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0 CENTRO UNIVERSITÁRIO MUNICIPAL DE SÃO JOSÉ - USJ DEISE ANA RIOS ERA UMA VEZ... UM ESTUDO BIBLIOGRÁFICO SOBRE A LINGUAGEM LITERÁRIA EM CONTEXTOS DE EDUCAÇÃO INFANTIL São José 2009

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CENTRO UNIVERSITÁRIO MUNICIPAL DE SÃO JOSÉ - USJ

DEISE ANA RIOS

ERA UMA VEZ... UM ESTUDO BIBLIOGRÁFICO SOBRE A LING UAGEM

LITERÁRIA EM CONTEXTOS DE EDUCAÇÃO INFANTIL

São José

2009

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DEISE ANA RIOS

ERA UMA VEZ... UM ESTUDO BIBLIOGRÁFICO SOBRE A LING UAGEM

LITERÁRIA EM CONTEXTOS DE EDUCAÇÃO INFANTIL

Trabalho elaborado para a disciplina de Trabalho de Conclusão de Curso II, do Curso de Pedagogia do Centro Universitário Municipal de São José – USJ. Profª. MSc. Andréa Simões Rivero.

São José 2009

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DEISE ANA RIOS

ERA UMA VEZ... UM ESTUDO BIBLIOGRÁFICO SOBRE A LING UAGEM

LITERÁRIA EM CONTEXTOS DE EDUCAÇÃO INFANTIL

Trabalho de Conclusão de Curso elaborado como requisito final para a aprovação no Curso de Pedagogia do Centro Universitário Municipal de São José - USJ. Avaliado em 09 de julho de 2009 por:

________________________________ Profª. MSc. Andréa Simões Rivero

Orientadora

________________________________ Profª. MSc. Regina Ingrid Bragagnolo

Membro Examinador

________________________________ Profª. MSc. Cecília Dolzan

Membro Examinador

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AGRADECIMENTOS

A Deus, em primeiro lugar, por ter me agraciado com esta oportunidade de estudar, que

sempre almejei;

A minha família, pela compreensão e pelo apoio;

À minha orientadora Profª. MSc. Andréa Simões Rivero, que me mostrou como exercer a

(co)autoria;

E aos amigos com os quais pude dividir os diferentes momentos que vivi durante a produção

deste Trabalho de Conclusão de Curso;

A todos, muito obrigada!

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No reino do “Era uma vez”, o faz-de-conta

realiza estripulias e nos convida a brincar, para

nos desarmar das enferrujadas armaduras e

voar livres pelas paragens das maravilhas com

as asas da imaginação.

Eliane Debus

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RESUMO

Nesse Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) objetivou-se construir um maior entendimento acerca da literatura como forma de linguagem, com o intuito de compreender o papel da literatura infantil em contextos de Educação Infantil e os modos específicos como as crianças de 0 a 6 anos vivenciam a experiência literária; identificar os possíveis modos de interação e participação das crianças nas experiências literárias; as contribuições da literatura para a formação cultural e lúdica das crianças e as formas apropriadas de se apresentar e contar uma história para crianças pequenas. O trabalho delineia um breve histórico sobre a literatura infantil e por meio de algumas referências, aborda as suas possibilidades na educação das crianças. Buscando-se identificar o que vêm sendo produzido e discutido recentemente sobre esta linguagem no âmbito acadêmico educacional, realizou-se um levantamento de parte da produção teórica sobre o assunto, por meio de consultas no site da ANPEd. O levantamento possibilitou a localização de 12 trabalhos apresentados, nas últimas nove edições da Reunião Anual da ANPEd, realizadas no período de 2000 a 2008, que abordam a temática da literatura infantil. A pesquisa revela a pouca produção sobre a temática no âmbito da Educação Infantil, visto que a maioria dos trabalhos selecionados discute a literatura em contextos dos Anos Iniciais. Aponta também, as contribuições dessa linguagem, o papel do professor na mediação da relação da criança com a literatura infantil e o fato de, muitas vezes, a literatura ser reduzida a uma dimensão pedagógica que a desconsidera como linguagem. Palavras-chave: Literatura Infantil. Educação Infantil. Anos Iniciais.

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ABSTRACT

In this Work of Conclusion of Course it was objectified to construct a bigger agreement concerning literature as language form, with intention to understand the specific paper of infantile literature in contexts of Infantile Education and ways as the children of 0 to 6 years live deeply the literary experience; to identify to the possible ways of interaction and participation of the children in the literary experiences; the contributions of literature for the cultural and playful formation of the children and the appropriate forms to present and count a history for small children. The work delineates a historical briefing on infantile literature by some references, it approaches its possibilities in the education of the children. Searching to identify what it come being produced and argued recently about that in the academic scope, a survey of part of the theoretical production was become fulfilled on the subject, by consultations in site of the ANPEd. The survey made possible the localization of 12 presented works, in last the nine editions of the Annual Meeting of the ANPEd, carried through in the period of 2000 to 2008, that it approach the thematic of infantile literature. The research discloses the little production on the thematic in Infantile Education scope, since the majority of the selected works argues literature in contexts of the Initial Years. It also points, the contributions of this language, the paper of the teacher in the mediation of the relation of the child with infantile literature and the fact of, many times, literature to be reduced to a pedagogical dimension that disrespects it as language. Key words: Infantile Literature. Infantile Education. Initial Years.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO..................................................................................................................... 8

2 OS CAMINHOS DA PESQUISA......................................................................................12

3 OS PILARES QUE SUSTENTAM UMA PEDAGOGIA DA INFÂNC IA ..................15

4 UM BREVE HISTÓRICO SOBRE A LITERATURA INFANTIL... ............................19

4.1 A literatura infantil brasileira ........................................................................................21

5 A LINGUAGEM LITERÁRIA E SUAS POSSIBILIDADES NA ED UCAÇÃO DAS

CRIANÇAS ............................................................................................................................ 25

6 UM LEVANTAMENTO DA RECENTE PRODUÇÃO TEÓRICA NO ÂM BITO

ACADÊMICO EDUCACIONAL SOBRE LITERATURA INFANTIL.... .......................34

6.1 Os trabalhos apresentados no “Grupo de Trabalho Educação de crianças de zero a

seis anos” (GT 07) ..................................................................................................................37

6.2 Os trabalhos apresentados no “Grupo de Trabalho Formação de professores” (GT

08) ........................................................................................................................................... 52

6.3 Os trabalhos apresentados no “Grupo de Trabalho Alfabetização, leitura e escrita”

(GT 10) ................................................................................................................................... 55

6.4 Os trabalhos apresentados no “Grupo de Estudo Educação e Arte” (GE 01) ...........67

7 A PRODUÇÃO TEÓRICA SOBRE LITERATURA INFANTIL NA A NPEd: EM

BUSCA DE SUAS ÊNFASES ...............................................................................................75

8 CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................................................................................80

9 REFERÊNCIAS...................................................................................................................82

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1 INTRODUÇÃO

... ERA UMA VEZ ...

O estágio em Educação Infantil realizado no Curso de Pedagogia, no período de 11-3-

08 a 1º-7-08, em um Centro de Educação Infantil (CEI), da rede pública municipal de São

José, com crianças na faixa etária de 5 a 6 anos, possibilitou-me maior aproximação e

discussão sobre a temática das múltiplas linguagens1, evidenciando a importância de

aprendermos a ouvir as crianças, perceber seus modos de viver e sentir o mundo, de concebê-

las como produtoras de cultura, atores sociais2, de possibilitar que seus “cem sempre cem”3

modos de se expressar, que constituem suas linguagens, sejam valorizados e possam estar

presentes em todos os momentos de seu cotidiano. De tal modo, estaremos de fato

construindo concepções e práticas que defendam as crianças como sujeitos ativos nos

contextos dos quais fazem parte, reconhecendo-as não como meras reprodutoras de cultura,

mas sim como produtoras de culturas, percebendo-as pelo o que elas têm e não pelo que lhes

falta.

Nesse contexto, entende-se como concepção de linguagem toda e qualquer produção

humana. Segundo Junqueira Filho (1999, p. 40): “[...] cantar, dançar, brincar, jogar, falar,

conversar, contar e ouvir histórias, cozinhar, modelar, pintar, recortar e colar, classificar,

quantificar, seriar, pesquisar e discutir sobre fenômenos da natureza e assuntos diversos de

seus interesses, ler, escrever, [...]” seriam linguagens; funcionamentos das crianças para (se)

lerem e (se) escreverem (no) o mundo; para se produzirem crianças e produzirem o mundo.

Segundo o autor, esses seriam conteúdos curriculares em ação pelas crianças, “[...] na sua

busca de produção de sentido sobre si mesmas e o mundo, que podem e precisam ser

intencionalmente sugeridos, articulados e acompanhados [...]”.

Nessa perspectiva e na defesa de uma Pedagogia que leve em conta essa

multiplicidade de linguagens constituidoras da criança e a necessidade de que elas sejam

valorizadas na Educação Infantil, Coutinho (2002, p. 136-137) afirma que projetar uma

Pedagogia que sustente “[...] uma educação infantil que respeite as cem linguagens das

crianças, que confira a elas o direito a ter cem modos de pensar, de falar, de jogar, de escutar

1 A respeito das múltiplas linguagens na Educação Infantil ver: Coutinho (2002); Oliveira (2004); Edwards, Gandini e Forman (1999). 2 Algumas das referências teóricas que embasam a compreensão das crianças como produtoras de cultura são: Coutinho (2002); Perrotti (1990); Pinto e Sarmento (1997). 3 Expressão utilizada por Loris Malaguzzi, em seu poema “Ao Contrário, As Cem Existem”.

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as maravilhas de amar, enfim, de viver intensamente todas as linguagens já citadas por

Malaguzzi [...]”, incluindo aquelas nas quais ainda não estamos alfabetizados, mas que as

crianças expressam nas suas relações, demanda um olhar e tratamento de respeito às infâncias

das crianças e a compreensão de “[...] que a criança não é só produto, mas também produtora

de cultura, que ela possui desejos, sonhos, paixões. Que se expressa fundindo sentimento e

linguagens, ações e reações, fantasia e realidade”.

A relevância dos aspectos abordados foi perceptível e compreensível no decorrer da

trajetória de estágio. Durante o período destinado às observações, foi possível perceber que as

crianças com as quais mantive contato estavam em processo de alfabetização, no qual as

linguagens mais evidenciadas eram a oral e a escrita. A professora propunha situações em que

essas linguagens eram mais valorizadas do que as outras, entretanto, muitos outros modos de

expressão permeavam intensamente essas linguagens, entre eles: o brincar, o desenhar, o

contar e ouvir histórias, o movimentar-se, o cantar. Diante desse quadro, evidenciou-se a

necessidade de observar atentamente, analisar e compreender os modos como as crianças

desse grupo vinham se apropriando da linguagem escrita e das diversas linguagens (a

literatura infantil, o desenho, a música e a brincadeira) com as quais elas tinham contato no

cotidiano do C.E.I. e em outros contextos em que estavam inseridas.

A partir dessa necessidade, delimitou-se como temática do projeto de estágio “A

linguagem escrita e sua articulação com outras formas de linguagem na Educação Infantil”,

tendo-se como objetivo principal compreender e ampliar o repertório de linguagens das

crianças, entendendo o quanto a articulação entre as linguagens é importante para elas, em

virtude das especificidades da infância.

Faz-se necessário ressaltar que a delimitação da temática decorreu do contato com as

crianças e suas experiências relatadas nos registros de estágio4, na análise e reflexão sobre os

mesmos, em que as crianças evidenciaram um grande interesse pela contação de histórias,

pela musicalidade, pelo desenho, pela brincadeira, entre outros.

Considerando-se esses interesses e o objetivo do projeto, as proposições pedagógicas

que fizemos ao grupo, possibilitaram a manifestação e experiências com diferentes

linguagens, como a musical, a corporal, a literatura infantil, a escrita, a dramatização, o

desenho, a brincadeira, entre outras. Sempre objetivando despertar o interesse e motivar as

crianças a participarem do que havia sido preparado para elas, buscou-se privilegiar a

4 Os registros de estágio são relatos dos momentos vivenciados com as crianças; eles descrevem nossas experiências com os pequenos.

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dimensão da ludicidade e da imaginação, tornando mais prazerosos os momentos que

passaríamos juntos.

Esses momentos foram muito significativos e marcantes para mim, assim como toda a

trajetória de estágio. Possibilitou-me estar com as crianças a todo o momento, aproximando-

me dos modos de ser criança, brincando, realizando as atividades, fotografando, valorizando

suas falas e ações, seus enredos e suas brincadeiras. Em virtude disso, e de toda a experiência

positiva que o estágio me proporcionou, decidi realizar meu Trabalho de Conclusão de Curso

(TCC) na Educação Infantil, pensando na defesa da temática das Múltiplas Linguagens. No

entanto, refletindo sobre esta possibilidade juntamente com a minha orientadora do TCC,

concluí que esta proposta seria inviável para um trabalho de graduação, tendo-se em vista a

dimensão da temática, as proporções que ela tomaria, os aspectos a serem abordados e

contemplados, e ainda o tempo para realização e concretização desta pesquisa. Optei, então,

por direcionar minha pesquisa e o aprofundamento dos conhecimentos teóricos a uma das

diversas linguagens. Para tanto, retomei os registros elaborados durante o estágio.

Revendo e revivendo os registros dos momentos vivenciados no estágio, com o intuito

de encontrar questionamentos que esses me provocassem e identificar qual a linguagem mais

manifestada pelas crianças, é que pude perceber a presença da literatura em muitos desses

registros. Eles evidenciam os pedidos das crianças para a contação de histórias, o

envolvimento e a participação delas em situações em que se propôs o contato com livros e

com essa forma de linguagem, e ainda o quanto a organização do espaço e a maneira de se

apresentar e compartilhar uma história com as crianças, são fatores que contribuem

significativamente para este envolvimento.

Esses indícios me chamaram a atenção e me instigaram a investigar sobre o modo

como as crianças vivenciam a contação de histórias, por que elas gostam tanto de ouvir

histórias e como podemos proporcionar sua participação e interação nas narrações.

Diante do fato de a literatura infantil constituir-se no tema desta pesquisa, faz-se

necessário e relevante apresentar a concepção de literatura que se defende. Compartilhando

das idéias de Battaglia (2003, p. 118), entendo a literatura infantil como uma linguagem a ser

manifestada e valorizada nos contextos infantis, em que o “leitor que, sendo educador,

apresenta a literatura para as crianças como uma brincadeira levada a sério, uma brincadeira

que, partindo da palavra, acontece ‘dentro da cabeça’, pondo em ação o corpo, a razão e a

sensibilidade, numa relação plena do ato de conhecer”.

Considerando-se os indicativos expostos, a pesquisa objetivou construir um maior

entendimento acerca da literatura como forma de linguagem, com o intuito de compreender o

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papel da literatura infantil em contextos de Educação Infantil e os modos específicos como as

crianças de 0 a 6 anos vivenciam a experiência literária. A pesquisa teve o intuito, também, de

identificar os possíveis modos de interação e participação das crianças nas experiências

literárias, as contribuições da literatura para a formação cultural e lúdica das crianças e as

formas apropriadas de se apresentar e contar uma história para crianças pequenas.

Metodologicamente, este trabalho se constituiu numa pesquisa bibliográfica, em que

se realizou um levantamento parcial da recente produção teórica no âmbito acadêmico sobre

literatura infantil através de consultas no site da Associação Nacional de Pós-Graduação e

Pesquisa em Educação (ANPEd). Delimitou-se como campo de investigação o site da

ANPEd, em virtude dessa Associação ter como um de seus objetivos promover a produção e

difusão de trabalhos científicos e acadêmicos na área da educação, constituindo-se em uma

das referências para o acompanhamento da produção brasileira no campo educacional.

O presente trabalho está estruturado em seis seções. A primeira seção relatará como

foi realizada a pesquisa no site da ANPEd e como se deu o processo de seleção dos trabalhos.

A segunda seção explicitará as concepções de criança, de cultura, de infância e de linguagem

que fundamentam o trabalho.

Na terceira seção, contextualizar-se-á, brevemente, o surgimento da literatura infantil e

seus desdobramentos, para um maior entendimento das atuais produções e discussões,

contemplando, em sua subseção, a literatura infantil brasileira. Na quarta seção, apresenta-se a

linguagem literária e suas possibilidades na educação das crianças. Dando continuidade, será

apresentado, na quinta seção, o levantamento realizado, no site da ANPEd, da recente

produção teórica sobre literatura infantil, seguido da descrição dos trabalhos localizados.

Na sexta seção, procura-se apontar alguns dos aspectos abordados nos trabalhos da

ANPEd, ressaltando-se o que o levantamento realmente evidenciou, indicando as “presenças e

ausências” de questões relacionadas à literatura infantil nos trabalhos e destacando a

concepção de literatura infantil presente neles. Nas considerações finais far-se-ão

considerações a respeito do estudo desenvolvido, das contribuições e indicações da pesquisa e

da importância de todo o caminho trilhado.

Um dos propósitos desta pesquisa, portanto, é compartilhar as recentes discussões e

produções acadêmicas, acerca da literatura infantil, presentes nas Reuniões Anuais da

ANPEd, além de confirmar e evidenciar, por meio dos referenciais teóricos estudados, a suma

importância dessa linguagem nos contextos infantis.

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2 OS CAMINHOS DA PESQUISA

Para a concretização das intenções de pesquisa, realizou-se um levantamento de uma

parte da recente produção teórica no âmbito acadêmico sobre o assunto. O levantamento foi

realizado durante os meses de março e abril de 2009, por meio de consultas no site da

Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação5 (ANPEd).

A ANPEd6 é uma sociedade civil, sem fins lucrativos, fundada em 1976, com o

auxílio de alguns Programas de Pós-Graduação da Área da Educação. Em 1979, a Associação

consolidou-se como sociedade civil e independente, admitindo sócios institucionais (os

Programas de Pós-Graduação em Educação) e sócios individuais (professores, pesquisadores

e estudantes de pós-graduação em educação).

A Associação tem como finalidade a busca do desenvolvimento e da consolidação do

ensino de pós-graduação e da pesquisa na área da Educação no Brasil. Ao longo dos anos, tem

se projetado, no País e fora dele, como um importante fórum de debates das questões

científicas e políticas da área, tendo se tornado referência para acompanhamento da produção

brasileira no campo educacional. A ANPEd é também uma das entidades que indica listas

tríplices para compor as Câmaras de Educação Básica e de Educação Superior do Conselho

Nacional de Educação.

As atividades da ANPEd estruturam-se em dois campos: o Fórum de Coordenadores

dos Programas de Pós-Graduação em Educação (EDUFORUM), que são sócios institucionais

da ANPEd, e os Grupos de Trabalho (GTs), que reúnem pesquisadores interessados em áreas

de conhecimento especializado da educação. Os GTs, para se constituírem, precisam

inicialmente funcionar durante 2 anos no formato de Grupos de Estudo, com aprovação prévia

da Assembléia Geral.

Os Grupos de Trabalho atuam, durante todo o ano e nas reuniões anuais da ANPEd,

difundindo discussões sobre suas temáticas específicas. De acordo com o que consta no site,

são 22 (vinte e dois) GTs, sendo eles e suas respectivas áreas temáticas: GT 02 - História da

Educação; GT 03 - Movimentos Sociais e Educação; GT 04 - Didática; GT 05 - Estado e

Política Educacional; GT 06 - Educação Popular; GT 07 - Educação de Crianças de Zero a

Seis Anos; GT 08 - Formação de Professores; GT 09 - Trabalho e Educação; GT 10 -

Alfabetização, Leitura e Escrita; GT 11 - Política de Educação Superior; GT 12 - Currículo;

5 httt://www.anped.org.br 6 As informações sobre a ANPEd, contidas nessa seção do trabalho, foram retiradas do site da Associação.

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GT 13 - Educação Fundamental; GT 14 - Sociologia da Educação; GT 15 - Educação

Especial; GT 16 - Educação e Comunicação; GT 17 - Filosofia da Educação; GT 18 -

Educação de Jovens e Adultos; GT 19 - Educação Matemática; GT 20 - Psicologia da

Educação; GT 21 - Educação e Relações Étnico-Raciais; GT 22 - Educação Ambiental; e GT

23 - Gênero, Sexualidade e Educação. Funciona, também, desde o ano de 2007, o Grupo de

Estudo – GE 01 – Educação e Arte.

A ANPEd tem como objetivos promover a produção e difusão de trabalhos científicos

e acadêmicos na área educacional; instigar as atividades de pós-graduação e pesquisa em

educação; promover a co-participação das comunidades acadêmica e científica na formulação

e desenvolvimento da política educacional do País, sobretudo no tocante à pós-graduação.

Um dos seus veículos de comunicação é a página eletrônica na Internet. Nela estão

disponíveis, para acesso, tudo que diz respeito à Associação, trata-se de um rol de

informações.

Tradicionalmente, a Associação promove a Reunião Anual da Entidade, que congrega

os Grupos de Trabalho, promove mesas-redondas, sessões especiais, conferências, debates

minicursos, exposições e apresentação de trabalhos e pôsteres, nos quais pesquisas, reflexões

e propostas sobre a Educação, nos contextos nacional e internacional, são divulgadas e

debatidas.

A ANPEd, como já afirmado, foi o cenário de atuação para o desenvolvimento da

pesquisa. Logo, para a realização do levantamento de uma parte, da atual produção acadêmica

sobre literatura infantil, no contexto da Educação Infantil, acessou-se o site da ANPEd e nele

o link Reuniões Anuais, no qual estão disponíveis as edições das Reuniões anteriores ao ano

de 2009, com seus respectivos programas, relatórios e tudo que diz respeito à organização do

evento. Ressalta-se que foram nove o total de edições das Reuniões que se tornaram alvo da

pesquisa, por serem essas as disponíveis no site. Constavam no site, durante o período em que

se realizou o levantamento dos trabalhos, as edições a partir da 23ª Reunião, realizada no ano

de 2000, até a 31ª Reunião, que corresponde à edição de 2008.

Como a pesquisa objetiva realizar um levantamento da recente produção teórica no

âmbito acadêmico, a atenção esteve voltada, em cada Reunião, aos textos dos trabalhos e

pôsteres apresentados; aos textos dos trabalhos encomendados; e, ainda, às sessões especiais e

aos minicursos. No entanto, destaca-se que todos os trabalhos localizados foram selecionados

no link “Textos dos trabalhos e pôsteres apresentados”, logo nenhum trabalho foi localizado

nos demais links pesquisados e citados acima.

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Inicialmente, os trabalhos foram selecionados, nos GTs 07, 10 e 20, de cada Reunião

Anual da ANPEd, já que o objetivo maior era localizar trabalhos que discutissem a literatura

infantil em contextos da Educação Infantil.

Entretanto, em virtude da possibilidade de outros GTs contemplarem e abordarem, em

suas discussões, a temática literatura infantil, mesmo sem considerar especificamente as

crianças de 0 a 6 anos, sentiu-se necessidade de ampliar a investigação elegendo outros

Grupos de Trabalho para a pesquisa, pois os trabalhos apresentados nesses grupos poderiam

contribuir para a construção de um maior entendimento sobre o assunto.

A seleção dos Grupos de Trabalho se deu pelo critério da área temática desses. Sendo

22 (vinte e duas) as áreas temáticas, foram selecionados os GTs que poderiam apresentar

discussões e pesquisas sobre o assunto em questão. Assim sendo, os Grupos de Trabalho que

fizeram parte do universo da pesquisa foram o GT 07 - Educação de Crianças de Zero a Seis

Anos; o GT 08 - Formação de Professores; o GT 10 - Alfabetização, Leitura e Escrita; o GT

13 - Educação Fundamental; o GT 16 - Educação e Comunicação; e o GT 20 - Psicologia da

Educação. Nas duas últimas Reuniões consta, como já mencionado, o Grupo de Estudo - GE

01 – Educação e Arte, que também foi contemplado na pesquisa.

Para selecionar os trabalhos, verificou-se, um a um, em busca de expressões, em seus

títulos, que indicassem tratar de literatura infantil relacionada à educação de crianças, sendo

algumas das expressões que se buscava, literatura infantil, literatura, histórias, narrativas,

leitura, livro, imaginário, linguagens e arte. Algumas edições da Reunião Anual da ANPEd

colocam à disposição, além do texto do trabalho, o seu resumo. Esses resumos, em alguns

momentos, auxiliaram e facilitaram o processo de seleção.

Com o intuito de verificar, num primeiro momento, se o trabalho discutia ou não a

linguagem literária, utilizou-se da ferramenta “localizar”, que localiza, no texto, as palavras

desejadas. Quando da necessidade de usar essa ferramenta, as palavras a serem localizadas

eram literatura, narração, história, livro e criança.

O levantamento foi realizado durante os meses de março e abril de 2009. Logo depois,

procedeu-se à leitura e análise dos trabalhos, ao longo de três meses (abril, maio e junho)7.

7 Os trabalhos selecionados serão identificados, apresentados e descritos na seção “Um levantamento da recente produção teórica no âmbito acadêmico educacional sobre literatura infantil”, na página 34.

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3 OS PILARES QUE SUSTENTAM UMA PEDAGOGIA DA INFÂNCI A

As concepções que norteiam a prática pedagógica na Educação Infantil vêm sendo

bastante discutidas atualmente. Procura-se repensar a perspectiva adultocêntrica que tem

permeado as relações entre crianças e profissionais, assim como a função social da Educação

Infantil, tendo-se em vista que as crianças constituem a sociedade da qual fazemos parte e

precisam ser consideradas e valorizadas nessa fase da vida, e não apenas em uma perspectiva

futura. A criança, a partir de um olhar adultocêntrico, é considerada como alguém que deve

tornar-se adulto em miniatura, sob esse olhar suas experiências e atitudes passam pelo crivo

dos adultos e são explicadas e avaliadas a partir desses. As crianças, vistas por essa ótica,

tendem a ser excluídas da sociedade, parecem ser menos importantes ou dignas de serem

percebidas, como expõe Oliveira (2004, p. 189) “[...] culturalmente aprendemos a enxergá-

las: incompletas, sem fala, um vir a ser, seres assexuados, inocentes [...]”.

Segundo Ângela Coutinho (2002), em sua dissertação de mestrado, compreender as

crianças como seres diferentes dos adultos seria o passo inicial para se pensar um processo

educacional voltado para as especificidades das crianças. Coutinho (2002) propõe, a partir da

tese de Rocha (1999), a construção de uma Pedagogia da Educação Infantil.

Nessa perspectiva, a criança é concebida como sujeito de direitos, agente ativo que

tem, ou deveria ter, seu espaço reconhecido tanto no âmbito social como educacional. A

criança é considerada como ator social, capaz de interagir em sociedade e de atribuir sentido

as suas ações, simbolizar e criar. Essa visão é oposta àquela que concebe a criança como um

ser passivo, que somente imita, reproduz o que vê e ouve.

A consideração das crianças como actores sociais de pleno direito, e não como menores ou como componentes acessórios ou meios da sociedade dos adultos, implica o reconhecimento da capacidade de produção simbólica por parte das crianças e a constituição das suas representações e crenças em sistemas organizados, isto é, em culturas (PINTO; SARMENTO, 1997, p. 20).

Ao se discutir cultura relacionando-a à infância, faz-se oportuno apresentar a

concepção que se tem desta:

[...], o conceito de cultura (s) é entendido aqui enquanto ato de criação, uma teia de significados estabelecida entre os homens e tecida por fios intermináveis que expressam uma forma de ver, de sentir e de relacionar-se com a vida natural, social, objetiva e subjetiva, tornando “as coisas do mundo” inteligíveis: abarca hábitos, crenças, língua, imaginário [...] (FERNANDES, 1998 apud OLIVEIRA, 2004, p. 191).

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Cabe ressaltar a contribuição de Coutinho (2002), em relação à discussão do

significado de cultura, em que ela afirma que essa seria um sistema simbólico, no qual o

sujeito ressignificaria a cultura com a qual tem contato, criando sentidos e significados

próprios que permitiriam o compartilhamento de ideias e noções da vida em sociedade, e esse

processo aconteceria inclusive no período da infância. Trata-se das culturas infantis, uma

cultura produzida coletivamente por grupos de crianças, que constróem sentidos e

significados na troca com o outro, constituindo-se numa cultura de pares. Entretanto, a

produção cultural infantil não é única ou homogênea, por isso, denomina-se no plural:

culturas infantis. E, além disso, essas não são fechadas em si mesmas, mas se constituem em

permanente relação com a cultura mais ampla, criada e manifestada na sociedade.

[...] a cultura infantil é uma rede de significados gestados no interior das relações entre as crianças e se consolida mediante a ressignificação, a reprodução, a produção de vivências socioculturais. Essa cultura tem a diversidade como característica – pois existem culturas infantis e não uma cultura infantil única – e a relação entre a realidade e a fantasia (COUTINHO, 2002, p. 111).

Ainda, segundo Coutinho (2002, p. 112), são características que se “fazem presentes

constantemente nas relações entre as crianças e, assim, na criação e manifestação das suas

culturas, o lúdico, a diversidade cultural e as múltiplas linguagens”.

É impossível negar que as crianças produzem uma cultura que é diferente da dos

adultos, as formas de as crianças verem e lidarem com as coisas e suas formas de raciocínio

são específicas, segundo Benjamin apud Oliveira (2004, p. 187), “os não-adultos vivenciam

com espírito repleto de sensibilidade, não aniquilando, assim os sonhos e desejos de conquista

que afloram nos seus pensamentos”.

Por esse viés, reconhecemos que as crianças, coletivamente, constróem uma produção

cultural com características próprias e, entende-se a infância como uma construção social, em

que cada ser humano tem e vive uma (infância) diferente, embora partilhem significações

comuns. Ser ou não criança é diferentemente vivido por cada um de modo distinto,

considerando-se que

A infância não é uma experiência universal de qualquer duração fixa, mas é diferentemente construída, exprimindo as diferenças individuais relativas à inserção de gênero, classe, etnia e história. Distintas culturas, bem como as histórias individuais, constroem diferentes mundos de infância (BOB FRANKLIN, 1995 apud PINTO; SARMENTO, 1997, p. 17).

O olhar sobre a infância não foi sempre o mesmo, isso nos leva a acreditar que os

significados também não foram os mesmos, modificações ocorreram e ocorrem devido a

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fatores culturais e mudanças estruturais na sociedade. O conceito de infância é, portanto,

construído historicamente, a partir das modificações nas formas de organização da sociedade,

à medida que mudam a inserção e o papel da criança e também da mulher na família e na

sociedade. Não se pode pensar em única infância, pois essa reflete as variações da cultura

humana, uma vez que numa mesma sociedade, existem e são construídas diferentes infâncias.

Ainda que se pense na infância como um tempo comum vivenciado por todas as crianças, não há realmente essa homogeneidade: a infância vivida por diferentes crianças é heterogênea, ainda que se encontre no interior de uma mesma sociedade. O caráter plural da infância, levantado por Sarmento, leva-nos a considerar que não existe “infância” e sim “infâncias” [...] (COUTINHO, 2002, p. 109).

Para que a Educação Infantil exerça e consolide sua função social, faz-se necessário,

entre outros aspectos, que aprofundemos estudos e reflexões sobre os aspectos abordados até

então, sendo assim, tem-se buscado concretizar o que se denomina de “Pedagogia da

Infância”. Enfatizando-se a relevância da perspectiva dessa Pedagogia da Infância, Coutinho e

Rocha (2007, p. 11), em “Bases curriculares para a Educação Infantil? Ou isto ou aquilo”,

argumentam que

Uma Pedagogia da Infância, comprometida, definirá as bases para um projeto educacional-pedagógico para o cumprimento de sua função educativa de ampliação e diversificação dos conhecimentos e experiências infantis. Mas para exercer esta tarefa, não basta conhecermos as crianças (padronizadas e uniformizadas), ou estudar os modelos e métodos para ensinar os “conteúdos”. Os núcleos da ação pedagógica abrangem os diferentes âmbitos que constituem a construção do conhecimento da realidade pela criança (linguagem gestual, corporal, oral, pictórica, plástica e escrita; relações sociais, culturais e com a natureza) e exigem conhecer as crianças através de seu complexo acervo de patrimônio lingüístico, intelectual, expressivo, emocional, enfim, as bases culturais que as constituem com tal.

As crianças têm muito a dizer, muito até a ensinar, basta “que haja quem os queira

escutar e ter em conta” (OLIVEIRA, 2004, p. 190). Nesse processo, tornam-se evidentes suas

linguagens e, como nos mostra a autora, é necessário que os adultos se alfabetizem nessas

formas de expressão, que aprendam a escutar, registrar e representar as vozes, os movimentos

das crianças, que respeitem os seus diálogos verbais, gestuais e afetivos, não priorizando as

linguagens oral e escrita somente, como complementa Coutinho (2002).

Enfim, as crianças são sujeitos ativos, portanto possuem voz, precisam que lhes deem

vez para mostrar tudo que são capazes de construir e reconstruir. Sem nos esquecermos das

diversas linguagens, por meio das quais se expressam e, a partir das quais, podemos ter

muitos indícios sobre tudo que são e sentem.

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O desenho, a música, a brincadeira e a literatura infantil são algumas dessas diversas

linguagens com as quais as crianças interagem em nossa cultura e, por meio delas, as crianças

se expressam, produzem e reproduzem sentidos e significados, imaginam, comunicam-se e

vivenciam experiências várias.

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4 UM BREVE HISTÓRICO SOBRE A LITERATURA INFANTIL

Na obra “Literatura Infantil Brasileira - História e Histórias”, as autoras Marisa Lajolo

e Regina Zillberman (2007), apresentam referências sobre o histórico da literatura infantil.

Segundo as autoras, os primeiros livros publicados especificamente para crianças surgiram, na

primeira metade do século XVIII, na Europa. Antes desses, registram-se apenas histórias que

foram escritas durante o classicismo francês, no século XVII, que vieram a fazer parte da

literatura destinada ao público infantil, como as “Fábulas”, de La Fontaine, “As aventuras de

Telêmaco”, de Fénelon, e “Contos da Mamãe Gansa”, de Charles Perrault.

Quando se trata do início da produção literária infantil, Charles Perrault é uma das

referências. Em 1695, aos 62 anos, ele começou a registrar as histórias que ouvia de sua mãe

e, nos salões parisienses. De acordo com Silveira (2005), ele buscou nas fontes populares,

narrativas orais e, pela primeira vez, adaptou-as para crianças, inaugurando assim, os contos

de fadas. Perrault coletou, entre outros contos, “A Chapeuzinho Vermelho”, “Cinderela”, “O

Gato de Botas” e “O Pequeno Polegar”.

O desenvolvimento da literatura infantil, não foi exclusividade dos franceses, na

Inglaterra também houve a sua expansão e difusão, em virtude das mudanças na sociedade

derivadas, sobretudo, da Revolução Industrial, no século XVIII, relatam Lajolo e Zilberman

(2007). A Revolução Industrial provocou a industrialização e a urbanização nas cidades,

surgindo em meio a este cenário a classe social burguesa. A burguesia, para atingir suas

metas, entre elas o controle social, utilizou-se de instituições como a família e a escola.

Tratando-se da família, criou-se um estereótipo familiar, baseado na divisão do

trabalho, no modo de vida mais doméstico e menos participativo publicamente. Esse modelo

familiar burguês, para ser legitimado, promoveu a criança como beneficiário maior desse

conjunto, já que “inexistia uma consideração especial para com a infância” (ZILBERMAN,

1981, p. 15). Durante muitos séculos, a criança foi vista como um adulto em miniatura,

participando de vários aspectos da vida adulta. Não havia o reconhecimento de que a criança é

diferente dos adultos, em suas formas de ver, estabelecer relações, agir e pensar, e esta faixa

etária não era percebida em suas especificidades.

A preservação da infância impõe-se enquanto valor e meta de vida; porém, como sua efetivação somente pode se dar no espaço restrito, mas eficiente, da família, esta canaliza um prestígio social até então inusitado. A criança passa a deter um novo papel na sociedade, motivando o aparecimento de objetos industrializados (o brinquedo) e culturais (o livro) ou novos ramos da ciência (a psicologia infantil, a

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pedagogia ou a pediatria) de que ela é destinatária (LAJOLO; ZILBERMAN, 2007, p. 17, grifo meu).

No que diz respeito à escola, essa era facultativa até o século XVIII, por força de

dispositivos legais, passou a ser obrigatória para todas as crianças, deixando de ser

exclusividade das crianças burguesas. O ingresso na escola tornou-se algo natural e

obrigatório, justificado pela “fragilidade e despreparo dos pequenos” (LAJOLO;

ZILBERMAN, 2007, p. 17), que urgentemente precisavam ser preparados e capacitados para

o futuro, por meio da educação, a fim de enfrentar um mercado competitivo, em rápida

expansão. Assim como a família, a escola passou a exercer um papel na constituição dessa

criança.

Ao surgir em meio à industrialização da Inglaterra, a literatura infantil assumiu, desde

o início, a condição de mercadoria. A produção e o consumo de livros aumentaram e, como

conseqüência, houve a propagação de outros gêneros literários. Nesse contexto, nasceu a

relação entre a escola e a literatura infantil, uma vez que esta exigiu o domínio da língua

escrita, a capacidade da leitura. Segundo Lajolo e Zilberman (2007, p. 18), “os laços entre a

literatura e a escola começam desde este ponto: a habilitação da criança para o consumo de

obras impressas”.

Atrelada à escola e aos interesses da burguesia, a literatura infantil adquiriu

características de cunho pedagógico e os livros passaram a ser utilizados como instrumento de

apoio ao ensino na formação da criança. De acordo com Cunha (1990, p. 23),

[...] fica evidenciada a estreita ligação da literatura infantil com a pedagogia, quando vemos, em toda a Europa, a importância que assumem os grandes educadores da época, na criação de uma literatura para crianças e jovens. Suas intenções eram fundamentalmente formativas e informativas, até enciclopédicas.

Ressalta-se que o caráter pedagógico assumido pela literatura infantil, justificou-se na

intenção de viabilizar e garantir sua própria circulação, seu consumo e sua utilidade.

Das obras literárias publicadas, durante o século XVIII, poucas permaneceram, devido

à ligação que mantinham com as escolas, com exceções, como: os contos de fadas de Perrault;

os clássicos Robinson Crusoé (1719), de Daniel Defoe; e Viagens de Gulliver (1726), de

Jonathan Swift. Autores estes que “asseguraram a assiduidade de criação e consumo de obras”

(LAJOLO; ZILBERMAN, 2007, p. 20).

No século XIX, em 1812, os irmãos Grimm lançaram, na Alemanha, uma coleção de

contos de fadas, que se tornou sinônimo de literatura para crianças, em virtude da repercussão

do sucesso. A partir de então, a literatura definiu sua linha de livros para crianças, tendo em

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vista as preferências e os tipos de histórias que agradam este público, elegendo as histórias

fantásticas, as de aventuras e as de “apresentação do cotidiano da criança [...] procurando

apresentar a vida diária como motivadora de ação e interesse” (LAJOLO; ZILBERMAN,

2007, p. 21). Ainda, no século XIX, a literatura infantil europeia se concretiza, possuindo um

perfil definido e representando uma parcela significativa da produção literária da sociedade

burguesa e capitalista, garantindo assim sua permanência e seu fascínio.

4.1 A literatura infantil brasileira

A literatura infantil brasileira surgiu quase no século XX, muito tempo depois da

europeia. Seu surgimento está ligado ao início da atividade editorial no Brasil, com a

implantação da Imprensa Régia, em 1808, e a publicação de livros para os pequenos. As

publicações voltadas para as crianças, traziam histórias morais, diálogo sobre Geografia,

histórias sobre Portugal, contudo essas publicações aconteciam raramente, “portanto,

insuficientes para caracterizar uma produção literária brasileira regular para a infância”

(LAJOLO; ZILBERMAN, 2007, p. 24).

A história da literatura infantil brasileira iniciou-se próximo à Proclamação da

República, período em que o Brasil sofria inúmeras transformações, como a industrialização,

a abolição da escravatura, a política econômica do café, o surgimento das várias camadas

populares com o aumento da população e, consequentemente, a urbanização, o que tornou o

momento favorável ao aparecimento da literatura infantil. A respeito desse período, Lajolo e

Zilberman (2007, p. 25) afirmam que

Gestam-se aí as massas urbanas que, além de consumidoras de produtos industrializados, vão constituindo os diferentes públicos, para os quais se destinam os diversos tipos de publicações feitos por aqui: as sofisticadas revistas femininas, os romances ligeiros, o material escolar, os livros para crianças.

Ao longo do processo de transformação do Brasil, de uma sociedade rural em urbana,

a escola exerceu um papel fundamental, igualmente ao que ocorreu na Europa, a ela foi

confiada a iniciação da infância. Em decorrência disso, entre os séculos XIX e XX, iniciou-se

uma produção didática e literária dirigida, em especial, às crianças.

O modelo econômico do Brasil republicano, como já mencionado, favoreceu à

urbanização e, com ela, à origem de novos grupos sociais e ao consumo de bens culturais,

como o livro e a literatura. O contato com esses bens, segundo Lajolo e Zilberman (2007),

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refletia o padrão de escolarização e cultura que os novos segmentos da sociedade almejavam

apresentar a outros grupos, com os quais buscavam ou a identificação (no caso da alta

burguesia) ou a diferença (os núcleos humildes de onde provieram).

Diante disso, segundo as autoras, o saber ganhou destaque, passou a exercer um papel

de grande importância no novo modelo social que se impunha. Campanhas a favor do ensino,

da alfabetização e da escola surgiram, evidenciando, também, a necessidade de uma literatura

infantil nacional, tendo em vista a falta de material apropriado para alfabetizar as crianças e a

falta de livros para a infância. Registra-se, como material para a alfabetização, a utilização de

velhas sentenças fornecidas pelos cartórios da época.

A carência de material de leitura e livros para crianças, demonstra a concepção que se

tinha sobre o hábito da leitura, sendo este considerado, à época, de suma importância para a

formação do cidadão, formação esta destinada à escola.

Os apelos pela falta de livros infantis brasileiros, levaram jornalistas e professores a

produzir tais livros, porém com um destino certo: as escolas, que tinham como função a

consolidação do projeto de um Brasil moderno, tarefa esta de cunho patriótico.

As autoras Lajolo e Zilberman (2007, p. 29) argumentam que “a justificativa para

tantos apelos nacionalistas e pedagógicos, estimulando o surgimento de livros infantis

brasileiros, era o panorama fortemente marcado por obras estrangeiras”, tendo-se em vista o

grande número de obras infantis traduzidas e adaptadas que circulavam pelo Brasil. Carlos

Jansen e Figueiredo Pimentel são alguns dos responsáveis pelas traduções e adaptações. A

dificuldade que as crianças tinham de interpretar os textos das obras traduzidas também

justificou o incentivo à criação de uma literatura infantil brasileira, já que muitas histórias

europeias transitavam em edições portuguesas, portanto eram escritas num português que se

diferenciava muito do português brasileiro, havia uma “distância entre a realidade lingüística

dos textos disponíveis e a dos leitores” (LAJOLO; ZILBERMAN, 2007, p. 31).

Em decorrência desses apelos, surgiram, segundo as autoras, vários programas de

nacionalização do acervo literário europeu, circulando entre a infância brasileira as obras de

Perrault (Chapeuzinho Vermelho, A Bela Adormecida, O Barba Azul, O Gato de Botas,

Pequeno Polegar), de Grimm (A gata borralheira, Branca de Neve, João e Maria) e Andersen

(O patinho feio).

No final do século XX, várias obras foram criadas e editadas destinadas ao público

infantil, como contos infantis, contos pátrios, poemas e poesias infantis e antologias

folclóricas, num contexto em que as crianças eram vistas como o futuro do País.

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De acordo com as autoras citadas, a adaptação do modelo europeu não se deu apenas

na literatura, a educação brasileira também se apropriou de um projeto educativo e ideológico

que via, nos textos infantis e na escola, aliados importantes para a formação de cidadãos. Esse

projeto teve origem em livros, nos quais os personagens geralmente eram crianças, contavam

histórias que tinham como objetivo evidenciar o patriotismo, o sentimento nacional, a

dedicação à família, aos professores e à escola, algumas noções de obediência e a prática das

virtudes civis. Logo as histórias infantis passaram a ter crianças como personagens centrais e

que, por meio de várias situações e aventuras, contemplaram princípios de boa conduta e um

forte nacionalismo. Lajolo e Zilberman (2007, p. 33) ressaltam que essas personagens infantis

“são crianças modelares, cuja presença nos livros parece cumprir a função de contagiar de

iguais virtudes e sentimentos seus jovens leitores”.

Esse desenvolvimento da literatura infantil serviu de apoio à formação de uma

identidade nacional, já que foi um período de profundas mudanças e de consolidação do

capitalismo. Ao mesmo tempo, começaram a surgir autores preocupados com uma forma de

expressão que fosse verdadeiramente representativa do povo brasileiro, como exemplo,

Monteiro Lobato.

Preocupado com a necessidade de se escrever histórias para crianças numa linguagem

que as interessasse, Lobato investiu na literatura infantil como autor, escrevendo vários livros,

e, também, como empresário, fundando editoras. Monteiro Lobato introduziu inovações na

linguagem e na ideologia, tendo se preocupado em despir a língua de qualquer rebuscamento,

conduzindo o seu leitor a desenvolver conceitos próprios a respeito da realidade, estimulando

seu senso crítico, por meio dos problemas sociais, políticos, econômicos e culturais que

apresenta nas especulações e discussões dos personagens. A visão crítica da brasilidade é um

dos compromissos de Monteiro Lobato perante o leitor.

Conforme Cademartori (1994), o sentido inovador de Lobato foi fortemente

observado, pois ele procurou romper com os padrões pré-fixados no gênero literário infantil.

Em suas histórias, percebemos a busca de uma compreensão crítica do passado, permitindo

uma releitura do presente e uma visão coerente sobre o futuro. A leitura dos seus textos

possibilitou, e possibilita, um novo entendimento da realidade, na qual são valorizadas as

vivências já adquiridas e viabilizadas novas experiências.

É dessa maneira que o universo ficcional lobatiano propicia novas aspirações, instiga fins e pretensões que abrirão caminhos e futuras experiências. Fugindo a todo o moralismo que costuma acompanhar muito de perto a produção do livro infantil, sua obra incentiva a investigação e o debate sobre questões a que o consenso e os valores estabelecidos já haviam dado resposta (CADEMARTORI, 1994, p. 51).

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Lobato, juntamente com outros escritores, tornou o período de 1920 a 1945 de grande

relevância para a literatura infantil. Tem-se o crescimento quantitativo da produção literária

para crianças, aumentando o número de obras, o volume das edições, além do interesse das

editoras.

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5 A LINGUAGEM LITERÁRIA E SUAS POSSIBILIDADES NA ED UCAÇÃO DAS

CRIANÇAS

A literatura é uma das linguagens manifestadas pelas crianças, linguagem pela qual a

maioria delas demonstra encantamento. Algumas crianças têm contato com a literatura desde

muito cedo, por meio das histórias narradas em seus contextos familiares e em contextos de

Educação Infantil, nos quais, por vezes, também ocorre a interação com livros de histórias

infantis. Contudo, muitas crianças têm contatos precários com a linguagem literária durante

sua infância.

A manifestação e a valorização dessa forma de linguagem faz-se necessária e é ponto

de partida para a iniciação em outras linguagens, tendo-se em vista que a literatura provoca

processos relacionados à imaginação, brincadeira, criação e, ainda, a contribuição para a

constituição dessas crianças como sujeitos ativos e produtores de cultura.

Argumentando a relevância das histórias, Rizzoli (2005, p. 22) defende que “[...] na

história nos envolvemos e nos aproximamos; ela nos ajuda a nos reconhecer, imaginar,

interagir com os outros, observar, confrontar o ouvido e o visto com o vivido, compreender a

realidade e representá-la, associar a realidade e a representação”.

As narrativas literárias, como já mencionado, são uma rica possibilidade para o

desenvolvimento do imaginário. As situações propostas pela literatura levam as crianças a

deslocarem seu pensamento real para atuar numa dimensão simbólica, adentrando no campo

imaginário. Segundo Silveira (2005, p. 32), “as narrativas infantis são recheadas de palavras e

são elas que irão acionar a fantasia, o medo, o mistério, o prazer, a poesia, enfim um outro

mundo repleto de conceitos, de velhos e novos significados e sentidos”.

O imaginário das crianças pode ser aguçado por meio de histórias que lhes

proporcionem o conhecimento de outras realidades, ou que lhes apresentem uma

“ficcionalização de experiências próximas ao seu cotidiano” (DEBUS, 2006, p. 20), trazendo-

lhes um mundo de expectativas diferente do tradicional. Sendo assim, “a lógica ficcional, que,

muitas vezes, não segue a lógica normal, na sua anormalidade aparente, tem muito para dizer”

(DEBUS, 2006, p. 20).

Ressaltando, ainda, a importância da imaginação e do faz-de-conta, no processo de

conhecimento do mundo pelas crianças e da sua constituição como sujeitos ativos, Coutinho

(2002, p. 114-115) argumenta que

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A imaginação infantil é capaz de transformar, de recriar, de ressignificar a partir do que há no real. A cultura e a sociedade disponibilizam conhecimentos que impreterivelmente chegam até a criança, no entanto o seu jeito de olhar e ressignificar as informações permite que ela vá além, que ela crie, entendendo que: “Criar é deixar que o novo se componha, não como se ele fosse externo ao homem, mas que ele se componha dentro de todo homem e com a sua permissão, pois, na interação entre consciência e cultura, deixar nascer o novo é nascer junto com ele”. No exercício de criar, a criança se permite nascer a cada nova vivência como ela imagina, seja como a mãe, como um motor, como a professora, enfim como quem ou o que ela quiser ser. E, ao interpretar esses papéis, ela nos apresenta seu modo de ver o mundo, como percebe as relações que se travam no seu contexto de vida e ao mesmo tempo nos indica suas expectativas em relação a como gostaria que o mundo fosse, isso porque, "quando brinca, a criança cria uma situação imaginária que surge a partir do conhecimento que possui do mundo em que os adultos agem e no qual precisa aprender a viver".

A literatura por intermédio da narrativa, segundo Gilka Girardello (1999), possibilita a

inserção do sujeito na cultura, assim como sua produção cultural. Girardello, pesquisadora na

área da comunicação, cultura, educação, infância, imaginação e narrativa, defende essa ideia

afirmando, ainda, que a narrativa é

[...] um dos estímulos mais importantes à imaginação infantil. Todos nós sabemos o quanto as histórias permitem o exercício constante da imaginação, o vôo para o mundo paralelo onde através do prazer poético as crianças estão na verdade “trabalhando”, ou seja, cumprindo sua tarefa fundamental de conhecer o mundo e de construírem a si mesmas. A narrativa é uma ponte entre a imaginação e a cultura (1999, s/p).

Portanto, a literatura infantil, além de aguçar a imaginação, proporciona à criança a

construção de sua cultura, ao possibilitar que ela conheça melhor a si, ao outro e ao contexto

no qual está inserida. O contato com essa linguagem proporciona à criança desenvolver seu

“potencial” criativo e ampliar os horizontes da cultura e do conhecimento, percebendo o

mundo e a realidade que a cerca.

As narrativas favorecem, instigam e facilitam a construção dos significados, pois, por

meio delas, as crianças interpretam os eventos que acontecem com elas e dão sentido ao que

realizam, isto é, às suas ações. Rizzoli (2005, p. 11) coloca que “quando ouve uma história

[...], a criança pode retomar a sua própria experiência: ela ouve a experiência do outro e

reelabora a experiência vivida. Nesse processo, ela percebe um significado e dá uma forma,

um sentido, um sentimento legítimo ao que experimenta”.

Nessa perspectiva, promover o encontro das crianças com a literatura infantil significa

nas palavras de Debus (2006, p. 21), “ampliar o seu repertório lingüístico e cultural,

possibilitando-lhes uma outra compreensão da realidade”.

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Linice Jorge (2003), doutoranda na Área de Linguagem e Educação, discute a

importância da criança vivenciar a literatura, por meio de práticas que possibilitem o contato

com narrativas e inserção do sujeito na cultura. Jorge (2003, p. 97) também aponta as

contribuições dessa linguagem: “[...] a narrativa compartilhada entre crianças e educadores

estará estimulando o prazer de contar, ouvir, ler e criar novas histórias de forma lúdica e

interativa, revigorando o conhecimento, tanto no âmbito do subjetivo, quanto em aspectos

objetivos e de socialização”.

Ao discutirmos as possibilidades da literatura infantil, faz-se necessário enfatizar a

importância da contação oral de histórias para crianças. Segundo Abramovich (apud

SILVEIRA, 2005, p. 38), “o primeiro contato da criança com um texto é feito, em geral,

oralmente”.

As narrativas orais estão presentes desde cedo na vida das crianças, por meio das

músicas de ninar, das histórias contadas ou inventadas por seus pais e avós, e é basicamente,

por essa oralidade, que se dá o processo de inserção da criança na cultura.

De acordo com Silveira (2005, p. 38), “na expressão oral da linguagem,

intercambiamos nossa experiências, nos tornamos contadores de história culturalmente

ativos”, pois, diariamente, exercitamos nossa capacidade de narrar, em casa, no trabalho ou na

escola, narramos fatos acontecidos em novas vidas.

Sobre a origem da prática de narrar histórias, Silveira (2005, p. 35) expõe que

A prática de narrar histórias é muito antiga, vem junto com a tradição oral das primeiras sociedades as quais ainda não eram letradas. Tinham como recurso a memória, tornando a comunicação essencialmente oral. Entretanto, mesmo com a aquisição da escrita, a oralidade continua exercendo sua função social. Ela é a base das fontes históricas, culturais e literárias dos povos antigos e contemporâneos.

A permanência da tradição oral decorre da existência dos contadores de histórias,

pessoas que desenvolveram o hábito de narrar histórias para crianças e adultos, sendo

consideradas como a memória viva da comunidade, ressalta Silveira (2005).

Essa tradição esteve ameaçada pelas transformações ocorridas ao longo da história em

nossa sociedade. Transformações que dizem respeito aos modos de vida (rural - urbana), de

produção (agrária - industrial) e “difusão da informação, facilitada pelo desenvolvimento

tecnológico, da evolução dos aparelhos de comunicação e a facilidade da informação atingir

em tempo real os diferentes cantos do mundo” (SILVEIRA, 2005, p. 37).

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Entretanto, Marcuschi (apud SILVEIRA, 2005, p. 38) enfatiza que “a oralidade,

enquanto prática social, é inerente ao ser humano e não será substituída por nenhuma outra

tecnologia”, acredito ser essa a grande razão de sua permanência.

As instituições educacionais, ao valorizar somente práticas de linguagem escrita no

processo educativo-pedagógico, contribuem, também, para o declínio da tradição oral.

Precisamos desenvolver um trabalho que valorize a oralidade na escola, pois, assim,

estaremos incentivando o resgate de práticas orais tradicionais, “que vêm desaparecendo na

espontaneidade da cultura, nas gerações atuais” (SILVEIRA, 2005, p. 39).

Contudo historicamente a escola vem negligenciando um tipo de saber que pode ser construído ou transmitido oralmente – a tradição oral. Como uma das práticas sociais ligadas a esta tradição, está a arte de narrar histórias, especificamente, nas instituições de educação infantil [...]. Essa questão impõe um grande desafio à educação infantil quando entendemos que esta tem como objetivo maior ampliar o universo cultural da criança. Portanto, se constatamos que a dimensão imaginativa é essencial para o desenvolvimento saudável e pleno da mesma, tal como pontuamos no decorrer deste trabalho, conseqüentemente as instituições de educação infantil se colocam na responsabilidade de não deixar morrer o espaço do lúdico, da brincadeira, da arte e, aqui especificamente, da arte de narrar histórias (SILVEIRA, 2005, p. 39).

Nesse contexto, surge a figura do professor que deve incorporar o espírito do narrador

de histórias, resgatando a tradição oral, incentivando as narrativas, a oralidade, acionando o

imaginário e valorizando essa forma de linguagem.

Como professores não podemos deixar findar a arte de contar histórias. Se morreram as rodas em torno da fogueira, do fogão a lenha, nas noites enluaradas de verões longínquos, não feneceu a sedução do contar e ouvir histórias. Precisamos restituir seu espaço. Vivemos numa corrida contra o tempo, os pais ocupados com seus afazeres profissionais ou despreparados, e a escola com um currículo pragmático não privilegia o contar histórias. Mas sempre há tempo para ‘o tempo de contar histórias’ e fazer com que esta arte não se perca no tempo (DEBUS, 2006, p. 75).

Nas instituições de Educação Infantil, muitas vezes, essa linguagem não é privilegiada

devido às outras responsabilidades do professor, sendo relegada a um segundo plano, é vista

apenas como forma de entretenimento, ou, como afirma Battaglia (2003, p. 117-118),

“reduzida à condição de atividade didática”, não sendo reconhecida como “um direito que a

ninguém pode ser negado”.

Tratar a “hora da história” com improvisação, sacando um livro aleatório da prateleira, fazendo uma leitura monótona, interrompendo-a todo instante para forçar as crianças a permanecerem sentadas, chegar ao final e ainda concluir que as crianças não gostam de ouvir histórias, é no mínimo um desrespeito a elas e a função educativo-pedagógica da educação infantil. A narração de histórias não deve ser encarada como um momento banal no qual qualquer historiazinha cabe, pelo

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29

contrário, assim como os demais acontecimentos do cotidiano infantil, esta tem que ser uma ação planejada [...] (SILVEIRA, 2005, p. 46).

Essa prática exige do professor dedicação e empenho, no sentido de conhecer e

escolher a história a ser contada e preparar esse momento, sugerindo formas de contar, ouvir e

explorar as histórias, criando um contexto para a narração.

O professor ainda desempenha um papel fundamental na mediação entre a criança e a

literatura, a ele cabe conhecer as obras infantis, selecionar os livros a serem apresentados as

crianças, dar vida às histórias contadas e, principalmente, vivenciar também este momento

mágico e imaginário proporcionado pela literatura.

A literatura está aí, para ser lida. E, como leitura, para ser vivida. Cabe, a cada um, a sua descoberta. E a você, professor, cabe ser o delineador das pegadas iniciais que incentivarão a curiosidade das crianças para segui-las, rumo ao mundo fantástico dos livros e das histórias (BATTAGLIA, 2003, p. 123).

A autora Eliane Debus (2006, p. 84) afirma que “o ato de contar ou ler uma narrativa

pode ser realizado em qualquer espaço e em qualquer momento, bastando para isso que

existam aquele que conte e aquele que ouça”. No entanto, na Educação Infantil, “construir um

ambiente propício à leitura, [...], é de fundamental importância ao pensar o exercício literário

com as crianças”.

O espaço onde será contada a história deve ser organizado de modo que desperte, na

criança, o interesse de participar, que possibilite a ela vivenciar intensamente todos os

momentos, tornando-os mais significativos e apresentando-lhe uma maneira mais prazerosa

de estar com a leitura. Partilhando dessa concepção, Rizzoli (2005, p. 13) argumenta que

A figura do adulto é extremamente importante nesse processo, porque ele propõe cenários para as histórias, faz as escolhas dos lugares onde contar as histórias, escolhe os temas. [...] O importante é oferecer um ambiente agradável para a criança, onde ela possa formar um significado para sua história – que não é o significado dado pelos adultos, é o sentimento que a criança vai levar consigo dessa história.

A organização de um espaço para que as crianças e o professor possam ter acesso a

livros, possam tocá-los, também deve ser considerado. Espaços específicos para leitura podem

ser preparados, livros podem ser colocados à disposição nas salas, em estantes acessíveis ao

olhar da criança, cenários, tapetes e almofadas podem compor um ambiente agradável e

aconchegante, “propício às relações afetivas com o livro” (DEBUS, 2006, p. 85).

Contudo, a seleção da história, a organização do espaço, a leitura e preparação do

texto, “nada disso será suficiente se a professora-narradora não respeitar uma etapa

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30

fundamental desse processo: ‘apaixonar-se’ pela história que irá contar. O texto narrativo

precisa encantar primeiramente o narrador para depois ser oferecido ao ouvinte” (SILVEIRA,

2005, p. 46-47).

Compartilhando com essas ideias, Girardello (2006, p. 133) enfatiza que o primeiro

fator de uma narração bem-sucedida é o gosto pessoal do narrador, “sua certeza de que a

história merece ser ouvida”, oferecendo à criança o prazer de ouvir uma história contada com

prazer.

O professor dispõe de vários recursos8 para apresentar e contar uma história às

crianças pequenas: avental de histórias, fantoches, dramatizações, caracterização, máscaras,

recursos audiovisuais, como CD, DVD e fitas de vídeo. No que se refere ao manuseio desses,

Debus (2006, p. 84) afirma que

A criança não deve ser mera espectadora das atividades, isto é, ela deve se tornar contadora de histórias, ampliar o seu repertório, e para isso todos os recursos não devem ser manuseados somente pelo professor. Deve ser concedido à criança o espaço para manuseá-los, brincar com eles, utilizando-os para construir suas próprias narrativas.

Muitas vezes, a dedicação e o empenho na preparação da contação de história pelo

professor não atingem os objetivos almejados, podem não encontrar receptividade nas

crianças. Tendo em vista a pluralidade e heterogeneidade que compõem o grupo de crianças

que frequentam a Educação Infantil, tem-se momentos que não se consegue a atenção de

todos, porém isso não deve se tornar motivo para renúncia do exercício de contar histórias ou

julgamento da atuação. Pelo contrário, deve-se refletir a situação e repensar a proposta e os

caminhos trilhados, reelaborando-se outros. “Contar histórias não é algo inato – o repertório é

construído aos poucos, como também é aos poucos que se descobre as manhas e artimanhas

desse exercício” (DEBUS, 2006, p. 77).

Para que a experiência humana, insubstituível, do encontro com a literatura, tenha

“lugar garantido na vida das crianças, é preciso que a sala de aula torne-se uma roda de

histórias”, afirma Girardello (2006, p. 129). Essa prática narrativa proporciona que adulto e

criança revezem o papel de contar e de ouvir histórias, ela reconhece a importância da fala de

cada um, à medida que cada participante é narrador, leitor e ouvinte.

Por intermédio da roda de histórias, as crianças encontram na escola a valorização de

uma de suas formas de expressão (a oralidade), pois essa é base de toda narração e

8 A respeito dos recursos para contar histórias ver mais detalhes em Debus (2006).

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conversação. Na roda, as crianças também interagem, criam suas próprias histórias, relatam

suas experiências e aprofundam seu conhecimento umas das outras.

A “roda”, ao valorizar a memória coletiva e individual, entra como instrumento facilitador do diálogo cultural, retomando e disseminando de forma sistemática a narrativa. Daí sua importância como forma de relacionamento humano, ao mesmo tempo que de inserção do sujeito na cultura (JORGE, 2003, p. 98).

Girardello (2006, p. 134), ao defender, assim como Jorge, a dinâmica proporcionada

pela roda de histórias traz suas contribuições:

A roda de histórias valoriza não só o falar, como também o ouvir; valoriza a palavra. Através das rodas de histórias nós, os adultos, podemos conhecer melhor as crianças, os dramas cotidianos que as afligem e algumas das fantasias que cultivam. Nas rodas de histórias podemos desenvolver formas de crítica construtiva em que as crianças aprendam, umas com as outras e com a nossa orientação, a falar com desenvoltura e a partilhar a riqueza de sua experiência e de sua imaginação.

Enfatizando as contribuições das histórias nos contextos infantis, considerando as

crianças também como seres narrantes e construtores de histórias, percebendo a relevância

dessa forma de linguagem na construção de novas aprendizagens e como possibilidade de

novas vivências, a autora afirma que

[...] é ouvindo histórias (lidas e também contadas livremente, inspiradas na literatura ou na experiência vivida) e vendo ouvidas as suas próprias histórias que elas aprendem desde muito cedo a tecer narrativamente sua experiência, e ao fazê-lo vão se constituindo como sujeitos culturais. Na entrega ao presente do jogo narrativo no âmbito da educação infantil, professoras e crianças ampliam um espaço simbólico comum, pleno de imagens e das reverberações corporais e culturais de suas vozes. Tornam-se seres narrados e seres narrantes, como todas as implicações favoráveis disso para a vida pessoal, social e cultural de cada um e do grupo (GIRARDELLO, 2003, p. 10).

Levando-se em consideração as perspectivas apresentadas até o momento, percebe-se

que a literatura também é espaço de interação com o leitor. Nesse sentido, Cabral (1998)

argumenta que a literatura só existirá enquanto possibilitar ao sujeito criar, viver, transformar,

ou seja, interagir com as histórias, com o livro.

[...] a literatura tem a possibilidade de confirmar no homem a sua condição de humano e existirá enquanto existirem leitores que a vivam, decifrem, aceitem, transformem. E uma das características próprias do ser humano é criar, modificar e ser modificado permanentemente pelo meio sociocultural. No que diz respeito à literatura infantil e ao ato da leitura nesse contexto, o livro só se torna legítimo quando é possível com ele interagir, recriando-o, suplementando-o como leitor com a sua própria visão de mundo. Do contrário, é texto sem leitor, página em branco (CABRAL, 1998, p. 154).

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Entendendo e reconhecendo a literatura infantil como uma linguagem produzida para

as crianças, a partir da qual elas constróem sentidos e significados, produzem e reproduzem

cultura e levando em consideração os referenciais teóricos apresentados, faz-se uma reflexão

sobre o modo como o documento “Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil”

(RCNEI - 1998) contempla-a. O referido documento está organizado em três volumes e foi

distribuído pelo MEC aos professores de Educação Infantil. O RCNEI tem como objetivo

auxiliar no trabalho educativo nas creches, entidades equivalentes e pré-escolas, apontando

“metas de qualidade que contribuam para que as crianças tenham um desenvolvimento

integral de suas identidades, capazes de crescerem como cidadãos cujos direitos à infância são

reconhecidos” (1998, p. 5).

A literatura e a leitura de histórias em si são abordadas no “Referencial” como práticas

que incentivam a leitura e a escrita. A literatura não é tratada como um eixo específico, como

uma linguagem, ela é apresentada dentro do eixo da linguagem oral e escrita. Segundo

Battaglia (2003, p. 117)

[...] a literatura infantil não tem sido considerada em sua real e profunda importância na formação das crianças. No Referencial Curricular Nacional para Educação Infantil (1998), ela não se constituiu em um eixo de trabalho na denominada experiência de “conhecimento do mundo”, mas se viu restrita às práticas de leitura e construção de saberes culturais e lingüísticos, fazendo parte do eixo linguagem oral e escrita.

Refletindo sobre essa restrição mencionada por Battaglia, fica a indagação: Por que a

literatura não é contemplada como uma linguagem e não ocupa espaço de discussão

privilegiado no RCNEI, tendo em vista as suas dimensões e contribuições, sendo este um

referencial nacional para a constituição de práticas pedagógicas que visam a reconhecer os

direitos à infância?

Considera-se que uma das respostas para esse questionamento esteja na crítica

realizada por Kuhlmann Jr. (1999, p. 56), em que ele afirma que o conteúdo apresentado, no

“Referencial”, está atrelado, subordinado, ao modelo do Ensino Fundamental.

Na versão preliminar dos Referenciais Curriculares para a Educação Infantil, as propostas para as crianças menores subordinam-se ao que é pensado para as maiores, seguindo um atrelamento ao ensino fundamental. Para ser educacional, o modelo por excelência seria aquele. Daí a compartimentação e o contorcionismo para encaixar as especificidades da educação da criança na faixa etária dos zero aos seis anos, daí o recurso a expressões como “categorias curriculares flexíveis” – categoria delimita, enquanto flexibilidade retira limites, uma forma de recusar e tornar a repor conteúdos disciplinares, de modo truncado e desordenado.

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Por fim, é importante lembrar que a literatura tem sentido em si mesma, deve ser

reconhecida, principalmente dentro das instituições de Educação Infantil e das escolas, “como

experiência cultural e artística com valor em si” (GIRARDELLO, 2006, p. 128), e não

somente como um meio para ensinar conteúdos escolares e uma ferramenta que incentiva a

leitura e a escrita. O potencial da literatura infantil vai muito além disso, pois se trata de uma

linguagem que tem conteúdos próprios de prazer, alegria, fantasia, medo, criação, interação,

cultura e que contribuem para a formação cultural e lúdica das crianças.

Daí a necessidade de (re)significar a prática para que se viabilizem as reais condições de produção da leitura literária no cotidiano da Educação Infantil para que possamos, enquanto professores, acreditar que podemos cumprir a tarefa de espalhar nas crianças o pó de pirlimpimpim da imaginação (DEBUS, 2006, p. 124-125).

Portanto, a linguagem literária deve fazer parte do universo infantil e do fazer

pedagógico em sua acepção mais plena.

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6 UM LEVANTAMENTO DA RECENTE PRODUÇÃO TEÓRICA NO ÂM BITO

ACADÊMICO EDUCACIONAL SOBRE LITERATURA INFANTIL

Atualmente, a literatura infantil se faz presente em muitos contextos de Educação

Infantil, e diversas são as práticas que possibilitam a manifestação dessa linguagem e que

introduzem a criança no mundo literário.

Com o intuito de construir um maior entendimento acerca da literatura infantil e

identificar o que vêm sendo produzido e discutido recentemente sobre esta linguagem no

âmbito acadêmico educacional, realizou-se um levantamento de parte da produção teórica

recente sobre o assunto, por meio de consultas no site da ANPEd (Associação Nacional de

Pós-Graduação e Pesquisa em Educação). O levantamento possibilitou a localização de

trabalhos apresentados, nas últimas nove edições da Reunião Anual da Entidade (ANPEd),

realizadas no período de 2000 a 2008, que abordam a temática da literatura infantil, além de

permitir o conhecimento das diferentes contribuições científicas disponíveis sobre o objeto de

estudo.

Foram localizados no total 12 (doze) trabalhos. Apresenta-se, a seguir, uma tabela na

qual consta os títulos dos trabalhos selecionados, seus respectivos autores, o número de

trabalhos localizados por Reunião e por Grupo de Trabalho (GT) e Grupo de Estudo (GE). O

GT 07 tem como área temática de discussão: a “Educação de crianças de zero a seis anos”; o

GT 08, a “Formação de professores”; o GT 10, “Alfabetização, leitura e escrita”; o GT 13

contempla discussões no campo da “Educação fundamental”; o GT 16, da “Educação e

comunicação”; o GT 20 discute assuntos da “Psicologia da educação”; e o GE 01, trata da

“Educação e arte”.

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Grupos de Trabalho e Grupo de Estudo

Edições - Reunião Anual da ANPED

GT 07

GT 08

GT 10

GT 13

GT 16

GT 20

GE 01

TOTAL

23ª Reunião 2000

Título do trabalho “Eu quero aquele... Esse

aqui não... Cenas de percepções infantis presentes na escolha

do livro”. Autora: Gladys Rocha

1

24ª Reunião 2001

Título do trabalho “A leitura e os leitores na escola: refletindo a prática pedagógica em favor da formação de leitores”.

Autora : Patrícia Constâncio Werner

1

25ª Reunião 2002

Título do trabalho “A literatura e suas

apropriações (insubmissas) por leitores jovens”. Autora : Maria Zélia Versiani Machado

1

26ª Reunião 2003

Título do trabalho “Voz, presença e

imaginação: a narração de histórias e as crianças

pequenas”. Autora : Gilka Girardello

1

27ª Reunião 2004

Título do trabalho “Literatura infantil e escola:

o papel das mediações”. Autoras: Maria Luiza

Oswald e Andreia Attanazio Silva

1

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28ª Reunião 2005

Título do trabalho “Infância, educação infantil

e letramento na rede municipal de ensino do Rio de Janeiro: das políticas à

sala de aula”. Autora : Patrícia Corsino

1

29ª Reunião 2006

Título do trabalho “Um palco para o conto de

fadas: uma experiência teatral com crianças na

educação infantil”. Autor : Luiz Fernando de

Souza

1

30ª Reunião 2007

Título do trabalho “A linguagem da literatura como

encantamento na escola”. Autora : Aurélia

Honorato

1

31ª Reunião 2008

Título do trabalho “A constituição de acervos de literatura infantil para bibliotecas escolares: a

escola como mercado e as escolhas editoriais”.

Autoras: Bruna Lidiane Marques da Silva e Elaine Maria da Cunha Morais

Título do trabalho “A narrativa oral e escrita das crianças na fase inicial da alfabetização: reflexões

sobre uma atividade de ensino”.

Autora : Lilane Maria de Moura Chagas

Título do trabalho “A narrativa verbo visual e

seu processo de significação”.

Autora : Flavia Brocchetto Ramos

Título do trabalho “Narrativas de histórias:

uma experiência com crianças em processo de

alfabetização e letramento”.

Autora : Rosilene de Fátima Koscianski da

Silveira

4

TOTAL

4

1

5

0

0

0

2

12

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Realizando-se a leitura e interpretação da tabela, percebe-se que, no GT 07

(“Educação de crianças de zero a seis anos”), foram selecionados 4 (quatro) trabalhos: um

trabalho, na 26ª Reunião Anual da ANPEd; um, na 28ª Reunião; um, na 29ª Reunião; e um

trabalho na 31ª Reunião. No GT 08 (“Formação de professores”), localizou-se apenas um

trabalho, que foi apresentado na 24ª Reunião. No GT 10 (“Alfabetização, leitura e escrita”),

foram localizados 5 (cinco) trabalhos: um, na 23ª Reunião Anual da Associação; um, na 25ª

Reunião; um, na 27ª Reunião; e dois na 31ª Reunião. No GE 01 (“Educação e arte”), foram

localizados 2 (dois) trabalhos: um, na 30ª Reunião; e um, na 31ª Reunião.

Ressalta-se que não foram localizados trabalhos sobre literatura infantil em três dos

GTs pesquisados, sendo, respectivamente o da “Educação Fundamental”, o da “Educação e

comunicação” e o da “Psicologia da educação”.

No total, selecionou-se, um trabalho por Reunião, com exceção da 31ª Reunião,

realizada em 2008, em que foram localizados quatro trabalhos.

A seguir, com o propósito de expor o que aborda e discute cada trabalho encontrado,

faz-se uma descrição dos trabalhos, reunindo-os e apresentando-os por Grupo de Trabalho e

Grupo de Estudo.

6.1 Os trabalhos apresentados no “Grupo de Trabalho Educação de crianças de zero a

seis anos” (GT 07)

No GT 07, foram localizados 4 (quatro) trabalhos. Um deles foi o da autora Gilka

Girardello, “Voz, presença e imaginação: a narração de histórias e as crianças pequenas”,

apresentado na 26ª Reunião Anual da ANPEd, realizada de 5 a 8 de outubro de 2003.

O trabalho tem o intuito, segundo Girardello (2003, p. 1), de:

[...] identificar algumas idéias geradas na filosofia da linguagem, na teoria literária e na psicolinguística que, costuradas pelo viés de uma experiência empírica e reflexiva de muitos anos, possam contribuir para uma compreensão ainda maior do potencial da narração de histórias na educação infantil. [...] Em nosso horizonte teórico estão as noções da linguagem como processo que só se realiza na interação verbal social e o caráter dialógico da comunicação através da palavra (Bakhtin,1977,1992). Como pano de fundo, procuraremos ter presentes as vozes e as questões mais frequentemente problematizadas pelas professoras de educação infantil de diferentes cidades brasileiras com quem tivemos a oportunidade de trabalhar nos últimos anos, em cursos e oficinas sobre o tema da narração de histórias.

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De acordo com a autora, “a atividade de contar histórias é presença cotidiana nas

creches e pré-escolas, sendo a ela corretamente atribuídos o incentivo a imaginação e a

leitura, a ampliação do repertório cultural das crianças e a criação de referenciais importantes

ao desenvolvimento subjetivo” (GIRALDELLO, 2003, p. 1).

A autora dá ênfase ao ato de contar histórias sem o uso de livros, à narrativa oral, tanto

a partir de textos literários como de experiências vividas ou imaginadas, ressaltando que essa

prática nem sempre é valorizada, sendo entendida como um mero passatempo. A autora

também contempla a relação entre a narração feita pela professora para as crianças e a

produção narrativa oral das crianças.

De acordo com Girardello, a narrativa se faz presente desde cedo na vida da criança,

por meio das canções de ninar ou das “canções que marcaram a infância e a juventude da mãe

e do pai que a embalam no colo” (2003, p. 1). A narrativa se faz presente também na conversa

do adulto que conta ao bebê o que fez e aconteceu. A criança que tiver contato com a

linguagem terá também contato com a narrativa, pois, segundo a autora, nós nos constituímos

de narrativas, vivemos por meio de narrativas.

Propiciar momentos de narrativas, nas instituições de Educação Infantil, segundo

salienta Girardello (2003), contribui para a constituição do pensamento lógico e da

imaginação das crianças, por meio das histórias as crianças dão significados às suas

experiências e vivências.

Girardello (2003) entende a narração oral como dialógica e como uma conspiração

assistida entre professores e crianças, em que ocorrem trocas, não somente no plano da

linguagem mas também por intermédio do ar, pelo sopro da vibração da voz, pelo calor físico,

pela vibração motriz involuntária – arrepios, suspiros, sustos – gerada pelas emoções que a

história conduz. Para caracterizar essa “conspiração narrativa”, a autora fala sobre a voz, a

presença e a imaginação, aspectos importantes dessa prática.

A voz cria um vínculo afetivo, vai muito além do plano verbal, pois é uma interação

entre a criança e o professor. A palavra pronunciada não existe num contexto puramente

verbal, pois assim ela não tem sentido. Tratando-se ainda da voz, a narração sem o uso do

livro, chamada por Girardello de “livre”, é enfatizada por possibilitar espaços de expressões e

interação lúdica, tanto para quem conta como para quem escuta, visto que, para a criança

pequena, a capacidade de falar, narrar, está mais próxima do que a capacidade de ler.

A narrativa livre abre espaços para a manifestação dos ritmos, dos tons e da respiração

própria de quem narra. Quanto mais contarmos uma história, mais vamos apropriando-se dela

“deixando emergir aos poucos nossa própria cultura, intencionalidade e motivação, através de

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nosso corpo, de nossa própria voz” (GIRARDELLO, 2003, p. 4). As crianças também

contribuem para essa apropriação, evidenciando o que as agradou ou não durante a narração.

De acordo com Girardello (2003, p. 5), “a narração oral de histórias é uma forma de

arte que só existe plenamente no momento da performance. [...] Sua imprevisibilidade é a

medida de sua vitalidade, pois só ocorre plenamente no encontro com o receptor”. É nesse

momento que se tem um outro aspecto da “conspiração narrativa”, a presença.

As professoras devem se entregar “fielmente”, ao narrar uma história, envolvendo-se

com o enredo, sentando-se junto às crianças, esquecendo-se de tudo e de todos, vivendo

intensamente esse momento e entregando-se ao encontro com a criança.

O que nos prende a uma história, o que nos faz prestar atenção, é a vontade de saber o

que virá depois. Essa vontade segundo Girardello, é o que dá origem ao impulso para

acompanhar uma história. Esse impulso aproxima a narrativa da imaginação.

Ao se narrar uma história para a criança, ela sempre quer saber o que acontecerá na

história, muitas vezes, pelos “porquês”, ou tentando adivinhar as ações ou fatos que se

constituem na narrativa. Girardello ressalta que este desejo da criança ocorre quando abrimos

um livro ou contamos histórias com o auxílio de um, que contém imagens e outros recursos.

Entretanto, nas narrativas livres, sem o uso do livro, em que não temos o recurso das imagens,

devemos estimular e valorizar a imaginação, a criação das imagens pelas crianças, até porque,

mesmo quando usufruímos do livro com as ilustrações, as crianças já fantasiam, criam suas

próprias imagens, interpretam a história a sua maneira.

Esse seria mais um motivo para as professoras perderem o receio de narrarem histórias

oralmente, “se nosso olhar não estiver preso às páginas, tenderá a se voltar com mais

intensidade para as crianças, e teremos talvez mais facilidade em incorporar os movimentos e

reações delas a nossa performance” (GIRARDELLO, 2003, p. 7).

Contudo, outros recursos tão envolventes quanto às ilustrações podem ser criados,

como os recursos expressivos “um estalar de dedos, uma pausa inesperada, um arregalar de

olhos, um toc-toc-toc com o nó dos dedos na madeira da parede”, e a linguagem que usarmos

“a sonoridade das palavras, os estribilhos, as rimas e repetições, o uso de diferentes vozes ou

sotaques para os personagens” (GIRARDELLO, 2003, p. 7).

Como já mencionado, Girardello defende que nos constituímos de narrativas, o que

faz com que, desde muito cedo, ainda crianças, comecemos a desenvolver nossa capacidade

narrativa. Um “sentido narrativo do eu” (STERN, 1989 apud GIRARDELLO, 2003, p. 8)

emerge por volta dos 2 anos de idade, fazendo com que a criança reorganize suas experiências

subjetivas e da relação com o outro.

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Segundo Girardello (2003, p. 8), “os conflitos com os quais a criança se depara vão

sendo elaborados em termos dos padrões de resolução de enredo que a criança aprende com a

cultura, [...] desse modo, a narrativa é um meio pelo qual as crianças adquirem a voz de sua

cultura”.

A competência narrativa é desenvolvida de modo geral, por meio da relação com os

adultos e na interação social. As crianças que participam regularmente de práticas narrativas

organizadas culturalmente, nas quais são relatadas experiências pessoais, desenvolvem meios

de comunicar e entender quem elas são. Ressalta-se, também, a importância do papel do

adulto ao contar histórias, pois Sutton-Smith (1981 apud GIRARDELLO, 2003, p. 9) afirma

que “é improvável que as crianças contassem histórias sem o exemplo dos que as rodeiam”.

Os grupos de crianças, também, é um espaço de prática narrativa, em que as crianças

brincam, relatam suas experiências, conversam. É espaço onde existe uma cultura própria, em

que, a partir de suas necessidades, as crianças recriam a cultura organizada pelos adultos,

constituem algo novo.

Girardello (2003, p. 10) conclui seu trabalho enfatizando

o caráter dialógico da gênese do discurso narrativo nas crianças: é ouvindo histórias (lidas e também contadas livremente, inspiradas na literatura ou na experiência vivida) e vendo ouvidas as suas próprias histórias que elas aprendem desde muito cedo a tecer narrativamente sua experiência, e ao fazê-lo vão se constituindo como sujeitos culturais.

A narrativa, no contexto da Educação Infantil, torna professores e crianças “seres

narrados e seres narrantes, com todas as implicações favoráveis disso para a vida pessoal,

social e cultural de cada um e do grupo” (GIRARDELLO, 2003, p. 10).

O segundo trabalho localizado foi o intitulado “Infância, educação infantil e

letramento na rede municipal de ensino do Rio de Janeiro: das políticas à sala de aula”, de

Patrícia Corsino, apresentado na 28ª Reunião Anual da ANPEd no ano de 2005.

A pesquisa na qual este trabalho foi produzido é, segundo a autora, parte de uma tese

de doutorado que teve como preocupação central conhecer as concepções de infância,

linguagem e letramento que permeiam os discursos e as práticas das diferentes instâncias da

Secretaria Municipal de Educação da cidade do Rio de Janeiro. O trabalho fundamenta-se,

teoricamente, na produção referente à história e à política da educação da criança de 0 a 6

anos, na concepção de criança como produtora de cultura, cidadã de direitos e na linguagem

enquanto espaço das interações sociais e lugar de constituição da consciência,

desenvolvimento e formação.

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De acordo com Corsino (2005), além de revisão bibliográfica e análise documental,

realizaram-se entrevistas e observações em duas turmas de Educação Infantil, públicas

municipais, que foram escolhidas, principalmente, por apresentarem uma proposta pedagógica

e terem o trabalho realizado pelas professoras reconhecido pela comunidade escolar.

Corsino (2005, p. 2) ressalta que no trabalho ela apresenta uma síntese das questões

abordadas na tese com a “intenção de que as análises e discussões provoquem novas respostas

e indagações para se pensar às políticas públicas para a Educação Infantil, a formação de seus

profissionais e as práticas de sala de aula, especialmente as que envolvem linguagem e

letramento”, de forma que seja garantido às crianças de 0 a 6 anos de idade, o acesso, a

permanência e um ensino de qualidade.

Tendo-se em vista as intenções da presente pesquisa, darei maior atenção às questões

relacionadas à literatura infantil apresentadas no texto, na seção “Linguagem e letramento no

cotidiano da Educação Infantil”, não descrevendo as demais questões colocadas ao longo do

trabalho.

A autora relata que ao realizar as entrevistas e as observações nas duas turmas de

Educação Infantil da rede municipal de ensino, algumas questões foram emergindo. Algumas

falas trouxeram o reconhecimento da importância da Educação Infantil na constituição da

criança e o desejo da reconstrução e democratização da escola. Em quase todas as entrevistas,

surgiu a linguagem, especialmente a escrita e, questões relacionadas ao letramento. Segundo

Corsino (2005, p. 10) “a linguagem aparece como divisor de águas entre um fazer pedagógico

mais interativo, rico e significativo e uma prática mais empobrecida”.

No que se refere a literatura infantil, Corsino (2005) expõe que ler e contar histórias

apareceu como uma prática disseminada. Segundo a autora, uma das entrevistadas afirmou:

“todo professor de educação infantil que se preze lê histórias”.

Conforme foi observado, a mediação da leitura está centrada nos professores, da escolha dos textos aos espaços abertos à interlocução. Num relato sobre um momento de formação de professores, a seleção dos livros de literatura teve como critério predominante o tema a ser desdobrado em trabalhos, o que se concretizou na maioria dos momentos observados em sala de aula. A relação laboriosa e utilitária do livro pareceu predominar (CORSINO, 2005, p. 11).

A autora ressalta que durante as observações, as crianças brincaram pouco com a

imaginação e com a linguagem, registraram pouco suas releituras, “reproduziram sentidos

mais que produziram” (CORSINO, 2005, p. 11). Foi também observado que ter livros de

qualidade e organizados em salas de leitura nem sempre garante a utilização do acervo. De

acordo com Corsino (2005, p. 11)

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As cantigas, os versos que acompanham gestos, toques e carinhos e as histórias são os textos que partilham as brincadeiras e nutrem o imaginário da criança. Os textos literários, pela proposta ficcional, fazem a criança entrar no jogo de significações, compondo outros mundos e ampliando sua experiência. Nas entrevistas e observações, a literatura apareceu como acompanhante dos temas trabalhados. Com isso, muitas vezes, este jogo de significações ficou limitado.

Os relatos das entrevistadas, segundo Corsino (2005), indicam que é a maneira como a

linguagem é abordada na Educação Infantil que faz a diferença, tornando o trabalho

significativo. No entanto, a autora (2005, p. 12) afirma que a linguagem “percebida como eixo

que perpassa os projetos de trabalho, apresentou-se presa à escrita e à informação”.

A voz da criança, que se constitui enquanto sujeito na medida em pode se dizer e deixar marcas, foi muitas vezes silenciada em textos que tomam a sua voz sem pedir autorização, em soluções já prontas, em propostas amarradas, em explicações simplificadas e gestos contidos. Para a linguagem ser fio condutor, não bastam atividades integradas a um tema, é preciso ser tomada como instância de interdiscursividade, de enunciação e, portanto, de produção de sentido (CORSINO, 2005, p. 12).

As crianças da Educação Infantil precisam dramatizar, brincar, desenhar, ouvir

histórias, buscando as suas formas singulares de expressão, “seguir modelos pré-

estabelecidos, não faz destas atividades manifestação de linguagem”, afirma Corsino (2005, p.

12). A autora ressalta, ainda, que precisamos dar espaço para que as crianças se comuniquem,

os professores da Educação Infantil precisam “dar-lhes a fala, a narrativa de suas histórias, a

construção de sua leitura de mundo, a produção de significados e o registro de seus textos”

(CORSINO, 2005. p. 13).

A autora conclui, enfatizando que

O caminho para um trabalho que tenha a criança como centro, garantindo o seu direito à participação parece ser abrir espaço para uma ampla discussão sobre infância e linguagem e para a vivência dos professores em diferentes práticas culturais, que permitam que se sensibilizem, se expressem, estudem e troquem experiências. O trabalho com a linguagem em Educação Infantil é revelador das concepções que subjazem à prática pedagógica. Refletir sobre ele pode favorecer a reinvenção e transformação da prática (CORSINO, 2005, p. 14).

Dos quatro trabalhos localizados no GT 07, o terceiro foi o de Luiz Fernando de

Souza, “Um palco para o conto de fadas: uma experiência teatral com crianças na educação

infantil”. Esse trabalho foi apresentado, em 2006, na 29ª Reunião Anual da ANPEd.

O trabalho tem o intuito de se aproximar do “mundo da infância”, como afirma Souza,

por meio da linguagem da arte, especialmente a do teatro, e busca construir uma base

epistemológica consistente para uma experiência teatral exercida com crianças de 2,5 a 5,5

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anos numa creche do Rio de Janeiro (não se faz menção se é pública ou privada), que

“defende o uso do teatro na educação como uma forma fundamental de formação cultural,

estética e social do ser humano” (SOUZA, 2006, s/p).

De acordo com o autor, busca-se a aplicabilidade da linguagem teatral no universo da

Educação Infantil. Para fundamentar a prática teatral com crianças de 0 a 6 anos, Souza

procurou dialogar com autores como Ernst Fischer, Bettelheim, Benjamin e Bakhtin.

Ressalta-se que, em virtude de a presente pesquisa ter como foco a literatura infantil,

restringir-me-ei às contribuições que o trabalho traz sobre o assunto, não aprofundando a

discussão apresentada sobre a linguagem teatral. As contribuições para se pensar a literatura

infantil dizem respeito aos contos de fadas, já que a experiência teatral utilizou-se da narrativa

de contos de fadas para as dramatizações.

O autor relata, em seu trabalho, que, no início do ano letivo, durante os primeiros

cinco meses de aula de teatro, numa creche institucional do Rio de Janeiro, procurou-se

trabalhar a expressão corporal das crianças pequenas por meio da prática teatral. Questões do

tipo “como trabalhar a linguagem teatral com crianças tão pequenas, como fazê-las

compreender a especificidade do teatro e qual seria o material dramatúrgico apropriado para o

nível de entendimento dessas crianças” (SOUZA, 2006, s/p), começaram a surgir com a

“experiência teatral”.

As respostas a esses questionamentos foram encontradas no trabalho com os contos de

fadas, “seguindo o ideário de Bettelheim a respeito da possibilidade dessa forma de narrativa

atuar como ponte entre o mundo exterior e o imaginário infantil” (SOUZA, 2006, s/p).

Segundo Souza, a experiência teatral com crianças pequenas inicia-se com jogos de

expressão corporal. Ao final desses, começam os jogos teatrais, com a contação de histórias

de fadas para as crianças em roda. Nesse momento, a narrativa sofre interrupções com as

falas, os questionamentos, as dúvidas, enfim, com a interação das crianças que participam e

vão reconstruindo a história a ser dramatizada.

Durante a produção da peça, é necessário que os educadores se empenhem e

participem do processo, interpretando juntamente com as crianças, passando-lhes segurança e

confiança, assumindo o papel de mediadores e atores.

Como já mencionado, Souza buscou dialogar com alguns autores para fundamentar a

prática teatral. Faz-se menção a Bruno Bettelheim, por ele discutir a importância dos contos

de fadas. Bettelheim, segundo Souza (2006, s/p),

Trabalha com a narrativa fantasiosa (o conto de fadas, o conto popular), tentando estabelecê-la como possibilidade cognitiva concreta (embora fantasiosa) para que a

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criança possa alcançar um objetivo fundamental na sua constituição: construir significado para a vida que pulsa ao seu redor e dentro dela, através do enriquecimento de nossas capacidades interiores, como a imaginação, as emoções e o intelecto.

O conto de fadas também propicia à criança o conhecimento da história, da

humanidade, da constituição das relações sociais do mundo, muitas vezes oculta.

No interior dos contos de fadas encontramos valores que se referem ao acontecimento da vida, mesmo que ao analisarmos sua linguagem fantasiosa possamos considerá-la inverossímil, mistificadora, como defendem alguns. A linguagem do conto é encantadora, construída apropriadamente para falar ao interior da alma infantil, obedecendo apenas às leis da verossimilhança da ficção. Contudo, está ligada ao que realmente acontece no mundo (SOUZA, 2006, s/p).

Para efeito de conclusão, o autor afirma que,

Quando estabelecemos um “palco” para o conto de fadas no qual a criança pudesse brincar, foi com a intenção de lhe favorecer o contato com dois modos de fazer artístico, a narrativa e a dramatização, que trazem em si conhecimentos fundamentais para o desenvolvimento infantil [...] quisemos ressaltar a importância do conto de fadas e da experiência teatral para a construção da subjetividade e do conhecimento infantis, a partir da relevância dada à prática artística, tomando a arte parceira efetiva da educação (SOUZA, 2006, s/p).

Partindo desses pressupostos, o autor deseja que a criança, ao se apropriar da arte

narrativa e de sua dramatização, possa se constituir como sujeito ativo, crítico, livre e criativo.

Ator que possa atuar, construir conhecimentos e renovar a estrutura escolar, na qual a

liberdade de pensamento e ação não seja limitada.

O quarto e último trabalho localizado foi apresentado, na 31ª Reunião Anual da

ANPEd, em 2008, intitulado “A constituição de acervos de literatura infantil para bibliotecas

escolares: a escola como mercado e as escolhas editoriais”, foi desenvolvido por Bruna

Lidiane Marques da Silva e Elaine Maria da Cunha Morais.

O trabalho tem como objeto de estudo os primeiros acervos de literatura destinados ao

público infantil distribuídos pelo Programa Nacional de Biblioteca da Escola

(PNBE/SEB/MEC), em 2008. Segundo as autoras, esse trabalho é resultado parcial de um

programa de pesquisa mais amplo, denominado “Catálogos de publicações para criança:

distribuição, recepção e uso no contexto escolar”.

As autoras iniciaram o texto apresentando uma discussão a respeito do fato da

literatura infantil ter nascido comprometida com a educação em desfavor da arte, ganhando,

em seus enredos, um discurso em geral didatizado e moralizante, sendo historicamente

contestada em seu sentido artístico e estético. No entanto, elas expõem que,

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[...] para que nossas reflexões possam dar conta das condições e das possibilidades do seu uso pela escola é preciso “suspender”, temporariamente, nossas inquietações acadêmicas e “mergulhar” nas práticas escolares da sala de aula, onde o uso de textos denominados literatura infantil é massivo e irreversível (SILVA; MORAIS, 2008, p. 1).

Silva e Morais (2008) afirmam ainda que se a literatura infantil está atrelada à escola,

sua produção e seu uso nos apontam uma “questão fundamental” que é o seu “estatuto

literário”. Segundo as autoras (2008, p. 2), para muitos estudiosos, a literatura infantil “é o

lugar próprio do ensino e da aprendizagem; e como tal é desprovida esteticamente dos

atributos próprios do texto literário. E se o seu uso tem uma história marcadamente escolar,

não há como conferir-lhe estatuto de literatura”.

Sendo assim, as autoras propõem que é preciso que se superem os obstáculos teóricos

advindos de posturas reducionistas e que se acabe com os preconceitos que cercam a

produção para crianças, para que essa produção tenha acesso ao seu estatuto literário. Estatuto

este que, de acordo com Silva e Morais (2008, p. 2),

[...] possui especificidades, uma lógica que escapa à elaboração do que classicamente convencionamos denominar literatura, daí a sempre de adjetivação dessa produção. A literatura infantil é, portanto, uma literatura que tematiza a questão estética da literatura em geral, propondo chaves de leitura próprias a essa produção.

Partindo dessa problemática é que as autoras se propuseram analisar o PNBE/2008,

que, pela primeira vez, em seu edital incluiu a constituição de acervos para a Educação

Infantil, até então o programa não havia contemplado esta modalidade. Criado em 1997, o

Programa distribui acervos, obras e coleções às escolas públicas do Brasil. A respeito do

PNBE, Silva e Morais (2008, p. 7) afirmam que o

PNBE [...] tem como objetivo principal democratizar o acesso a obras de literatura infanto-juvenis brasileiras e estrangeiras e a materiais e pesquisas de referência a professores e alunos das escolas públicas brasileiras. O Programa é executado pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação – FNDE – em parceria com a Secretaria de Educação Básica do Ministério da Educação – SEB/MEC.

Tendo em vista os aspectos abordados, o trabalho objetivou refletir o processo de

constituição dos acervos distribuídos pelo PNBE, em 2008, para a Educação Infantil,

considerando-se os títulos que as editoras selecionaram e julgaram ser adequados para as

crianças, além de discutir sobre os possíveis critérios de escolhas adotados para a seleção dos

livros e identificar com que concepções de literatura e de infância as editoras operam.

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Antes de analisar o PNBE e atingir os objetivos traçados para o trabalho, Silva e

Morais (2008) abordam a “Literatura infantil: definições e limitações”. Nesse capítulo, as

autoras expuseram que a formação inicial do leitor, em nossa sociedade, dá-se,

principalmente, por meio do texto literário. Muitas crianças têm contato desde cedo com a

literatura, no entanto esse contato se intensifica na escola. Elas questionam que relações a

literatura infantil estabelece com a escola e com a formação da criança? Que características

essa literatura possui para ser determinada como infantil? Em resposta a esses

questionamentos e baseadas em Zilberman (2003) e Gouvêa (2003), Silva e Morais (2008)

apresentam um breve histórico do surgimento da literatura infantil.

Os primeiros livros destinados às crianças, surgiram entre os séculos XVII e XVIII.

Antes disso, não se escrevia para elas, pois “inexistia” a infância e o reconhecimento de suas

especificidades. A concepção de infância foi sendo criada historicamente, a criança assumiu

um lugar diferenciado do adulto. Essa concepção esteve relacionada à constituição da escola

moderna, tida como espaço privilegiado de aprendizagem e preparação para o mundo adulto.

Para essa escola, a literatura era um instrumento da pedagogia, os livros possuíam um forte

objetivo educativo.

As autoras, com as contribuições de Zilberman (2003), afirmam que, “quando se

procura uma construção propriamente literária no texto produzido para a criança, podem ser

encontrados os benefícios que a história traz ao leitor. Esse gênero possui uma peculiaridade

artística por não conhecer fronteiras” (SILVA; MORAIS, 2008, p. 4).

Com relação à discussão apresentada, no início do texto, a respeito da literatura ter

surgido atrelada à educação, em detrimento da arte, as autoras argumentam que

A transmissão de valores e de ideologias está presente nos textos destinados a criança por sua própria condição de produção, afinal, existe uma relação assimétrica entre o emissor (adulto) e o receptor (criança). Como existe uma tendência de a geração mais velha instruir a mais jovem, o escritor, muitas vezes, imprime um espírito didático nos livros para as crianças. No entanto, essa assimetria, em decorrência da supremacia da produção adulta sobre a recepção infantil, precisa ser superada para que haja uma plena realização literária. Para isso, é necessário que o escritor compreenda a peculiaridade da criança e se engaje num exercício de adaptação (SILVA; MORAIS, 2008, p. 4).

Portanto, a literatura infantil, segundo as autoras, pode, sim, proporcionar às crianças

um ensinamento, “uma ampliação de sua visão de mundo e um refinamento na compreensão

de suas vivências” (SILVA; MORAIS, 2008, p. 5), desde que possua as particularidades da

criação artística mencionadas por Zilberman (2003 apud SILVA; MORAIS, 2008, p. 4) “[...]

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que visa à interpretação da existência que conduza o ser humano a uma compreensão mais

ampla e eficaz de seu universo [...]”.

Silva e Morais (2008) alertam para a importância de os autores de obras infantis

estarem cientes de que existe uma “especificidade infantil na busca da compreensão do

mundo” (2008, p. 5).

As autoras também discutem, no trabalho, a apropriação que a escola faz da literatura

infantil, abordando o processo de letramento que se faz via textos literários, o que as autoras

denominam de “letramento literário”. Para falar sobre o conceito de letramento, as autoras

utilizaram-se de Magda Soares (2004), que entende letramento como muito mais que a

codificação e decodificação do código escrito: letramento é o exercício da prática social de

leitura e escrita.

As práticas de letramento literário, por serem pouco demandadas e ofertadas

socialmente, “são valorizadas culturalmente como componente essencial de formação”

(SOARES, 2004 apud SILVA; MORAIS, 2008, p. 6). Essa valorização é perceptível, segundo

as autoras, no fato de o texto literário ser considerado imprescindível para o ensino da língua

portuguesa. As autoras relatam que

Existe, atualmente, nas escolas uma discussão sobre o lugar que a literatura deve ocupar, já que vivemos em uma sociedade onde existe uma multiplicidade de textos, uma presença marcante de imagens e uma variedade cultural. O foco da discussão é que a formação do leitor deve acontecer através do acesso aos vários gêneros textuais. Contudo, o que vários pesquisadores vêm demonstrando, sobretudo, em estudos sobre o livro didático, é que as atividades que acompanham os textos literários englobam habilidades que são exigidas durante a leitura e para produção ativa e propositiva de sentidos de qualquer gênero textual. De modo que a especificidade do texto literário e os recursos mobilizados pelo autor, de modo geral, não são explorados (SILVA; MORAIS, 2008, p. 6).

Um outro fator relacionado à escolarização da literatura, destacado por Silva e Morais

(2008, p. 7), são as atividades desenvolvidas a respeito dos textos literários trabalhados que

“servem apenas como confirmação da leitura feita pelos alunos”.

As autoras concluem essa reflexão inicial, lançando mão das palavras de Paiva e

Maciel (2005), que ressaltam que precisamos escolarizar o texto literário e democratizá-lo no

espaço escolar, pois, às vezes, é esse o único a que muitas crianças têm acesso, no entanto

precisamos também preservar suas especificidades de linguagem artística.

Tratando-se do Programa Nacional de Biblioteca da Escola, as autoras apresentam

dados históricos do Programa e da Edição de 2008. De acordo com Silva e Morais (2008), a

distribuição dos livros de literatura pelo Programa, ao longo dos anos, tem sido realizada de

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diferentes formas: nos anos de 1998, 1999 e 2000, os acervos foram enviados para as

bibliotecas escolares. Em 2001, 2002 e 2003, os livros foram distribuídos às crianças, para

que elas pudessem levá-los para casa e tivessem acesso direto às coleções juntamente a seus

familiares. Essas Edições do Programa ficaram conhecidas como “Literatura em Minha

Casa”.

A partir de 2005, o Programa retomou a distribuição de livros de literatura para as

bibliotecas escolares, destinando as distribuições para as escolas públicas de 1ª a 4ª séries do

ensino fundamental. “Tal ação significou a retomada da valorização da biblioteca como

espaço promotor da universalização do conhecimento e, também, da universalização do

acesso a acervos pelo coletivo da escola” (SILVA; MORAIS, 2008, p. 7). Em 2007, dando

continuidade à proposta, os livros foram distribuídos para as escolas públicas de 5ª a 8ª séries.

Em 2008, as séries iniciais do Ensino Fundamental e as instituições de Educação Infantil

foram contempladas.

Como já mencionado, a Edição de 2008 do Programa foi a primeira que previu a

distribuição de livros para a Educação Infantil. Foram inscritos, para a seleção dos acervos,

657 títulos, de 99 editoras. Desses, foram selecionados 60 títulos para compor 3 (três) acervos

distintos, de 20 títulos cada.

Nessa edição do Programa, o recurso previsto, conforme dados divulgados pelo FNDE – Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação – é R$11.140.563,20, para atender 5.065.686 alunos matriculados em 85.179 instituições de Educação Infantil de todo o território nacional (SILVA; MORAIS, 2008, p. 9).

Com o propósito de que se tenha uma ideia da magnitude do programa, as autoras

apresentam uma tabela com dados estatísticos do PNBE, no período de 1998 a 2006. Pode-se

perceber, na leitura da tabela, a quantidade de acervos, obras e coleções que foram

distribuídas, assim como o volume de recursos que foram investidos.

O processo de seleção dos livros seguiu as exigências contidas no edital. Segundo

Silva e Morais (2008, p. 9-10),

As editoras puderam participar do processo de avaliação e seleção, inscrevendo obras de literatura voltadas para alunos da Educação Infantil e das séries/anos iniciais do Ensino Fundamental em três categorias básicas, prosa, verso e Imagem e Quadrinhos. Essas categorias apresentavam o seguinte detalhamento: textos em verso – poemas, quadras, parlendas, cantigas, trava-línguas, adivinhas; textos em prosa – pequenas histórias, novelas, contos, crônicas, textos de dramaturgia, memórias, biografias; livros de imagens e livros de histórias em quadrinhos, dentre os quais estariam incluídas obras clássicas da literatura universal, artisticamente adaptadas ao público da Educação Infantil e das séries/anos iniciais do Ensino Fundamental (item 4.3 do Edital PNBE/2008). Cada obra poderia ser inscrita para apenas um dos segmentos de ensino, contemplados nessa edição do programa e os

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editores deveriam indicar, previamente, a categoria a qual o livro estava concorrendo. Finalmente, as editoras poderiam inscrever até vinte obras, sendo no máximo doze obras por segmento.

Dos 467 livros inscritos, 364 eram textos em prosa; 114, em verso; e 59 títulos de

imagem e histórias em quadrinhos. De acordo com as autoras, esses dados permitem supor

que a produção de livros, para a Educação Infantil vem privilegiando, de forma significativa,

a prosa, o que elas consideram como positivamente.

É fundamental que a criança, na etapa da Educação Infantil - quando está começando a se inserir, de forma sistemática, no mundo da escrita -, vivencie com freqüência e intensidade o texto em prosa, para que - além de imergir no mundo do imaginário e da fantasia dos contos e narrativas, e também no mundo da informação -, vá construindo o conceito de sistema alfabético e o conhecimento dos usos e funções da escrita (SILVA; MORAIS, 2008, p. 10).

As autoras afirmam, também, que o número tão pequeno de livros inscritos na

categoria imagem as surpreende, tendo em vista que esses livros “atraem” muito as crianças

ainda não alfabetizadas ou em processo de alfabetização, possibilitam a elas uma certa

autonomia proporcionando o prazer de manusear e “ler” individualmente os livros,

dispensando a mediação do adulto por não haver escrita. Tais livros são importantes para

[...] propiciar o conhecimento das convenções do ato de leitura (entre outros, a identificação da capa de um livro, da direção do movimento de passar páginas, da postura correta para ler, do modo adequado de segurar o livro); para desenvolver conceitos e operações cognitivas que são fundamentais também para a leitura verbal (como os conceitos de título, autor, a identificação das relações entre uma imagem e outra, a percepção da estrutura da narrativa) (SILVA; MORAIS, 2008, p. 10-11).

Esperava-se também um maior número de livros inscritos na categoria verso, já que a

poesia, cantigas, adivinhas, trava-línguas têm um papel importante na Educação Infantil, pois

propiciam, nessa etapa da formação de leitores,

[...] o desenvolvimento da recepção estética e da percepção literária. Além disso, esses gêneros enfatizam o aspecto sonoro da língua, fundamental para o desenvolvimento da consciência fonológica que é a habilidade de refletir conscientemente sobre os sons da fala, indispensável à aprendizagem do sistema de escrita (SILVA; MORAIS, 2008, p. 11).

Apesar de haver um “desequilíbrio” no número de livros inscritos em cada categoria,

foram selecionados para a composição dos acervos livros das três categorias, contemplando os

diferentes gêneros de textos. Os acervos foram constituídos também obedecendo ao critério de

qualidade dos títulos: a qualidade textual, a qualidade temática e a qualidade gráfica. Um

outro critério foi a seleção de obras que “representassem diferentes níveis de dificuldade, de

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modo a atender a crianças em diferentes níveis de compreensão dos usos e funções da escrita

e de aprendizagem da língua escrita” (SILVA; MORAIS, 2008, p. 11).

As autoras expõem que, pela produção selecionada, é possível perceber concepções de

literatura que permeiam o trabalho das editoras e pistas da linha editorial de cada uma delas.

Dos 60 livros selecionados, 34 títulos foram na categoria prosa; 17 obras na categoria verso;

e, na categoria imagem e história em quadrinho, foram 9 livros. As autoras afirmam que é

possível observar uma proporcionalidade de títulos selecionados por editora, “se

considerarmos as noventa e nove editoras inscritas inicialmente é possível verificar que 37%

delas tiveram livros selecionados” (SILVA; MORAIS, 2008, p. 12), sendo as editoras

Ediouro, Saraiva e Record com mais títulos selecionados.

Segundo Silva e Morais (2008, p. 12), os títulos variaram entre os brasileiros

consagrados e a produção estrangeira recente (traduções), “essas duas variáveis [...]

possibilitam reflexões sobre as apostas editoriais e, em última instância, indicam tendências

da produção editorial brasileira para o público infantil”.

Quanto aos escritores, destaca-se Ana Maria Machado, Eva Furnari, Bartolomeu

Campos Queirós, Léo Cunha, Mariana Massarini e Guto Lins. Quanto às temáticas, se

sobressaem as que falam de bichos, que procuram aproximá-los das crianças. Predominaram,

também, temáticas que trazem a fantasia, envolvem as crianças no mundo da imaginação,

possibilitam um diálogo rico e diversificado entre literatura e realidade.

Considerando a presença dos livros de imagem entre os selecionados, as autoras

afirmam que “a presença deste tipo de produção nos acervos é um convite à participação

criativa na leitura, à interação lúdica com as ilustrações, possibilitando a ampliação das

referências estéticas e culturais” (SILVA; MORAIS, 2008, p. 13).

Os poemas demonstram ser uma aposta significativa do PNBE/2008, afirmam Silva e

Morais (2008), pois correspondem a 41,2% do total de livros da categoria versos, traduzindo,

assim, a intenção de selecionar obras que trabalhem com a subjetividade, os sentimentos e as

emoções. Livros que exploram trava-línguas, parlendas, trocadilhos e adivinhas também

foram selecionados, porém em quantidade menor que os poemas, ressaltam as autoras. Esses

tipos de textos, já disseminados na cultura popular, cumprem a função de divertir, compor

uma brincadeira, estimulam a criatividade e a imaginação, ajudam na memorização e

requerem atenção. “É necessário destacar a importância desses tipos de texto na alfabetização,

pois a manipulação das palavras, a desconstrução e a construção de outras novas, o trabalho

com as rimas, aliterações, sílabas e fonemas pode ser um bom caminho para o trabalho

ortográfico futuro” (SILVA; MORAIS, 2008, p. 14).

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Segundo Silva e Morais, as histórias tradicionais também compõem os acervos, sendo

resgatadas nas obras que fazem referência aos contos. São elas: “O rei da bigodeira”, “A bela

borboleta”, “Que bicho mordeu?”, “Os corvos de Pearblissom” e “Uma história atrapalhada”.

O caráter moralizador, próprio dos contos, não é enfatizado nessas obras, o que se pode

perceber, de acordo com as autoras, “é a presença do elemento fantástico que contraria

fortemente as leis do mundo real” (SILVA; MORAIS, 2008, p. 14).

Logo, os primeiros acervos de literatura destinados ao público infantil, no contexto do

PNBE/2008, contemplaram os diferentes gêneros textuais, propiciando às crianças a vivência

desses, além de estimular o mercado editorial a optar por novas escolhas para sua produção,

tendo em vista a interlocução realizada com outras tipologias, diferentes da prosa, colocam as

autoras, em sua análise final, quanto à constituição dos acervos.

Na última parte do trabalho, denominada “Que criança, qual literatura?”, Silva e

Morais ressaltam “a importante e necessária decisão do MEC” de incluir na Edição do

Programa de 2008, acervos de literatura destinados à Educação Infantil. “Essa decisão

obrigou as editoras interessadas em participar dessa edição a promoverem uma seleção interna

nos títulos disponíveis em seus catálogos [...]” (SILVA; MORAIS, 2008, p. 15).

Considerando-se, ainda, o recurso previsto para investimento nessa Edição do

Programa, é de se supor que o mercado editorial organizar-se-á para as próximas edições,

afirmam as autoras, adotando como referência essas primeiras obras selecionadas. Em relação

a esse fato, Silva e Morais apontam dois questionamentos que consideram como fundamentais

e “que orientam/orientarão essa política” (2008, p. 15). O primeiro deles é até que ponto é

possível construir um consenso sobre a qual criança se está referindo? De acordo com as

autoras, não se deve considerar somente as conceituações de crianças descritas nos manuais

de psicologia e de pedagogia “[...] que apresentam, muitas vezes, distinções genéricas e

idealizadas, sem os matizes impressos pelo contexto socioeconômico” (2008, p. 16). É preciso

considerar, também, esse contexto socioeconômico, pois se trata de crianças inseridas em

diferentes realidades sociais, com cotidianos e condições de vida os mais diversos. “Com isso,

queremos colocar em pauta a discussão de que diferentes estratos sociais definem um tipo de

infância e de criança [...]” (SILVA; MORAIS, 2008, p. 16).

A partir dessa perspectiva, as autoras expõem o segundo questionamento: de qual

literatura estamos falando? Elas se referem a uma literatura que considere a criança como

sujeito ativo, com direitos e deveres, que interage com o meio, produzindo significados e por

intermédio de múltiplas linguagens, que reconheça suas especificidades, seus diferentes

contextos socioculturais e o brincar como sua principal atividade. Trata-se de uma literatura

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que leva em conta que as crianças possuem experiências diferenciadas de contatos com a

leitura e a escrita, e que possa promover a ampliação dessas experiências. Enfim, “uma

literatura que permita inúmeras interações, que envolva sentimentos, valores, emoções,

ludicidade entre tantos outros aspectos” (SILVA; MORAIS, 2008, p. 16).

As autoras concluem o texto afirmando que um dos compromissos a serem assumidos

pelo governo, pelas editoras, pelas escolas e pelas famílias, ou seja, por todos, “é repensar

constantemente suas responsabilidades com a infância, não apenas como mantenedores,

produtores e transmissores mas, sobretudo, como mediadores de culturas” (2008, p. 16).

Ao final do trabalho, Silva e Morais apresentam três tabelas com os 60 (sessenta)

livros selecionados por categoria - prosa, verso, imagem e histórias em quadrinhos. Nas

tabelas constam a editora, o título do livro, o autor, o ilustrador e o ano de publicação da obra.

6.2 Os trabalhos apresentados no “Grupo de Trabalho Formação de professores” (GT

08)

O primeiro e único trabalho encontrado, no Grupo de Trabalho, sobre “Formação de

professores”, o GT 08, foi o da autora Patrícia Constâncio Werner, “A leitura e os leitores na

escola: refletindo a prática pedagógica em favor da formação de leitores”, apresentado, na 24ª

Reunião Anual da ANPEd, em 2001.

O presente trabalho objetivou analisar a relação existente entre as concepções de

leitura do professor do ensino fundamental e a sua prática pedagógica dirigida à leitura no que

diz respeito à formação de leitores “competentes”, objetivando também suscitar no professor

uma reflexão sobre sua prática.

Segundo Werner (2001, p. 1), é na escola “que os professores e alunos interagem,

vivenciando momentos de leitura”. Por essa razão, a observação e coleta de dados foram

realizadas em uma escola por meio de registros do cotidiano escolar, atentando-se para as

práticas de leitura. A escola tem aproximadamente 900 alunos matriculados no ensino

fundamental, seu nome e sua origem não foram identificados.

Questionamentos como que leituras acontecem na escola, como é feita a leitura na

escola, que movimentos provoca no aluno, qual a sua importância no contexto escolar, a

serviço do que e de quem as práticas de leitura são desenvolvidas nas escolas nortearam a

pesquisa.

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A autora pode verificar, em suas observações, que as fontes disponíveis de textos a

serem trabalhadas em sala de aula “são bastante comprometedoras no que se refere a

quantidade e sua qualidade” (2001, p. 2), considerando-se a estrutura de trabalho dos

professores, quarenta horas semanais, a estrutura econômica e escolar e as aquisições de livros

que, muitas vezes, são realizadas por profissionais que não atuam em sala de aula, associações

de pais e professores, que, “frente à necessidade de adquirir livros de literatura consideram o

valor financeiro da obra, privilegiando a quantidade possível em detrimento da qualidade

literária necessária” (WERNER, 2001, p. 3).

Em sua pesquisa, a autora buscou caracterizar os aspectos pertinentes à seleção dos

textos oferecidos em sala – seleção, como esses são introduzidos – entrando no texto, e quais

encaminhamentos dados após a leitura do texto – verticalizando a leitura. Segundo Werner,

esses três aspectos – seleção – entrando no texto – verticalizando a leitura – podem

comprometer a formação do leitor.

No que diz respeito à seleção do texto a ser trabalhado em sala de aula, esta está ainda

muito atrelada ao livro didático, aos textos que ele traz. A seleção, também, muitas vezes, dá-

se a partir do interesse do professor, que prioriza textos relacionados aos conteúdos

curriculares. Há, também, a seleção de textos em que o aspecto literário infantil é “bastante

disseminado” (WERNER, 2001, p. 4), por apresentar-se de maneira lúdica, expressiva,

estética e oferecer uma linguagem visual. De acordo com a autora, essa linguagem visual, a

ilustração, possibilita a interação do leitor com o texto literário.

Na sala de aula estes textos, muitas vezes tem um encaminhamento pedagógico voltado ao aprendizado curricular valorizado pela escola e, neste processo, há a segregação do verdadeiro significado do ato de ler. O livro de literatura infantil precisa ser tocado, folheado, admirado, analisado na sua totalidade (autoria, texto, projeto gráfico, ilustração). Lamentavelmente esta relação é pouco disseminada na escola. O texto quando é condensado, modo como se apresenta nos livros didáticos, além de perder sua originalidade, priva o leitor deste manuseio (WERNER, 2001, p. 4).

A seleção de textos e obras a serem trabalhadas, no contexto escolar, e adquiridas deve

considerar, portanto, a interação do leitor, a originalidade, os diferentes gêneros literários e

textuais, possibilitando assim o desenvolvimento do espírito crítico e seletivo.

Os textos eram introduzidos pelo professor, em ações, na sua maioria informativas, em

que ele apresentava a obra, o autor, a editora e, em alguns momentos, contava como havia

conhecido a obra e por que razão estava trazendo-a ao grupo, realizando-se a leitura/escuta do

texto.

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Quanto aos encaminhamentos dados após a leitura do texto, que a autora denomina de

“verticalizando a leitura”, esses foram nulos, pois se apresentaram de forma desarticulada, não

contribuindo para a formação do leitor. Segundo Werner (2001, p. 6) “a lógica das aulas, no

que se refere a leitura, sustenta-se nas mais variadas práticas que tem como produto a

reprodução, a cópia, a leitura dirigida, a interpretação linear e não interativa e subjetiva do

texto”.

Para Werner, a leitura que se apresenta na escola é a que podemos chamar de leitura

decodificada, a necessária para ler na escola, decodificar as atividades. As práticas escolares

não exercem a função social da leitura e impossibilitam seus educandos de perceber o

verdadeiro significado e valor da leitura. “A leitura exige ser percebida como um processo de

busca voluntária da curiosidade, do prazer e do conhecimento” (WERNER, 2001, p. 6).

Tendo como foco de estudo a formação de leitores na escola, a autora centrou-se a

condição de leitor do professor, entendendo que o professor “imprime” na sua prática

pedagógica aspectos que estão intimamente ligados a sua pessoa.

Para a realização desse estudo, criou-se um Grupo de Estudo de Leitura, em que,

diante da pesquisa realizada pela autora, os professores sentiram necessidade de estudar a

formação do leitor, em especial, as práticas pedagógicas desenvolvidas em sala de aula que

favorecem esta formação.

O grupo de estudo possibilitou a reflexão dos educadores sobre suas práticas, a leitura

e discussão de diferentes tipos de textos, a busca de teóricos que tratam do assunto e o

conflito de cada integrante com a sua condição de leitor.

Buscando conhecer as concepções, preferências e o espaço destinado à leitura dos

professores, Werner os questionou sobre o que é leitura. Em suas respostas, os professores

atrelaram a leitura à escola, como um buscar do novo, codificação de símbolos, fase mais

esperada nas séries iniciais, forma de adquirir conhecimento.

Segundo Werner (2001, p. 10), as respostas evidenciaram que “a função utilitarista da

escola, mesmo que expressa de maneira bastante sutil, ainda está impregnada nas atitudes,

falas e produções escritas dos professores”.

No grupo de estudo, também se realizou a leitura e a análise de obras de literatura

infantil, que gerou sucessivas reflexões acerca das maneiras de um texto se expressar por

meio de imagens, do literário e em seu projeto gráfico. Os professores puderam comparar as

obras originais e os textos apresentados em livros didáticos.

Quanto ao livro didático, a autora faz uma crítica:

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Estes se constituem em um material com endereçamento único (professores e alunos no cotidiano escolar) e de pouca função social. O livro didático, no que se refere à apresentação do texto e função mediadora na formação de leitores, pouco contribui. Isso se dá, entre outras razões por apresentar, na sua grande maioria, fragmentos de textos que segregam o leitor do contato com a obra completa. Recentemente (a partir de 1999) algumas editoras apresentam os textos transcritos na íntegra, entretanto, o leitor acaba por distanciar-se da leitura de imagens, diagramação e conjugação das cores e projeto gráfico, ignorando a possibilidade de diálogo entre as diferentes linguagens (WERNER, 2001, p. 11).

Em suas considerações, colocadas como inconclusivas, a autora destaca que o grupo

de estudo refletiu em mudanças nas práticas de leitura das professoras em sala de aula e

consequentemente na concepção de leitura destas, “que parecia apresentar-se sob outra ótica”

(2001, p. 13), além de possibilitar a troca de experiências e a partilha de saberes que

contribuem para a prática profissional.

Werner (2001, p. 13) ainda enfatiza a importância de se investigarem e refletirem as

práticas pedagógicas “para o redimensionamento da hegemonia que se mantém nas práticas

escolares nas mais diferentes áreas do conhecimento”.

As práticas de leitura devem formar leitores competentes, sujeitos ativos, que exerçam

seu papel de cidadãos na sociedade em que vivem, sendo o professor um mediador e

dinamizador na construção do conhecimento, ampliando e diversificando as possibilidades de

leitura de seus alunos.

6.3 Os trabalhos apresentados no “Grupo de Trabalho Alfabetização, leitura e escrita”

(GT 10)

No Grupo de Trabalho cuja temática é “Alfabetização, leitura e escrita”, o GT 10,

foram selecionados 5 (cinco) trabalhos. O primeiro trabalho selecionado foi o intitulado “Eu

quero aquele... Esse aqui não... Cenas de percepções infantis presentes na escolha do livro”,

apresentado, por Gladys Rocha, na 23ª Reunião Anual da ANPEd, no ano 2000. O objetivo do

trabalho foi identificar quais os critérios, denominados pela autora como “protocolos de

leitura”, utilizados por um grupo de crianças do segundo ano do ensino fundamental da Escola

Fundamental do Centro Pedagógico da Universidade Federal de Minas Gerais (CP/UFMG),

para a escolha do livro infantil durante o período de “leitura livre” realizado na “biblioteca de

sala”. A pesquisa objetivou, também, verificar se esses protocolos podem significar interação

com o objeto livro e se interferem ou não nas escolhas.

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A coleta de dados foi feita com base em observações participativas e a análise de

dados por meio do paradigma indiciário, que considera pistas, indícios como elementos

expressivos no trabalho.

Cabe ressaltar que, segundo a autora,

face ao contexto em que os dados foram coletados, é importante não perder de vista que a investigação dos critérios de escolha do livro, embora subsidiada por momentos de interação mais espontânea com o objeto, ocorrem no espaço intra-escolar e, portanto, num contexto de “escolarização da leitura” (ROCHA, 2000, p. 4).

A pesquisa revelou que os protocolos de leitura utilizados pelas crianças são: a

quantidade de texto, a imagem, as ilustrações, o título, os formatos dos livros ou tamanhos

diferentes e também escolhas por temas ou autores. Muitas vezes, a indicação e argumentos

do professor também ajudam na definição do livro.

No que se refere à quantidade de texto, a autora discute que tem a opção pelo livro

com menos escrita e pelo livro com muita escrita. A opção pelo texto com menos escrita

ocorre quando a criança está iniciando o processo de leitura ou deseja vencer a leitura do livro

para poder pegar outro. “Nessas duas situações o ‘menos escrito’ estaria paradoxalmente

relacionado ao ler mais” (2000, p. 5). Quando a escolha é por um livro com “muita escrita”, o

critério evidenciado é também o ler mais, que “está associado ao desafio de conseguir

‘vencer’ o texto” (2000, p. 5). Do ponto de vista de Rocha, esses dois critérios estão

associados a uma iniciação de aproximação mais independente com o objeto livro.

A partir do momento que as crianças dominam a leitura e a escrita, possibilitando a

interação com o texto escrito, os protocolos tendem a ser outros, como a apresentação do

livro, as imagens, as ilustrações que lhes chamam atenção. A escolha pela ilustração,

considera também o título, visto que esses dois protocolos constituem a capa do livro.

Outro protocolo, como já mencionado, é o formato dos livros, pouco comuns, sendo

diferenciais dos demais, tornando-se mais atraentes.

Algumas crianças, por demonstrarem “uma maior intimidade com esse objeto

cultural” (ROCHA, 2000, p. 8), o livro, realizaram suas escolhas pelo tema, como histórias de

medo, assombração, ou pelo autor, solicitando livros do Ziraldo. Rocha alerta que a escolha

pelo tema ou pelo autor da história, não desconsidera os outros protocolos, e, sim, que a união

desses também influenciaram na escolha do livro.

O último protocolo levantado pela autora é o discurso do professor, a mediação

realizada por ele na formação do leitor, criando condições para que o aluno elabore uma

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reflexão crítica acerca dos protocolos de leitura por ele estabelecidos, pois, muitas vezes, ele

“descarta” um livro por seu título ou sua ilustração, sem conhecer seu conteúdo.

Rocha (2000, p. 8-9), a partir de suas observações, concluiu que,

[...] no processo de seleção do livro a ser lido, o pequeno leitor vivencia um movimento qualitativo em relação ao repertório de protocolos que circunscrevem suas escolhas. [...] os protocolos de leitura instituídos pelos pequenos leitores vão sendo ampliados e vão tornando-se mais complexos através do contato que estabelecem com esse objeto cultural.

De acordo com a autora, esses protocolos instituídos pelas crianças não podem ser

tomados como critérios excludentes, mas como subsídios que justificam e caracterizam as

opções das crianças por determinado livro e que podem contribuir para uma compreensão dos

modos pelos quais elas estabelecem suas escolhas.

“A literatura e suas apropriações (insubmissas) por leitores jovens”, de Maria Zélia

Versiani Machado, foi o segundo trabalho localizado no GT 10. Foi apresentado, em 2002, na

25ª reunião Anual da ANPEd.

O trabalho é apresentado como uma pesquisa realizada, durante o ano 2000, que trata

da relação literatura/escola a partir da análise das práticas de leitura literária e dos modos de

apropriação das obras, por leitores jovens de duas escolas de Belo Horizonte, uma pública e

uma particular, que desenvolvem o projeto Giroletras (no texto não é discutido a origem ou os

objetivos do projeto).

As análises foram realizadas por intermédio de três instâncias de socialização da

leitura literária no contexto escolar, sendo o processo de mediação das bibliotecárias, das

professoras e de seus instrumentos didático-pedagógicos, na abordagem literária, e o Projeto

Giroletras em sua relação com os leitores.

Segundo a autora, com o intuito de compreender a relação entre literatura e escola, a

pesquisa “traça” o mapeamento histórico de constituição do campo da literatura, para jovens,

no Brasil, e do seu ensino, sob a perspectiva da modernidade. Perspectiva esta que tem como

escritor Monteiro Lobato, principalmente no campo da literatura infantil e juvenil. Lobato é

tido como o divisor de águas da produção infanto-juvenil no Brasil, por inovar em suas obras,

respeitando “inteligência e inventividade de crianças e jovens” (MACHADO, 2002, p. 2),

visto que as obras que predominavam eram da literatura portuguesa e obras traduzidas.

Duas perguntas principais orientaram a pesquisa: Que livros de literatura os jovens

escolhem? Como os jovens leem os textos que escolhem?

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A coleta de dados foi realizada por meio de registros de atividades das aulas e

entrevistas com os alunos e professores.

A autora concluiu ressaltando a importância da compreensão da leitura literária como

faceta do amplo domínio das práticas de leitura em nossa sociedade, tendo em vista que, na

infância e na juventude, tais práticas se efetivam quase exclusivamente na escola e podem, a

partir dela, projetar-se para o universo familiar dos alunos e propiciar experiências,

descobertas, transformações.

Cabe ressaltar que Machado somente introduz sua pesquisa, o texto se restringe a

apresentar os aspectos metodológicos da pesquisa. A autora não faz nenhuma referência aos

resultados da mesma.

O terceiro trabalho localizado no GT 10 que traz contribuições para se pensar a

literatura infantil foi apresentado, na 27ª Reunião Anual da ANPEd, no ano de 2004. O título

do trabalho é “Literatura infantil e escola: o papel das mediações”, escrito por Maria Luiza

Oswald e Andreia Attanazio Silva.

O texto traz um recorte de uma investigação realizada, que teve como objetivo

descobrir o que ocorre no espaço escolar que favorece a relação da criança com a literatura

infantil. A pesquisa foi desenvolvida numa escola pública de Educação Infantil do Município

do Rio de Janeiro. Essa escola foi selecionada entre outras quatro indicadas pela 2ª

Coordenadoria Regional de Ensino (CRE), pelo trabalho que desenvolvia com a literatura

infantil.

As autoras (2004, p. 1) afirmam que foram duas as motivações que as levaram ao

estudo:

[...] primeiramente o reconhecimento de que a literatura, ao lado de outras produções culturais para a infância, pode favorecer a experiência da infância [...]. A outra motivação foi relativa à constatação de que, pelo menos no momento da redação do Projeto de Pesquisa, havia poucos estudos voltados à investigação empírica da relação entre literatura e escola.

A esse respeito, Oswald e Silva ressaltam que consultaram um levantamento da

produção científica sobre Educação Infantil apresentada no período de 1900 a 1996, realizado

por Eloísa Candal Rocha9, em que se constatou que, do total de 371 trabalhos, apenas três

faziam referência no título à literatura infantil.

9 O título desse trabalho é “A pesquisa em educação infantil no Brasil: trajetória recente e perspectivas de consolidação de uma pedagogia”.

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Para a concretização da investigação, foram realizadas semanalmente, durante nove

meses, observações das práticas dos professores, além de entrevistas com crianças,

professoras e direção da instituição.

Ao longo de todo o texto, as autoras relatam o trabalho desenvolvido na referida

instituição, que favorecia a relação da criança com a literatura infantil. O trabalho possibilita a

reflexão sobre o modo como proporcionamos experiências para valorização dessa linguagem

e disponibilizamos os livros às crianças.

Ao chegarem à escola, o que lhes primeiro chamou atenção foi a estrutura física, o

ambiente e a disposição dos espaços. A instituição é um casarão branco, na qual, em cima da

porta principal, consta o nome da escola precedido da inscrição “Jardim de Infância”. As salas

são grandes, cada uma pintada de uma cor, o mobiliário é adaptado ao tamanho das crianças,

há estantes com brinquedos, material escolar e livros dispostos ao alcance das crianças, há

cantinhos de leitura, as paredes têm pinturas, o saguão de entrada mais parece uma sala de

estar, com sofás e mesas dispostos de forma que dá vontade de sentar e conversar, relatam

Oswald e Silva.

Observamos que as crianças fazem isso com a maior naturalidade. Vimos várias delas, sentadas ali, e até deitadas entre as almofadas, tranquilamente sem serem interpeladas por nenhum adulto. [...] Se eu tivesse, nesse primeiro momento, que caracterizar o que vi, diria que esse é um ambiente propício a fazer as crianças felizes (OSWALD; SILVA, 2004, p. 3).

Segundo as autoras, a “Sala de Leitura” está localizada entre o saguão de entrada e o

pátio, o que faz desse espaço um caminho quase que obrigatório e com que as pessoas

transitem por ele. “[...] a Sala de Leitura, acaba se transformando, contrariamente ao que se vê

em outras escolas, em um espaço aberto e facultativo ao público, favorecendo o encontro de

crianças, professores, demais profissionais e responsáveis com os livros” (OSWALD; SILVA,

2004, p. 3). Acrescento a essa afirmação das autoras o encontro com os familiares e

responsáveis pelas crianças.

Assim como na “Sala de Leitura”, os livros de literatura infantil ficam à disposição no

saguão da escola, espaço este também de circulação constante de pessoas. Dispostos, numa

grande mesa, juntamente com produções das crianças, os livros são renovados por professores

e crianças. Oswald e Silva conferem a essa grande mesa o sentido de mesa de banquete, na

qual os livros estão à mesa e pode-se chegar e servir-se. Essa analogia é estabelecida pelas

autoras pelo fato de esses livros estarem à mesa, fora dos espaços escolarmente

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convencionados para se guardar livros, sugerindo que descontextualizassem a mesa de seu

significado escolar.

As autoras puderam observar, durante o período que ficaram na instituição, que os

responsáveis por levar ou pegar as crianças, enquanto as aguardavam, folheavam os livros e

apreciavam as produções à mostra, alguns demonstrando interesse e outros passando

rapidamente os olhos, como uma alternativa para ajudar o tempo a passar. “De uma forma ou

de outra, a exposição de livros para crianças logo à entrada da escola nos pareceu um convite

ao encontro de crianças e adultos com a literatura infantil” (OSWALD; SILVA, 2004, p. 4).

Do mesmo modo que os adultos, as crianças também usufruíam deste espaço,

pegavam os livros, folheavam, abriam e olhavam as suas capas.

A instituição de Educação Infantil, segundo as autoras, desenvolvia um projeto

chamado “Lendo e Escrevendo com Alegria”, que era organizado da seguinte maneira:

[...] em cada uma das seis salas de aula circulam três sacolinhas com a cor respectiva da sala, marcadas com o título Sala de Leitura. Dentro de cada sacola há um livro de literatura infantil, um brinquedo que corresponde a um dos personagens da história e um caderno de desenho meia pauta, cuja capa reproduz a capa do livro. Todas as quintas ou sextas-feiras, as sacolas são distribuídas entre três crianças de cada turma e levadas para casa para que pais ou responsáveis leiam as histórias para as crianças e registrem no caderno as impressões da leitura, devolvendo o kit (sic) na segunda-feira (OSWALD; SILVA, 2004, p. 6).

Oswald e Silva expõem que o objetivo inicial do Projeto, denominado originalmente

de “Escrevendo com alegria”, era evidenciar a função social da escrita, utilizar a literatura

infantil para, por meio do caderno, mostrar às crianças que tudo que vivemos, falamos, pode

ser registrado pela escrita. No entanto, esse objetivo acabou ficando em segundo plano, pois o

projeto passou “a promover não só o encontro dos pais e das crianças com a leitura, mas o

encontro entre pais e crianças mediado pela leitura” (OSWALD; SILVA, 2004, p. 6), como

demonstram os depoimentos de algumas mães registrados no caderno e apresentados pelas

autoras.

De acordo com as autoras, esses depoimentos eram socializados com as crianças nas

rodas de conversas que aconteciam em sala, enriquecendo as trocas entre as crianças e

estimulando-as a levar os livros para casa, contribuindo também para a formação de leitores.

O ato de ler ou contar histórias para as crianças é fundamental para a construção do

gosto pela literatura infantil, tendo em vista que as crianças pequenas ainda não têm a

autonomia da leitura, é preciso que alguém desvele para elas o que há por “trás das letras”.

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Foram vários os depoimentos que apontaram para isso. Indagadas se gostavam desse ou daquele livro, e porque, inúmeras crianças responderam que sim porque “minha mãe leu pra mim”. [...] Quando lêem as histórias para as crianças, os adultos as instigam a fazer parte da trama e, assim, a continuar a história que está sendo contada. Desse modo, estabelece-se uma coletividade (pais, filhos, autores) em que, transformados em ouvintes-narradores, todos se tornam receptivos às histórias uns dos outros, o que pode levar a leitura a se transformar em produção de cultura (OSWALD; SILVA, 2004, p. 7).

Oswald e Silva relatam, também, que o contato diário das crianças com o texto literário

infantil, na “Sala de Leitura”, dá-se principalmente a partir do que convencionamos chamar de

“rodas de leitura”, aonde as crianças vão para ouvirem as histórias a serem contadas ou lidas

pelos professores e para realizarem as atividades propostas após a contação, e, nas salas de

aula, as crianças têm mais liberdade para escolherem os livros e os modos de “lê-los”.

No entanto, as autoras afirmam que as observações evidenciaram que apenas ler as

histórias não é suficiente, “é preciso lê-las como quem conta” (2004, p. 8). Ao ler uma

história, é preciso “prender” a atenção das crianças, envolver-se e relacionar-se com a

narrativa, aplicando recursos corporais, recursos da comunicação oral, mudando o ritmo e o

tom da voz. É preciso que a criança participe da narração, que sejam feitos questionamentos e

que eles sejam permitidos. É preciso que haja interação entre professores e crianças, crianças e

história, crianças e crianças, pois assim elas estarão recriando as histórias, fazendo arte e

criando cultura.

As autoras ainda afirmam que algumas crianças escolhem os livros e que demonstram

o porquê de sua preferência por este ou aquele, evidenciando um olhar crítico, seletivo, uma

afinidade com literatura infantil.

Destacam que não foram somente coisas boas e interessantes que observaram sobre o

trabalho com a literatura infantil, porém foi preciso reinterpretar muitas atitudes, que haviam

rotulado de didatização da literatura infantil, como mediação. Mediação esta que pode

favorecer o estreitamento das relações da criança com a literatura infantil. As autoras não dão

exemplos dessas situações.

Oswald e Silva concluem o texto dizendo que o que o estudo apontou foi um caminho,

dentre outros, que pode levar crianças e professores ao encontro com a literatura infantil, e

que as mediações apresentadas e relatadas da pesquisa de campo, “não podem ser

transformadas num roteiro fechado de viagem, mas podem ser encaradas como pistas para se

inventar a relação entre literatura infantil e escola que precisam ser lidas como histórias que

podem ser continuadas, modificadas, enriquecidas” (2004, p. 12).

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O trabalho intitulado “A narrativa oral e escrita das crianças na fase inicial da

alfabetização: reflexões sobre uma atividade de ensino”, foi o quarto trabalho localizado no

GT 10. Ele foi apresentado por Lilane Maria de Moura Chagas, na 31ª Reunião Anual da

ANPEd, realizada em 2008.

O texto do trabalho, segundo Chagas (2008, p. 1), “é um recorte de uma tese de

doutorado e circunscreve-se no campo da Linguagem e Educação, especificamente no campo

da didática, tendo como eixo as atividades de ensino da língua materna”. A autora afirma que

essas atividades de ensino são compreendidas como uma “singularidade que encontram seu

sentido em uma concepção de linguagem e de atividade humana”. A linguagem é considerada

como uma característica fundamental do ser humano e como uma forma de estabelecer

comunicação com o mundo e com os outros. A atividade humana é tida como essencial no

“processo de apropriação do mundo, na reprodução e produção dos sujeitos singulares e da

sociedade como um todo” (2008, p. 1).

Ao longo do trabalho, a autora apresenta a análise e as reflexões teóricas de uma

atividade de ensino desenvolvida com crianças de uma primeira série do ensino fundamental,

que mostrou o trabalho com narrativas. Essa atividade foi observada, nas aulas de língua

materna, durante o período em que se realizou a pesquisa, e “permitiu compreender o lugar

que as narrativas, orais e escritas, ocuparam no movimento das atividades de ensino da língua

materna” (CHAGAS, 2008, p. 1).

Inicialmente, Chagas expõe a concepção da categoria narrativa que embasa seu

trabalho. A autora ressalta que a intenção “é realizar uma aproximação à categoria narrativa

com o intuito de entendê-la circunscrita ao campo da educação, com um recorte nas atividades

de ensino que destacam ou privilegiam o trabalho com a narrativa no ensino da língua

materna” (2008, p. 1-2).

Na concepção de linguagem e atividade humana exposta pela autora, compreende-se

que toda atividade humana envolve a linguagem, oral ou escrita. Partindo-se desse

pressuposto, tem-se a narrativa. De acordo com Chagas (2008, p. 2), “a narrativa é uma

realização da linguagem como uma mediação e um elemento fundamental para a atividade

humana”. Por meio das narrativas nós nos constituímos, manifestamos e comunicamos

acontecimentos de nossa vida, de nosso cotidiano. Desse modo, as narrativas se produzem, na

comunicação cotidiana, na necessidade de o homem comunicar algo.

No entanto, fundamentando-se nas idéias de Segre (1989), a autora expõe ainda que as

narrativas também se orientam para a artificialidade, isto é, quando o que é comunicado são

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acontecimentos inventados, em que não se confere uma intenção imediata, e a narração é

retirada do contexto do cotidiano. Estas narrativas tem uma relação com a narrativa literária.

As narrações que se produzem, na comunicação cotidiana, dão origem aos textos

narrativos, e esses são formas básicas globais importantes da comunicação textual, afirma

Chagas (2008). Os textos narrativos além de se referirem às narrações cotidianas, apresentam-

se também como os mitos, os contos populares, as lendas e as narrações literárias.

Chagas aponta que uma característica do texto narrativo é o significado especial que

lhe é atribuído por quem o narra, acrescentando-lhe uma emoção, uma forma interessante de

narrar, “buscando provocar no ouvinte uma reação também significativa” (2008, p. 4).

Encerrando essa discussão inicial, Chagas (2008, p. 4) afirma que “as narrativas

cotidianas, canônicas, simples, compõem não somente nossa própria constituição de seres

sociais, senão também, ao colocar-nos em comunicação com os outros, introduzem novas

formas de compreensão”.

Partindo dessa perspectiva, a autora relata que uma das perguntas que perpassou a

observação e o registro das aulas, no momento da coleta de dados na pesquisa, foi a de “como

as professoras organizaram e propuseram as atividades de ensino em que as narrativas

literárias e cotidianas se manifestaram ou não?” (2008, p. 4).

Segundo Chagas, a escola em que se realizou a pesquisa tem como prática

desenvolver, durante todo o ano letivo, uma determinada temática que é definida pelos

professores, considerando-se a necessidade e os motivos que eles possuem. Essa temática

deve perpassar as diversas áreas do conhecimento e cada professor, de acordo com as

peculiaridades de sua turma, “encaminha suas atividades de ensino buscando um tratamento

didático que contemple a complexidade e dinâmica da temática” (CHAGAS, 2008, p. 5).

O tema desenvolvido, no momento da pesquisa, era a água. Chagas relata que a

professora da turma, na qual realizou as observações, ao planejar suas atividades teve que

considerar dois aspectos: um era a temática água, norteadora de todo o trabalho a ser

desenvolvido durante aquele ano; e o outro era o ingresso “de mais de uma criança portadora

de necessidades especiais” (CHAGAS, 2008, p. 5) na sala. Portanto, a professora teve de

início o desafio de, em seu planejamento, contemplar o tema central selecionado e a

integração das crianças portadoras de necessidades especiais ao grupo de crianças.

Segundo Chagas, logo a professora percebeu que esses dois aspectos possibilitavam

explorar outros temas, como o respeito às diferenças, a igualdade de direitos, a escassez e

poluição da água, entre outros.

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Para relatar o trabalho desenvolvido, Chagas apresenta durante o texto, trechos das

entrevistas que realizou com a professora, em que ela narra as suas propostas e intenções para

as aulas.

No primeiro dia de aula, a professora realizou uma dinâmica com os nomes das

crianças, o que permitiu que elas se apresentassem. De acordo com a entrevista da professora,

a intenção de realizar essa dinâmica era também de trabalhar os nomes. A autora argumenta

que essa foi uma estratégia que permitiu à professora perceber, nesse primeiro contato, como

as crianças estavam em relação à leitura e à escrita, quais já identificavam as letras de seu

nome ou quais já liam seu nome. Chagas (2008, p. 6) afirma que “as crianças ao chegarem à

escola já possuem certos conhecimentos acerca da língua materna decorrentes das práticas

sociais mediadas pela linguagem escrita das quais participou e participa”.

A respeito da linguagem escrita, Chagas apresenta, nas palavras de Rego (1995), que o

domínio dessa linguagem promove modos diferentes de pensar, de se relacionar com as

pessoas e com o conhecimento. Por meio da escrita, podemos registrar informações, organizar

ações e ter um outro tipo de acesso ao patrimônio da cultura humana pelo o que se encontra

registrado nos livros.

Dando continuidade a sua atividade de ensino, a professora conta que, na segunda

semana de aula, buscando contemplar os dois aspectos de seu planejamento, propôs a turma

assistir ao filme “Procurando Nemo”, em que o personagem Nemo tem uma nadadeira

deficiente e isso possibilitaria abordar questões relacionadas às diferenças. Segundo Chagas

(2008, p. 7), “com o filme ‘Procurando Nemo’, a professora possibilitou às crianças acesso a

uma narrativa com outro suporte, diverso do suporte livro. E, ao fazer isso, possibilitou pensar

sobre o diálogo entre a linguagem visual e a linguagem verbal”.

Após a exibição do filme, a professora apresentou ao grupo um Nemo de pelúcia que

passou a frequentar a casa de cada criança. Todos os dias, as crianças relatavam oralmente o

que o Nemo havia feito na casa delas. A história do Nemo motivou as crianças a se

expressarem, e a materialização do personagem, no boneco de pelúcia, constituiu-se em um

recurso didático que provocou a produção narrativa oral das crianças, a partir do momento

que elas conviviam um tempo com o Nemo e relatavam oralmente o que ele havia realizado,

ressalta Chagas.

As histórias das próprias crianças eram mescladas com as de Nemo, como se estivessem “mergulhados na águas”. Nesse movimento, o Nemo tornava-se um “ser vivo” para cada uma das crianças, portanto, ele também participou de todos os acontecimentos dentro e fora da escola. Aqui se ressalta a importância de que cada

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criança conte sua própria história na sala de aula, ainda que seja através de personagem mediador como Nemo (CHAGAS, 2008, p. 9).

A autora aponta que, ao narrarem suas histórias, “as crianças estão dizendo seu mundo

para o outro que, ao ouvir, reelabora o que escuta e pode atuar com quem e com aquilo que

ouviu, produzindo significação [...]” (2008, p. 9). Chagas aponta, ainda, que a narrativa oral

possibilita ao professor aprender sobre a cultura da criança e conhecer sua diversidade.

Além da narrativa oral, que possibilitava a cada criança contar as histórias vividas com

Nemo, Chagas expõe que a professora propôs outra “ação didática”, o trabalho com a

linguagem escrita. A professora relata que, no segundo mês, veio a proposta de registrar por

escrito o que o Nemo fazia quando visitava a casa de cada criança. Esse processo de registro

por escrito foi denominado de “O Nemo na minha casa” e resultou na produção de um livro.

A professora ressalta que o intuito era trabalhar com o Nemo apenas no primeiro semestre, no

entanto devido a sua repercussão junto às crianças, deu-se continuidade ao trabalho até o final

do ano.

Os registros das crianças manifestaram a fantasia numa relação com a realidade, além

de permitir à professora que apreendesse suas rotinas cotidianas, pois, em seus registros, as

crianças narraram que o Nemo sofreu um acidente, teve que ficar de repouso, almoçou,

assistiu à TV, dormiu. As narrativas escritas, segundo Chagas, revelaram, também, a relação

das crianças com a prática da narração de histórias, fora do contexto escolar. “Essas narrativas

das crianças ilustram que elas contam histórias do que viram e viveram e, ao mesmo tempo,

assumem o papel de narrador e contam para Nemo outras histórias” (CHAGAS, 2008, p. 13).

De acordo com Jobim (1994, apud CHAGAS, 2008, p. 13),

[...] a criança, ao inventar uma história, retira os elementos de sua fabulação de experiências reais vividas anteriormente, mas a combinação desses elementos constitui algo novo. A novidade pertence à criança sem que seja mera repetição de coisas vistas ou ouvidas. Essa faculdade de compor e combinar o antigo com o novo, tão facilmente observado nas brincadeiras infantis, é a base da atividade criadora no homem.

Em suas palavras finais, Chagas afirma que as intenções educativas para a atividade de

ensino descrita puderam tornar-se “conteúdo concreto”, à medida que a professora foi

planejando “uma série de ações que possibilitaram compartilhar significados e aprendizados

de fala / escuta das diversas vozes que ecoavam no partilhar das histórias” (2008, p. 14).

Outra questão mencionada pela autora é que, ao motivar as crianças a produzirem

narrativas orais e escritas, a professora possibilitou a elas a apropriação de algumas

habilidades necessárias no início do processo de alfabetização. Chagas também destaca a

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intencionalidade do desenvolvimento da atividade, sob o ponto de vista de que a sala de aula é

um espaço em que é preciso ter objetivos e planejamento por parte do professor com a turma.

Por fim, Chagas afirma que a professora criou condições para que as crianças

produzissem as narrativas, compreendendo-as como fenômeno social da interação verbal, nas

suas formas orais e escritas, favorecendo o ensino e a aprendizagem da língua materna.

O quinto e último trabalho encontrado no GT 10, foi o intitulado “A narrativa verbo

visual e seu processo de significação”, apresentado por Flavia Brocchetto Ramos, na 31ª

Reunião Anual da ANPEd, realizada em 2008.

Qual é o lugar da literatura na escola? Qual é o papel da literatura na formação da

criança? O que o estudante brasileiro lê e como lê? Essas são questões que, segundo a autora,

se colocam quando observados os resultados de avaliações como as do SAEB (Sistema de

Avaliação da Educação Básica), Prova Brasil e PISA (Programa Internacional de Avaliação

de Alunos), as quais vêm apresentando índices insatisfatórios de aproveitamento escolar.

Diante disso, Ramos (2008, p. 1), afirma ser “necessário, além de investigar causas do

insucesso escolar, propor alternativas que possam contribuir para uma mudança no quadro”.

Segundo a autora, foi com o intuito, de atuar nesse cenário que se desenvolveu a pesquisa “A

produção de sentido e a interação texto-leitor na literatura infantil”. A pesquisa estuda a

leitura infantil enquanto fenômeno construído pelo leitor a partir da sua interação com a

ilustração, com a palavra e das linguagens entre si na narrativa verbo-visual.

Para tanto, o trabalho analisou a fala de cinco crianças que cursam a terceira série do

ensino fundamental, de uma escola de classe média baixa, da periferia de Caxias do Sul, com

as quais, foram realizadas entrevistas que objetivaram identificar o modo como esses sujeitos

leem e, por meio da análise, buscar os fatores que podem favorecer o desenvolvimento da

competência leitora em crianças das séries iniciais do ensino fundamental.

De acordo com Ramos (2008), as entrevistas aconteceram da seguinte maneira: no

primeiro momento, foi exposta a finalidade do encontro e questionado aos estudantes sobre

sua relação com a leitura, envolvendo aspectos como o acesso aos livros, o local e o horário

para a leitura, as concepções de livro e de literatura, os títulos lembrados, entre outros. Num

segundo momento, foi apresentada uma obra infantil para que os alunos a lessem. Por fim, os

alunos falaram sobre a narrativa lida, revelando os sentidos atribuídos à obra – personagens,

conflito, tempo, espaço, enredo e desfecho, entre outros aspectos – a partir da interação com

os códigos lingüístico e visual.

A obra infantil apresentada às crianças foi “Ah, cambaxirra, se eu pudesse...”, escrita

por Ana Maria Machado e ilustrada por Graça Lima (2003). Ramos (2008, p. 6) expõe que a

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“obra possibilita ao leitor refletir sobre as relações de poder que se estabelecem em uma

sociedade e faz uma apologia à coragem, à persistência, através da atuação da cambaxirra”.

As análises das entrevistas evidenciaram, segundo Ramos (2008, p. 12), que

Os modos de ler referem-se à peculiaridades da experiência de leitura dos sujeitos, mesmo estando todos freqüentando a mesma série, ter estudado sempre na mesma escola. As crianças analisam e leem a obra como um todo (linguagem verbal e pictórica.) No entanto, quando questionadas, muitas vezes negam a importância da ilustração, revelando a hipótese de que apenas as palavras podem ser “lida”. Muitas vezes, as crianças não atribuem significado a aspectos observados na ilustração que contribuiriam para a compreensão do texto. Outras vezes, elas nem chegam a observá-los.

Este fato, segundo a autora, talvez seja resultado da postura dos professores que, na

escola, “dão ênfase à linguagem verbal, menosprezando a ilustração” (RAMOS, 2008, p. 13).

As crianças evidenciaram, pois, uma tendência em ler para aprender – “valores e normas de

conduta”, conhecimentos relacionados a conteúdos escolares - o que constitui um reflexo da

concepção de literatura infantil como instrumento de ensino, disseminada nos ambientes

escolares e familiares, argumenta Ramos (2008).

A autora conclui, afirmando que a “literatura é arte e literatura infantil, texto onde

convivem duas linguagens, a visual e a verbal, é uma manifestação artística cujos sentidos se

efetivam pela interação dessas, fato que pode tornar ainda mais denso o processo de leitura”

(RAMOS, 2008, p. 13).

6.4 Os trabalhos apresentados no “Grupo de Estudo Educação e Arte” (GE 01)

“A linguagem da literatura como encantamento na escola”, de Aurélia Honorato, foi o

primeiro trabalho selecionado neste grupo de estudo. O trabalho foi apresentado em 2007 na

30ª Reunião Anual da ANPEd. Trata-se de um texto que compreende parte da dissertação de

mestrado intitulada “As experiências com literatura nos relatos das crianças: abrindo espaços

de narrativa”.

O trabalho contempla uma pesquisa realizada com crianças, porém ressalta-se que a

autora não indica a faixa etária das crianças nem o contexto escolar no qual estão inseridas.

Honorato (2007, s/p) apresenta a literatura como “palavra que induz leitura, que

conduz à linguagem, que seduz. Não se pode falar de Literatura, uma linguagem da arte, sem

encontrar emoção, vida, experiência, significados, histórias, encantamentos... sonhos... leitura,

leitor...”.

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Entendendo a literatura como uma linguagem da arte, a autora questiona onde fica a

dimensão estética e poética dessa linguagem, tendo em vista que nos espaços educacionais,

muitas vezes, ela esta sendo reduzida a sua dimensão pedagógica.

Por realizar sua pesquisa com crianças e sobre literatura, Honorato expõe seu interesse

em saber como a literatura infantil chegou a ser o que é, com que necessidade surgiu e qual a

sua dimensão na vida das crianças. Esses interesses a levaram a pesquisar sobre o surgimento

da literatura para as crianças e delinear, em seu trabalho, a história da literatura infantil, o seu

surgimento e a produção no Brasil, baseando-se na concepção e nas obras das autoras Aguiar

(2001), “Era uma vez na escola... Formando educadores para formar leitores”; e Lajolo e

Zilberman (2004), “Literatura Infantil Brasileira: história e histórias”.

Em linhas gerais, Honorato (2007) expõe que a literatura infantil surgiu em meio à

industrialização e modernização da sociedade, que acarretou modificações nos modos de

organização das famílias da época. Foi quando a criança passou a deter um novo papel na

sociedade e o ensino veio a ser obrigatório, tornando-se a literatura aliada da escola,

atribuindo-se a ela caráter didático.

Com o aperfeiçoamento da tipografia e a expansão da produção de livros proliferam-se os gêneros literários que vão se adequando à situação recente, enquanto a literatura infantil, que pressupõe capacidade de leitura das crianças, se torna aliada da escola. Isto aciona um circuito que coloca a literatura infantil, de um lado, intermediária entre a criança e a sociedade de consumo que se impõe aos poucos; e de outro, como adepta da ação da escola, a quem cabe promover e estimular como condição de viabilizar sua própria circulação (HONORATO, 2007, s/p).

No Brasil, o surgimento da literatura infantil deu-se próximo à Proclamação da

República, momento em que acontecia a urbanização causada pela industrialização. Segundo

Honorato (2007, s/p), a escola exercia um papel fundamental na transformação da sociedade

rural em urbana, pois a ela era confiada a educação das crianças, “[...] é entre os séculos XIX

e XX que a literatura brasileira abre espaço para a produção didática e literária dirigida em

particular ao público infantil”.

Considerando todo o percurso da história da literatura infantil, a autora expõe as

questões que norteiam sua pesquisa, sua investigação: “a escola promove uma literatura

carregada de significados para as crianças, ou só ‘utiliza’ os livros e as histórias como recurso

pedagógico? A escola está consciente de que é um espaço de cultura, além de espaço de

conhecimento formal? Ela percebe que os conhecimentos que nós produzimos podem ser de

caráter científico mas também de caráter estético?” (HONORATO, 2007, s/p).

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Ao expor esses questionamentos, Honorato (2007, s/p) discute a pedagogização do

texto literário, ela afirma que,

Depois que a escola incorporou a literatura infantil, supôs-se que todas as crianças passariam automaticamente a ler e a gostar de ler. Só que esta literatura, ao invés de vir acompanhada de prazer, de deleite, de descoberta e encantamento, veio acompanhada de dever, de tarefa a ser cumprida [...]. Começaram, então, a aparecer as obrigações: interpretação para avaliação, produção a partir da leitura – sem contar o fato do livro ter sido indicado e não escolhido pela própria criança. Estes elementos mostram o esvaziamento do caráter estético em detrimento da dimensão pedagógica.

Segundo Honorato (2007, s/p), a escola deveria trabalhar com as possibilidades que

constituem a literatura, ou seja, “com as emoções que ela provoca, as sensações que ela

mobiliza, o medo que ela desencadeia, as janelas que abre, as portas que fecha”. Assim,

estaria possibilitando as crianças desenvolver seu potencial crítico.

A pesquisa foi desenvolvida com crianças, como já foi dito, e buscou investigar sobre

suas experiências com a literatura a partir de suas falas. “Falas estas que surgiram,

principalmente, em momentos de atividades manuais e que objetivavam abrir espaços de

narrativa. Narrativa aqui considerada como uma instância intermediária entre o imaginário e

a cultura (GIRARDELLO, 1998)” (HONORATO, 2007, s/p).

Quando questionadas sobre o conceito de literatura, muitas crianças rapidamente

responderam não saber o que é, nem sequer pararam para pensar, o grupo aparentava estar

ansioso em querer saber o que viria depois e o que teria de novidade, afirma a autora. “É

muito perceptível nestas crianças uma urgência de informação, uma veloz necessidade de

terminar para começar outra coisa” (HONORATO, 2007, s/p).

Honorato (2007) afirma que, quando instigadas a respeito do questionamento, as

crianças comentavam que literatura é “ler livro”. Com o intuito de observar qual o repertório

de histórias que as crianças possuíam, Honorato solicitou, em um de seus encontros com as

crianças, que elas trouxessem um livro de histórias que tivessem em casa ou na escola.

Segundo a autora (2007, s/p),

Apareceram gibis e livros de coleções ilustradas, de baixa qualidade literária, nas quais as histórias clássicas são resumidas ao máximo, perdendo seu caráter estético e poético. Livros consumíveis, que não trazem os clássicos originais, mas sim compilações que permitem a produção em série de baixa qualidade. São produções culturais feitas para crianças, as chamadas produções culturais infantis que servem para atingir uma fatia de mercado que está cada vez mais em alta na sociedade contemporânea.

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De acordo com Honorato (2007), a maioria das crianças que participaram da pesquisa,

disseram gostar de histórias, mesmo que nem todas gostassem de ler, e que, na escola, às

vezes, a professora contava uma história “de cabeça” ou quando já haviam concluído as

atividades ou estavam “sem fazer nada” a professora deixava que pegassem um livro.

Honorato (2007, s/p) chama a atenção para esse fato, apontando que,

Nesta situação, o livro aparece como um prêmio pelo “bom comportamento”, ou para que se comportem enquanto não vem uma nova proposta que substitua a leitura iniciada. [...] a leitura de histórias pela criança não parece ter um valor em si, mas como atividade calma e silenciosa, como passatempo.

Durante os encontros, Honorato (2007, s/p) ressalta que foi possível perceber que as

crianças faziam distinção entre a literatura apresentada na escola e a literatura fora dela, no

entanto “é forte a percepção de que para a maioria delas, livro-leitura-escola são sinônimos de

obrigação”.

O desafio da escola reside no fato de ter que favorecer o gosto pela literatura, é preciso

garantir que a literatura seja significativa para as crianças, que a relação com os livros e com

as histórias seja sem obrigações, sendo assim, segundo a autora, “[...] mais possibilidades

terão de se apaixonar pela cultura, pela vida, pela história do mundo, pela arte que a literatura

nos traz” (HONORATO, 2007, s/p).

O segundo trabalho localizado foi “Narrativas de histórias: uma experiência com

crianças em processo de alfabetização e letramento”, apresentado, em 2008, na 31ª Reunião

Anual da ANPEd, por Rosilene de Fátima Koscianski da Silveira.

O trabalho é sobre um artigo originário da dissertação de mestrado da autora, que teve

como finalidade refletir a contribuição da literatura no processo de alfabetização e letramento

da criança, tomando-a “enquanto canal de experiência estética e poética na formação do

leitor/autor” (SILVEIRA, 2008, p. 1). Segundo a autora, a pesquisa, em sua base teórica,

considera autores que entendem a linguagem como fundamental na construção dos sujeitos e a

criança como ator social que produz cultura.

Silveira ressalta que os termos alfabetização e letramento aparecem juntos em todos os

momentos de sua pesquisa, pois entende que esses são processos complementares e

indissociáveis, portanto o entendimento que ela busca fortalecer é de que não é possível

alfabetizar sem objetivar o letramento ou vice-versa.

Em seu artigo, Silveira propõe problematizar, com a experiência desenvolvida e o

embasamento de autores da área, as seguintes questões: Como a criança interage com a

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literatura? Quais os papéis que o sujeito-criança experimenta ao recontar uma história? Como

emerge a questão da autoria?

A pesquisa foi desenvolvida com 21 (vinte e um) crianças, da primeira série, do

Ensino Fundamental, de uma Escola de Educação Básica, do Município de Criciúma, em

Santa Catarina. A elas foi proposto ler, contar e ouvir histórias. De acordo com a autora, o

diálogo estabelecido com as crianças em encontros que ocorreram fora do ambiente e do

horário de aula buscou “uma forma outra de pensar tanto a criança como protagonista do

processo da sua aprendizagem, quanto o papel da literatura na escola, como linguagem viva,

dinâmica e mobilizadora de saberes e de sujeitos” (2008, p. 1). O diálogo também deu origem

a uma das categorias de análise da autora, que foi a categoria “narrativas de histórias”. Essa

categoria possibilitou pensar “como a linguagem literária pode atuar na aprendizagem,

considerando os significados que o sujeito atribui a essa forma de saber” (SILVEIRA, 2008,

p. 1).

Para a realização da pesquisa, utilizaram-se estratégias metodológicas propostas pelos

“espaços de narrativas”. Segundo a autora, essa é uma expressão criada no Grupo de Pesquisa

do qual ela faz parte, de onde se originou a denominação. Silveira relata que a ausência de

uma bibliografia específica para conduzir pesquisas com crianças, no começo da década de

1990, incentivou Leite (2006) e outros pesquisadores a formar esse grupo para tratar da

questão e criar “estratégias teórico-metodológicas de investigação – estratégias nas quais as

crianças pudessem participar de tal forma que se constituíssem não como objeto de estudo,

mas como sujeitos co-participantes destes estudos. A estes encontros pesquisador-criança

chamamos espaços de narrativa” (LEITE, 2006 apud SILVEIRA, 2008, p. 2).

De acordo com Silveira (2008, p. 3), essa

é uma metodologia que embora utilize alguns princípios que constituem a pesquisa etnográfica no sentido de estar junto ao grupo pesquisado e posicionar-se tentando analisar o fato pelo olhar de quem o vivencia, atribui uma diferença fundamental ao papel do pesquisador que, nesse caso, exerce uma função provocativa das reflexões.

Da experiência da contação de história “para e pelas” crianças, Silveira destaca alguns

aspectos, como a manifestação do desejo que as crianças têm de serem ouvidas, evidenciados

nos constantes pedidos das crianças “quero contar uma história”.

Tendo em vista o objetivo de sua pesquisa, ao ir a campo, a autora pretendeu ler e

contar histórias ao grupo de crianças, no entanto ela expõe que foi perceptível, logo no

primeiro encontro, que, “mais do que ouvir ou ler histórias, as crianças queriam partilhar o

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seu repertório, insistindo num espaço/tempo para contar o que chamavam de ‘suas’ histórias”

(SILVEIRA, 2008, p. 4).

Um outro aspecto, que merece ser observado com maior atenção, segundo a autora, é o

ato de narrar. Ao longo do trabalho, ela apresenta as narrativas de histórias realizadas por

algumas crianças que participaram de sua pesquisa de campo.

A autora coloca que, no primeiro encontro, devido aos constantes pedidos das

crianças, três meninos contaram as suas histórias. Eles narraram a “mesma” história, “João e o

pé de feijão”. Cada um recontou a sua maneira, inserindo novos elementos na história, criando

outras versões a narrativa.

É possível perceber que as narrativas das crianças carregam no seu percurso muito mais do que um enredo ficcional. Elas trazem elementos da experiência da criança em constante diálogo com a obra. [...] Re-nararrando a história os meninos agregam diferentes elementos ao texto, invertem a ordem, estabelecem relações múltiplas e, dessa forma, indicam que a linguagem literária pode libertar o sujeito do caminho único, da certeza inquestionável [...] (SILVEIRA, 2008, p. 7).

Silveira afirma que esperava, da narração das histórias pelas crianças, que elas

contassem histórias inéditas, que fossem criar narrativas novas, porém todas narraram

histórias bastante conhecidas, como “Chapeuzinho Vermelho”, “Os Três Porquinhos” e

outras, “mostrando a novidade no percurso do conhecido que me convenceu de que não é

necessário criar algo novo, totalmente inaugural, para exercitar a autoria, a criatividade e a

imaginação” (SILVEIRA, 2008, p. 8).

Portanto, ao narrar, estariam as crianças experimentando formas de assumir a

coautoria das histórias ao fazer ou ouvir as narrativas no grupo, indaga Silveira, afirmando

que foi possível perceber que “as crianças contavam as histórias como ‘suas’ e mais do que

isso, várias crianças contavam a ‘mesma’ história de forma inaugural e o grupo ouvia com a

mesma disposição: como se ouvisse aquela narrativa pela vez primeira” (2008, p. 4).

A autora ainda indaga por que contamos e ouvimos histórias e como essas histórias

abarrotadas de significação potencializariam o processo de alfabetização com letramento? Em

resposta e tomando como base os escritos de Jobim e Souza (2006), Silveira (2008, p. 10)

aponta que

A autora levanta algumas possibilidades como a necessidade de dar ordem aos fatos cotidianos de nossa vida e de estarmos constantemente buscando sentido para alcançarmos uma compreensão que nos convença de uma certa harmonia. Parece que as histórias têm a missão de dar sentido à aparente falta dele na experiência de estar no mundo, pois, cada vida é única e se constitui num enigma a ser decifrado. Sendo assim, a ficção nos ajuda na compreensão enquanto humanos porque por meio das histórias “todas as vozes da humanidade se encontram” (idem). Além

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disso, quando se trata de crianças em pleno processo de alfabetização e letramento, ler, ouvir ou contar histórias é uma das formas de exercício da imaginação que, por sua vez, conduzem o sujeito a diferentes experiências na interação com a linguagem e impulsionam para a construção de significados. Nesse caminho, a conseqüência mais importante é a oportunidade para a criança progredir na capacidade de recepção e interlocução com a linguagem literária.

A contação de histórias pelas crianças, segundo Silveira, ainda demonstrou uma opção

pela brincadeira, pela diversão e pelo prazer, pois, durante a narração de suas histórias, as

crianças imitaram as vozes dos personagens, imaginaram, tornaram-se os personagens,

utilizaram de recursos expressivos, como a entoação e o gesto, ao mesmo tempo em que se

colocaram como coautoras da história, produzindo um texto paralelo, significativo para suas

experiências, no qual estão reafirmando valores e estabelecendo significados em relação ao

mundo que as rodeia.

De acordo com a autora, as crianças que contaram as histórias não estavam

alfabetizadas, o que demonstra que não é preciso ter domínio da leitura e da escrita para

exercer o papel de autor, pois essa “é uma função ligada a um tipo de discurso – isto é, o

discurso letrado – que, por ser social e historicamente constituído (como, aliás, todos os

discursos o são), pode estar também acessível àqueles que não dominam o código escrito”

(TFOUNI, 2002 apud SILVEIRA, 2008, p. 11).

Silveira (2008) alerta para o fato de muitas crianças, desde cedo, frequentarem espaços

institucionalizados e terem disponíveis, para seu acesso e manuseio, livros e mídias “com

diferentes suportes para o acervo literário” (2008, p. 11). No entanto, ao reivindicarem o uso

da fala por meio das narrativas e dos constantes pedidos “deixa eu contar uma história”,

estejam evidenciando que o que não lhes está disponível é o espaço/tempo para poderem falar

e serem ouvidas. “Abrir espaços para o diálogo é um caminho a ser construído

permanentemente – a literatura (na escola e fora dela) pode nos auxiliar nessa tarefa”

(SILVEIRA, 2008, p. 11).

Segundo a autora, ao registrar as narrativas das crianças, pode-se perceber que elas

possuem um grande interesse pela literatura, em que mais do que ouvir, ou ler, elas se

apropriam de uma história e vão criando versões personalizadas.

As crianças contam as histórias como sendo “suas” e mais do que isso, elas contam a “mesma” história de forma inédita. Esse movimento de elaboração imaginativa e cognitiva pode ser entendido como os primeiros passos na formação do leitor, cativado pela linguagem literária, e do autor que tem algo a dizer da forma como essa linguagem o afeta (SILVEIRA, 2008, p. 12).

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Concluindo seu texto, Silveira afirma que a contribuição da literatura, no processo de

alfabetização e letramento, procede da importância que a linguagem assume na constituição

dos sujeitos. Segundo a autora (2008, p. 12), “a literatura se apresenta como opção

privilegiada pelas características peculiares que possui e que falam diretamente ao ser ou

fazer-se humano”.

Silveira expõe ainda que a leitura e a narração de textos literários ampliam o acervo

pessoal de histórias das crianças. Acervo este que possibilita a ela que comece a perceber

modos de escrita, despertar o interesse pela leitura e vai aperfeiçoando o seu critério de

escolhas.

As histórias infantis e os contos de fadas estão presentes, desde cedo, na vida da

criança. A autora ressalta que as crianças que participaram da pesquisa já possuíam um acervo

pessoal e desejavam compartilhá-lo, exercitando a oralidade e a autoria, “mostrando-se capaz

perante o outro” (2008, p. 13).

Quanto à contribuição da linguagem literária não apenas no processo de alfabetização

e letramento mas também na formação e na vida das pessoas, e, considerando a reflexão sobre

as narrativas das crianças, Silveira (2008, p. 14) finaliza o texto afirmando que as “histórias

são elementos vivos que vão se agregando de maneira quase imperceptível à vida das pessoas.

Sem que nos demos conta, algumas delas interferem de maneira significativa, desvendando

potencialidades latentes e sendo transformadas por nós”.

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7 A PRODUÇÃO TEÓRICA SOBRE LITERATURA INFANTIL NA A NPEd: EM

BUSCA DE SUAS ÊNFASES

A pesquisa realizada no site da ANPEd, para o levantamento de parte da recente

produção teórica, no âmbito acadêmico educacional, sobre literatura infantil, possibilitou a

seleção de 12 (doze) trabalhos que abordam a temática. Esses trabalhos foram apresentados

nas Reuniões Anuais da Associação, e a última edição da Reunião, realizada em 2008, foi a

que mais contemplou trabalhos sobre o assunto. Foram 4 (quatro) os trabalhos selecionados

nessa edição; nas demais Reuniões, foi selecionado 1 (um) trabalho em cada uma delas.

Dos 12 (doze) trabalhos selecionados, 4 (quatro) foram localizados no GT 07 -

Educação de Crianças de Zero a Seis Anos; 1 (um), no GT 08 - Formação de Professores; 5

(cinco), no GT 10 - Alfabetização, Leitura e Escrita; e 2 (dois), no GE 01 – Educação e Arte.

Ressalta-se que, no GT 13 - Educação Fundamental, GT 16 - Educação e Comunicação e no

GT 20 - Psicologia da Educação, não foram localizados trabalhos sobre literatura infantil.

O levantamento demonstra que a temática apareceu mais em trabalhos apresentados no

GT Alfabetização, Leitura e Escrita e no GT Educação de Crianças de Zero a Seis Anos.

O intuito principal da pesquisa era localizar trabalhos que discutissem a literatura no

contexto da Educação Infantil, no entanto chama a atenção o número de trabalhos que foram

localizados. Em nove anos de realização da Reunião Anual da ANPEd, foram apresentados

apenas três trabalhos contemplando a literatura infantil em pesquisas com crianças pequenas,

isto é, de 0 a 6 anos. Este número revela que pouco se tem discutido e produzido a respeito da

linguagem literária e sua prática nos espaços de educação infantil nos Grupos de Trabalho da

ANPEd.

Esse dado é reforçado por Oswald e Silva (2004), autoras de um dos trabalhos

selecionados, quando elas expõem que uma das motivações que as levaram ao estudo da

relação da criança com a literatura infantil foi a constatação da existência de poucos estudos

voltados à investigação empírica da relação entre literatura e escola.

Por outro lado, as pesquisas apresentadas, em sua maioria, apresentam a literatura em

contextos que discutem práticas de leitura, iniciação a escrita, processos de alfabetização e

letramento e formação do leitor; são pesquisas de campo desenvolvidas com crianças dos

Anos Iniciais do Ensino Fundamental, e considero de grande relevância o fato de esses

trabalhos demonstrarem a valorização da criança, de suas interações e produções, tomando-a

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como sujeito ativo no processo. Isso leva a supor o reconhecimento do espaço da criança

também entre pesquisadores que têm a escola como campo de suas pesquisas.

De acordo com essas pesquisas, a literatura desperta na criança o interesse pela leitura

e é, por meio dessa linguagem, que ela começa a perceber modos de escrita. Defende-se a

compreensão da leitura literária como faceta do amplo domínio das práticas de leitura em

nossa sociedade.

A prática pedagógica dirigida à leitura, em que o professor se utiliza da literatura

infantil, é defendida por apresentar-se de maneira lúdica, expressiva, estética e oferecer uma

linguagem visual, possibilitando uma rica interação entre texto e leitor.

Considerando-se o levantamento realizado, essas características são alguns dos

critérios de escolhas dos livros pelas crianças. Ao selecionarem um livro, as crianças levam

em conta a quantidade de texto, a imagem, as ilustrações, o título, o formato do livro, o tema e

o autor. O critério de escolha utilizado, muitas vezes, é estabelecido também pela

“intimidade” que a criança possui com o livro.

Esses critérios são entendidos como subsídios que justificam e caracterizam as opções

das crianças por determinado livro e contribuem para uma compreensão acerca dos modos

pelos quais elas estabelecem suas escolhas.

Os trabalhos também apresentam reflexões a respeito da concepção de literatura. Os

textos afirmam que, muitas vezes, a literatura é reduzida a sua dimensão pedagógica, e que

suas dimensões estética e poética não são valorizadas. A escola utilizaria a literatura como

recurso, como meio para ensinar a leitura. Sua valorização se dá nesse espaço, segundo

Silveira (2008), pelo fato de o texto literário ser considerado imprescindível para o ensino da

língua portuguesa.

Portanto, a relação da criança com o livro de literatura infantil seria, segundo alguns

trabalhos consultados, pouco disseminada e acabaria restringindo-se a encaminhamentos

pedagógicos que não contribuem para a formação da criança e do leitor. Trata-se de atividades

que, de acordo com Werner (2001, p. 6), “[...] tem como produto a reprodução, a cópia, a

leitura dirigida, a interpretação linear e não interativa e subjetiva do texto”.

Contudo, cabe destacar que, uma parte dos trabalhos que discute a literatura atrelada a

práticas de leitura e iniciação à escrita apresenta concepções em que a literatura é tida como

uma linguagem da arte, um canal de experiência estética e poética na formação do

leitor/autor, uma instância entre o imaginário e a cultura, o livro como objeto cultural. E,

desse modo, trazem contribuições férteis para se pensar a relação da criança com a literatura

infantil no espaço escolar.

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Percebe-se, portanto, que alguns trabalhos selecionados privilegiam a discussão da

literatura como um meio de alfabetização e outros discutem a literatura atrelada à prática de

contação de histórias, pergunto-me sobre o porquê da existência desses dois campos de

discussões discutirem essas questões de um modo que, as vezes parece dicotômico, sendo que

eles tratam da mesma linguagem. Em resposta, Debus (2006, p. 20) afirma que

Talvez porque a literatura seja uma arte que tem seu suporte material legitimado pela/na escrita e a sua fruição se dê pela leitura desse código, a sua prática é pouco refletida [...]. Ou melhor, pode-se dizer que duas atitudes se pronunciam: uma que segue à risca a prática da escola, tomando a literatura como possibilidade de alfabetização e inserção de conteúdos curriculares, principalmente junto às crianças de pré-escolas; e outra que se restringe à atividade de contar histórias, essa mais vinculada com a oralidade do que com o texto escrito, esquecendo-se completamente da mediação pelo objeto livro.

Alguns trabalhos problematizam e fazem indicações sobre o modo como o contato

com a literatura infantil é proposto às crianças, sobre a organização dos espaços e o

desenvolvimento de práticas para a manifestação e valorização dessa linguagem. Ressaltam

que as crianças devem ter acesso aos livros, que esses devem ser colocados à disposição do

seu alcance, para que elas possam pegar, escolher, folhear, olhar e ler.

Os trabalhos apontam, também, que, por meio da literatura infantil, a criança adquire a

voz de sua cultura, amplia seu repertório cultural, dá significado às suas experiências,

vivências e cria sentido para sua vida. As narrativas literárias incentivam a imaginação,

possibilitam a interação do leitor com o texto e instigam as crianças a criarem suas próprias

histórias, a tornarem-se coautoras das histórias conhecidas por elas, as quais vão sendo

recriadas à medida que lhe acrescentam novos elementos. É salientado o fato de que as

crianças contam as histórias como “suas” e, mais do que isso, várias crianças contam a

“mesma” história sempre de forma inaugural.

A literatura é concebida como uma linguagem muito próxima à criança, por ser

manifestada, principalmente por meio da linguagem oral, das contações de histórias e das

narrativas orais, também enfatizadas nos trabalhos, que se fazem presentes desde cedo na vida

da criança, seja nas músicas de ninar, seja nas histórias contadas por seus pais e avós.

A narrativa oral, conforme salientam Girardello (2003) e Chagas (2008), em seus

trabalhos localizados na ANPEd, possibilita ao professor aprender sobre a cultura da criança e

conhecer sua realidade. As crianças que participam regularmente de práticas narrativas, nas

quais elas ouvem e contam histórias e, relatam suas experiências pessoais, desenvolvem

meios de comunicar e entender quem elas são. Por meio das narrativas, as crianças relatam

suas experiências e interagem com o outro. Ao narrarem suas histórias estão dizendo seu

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mundo para o outro que, ao ouvir, reelabora o que escuta e pode atuar com quem e com aquilo

que ouviu, produzindo significação. Ao tecerem suas narrativas, as crianças vão se

constituindo como sujeitos culturais.

O trabalho das autoras Silva e Morais (2008), sobre o “Programa Nacional de

Biblioteca da Escola” (PNBE) apresenta uma questão que considero muito importante, para a

discussão sobre literatura infantil, criado em 1997, apenas na edição passada (2008),

contemplou, em seu edital, a constituição de acervos a serem distribuídos para a Educação

Infantil. Sendo a literatura infantil uma das linguagens manifestadas pelas crianças e por sua

presença inevitável nas instituições de Educação Infantil, indaga-se: O que perpassa na

elaboração dos editais e na política deste programa que até então não havia beneficiado a

Educação Infantil?

Este trabalho revela que a constituição desse primeiro acervo possibilitou a seleção de

livros de diferentes gêneros textuais, prosa, verso, imagem e histórias em quadrinhos, além da

seleção de obras de autores reconhecidos no âmbito da literatura. As características de cada

tipologia foram apontadas e consideradas para a seleção, assim como as suas contribuições

para a constituição da criança. Isso leva a supor que a seleção se deu de forma criteriosa e que

houve uma preocupação em selecionar livros de literatura de qualidade, reconhecendo-se a

importância desses para a formação das crianças nos espaços de Educação Infantil. Por meio

desse trabalho, também foi possível identificar os tipos de textos que as editoras estão

produzindo e quais temáticas vêm apresentando, predominando as que falam de bichos,

(animais), que trazem a fantasia e estimulam a imaginação. O trabalho também evidenciou a

diversidade da produção voltada para o público infantil, são infinitas as possibilidades de

escolhas.

Conforme a descrição na seção anterior, no GT 08, grupo que trata da “Formação de

Professores”, não se localizou nenhum trabalho que abordasse a literatura na formação de

professores. A produção de trabalhos e pesquisas que contemplassem essa perspectiva seria de

grande valor, visto a importância do papel do professor na mediação da relação da criança

com a literatura infantil.

Nessa direção, alguns trabalhos apresentados nos outros GTs da ANPEd, ressaltam

que o professor desempenha um papel muito importante na contação de histórias, ao atuar

como um mediador entre a criança e a literatura. Ou seja, a ele cabe conhecer e escolher a

história a ser contada e apresentada à criança, dar vida e emoção ao texto, estimulando a

imaginação, a participação, fazendo desse momento uma experiência prazerosa. Segundo

Debus (2006, p. 76) “o professor deve estar sensibilizado para sensibilizar, seduzido para

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seduzir, daí que a escolha da história a ser narrada tem de apaixonar primeiramente o

narrador...”.

Esses trabalhos também apontam que o professor pode se utilizar de alguns recursos

para envolver as crianças a história, como um estalar de dedos, um arregalar de olhos, uma

pausa inesperada, um toc-toc-toc na madeira, ou ainda mudar o ritmo e o tom da voz.

Por fim, tendo em vista todas as questões relacionadas à literatura infantil abordadas

nesse texto e evidenciadas por meio do levantamento realizado da produção teórica sobre o

tema na ANPEd, constata-se a relevância da valorização da linguagem literária no contexto

infantil. Promover a literatura infantil é garantir às crianças espaços privilegiados para viver a

infância.

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8 CONSIDERAÇÕES FINAIS

As crianças são sujeitos de direitos, atuantes, produtoras de cultura e construtoras de

história, têm que viver sua infância como um tempo próprio, em que suas especificidades

devem ser reconhecidas. É necessário compreender as crianças como seres diferentes dos

adultos, suas formas de ver e agir e suas formas de imaginar e raciocinar são específicas.

Precisamos reconhecer os ritmos e tempos das crianças, procurar conhecer e

compreender seus modos de ser e viver, conhecer e valorizar suas linguagens, legitimar as

interações e descobertas dos pequenos, que permeiam o espaço da Educação Infantil e,

principalmente, aprender a desenvolver esse novo olhar, que nos possibilita compreender suas

necessidades e aspirações. Assim estaremos de fato concretizando uma Pedagogia da Infância.

Essas são perspectivas que norteiam e sustentam meu trabalho, pois como pensar a

literatura infantil sem considerar estas concepções?

Ao delimitar como temática a literatura infantil para a produção do Trabalho de

Conclusão de Curso, propus-me a investigar o modo como as crianças vivenciam a contação

de histórias, por que elas gostam tanto de ouví-las e quais seriam as contribuições da literatura

para a formação cultural e lúdica das crianças. Buscando, ainda, identificar as formas

apropriadas de se apresentar e contar uma história para crianças pequenas.

Tendo em vista todos os caminhos trilhados para a realização da pesquisa, considero

que houve uma aproximação significativa aos propósitos definidos inicialmente. Entendendo

hoje a literatura infantil como uma linguagem manifestada e constituidora da criança, o estudo

bibliográfico proporcionou-me construir um maior entendimento acerca da temática,

possibilitando compreender a relevância da valorização e manifestação dessa linguagem na

infância, principalmente nos espaços de Educação Infantil.

O objetivo principal da pesquisa era compreender o papel da literatura infantil “em

contextos de Educação Infantil” e os modos específicos como as “crianças de 0 a 6 anos”

vivenciam a experiência literária, no entanto, visto o reduzido número de trabalhos que

tinham as crianças na faixa etária de 0 a 6 anos e a Educação Infantil como foco da pesquisa,

pode-se dizer que a produção teórica disponível nas Reuniões Anuais da ANPEd, não

contribuiu do modo esperado para a compreensão e as reflexões sobre a temática no âmbito

da Educação Infantil.

Entre os trabalhos encontrados e selecionados predominou a discussão da literatura

infantil em contextos dos Anos Iniciais. Contudo, a realização da pesquisa possibilitou-me

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conhecer o que vem sendo produzido e discutido, recentemente, sobre literatura infantil para

além do âmbito da Educação Infantil, apontando para diferentes discussões sobre a presença

da literatura, em contextos de educação, para crianças acima de 6 anos, e para a compreensão

do quanto a literatura infantil tem para ser explorada.

Voltar na história e poder compreender como se deu o surgimento e o processo de

consolidação da literatura infantil, os contextos e as condições a que foi submetida, contribuiu

para o entendimento do espaço que a linguagem literária ocupa, atualmente, no âmbito

educacional.

Foi possível adentrar no universo da literatura e conhecer suas possibilidades na

educação das crianças. A literatura infantil contribui para produção cultural da criança, instiga

e provoca o imaginário infantil, possibilita espaços de expressões, narrativas e interação

lúdica, tanto para quem conta como para quem ouve histórias.

É importante lembrar que as histórias têm um fim em si mesmas, elas têm conteúdos

próprios de prazer, alegria, medo, tristeza, conceitos, cultura, linguagem, etc. Elas não devem

ser encaradas somente como um meio para ensinar conteúdos escolares.

Enquanto educadores e mediadores das experiências das crianças com a literatura

infantil nas instituições de Educação Infantil, devemos estar atentos à literatura que

proporcionarmos aos pequenos, para que essa seja uma experiência prazerosa e significativa.

Enquanto educadores, devemos estar atentos ao movimento das crianças, ao que elas

produzem, reproduzem, significam e ressignificam, fornecendo-nos elementos para planejar a

prática pedagógica.

A literatura infantil é uma linguagem que possibilita a criança o “faz-de-conta”, o

sonhar, o brincar, o criar, o reconhecimento do mundo, a interação com o outro, o prazer e,

ainda, a manifestação de outras linguagens constituidoras das crianças.

A realização do levantamento dos trabalhos no site da ANPEd, as referências teóricas

sobre literatura infantil e suas possibilidades na infância indicam a “fertilidade” dessa

investigação, pois muito ainda se tem para estudar, pesquisar e produzir a respeito dessa

linguagem. Essas pesquisas precisam considerar, cada vez mais, as crianças, para quem a

literatura infantil é produzida, isso significa procurar conhecer as relações que elas

estabelecem com a linguagem literária, seus modos de envolver-se, apropriar-se e significar as

narrativas.

... FIM ....

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