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DENIS MASSAO ITO ASPECTOS MUSICAIS DAS MARCHAS RÍTMICAS DO MÉTODO JAQUES-DALCROZE Trabalho apresentado ao Departamento de Música da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, formulado sob a orientação do Prof. Dr. Ronaldo Coutinho Miranda, para a Conclusão de Curso de Graduação em Música com habilitação em Composição. CMU-ECA-USP São Paulo, 2013

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DENIS MASSAO ITO

ASPECTOS MUSICAIS DAS MARCHAS

RÍTMICAS DO MÉTODO JAQUES-DALCROZE

Trabalho apresentado ao Departamento de Música da

Escola de Comunicações e Artes da Universidade de

São Paulo, formulado sob a orientação do Prof. Dr.

Ronaldo Coutinho Miranda, para a Conclusão de Curso

de Graduação em Música com habilitação em

Composição.

CMU-ECA-USP

São Paulo, 2013

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“Aquilo que não pode ser dito,

nós cantamos”

(Jaques-Dalcroze)

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AGRADECIMENTOS

Agradeço, primeiramente, à Universidade de São Paulo pelas contribuições na minha

formação acadêmica, especificamente, ao Departamento de Música da Escola de Comunicações e

Artes (ECA – USP).

Ao professor Dr. Ronaldo Miranda, por sua valiosa orientação no trabalho desenvolvido.

Aos docentes do curso de Música, por auxiliarem na minha formação musical.

Aos meus pais, por terem me criado com carinho, sabedoria e generosidade.

Aos meus irmãos, por serem grandes exemplos de vida para mim.

Aos meus familiares mais próximos, por toda estima e apoio.

À Priscila, por seu grande incentivo, mas, principalmente, por seu amor e por sua amizade,

fundamentais à alma e ao espírito do presente trabalho.

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RESUMO

O presente trabalho pretende identificar quais são, e como são desenvolvidos, os aspectos

musicais e estéticos nas Marchas Rítmicas de Émile Jaques-Dalcroze (1865-1950), a fim de analisar

a capacidade composicional do músico em seus objetivos e a qualidade didática da obra. Para tanto,

partiu-se inicialmente de um amplo conhecimento do compositor, envolvendo seu momento

histórico, sua biografia, suas influências e seu pensamento; depois se fez a contextualização das

Marchas Rítmicas e, por último, uma seleção crítica e análise de algumas das Marchas, em seus

aspectos didáticos e musicais. Com isso, buscou-se um melhor entendimento de seu posicionamento

estético-musical, aparentemente retrógrado, mas declaradamente diferenciado em plena virada do

século XX.

PALAVRAS-CHAVE

Jaques-Dalcroze; Marchas Rítmicas; ensino musical; composição didática; análise.

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SUMÁRIO

Abreviaturas p.6

Lista de Exemplos Musicais p.8

Introdução p.9

Capítulo 1: Vida e obra de Jaques-Dalcroze

1.1 Contexto histórico p.10

1.2 Dados biográficos p.10

1.3 Influências musicais p.15

1.4 Influências artísticas p.16

1.5 Bases e influências de seus estudos psicopedagógicos p.17

1.6 Pensamento “dalcroziano” p.18

Capítulo 2: Método Jaques-Dalcroze

2.1 Aspectos gerais p.20

2.2 Rítmica p.21

Capítulo 3: Análise das Marchas

3.1 Aspectos gerais p.23

3.2 Marcha nº1 p.25

3.3 Marcha nº 6 p.32

3.4 Marcha nº 18 p.37

Conclusão p.46

Bibliografia p.47

Anexo 1 p.49

Anexo 2 p.51

Anexo 3 p.52

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6

ABREVIATURAS

comp. - compasso.

Ex. - Exemplo.

p. - Página.

5ªJ - Intervalo de quinta justa.

4ªJ - Intervalo de quarta justa.

Mi M - Acorde de Mi maior.

Lá m - Acorde de Lá menor.

Dó M - Acorde de Dó maior.

Fá M - Acorde de Fá maior.

Lá M - Acorde de Lá maior.

Ré m - Acorde de Ré menor.

I - Acorde do primeiro grau.

I64 - Acorde do primeiro grau em segunda inversão.

II - Acorde do segundo grau.

II64 - Acorde do segundo grau em segunda inversão.

II7 - Acorde do segundo grau com sétima em estado fundamental.

II43 - Acorde do segundo grau com sétima em segunda inversão.

II2 - Acorde do segundo grau com sétima em terceira inversão.

III - Acorde do terceiro grau.

IV - Acorde do quarto grau.

IV6 - Acorde do quarto grau em primeira inversão.

IV6#§ - Acorde do quarto grau alterado em primeira inversão com a fundamental

elevada e a terça abaixada.

IV7 - Acorde do quarto grau com sétima.

V - Acorde do quinto grau.

V7 - Acorde do quinto grau com sétima.

V75§ - Acorde do quinto grau com sétima e com a 5ª aumentada.

V43 - Acorde do quinto grau com sétima em segunda inversão.

V97 - Acorde do quinto grau com sétima e nona em estado fundamental.

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7

V7Íb - Acorde do quinto grau com sétima, nona menor, décima primeira e décima

terceira em estado fundamental.

VI - Acorde do sexto grau..

VI6 - Acorde do sexto grau em primeira inversão.

VI65 - Acorde do sexto grau com sétima em 1ª inversão.

VI~ - Acorde do sexto grau com sétima com a terça maior em 2ª inversão.

VII - Acorde do sétimo grau.

VII64 - Acorde do sétimo grau em segunda inversão.

VII~ - Acorde do sétimo grau com sétima com a terça maior em 2ª inversão.

V/II - Acorde de quinto grau pertencente ao campo harmônico do segundo grau..

V7/IV - Acorde de quinto grau com sétima em estado fundamental pertencente ao

campo harmônico do quarto grau..

V65/IV - Acorde de quinto grau com sétima em 1ª inversão pertencente ao campo har-

mônico do quarto grau.

VII64/IV - Acorde de sétimo grau em 2ª inversão pertencente ao campo harmônico do

quarto grau.

V7/V - Acorde de quinto grau com sétima em estado fundamental pertencente ao

campo harmônico do quinto grau.

V/VI - Acorde de quinto grau pertencente ao campo harmônico do sexto grau.

V7/VI - Acorde de quinto grau com sétima em estado fundamental pertencente ao

campo harmônico do sexto grau.

VII6/VI - Acorde de sétimo grau em 1ª inversão pertencente ao campo harmônico do

sexto grau.

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Lista de Exemplos Musicais

Ex. 1 - Seção A da Marcha Rítmica nº1 de Émile Jaques Dalcroze (comp. 1-16).

Ex. 2 - Seção B da Marcha Rítmica nº1 de Émile Jaques Dalcroze (comp. 17-32).

Ex. 3 - Seção A’ da Marcha Rítmica nº1 de Émile Jaques Dalcroze (comp. 32-48).

Ex. 4 - 1ª frase da Marcha Rítmica nº6 de Émile Jaques-Dalcroze (comp. 1-4).

Ex. 5 - 2ª frase da Marcha Rítmica nº6 de Émile Jaques-Dalcroze (comp. 5-8).

Ex. 6 - 3ª frase da Marcha Rítmica nº6 de Émile Jaques-Dalcroze (comp. 9-12).

Ex. 7 - 4ª frase da Marcha Rítmica nº6 de Émile Jaques-Dalcroze (comp. 13-16).

Ex. 8 - 5ª e 6ª frase da Marcha Rítmica nº6 de Émile Jaques-Dalcroze (comp. 17-24).

Ex.9 - Seção A da Marcha Rítmica nº18 de Émile Jaques Dalcroze (comp. 1-16).

Ex. 10 - Seção B da Marcha Rítmica nº18 de Émile Jaques Dalcroze (comp. 17-32).

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INTRODUÇÃO

Émile Jaques-Dalcroze sempre sonhou ser um grande compositor. Hoje, o conhecemos

como um grande professor e pedagogo musical que desenvolvia o seu ensino através dos

movimentos do corpo.

Assim, é interessante observar que, além de Jaques-Dalcroze ter sido um profícuo

compositor de peças de diversos gêneros (canções, operetas, peças de música de câmara, etc) foi

autor de diversas obras didáticas. E é nesta intersecção, entre o artista que compõe e o que ensina,

que este trabalho se encontra para compreendê-lo e avaliá-lo.

Por isso, selecionamos a obra didática de Jaques-Dalcroze mais acessível e de propostas

mais claras, a fim de analisar tanto sua estética e técnica musicais, como sua pedagogia e

metodologia no ensino às crianças. A obra em questão são as Marchas Rítmicas, parte integrante da

Ginástica Rítmica (ou simplesmente, Rítmica), trabalho de musicalização baseado no corpo.

Com isso, inicialmente, buscamos conhecer de maneira bastante abrangente a vida e a obra

do músico Èmile Jaques-Dalcroze, abordando no 1º Capítulo seu contexto histórico, sua biografia,

suas influências, musicais, artísticas e piscopedagógicas, além de sua filosofia de pensamento.

No 2º Capítulo, focamo-nos na contextualização das Marchas Rítmicas, discorrendo sobre a

obra e os planos didáticos em que elas se inserem. Para isso, partimos de seu trabalho maior, o

Método Jaques-Dalcroze – ambicioso plano de ensino que almejava a mais completa educação

musical possível, tanto corporal, intelectual e espiritual; e depois dedicamo-nos à 1ª parte de seu

Método, a Ginástica Rítmica, voltada, principalmente, às noções mais básicas de entendimento

ritmo-corporal do aluno, onde se inserem as Marchas Rítmicas.

No 3º e último Capítulo abordamos as Marchas propriamente ditas. Primeiramente,

discorremos sobre todo o conjunto das 84 Marchas, explicitando sua função didática e seus aspectos

gerais; e por fim, analisamos especificamente uma amostra de 3 Marchas (a nº1, nº 6 e a nº18),

destacando seus resultados estéticos que se associam aos seus intuitos pedagógicos.

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Capítulo 1: Vida e Obra de Jaques-Dalcroze

1.1 Contexto histórico

Notadamente, um dos momentos de transformações sociais mais aceleradas na história da

Europa, o século XIX e o início do século XX puseram o homem em novas questões, ou, talvez, em

revisitados conflitos: o inebriante aceleramento da indústria, o neocolonialismo, os conflitos sociais

e as guerras político-econômicas.

As ideias e os conhecimentos novos e antigos entrecruzam-se e chegam a todos os lugares,

gerando muitas reflexões. Enquanto isso, neste período, a economia e o desenvolvimento

tecnológico transformam as relações sociais: todos, em tese, podem ocupar qualquer posição na

sociedade, mas à maioria resta a classe mais pobre, ao mesmo tempo em que a maior parte das

atividades oferecidas à população é de trabalhos mecanicistas e alienantes.

Como resultado disso tudo, os cientistas e intelectuais desta época, repletos de informações e

um pouco mais abertos às novas visões de mundo (devido ao maior contato com culturas orientais e

do Novo Mundo), observam seu ambiente socioeconômico de maneira bastante crítica, trazendo as

ciências sociais ao foco de seus estudos. E ao mesmo tempo em que se passa a discutir a visão de

mundo capitalista e mecanicista como um mal ao homem, diminuidor de seu potencial como ser; o

irrefreável desenvolvimento tecnológico parece convencer o próprio homem de sua eterna evolução.

1.2 Dados biográficos

Émile Jaques-Dalcroze, filho de pais suíços, nasce na praça de Amhof, em Viena (Áustria),

no dia 6 de julho de 1865, sendo batizado como Émile Henri Jaques. Ele é o primogênito de Julie

(nascida Jaunin) e Jules-Louis Lucien-Auguste Jaques, representante de uma fábrica de relógios e

de família de grandes intelectuais e diversos músicos, ambos do Cantão de Vaud (à fronteira do

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sudoeste francês). Ele e sua única irmã, Hélène, 5 anos mais nova, recebem uma rica educação,

apesar da vida modesta.

Émile Jaques vive na Áustria até seus 10 anos de idade, aproveitando a intensa programação

cultural vienense: passeia pelo Parque do Estado, assiste aos concertos ao ar livre, aprecia a música

de Johann Strauss – aos 5 anos, sobe ao pódio e brinca de reger, atrás de Strauss, a Orquestra

Imperial -, e assiste a uma encenação de “Aida”, regida pelo próprio Verdi. É em Viena que ele

inicia seus estudos musicais com aulas particulares de piano, aos 6 anos, quando já arrisca suas

primeiras composições.

Neste período, acredita-se que sua mãe o tenha educado aos moldes de Pestalozzi, suíço do

final do século XVIII e início do século XIX, que tentara revolucionar sua época com uma

educação humanista, quase holística.

Já na Suíça, mais propriamente em Genebra, em 1875, continua seus estudos particulares de

piano, e, dois anos depois, entra conjuntamente para o Colégio Calvino e para o Conservatório da

cidade, mostrando-se já bastante interessado em todas as artes: conquista um prêmio de composição

e um prêmio de declamação. É nesse momento que se verifica sua principal formação musical, sob

a orientação de Henry Ruegger, Oscar Schultz e, principalmente, Hugo de Senger, através das aulas

de piano e de composição, a quem ele deve o gosto pela música francesa, destacadamente a obra de

Hector Berlioz.

Nesta época ele desenvolve uma atividade cultural diversificada e enriquecedora: participa

de um jornal, intitulado Cricri (rapidamente censurado pelo Colégio por sua suposta subversão);

rege e compõe para a orquestra de câmara Musigena; escreve diversas canções e, em 1881, uma

opereta, “La Soubrette”, realizada por seus amigos e colegas, e que deve ter favorecido o seu

ingresso como membro da Sociedade de Belas Letras, a qual Dalcroze devota grande valor: “Foi

minha querida Sociedade de Belas Letras que formou o meu caráter” (Jaques-Dalcroze Apud:

Madureira 2008: 46).

É de se destacar que tanto o Colégio Calvino quanto o próprio Conservatório de Genebra

eram muito conservadores em sua primorosa instrução. Dalcroze, de postura mais libertária, quando

atinge a maioridade e conquista com honras os diplomas do Colégio e do Conservatório, ingressa

sem entusiasmo na Universidade de Genebra, instituição igualmente conservadora, de pensamento

escolástico. Dessa forma, ele larga a universidade em 1884 e parte para a França, com o intuito de

estudar composição com grandes mestres que lá se encontravam.

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Em Paris, o jovem músico passa pela orientação de vários importantes compositores: Albert

Lavignac, Vicent d’Indy e Gabriel Fauré. Este último torna-se para ele uma grande influência

ideológico-musical, reconhecida por suas próprias palavras referentes ao mestre: “Foi graças a

Fauré que eu senti crescer em mim uma singela necessidade de auto expressão e foi com ele que

aprendi a controlar meus pensamentos e sentimentos” (Jaques-Dalcroze Apud: Madureira 2008: 47).

Nessa época, interessado também em teatro, ele tem aulas de declamação e dicção com

Talbot, que aplicava as teorias de expressividade gestual de François Delsarte, com o qual Jaques-

Dalcroze muito se identifica quanto à busca estética. É importante destacar que apesar dos diversos

interesses, seu maior fascínio era a composição musical.

Sendo Paris um dos maiores centros musicais, torna-se difícil para qualquer músico jovem

em início de carreira destacar-se entre tantos. Por isso, Émile Jaques sofrendo dificuldades

profissionais e financeiras na capital francesa, para poder manter-se na cidade, aceita, em 1886, a

função de pianista em uma Estação de Banhos, funcionando como mera “decoração” do ambiente.

No entanto, apesar do prestigiado elogio como pianista improvisador e do honroso convite de

estudos, feitos por Leo Délibes, ele sente-se infeliz com essa situação. Assim, ao receber um

convite para o cargo de regente de uma orquestra de vaudeville, na Argélia, ele o aceita.

A experiência na capital da Argélia serve de grande influência para o desenvolvimento do

pensamento musical-estético do artista, pois ele se impressiona com a alta complexidade rítmica da

música argelina (que muito o agrada), aplicada com tanta naturalidade.

Ainda na Argélia, uma editora francesa interessa-se em publicar algumas de suas canções, e,

por haver outro compositor de sobrenome Jaques, faz-se necessária a criação de um nome artístico.

Então, a partir de “Valcroze”, nome de um amigo do colégio que se encontra com ele no país

africano, ele altera a primeira letra deste nome e passa a se chamar Émile Jaques-Dalcroze.

Apesar da rica experiência em Argel, ele se vê sem muita perspectiva na África, e, em 1887,

parte para Viena para continuar a desenvolver seus estudos musicais. De volta à sua cidade natal,

recebe ensinamentos de Adolf Prosnitz, Hermann Graedener, Robert Fuchs e Bruckner, todos

importantes nomes da música, podendo-se destacar que, com Prosnitz, ele descobre a importância

da improvisação ao piano na busca da expressividade interpretativa. O aprendizado conquistado sob

essas orientações, principalmente sob a instrução de Bruckner, mostrou-se, contudo, muito mais

técnico do que musical, segundo a visão do próprio Dalcroze:

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“Foi para mim um verdadeiro sofrimento compreender a sucessão de notas, uma após a outra, e nomeá-las a cada passagem... quanto disparate! Como um tolo eu dizia para mim mesmo: ‘Eis um acorde de nona menor seguido de um acorde de décima-terceira e uma dupla appogiature d’appogiature’. E tudo isso sem que a força emotiva do drama penetrasse-me, sem que por uma única vez surgisse-me outro pensamento que não fosse: ‘Eis uma música bastante interessante!’. Eu saía desesperado, desacreditado de meu amor pela música, desacreditado da própria música, desacreditado de tudo.” (Jaques-Dalcroze Apud: Berchtold Apud: Madureira 2008: 49).

Após dois anos em Viena, sentindo-se diminuído em sua sensiblidade, Dalcroze volta para

Paris e encontra no teórico-musical suíço Mathis Lussy a libertação que procurava. Lussy é um dos

pioneiros no estudo da importância do ritmo na música clássica ocidental, pesquisando inclusive o

poder de influência físico-emocional exercido pela música. Foi com ele que o artista aprendeu a

entender os problemas do ensino musical e a resolvê-los de modo científico.

Neste momento, após essas interessantes e marcantes experiências, em 1891, ao retornar a

Genebra para acompanhar apresentações de suas obras, Dalcroze é convidado a dar aulas de

História da Música no Conservatório. Exerce a função com louvor, recebendo, inclusive, convites

para palestrar fora da cidade.

A partir de 1892, após reformulações dos cursos do Conservatório, torna-se professor de

Harmonia e de Solfejo da instituição, onde ele aproveita para experimentar novas metodologias de

ensino. Apesar de seus esforços em esclarecer o benefício e as qualidades de suas práticas

experimentais de educação musical, Dalcroze não é muito bem visto pela maior parte do corpo

docente do Conservatório. Mesmo assim, por estar bastante convicto da eficiência de suas práticas,

desenvolve para seus alunos de Genebra o Método Dalcroze - trabalho que se baseia no ensino

musical a partir do ritmo e do corpo. E é neste momento, que o destacado psicólogo Édouard

Claparède, amigo íntimo de Jaques, interessa-se pelos experimentos do artista e exerce uma

importante influência no desenvolvimento deste trabalho. O Método lhe dá certa notoriedade no

meio musical e lhe proporciona a difusão deste, através de treinamento de professores e diversas

palestras pelo mundo, além da publicação de diversos artigos a respeito.

Mesmo com o trabalho reconhecido em várias partes do mundo, Dalcroze ainda sofre com a

falta de apoio do Conservatório. Assim, ao receber um interessante convite, vindo da Alemanha, de

construir uma escola dedicada especificamente à aplicação de seu método - mais conhecido como

Ginástica Rítmica ou apenas Rítmica -, Jaques-Dalcroze parte para Dresden (Alemanha) para

realizar o projeto de um instituto quase utópico, idealizado não só por ele, mas por vários colegas e

amigos artistas de estética humanista.

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Então, em 1911, constrói-se o Instituto de Hellerau (uma cidade-jardim de Dresden), onde o

músico dá continuidade ao desenvolvimento de suas novas práticas artístico-pedagógicas compostas

por aulas, festivais e espetáculos cênico-musicais. Momento em que o artista realiza algumas de

suas mais importantes parcerias, destacando-se principalmente seu trabalho junto ao renomado

arquiteto suíço Adolphe Appia, colega e grande amigo do músico, conhecido por diversas

cenografias realizadas no instituto. Este período torna-se um dos mais produtivos e ricos de seu

criador, tanto em relação ao método, quanto às suas produções artísticas. Após a eclosão da

Primeira Guerra Mundial, o Instituto encerra as suas atividades e, com pesar, o músico deixa a

Alemanha.

De volta à Suíça, em 1915, finalmente reconhecido em sua terra, o artista consegue apoio

para criar em Genebra o Institute Jaques-Dalcroze, ativo até hoje. Apesar disso, Dalcroze sente-se

diminuído em suas possibilidades, pois seus recursos na Suíça são muito modestos em relação aos

de Dresden. Com o advento da Guerra, sua comunicação com os outros países fica muito

prejudicada. Assim, quando se dá o fim da Primeira Grande Guerra, ele volta a ministrar palestras e

aulas pelo mundo, além de promover festas nacionalistas em Genebra. O artista também nunca

deixou sua atividade de compositor, seguindo o conselho de um dos seus queridos mestres: “Léo

Delibes dizia-me: ‘Componha cada dia sem cessar!’, e eu questionava: ‘Mesmo nos dias em que

não estamos inspirados?’ E sua resposta era: ‘Sim, pois é preciso atiçar o fogo da véspera e

reanimar o fogo que está se extinguindo’ ” (Jaques-Dalcroze 1945: 260)1.

O músico publica seu último texto teórico pouco tempo antes do início da Segunda Guerra

Mundial. E a partir de então, com suas viagens internacionais novamente interrompidas, passa a se

dedicar apenas a seu Instituto e a rememorar seus estudos e sua vida, editando três obras: Souvenir,

Notes e Critiques (1942), La Musique et Nous (1945) e Notes Bariolées (1948). Mesmo sendo obras

de memórias e de conteúdo pessoal, Dalcroze sempre se ateve à descrição de sua atividade

profissional, mantendo completa discrição em relação à sua vida privada.

Desde então, tendo feito apenas mais uma viagem para Paris, passa a sua velhice na Suíça,

sua terra do coração. E morre, em 1950, às vésperas de completar seus 85 anos de idade, levando,

através da música, uma vibrante experiência de vida.

1 “Léo Delibes me disait: ‘Composez chaque jour sans relâche’, et je lui répondis: ‘Même les jours où l’on n’est pas en train?’ Sa réponse fut: ‘Oui, car il faut attiser le feu de la veille et ranimer le feu qui était en train de s’éteindre’ ” (Jaques-Dalcroze 1945: 260).

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1.3 Influências musicais

Na obra de Dalcroze, podemos citar diversas influências musicais, mas especificar os

compositores em que ele se espelhou torna-se uma tarefa mais difícil, pois boa parte de sua

produção é de caráter didático e sua busca de resultados musicais é muito arraigada em seus

pensamentos filosóficos e sociais, além de sempre objetivar a união de todas as artes, e não apenas a

música.

Assim, é interessante nomear os compositores reconhecidos e admirados por Dalcroze: Bach

(1685-1750), tido por ele como um grande mestre e sobre o qual chega a palestrar no Conservatório

de Genebra; Mozart (1756-1791), servindo-se textualmente para seus exemplos didáticos; Haydn

(1732-1809), outro mestre utilizado por ele em seus exemplos; Beethoven (1770-1827), muito

citado pelo artista por sua riqueza rítmica, sendo, talvez, o maior arquétipo de elaboração musical

quanto ao ritmo; Berlioz (1803-1869), por sua criatividade e por seu posicionamento musical mais

libertário; Debussy (1862-1918), por concatenar diversos aspectos musicais de maneira mais livre,

conquistando uma sonoridade que muito agradou ao artista.

Ainda podemos nos lembrar de alguns músicos com quem ele teve um contato mais próximo

e, mesmo sem podermos reconhecer os aspectos musicais que eles suscitaram em Dalcroze, foram

influências em sua formação e em seu posicionamento artístico: Delibes (1836-1891), compositor

do ballet Coppélia, uma das primeiras obras em que a música foi pensada para a dança, oferecendo-

lhe aulas de orquestração; Fauré (1845-1924), compositor francês que no primeiro momento negou

orientá-lo na arte da composição, mas se tornou posteriormente um dos principais incentivadores

em sua busca da auto expressão; Adolf Prosnitz, professor de piano que lhe trouxe a importância do

gesto para a performance; e Bruckner (1824-1896), grande compositor (na própria visão de

Dalcroze), do qual foi aluno e que o marcou negativamente por seu tratamento autoritário e seu

ensino extremamente racional, totalmente avesso à busca dalcroziana da naturalidade musical.

Também é importante destacar separadamente os compositores de ópera que se tornaram

algumas das grandes referências musicais de Dalcroze. Nesse sentido, o caráter de seu pensamento

musical volta-se para a unificação de todas as artes, explorando a ópera (gênero que em si já as

reuni) como uma das suas escritas musicais favoritas. Assim suas principais influências operísticas

são Gluck (1714-1787), Verdi (1813-1901) e Wagner (1813-1883). Eventualmente, Dalcroze

chegou a utilizar trechos operísticos desses autores em exemplos de suas atividades didático-

musicais.

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Outra curiosa influência musical significante é a música popular da Argélia, com a qual ele

teve contato quando viveu um período em Argel. Como sempre o aspecto educacional de seu

pensamento foi marcante: em seu contato com a música argelina, Dalcroze aproveitou algumas

ideias – como a diversidade e a mistura de diferentes métricas - organizando-as com o objetivo de

transmiti-las com clareza e objetividade.

1.4 Influências artísticas

Artista multifacetado, Dalcroze também era admirador de diversos escritores e de diferentes

períodos, o que torna difícil determinar seu posicionamento estético dentro de estreitos limites:

“(...)Em casa, ele dispunha de uma considerável biblioteca. Entre seus autores preferidos destacavam-se Schiller, Goethe, Bergson, Rousseau, Nietzsche, Platão e Ésquilo. Seu livro de cabeceira era Ensaios de Montaigne, de onde retirou vários aforismos sistematicamente citados ao longo de seus escritos.” (Madureira 2008: 25)

Mas, possivelmente, uma das maiores influências que observamos e que traz as maiores

consequências em seu pensamento e em suas obras didáticas é o francês François Delsarte (1811-

1871), misteriosa figura do século XIX, tido como criador da Estética Aplicada, teoria sobre a

expressividade humana.

Delsarte foi um admirado cantor por sua grande expressividade, mas que devido à

irresponsável condução de seus professores da Escola Real de Música e Declamação de Paris, teve

que abandonar o canto por sua intermitente afonia. Assim, sem poder se dedicar ao

desenvolvimento de sua voz, deu prosseguimento aos seus estudos dramáticos investigando a

gestualidade humana. E criou um sistema de educação corporal, mais especificamente dos gestos,

que se destinava a todo tipo de artista, incluindo os músicos.

Dalcroze, quando aluno do ator Talbot, tomou conhecimento da Estética Aplicada de

Delsarte, e automaticamente identificou-se com este trabalho, utilizando-o em alguns preceitos e

metodologias, na sua obra didático-musical.

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1.5 Bases e influências de seus estudos psicopedagógicos

Édouard Claparède (1873-1940), seu conterrâneo e contemporâneo, foi sua principal

influência puramente científica, tornando-se uma ótima referência e apoio para as seu pensamento

educacional. Pois, assim como Dalcroze acreditava num ensino musical completo e que estivesse

em prol do aluno, envolvendo-o completamente, Claparède pensava semelhantemente quanto à

educação em geral:

“(...)Já nas primeiras décadas do século XX, considerava o professor como um estimulador de interesses e pensava que os métodos educativos e os programas deveriam estar a serviço e em torno do educando e não o contrário. Priorizava a educação, a despeito da instrução e não atribuía ao saber, algum valor funcional. Claparède acreditava na importância de se despertar o interesse pelo conhecimento na pessoa desde cedo e entendia também que a escola deveria ensinar a sociedade a valorizar do mesmo modo as profissões liberais e as manuais, minimizando assim divergências econômicas e sociais.” (Hamelin 2010: 32).

Mathis Lussy (1828-1910), também conterrâneo e contemporâneo de Jaques-Dalcroze, foi

principalmente um teórico-musical autodidata que empreendeu diversos estudos sobre a questão do

ritmo na música. Para Lussy, era de suma importância que o compositor tivesse pleno domínio da

escrita métrica e rítmica para que ele pudesse transmitir suas ideias musicais com fidelidade,

empreendendo-se tanto em ensinar ao compositor aprendiz mecanismos para adquirir esta

habilidade, quanto em educar a interpretação musical do artista. E isso cria evidentes ressonâncias

nos ideais e objetivos de Dalcroze, que também se dedica em desenvolver a capacidade do aluno em

interpretar as diferentes ideias musicais, mas por um viés puramente prático.

Outra importante influência psicopedagógica, mas indireta, foi o educador suíço Johan

Heinrich Pestalozzi (1746 – 1827), autor do livro de instrução educacional em forma de romance

Leonardo e Gertrudes. Pestalozzi era um simples agricultor de origem modesta, mas com formação

educacional, e que sentia que o sistema rígido e pouco afetivo de educação não era positivo às

crianças. Assim, sua dedicação ao ensino deu-se através de suas diversas experiências voluntárias

na instrução de meninos e meninas órfãs. E, em seu sistema educacional, ele pregava a abolição dos

castigos corporais e de recompensas; a introdução da cultura física e de preceitos de higiene; além

do ensino individualizado de acordo com as aptidões dos alunos.

Todas essas características, nós também encontramos na abordagem de Dalcroze, apesar da

significativa distância temporal entre as duas personalidades. Por isso, acreditamos que a importante

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passagem de Pestalozzi por Yverdon, tenha-se refletido na educação da mãe de Émile Jaques, e esta

lhe transmitiu os princípios do educador.

1.6 Pensamento “dalcroziano”

As questões filosóficas sempre estiveram fortemente presentes em Dalcroze. Por isso, torna-

se necessário abordá-las para compreendê-lo.

Sua busca por uma vida equilibrada que partisse de um completo autoconhecimento, talvez

seja um dos princípios básicos geradores de toda sua reflexão filosófica. E, como adepto da antiga

visão de homem como ser dual - de um lado o espírito e do outro a matéria - Dalcroze acreditava

que este equilíbrio se estabeleceria na harmonização entre o corpo (instinto, ação, sentido, etc.) e a

mente (alma, sentimentos, imaginação, inteligência, etc.)

Além destas reflexões muito comuns ao homem, Dalcroze desenvolveu um pensamento

sobre a música, ao longo de sua vida. E este ponto é de suma importância para a nossa abordagem

de seu trabalho musical. Para o artista, a música e a própria vida possuem uma forte ligação

incomum a qualquer outra arte ou atividade humana. Pois, segundo Dalcroze, nenhuma faculdade

humana é imune à música: ela influencia nossos sentimentos e revela nossos instintos, além de gerar

imaginação e profundas reflexões.

E, a partir desses pontos fundamentais - vida equilibrada pelo autoconhecimento e pela

harmonização da dualidade do ser; e a música como meio de reunião dos componentes do ser

humano -, Jaques-Dalcroze constrói toda sua filosofia de vida, desenvolvendo-a a pensamentos

muito particulares.

O artista acreditava que para o desenvolvimento de um completo autoconhecimento, é

necessário um processo de aprendizado que se inicie através do corpo e que consequentemente

atinja a mente e o espírito. Para este fim, Dalcroze conclui que a música é a mais capaz de realizar

este processo, e mais especificamente, o ritmo, pois ele é a base de todas as manifestações vitais.

Assim, para se aprender qualquer coisa deve-se primeiramente partir pelas experiências do corpo,

pelos sentidos: deve-se apenas andar antes de seguir um ritmo, deve-se apenas ouvir antes de cantar

uma melodia.

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Outra importante busca do artista resultante de suas reflexões fundamentais é o

desenvolvimento da liberdade de expressão e de pensamento. Ele defendia que por meio da prática

contínua de diversas atividades musicais que partissem da experimentação de todo o corpo e que

causasse impressões no espírito, todo indivíduo seria capaz de agir e reagir frente a qualquer

situação, garantindo sua autonomia de vida.

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Capítulo 2: Método Jaques-Dalcroze

2.1 Aspectos gerais

Ao ser nomeado professor de Harmonia e Solfejo do Conservatório de Genebra, em 1892,

Dalcroze observa grandes deficiências musicais e diversas dificuldades de aprendizado nos alunos.

O que possivelmente, não o tenha surpreendido, pois ex-aluno da Instituição e sabido de seu ensino

tradicional, sempre acreditou numa metodologia de ensino mais humanista e libertária.

Com isso, já com uma importante experiência musical e equipado de um bom conhecimento

científico pedagógico, começa a desenvolver novas práticas de ensino com os alunos do

Conservatório, sem deixar de sistematizá-las.

Este trabalho desenvolvido pelo artista torna-se uma extensa obra didático-musical chamada

de Método Jaques-Dalcroze, publicado, pela primeira vez, em 1906.

Criado, inicialmente para os alunos do Conservatório de Genebra, seu método foi, na

realidade, uma obra de grande importância pessoal para o artista. Pois aplica de maneira prática

muitos dos ideais artístico-filosóficos de seu autor: a união e o equilíbrio entre corpo e intelecto,

entre sensação e razão; a saudável liberdade e capacidade de auto expressão; a unificação das artes;

uma conexão direta entre arte e vida.

Posteriormente, ao dar continuidade a seu método no Instituto de Hellerau, onde tinha todos

os recursos disponíveis e recebia amplo apoio e auxílio de seus admiradores, o artista, mais

amadurecido em suas ideias e, mesmo, em suas técnicas, realiza uma segunda edição da 1ª e mais

importante parte do seu método. Esta nova edição, concluída em 2 volumes, em 1916 e 1918,

baseia-se principalmente em suas atividades no instituto alemão, e evidencia o maior nível de

conhecimento e entendimento do seus alunos de Dresden em relação aos estudantes de Genebra.

Apesar deste longo e intenso trabalho de Dalcroze, pouco se conhece sobre a estruturação e

a aplicação do método original. Provavelmente, por ter sido uma obra inicialmente muito particular,

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destinada apenas a seus alunos, e, por ser muito específica, tornando seu foco muito restrito e de

pouco interesse editorial. Assim, através dos textos publicados e dos livros indexados podemos

supor que o Método Jaques-Dalcroze dividia-se em 5 partes: Gymnastique rythmique; Etude de la

portée musicale; Les Gammes et les Tonalités, le Phrasé et les Nuances; Les intervalles et les

accords; L’improvisation et l’accompagnement au piano. Entre elas, a mais importante, que é

divulgada e aplicada até hoje, é a Gymnastique rythmique.

2.1 Rítmica

A primeira parte do Método, a Ginástica Rítmica, é reconhecidamente a mais

importante, tanto na visão do próprio autor, como na visão do meio pedagógico musical. E que,

posteriormente, por motivos práticos, foi simplesmente chamada, pelo próprio compositor, de

Rítmica.

O principal objetivo da Rítmica é desenvolver as diversas capacidades musicais do aluno,

que envolvem o ritmo, a partir do conhecimento e desenvolvimento de seu próprio corpo e de sua

compreensão musical, associando os movimentos físicos à música, e vice-versa.

Como todo o Método, este trabalho didático é bastante detalhado e organizado,

apesar de ser uma obra completamente original no conteúdo e na abordagem de sua prática.

A obra tem 2 diferentes edições, sendo que o material escrito é destinado exclusivamente ao

professor: uma escrita em Genebra e dedicada aos alunos do Conservatório, datada de 1906,

encontrando-se apenas o primeiro de 2 volumes; e outra de 1916 e de 1918, também dividida em 2

volumes, mais propriamente destinada aos alunos do Instituto de Hellerau. E, apesar de suas

significativas diferenças, ainda podemos discorrer sobre seus procedimentos metodológicos

conjuntamente.

Primeiramente, há explicações sobre os motivos da criação do Método em si; depois,

discorre-se quanto aos diversos conhecimentos prévios necessários ao professor, detalhando-os,

além de ensinar os exercícios que serão aplicados; por fim, passa-se para a execução dos exercícios

devidamente encadeados e divididos de acordo com a métrica musical – inicia-se com o compasso

binário, seguindo-se o ternário, depois o quaternário, etc. -, terminando cada conjunto de exercícios

com a execução de uma ou mais Marchas Rítmicas específicas.

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Mesmo com um trabalho escrito, além do prático, bastante desenvolvido sobre a aplicação

de seu método, não houve significativa continuidade na utilização da Rítmica como ela foi

originalmente concebida. Mas suas metodologias, atividades, ideias e mesmo ideologias da prática

do ensino musical são um legado que ainda rende frutos. Assim, desenvolveram-se, desde as

primeiras divulgações internacionais das atividades pedagógicas do artista, diversos trabalhos sobre

a educação musical que alimentaram a sua pedagogia. E hoje, ao redor do mundo, há diversas

escolas de música que se utilizam dos preceitos do educador, e até algumas exclusivamente

dedicadas a um ensino “dalcroziano”.

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Capítulo 3: Análise das Marchas

3.1 Aspectos gerais

As 84 Marchas Rítmicas, material suplementar da Rítmica do Método Dalcroze, são obras

didático-musicais escritas para piano e voz, sem texto, utilizando-se apenas da vocalização da sílaba

“lá” como expressão cantada. A parte do piano é destinada ao rythmicien, pianista e professor de

música conhecedor do ensino dalcroziano, e a parte do canto é destinada aos alunos do referido

método, que devem cantar caminhando no ritmo de sua melodia. O principal objetivo deste material

é o desenvolvimento de todos os potenciais técnico-artísticos das crianças, envolvendo o

entendimento e a expressão musical através do ritmo e dos recursos corporais: o canto, a dança e os

gestos.

Pensadas didaticamente, baseando-se principalmente nos estudos teórico-musicais de Lussy,

na psicopedagogia de Claparède, na experiência gestual de Delsarte e no conhecimento indireto das

experiências do educador Pestalozzi, as marchas são criadas de modo a apresentar os materiais

musicais de forma organizada e gradual.

Como o ritmo é o elemento chave do pensamento dalcroziano, as peças se constroem

principalmente sobre este aspecto musical. Mas, ainda em vista das reflexões de Dalcroze, o artista

pensava a música e a própria vida de forma global, procurando as mais diversas conexões entre

todas as coisas. Assim, Dalcroze considera o ritmo como uma característica que está em tudo e em

todos, sendo primordial a sua utilização junto aos demais elementos musicais e artísticos, que

devem ser sempre subordinados a ele.

Outro caráter fundamental é a questão corporal. Na realidade, podemos dizer que a

ideia do elemento rítmico como o princípio de tudo surge da ideia de corpo como princípio da arte e

da vida. Dalcroze, interessado no pensamento dos gregos antigos e dos neoclássicos, observa que o

homem desenvolve o fazer artístico, inicialmente, através da expressão corporal, sendo este

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conhecimento primordial para a obtenção de algum domínio da arte. Sabendo-se disso, constatamos

que expressão corporal e movimento corporal, bem como movimento e ritmo são conceitos

intrinsecamente interligados. Nesse sentido, pode-se criar uma associação imediata entre corpo,

movimento e ritmo.

Assim, resumidamente, as marchas são destinadas ao desenvolvimento da expressão

corporal rítmica, colaborando para o maior entendimento dos conhecimentos cênico-musicais.

Em busca da compreensão desses meios e objetivos empregados na obra em questão,

empreendem-se, a seguir, as análises de algumas das Marchas Rítmicas mais significativas do

primeiro volume e que melhor exemplificam o método. Para tanto, escolhemos as Marchas nº 1, nº

6 e nº 18.

Antes de trabalharmos separadamente, em cada Marcha selecionada, gostaríamos de

esclarecer algumas peculiaridades gerais, na escrita de toda a obra:

• A semínima é sempre a figura de referência, ou seja, é sempre a figura da pulsação;

• O compositor escreve para cada uma das marchas, em um lugar separado (no alto da

página de cada Marcha), tanto a fórmula de compasso como o próprio ritmo que o aluno encontrará

na música em questão, não havendo fórmula de compasso na partitura em si;

• A definição do andamento é apenas feita pela marcação da velocidade da semínima

em medida metronômica;

• Não há sinais de dinâmica, podendo ser um indício de certo grau de liberdade dada

pelo compositor ao professor e, até mesmo, ao aluno;

• A escrita musical é mais simplificada na parte vocal - destinada à criança que

aprenderá a sua linha mais por memória do que por leitura -, enquanto é mais detalhada na parte

instrumental – destinada ao professor pianista que terá sempre a partitura à disposição;

• Quanto às ligaduras de expressão, o compositor sempre as escreve na parte

instrumental. Contudo, na parte vocal, elas ocorrem de maneira mais intuitiva, prolongando-se em

mais de uma nota a vocalização de um mesmo “lá”, o que naturalmente exige que a criança cante

essas notas numa mesma articulação, ligando-as;

• Outra escrita indicativa dos detalhes da execução é o uso das pausas na parte do

piano. Pois elas, por muitas vezes, não são necessárias para a determinação do ritmo musical

propriamente dito, mas ocorrem, aparentemente, em colaboração com as intenções interpretativas

das peças. Por exemplo: ao escrever uma nota em semínima seguida de uma nota em colcheia, com

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ligadura de expressão entre elas e seguida de pausa de colcheia, o compositor enfatiza a articulação

da nota inicial, que em si mesma já deveria ser mais valorizada por ser a primeira nota da ligadura,

tradicionalmente assim interpretada. Mas, ao dar uma duração menor para a segunda nota, deixa-se

mais claro que esta deve ser de importância menor e mais leve que a primeira;

• Notamos também a importância do signo “ ”, muito utilizado em toda a obra, e que

indica o momento da respiração de quem canta a marcha. Segundo o Prof. Iramar Rodrigues,

rythmicien do Instituto Dalcroze de Genebra, esse signo também é um sinal de terminação de frase

ou de membro de frase (aula proferida na Oficina Dalcroze, promovida pelo Conservatório Brooklin

Paulista, em 2012). Assim sendo, procuramos dividir as frases e membros de frases de acordo com

a aparição do signo “ ”.

3.2 Marcha nº 1

Inicialmente deparamo-nos com uma peça simples e clara em seus detalhes. Esta é

justamente a principal característica da obra: como é a primeira música a ser oficialmente

apresentada pelo professor do método, ela deve ser de fácil compreensão para a criança iniciante.

Como esta se encontra no início de seu desenvolvimento musical, os elementos estruturais

apresentados e os diferentes movimentos exigidos devem ser fáceis e sugestivos. Ainda assim, o

cumprimento de todas as exigências da partitura pode se tornar uma tarefa árdua.

Nesse sentido, para cumprir com as necessidades de desenvolvimento da criança nesta etapa

inicial, há diversas limitações de recursos musicais que aparecem como características a priori:

• Desenho vocal igual à linha mais aguda do piano, o que facilita para o aluno o

entendimento e a execução da melodia, bem como a assimilação da pulsação rítmica da peça;

• Semínimas e colcheias são as únicas figuras utilizadas. Na parte grave do piano

(clave de Fá), as colcheias aparecem como “prolongamento” de uma semínima – semínima ligada à

colcheia por ligadura de valor - e como sons rápidos em sequência. Assim sendo, a linha do baixo

torna-se bastante importante para o aluno, tanto na relação com a pulsação, como na absorção de

novos elementos rítmicos.

Os aspectos gerais da Marcha nº 1 são:

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• Duração aproximada de 1’15’’;

• Tonalidade de Dó maior em escrita harmônica simples;

• Compasso binário;

• Andamento de a 104 batidas por minuto;

• Estrutura formal A B ||: A’ :||.

Partindo agora para uma análise mais detalhada, a fim de nos aproximarmos de outras

intenções do compositor, identificamos a seguir cada uma das seções, discorrendo sobre suas frases,

membros de frases e incisos.

A Seção A (Ex. 1) estende-se do início da marcha até o final do compasso 16, e é

caracterizada por duas frases de estruturas simétricas.

Ex.1 - Seção A da Marcha Rítmica nº1 de Émile Jaques-Dalcroze (comp. 1-16)

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A primeira frase (compasso 1 ao compasso 8) se constitui de dois membros: o primeiro

(compasso 1 ao compasso 4) - insistente nas notas Sol e Dó, e de impulso inicial anacrústico de

quarta justa ascendente - é caracterizado por movimentações marcantes entre os tempos débeis (2º

tempo de compasso) e os incisivos (1º tempo de compasso). Trata-se de um bom elemento de início,

pois apresenta de forma clara as notas principais do centro tonal (Dó e Sol), realçando os tempos

fortes e fracos. Quanto às harmonias, predomina o acorde de I grau, observando-se a utilização de

graus pares (IV e II grau) no compasso 3.

O segundo membro da primeira frase (comp. 5 ao comp. 8) é ainda mais recorrente na nota

Sol, mas também reforça a nota Mi. Este membro é formado pela repetição de um mesmo inciso de

dois compassos, construídos por esta célula de duas notas – “Sol-Sol-Sol-Mi”.

Na verdade, poderíamos dizer que, se tentarmos dividir esta frase apenas em incisos e

identificá-los, surgiria um modelo geral: basicamente um salto descendente formado por uma nota

no 1º tempo e uma no 2º tempo de um mesmo compasso (seja formando um intervalo de quarta,

seja um intervalo de terça). Este procedimento caracteriza a construção melódica dentro das notas

dos acordes tonais que a apoiam.

Assim, observamos que a 1ª frase é principalmente formada pelo acorde de Dó maior.

Quanto às articulações desta frase, também importantes nessas peças, há apenas ligaduras de

expressão entre as notas dos incisos que aludem ao acorde de Dó, o que pode significar um tipo de

aviso sonoro à criança sobre o pertencimento destas notas a uma mesma harmonia e sobre a sua

especial posição hierárquica na tonalidade.

A segunda frase da seção A, simétrica à primeira, assemelha-se a uma frase consequente de

um período, mas de comportamento harmônico que se diversifica ao final. Tal comportamento não

conclui uma “ideia” nem afirma a sua tonalidade, visto que o segundo membro desta frase modula e

termina com uma cadência em Sol maior, que soa passageira, pois logo retorna para a tonalidade de

Dó maior.

Assim, temos um primeiro membro de frase quase idêntico ao primeiro membro da 1ª frase,

excetuando-se o impulso inicial anacrústico (não mais apresentado) e o acompanhamento no baixo,

agora enriquecido com notas de passagem em colcheias. É possível que essa movimentação em

colcheias tenha sido apresentada para que a criança já comece a ouvir uma subdivisão rítmica,

iniciando assim novas relações com esse elemento antes de o executar.

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Já o segundo membro, é completamente diferente quanto à harmonia do seu correlato da 1ª

frase, pois, enquanto o segundo membro da frase inicial apenas cadencia de forma tradicional (V- I)

e insistente no próprio Dó maior, este constrói dois encadeamentos que afirmam outros acordes

(outros graus), sendo o primeiro em Mi menor (acorde do III grau, que é a terça de Dó maior) e o

segundo em Sol Maior (acorde do V grau, que é a quinta de Dó maior). Apesar disso, ele mantém,

bem como toda a segunda frase, o perfil do desenho melódico e, consequentemente, a ideia do

inciso gerador.

A seção B (Ex. 2), compreendida entre os compassos 17 e 32, que ainda se encontra no tom

de Dó maior e que também é formada por duas frases simétricas, preserva muitos dos princípios da

seção inicial. Mas, como é até necessário para uma seção diferenciada, ela tem suas próprias

propostas, propiciando novos desafios aos alunos.

Ex.2 - Seção B da Marcha Rítmica nº1 de Émile Jaques-Dalcroze (comp. 17-32)

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A primeira frase de B (do compasso 17 ao compasso 24), assim como as frases de A,

segmenta-se em dois membros: o primeiro (do compasso 17 até a cabeça de tempo do compasso

20), constituído de um tipo de arpejo de Fá maior com sétima maior na linha vocal – “Mi-Dó-Dó-

Lá-Lá-Fá-Fá” - e de acordes de função de subdominante precedidos por suas dominantes

individuais – “Mi M - Lá m / Dó M – Fá M / Lá M – Ré m” -, caracteriza-se por justamente

deslocar a movimentação forte em direção ao tempo fraco e a movimentação fraca em direção ao

tempo forte. Assim, apesar de utilizar-se do mesmo inciso da seção A, e de forma ainda mais

proeminente – pois o motivo de terças descendentes ocorre por todo o membro em progressão

melódica -, as harmonias que acompanham a melodia promove uma movimentação de

fundamentais de intervalo de quarta ascendente entre o 1º e o 2º tempo de cada compasso, a mais

forte; enquanto que entre o 2º e o 1º tempo de cada compasso, o movimento das fundamentais dos

acordes é de terça ascendente, um dos mais fracos possíveis. Com isso, é colocado um novo desafio

ao aluno, o de caminhar com uma movimentação harmônica antinatural, sem deixar de dar uma boa

referência: o sugestivo desenho melódico formado pelo reconhecível inciso.

Já o segundo membro dessa primeira frase da Seção B (do segundo tempo do compasso 20

até o compasso 24), é um claro elemento de contraposição ao primeiro. Percebemos as diferenças

desde o caráter fraseológico, pois o primeiro membro inicia-se e termina em tempo forte de

compasso, caráter tradicionalmente reconhecido como masculino; enquanto que o segundo membro,

de inicio anacrústico e terminação em tempo fraco, mostra-se um membro de frase feminina.

Assim, enquanto a parte inicial desta frase possui uma movimentação menos natural e menos fluida,

pois o caráter masculino também pode indicar certa dureza no gesto, a segunda parte retoma o

movimento melódico-harmônico em concordância com o movimento rítmico, com a métrica da

música: este segundo membro da frase se abstém da melodia formada de incisos encadeados para

incluir um novo elemento melódico ainda mais simples e fluente, o desenho vocal em graus

conjuntos; e a harmonia volta a desenvolver as mudanças mais fortes em direção ao 1º tempo de

cada compasso. É interessante observar que este é o único momento em que a criança precisa cantar

notas que podem ser consideradas estranhas aos próprios acordes, como nota de passagem e

apojatura.

A segunda frase de B (do compasso 25 ao compasso 32), simétrica à primeira, diferencia-se

realmente apenas em seu segundo membro. Por isso partimos diretamente para análise deste:

mesmo não sendo idêntico ao segundo membro da 1ª frase, seu análogo da 2ª frase respeita os

mesmos princípios – fluente desenho vocal em graus conjuntos e de movimento melódico-

harmônico em concordância com a métrica da música -, mas realizando o desenho melódico em

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direção oposta e exclusivamente em graus conjuntos, além de caracterizar-se com terminação

masculina. Assim, este segundo membro é o único trecho visto até aqui de linha melódica

ascendente, caracterizando-se como o trecho mais dinâmico – movimentação melódico-harmônica

fluente e forte; início anacrústico; insistente harmonia do V grau, gerando maior tensão; notas mais

agudas gradualmente alcançadas, o que naturalmente exige maior energia da criança; e terminação

masculina, tornando o trecho bastante incisivo. O momento em que isto ocorre é muito

providencial, pois é o final da Seção B, dirigindo-se a Seção A’, desenvolvendo maior atenção do

ouvinte e, consequentemente, da criança para a retomada da frase inicial da música, presente em A’

com pequenas modificações.

Neste segundo membro de frase notamos como o compositor se utiliza do signo “ ” para

dividir as frases e melhor esclarecer suas intenções. Pois em seu análogo da primeira frase de B só

se encontrava este sinal fraseológico antes de seu início e após sua última nota. Enquanto, que na

segunda frase, o signo “ ” aparece dividindo o primeiro e o segundo membro no meio, além de

delimitar seus inícios e finais, tornando os trechos mais afirmativos; como também, o último “ ”

posiciona-se entre o 1º e o 2º tempo do último compasso do segundo membro, caracterizando seu

final no 1º tempo e gerando uma terminação masculina.

Após A e B, temos A’ (Ex. 3), do compasso 33 ao compasso 48, também formada por duas

frases simétricas. A esta seção adiciona-se um elemento rítmico pouco visto durante toda a marcha:

articulações mais rápidas que a própria pulsação. Com isso, estruturalmente a 1ª frase de A’ (comp.

33 ao comp. 40) é praticamente idêntica à 1ª frase de A, e mesmo o primeiro membro da 2ª frase de

A’ (comp. 41 ao comp.44) é de grande semelhança ao correlativo de A. Encontramos diferença,

apenas no acompanhamento do baixo, agora constituído de colcheias ininterruptas, desenvolvendo

esta escrita com notas de passagem e saltos que aludem aos arpejos para manter as mesmas

harmonias. Desta forma, o compositor mantém as notas do baixo, nas partes fortes de tempo,

inalteradas em relação à seção A.

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Ex.3 - Seção A’ da Marcha Rítmica nº1 de Émile Jaques-Dalcroze (comp. 33-48)

A diferença estrutural da última seção encontra-se apenas no segundo membro de sua 2ª

frase (comp. 45 ao comp. 48), pois, como momento final da música, deve-se – dentro da estética

utilizada pelo compositor -, concluir com uma cadência em Dó maior.

Nestes 4 compassos finais, o que nos surpreende, é a diversidade de sua composição:

abandona-se tanto o inciso característico da seção, como os desenhos melódicos e as sequências

harmônicas já utilizadas anteriormente tanto em A, quanto em B; ocorrem 6 acordes diferentes;

aparecem os únicos cromatismos na parte do piano e na parte da voz; e há mudança rítmica no

acompanhamento do baixo que se inicia marcando a subdivisão e termina apenas na pulsação da

música.

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Mas, apesar das evidentes diferenças, a cadência é forte e clara: 2 acordes de subdominante

no compasso 45, o IV6 e o II43; 2 acordes pré-cadenciais no compasso 46, o II4

3 com a fundamental,

a terça e a quinta alteradas, e o I64; penúltimo compasso (comp. 47) composto por I6

4 e V43, a

dominante; e último compasso (comp. 48) formado pelo esperado I em estado fundamental. E outra

característica, que guarda alguma ligação com as seções anteriores, é sua construção melódica, que

enfatiza as notas da tríade do I grau.

Um interessante elemento melódico que identificamos neste final, são suas 4 últimas notas:

“Mi-Sol-Sol-Dó”. Observadas em pares: “Mi-Sol” e “Sol-Dó”, percebemos que a 1ª frase da

marcha termina no 1º par, mas no sentido contrário; e inicia-se no par “Sol-Dó”. Assim, o conteúdo

melódico “Mi-Sol-Sol-Dó” poderia simbolizar a síntese da frase inicial da marcha – elemento

paradigmático da peça -, criando um fechamento bastante afirmativo da tonalidade e da métrica

através de sua unicidade estrutural.

3.3 Marcha nº 6

Assim como em diversas peças de toda a obra, a escrita desta marcha é bastante homofônica

e quase monorrítmica. O que não se constitui num problema quanto ao foco da análise, pois,

segundo Dalcroze, o ritmo caracteriza-se como um dos elementos mais importantes da música,

tanto sozinho, quanto associado aos outros elementos musicais, o que nos impele a identificá-lo,

principalmente, em suas inter-relações com a melodia e com a harmonia.

Nesta marcha, como na primeira, o compositor ainda se interessa em utilizar poucos

recursos musicais. A principal característica é a inserção de um elemento métrico ainda muito

recente aos estudantes do método: o uso alternado de 2 fórmulas de compasso, ternário simples e

binário simples.

Dentro desse contexto, podemos listar as limitações de elementos musicais que são

características a priori:

• Desenho vocal igual à linha mais aguda do piano, o que facilita para o aluno o

entendimento e a execução da melodia, bem como a absorção da pulsação da peça;

• Semínimas e mínimas são as únicas figuras utilizadas. A semínima é notadamente a

mais presente: a parte vocal utiliza apenas esta figura e o piano nunca deixa de executá-la. As

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mínimas são inseridas ao piano, pontualmente e de duas maneiras: como uma voz interna, por

motivação harmônica; e como linha do baixo, produzindo um ritmo diferenciado.

Eis os aspectos gerais da Marcha nº 6:

• Duração aproximada de 40”;

• Tonalidade de Mi Maior em escrita harmônica simples;

• Compasso misto: dois ternários simples alternados com dois binários simples;

• Andamento de a 96 batidas por minuto;

• Estrutura formal unitária.

É interessante notar desde o início, que, ao escolher uma métrica mista formada por 2

compassos ternários simples alternados com 2 compassos binários simples, o compositor abre-se à

possibilidade de criar uma música que pareça utilizar apenas a métrica binária, exigindo maior

atenção do aluno na percepção rítmica.

A peça não se caracteriza claramente em diferentes seções, pois se constitui de 6 frases

simétricas que se inter-relacionam, dividindo diversas semelhanças: inícios téticos; terminações

femininas (descendentes); estrutura de 4 compassos; textura homofônica.

A 1ª frase (Ex. 4), do compasso 1 ao compasso 4, é inteiramente escrita em semínimas,

tornando a harmonia e a condução das vozes as maiores responsáveis pela clareza métrica do

trecho: a melodia recai sempre no Sol# nas cabeças de compasso; nos compassos 1 e 2 (os

ternários), o baixo movimenta-se paralelamente ao canto; as principais mudanças harmônicas se

encontram apenas entre compassos. Quanto à afirmação tonal, ao reduzirmos as harmonias em seus

acordes estruturais, encontraremos um encadeamento tipicamente forte: I – 1V7 – V, finalizando

numa tradicional semi-cadência.

Ex.4 – 1ª frase da Marcha Rítmica nº6 de Émile Jaques-Dalcroze (comp. 1-4)

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A 2ª frase (Ex. 5), do compasso 5 ao 8, apesar de utilizar apenas semínimas, constrói um

claro contraste em relação à frase anterior: linha melódica angulosa e de extensa tessitura; condução

da voz do baixo essencialmente em movimento contrário à melodia; e intensa mudança harmônica

(um acorde diferente a cada tempo), terminando também em semi-candência. Assim, a sensação

métrica passa a ser menos enfatizada e, com a maior diversidade de conteúdo, direciona-se o aluno

à uma percepção mais refinada.

Ex.5 – 2ª frase da Marcha Rítmica nº6 de Émile Jaques-Dalcroze (comp. 5-8)

A 3ª frase (Ex. 6), que se encontra entre os compassos 9 e 12, insere as primeiras notas

longas. Mas só a última é realmente significativa, pois a diferenciação rítmica da primeira é muito

sutil - uma mínima pontuada em uma voz interna, numa nota menos relevante. Com isso,

observamos no compasso 12, onde quase todas as vozes estão em mínimas, o primeiro momento da

percepção do som longo na peça. Além disso, vale a pena observar que é neste compasso que ocorre

a primeira cadência repousante, e o som longo valoriza a sensação de resolução. Mesmo assim, a

terminação desta frase não resolve a sensação de suspensão dos finais das frases anteriores. Pois, na

3ª frase, ocorre a modulação para uma das tonalidades vizinhas, o III grau (Sol# menor), na

cadência que a pontua.

Ex.6 – 3ª frase da Marcha Rítmica nº6 de Émile Jaques-Dalcroze (comp. 9-12)

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Assim, até aqui, em nenhum momento ocorre uma finalização de frase no I grau da Marcha.

E essa falta de pontuações conclusivas, implica o engendramento de novas frases e,

consequentemente, conduz o aluno a prosseguir com a música, preparando-o para novos desafios.

A 4ª frase (Ex. 7), do compasso 13 ao 16, também possui uma terminação em cadência

perfeita em nota longa no baixo e em voz interna, demonstrando que esta analogia entre som longo

e repouso foi deliberadamente pensada pelo compositor. E, novamente, a cadência ocorre em outra

tonalidade, Dó# menor (VI grau), deixando a resolução do tom principal ainda mais distante.

Assim, esta frase é de percurso harmônico mais distante do centro principal, Mi Maior, e, junto a

isso, de maior densidade harmônica. Desta forma, a harmonia é o que mais se destaca para o aluno

neste trecho e, justamente neste momento, o compositor volta a utilizar uma melodia menos

angulosa, equilibrando as dificuldades.

Ex.7 – 4ª frase da Marcha Rítmica nº6 de Émile Jaques-Dalcroze (comp. 13-16)

As duas últimas frases, a 5ª e a 6ª, são as únicas que cadenciam no I grau do tom principal,

e são as mais semelhantes entre si: os desenhos das linhas de todas as vozes são muito parecidos,

ocorrendo até repetição melódica. Possuem a mesma textura e cadências quase iguais. Assim, a 5ª e

a 6ª frase (Ex.8), que se encontram entre os compassos 17 e 20, e entre os compassos 21 e 24,

respectivamente, podem ser analisadas conjuntamente.

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Ex.8 – 5ª e 6ª frase da Marcha Rítmica nº6 de Émile Jaques-Dalcroze (comp. 17-24)

Enquanto o percurso musical da 1ª até a 4ª frase expande a percepção, exigindo maior

atenção e agudeza auditiva, estas duas últimas frases possuem uma construção mais clara e

homogênea, o que facilita a compreensão e absorção do conteúdo. Quanto às durações, o

compositor utiliza-se de um padrão rítmico no baixo, simplificando a percepção das diferentes

métricas –“ \ \ \ “ -; quanto à melodia, identificamos maior equilíbrio sonoro em relação

às linhas de acompanhamento e à linha do baixo. Finalmente, quanto aos acordes, notamos a

representação de uma função tonal a cada compasso, ressaltando a influência da harmonia na

métrica. Na 5ª frase, as funções são: “ V97-VI2-VII6

4 (Dominante) | VI64-V

65/IV-IV (Subdominante)

| I64-V

7 (Dominante) | Sobretônica-I (Tônica)”. Na 6ª frase, o primeiro compasso (comp.21) se

enriquece com a dominante individual – “V7/IV-II2-VII64/IV (Dominante da Subdominante)”. E

conclui-se a frase com o seguinte esquema harmônico: “II64-IV

6-IV6#§ (Subdominante) | I6

4-V7

(Dominante) | Sobretônica-I (Tônica)”.

Com isso, apesar desta Marcha caracterizar-se como uma forma unitária, observamos um

percurso estrutural: 1ª e 2ª frase estabelecem a tonalidade e, ao mesmo tempo, incitam a

continuidade do discurso; 3ª e 4º frase distanciam-se do centro tonal principal e exploram contornos

melódicos um pouco mais angulosos; 5ª e 6º frase reafirmam a tonalidade principal e incitam o

aluno a uma execução mais enérgica e afirmativa, garantindo um claro encerramento da peça ao

aluno.

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3.4 Marcha nº 18

No momento em que esta marcha é aplicada pelo rythmicien, os alunos já estão bastante

familiarizados com diversas figuras – semínima, mínima, colcheia, mínima pontuada, semibreve,

colcheia pontuada -, utilizadas em várias peças anteriores na parte do piano. Além disso, as crianças

devem estar proficientes na execução de compassos binário, ternário e quaternário. Assim, as

possibilidades da escrita do piano estão bastante enriquecidas, e o aluno, mais apto a interpretar

frases de estruturas maiores e mais complexas.

A partir destas experiências, o compositor cria uma Marcha de estrutura mais longa e

complexa em relação às anteriores, utilizando dois novos fatores: parte vocal em mínimas, em

métrica quaternária, e “guia melódico” na linha interna do piano (parte superior da mão esquerda).

Sabendo-se desses recursos já conquistados pelo aluno, é interessante observar que, ainda assim, os

cuidados com a construção da peça não são reduzidos, mas contextualizados em um grau de

dificuldade maior: as linhas continuam simples e bem delimitadas, mas com maior complexidade

contrapontística; há diversas mudanças de texturas (sem esquecer a organização lógica),

caracterizando as seções da peça; e as harmonias são mais elaboradas, sem perder de vista a

afirmação da tonalidade principal.

Entre todas estas novas possibilidades, ressalta-se uma característica comum: a linha vocal,

que se desenvolve apenas em mínimas seguindo a voz intermediária do piano.

Os aspectos gerais desta marcha são:

• Duração aproximada de 1’30’’;

• Tonalidade de Lá bemol Maior;

• Compasso quaternário;

• Andamento de a 86 batidas por minuto;

• Estrutura formal A B, subdividida em a a’ b a’’.

A seção A (Ex. 9), estende-se do compasso 1 ao compasso 16 e é constituída por 4 frases

simétricas que formam uma estrutura semelhante a um período: a 1ª e a 2ª frase correspondem ao

antecedente do período e à subseção a, enquanto a 3ª e 4ª frases correspondem ao consequente e à

subseção a’.

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Ex.9 – Seção A da Marcha Rítmica nº18 de Émile Jaques-Dalcroze (comp. 1-16)

A frase inicial (comp. 1 ao comp. 4) é formada por dois membros iguais, constituídos por

um desenho melódico simples e característico, mas pouco sugestivo quanto às harmonias que o

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acompanham. Assim, ao discorrermos a respeito de um membro de frase, já estamos analisando o

outro.

Neste 1º membro da frase 1, as diferenças nas utilizações das figuras são bastante claras e

parecem delimitar funções métricas para as linhas do piano e para a linha da voz: a linha do baixo é

um pedal em Láb que dura duas semibreves, valorizando a nota fundamental da tonalidade e

marcando a divisão dos membros; a linha central do piano e a linha vocal, através da escrita de

mínimas, delimitam os tempos mais fortes e enfatizam o 1º tempo de cada compasso pela diferença

das alturas – a nota mais grave e a mais aguda do trecho encontram-se no tempo 1 de compasso; a

mão direita do piano caracteriza as harmonias principais de cada compasso (I e V), e garante a

identificação da pulsação.

Harmonicamente, observamos uma maior riqueza por meio de um simples processo

composicional, a construção das linhas em camadas. Assim, enquanto o baixo prende-se em Láb, a

linha central canta “Mib–Fá–Dó–Sib”, identificando-se naturalmente com 3 acordes diferentes, e a

parte aguda do piano, em notas duplas, indicaria duas harmonias diferenciadas neste mesmo trecho.

Por isso, ao mesmo tempo em que a sonoridade do tom de Láb Maior é mantida por cada voz, a sua

composição torna a tonalidade menos afirmativa e mais “colorida”, resultando nos seguintes

acordes: “I VI65 Sobretônica”. E, após a identificação das harmonias, a nota Dó da melodia

adquire o caráter de apojatura longa, além de ser a nota mais aguda da frase.

É interessante observar, nesta frase inicial da música, que a tonalidade é claramente

estabelecida para o aluno, sem que ele precise cantar a nota principal do tom (Láb), indicador de um

entendimento mais complexo das funções tonais que os previstos nas marchas anteriormente

analisadas.

A 2ª frase (compasso 5 ao 8), ainda pertencente ao antecedente do período (subseção a),

mantém a mesma textura da frase anterior e praticamente a mesma organização rítmica das vozes,

bem como a utilização do simples inciso de duas notas em grau conjunto. Apenas o baixo passa a se

movimentar com uma semibreve para cada compasso.

Nesta frase, é interessante notar como o compositor busca desenvolver a percepção do aluno

para um nível mais complexo. Pois a partir de uma melodia muito simples - um trecho diatônico em

graus conjuntos descendentes de Réb a Mib, passando por um Fáb (alteração cromática) -,

sobrepõe-se uma rica progressão harmônica. E dentro deste complexo sentido sonoro, a frase da

linha vocal enriquece-se e adquire maior movimento.

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Além disso, ainda através da melodia e dos acordes, cuida-se da valorização da métrica

desta frase. Pois o compositor reforça as notas que estão no 1º tempo de cada compasso, tornando-

as notas de apojatura. Isso se deve às harmonias, que formam uma forte e clara progressão no tom

de Láb Maior, enquanto as notas que se encontram no tempo 1 de cada compasso são estranhas ao

acorde deste. Esta sequência harmônica é constituída exclusivamente de movimentos de 5ªJ

descendente e sua inversão (4ªJ ascendente), veja: “V/VI VI V7/V V7 - V75§”.

A 3ª frase (comp. 9 ao comp. 12) tem importantes semelhanças com a frase 1: a mesma

melodia e encaminhamento harmônico parecido, caracterizando-se como o início do consequente do

período (subseção a’). Mas é importante observar que os membros de frase não são idênticos,

gerando outro desenvolvimento na peça.

Outra importante diferença é a textura, mais densa ritmicamente e melodicamente, tornando

a percepção mais complexa: os pulsos não são mais identificados por uma linha, ocorrendo,

inclusive, a valorização de partes fracas de tempo pelo acompanhamento em clave de sol do piano;

os acordes são enfraquecidos por uma linha de acompanhamento em colcheias, constituída de várias

notas de passagem e muito cromatismo, além desta linha ser colocada como a voz mais aguda do

trecho, o que dificulta ainda mais a identificação da melodia a ser cantada.

A principal mudança harmônica desta frase em relação a frase inicial, encontra-se no último

compasso. A partir das sensíveis mudanças em relação a sua frase análoga, a harmonia deste

compasso pode ser interpretada como uma Dominante do VI grau e engendra um novo caminho

harmônico na frase seguinte, que representa o final do consequente. Assim, temos o seguinte

encadeamento harmônico na 1ª frase: “I - VI65 Sobretônica I - VI6

5 Sobretônica”; e o seguinte

encadeamento na 3ª frase: “I - VI65 V7 I - VI6

VII6/VI”.

Ainda assim, percebemos que as mudanças, mesmo sendo bastante significativas, não

desestruturam a frase e sua função dentro do período. E esta clareza textual é facilitadora da

percepção e identificação desta frase (a 3ª) como semelhante à 1ª frase.

A 4ª frase (compasso 13 ao 16), que divide as maiores semelhanças com a frase 2, mas

desenvolve-se diferentemente, caracteriza-se como o final do consequente (subseção a’). Com isso,

as proximidades da frase 4 com a frase 2 são menores do que as proximidades da frase 3 com a

frase 1: apesar de ter o baixo em semibreves e a linha do piano que indica o canto na mesma voz

interna, temos, além da diferença de textura, outra melodia e uma importante diferença de sentido

harmônico.

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É interessante notar que o compositor cria as diferenças em suas frases análogas com certa

sutileza, talvez com o intuito de garantir a caracterização dessas relações entre as frases. Assim,

temos a melodia diferenciada, mas com o mesmo desenho em grau conjunto descendente - melodia

da frase 2: “Réb–Dó–Sib–Láb–Sol –Fá –Fáb–Mib”; melodia da frase 4: “Sib–Láb–Láb-Sol–Sol–

Fá–Fá–Mib”. E, inclusive, ainda ocorrem as apojaturas na linha melódica, agora reforçada pela nota

anterior, que é a mesma da apojatura, porém é pertencente ao acorde. Quanto às harmonias,

verificamos que suas principais estruturas estão presentes, mas condensadas em apenas 2

compassos – harmonias da frase 2: “V/VI VI V7/V V7 - V75§”; harmonias da frase 4: “V/VI

(com a sobretônica) VI V7/V - V V7/V V7/V (como sobretônica) – V”.

Através dessas pequenas diferenças, o resultado harmônico desta última frase da Seção A é,

na realidade, uma modulação para o V grau (Mib). Com isso, podemos transcrever a sequência

harmônica da 4ª frase na tonalidade de Mib maior, resultando no seguinte encadeamento: “V/II

(como sobretônica) - II V7 - I V7 Sobretônica – I”. E a melodia, curiosamente inicia-se na

quinta de Mib e termina em sua fundamental, reforçando ao aluno, responsável por cantar esta

linha, a nova tonalidade em que finaliza a seção A.

A seção B (Ex. 10) estende-se do compasso 17 ao final da peça. E, apesar de ser constituída

por 4 frases simétricas, a organização estrutural é diversa, pois subdivide-se em duas subseções

contrastantes: a 1ª e a 2ª frase da seção (comp. 17 ao comp. 24) caracterizam um novo elemento

fraseológico, que denominamos subseção b; e a 3ª e 4ª frase desta seção (comp. 25 ao comp. 32)

constituem-se na volta do tema principal, que denominamos subseção a’’.

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Ex.10 – Seção B da Marcha Rítmica nº18 de Émile Jaques-Dalcroze (comp. 17-32)

A 1ª frase (do compasso 17 ao 20) dessa subseção contrasta-se claramente a todo o conteúdo

anterior. O perfil melódico é outro, abdicando inclusive dos incisos de grau conjunto e utilizando

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exclusivamente saltos construídos a partir de arpejos. Quanto à tonalidade, esta frase não caracteriza

nenhuma, servindo de elemento de distanciamento tonal, e constituindo um novo desafio ao aluno

(acostumado a um desenvolvimento harmônico que garante a prevalência do I grau da escala) – o

que observamos é a simples alternância de duas harmonias de qualidades diferentes, o Mib menor

com 7ª menor (através de notas enarmônicas) e o Mib maior com 7ª menor. Quanto à textura, ao

observarmos as organizações das “camadas” nas frases anteriores, percebemos neste trecho a

exclusão da linha do baixo e a elevação das outras “camadas” para uma região mais aguda,

deixando o canto abaixo do acompanhamento. O ritmo do acompanhamento também é diverso,

porém de fácil assimilação, pois é essencialmente formado por uma camada aguda de colcheias e

uma intermediária de mínimas, simplificando a percepção das cabeças de tempo (sempre marcadas

pelas colcheias) e da articulação do canto (sempre marcadas pelas mínimas).

Ainda na 1ª frase de b, é interessante observar que a nota da melodia mais recorrente é o

Mib, V grau da tonalidade da música e a 5ª do acorde do I grau. Isso nos remete a construção

melódica da 1ª marcha, que nunca perde de vista o tom da música nem na melodia, sempre

constituída por notas pertencentes ao campo harmônico da tônica e utilizadas de maneira

hierárquica.

A 2ª frase de b (do compasso 21 ao 24), também contrastante à subseção a, caracteriza-se

como uma resposta à frase anterior. Assim, há elementos muito semelhantes e outros de oposição.

Além disso, ela serve como ponte para a volta da subseção a modificada, adquirindo alguns

elementos desta.

A 2ª frase desta seção está mais claramente estabelecida em outro tom, Fá menor (VI grau

de Láb maior). O 1º membro da melodia desta frase inicia-se com um desenho muito semelhante à

frase anterior – difere-se apenas no último salto, que não se constitui uma quarta descendente, mas

uma terça, recaindo no Láb (a fundamental do I grau). E o 2º membro desta melodia constrói-se por

oposição ao final da frase anterior, mas também insere em seu início um passo em grau conjunto

que alude à melodia da subseção a.

As camadas desta frase criam o maior contraste em relação a todas as outras: todas as linhas

de acompanhamento são colocadas abaixo da linha melódica; a linha mais ágil, em colcheias, passa

a ser o baixo, que se desenvolve com os elementos melódicos de b, mas os elementos rítmicos de

acompanhamento de a; a linha de notas mais longas continua em mínimas, mas passa a ser

composta por acordes e, no compasso 22, cria uma escrita mais polifônica através da inserção de

notas de passagem em semínimas dentro desta camada de mínimas.

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Aqui o desenvolvimento harmônico volta a ser mais intenso, com a sonoridade de Fá menor

(VI grau) claramente estabelecida, ao mesmo tempo em que se promove o retorno à Láb maior.

Assim, descrevemos, a seguir, a progressão harmônica da 2ª frase utilizando o tom principal como

referência: “V7/VI VI – II7 VII7 – VII~ V/VI – V43”. É interessante observar que, apesar da

grande quantidade de dissonâncias empregadas, todas são harmonicamente resolvidas, e a

terminação em semicadência encadeia-se energicamente para a volta da subseção a.

A 3ª e a 4ª frase de B constitui-se numa subseção análoga à subseção a’, representando a

volta do tema principal e conduzindo-o para o fechamento da peça, caracterizando-se como a

subseção a’’.

A 3ª frase (do compasso 25 ao 28) desta seção têm sutis diferenças em relação a 3ª frase de

A. O 1º membro reforça um pouco mais a tônica através do baixo (com pedal de Láb) e da linha

aguda do piano (destacando as notas da harmonia do I grau). O 2º membro inicia-se igualmente ao

seu análogo em A, e conclui igualmente ao seu 1º membro, mas com baixo em Mib (exatamente

igual ao final do 1º membro de a’). Com isso, a harmonia desta frase pode ser assim descrita: “I -

VI65 Sobretônica I - VI6 V

7”, e juntamente com a melodia, resume o tema em sua forma mais

simples e funcional.

A 4ª frase de B associa-se à 4ª frase de A. Assim, como as 4 primeiras frases de A formam

uma estrutura maior que identificamos como um grande período – antecedente composto pela frase

1 e 2, e consequente composto pela frase 3 e 4 -, a 4ª frase de B também pode ser compreendida

como final de consequente e resposta à 2ª frase de A.

Portanto, identificamos que o 1º membro da 4ª e última frase é melodicamente idêntico e de

igual estrutura harmônica à 2ª frase da marcha, diferenciando-se principalmente no

acompanhamento, que continua seguindo a textura da subseção a’, e nas tensões harmônicas.

Assim, enquanto o encadeamento de acordes do 1º membro da 2ª frase era “V/VI VI”, o

encadeamento da última frase mantém os mesmos acordes associados a maiores tensões (sétima na

dominante e sobretônica): “V7/VI Sobretônica do VI”.

Quanto ao 2º membro desta frase final, apesar de seguir a mesma textura e estrutura, possui

melodia, acompanhamento e encadeamento harmônico únicos na peça.

O desenho melódico forma um arpejo de Láb Maior (I grau) com uma apojatura sobre a

fundamental do acorde, caracterizando pela primeira vez a harmonia do tom principal na linha

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melódica da criança. O baixo também é muito claro ao realizar a cadência final da música, pois é

constituído, em semibreves, pelas fundamentais do V e I grau, respectivamente Mib e Láb (único

momento, no baixo, em que estas notas aparecem em sequência).

Quanto ao acompanhamento em colcheias, interessa observar o penúltimo compasso da

música. Pois, enquanto a melodia escapa do desenho do inciso, a configuração melódica das

colcheias parece aludir ao tema inicial da marcha – tema principal: “Mib-Fá-Dó-Sib”, constituído

de grau conjunto seguido de salto na mesma direção e terminando em grau conjunto em direção

contrária; a parte aguda do acompanhamento do penúltimo compasso: “Fá-Mib-Dó” e “Réb-Dó-

Sol”, constituído de grau conjunto seguido de salto na mesma direção.

Outra ocorrência bastante significativa é o adensamento harmônico, vindo inclusive a se

valer da parte das colcheias para preenchimento dos acordes – no 3º e no 4º tempo do penúltimo

compasso, as colcheias desenvolvem-se em notas triplas e duplas. Assim, utiliza-se da sobreposição

de dissonâncias e de acordes alterados, a fim de tornar a cadência final bastante incisiva e adequada

ao ambiente harmônico desenvolvido por toda a peça. Apesar disso, o esqueleto harmônico é

bastante claro e afirmativo, garantindo o estabelecimento da tonalidade. Assim, temos o seguinte

esqueleto harmônico: “VI - V Sobretônica – I”; e as harmonias em detalhe (com as dissonâncias e

alterações): “VI~ - V7Íb Sobretônica com 7ª – I”.

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CONCLUSÃO

Após uma abrangente visão de todo o percurso do músico e educador Émile Jaques-

Dalcroze, e sabendo-se que este trabalho focalizou apenas peças constituintes de seu principal

método de educação musical, encontramos nas Marchas analisadas muitos indícios de uma

cuidadosa preocupação na condução do ensino da música, segundo seu particular pensamento

filosófico e estético, aliada à perícia técnica da escrita musical do autor.

Percebemos no conteúdo do método dalcroziano, uma estética tipicamente romântica, mas

com uma preocupação estrutural bastante clássica, indicando o espírito de sua época, em que alguns

começavam a se preocupar com a retomada do humanismo, enquanto se encontravam frente a um

frenesi tecnológico, que parecia indicar uma evolução humana através do racionalismo.

Ainda vale ressaltar que, ao realizarmos a pesquisa deste trabalho, constatamos a amplitude

do público alvo das obras didáticas do músico. As Marchas Rítmicas podem ser consideradas uma

espécie de exceção dentro dos materiais didáticos, pois, musicalmente, podem ser interpretadas

independentemente de um público tão seletivo.

Mesmo assim, buscamos aliar a análise estrutural das Marchas a alguns aspectos básicos do

Método em que elas se inserem. Com isso, dedicamos bastante atenção aos pequenos detalhes de

cada Marcha abordada, procurando paralelos entre os elementos estruturais e os didáticos.

Assim, neste trabalho, o mais interessante foi observar como as experiências, os

pensamentos, as filosofias e os objetivos de um compositor podem influenciar no seu resultado

musical. Além de constatar a importância das habilidades técnicas, dentro de uma determinada

linguagem, para o compositor cumprir com seus objetivos.

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ANEXO 1

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ANEXO 2

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ANEXO 3

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