou menor escala: cacau, dend, maracuj, caf, patchuli, seringueira etc. Um outro fenmeno importante, segundo KOYAMA, o fato do aumento da populao urbana [de imigrantes], que ocasionado com a crise da monocultura fez com que muitos abandonassem a agricultura para tornarem-se pequenos comerciantes nas cidades ou exercendo ambas as atividades paralelamente; um segundo motivo interessante desse aumento dos imigrantes citadinos o crescente nmero de nissei que estudam nas cidades, principalmente Belm, onde permanecem depois de terminarem os estudos trabalhando como assalariados ou profissionais liberais (KOYAMA,1980:18-9). Assim, os aspectos culturais da cultura japonesa original comeam a ser resgatados para manter tanto os imigrantes como os seus descendentes ligados a cultura nipnica, com isso, torna-se necessrio um amplo mecanismo de difuso, tendo, geralmente, as associaes nipo-brasileiras como encarregadas. Segundo Ruth CARDOSO (1972:369): Exige-se um mnimo de participao [dos descendentes] na cultura japonesa, e a lngua a chave para isto (CARDOSO,1972:369). Torna-se relevante o fato desta divulgao girar, sempre, em torno da lngua japonesa, o que supostamente manteria o descendente como membro da comunidade nipo-brasileira preservando aspectos da cultura japonesa trazidos pelos imigrantes, como podemos perceber nos depoimentos abaixo:Como sempre meu pai lembrava, corre sangue japons na minha veia (Entrevista da Sr Ohiza)

Falo fluentemente o japons, sou da primeira turma da lngua japonesa de TomA (Entrevista da Sr Makeno)

26Aprendi o japons em casa com meus pais (Entrevista da Sr Henda)

Falo pouco, s o essencial, aprendi em casa (Entrevista da Sr Yamabumoto)

Falo a lngua japonesa e nunca freqentei a escola (Entrevista da Sr Shigusa)

Falo o japons desde pequena, em casa s falamos em japons (Entrevista da Sr Ryako)

No entendo o portugus, estou no Brasil h mais de 40 anos (Entrevista da Sr Fuemiko)

Falo quase nada, no formulo frases. J estudei na escola de Lngua Japonesa (Entrevista do Sr. Tanaka)

Acho ruim no ter aprendido a falar a lngua japonesa. As pessoas cobram de mim. Tenho vontade de aprender, mas infelizmente no tenho tempo (Entrevista da Srta. Tanaka)

No sei falar, fiz curso mas com a falta de prtica j esqueci, tenho mais facilidade com o portugus (Entrevista da Srta. Magumi)

Dentre as vrias entrevistas, o aprendizado da lngua japonesa est sempre presente, medida que, os prprios entrevistados ressaltam sua habilidade ou no na lngua japonesa, talvez, significando uma estratgia, para demonstrar sua integrao a sociedade brasileira, isto torna-se bem evidente de acordo com a gerao a qual pertence o entrevistado, ou seja, os de segunda gerao (issei), na maioria dos casos tem uma maior habilidade em lngua japonesa se comparado aos descendentes de terceira ou quarta gerao (sansei e yonsei, respectivamente), isso nos remete a uma anlise desta trajetria histrica, na qual poderemos entender com maior clareza estas vrias particularidades as quais nos propusemos aprofundar.

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Captulo 2

Revendo o passado(Aspectos da cultura de origem)

2.1 A manuteno dos traos culturais

A manuteno dos traos culturais, segundo SAITO (1961:210), esto relacionadas ao que o autor denomina de bagagem cultural, ou seja, uma miniatura da herana cultural da sociedade materna qual o indivduo ou o grupo se acha ligado. Assim sendo, tal patrimnio constitui, por assim dizer, a matria-prima com que o imigrado entra no processo de ajustamento scio-econmico ao novo meio. Por sua vez, os emigrados tentam, na medida do possvel, restabelecer sua vida comunitria em termos de sua bagagem cultural. natural e bvio que essa reconstituio no implica em reproduo pura e simples da cultura original; pelo contrrio, tal fenmeno acompanhado da reformulao, conseqente reorganizao social, porque vai-se processar dentro de novo contexto scio-econmico (ibidem). A partir deste ponto de vista, Clyde CLUCKHON (1972:108), ressalta que parte da experincia comum que certos traos peculiares repetem-se em famlia, mas isso no prova, necessariamente, que tais traos so herdados no sentido gentico. Os pais educam seus filhos segundo os mesmos padres invocados quando eram crianas eles prprios; as crianas tomam seus pais como modelos. Em culturas homogneas e relativamente estveis, os traos culturais de famlia podem perpetuar-se durante geraes, muito embora a linha de sangue, seja, freqentemente interrompida como evidenciado nas linhagem japonesas e romanas, nas quais foi preservada uma notvel continuidade de carter, a despeito de freqentes adoes para manter intacta a linha de famlia (ibidem). Ou segundo Barth: as fronteiras tnicas so mantidas por um conjunto imitado de traos culturais (Apud POUTIGNAT & STREIFF-FENART, 1998:226). De acordo com Ruth BENEDICT (2002:47), ao tratar da questo cultural trazida pelos imigrantes, ressalta que mesmo com toda a ocidentalizao experimentada pelo Japo, este ainda uma sociedade aristocrtica, onde cada cumprimento, cada contato deve indicar a espcie e o grau de distncia social entre os homens. Cada vez que um

28 homem diz ao outro come, usa palavras diferentes, conforme esteja se dirigindo familiarmente a algum ou falando com um inferior ou superior. Os japoneses tm o que se chama de linguagem de respeito, tal qual muitos outros povos do Pacfico, acompanhada de mesuras e genuflexes. preciso aprender, e bem cedo, como harmonizar a reverncia com cada caso particular, pois, todo esse procedimento governado por regras e convenes meticulosas, no sendo apenas necessrio saber mas tambm a sua freqncia (ibidem). Uma opinio bem interessante respeito dessas demasiadas mesuras da lngua japonesa pode ser evidenciada no relato de um entrevistado que ressaltou:

A lngua japonesa , por demais, repleta dos termos de mesuras, acho at que os japoneses usam estas mesuras de forma exagerada, por um favor recebido, por exemplo. (Entrevista do Sr. Yamatsumoto)

Por outro lado, uma entrevistada acha que:Se acabar a hierarquia no Japo, acaba tudo (Entrevista da Sr Henda)

A todo esse meticuloso sistema hierrquico japons acrescido o fator sexo, idade, laos de famlia e relaes anteriores. claro que existem pessoas que entre as quais existe pouca cerimnia. Sendo no seio familiar as crianas aprendem as primeiras regras de respeito. Aquele que se inclina reconhece o direito do outro de interferir em seus assuntos sobre os quais ele prprio preferiria decidir e o que recebe a saudao assume, por seu turno, certas responsabilidades relativas a sua posio (BENEDICT, 2002:48). O papel do homem muito ressaltado, haja visto que o Japo um pas, onde o patriarcalismo muito marcante, o que nos chega sobre este assunto so as exacerbadas formas de mesuras dirigidas aos homens, seja ele marido, amigo, pai, av que contrariamente o que ocorre com a mulher japonesa, os homens so largamente venerados, e o respeito sempre muito cultivado. O exemplo da Imperatriz do Japo, torna-se um caso clssico de como essa hierarquia estabelecida socialmente, o passo atrs da Imperatriz em relao ao Imperador conhecido mundialmente e demonstra o

29 grau de respeitabilidade. Mesmo entre os imigrantes estas formas hierrquicas bastante difundida e a esposa mesmo sendo nissei v o marido com os olhos da sociedade japonesa, isso ficou claro durante duas de nossas entrevistas:O papel do homem ainda muito importante. (Entrevista da Sr Ohiza)

As reunies na Associao so realizadas somente entre os membros masculinos (Entrevista da Sr Henda)

Tomando como base Roberto CARDOSO DE OLIVEIRA (2000), que nos remete a anlise da dicotomia entre aparncia-ascedncia tnica, para isso, o autor utiliza um texto de Oracy NOGUEIRA4 que em 1955 apresentou uma comunicao que teve grande repercusso no meio acadmico ao comparar a sociedade norte-americana com a brasileira em relao a distino de como ambas absorvem as minorias tnicas, tendo sempre como interesse o preconceito racial. Retornando a dicotomia apresentada por NOGUEIRA, podemos perceber que o preconceito dito por aparncia, vigente no Brasil expresso na cor, na marca; enquanto que o manifestado no Estados Unidos est ligado a origem do indivduo. Segundo citao feita por OGAWA a um comentrio da ento reprter do Pgina Um, Clia OI que referia-se aos integrantes da comunidade nikkei dispostos a um debate mais amplo sobre a questo identitria, enquanto outros mostravam-se menos informados e no se achavam seguros para discorrerem sobre o assunto:

(...) suas informaes [dos descendentes] so bastante dispersas no apresentando uma explicao consistente para a problemtica de identidade que ele confessa sentir no seu dia a dia

(OGAWA, 1981:22)

Ao referir-se as observaes feitas por Gustavo Lins RIBEIRO (1998a, 1998b, 1998c), CARDOSO mostra como o processo de etnizao torna-se bem aparente, pois, ressalta que a sociedade local possui determinadas regras do jogo identitrio, e ao analisar os brasileiros imigrantes em So Francisco, Califrnia, divide-os em4

NOGUEIRA, Oracy. Apud CARDOSO DE OLIVEIRA, 2000:3. op. cit.

30 identidades regionais brasileiras (goiano, mineiro, paulista...) como recorrente entre os imigrantes brasileiros, contudo, so englobados pela sociedade hospedeira no como brasileiros mas como hispnicos que significaria submet-los a identidade ao processo de etnizao, pois, neste caso, hispnico no nacionalidade e sim etnia (CARDOSO DE OLIVEIRA,2000:09). At mesmo outros imigrantes de origem monglica foram estereotipados, segundo LESSER (2001), um grande nmero de chineses e coreanos que ao chegarem ao Brasil ficaram pasmados ao perceberem, que aqui, eles eram transformados em japoneses. Segundo ainda este autor, a fisionomia d-los uma caracterizao instantnea. No apenas a mudana de nomes como fizeram os rabe-brasileiros, no caso dos nikkei a nica forma de tornarem-se brasileiros seria mudando a aparncia.

2.2 Os embates polticos no Brasil

Desde a metade dcada de 1850, segundo Lesser (2001), a brancura continuava a ser um requisito importante para a incluso na raa brasileira, mas o que significava ser branco mudou de forma marcante entre 1850 e 1950 (Lesser,2001:21). A proposio eugnica de que uma nica raa nacional era biologicamente possvel fornecia um arcabouo ideolgico para o apoio dado pelas elites nacionais e imigrantes s polticas que visavam promover o ingresso de imigrantes desejveis, que viriam a embranquecer o pas. Estas polticas princpio favoreceram a entrada de trabalhadores alemes, portugueses, espanhis e italianos, como braos para a lavoura. No entanto, o medo do ativismo social e trabalhista e preocupaes quanto a se mesmo os imigrantes da Europa central poderiam ser assimilados (segundo um episdio que ficou famoso na poca foi o ataque feito por Slvio Romero, em 1906, sobre o perigo do germanismo) incentivavam a possibilidade de se receber grupos no-europeus. As experincias com imigrantes srios, libaneses e japoneses e de seus descendentes (conhecidos, respectivamente, como srios-libaneses e nikkei) demonstram a transformao da brancura como categoria cultural. Muitas elites imigrantes afirmavam que seus grupos eram etnicamente brancos, propondo-se a apresentar como inofensivas suas identidades pr-imigratrias, em troca de serem includas no panteo dos grupos tradicionalmente desejveis. Outras propunham que a brancura no era um componente necessrio da brasilidade, que ao contrrio, elas

31 promoviam a idia de que o Brasil tornar-se-ia melhor tornando-se mais japons ou rabe, termos interpretados como significando economicamente produtivos e/ou supranacionalistas. Esses imigrantes buscavam interpretar o status de classe como uma marca da identidade brasileira, permitindo que a etnicidade fosse mantida, mesmo que a importncia fosse descartada. Propunham tambm que uma lealdade supostamente cega s regras vigentes antes da migrao viria transformar num nacionalismo brasileiro moderno. Por fim muitos dos imigrantes e seus descendentes pareciam rejeitar todas e qualquer forma de incluso, criando grupos ultra-nacionalistas que, pelo menos na superfcie, tinham a inteno de manter a lealdade poltica e cultural a seus pases de origem (LESSER,2001:21-2)5. A identidade dos descendentes dos imigrantes japoneses passa a sofrer mudanas desde a dcada de 1920 quando houve, ainda segundo LESSER (2001), um maior interesse do governo japons em integrar os imigrantes e seus descendentes vindos para a Amaznia sociedade brasileira, ainda segundo o mesmo autor:Os asiticos haviam se transformado nos progenitores dos habitantes da Amaznia, a alma do Brasil, o que os tornava mais autenticamente brasileiros do que a maior parte da populao brasileira (Nippak Shinbun. So Paulo, 19/12/1934. ibidem)

Segundo ainda o mesmo autor, a imigrao japonesa fortaleceria a sociedade brasileira, criando uma raa mais original em reas abandonadas pelo elemento europeu (ibidem). Todo este sentimento fora realado pelo interesse dos diplomatas japoneses em incentivar a integrao do imigrante sociedade brasileira, para tanto, eram regularmente publicadas fotografias6 de crianas de aparncia brasileira que eram oficialmente pelo menos, filhas de pais japoneses e brasileiros ou europeus (ibid. p.184). Do lado dos brasileiros, queles que eram favorveis imigrao japonesa, foram criando vrios discursos que tentavam explicar uma suposta analogia entre japoneses e brasileiros, como a visita do lingista japons Nonami, por exemplo, que afirmava que os dialetos indgenas falados na regio de fronteira entre Brasil e Bolvia,5 interessante que o leitor atente para o esprito nacionalista que o imigrantes japons trouxe e acabou por resultar na formao da sociedade secreta denominada Shindo Renmei, como fora muito bem tratada no livro de Fernando Morais, intitulado Coraes Sujos. Ver. p. 24 6 Estas fotografias eram geralmente publicadas em livros ou folhetos, publicados com apoio do governo japons (declarado ou no). Apud in: Lesser:2001,184. op. cit.

32 apresentavam relao com a lngua japonesa; uma outra histria que ficou bastante conhecida foi quando o ministro do Japo no Brasil [sic] visitou o Par, em incios da dcada de 1920, conta-se que ele assustou um caboclo, ao confundi-lo com um imigrante e se dirigir a ele em lngua japonesa; Hachiro Fukuhara voltou de uma viagem exploratria Amaznia afirmando que o Brasil havia sido fundado por asiticos, porque os nativos que moram ao longo do rio se parecem exatamente com japoneses (ibid. p.187). As afirmativas feitas pelos imigrantes sobre a existncia de uma conexo biolgica entre japoneses e brasileiros era usada para criar espaos sociais. Afirmao esta que surgiu tambm a partir das interpretaes da religiosidade verificadas entre os imigrantes, que viram ser esta um fator importante na negociao pblica da identidade nacional, haja visto, estarem num pas onde a constituio fora promulgada em nome da Santssima Trindade (ibid. p.188). Por volta de 1930, havia mais japoneses catlicos no Brasil, do que no Japo, incluindo os descendentes. Nos esportes tambm podemos perceber a tentativa dos japoneses de interpretar as normas culturais como comprovaes de uma especial capacidade do japoneses em se tornarem brasileiros (ibid. p.189). Durante estes 90 anos, segundo SAKURAI (2000), os imigrantes japoneses tiveram sua identidade marcada por suas diferenas com a sociedade brasileira. O parmetro empregado dessas diferenas baseia-se na distncia geogrfica, e cultural entre o grupo imigrante e a sociedade receptora (ibid.p.201). Principalmente por no estarem interessados a priori na integrao sociedade nacional, dada a inteno em acumular um dinheiro razovel e retornar ao Japo, segundo pensamento recorrente entre os imigrantes poca (ibidem). Para a sociedade nacional, eles [os japoneses] so diferentes, estranhos, como se pode perceber na passagem que se segue:Japons como leo na gua: no se mistura, ou Inteligncia viva, sbrios, dedicados ao trabalho, disciplinados desde a tenra idade, ou ainda Os japoneses, como elementos teis ao trabalho do nosso Estado [So Paulo], tm qualidades que nos obrigam a um trato preferencial. (Crissiuma Apud: SAKURAI, 2000, Introduo)

33 2.3 Conflitos identitrios

Neste aspecto, como bem escreve Felcia Megumi OGAWA (1980), seu artigo torna-se bastante elucidativo medida que, relata a partir da experincia da prpria autora as angstias sofridas por ela, em relao ao que ela chama de estigma do corpo, que diferentemente, segundo a autora, do que acontece com os demais imigrantes, no caso dos descendentes de japoneses, mais especificamente os nissei a quem ela se reporta, so identificados pelo corpo. O simples fato de haver na dcada de 70 um jornal preocupado em discutir assuntos relacionados problemtica da identidade entre os descendentes nikkei j um fator para reflexo e que a temtica ainda encontra-se muito arraigada entre os descendentes, o jornal em questo trata-se do Pgina Um7, teve como proposta bsica o questionamento sobre a identidade dos descendentes de japoneses e a retomada de um passado histrico da imigrao, buscando as razes culturais destes descendentes. A diversidade enfrentada pelo descendente diferente dos primeiros imigrantes, enquanto, estes sentiram o choque cultural das dificuldades de adaptao ao pas que os acolheu, aqueles esto em busca de suas identidades. Sentimentos estes claramente identificados durante nosso trabalho de campo como se segue:

(...) o nissei tem um problema em relao prpria identidade fato este que torna-se mais evidente quando vo ao Japo e percebem que se no Brasil so considerados japoneses, ao chegar no furusato8 so considerados brasileiros e realmente o esprito brasileiro revela-se com toda a fora nestes descendentes, por isso, renem-se em grupos de brasileiros e promovem festas brasileira, por exemplo. (Entrevista Sr Ryako)

Ou ainda:

O jornal tablide quinzenal, Pgina Um, circulou num total de 61 edies e segundo correspondncia mantida via e-mail com a atual diretora do Museu de Imigrao Japonesa em So Paulo e ex-reprter do referido jornal Sr Clia OI, possvel encontrar exemplares do jornal na biblioteca do Museu de Imigrao Japonesa. Clia OI nos levantou uma reflexo acerca do nmero de casamentos entre nikkeis e no-nikkeis que vem diminuindo consideravelmente a partir do movimento dekassegui, quando nikkeis de vrias regies do Brasil encontram-se no Japo, e acabam casando e ao retornarem ao Brasil vo morar, geralmente, no Estado de origem do marido. Esta situao nos foi exemplificada durante nosso trabalho de campo, tanto em Belm quanto em Castanhal e Santa Isabel, quando algumas senhoras entrevistadas oriundas de vrios Estados brasileiros conheceram seus atuais maridos no Japo e ao retornarem vieram estabelecer-se no Estado de origem de seus maridos, neste caso o Par. Duas entrevistadas vieram de So Paulo, uma do Mato Grosso entre outros Estados. 8 Pas de origem, terra-natal. O autor.

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34Os descendentes de japoneses ainda no esto bem integrados. Se perguntamos rapidamente a um nissei sobre sua nacionalidade, muito provavelmente, este ir responder que japons. Para o descendentes, principalmente o nissei, so dois mundos, sendo que o brasileiro parece mais artificial, o japons mais natural (Entrevista Sr. Yamatsumoto)

Os mestios ou Ai no ko9, segundo cita LESSER (2001:297), chegam em torno de 340 mil no Brasil, o uso da identidade mltipla comum, dependendo o momento, caso estejam em situaes sociais rejeitam suas origens nipnicas e na esfera econmica, o fato de ser japons representa uma vantagem importante que os fazem assumir sua descendncia, entretanto, a situao do nikkei no-mestio com o nikkei contrasta-se, pois, estes so vistos como japons e atualmente tem-se uma estimativa de um total de 135 mil dekassegui morando e trabalhando no Japo, somam-se a estes dados 55 mil nikkei mestios e cnjuges no-nikkei10. Com todo esse nmero de descendentes de japoneses, a questo identitria fora, e ainda o , relevante de observaes, visto que, de acordo com a gerao a que um jovem pertena, por exemplo, os resqucios identitrios com a cultura nipnica, so mais ou menos fcil de serem detectados. a partir desta questo que comunidade nikkei de Belm passa ao longo dos anos por inmeras diferenas referentes integrao. De acordo com um estudo realizado por Yumi GOSSO (1997:15), atualmente, a realidade da comunidade nikkei de Belm torna-se preocupante medida que os descendentes de terceira e quarta gerao, sansei e yonsei, respectivamente, deixam de se interessar pela cultura de seus avs ou bisavs, problema esse que h tempos gerou certos conflitos dentro da colnia pelo fato de que uma pequena parcela de imigrantes quererem a rpida integrao a cultura nacional brasileira, enquanto que um outro grupo mantinha-se firme em seguir seus costumes trazidos do furusato. Para exemplificar a situao do que vinha sendo observado em relao as divergncias entre os issei e nissei, em uma edio especial do Boletim Pan-Amaznia de 1985, denominado: Palavra dos nisseis, causa repercusses, segundo MARUOKA (s/d:116), medida que trata de um problema bastante delicado: a dificuldade de integrao dos nisseis e suas dvidas em relao a identidade, pois, do ponto de vista

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Este termo refere-se aos nascidos a partir de casamentos intertnicos entre descendente e nodescendentes de imigrantes japoneses. Termo utilizado por Felcia OGAWA (1981:20)

35 dos nisseis, estabeleceu-se as virtudes que trouxeram consigo do Imprio do Sol mas que por estarem em lugar distante to distante deveriam refletir sobre uma provvel nova postura a ser tomada em relao a educao e aos comportamentos dos seus filhos. Entre vrios pontos, os nisseis agradeciam a seus pais o fato destes terem lhe dado a nacionalidade brasileira, e a familiaridade com a cultura japonesa, o elevado senso de responsabilidade e conhecimento de etiqueta social que s vezes incomodavam os nisseis, entre muitos outros aspectos que esto ligados ao yamatodamshii. Por outro lado, conclamavam [os nissei], para que seus pais no trouxessem o Japo, com todas normas e regras, para o Brasil; as mulheres tm os mesmos direitos dos maridos, existem classes sociais mas as pessoas de outras classes no devem ser tratadas de forma desumana [uma externalidade do ijime11], e alertando-os que suas mentalidades [dos issei] estavam cerca de 40 e 50 anos atrasada, no confiam em pessoas que no falam o japons (...). Tambm de acordo com Tomoo HANDA (1987:41), faz um relato bem interessante das divergncias:

Os imigrantes se esqueciam de suas prprias condies ou de seus prprios filhos e se irritavam ou se enervavam pelo fato de os nisseis ou dos jun-nissei no se identificarem com eles prprios. (HANDA, 1987:41)

Uma entrevistada ressalta que mesmo na comunidade japonesa de Belm, h um certo tipo de ijime, que no se restringe entre os membros da comunidade nipobrasileira mas tambm em relao aos descendentes e no-descendentes:

Aqui mesmo tem ijime, entre os membros da comunidade (Entrevista da Sr Yasuko) Ou ainda:

Dados estatsticos citados por LESSER (2001: 297) Este termo refere-se a uma prtica muito comum no Japo e tambm entre os descendentes de japoneses aqui em Belm, esta ltima citada por uma entrevistada, trata-se de destratar uma pessoa por achar que esta no se enquadra aos padres pr-estabelecidos dentro da comunidade. No Japo a prtica do ijime est muito presente entre os estudantes japoneses, que segundo uma pessoa entrevistada, o ijime responsvel por muitos suicdios entre jovens ocorridos no Japo, motivados por situaes banais como no est seguindo a moda ou simplesmente por no ter o aparelho celular mais moderno igual aos outros da turma, por exemplo. O autor.11

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36Alguns descendentes chamam os no-descendentes de gaijin12, o que no verdade gaijin so eles cujos pais vieram para o Brasil (Entrevista da Srta Ryako)

Desse modo, a comunidade tnica, segundo SAITO (1961:212), adquire carter dual, vinculando-se de um lado sociedade dominante e de outro materna. Esta dualidade no , porm, esttica e sim dinmica. Pois, por intermdio da mobilidade de status e de ocupao, seus membros conseguem desvencilhar-se dos liames, que os prendiam sociedade materna (ibidem). A questo da identidade torna-se curiosa quando os descendentes acabam por no saberem a qual pertencem, segundo LESSER (2001:297), ao entrevistar um professor universitrio de 37 anos que fala da seguinte forma:

No Brasil eu sou estrangeiro. Apesar de gostar do Brasil, eu sinto que no tenho nacionalidade e me sinto como um cigano. Eu quero me tornar um brasileiro perfeito, mas isso impossvel. Mas, no Japo, eu me sinto como estrangeiro, tambm.13 (Ver WATANABE, 1995 Apud in: LESSER,2001:297)

No Brasil me sinto japons, mas no Japo no, consigo entender algumas posturas da sociedade japonesa mas, no geral, elas no so aplicveis no Brasil (Entrevista Sr. Igachi)

Em relao confuso identitria que se instala dentro da mente do nissei, sobretudo, dado que no Japo os dekassegui so tratados como estrangeiros mas devem cumprir o papel de fornecer mo-de-obra temporria e nada mais. Nestas condies, muitos nikkei tornam-se brasileiros pela primeira vez, ao usarem cala jeans Zoomp, Forum, nas festas promovidas pelas comunidades nikkei de origem brasileira, o uso de bottons da bandeira brasileira, restaurantes brasileiros, so formas de demonstrar uma identidade que nos faz lembrar do trabalho de Manuela Carneiro da CUNHA14 (1985) que retratou esta situao ao estudar o caso dos negros que voltaram para a Nigria e que elaboraram formas de demonstrar sua identidade abrasileirada.O termo Gaijin significa: o que de fora, ou seja, estrangeiro. Ver WATANABE, M. (Ed.) Kyodokenkyu Dekassegui-Nikkei-Burajiru-jin: Shiryo-hen [Grupo de Estudos-Dekassegui Brasileiros]. Tquio: Akashi Shoten, 1995, Vol. 2 14 Ver CUNHA, Manuela Carneiro da. 1985. Op. cit.13 12

37 A questo de manterem uma identidade hifenizada, segundo Lesser, to presente quanto o era nas dcadas de 1920-30, h uma presso da sociedade majoritria no abrasileiramento, no caso dos descendentes de japoneses, a terceira e quarta gerao se tornaram brasileiras demais do ponto de vista dos primeiros imigrantes. Na dcada de 1980, o Dirio Nippak passou a publicar um suplemento quinzenal que tinha como propsito explorar a histria da imigrao japonesa e a dualidade de ser nipobrasileiro, como j fora citado no incio deste captulo. Para Lesser, o termo identidade hifenizada refere-se a anlise do processo que se observava fora do continuum preto/branco que se pudesse estabelecer de que forma os encontros culturais geraram as novas etnicidades hifenizadas, que tinham em comum, todas elas, sua brasilidade (LESSER,2001:31). Segundo KOYAMA (1980:12), entende-se por cultura todas as manifestaes intelectuais do homem ou de um povo, incluindo artes, literatura, msica, cincias, filosofia, idias, crenas costumes, tradies, critrios de valores, etc... Sendo assim, segundo ainda este autor seria temerrio falar em assimilao cultural no perodo que compreende o incio da imigrao at o incio da dcada de 1950, haja visto os problemas que os imigrantes tiveram que atravessar durante estes anos. Por isso, As atividades culturais em si no existiram (Koyama.1980:14). Levando os imigrantes a manterem contato com os brasileiros somente o necessrio devido dificuldade da lngua e o ambiente hostil que existiu durante a guerra. Logo, estavam lutando pela sobrevivncia, pois, desde o incio da colonizao a vida dos imigrantes japoneses fora bastante difcil pelo fato dos produtos agrcolas aos quais se propuseram a desenvolver (cacau e arroz) no terem se adaptado ao clima local e por isso tornou-se invivel cultiv-los, durante este perodo o imigrante ocupou-se quase que exclusivamente com a manuteno familiar no lhes sobrando tempo nem energia para as atividades culturais: como a prtica de esportes, danas tradicionais japonesas, o cultivo do bonsai, ikebana, e o prprio ensino da Lngua Japonesa (Ibidem). Segundo HANDA (1987:720-21), no perodo anterior a II Guerra, os imigrantes tinham por ideal de educao formar brasileiros nissei ntegros com profundo aprendizado da cultura japonesa, contudo os resultados no foram os almejados, dada a situao que os jovens nisseis tiveram que enfrentar na prtica. Haviam famlias que, no entanto, ignoravam estes ideais e educavam seus filhos totalmente japonesa levandoos a encarar a vida desta forma. Levando, dessa forma, os nissei a apreenderem o

38 yamatodamashii15, o esprito japons, principalmente os que cursavam acima do ginasial, e portanto, os que mais estavam em contato com os no-nikkeis, passaram a no entender este esprito japons, assim como, em coloc-lo em prtica no Brasil, como exemplo o autor cita o sentimento de amor cultivado pelos japoneses que diferencia-se do brasileiro, o que levou estes nisseis a enxergarem suas vidas com os olhos de um brasileiro. Os pioneiros da imigrao trouxeram a imagem do ser divino que representa o Imperador, e nas escolas era ensinado o yamatodamashii e a histria a partir da origem mitolgica, na qual o imperador era descendente direto dos deuses, essa imagem era a qual os imigrantes queriam repassam aos nisseis juntamente com o que seria bom japons. A imagem divina do Imperador bastante reconhecida entre os imigrantes, como nos relata um entrevistado:Quando da vinda do Casal Imperial a Belm, tive a oportunidade de conversar com o Imperador que muito se interessou pela ictiologia amaznica, ao dizer a papai que eu tinha conversado com o Imperador, ele no acreditava. (Entrevista do Sr Igachi)

Porm, o sentimento que deveriam apreender [os descendentes] de bondade e integridade, baseava-se exclusivamente do ponto de vista japons, deveriam estar na medida certa para agradar aos japoneses. Contudo, ao requerer um brasileiro a partir destes parmetros significaria saber falar portugus fluentemente, e conhecer bem o Brasil, da surge ainda segundo HANDA, um ponto problemtico, pois, conhecer bem o Brasil seria: no conhec-lo teoricamente mas se passasse a ser um bom entendedor dos hbitos e costumes seria considerado abrasileirado, poderia estar desclassificado da categoria de bom brasileiro, assim como, se amasse o Brasil como sua ptria. Em sntese, o bom brasileiro para os issei seriam os nisseis que se comportassem como japons e dominassem o portugus (HANDA:1987,720-21). A nova gerao, nissei e sansei, segundo SAITO (1961:220), estava-se desagregando da comunidade tnica, pois dela no mais dependia economicamente para15 O termo yamatodamashii refere-se ao esprito nobre japons. Em DEMARTINI, Zeila (2000:19) o movimento em prol do esprito japons (Yamato Damashi). No Japo, o nome desse movimento era Nihon Seishin Undoo (Movimento em Prol do Esprito Japons) e seu objetivo era divulgar a superioridade do povo japons. Ver DEMARTINI, Zeila 2000:19. Ver tambm o sentido do Yamatodamashii discutido por Fernando Morais em Coraes Sujos referindo-se a atuao da Sociedade Secreta Shindo Renmei.

39 satisfao de suas necessidades e se identificando cada vez mais com a sociedade dominante. Em certo sentido no eram mais considerados japoneses (ibidem). Segundo DEMARTINI, ao citar Handa (1987) traz uma anlise, da educao entre os filhos dos japoneses, na qual as primeiras escolas das colnias atendiam somente crianas, excluindo os adolescentes. Os meninos de 14/15 anos e os rapazes com mais de 20 anos tinham feito pelo menos o primrio no Japo, porm, tinham possibilidades aqui no Brasil, tinham poucas oportunidades de ler revistas ou livros o que deixava a educao recebida defasada. Para esses jovens criavam-se nas colnias as escolas noturnas, em geral, com aulas nos domingos noite. No princpio essas escolas s ensinavam o idioma japons, mas com o passar dos anos incorporaram o ensino do portugus (DEMARTINI:2000,3). Quando se fundava uma associao muitos [imigrantes] s vinham por saber que haveria escola na colnia, pois, a maior parte do pais queria que seus filhos aprendessem a lngua e os costumes japoneses, tendo sempre em vista o retorno a seu pas de origem, achavam que se suas crianas no fossem educadas moda japonesa seriam marginalizadas ao retornarem ao Japo. De qualquer forma, nenhum pai desejava ter filhos caboclos (Ibidem). Durante nossas pesquisas de campo, a questo educacional fora explicitada na visita que fizemos a Escola Nikkei, localizada no municpio de Santa Isabel do Par, na qual a secretria nos forneceu algumas informaes sobre a fundao da escola:Vrios pais de descendncia japonesa, tinham que ver seus filhos, muitas das vezes jovens demais, irem para Belm estudar por que as escolas do municpio no propiciavam uma educao de qualidade. Foi a partir da mobilizao destes pais que, decidiu-se fundar, em 1996, a Escola Nikkei de Santa Isabel, princpio as vagas oferecidas foram reservadas para os filhos destes pais que se mobilizaram. Depois, abriu-se vagas para a comunidade... (Entrevista da Sr Sashiko)

Na edio comemorativa aos 70 anos de Imigrao Japonesa para a Amaznia, editada pela APANB, tendo como organizador Yoshio MARUOKA (s/d:64), o autor refere-se a educao, dos filhos dos imigrantes vindos para as colnias localizadas no Estado do Par que, segundo o presidente da Companhia de Imigrao (Nantaku Nojio Shikenjo), Sr. Hachiro Fukuhara, decidiu-se seguir o ensino dos jovens descendentes aos moldes nacionais brasileiros a preocupao que a Companhia de Imigrao (Nantaku)

40 tinha com a educao dos filhos dos emigrantes fora solucionada em 1933 quando a Nantaku convida Tsuyoshi Maru para ocupar o cargo de chefe do Departamento de Educao de toda a colnia. A diretriz do Presidente Fukuhara para a educao dos filhos estava em fundamentar a instruo segundo moldes nacionais do Brasil. Assim, solicita para a escola primria da colnia, a nomeao de um professor formado por Escola Normal. A professora Ndia Barreto de Almeida ento nomeada e a Companhia complementa o seu salrio para dar-lhe boa acolhida. Constitui tambm a Associao de Pais para a Educao Japonesa. O professor Maru, contando como ajudantes as senhoras Ai Nishio e Suwa, comea a dar cursos de japons, duas vezes por semana, em uma sala de aula construda em uma parte do depsito [Nantaku]. De acordo com o contexto poltico, no ano de 1939, Hisae Sakiyama defende a deciso pela fixao definitiva [dos imigrantes em terras brasileiras]. Apelando para a importncia da ptria para as crianas nascidas aqui. Recorda que o Brasil a Ptria querida para os que aqui nasceram, da mesma forma como a ptria de origem para eles (MARUOKA,s/d:72). A fixao no Brasil, por parte dos imigrantes fora fator gerador, de divergncias entre os prprios imigrantes, como escreve Fernando Morais (2000), em Coraes Sujos, que retrata a atuao da sociedade secreta Shindo Renmei16, tendo como cenrio as cidades do interior paulista: Tup, Bilac, Bastos, Osvaldo Cruz e outras que tinham expressiva quantidade de imigrantes japoneses e foram palco de violentas batalhas entres descendentes de japoneses divididos entre vitoristas (Kachigumi) e derrotistas ou esclarecidos (Makegumi) em relao a posio do Japo na Segunda Guerra, envoltos no sentimento do infalvel exrcito japons, os vitoristas achavam que o Japo havia vencido a guerra e mesmo ouvindo a sagrada voz do imperador Hiroito, pelos rdios confirmando a rendio incondicional do Japo na II Guerra, estes vitoristas no aceitavam a idia do Imprio do Sol Nascente ter sido derrotado numa Guerra (Ibid p.88). Durante o perodo da Segunda Guerra, as reas de evacuao e internamentos de imigrantes sditos do Eixo no ocorreriam apenas no litoral paulista, no norte e no nordeste os interventores repetiam, em escala menos, a operao efetuada em Santos/SP. No Estado do Par, em cujas guas vrios navios brasileiros haviam sido postos a pique por submarinos alemes, o temido coronel Magalhes Barata isolou em

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Shindo Renmei, significa Liga do Caminho dos Sditos. Apud MORAIS, 2000:102

41 Acar, no meio da selva, todos os japoneses, italianos e alemes encontrados na regio norte. Meio sculo depois, j com o nome de Tom-A, Acar se transformaria num modelo mundial de produtividade agrcola, graas colnia japonesa que se formou no local a partir da mudana forada (MORAIS,2000:62). Em 1943 a lngua dos pases inimigos banida, inclu-se a lngua japonesa e as escolas de ensino desta. Durante os anos de 1943 a guarda metropolitana est presente em Tom-A e efetua uma busca de porta em porta. Quase todos os documentos escritos em lngua japonesa so apreendidos. Somente em 1952 restabelece-se as relaes diplomticas entre o Brasil e o Japo e uma nova leva de emigrantes enviada para o Brasil. Para a seleo, o candidato deveria submeter-se a uma prova escrita e oral, onde esta constava dentre outras questes como o pretendente pensava em educar os filhos, se conseguisse emigrar. Com a vinda desta nova leva de imigrantes, a comunidade de japoneses passa a ter uma outra configurao: o que antes era visto como somente o acmulo de capital e retorno a Terra Natal, a partir deste segundo momento, o imigrante vinha com uma nova perspectiva em relao ao Brasil, no de voltar a Terra Natal, mas de adotar o pas que os acolheu.

2.4 A saga dos imigrantes

A este novo perodo da histria dos japoneses na regio Amaznica como descrita por MARUOKA (s/d,43-123), continuaremos traando a trajetria dos momentos mais importantes dos 60 anos da imigrao japonesa para a Amaznia. Em 1953 o Consulado do Japo em Belm reaberto, tendo como cnsul o Tomiya Koseki. Os imigrantes que j estavam aqui no Brasil voltaram-se a chegada da leva de imigrantes que significava um teste para a imigrao em massa do perodo ps-guerra. Neste ano, o preo da pimenta-do-reino chega ao seu apogeu, proporcionando o perodo ureo, as colnias usualmente pobres comeam a experimentar a fartura. Com 78 cooperados e 330.000 mil ps de pimenta com produo de 350 toneladas. Em Agosto deste ano, o navio Amrica maru17 traz o primeiro contingente de imigrantes do ps-guerra de Tom-A num total de 129 pessoas constituindo 25 famlias. Em 1954 chegam em Tom-A o segundo, terceiro e quarto contigente de imigrantes, a quantidade de ps de

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Maru significa navio. O autor.

42 pimenta plantados pelos cooperados j chega a 440.000 mil ps e uma produo de 800 toneladas. O relacionamento do imigrante do pr-guerra e ps-guerra fora bom no incio, porm, estes ltimos queriam um rpido crescimento e, com isso, entraram em atrito com os imigrantes do pr-guerra, provocando grande xodo da colnia de TomA (MARUOKA s/d). No ano de 1955 chegam 100 famlias para Belterra e mais 16 famlias para Fordlndia, somadas com mais 6 famlias que haviam chegado no ano anterior, por achar uma ameaa contra os trabalhadores brasileiros, o Ministrio da Agricultura embarga a entrada de japoneses na fazenda de borracha e redistribui os imigrantes por vrias outras localidades. Neste ano criada a Companhia Japonesa Promotora da Emigrao S.A. (Nihon Kaigai Iju Shinkou Kabushiki Kaisha), tendo por objetivos a aquisio, construo e diviso de stios de colonizao, em 1957 esta companhia estabelece uma sucursal em Belm. Em 1956, o Consulado do Japo em Belm promovido a Consulado Geral do Japo em Belm, tendo como primeiro Cnsul Geral Junzo Furuta. Um grande aumento da produo de pimenta-do-reino observada no ano de 1958 quando o nmero de cooperados em Tom-A chega a 176 associados, sendo 820.000 ps de pimenta-do-reino com uma produo de 2.300 toneladas. Em 1959, por convite dos prprios imigrantes incentivada a vinda de novos grupos imigrantes. Dado o grande desenvolvimento gerado pelos imigrantes japoneses na colnia de Tom-A, neste ano, realizada a fundao da cidade at ento, sob jurisdio de Acar, o novo municpio passa a ser o 60 municpio do Estado do Par, a cerimnia de constituio do municpio ocorre no dia 1 de setembro, tendo como primeiro prefeito Nei Brasil. Em 1960, com o elevado preo, entre 50 e 100 dlares por semana, da pimentado-reino no mercado internacional, fez com que muitos produtores de hortalias do subrbio de Belm e nas diversas colnias corressem para a plantao dessa pimenta, da mesma forma, a produo de juta no conseguia suprir as necessidades do mercado nacional, o maior motivo o aumento na procura do acar brasileiro pelos Estados Unidos, que deixou de comprar o acar cubano, porm com a exigncia que o saco fosse feito da juta e no de algodo. feita a doao de um terreno 30.000 mil hectares pelo prefeito Nei Brasil para a construo da segunda colnia no municpio de Tom-A, neste perodo a quantidade de carros entre a populao do municpio cresce e no ano de 1961, torna-se o primeiro municpio em nmero de automveis, conforme levantamento realizado pela Secretaria de Transportes do Par. A inaugurao da rodovia Belm-Braslia e a

43 transferncia da Capital para Braslia so acontecimentos importantes em 1960, pois, o monoplio exercido por muitos comerciantes quebrado pelo fato destes no poderem mais concorrer com os produtos como frutas e hortalias de qualidade nunca vista na regio que chegavam via terrestre, fazendo com que muitos agricultores se dedicassem a outras atividades, e se dedicam a produo no-sazonal de verduras perecveis no transporte ou da pimenta, este perodo marcado pela afluncias de capital, informaes, materiais e pessoas entre as regies norte, sudeste e sul, levando a um crescimento da populao, o surgimento de novas produes, novas profisses, muitos japoneses passam a dedicar-se ao comrcio. Inicia-se neste ano a exibio de filmes japoneses no Cine Palcio, dotado de equipamentos modernos, tendo um pblico considervel, dada a quantidade de imigrantes e descendentes vidos por ver as novidades do cinema japons, muitas vezes, no entanto, os filmes exibidos vinham de So Paulo e s chegavam em Belm muito tempo depois. A populao japonesa na Amaznia de 1.336 famlias totalizando 7.203 pessoas no ano de 1962. Neste ano ocorre o ingresso de 25 famlias para a segunda colnia de Tom-A. Segundo o Boletim Pan-Amaznia, no ano de 1963, muitos jovens nissei comeam a formar-se em diversas universidade, sendo que alguns partem para o Japo como bolsistas do Ministrio de Cultura do governo japons. As docas de Tom-A, foram construdas com verbas da prpria cidade no ano de 1965 e no ano anterior o aeroporto do municpio teve sua pista de pouso/decolagem totalmente asfaltada, o que demonstra o crescimento que o municpio vinha experimentando. O nmero de imigrantes ps-guerra j chega a 46.000. A inaugurao da biblioteca no Centro Nipo-brasileiro traz alegria aos associados vidos por leitura. Ainda neste ano, realizada a grandiosa cerimnia de inaugurao do Centro Cultural de Tom-A (MARUOKA,s/d:96-9). Em 1981, o nmero de japoneses e seus descendentes j chega a 1.700 famlias totalizando 8.000 pessoas (ibid p. 114). Comea a espalhar-se o surto da bactria fusarium, com o apodrecimento do caule e do p, na plantao de pimenta do reino, durante este perodo de 1969, muitos que se dedicavam a plantao da pimenta em Tom-A abandonam a regio procura de outras terras, dando origem ao surto de migraes, mesmo o plantadores dos subrbios de Belm vo para terras mais distantes, nesta fase inicia-se a grande disperso em grande escala da colnia japonesa, em 1970 caminho do Brasil, Akihiro Shirakibara da seita Tenrikyo, de passagem pelo Hawai, visita a fazenda experimental da Faculdade de Agronomia do Hava e obtm sementes de papaia (mamo) que traz

44 para o Brasil em benefcio dos plantadores de pimenta que sofrem com a praga. No ano de 1974, novamente um surto de fusarium agravado pelas fortes chuvas. Com uma nova queda no preo da pimenta, inicia-se no ano de 1982 o fluxo de dekassegui18 para o Japo. Somente em 1986 h uma alta nos preos da pimenta o que no fez diminuir o fluxo de dekassegui. J no ano de 1987, a grande quantidade destes trabalhadores no Japo, j bastante significativo, o pico de entrada de dekassegui verificado no ano de 1989, formam-se filas para obteno de vistos em frente ao Consulado Geral do Japo em Belm. Em 1990, inicia-se uma srie de medidas para abrandar as restries de entrada como: idade e profisso para a entrada de dekassegui no Japo, favorecendo ainda mais o esvaziamento das colnias (MARUOKA,s/d:103-22). As visitas feitas s colnias de imigrantes japoneses de Belm e Tom-A so bastante expressivas no ano de 1975, o Embaixador do Japo no Brasil Sr. Uyama; Tatsuo Tanaka e Saburo Chiba membros da Dieta; representantes do Ministrio das Relaes Exteriores; entre outras instituies, assim como, pintores, escritores e vrias personalidades tanto do Brasil quanto do Japo (MARUOKA,s/d:103). Estas visitas de personalidades tornaram-se muito freqentes, medida que, a colnia de Tom-A tornou-se famosa pelas conquistas dos imigrantes ao longo dos anos. Enquanto isso, a comunidade nikkei procurava manter suas origens de forma a preservar suas tradies, contudo, as marcas identitrias das novas geraes tornava-se cada vez mais evidentes pelo distanciamento em relao a cultura japonesa observada, na maioria dos casos, apenas em seus avs, j que os pais nissei procuravam no levar seus filhos a experimentar os impactos culturais que haviam experimentado e mesmo o convvio, na sociedade brasileira, contribuiu para isso.

18 Termo refere-se a ida de nikkei em busca de empregos no Japo, objetivando um acmulo rpido de dinheiro e retorno ao Brasil. O autor.

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Captulo 3

De mos dadas formando a Vitria Rgia(A concepo de educao trazida pelos imigrantes)

3.1 A questo educacional

Tendo como apoio o estudo de Ruth C. L. CARDOSO (CARDOSO,1972), a autora mostra-nos a situao a qual nos permite acompanhar a histria da imigrao atravs do comportamento das diferentes geraes, levando-nos, facilmente, concluso de que a mudana cultural se processa, no caso, atravs do conflito entre elas

(CARDOSO,1972:364). atravs do conflito entre as geraes e o constante interesse em manter certos aspectos da cultura de origem, condicionado, sobretudo, na lngua japonesa, o foco principal do presente captulo. Para uma analogia sobre os aspectos da educao entre os japoneses e outros descendentes europeus como os alemes e poloneses, de acordo com SAITO (1961), os primeiros tm muitos em comum entre com o segundo grupo de imigrantes, quando consideram a escola como uma das instituies fundamentais da comunidade. Esforaram-se ambos, para cri-la e mant-la. Todavia, entre os europeus, quer sejam catlicos ou protestantes, atribuem maior importncia igreja, que praticamente considerada o ponto vital da comunidade, e a escola uma instituio complementar dela. Enquanto que, entre os japoneses, a escola um centro comunitrio ao lado da associao. Acreditamos, portanto, que o papel desempenhado pela Igreja, como ncleo associativo e integrativo, nas comunidades de colonos europeus, equivale ao da escola e associao, como smbolos integrativos, nas japonsas (SAITO,1961:219). A valorizao do trabalho intelectual, Ruth C. CARDOSO (1972),que trouxeram [os issei] do Japo, e o propsito de proporcionar aos jovens uma vida melhor, fizeram com que estes issei incentivassem nos nissei o desejo de conseguir uma profisso urbana e bem categorizada socialmente. Para isso, dentro das famlias japonesas muitas concesses deviam ser feitas para que os nissei se transformassem em estudante. A estrutura patriarcal da famlia japonesa devia acomodar-se aos novos moldes, j que os jovens j no poderiam cumprir plenamente seus papis no trabalho coletivo. So estes filhos e netos dos imigrantes que passam a ser repositrios de esperana dos pais

46 imigrantes, esperanas estas que tinham acompanhado os imigrantes desde quando da partida destes de seu pas de origem. Dentro da discusso levantada por CARDOSO (1972:369), o fato da autora ressaltar que:

So freqentes os casos de filhos que, em conversa com os pais, respondem em portugus ao que esse falam em japons. E isto no provoca nenhuma reao (...) No h em geral restrio por parte dos velhos quanto ao seu emprego [da lngua portuguesa] habitual pelos jovens. (CARDOSO, 1972:369)

Torna-se contraditria esta posio tomada pela autora em virtude dos vrios fatos que pudemos perceber durante a pesquisa, pois, em vrias colnias espalhadas pelo Brasil, o nissei fora divulgador de suas incertezas frente a real identidade que deveria adotar, segundo SAITO (1961:219), princpio, o conhecimento do idioma [portugus] encarado como instrumento til para encetar relaes com o grupo dominante. medida que vo subindo [os descendentes] na escala ascendente, comeam a valorizar a educao formal como um dos fatores decisivos de acesso a melhores status. Os pais no regateiam sacrifcios em enviar seus filhos para as escolas superiores. Todavia, a convivncias com colegas brasileiros no tarda a modificar o comportamento dos filhos no sentido de maior aproximao com a cultura lusobrasileira, fato que vai repercutir fundamente nas relaes domsticas. A atitude e o comportamento dos nissei, colocados assim em confronto com os dos pais, tendem a romper os laos do familialismo [sic] tradicional (ibidem). Para SAITO (1961:218), os conflitos culturais como estes, trazidos pela educao, tm provocado na comunidade japonesa longa e penosa fase de transio (ibidem). Como se pode perceber atravs de diversas fontes, HANDA (1987:721), nos coloca que:

Os nissei passaram a enxergar a vida familiar, em seus lares, com olhos de brasileiros. No ser raro que surjam disso choques inesperados (ibidem. Grifo meu)

Ainda segundo o autor citado, o fato do nissei conhecer bem o Brasil, ou seja, ser um profundo entendedor dos hbitos e costumes brasileiros, poderia desclassific-lo enquanto membro da categoria de bom brasileiro, assim como, entendiam os pais

47 issei, pois, os nissei se tornariam abrasileirado demais dentro dos moldes prestabelecidos. Segundo dados de Felcia OGAWA (1981) que, discute este aspecto da dualidade identitria encarada, principalmente atravs da experincia da prpria autora ao visitar o Japo pela primeira vez, o momento do confronto da chegada ao Japo ao deparar-se com a sociedade japonesa, ao que esta entendia o comportamento e a forma de ser dos japoneses:

mas no me sentia igual a eles (...) percebi que era brasileira, (...) apesar de todas as contradies se chocando dentro de mim (...) e a responsabilidade de nunca envergonhar a nao japonesa (OGAWA,1980:24)

meu pai sempre lembrava para eu que aprendesse a lngua japonesa, pois, segundo ele, dentro da minha veia corre o sangue japons... (Entrevista da Sr Ohiza)

Estas posies da autora mostra-se como uma crtica aos pais [issei] que tentaram criar um segundo Japo no Brasil (ibid p.24). Segundo MARUOKA (s/d:116-7), a publicao da palavra dos nissei em edio especial do Boletim Pan-Amaznia, nmero 161 causa repercusso dentro da comunidade nikkei, dois dentre os vrios pontos nos chamam ateno neste momento:

(...) At hoje, os issei nunca se dirigiram publicamente aos nissei; (...) No se porte com arrogncia, somos humanos e temos nossas falhas (...) (MARUOKA,s/d:116-7)

Ou ainda:

(...) [os issei] se irritavam ou se enervavam pelo fato de os nisseis ou dos jun-nissei no se identificarem com eles prprios. (HANDA,1987:41)

Mesmo atualmente podemos perceber um certo conflito entre as geraes principalmente entre os issei e as novas geraes que quase ou nada falam em japons, os pais servem muita das vezes de intrprete dos filhos ao que os avs ou bisavs

48 cobram dos pais que no os ensinaram, numa entrevista que nos foi concedida, a Sr Henda relata a partir de sua prpria experincia sobre o conflito de geraes que ocorre dentro da famlia:

a terceira gerao [sansei] veio muito diferente () os mais idosos no conseguem se comunicar com os mais jovens muitas vezes sou a tradutora quando minhas filhas precisam se comunicar com os avs... (Entrevista da Sr Henda)

As novas geraes, segundo SAITO (1961:220), estavam se desagregando da comunidade tnica, pois dela no mais dependia economicamente para satisfao de suas necessidades e se identificando cada vez mais com a sociedade dominante. Em certo sentido, no eram mais considerados japoneses. Podiam ter interesse ou curiosidade para com a cultura e a terra de seus pais, mas no havia motivo ou necessidade que os prendessem a cultura materna. Ao lado desses que se desagregaram por completo, havia outros semi ou quase desligados. Nota-se, por exemplo, a presena cada vez maior de elementos que, embora mantendo contatos de natureza primria com parentes e amigos da mesma procedncia, no participam propriamente da vida grupal ou comunitria. O certo que eles esto fora do controle e da sano que tem como fonte a comunidade tnica. Nesse sentido no mais so considerados componentes do nosso grupo (ibidem). As tenses geradas dentro da prpria colnia mostram a dificuldade que seria para os mais conservadores se integrarem cultura brasileira, o que levou a uma srie de intrigas entre os compatriotas. Os jun-nissei19 e nissei, cujos pais eram jun-nissei, travavam amizades com os poucos brasileiros dos ncleos de colonizao no Par, estudavam portugus na escola, cantavam msicas brasileiras, manejavam o portugus com razovel habilidade e tinham passado a entender melhor o modo de ser dos brasileiros.

Nascidos no Japo mas trazidos ainda pequenos e educados no Brasil. In: HANDA. 1987. Op. cit A traduo literal desta palavra seria meio nissei, pois, tinham nascido no Japo, contudo, foram criados e a educao fora totalmente brasileira. Traduo do autor.

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49 3.2 Contribuies para a formao da cultura nacional brasileira

A construo ou a reformulao da cultura nacional brasileira, a partir de aspectos culturais trazidos pelos imigrantes japoneses, assim como, a introduo de valores e costumes brasileiros aos hbitos japoneses podem ser observados em vrios contextos. Prova disso so os conflitos gerados dentro da prpria colnia, posto que existiam os imigrantes que preferiam uma integrao mais acelerada aos costumes brasileiros enquanto que por outro lado os mais nacionalistas achavam que deveriam continuar fiis a Japo, sobretudo ao Japo militarista, fato este que com o passar dos anos, sabemos, tendeu a ser minimizado e, um dos principais motivos, foi a derrota do Japo na II Guerra Mundial. Quanto maior a dificuldade de retorno ao Japo, segundo OGAWA (1981:24), os imigrantes vieram a necessidade de assumir a ptria adotiva, o que gerou uma forte presso sobre os nissei que deveriam manter uma postura japonesa e ao mesmo tempo uma grande expectativa de ascenso social atravs da formao profissional. O japoneses [issei] tentaram formar um segundo Japo aqui no Brasil, a partir da manuteno dos valores japoneses. Estes valores eram ensinados aos nissei que eram considerados pelos pais como sendo a ponte de ligao entre as duas culturas. Uma das formas de preservao foi a criao de escolas japonesas, que ensinavam alm do idioma, valores, hbitos e mesmo a comemorao de datas nacionais japonesas, tais como: aniversrio do imperador, Ano Novo nos moldes nipnicos, ensinando cantos e danas infantis, etc. neste sentido que desde pequenos, vrios dos entrevistados relatam que ao iniciarem o curso primrio, sentiram grande dificuldade com a lngua portuguesa dada a sua maior familiaridade com a lngua japonesa, como podemos observar durante o trabalho de campo nos relatos dos nossos entrevistados que se seguem:

Comecei a falar o portugus s no ginsio, antes disso o estudo fora dificultado pela falta de domnio da lngua portuguesa. (Entrevista do Sr Yamatsumoto) Ao entrar na primeira srie primria no sabia portugus, foi difcil porque no entendia a aula. (Entrevista da Sr Miho) Estudou s um ano no Brasil, porque s sabia falar em japons. (Entrevista da Sr Fuemiko)

50At os 6 anos no sabia falar portugus, por isso, senti dificuldade em aprender. (Entrevista da Sr Ryako) Apesar de ter iniciado meus estudos aos 7 anos de idade, senti muita dificuldade para acompanhar as aulas. No sabamos falar portugus. 90% dos alunos eram filhos de japoneses (Entrevista da Sr Makeno)

As dificuldades encontradas so sempre evidenciadas de acordo com que nos fora relatado durante o trabalho de campo, pois, os descendentes tiveram que se adaptar ao sistema educacional brasileiro o que levou algum tempo.

3.3 A posio do imigrante aps a II Guerra Depois da derrota do Japo na II Guerra Mundial, assim nos explica Ogawa (1981:24), o imigrante continuou conservando quele pensamento do perodo pr-guerra do Japo, que tornou-se, portanto, mtica esta ligao entre o pensamento pr-guerra com a realidade brasileira enfrentada pelos nissei. Estes, ao entrarem em contato com os japoneses, so considerados japoneses da era Meiji. A explicao baseia-se, segundo a autora, no fato do perodo anterior a guerra, o Japo teve seus valores muito pouco influenciados pela cultura ocidental, o que os tornava valores ensinados e no vividos. Mesmo o idioma e o comportamento passam a ser anacrnicos se comparados com o japons, por isso, por mais que os nissei aprendam os costumes, no conseguem, entretanto, se identificar na forma de ser e pensar dos japoneses. (OGAWA,1981:25) Ao levantar as fontes necessrias para a presente pesquisa, deparamo-nos com um trabalho bastante interessante que trata justamente da questo da identidade tanto entre os descendentes que vivem no Brasil quanto aos que vo ao Japo, na condio de dekassegui, o estudo tem como autora Adriana Capuano de OLIVEIRA (s/d,808), segundo a autora, dependendo da gerao a qual o descendente pertence, h uma maior adaptao aos modos de vida e padres culturais brasileiros e, conseqentemente, um maior afastamento da aquisio cultural dos antepassados. As geraes mais recentes participam de forma bem mais ativa do modo de vida cultural brasileiro, com exceo de alguns poucos casos em que ainda estes descendentes residem em colnias, em geral em reas rurais (ibidem). Para manter um maior intercmbio entre os japoneses e seus descendentes, no ano de 1969 a Associao Pan-Amaznia Nipo-brasileira (APANB) reconhecida como

51 sociedade de benefcio pblico e inaugura-se o Hospital Amaznia. A fundao do Amazon Country Club em 1974. O que facilitaria a convivncia e o intercmbio entre os membros da colnia japonesa da regio metropolitana de Belm e de outras localidades prximas. Fato este que teve grande significncia para a colnia como um todo haja visto que:Mesmo os imigrantes que tinham como objetivo principal o enriquecimento, viam-se desesperados ao constatar que teriam que viver sob a autoridade de um governo que no dava ouvidos ao desejo de verem seus filhos educados em japons, pois, sentiam que seus filhos fossem perder a condio de pertencer a raa japonesa. (HANDA, Op. cit)

Segundo Capuano de OLIVEIRA (s/d:802), a dificuldade de se compreender as vrias designaes aos descendentes de japoneses: nikkeis, nipo-brasileiros, nikkeijin, nissis, japoneses-brasileiros, ascendncia nipnica, etc, o que j mostrava, segundo a autora, que a questo da identidade destas pessoas j se fazia complicada mesmo aqui no Brasil, sem mencionar que esta linguagem encontra-se no meio acadmico, pois, estas pessoas so chamadas freqentemente de japons, mesmo que estejam dirigindose a pessoas de terceira ou quarta geral e que ja