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DÉBORA DE MENDONÇA LAGE UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SANTOS AS DIFICULDADES ENFRENTADAS PELO INTÉRPRETE SIMULTÂNEO: UMA ANÁLISE DE CASOS E UMA PROPOSTA DE ESTUDO Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como exigência parcial para obtenção do grau de Bacharel em Tradução e Interpretação à Universidade Católica de Santos. Orientadora: Profª. M.Sc. Carlota Frances Williams Lopes SANTOS – 2007 PDF Creator - PDF4Free v2.0 http://www.pdf4free.com

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DBORA DE MENDONA LAGE

UNIVERSIDADE CATLICA DE SANTOS

AS DIFICULDADES ENFRENTADAS PELO INTRPRETE SIMULTNEO: UMA ANLISE DE CASOS E UMA PROPOSTA DE ESTUDO

Trabalho

de

Concluso

de

Curso

apresentado como exigncia parcial para obteno do grau de Bacharel em Traduo e Interpretao Universidade Catlica de Santos.

Orientadora: Prof. M.Sc. Carlota Frances Williams Lopes

SANTOS 2007

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DBORA DE MENDONA LAGE

UNIVERSIDADE CATLICA DE SANTOS

AS DIFICULDADES ENFRENTADAS PELO INTRPRETE SIMULTNEO: UMA ANLISE DE CASOS E UMA PROPOSTA DE ESTUDO

Banca Examinadora:

__________________________________________________________________ Prof. M.Sc. Carlota Frances Williams Lopes Professora Titular Universidade Catlica de Santos

__________________________________________________________________ Prof. Me. Jos Martinho Gomes Professor Titular Universidade Catlica de Santos

SANTOS 2007

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Dedicatria

O presente trabalho dedicado aos meus pais, que sempre me incentivaram nos estudos e no aprendizado de outras lnguas e aos meus professores, que me ensinaram muito ao longo dos anos e confiaram em meu trabalho.

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Agradecimentos

Agradeo primeiramente minha famlia, por todo o apoio durante os quatro anos, pelas leituras infindveis a cada trmino de captulo, pelas dicas preciosas e a pacincia despendida nos momentos mais complicados. Agradeo professora mestra e orientadora Carlota Frances Williams Lopes, pelo apoio na escolha do tema e na confiana em meu trabalho e cujo estmulo e opinies durante todos esses anos tornaram esse trabalho possvel. Agradeo tambm ao professor mestre Jos Martinho Gomes, por ter aceito fazer parte da banca examinadora e por todo o apoio e dedicao, assim como as horas e fins de semana dispensados com as gravaes do corpus e a prontido com que sempre me ajudou nos momentos que precisei. Agradeo a todos os docentes do curso de Traduo e Interpretao, que me abriram as portas do conhecimento e me estimularam a seguir essa profisso e a me dedicar s lnguas. Agradeo tambm os intrpretes Jos Augusto Rodrigues e Fernando Santiago dos Santos pela presteza com que se propuseram a realizar as entrevistas para esta monografia e pelas valiosas dicas que certamente a enriqueceram e pelo estmulo dado aos meus estudos para que um dia eu alcance meus objetivos. Por fim, agradeo a todos os meus amigos de classe, que caminharam comigo durante os quatro anos e com quem aprendi muito. Agradecimentos especiais a Joo Paulo Sorensen de Moura e a Bruno Amorim de S, pelo tempo dedicado s gravaes dos vdeos originais.

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LAGE, Dbora de Mendona. As dificuldades enfrentadas pelo intrprete simultneo: uma anlise de casos e uma proposta de estudo. Santos, 2006, 96p. Trabalho de Concluso de Curso de Traduo e Interpretao da Universidade Catlica de Santos.

Resumo: Desde muito cedo na histria, a presena do intrprete faz-se indispensvel. Com uma demanda maior de intrpretes no mundo globalizado em que vivemos hoje, essa modalidade vem crescendo nas mais diversas reas do saber. Conseqentemente, o grau de conhecimento e preciso do profissional deve atender s exigncias do mercado. Este trabalho tem como objetivo apontar e justificar os fatores que mais induzem o intrprete ao erro ao analisar um corpus formado por eventos renomados como o Oscar e o Video Music Awards. Por meio de observao das experincias de intrpretes qualificados, apresentamos uma proposta de estudo a todos aqueles que tiverem interesse na modalidade, a fim de que futuros deslizes possam ser evitados ou amenizados. Palavras-chave: Intrprete, interpretao, interpretao simultnea.

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LAGE, Dbora de Mendona. As dificuldades enfrentadas pelo intrprete simultneo: uma anlise de casos e uma proposta de estudo. Santos, 2006, 96p. Trabalho de Concluso de Curso de Traduo e Interpretao da Universidade Catlica de Santos.

Abstract: The presence of interpreters has proved to be essential since very early on world history. The great demand for interpreters in the globalized world we live in today has caused this modality to increase in the most diverse areas of human knowledge. Consequently, the professionals level of knowledge and accuracy must meet with market demands. The goal of this paper is to indicate and justify the factors that most often lead the interpreter to commit a mistake by analyzing a corpus taken from such well-known events as the Oscar and the Video Music Awards. By observing qualified interpreters experiences, we offer a study proposal to whomever is interested in the modality, so that future mistakes can be avoided or reduced. Key-words: Interpreter, interpretation, simultaneous interpretation.

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NDICE

INTRODUO.................................................................................................... 10 Captulo 1 1.1. A Origem da interpretao................................................................... 13 1.2. O Tribunal de Nuremberg.................................................................... 16 1.2.1. O sistema de interpretao................................................................ 18 1.2.2. O recrutamento de intrpretes........................................................... 19 Captulo 2 2.1. Modalidades de interpretao............................................................... 23 2.1.1. Interpretao consecutiva.................................................................. 24 2.1.2. Interpretao sussurrada.................................................................... 25 2.1.3. Interpretao simultnea.................................................................... 25 2.2. reas de atuao................................................................................... 27 Captulo 3 3.1. Interpretao simultnea....................................................................... 31 3.2. O discurso............................................................................................. 33 3.3. O processo de interpretar...................................................................... 34 3.3.1. O sentido............................................................................................ 35 3.3.2. A compreenso.................................................................................. 36 3.3.3. Unidades de sentido........................................................................... 37 Captulo 4 4.1. A formao do intrprete...................................................................... 41 4.1.1. As lnguas de trabalho........................................................................ 41 4.1.2. As qualificaes de um intrprete...................................................... 43 4.1.3. A formao acadmica....................................................................... 45 4.1.4. Cdigo de tica................................................................................... 46 Captulo 5 5.1. Os fatores que comprometem a interpretao....................................... 49

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5.1.1. O fator fontico.................................................................................. 49 5.1.2. A expectativa frustrada...................................................................... 53 5.1.3. A semelhana fontica....................................................................... 55 5.1.4. Falsos cognatos.................................................................................. 56 5.1.5. A interferncia de estados.................................................................. 56 5.1.6. As dificuldades morfossintticas....................................................... 57 5.1.7. As diferenas culturais....................................................................... 59 5.1.8. Citaes e provrbios......................................................................... 60 5.1.9. Ttulos................................................................................................ 60 5.1.10. Poemas e piadas............................................................................... 60 5.1.11. O caso dos nmeros......................................................................... 61 Captulo 6 6.1. Anlise do Corpus................................................................................ 64 6.1.1. Anlise do Oscar................................................................................ 65 6.1.2. Anlise do Video Music Awards....................................................... 78 Consideraes Finais............................................................................................. 82 Referncias Bibliogrficas.................................................................................... 85 Bibliografia Consultada........................................................................................ 89 Anexo A Tribunal de Nuremberg (foto)........................................................... 93 Anexo B Citaes originais................................................................................ 94 Anexo C Recursos audiovisuais........................................................................ 96

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Introduo

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Introduo

O mundo vive uma era de comunicao internacional. Os contatos profissionais em diversas reas vm aumentando nesse aspecto, e como resultado, mais pessoas de culturas e idiomas diferentes renem-se para discutir questes econmicas, polticas, legais, culturais, tcnicas, entre outras. Para que haja uma comunicao efetiva, ambas as partes precisam falar a mesma lngua ou contar com o auxlio de um mediador, o intrprete. Este contribui para o entendimento entre povos e a criao de novas alianas entre naes. Com a velocidade das novas tecnologias e a globalizao cada vez mais presente no nosso dia-a-dia, faz-se necessrio o emprego de interpretaes simultneas em eventos internacionais que necessitem de rapidez e dinamismo. Desse modo, os profissionais dessa rea devem propiciar um trabalho de alta qualidade, buscando sempre o aprimoramento de suas habilidades. O presente estudo terico, mediante mtodo dedutivo, partindo dos conceitos tericos e aplicando-os na anlise do corpus por meio de utilizao de recursos audiovisuais. Para os propsitos desse estudo, foram selecionadas cerimnias de premiao de cinema e msica (Oscar 2007 e Vdeo Music Awards 2007), que tiveram como lngua de partida o ingls e foram televisionadas e analisadas no portugus contrastando, sempre que possvel, exemplos de interpretao de mais de uma emissora. A escolha do corpus deve-se verificao da freqncia de fatores que interferem na interpretao e levam ao erro. Por tratar-se de eventos nos quais h a presena de linguagem coloquial, expresses idiomticas, grias, sotaques diversos e imprevistos, tal como piadas, a freqncia de problemas de interpretao enfrentados pelos intrpretes ampla, o que exige do profissional agilidade, raciocnio rpido e adaptao constante. Desse modo, esse trabalho pretende detectar os fatores que mais induzem ao erro, esclarecendo suas causas e conseqncias, a fim de oferecer a todos que possuam interesse na rea uma perspectiva do trabalho realizado por intrpretes simultneos, para que, conscientes das dificuldades encontradas, possam evitar erros em suas prprias interpretaes ou utilizar os mecanismos estudados, visando sempre uma interpretao de qualidade.

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A fundamentao terica que orienta este estudo ser a teoria de interpretao de Danica Seleskovitch e Marianne Lederer. Tambm foram consultados autores, cujas obras discorrem sobre a modalidade simultnea, que o foco desta monografia. Consta o trabalho de seis captulos. No primeiro captulo, um breve relato sobre a origem da interpretao apresentado, contando como o Tribunal de Nuremberg foi o bero da modalidade simultnea e quais foram as dificuldades iniciais enfrentadas por aqueles que tornaram essa modalidade possvel. No segundo captulo, oferecemos uma breve exposio das modalidades que constituem a profisso de intrprete, assim como os propsitos para os quais so utilizadas e a rea de atuao do profissional. No terceiro captulo, aprofundamos a modalidade simultnea, explicando cada fase de que constituda, abrangendo o discurso, o processo de interpretar, o sentido, a compreenso e as unidades de sentido, para uma maior compreenso do processo cognitivo que realizado. No quarto captulo tratamos da formao do intrprete, no que se diz respeito s lnguas de trabalho, s suas qualificaes e formao acadmica, mostrando, dessa forma, as exigncias profissionais para um bom desempenho. Ao final do captulo o cdigo de tica tambm ser abordado de forma resumida para apontar a importncia da conscientizao dos direitos e deveres do profissional. No quinto captulo, analisamos alguns casos nos quais os intrpretes podem encontrar dificuldades, tomando como exemplo situaes colhidas durante aulas de interpretao e outras citadas por profissionais da rea. Tais situaes abrangem os aspectos fonticos, lingsticos, culturais, psquicos do intrprete e extrnsecos lngua em relao ao equipamento de som e cabine. No sexto captulo, encontra-se a anlise do corpus na qual, por meio de exemplos extrados dos eventos citados, a teoria estudada aplicada. Todas as causas que levaram ao erro detectadas nas interpretaes so justificadas conforme a abordagem feita no captulo anterior. Por ltimo, oferecemos uma proposta de estudo, tendo em vista os problemas encontrados com maior freqncia, a fim de auxiliar os futuros intrpretes ou quem j atua na profisso em suas escolhas. Assim, ao contar com uma base terica, estaro mais preparados para evitar futuros deslizes.

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Captulo 1

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Captulo 1

1.1. A Origem da interpretao A interpretao a atividade intelectual que consiste em facilitar a comunicao oral entre duas ou mais pessoas que no falam a mesma lngua. Para que ela acontea so necessrios trs componentes: o orador, o discurso e o intrprete. Estes devem ser totalmente interligados e dependentes. A interpretao um processo de decodificao de significados e produo de valores, um processo que ocorre dentro de contextos econmicos, polticos, histricos, sociais e culturais, diretamente relacionado ao mundo em que os participantes vivem. Um dos propsitos da interpretao aumentar e melhorar a comunicao entre os povos e propagar a paz entre as naes. Apesar dos termos traduo e interpretao serem aplicados aleatoriamente no dia-a-dia para descrever a ao de transferir significados de uma lngua para outra, suas atividades so totalmente distintas. Traduo refere-se transferncia de significados de texto para texto, normalmente escritos, gravados ou em linguagem de sinais. Nela existe tempo suficiente para consultar dicionrios, glossrios e outras fontes, portanto, seu grau de preciso muito maior. J a interpretao acontece in loco. Por lidar com linguagem oral, existe muito pouco tempo para assimilar a informao transmitida, traduzir para a lngua de chegada, doravante LC, e reorganiz-la de modo que o discurso seja coerente. Alm disso, a presso muito maior j que todos os conferencistas e clientes encontram-se presentes. Desde os primrdios do Egito antigo, a importncia da interpretao faz-se presente. De acordo com Hermann (cf. 2002, p. 15), os templos e tmulos egpcios possuam inscries diversas referindo-se a povos estrangeiros; entretanto, eles estavam sempre em posies sociais mais baixas, como prisioneiros e vassalos. Os egpcios consideravam-nos povos brbaros e raramente transcreviam seus discursos originais, colocando palavras na boca de estrangeiros e, assim, embutindo em seus discursos a prpria ideologia egpcia. Sob tais circunstncias, os intrpretes no podiam agir como mediadores lingsticos. Comeando no final do perodo das Pirmides, tomamos conhecimento do ttulo e das atividades dos intrpretes em casos diversos. Eles aparecem ao lado de mineiros e marinheiros como negociadores comerciais nas regies das minas de cobre na Pennsula do Sinai, alm de serem importantes na administrao

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central do Egito. Hermann (cf. 2002, p. 17) afirma que os egpcios possuam mtodos sofisticados para superar a barreira lingstica: Herodotus relata que o Fara Psammetichus entregava meninos egpcios para os colonizadores gregos para que aprendessem a lngua grega. Assim, pode-se dizer que esses foram os primeiros recrutas a entrarem para a classe de intrpretes. Ao invs de fazer estrangeiros aprenderem sua lngua, os egpcios mandavam seus representantes aprenderem as outras lnguas, pois assim garantiam que sempre seriam entendidos e nunca lhes faltariam intrpretes. Para os gregos o termo intrprete ou tradutor significava uma pessoa que age como Hermes1, que segundo a mitologia era um ser humano encarregado de entregar as mensagens de Olympus ao mundo mortal. J o equivalente latino mais realista, e representa a situao da pessoa interpretando. A despeito da palavra interpres ser derivada de inter-partes ou inter-pretium, o termo designa o mediador humano posicionado entre dois partidos ou valores, executando atividades diversas, indo alm daquela de proporcionar equivalentes lingsticos em transaes. Os intrpretes eram freqentemente recrutados pelos gregos para trabalhar na administrao, pois na Grcia estudava-se somente o latim. Fora de Roma, a presena de intrpretes da administrao da provncia foi confirmada por pedras inscritas vindas das reas de Budapeste e Maastricht. Confirmouse o uso de army interpreters em tempos remotos em diversos lugares. Eles eram enviados para realizar transaes em ambos os lados e todos confiavam neles, por isso eram chamados de vir sanctus, um homem honesto. Hermann (ibidem, p. 21) conta que foram muitas as ocasies em que os intrpretes apareciam no mundo antigo: antes de mudanas lingsticas drsticas, tais como aquelas em Roma no perodo do Papa Damasus I, os intrpretes eram recrutados dos servios religiosos. Por isso os monges gregos de Jerusalm e do norte da frica, que trabalhavam como mediadores lingsticos, podem ser considerados os intrpretes de conferncia mais antigos do mundo oriental. Atualmente, a interpretao relaciona-se a conferncias internacionais. Praticamente toda sala de conferncia possui uma cabine de interpretao e as instalaes necessrias para a realizao de eventos. Por ser extremamente necessria no mundo globalizado em que nos encontramos, a prtica da interpretao foi rapidamente

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Hermes, mensageiro ou intrprete da vontade dos deuses.

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disseminada. Entretanto, ela ainda passa despercebida por muita gente e poucos conhecem sua arte e importncia na histria da humanidade. A profisso de intrprete relativamente nova e data de menos de um sculo atrs. Ela no era vista como uma profisso e era realizada por pessoas de diversas reas, tais como militares, diplomatas, secretrias e outras pessoas com conhecimento em lnguas estrangeiras. Nasceu por volta de 1920 quando algumas lnguas, alm do francs, foram reconhecidas como lnguas diplomticas oficiais. A necessidade de interpretao em conferncias internacionais foi criada apenas durante a Primeira Guerra Mundial, pois alguns negociadores dos Estados Unidos e da Gr Bretanha no falavam o francs e precisavam de interpretao. Nessas reunies um dos diplomatas traduzia sentena por sentena o texto na lngua de partida, doravante LP, para a lngua de chegada. Assim nasceu o primeiro tipo de interpretao consecutiva. Elas aconteciam durante as sesses da Comisso do Armistcio realizadas em francs, ingls e alemo. Nessas sesses, interpretaes frase por frase eram normalmente realizadas por intrpretes do exrcito e liaison officers2. A partir do momento em que os britnicos insistiram no reconhecimento do ingls como lngua diplomtica oficial, qualquer questo podia ser discutida tanto no ingls como no francs. Houve ento a necessidade de se ter uma traduo oral, que aumentou com a criao da Liga das Naes e da Organizao Internacional do Trabalho (OIT). Por se tratar de questes especficas, alm das diplomticas, foi necessrio o recrutamento de lingistas especializados. Para suprir essa necessidade de intrpretes profissionais qualificados nasce em 1941, em Geneva, a primeira Escola de Intrpretes. A interpretao consecutiva e a interpretao ao p do ouvido foram as primeiras tcnicas a serem utilizadas. Alguns grupos de delegados no falavam nem ingls nem francs, ento eles contavam com a ajuda de intrpretes que sussurravam a traduo dos procedimentos e interpretavam o que diziam consecutivamente. Apesar da vantagem do intervalo para a reflexo durante a interpretao, a consecutiva comeou a perder sua eficincia. Dessa forma, buscaram-se novos mtodos na poca da Liga das Naes (1920-46): Edward Filene, executivo, Gordon Finlay, engenheiro eletrnico; e Thomas Watson, presidente da IBM, introduziram um equipamento especial que disponibilizava fones de ouvido, um sistema de microfones e2

Oficiais do exrcito que trabalhavam auxiliando seus oficiais superiores, especialmente em casos em que a interpretao fosse necessria.

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permitia ao intrprete ouvir o discurso e falar ao mesmo tempo sua traduo. Esse equipamento chamava-se Filene-Finlay e era utilizado nas interpretaes simultneas e nas leituras simultneas de textos pr-traduzidos na Liga das Naes. A proposta desenvolveu-se medida que as inovaes tecnolgicas foram sendo acrescentadas a ela, sendo finalmente testada na Conferncia da Organizao Internacional do Trabalho de 1928. Por apresentar muitos problemas tcnicos, o equipamento somente voltou a ser utilizado em uma conferncia internacional na Filadlfia em 1944, mas em condies muito precrias, porque os intrpretes ficavam sob o palanque dos oradores, no subsolo, ouvindo rudos e tentando se adaptar ao equipamento ao mesmo tempo. Segundo Baigorri-Jaln (30 abr. 2007), intrprete da Organizao das Naes Unidas (ONU), o sucesso que os intrpretes obtiveram nas conferncias da Organizao Internacional do Trabalho de 1928 fez com que o processo da simultnea fosse adotado pela OIT para suas conferncias anuais. Entretanto, foi durante o Tribunal de Nuremberg3 que a Interpretao Simultnea se destacou, pois um novo equipamento teria de ser utilizado para a interpretao de vrias lnguas simultaneamente.

1.2. O Tribunal de Nuremberg Apesar dos mais de 40 volumes publicados sobre o assunto, que abrangem aspectos polticos, legais e histricos, nenhum menciona a criao desse campo da interpretao. A interpretao simultnea aconteceu no sto do Palcio de Justia de Nuremberg e foi extremamente importante para a realizao do tribunal, pois sem ela teria levado quatro vezes mais tempo. Gaiba (1998, p. 26) relata que, em outubro de 1943, os representantes das 17 naes aliadas, exceto a Unio Sovitica, encontraram-se em Londres e fundaram a United Nations War Crimes Commission UNWCC (Comisso de Crimes de Guerra das Naes Unidas) que juntava provas e documentos para a elaborao de uma lista de crimes. Eles estabeleciam as regras para a incriminao e a acusao dos criminosos de guerra. Baseados nas regras, os representantes das naes aliadas, a Gr Bretanha, a Unio Sovitica, os EUA e o governo provisrio da Frana, assinaram o Acordo de

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Foto do Tribunal em sesso no anexo A, p. 92.

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Londres em 08 de Agosto de 1945, que continha os estatutos do Tribunal Militar Internacional. A promotoria resumiu em quatro pontos suas acusaes: 1. Conspirao contra a paz mundial; 2. Planejamento, incio e conduo de guerra; 3. Crimes e violaes ao direito de guerra; 4. Crimes contra a humanidade (GESSAT, 1 maio 2007). No dia 20 de novembro de 1945, iniciou-se o tribunal de crimes de guerra em Nuremberg, na Alemanha, que julgou as atrocidades cometidas pela coligao entre Hitler, Mussolini e, posteriormente, o Japo durante a Segunda Guerra Mundial. Levou-se mais de 10 meses para terminar, com um total de 216 dias, chegando a uma deciso no dia 1 de outubro de 1946. Segundo Gessat (ibidem), dentre os acusados havia vinte e dois rus proeminentes, entre eles trs do grupo de lderes mais prximos de Hitler: Martin Bormann, que estava desaparecido desde o final da guerra, Hermann Gring e Rudolf Hess, assim como os militares Keitel, Jodl, Raeder e Dnitz, e os ministros Ribbentrop, Frick, Funk e Schacht. Alm desses, a relao prosseguia: Alfred Rosenberg, que comandava a regio leste ocupada, Hans Frank, governador-geral da Polnia, Arthur Seyss-Inquardt, comissrio do Reich para a Holanda ocupada, Fritz Sauckel, que distribua os escravos do nazismo, e Albert Speer, que como ex-ministro da Munio e das Armas recrutou vrios trabalhadores forados para as indstrias alems do setor. Um dos poucos alemes admitidos como observadores no julgamento, oferece seu depoimento:Abertura "O presidente do Tribunal abre a seo [sic]. Ento, passa a palavra ao principal promotor americano. Sua voz soa como se estivesse distante. Os intrpretes murmuram atrs da divisria envidraada. Todos os olhos esto voltados para os acusados... Agora esto sentados, no banco dos rus, a guerra, o pogrom, o rapto de pessoas, o assassinato em massa e a tortura. Gigantescos e invisveis, eles esto sentados ao lado das pessoas acusadas", descreveu o escritor Erich Kstner4 suas impresses. (KSTNER apud GESSAT, 1 maio 2007)

Antes do tribunal, um dos rus, Robert Ley suicidou-se em sua cela e Gustav Krupp foi considerado impossibilitado de permanecer no tribunal devido sua idade e condies de sade. Vinte e dois rus foram condenados morte por enforcamento, trs foram condenados priso perptua, quatro receberam sentenas de 10 a 20 anos e trs foram absolvidos.

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Escritor alemo envolvido com poltica que assistia ao julgamento.

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Subseqentemente, outras 185 personalidades alems foram levadas corte em doze tribunais entre dezembro de 1946 e maro de 1949, realizados apenas em alemo e ingls. O Tribunal de Nuremberg teria levado muito mais tempo para realizar os julgamentos se no tivesse utilizado a interpretao simultnea. Com esse sistema os procedimentos eram realizados no mesmo tempo que uma conferncia em apenas uma lngua levaria. Alm disso, em uma corte o normal seria apenas uma pessoa falar uma lngua diferente daquela falada pelo juiz e todos os demais. Quando isso ocorre, o processo feito da seguinte maneira: um intrprete juramentado contratado para sentar ao lado da pessoa e interpretar ao p do ouvido o que est sendo dito. Quando este fala, o intrprete traduz simultaneamente ou consecutivamente ao microfone. Esse mtodo no poderia ser aplicado no Tribunal de Nuremberg, pois no havia apenas duas lnguas em jogo, mas quatro. Promotores e membros da bancada no se comunicavam na mesma lngua. Para a realizao do Tribunal, prometeram-se servios lingsticos

extraordinrios. Desse modo, o equipamento utilizado na Liga das Naes foi aperfeioado por Aurle Pilon, um canadense, engenheiro de som e ex-piloto da Royal Air Force. Muitos no acreditavam que o trabalho simultneo funcionaria, mesmo assim a deciso foi tomada. Houve muitos obstculos: a instalao apresentou alguns problemas e o recrutamento de intrpretes foi incrivelmente difcil devidos novidade e dificuldade do trabalho.

1.2.1. O sistema de interpretao Gaiba (1998, p. 68) conta que foram utilizados fones de ouvido, um sistema de microfones, cabos e amplificadores. Todos os microfones possuam um dispositivo para ligar e desligar e eram conectados aos fones de ouvido por meio de cabos eltricos de telefone. Muitos no estavam vontade com os microfones. Os juzes s vezes esqueciam de deslig-los e conversas confidenciais podiam ser ouvidas. Os advogados tiveram de abandonar o hbito de interromper o discurso de outrem e aprender a

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revezar. Justice Jackson5 j havia declarado que teriam de se organizar para a apresentao das acusaes de tal modo que somente uma pessoa usasse o microfone por vez. Para controlar o acesso, havia uma pessoa que monitorava o som, ligando e desligando-o de acordo com a necessidade. Ele devia estar sempre atento, pois a movimentao era muito rpida. Ele tambm controlava o volume: algumas pessoas falavam muito prximo ao microfone, ou alto ou baixo demais. Para que os intrpretes fossem capazes de entend-los, esse ajuste era extremamente necessrio. Havia tambm uma outra sala onde o tcnico de amplificadores trabalhava. Como mencionado anteriormente, houve muitos problemas: Gaiba (1998, p. 69) conta que, diferentemente de outros prdios, o local era feito de alvenaria e os cabos que costumavam passar por debaixo do cho tiveram de ficar visveis, o que era motivo de tropeos e desconexo s vezes por horas do sistema de som. Outras vezes ao realizar reparos rpidos, os cabos eram conectados de forma errada. Ao serem cruzados, quem deveria ouvir o discurso em francs, ouvia em alemo, por exemplo. Esses, entre outros foram alguns dos desafios enfrentados.

1.2.2. O recrutamento de intrpretes Os organizadores do experimento de 1928 foram os responsveis tanto pelos cuidados com o equipamento tcnico quanto pelo treinamento dos intrpretes e do processo de seleo. No caso da interpretao simultnea, um fato curioso foi que quatro dos nove candidatos eram mulheres, o que j demonstrava a grande participao feminina futura nessa profisso. Constatou-se que nenhum dos intrpretes consecutivos da Liga quis participar do treinamento. Afirmavam que a interpretao simultnea no funcionaria, pois, diferentemente da interpretao consecutiva, os intrpretes no teriam o tempo necessrio para refletir sobre a reproduo e, dessa forma, produziriam uma traduo literal, apenas repetindo as palavras da LP na LC. Mas na verdade, temiam que sua profisso perdesse o prestgio e que fossem ignorados, presos em cabines e desconhecidos por no mais estar diante do pblico ao lado dos oradores, de igual para igual. Por outro lado, a interpretao simultnea, alm de proporcionar um debate mais

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Robert Houghwout Jackson (1892-1954) foi promotor chefe dos EUA no Tribunal de Nuremberg.

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autntico, com reaes imediatas e poupar tempo e muito dinheiro, tambm possibilitava o uso de todas as lnguas oficiais. Conforme afirma Baigorri-Jaln (30 abr. 2007), os veteranos da Liga encontravam-se ocupados com a recm-criada Organizao das Naes Unidas e quem trabalhava na OIT ainda encontrava-se na ativa. Alm disso, suas combinaes lingsticas no serviam para o propsito. Assim, procuravam-se intrpretes entre uma grande variedade de candidatos, na maioria expatriados de guerra. A seleo foi feita sob extrema presso por pessoas que no haviam praticado essa modalidade de interpretao. A nica exigncia era que a pessoa fosse capaz de ouvir numa lngua e interpretar simultaneamente em outra. Havia muito pouco tempo para treinar os canditados selecionados, que normalmente eram empurrados para dentro das cabines quase imediatamente. Para muitos, o Tribunal de Nuremberg foi um centro de treinamento para interpretao simultnea. Para que o tribunal fosse justo e tambm para diminuir custos e tempo, determinou-se que todos os procedimentos fossem traduzidos para uma lngua que os rus entendessem, no caso, o alemo. A dificuldade estava tambm na terminologia legal adotada em alemo. As descries dos crimes eram meticulosas e a traduo deveria ser transmitida com muita cautela e preciso. Para que a justia fosse mantida, todos os rus deveriam ouvir e se comunicar na sua lngua me para que pudessem exercer seus direitos e no houvesse dvidas. O mesmo valia para os promotores e juzes ingleses, franceses, russos e americanos, que recebiam o discurso em suas respectivas lnguas maternas. Inspirada pelo sucesso do Tribunal de Nuremberg, a Assemblia Geral das Naes Unidas decidiu dar uma chance a esse novo mdulo da Interpretao em 1946. O Coronel Dostrt, acompanhado de trs jovens intrpretes de sua equipe, foi transferido da Alemanha para esse propsito. O teste da dcima quinta Comisso obteve xito e foi repetida na Assemblia Geral de 1947, na qual foi decidido que a interpretao simultnea passaria a ser um servio permanente, com poucas excees, como no caso do Conselho de Segurana das Naes Unidas, na qual ambas as modalidades simultnea e consecutiva coexistiram por muitos anos. A hostilidade inicial em relao simultnea foi logo superada quando se promoveu a unificao das modalidades em 1947. Civis que at a Segunda Guerra trabalhavam como intrpretes se organizaram e criaram a Associao Internacional de

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Intrpretes de Conferncia (AIIC)6 profissionais em 80 pases.

em 1953 reunindo mais de 2600 intrpretes

A interpretao simultnea vem crescendo desde ento e tomando seu lugar dentre as organizaes internacionais, tais como a Organizao das Naes Unidas (ONU), a Unio Europia, a rea de Livre Comrcio das Amricas (ALCA), a Organizao Internacional do Trabalho (OIT), a Organizao das Naes Unidas para a Educao, a Cincia e a Cultura (UNESCO), entre outras. Cada vez mais levantam-se teorias e desenvolvem-se estudos em reas como a Lingstica, a Fontica e a Semntica, ampliando os horizontes da interpretao e proporcionando aos estudantes e profissionais da rea uma base terica e uma variedade de tcnicas de aperfeioamento.

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Associao mundial de intrpretes de conferncia fundada em 1953, com sede em Genebra, Sua, com o objetivo de representar a profisso e agir em nome de todos os intrpretes de conferncia.

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Captulo 2

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Captulo 2

2.1. Modalidades de interpretao Por mais que a interpretao esteja cada vez mais presente na mdia, como em apresentaes do Oscar, mesas redondas com convidados internacionais, jogos como o Pan-Americano e as Olimpadas, existem muitas subdivises dessa profisso ainda desconhecidas. Como citado anteriormente, ela iniciou-se pela Traduo Consecutiva e foi ganhando mdulos especficos conforme surgiu a necessidade. Em seguida, com o Tribunal de Nuremberg, ganhou novo foco com a estria do sistema simultneo de interpretao. A tecnologia foi se desenvolvendo e com ela a interpretao ganhou novos rumos e pblicos. Passou a ser requisitada em eventos no apenas internos como externos, em viagens, na Cmara dos Deputados e, mais freqentemente, em grandes reunies mundiais com a chegada da globalizao. Ela no se difere to somente nas reas em que requisitada, mas tambm na linguagem utilizada pelo intrprete, no pblico alvo e no seu propsito. As interpretaes oferecidas no mercado de trabalho atualmente so: interpretao consecutiva, interpretao sussurrada e interpretao simultnea. Os intrpretes tambm podem atuar como intrpretes juramentados, intrpretes de conferncia, intrpretes acompanhantes, intrpretes de negcios (liaison), guiaintrpretes, intrpretes em reas da sade, tecnologia, entre outras, e intrpretes de lngua de sinais. De acordo com o site do SINTRA7, em julho de 2007, existiam 274 intrpretes filiados com especializao em traduo simultnea/ consecutiva de ingls para portugus e 203 de portugus para ingls em todo o Brasil.

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SINTRA Sindicato Nacional dos Tradutores.

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2.1.1. Interpretao consecutiva Considerada a mais difcil das interpretaes, a consecutiva costuma ser adotada em casos que no haja nenhum equipamento tcnico para a simultnea ou que a segunda no seja possvel. Nesse caso, o profissional trabalha sozinho. De acordo com a Associao Internacional de Intrpretes de Conferncia (17 jul. 2007):Na interpretao consecutiva, o intrprete, situado ao lado do orador, interpreta para um determinado idioma, e aps o orador, o discurso deste ltimo. O comprimento do discurso pode variar e o intrprete deve tomar notas durante a interveno do orador.

Na consecutiva, os intrpretes devem saber ouvir, entender, fazer anotaes e, principalmente, saber como realiz-las. Ao fazer anotaes, ele deve alm de ser rpido, desenvolver tcnicas para escrever com clareza, pois muitos nmeros, datas, nomes e ttulos costumam estar presentes no discurso e a leitura deve ser realizada rapidamente para que a presso imposta pela interpretao no seja ainda maior. Ele deve respeitar a entonao e a retrica do conferencista original. Pode-se dizer que existem fases diferentes na interpretao. Elas so separadas em duas na consecutiva: a fase da audio e a fase da reformulao. Fase da audio - O esforo da escuta. - O esforo da produo escrita (anotaes, no apenas a anotao traduzida do discurso). - O esforo da memria a curto-prazo (armazenar a informao at ser anotada). Fase da reformulao - O esforo da leitura das anotaes. - O esforo da memria de longo-prazo (armazenar a informao por longos perodos para produzi-las mais tarde). - O esforo da produo (organizar as informaes recebidas e produzi-las com coeso, mantendo o contedo do discurso original).

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Um evento com interpretao consecutiva pode levar horas, o que um grande desgaste para o intrprete. Por utilizar muito de sua memria de longo-prazo, o ideal que o discurso original contenha pausas providenciais e que a idia principal daquele trecho seja concluda. Assim, o intrprete poderia traduzir uma idia completa, importando-se com o seu sentido e no somente com as palavras utilizadas no original. Caso se concentre muito nos detalhes e nas palavras, pode perder-se em suas anotaes, prejudicando, desse modo, o entendimento e a clareza do discurso.

2.1.2. Interpretao sussurrada Segundo a Associao Internacional de Intrpretes de Conferncia (17 jul. 2007):A interpretao sussurrada um modo de interpretao no qual o intrprete, sentado ao lado de um ou dois participantes, sussurra a interpretao do discurso. um modo utilizado apenas quando duas pessoas no mximo precisam de interpretao e deve ser evitado quando vrios intrpretes trabalham na mesma sala, ao mesmo tempo. Por ser cansativo para as cordas vocais, s recomendado para reunies curtas, e como para a simultnea, so necessrios dois intrpretes trabalhando em alternncia.

Tambm conhecida do francs chuchotage e do ingls whispered, ela utilizada em circunstncias nas quais a maioria do grupo fala uma lngua que a minoria (no mximo trs pessoas preferencialmente) no fale.

2.1.3. Interpretao simultnea Segundo Magalhes Jnior (2007, p. 217), esse mdulo de interpretao a traduo oral imediata de uma apresentao ou palestra, na qual os intrpretes, trabalhando sempre em dupla, isolam-se numa cabine onde possam ver o palestrante e ouvir a palestra com a ajuda de fones de ouvido. medida que vo se alternando, vo repetindo a mensagem imediatamente em outra lngua. Assim, os participantes recebem a traduo por meio de receptores sem fio e fones de ouvido, como se fosse um filme dublado.

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Como explica Magalhes (2007, p. 146), a interpretao simultnea uma tarefa de processamento de informao intensiva na qual os intrpretes podem trabalhar por no mximo 6 horas. Assim como na consecutiva, imprescindvel que o intrprete se cuide para que no fique preso a um trecho procurando a equivalncia de uma palavra, pois se muito tempo for gasto com termos, o entendimento do trecho posterior se perder, prejudicando a interpretao. A principal razo para se trabalhar a dois a absoluta ateno exigida no ofcio. (Ibidem, p. 108). Por conter termos desafiadores, tais como vocabulrio tcnico e jarges, necessrio a total concentrao dos concabinos8, pois o contedo freqentemente denso e apresentado em alta velocidade e qualquer distrao punida com perda de contedo. Magalhes Jnior afirma que j se comprovou cientificamente que o ser humano consegue manter nveis altos de ateno por apenas perodos curtos de tempo. Dessa forma, para que uma interpretao simultnea seja bem-sucedida, os intrpretes devem se alternar a cada 20 ou 30 minutos aproximadamente, permitindo assim, total ateno ao discurso. A parceria entre os concabinos vital, pois devem entender-se com palavras, olhares, gestos e confiar um no outro. Devem se considerar como iguais, sem tirar vantagem da experincia individual, respeitando tanto os colegas que j atuam na profisso por dcadas como os iniciantes. importante notar que o trabalho de um interfere no do outro, pois, por trabalharem juntos, o sucesso ou fracasso da interpretao depender exclusivamente do trabalho feito pela dupla. Enquanto um intrprete atua, o outro trabalha passivamente na cabine, oferecendo suporte ao colega, mantendo-se atento para prever e se possvel corrigir eventuais equvocos de entendimento ou interpretao, oferecendo opes por meio de contribuies orais e/ou gestuais. O mais comum, entretanto, a troca de informaes por escrito. So feitas anotaes de palavras-chave, confirmaes de siglas e nmeros, correes de nomes prprios e da pronncia correta de algum termo, alm de consultas a dicionrios e glossrios. Para que tudo isso acontea de forma natural e sincronizada, os concabinos devem utilizar o mesmo cdigo de comunicao. Esse cdigo poder e dever mudar de acordo com o colega com quem se trabalha. Vale lembrar que durante a comunicao dentro da cabine, todo o cuidado com sons de fundo pouco. Deve-se evitar a

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Termo utilizado na interpretao simultnea para designar o colega de cabine.

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interferncia de fatores externos na interpretao, que variam desde a respirao direta no microfone at a emisso de sons, tais como: o estalar de dedos, assovios ou comentrios feitos entre os concabinos. Nesse ltimo caso, deve-se utilizar o boto disponvel no equipamento de som chamado cough button para cortar o canal da interpretao, interrompendo a transmisso para os ouvintes. No decorrer da monografia o cdigo de tica, as condies de trabalho, assim como o processo da interpretao simultnea sero tratados mais a fundo. Conhecida como uma consecutiva acelerada, a interpretao simultnea contm operaes que exigem uma capacidade de processamento proficiente, devido ao fato de acontecerem simultaneamente e exigirem muita agilidade. Esses processos resumem-se em esforos, como citado anteriormente na consecutiva:

- O esforo da escuta (ouvir e analisar o discurso original). - O esforo da produo (produzir na LC a verso do discurso). - O esforo de memria a curto-prazo (arquivar a informao recebida at transmiti-la na LC).

Na simultnea, as duas lnguas de trabalho so utilizadas ao mesmo tempo na memria ativa ao processar a informao recebida. Assim, preciso ateno para inibir a influncia da lngua de partida ao produzir o discurso na lngua de chegada a fim de se evitar interferncia.

2.2. reas de atuao A rea de atuao do intrprete muito ampla. No entanto, dependendo de suas habilidades e experincia ele pode se especializar em uma rea especfica. H aqueles que tendem para o lado jurdico e outros que atuam em reas acadmicas. Algumas escolhas exigem mais do que competncia lingustica em ambas as lnguas, como no caso da traduo juramentada. Para se tornar um intrprete juramentado, o Estado exige certificao por meio de concurso. Eles podem prestar servios em audincias, no setor administrativo de tribunais ou em qualquer outra rea que lida com processos legais. Para tal, necessrio conhecimento de leis e procedimentos legais. Uma vez que se submetem prova e

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recebem autorizao do Estado para trabalhar nessa rea, tornam-se intrpretes comerciais e precisam respeitar os valores cobrados pela Junta Comercial do Estado de So Paulo, JUCESP. Muitas vezes o profissional j formado em outra rea, como por exemplo a mdica, e presta servios de interpretao em seu campo de especializao. Assim, trabalha em congressos e workshops internacionais cuja terminologia conhece, diminuindo a probabilidade de erro. H tambm o intrprete acompanhante, conhecido como escort interpreter, que aquele designado para acompanhar uma autoridade estrangeira a reunies, entrevistas ou outro compromisso, a fim de auxiliar na comunicao verbal. [O profissional] far a interpretao mais indicada, conforme o formato e o protocolo de cada evento (MAGALHES JR, 2007, p. 213). Os intrpretes de negcios (liaison) participam mais em encontros de negcios entre companhias com poucas pessoas. A cada trmino de discurso, o intrprete proporciona ao pblico o contedo da conversa na lngua exigida. Diferente de outras interpretaes, nessa ele precisa se comunicar alternando as lnguas. Quem atua na rea de turismo pode se tornar um guia-intrprete, acompanhando turistas em viagens e visitas a locais de interesse turstico, tais como museus, palcios e monumentos nacionais, prestando informao de carter geral, histrico e cultural, atuando normalmente em uma regio definida. Outro ramo extremamente interessante o dos intrpretes de lngua de sinais. Assim como o ingls precisa de interpretao para o portugus, os surdos-mudos precisam de tradues de seus sinais para o portugus (verbal) e vice-versa, ou at mesmo para uma outra lngua. A linguagem de sinais possui um raciocnio nico e difere de pas para pas e de lngua para lngua. De acordo com Pereira (17 jul. 2007), j foram descobertas 114 lnguas de sinais no mundo. Por isso dizemos que a lngua de sinais no universal. Ela possui um status lingstico completo, com estruturas e gramtica prprias, podendo expressar no apenas conceitos concretos, mas tambm abstratos como em qualquer outro idioma. Qualquer pessoa que possua conhecimento de uma dessas lnguas de sinais e de uma segunda lngua (verbal ou de sinais) pode ser um intrprete de lngua de sinais. O exemplo que Pereira (ibidem) oferece o de um palestrante ouvinte que falava em portugus oral e de um intrprete que traduzia em

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Libras9. Nesse exemplo, quando um dos surdos fez perguntas ao palestrante, o intrprete traduziu da Libras para o portugus oral. Outro exemplo da autora referia-se a um deficiente auditivo da Frana que visitava o Brasil, mas que no conhecia a Libras. Quando isso aconteceu e ningum conhecia a LSF (Langue des Signes Franaise Lngua de Sinais Francesa), o intrprete que dominava as duas lnguas sinalizadas precisou ser contratado.

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Sigla mais popular de lngua brasileira de sinais.

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Captulo 3

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Captulo 3

3.1. Interpretao simultnea Baseadas nos conceitos da Teoria Interpretativa da Traduo, tambm conhecida como Thorie du sens do francs, criada no cole Suprieure dInterprtes et de Traducteur ESIT de Paris III University (Sorbonne Nouvelle), Danica Seleskovitch e Marianne Lederer escrevem a teoria da interpretao atualmente mais utilizada no exterior para estudos. Em seu livro Translation: The Interpretative Model (2003) Lederer apresenta o processo cognitivo que ocorre na mente de um intrprete de conferncia. Assim como na Teoria da Interpretao, para ela a [...]traduo consiste em entender o texto original, desverbalizar sua forma lingstica e ento expressar em uma outra lngua as idias compreendidas e as emoes sentidas (ibidem, p. 1, traduo nossa).10 Cary11 (1985, apud LEDERER, 2003, p. 1, traduo nossa)12 oferece uma definio de traduo que, pela natureza de ambos os trabalhos, pode ser aplicada interpretao:A traduo um processo que procura estabelecer equivalentes entre dois textos expressados em duas lnguas distintas. Esses equivalentes sempre dependem da natureza dos dois textos, de seus objetivos, da relao entre as duas culturas envolvidas e suas condies morais, intelectuais e emocionais que, por sua vez, so determinadas por todos os fatores relacionados ao tempo e lugar tanto do texto original como da traduo...

Segundo ela, a primeira fase da traduo ou interpretao compreender o texto. A segunda fase re-expressar esse texto em uma outra lngua. Essas fases so complexas, porm acontecem com extrema rapidez. Para tornar o entendimento possvel necessrio que haja ativao tanto do conhecimento lingstico quanto do extralingstico. A qualidade da re-expresso depende nesse ponto da habilidade de expresso do intrprete, ou seja, o estilo de seu discurso; do conhecimento da LC e do assunto abordado. O texto sob exame o mais importante. Ele tanto a causa como o objeto da traduo/ interpretao. Existe, porm uma diferena entre lngua, sentena10 11

Texto original no anexo B, p. 93. Um pioneiro em estudos da histria da interpretao dos anos 50. Um dos primeiros tericos da traduo a se basear na interpretao de conferncia para explicar a traduo escrita. 12 Texto original no anexo B, p. 93.

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e texto, pois embora seja possvel traduzi-los, o processo tradutrio para cada um diferente. Se tomarmos a frase Did you take it? como exemplo e a analisarmos no nvel da linguagem, na semntica o significado de cada palavra no portugus ser: Did = No h traduo (auxiliar ingls), passado simples do verbo do, marca apenas o tempo verbal; You = Voc, vocs; Take = tomar, pegar, alcanar, agarrar, prender, capturar, apropriar-se, arrebatar, arrancar, levar, receber (como pagamento), aceitar, obter, adquirir, tomar, comer, beber, engolir, consumir, ganhar, apanhar, contrair (doena)... It = objeto indefinido em expresses idiomticas, atrativo pessoal (feminino e masculino), pronome etc.

No nvel da sentena, o contexto verbal limita o nmero de correspondncias possveis. O significado de cada palavra determinado pelas palavras prximas a ela, assim como ele prprio determina o significado das outras palavras, visto que aqui as palavras so o nico contexto levado em considerao. Portanto:

Take into account = levar em considerao Take advantage = levar vantagem Take care = tomar conta

J no nvel do texto, o contexto em que a sentena est inserida extremamente importante para sua significao e para encontrarmos um equivalente em outra lngua. Dessa forma, podemos afirmar que tradutores e intrpretes no traduzem apenas a lngua, mas sim o autor do texto oral ou escrito. O conhecimento lingstico e extralingstico do tradutor permite que ele identifique pelo contexto o equivalente no portugus de Did you take it? como sendo Voc o levou? quando it for um pronome relacionado a objetos; ou como Voc aceitou? no caso de algum exigir uma resposta a uma proposta na linguagem de business; ou at mesmo como Voc tomou? (o remdio) durante uma conversa em um retorno mdico. Alm disso, o nmero de pessoas abordado para you (voc ou vocs) depender exclusivamente do contexto em que a sentena est inserida.

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Na interpretao consecutiva, na simultnea ou em qualquer outro mdulo, impossvel seguir o mtodo da traduo palavra-por-palavra, a no ser que a palavra esteja isolada o suficiente para que sua significao verbal e contextual seja esquecida. Esse isolamento chamado de descontextualizao, do termo ingls decontextualization. A descontextualizao produz um tipo de traduo literal que Lederer chama de traduo lingstica, pois diferente da traduo de textos, que ela chama de traduo interpretativa ou simplesmente traduo, est fora de contexto. Essa descontextualizao faz-se necessria durante uma interpretao no momento em que o intrprete precisa se distanciar do texto original e analisar as opes que melhor cabem no contexto apresentado. A interpretao que se mantiver no nvel da linguagem ser uma interpretao falha, pois se realiza sem conceptualizao, ou seja, sem mtodo de trabalho, traduzindo apenas literalmente. Para Cary (1962, apud LEDERER, 2003, p. 7), os intrpretes lidam com a natureza viva do discurso e so colocados diante de algum que vive, pensa e fala. Ao receber e emitir uma declarao testemunham como o orador sente sua platia e como formula seus pensamentos de acordo com esse feeling. Assim, os intrpretes levam em considerao os pensamentos e sua expresso.

3.2. O discurso Verba volant, scripta manent. (LEDERER, 2003, p. 9) A partir dessa reflexo podemos dizer que as palavras desaparecem levando com elas significados individuais e deixando na mente dos destinatrios somente o sentido do que foi dito. O discurso expressa uma maturao. O pensamento no-verbal do orador vai tomando forma conforme percebe a reao dos destinatrios ao que ele diz, levando-o a fazer adaptaes conforme o discurso se desenvolve; adaptaes como por exemplo mudanas de tom, de entonao e simplificaes. Pode-se dizer que o discurso perfeito quando o canal de comunicao em que ocorre tambm . Quando seus parmetros so operacionais, h maior clareza, permitindo que o pblico presente participe ativamente do ato de comunicao. Todos possuem a mesma percepo das circunstncias gerais, isto : as condies de produo e recepo do discurso e do conhecimento do tema tratado.

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Consideram-se intrpretes competentes aqueles que sejam capazes de entender todo o significado do discurso e de transmiti-lo. Aconselha-se sempre antes de iniciar uma conferncia questionar quem o orador, quem o pblico e quais so as circunstncias. Quando trabalha na cabine, o intrprete faz o papel de destinatrio, procurando compreender o que lhe dito, com a diferena de que precisa se esforar mais. Na cabine, concentra-se mais, porm envolve-se menos do que um ouvinte comum. Mais concentrados, porque deve captar todas as nuanas de sentido e todas as dimenses do discurso; menos envolvido por estar reproduzindo o pensamento de outrem. Em funo disso, o intrprete no deve julgar as informaes do discurso que interpreta, caso contrrio, comprometer sua verso na LC. Foi em uma conferncia em Veneza em 1977, com o patrocnio da Organizao do Tratado do Atlntico Norte (OTAN), que os intrpretes afirmaram no traduzir palavras e, sim, sentido.

3.3. O processo de interpretar A busca por uma teoria da interpretao passou pela Lingstica, pela Psicologia do Desenvolvimento, pela Neuropsicologia, pela Lingstica Comparativa, mas foi uma combinao de disciplinas que ajudou a explicar como os intrpretes passam de um discurso para outro. Entretanto, no era o bastante. Foi por meio de observaes de prticas reais que o campo da teoria da interpretao cresceu. Esses estudos mostram que h diversos processos mentais. Segundo Saussure (07 ago. 2007), o signo uma combinao de um conceito com uma imagem sonora. O signo lingstico consiste de um significado13 e um significante14, que evoca um sentido em quem l ou ouve. Ao ver o signo casa, por exemplo, a pessoa relaciona o seu som imagem da casa que lhe foi apresentada quando criana. Portanto, para ele, esse pode ser o primeiro significado que vem cabea ao visualizar esse signo. Na desverbalizao, entendemos o discurso que nos foi transmitido, mas no memorizamos sempre as palavras utilizadas. Os signos do discurso desaparecem com o som da voz, mas os destinatrios e o intrprete mantm uma memria13 14

A idia formada, a imagem que se tem em mente. Parte concreta do signo, como sons ou letras, perceptvel por meio dos sentidos.

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desverbalizada, uma conscincia das idias e dos fatos evocados. (LEDERER, 2003, p.12, traduo nossa)15 A desverbalizao um processo cognitivo comum a todos. Quando a informao sensorial desaparece, transforma-se em pequenas partes de informao, no mais revestidas de sua forma concreta. A memria cognitiva a responsvel pela reteno das partes de informao. Logo, quando a interpretao simultnea foi introduzida, muitos intrpretes de consecutivas temiam se candidatar para trabalhar, pois acreditavam que intrpretes simultneos possuam memrias fenomenais. Mas no era esse o caso. Os profissionais dessa rea, da mesma forma, utilizam-se de mecanismos mentais para procurar entender o discurso primeiramente, antes de reformul-lo. Ao reter o que foi entendido, enquanto as palavras desaparecem, o intrprete no fica preso a uma nica palavra, pois se assim o fizer demorar demais nesse termo e perder o sentido geral do trecho. Nesse caso, quando o termo for desconhecido, no precisa se desesperar; basta apenas redobrar sua concentrao para captar o sentido dentro do contexto.

3.3.1. O sentido Segundo Sartre (apud LEDERER, 2003, p. 13), o sentido um todo desverbalizado, retido em associao com a informao extralingstica. a inteno do orador que vai alm da prpria lngua; aquilo que o autor realmente quer comunicar. O sentido somente se encontra dentro de um contexto. O sentido no est inserido nas palavras (de um texto), j que o prprio sentido que permite que o significado de cada palavra seja compreendido [...]. (LEDERER, 2003, p. 13, traduo nossa)16 O objetivo que o orador quer passar em um discurso transmitido por meio da lngua, mas no pode ser encontrada nela, isto , cada palavra do discurso pode ser ouvida uma por uma sem que o ouvinte extraia o sentido geral. Capta-se o sentido do discurso apenas quando se consulta o conhecimento de mundo e se associa o significado particular de cada palavra ao das palavras ao seu redor, ou seja, quando colocadas no contexto. Portanto, o sentido no uma soma de palavras, mas um todo.15 16

Texto original no anexo B, p. 93. Texto original no anexo B, p. 93.

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Esse processo sempre acompanhado da percepo dos signos lingsticos, que por sua vez sempre acompanhada pela interpretao. Se ao ouvir uma palavra o ouvinte apenas a deixar passar, sem interpret-la, ento sua percepo estar trabalhando em um nvel de conscincia elementar, permanecendo passageira. Lederer (2003, p. 14) ressalta que os instrumentos vocais utilizados para comunicar levam a um grau elementar de percepo consciente limitado, ao passo que o sentido corresponde a um estado de conscincia.[...] Para que o sentido seja produzido deve haver uma associao entre uma idia no-verbal e um signo semitico (podendo ser uma palavra ou um gesto, no importando a natureza do que se percebe) [...]. A recepo do sentido exige uma ao deliberada por parte do destinatrio. Assim, uma cadeia de palavras torna-se um conjunto de indicadores determinados pelo orador [...] por meio da lngua e reconhecidos [...] pelo ouvinte [...] (SELESKOVITCH, 1976, apud LEDERER, 2003, p. 15, traduo nossa)17

3.3.2. A compreenso A compreenso de um discurso no est dividida em fases sucessivas, mas constitui-se de um nico processo mental. Podemos inferir ento que um texto (verbal ou no-verbal) no primeiramente compreendido no nvel da lngua, sua compreenso d-se diretamente no nvel do discurso. Portanto, quando um intrprete ouve o termo ma, ele no visualiza primeiro a fruta ma para depois definir se ela ser vermelha ou verde, mas a visualiza de acordo com seu conhecimento de mundo. A primeira imagem que vem sua mente a da ma que consome no seu pas, que faz parte de sua cultura. Contudo, se um indiano estiver fazendo o discurso e citar o termo vaca, o intrprete ocidental precisar deixar seu conceito de vaca inicial e contextualiz-lo no contexto da cultura indiana, atribuindo-lhe seu valor religioso prprio. As dimenses cognitivas e afetivas do sentido no podem ser desassociadas da semntica. Segundo Barbizet e Duizabo (1977, apud LEDERER, 2003, p. 17), esse processo experimentado diariamente. Segundo eles, as palavras despertam muitas memrias. Ao conversar com algum diversos pensamentos silenciosos so desencadeados e ficam prontos para sua utilizao. Um dos maiores desafios de um intrprete encontra-se no momento da recepo de um discurso. Se muito tempo for gasto em um nico termo, perde-se o sentido. Em17

Texto original no anexo B, p. 93.

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outras palavras, a semntica (significao das palavras) se sobreps cognio (compreenso do sentido).

3.3.3. Unidades de sentido No desenrolar do discurso, o intrprete ouve as palavras umas seguidas das outras e em intervalos regulados pela compreenso do que foi dito. So nesses intervalos em que uma unidade mental distintiva constituda. No so as palavras (unidades grficas), nem a expresso vocal em si que so as responsveis por essa compreenso, mas sim uma cadeia de sons. As unidades mentais so idias que os destinatrios recebem e vo atualizando o conhecimento que o orador prev que possuem. A compreenso dessa soma de sons chama-se unidades de sentido. Estas no possuem uma durao fixa, podendo ocorrer em diversos momentos do discurso, dependendo do conhecimento do intrprete e do ouvinte sobre o tema abordado. Na interpretao simultnea as unidades de sentido sobrepem-se umas s outras a fim de produzir um sentido total. Em seguida, transformam-se em conhecimento desverbalizado conforme integram unidades maiores e tornam-se idias mais significantes. O quadro baixo simplifica o processo descrito acima:

palavras + palavras = cadeias de sons cadeia de sons + cadeia de sons = unidade de sentido unidade de sentido + unidade de sentido = conhecimento desverbalizado (idias significativas)

Em suma, o intrprete ouve o tempo suficiente para que a soma das palavras se torne uma unidade de sentido. Nesse momento as palavras ouvidas individualmente perdem seu significado original e agora fazem parte do todo da unidade de sentido. No segundo seguinte da ltima palavra ouvida, o intrprete j est criando novas unidades de sentido que iro se somar unidade de sentido anterior, cujas palavras novamente perdem seu significado individual. Dessa forma, as idias significativas vo sendo construdas gradualmente.

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Como uma representao mental, as unidades de sentido correspondem a um breve estado de conscincia. Freud (1953, apud LEDERER, 2003, p. 19) apresentou trs tipos de estado mental do conhecimento: 1) o estado da conscincia (aps a traduo, no intervalo das unidades de sentido); 2) o estado pr-consciente (quando a primeira unidade de sentido j foi entendida e as outras unidades esto sendo construdas momento em que a primeira passa para o estado pr-consciente, tornando-se uma pequena parte do conhecimento latente); 3) o estado da inconscincia (possui pouco impacto na interpretao). Ao analisar os conceitos de Freud, Lederer (2003, p. 19) questiona se ele acreditava que o conhecimento pr-consciente em um estado latente permanecia verbal ou no. Pois de acordo com suas pesquisas, a unidade de sentido desverbalizada ao passar de um estado de conscincia a um conhecimento latente. Apoiando-nos nesses conceitos, podemos concluir que nenhum mdulo de interpretao totalmente simultneo. Cada intrprete utiliza-se do mtodo com o qual se adapta melhor. Em forma de grfico esse procedimento ficaria como no quadro apresentado abaixo. Para melhor elucidar os exemplos seguintes, utilizaremos os nmeros (1) e (2) para designar o conhecimento desverbalizado (1) pr-consciente e o conhecimento desverbalizado (2) consciente, respectivamente. Tambm utilizaremos o verbo traduzir no no sentido literal da palavra, mas no que se refere traduo do trecho interpretado para uma segunda lngua.

sons de palavras + sons de palavras = unidade de sentido 1 1 fase unidade de sentido 1 + unidade de sentido 2 = conhecimento => traduo desverbalizado (1) (consciente) conhecimento unidade de sentido 3 desverbalizado + = conhecimento => traduo traduzido + unidade de sentido 4 desverbalizado (1) (2) (pr-consciente) (consciente) No mtodo mais empregado, a interpretao possui um atraso em relao enunciao das palavras no discurso original. Esse atraso resulta em uma sobreposio na unidade de sentido seqente, ou seja, o intrprete ouve partes de (2) enquanto ainda traduz (1). Paneth (cf. 2002, p. 32) afirma que o tempo pode variar de 2 a 4 segundos, envolvendo de 15 a 21 palavras, dependendo do tamanho das sentenas. Tradues de

2 fase

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frases curtas podero se encaixar em uma pausa feita pelo orador, aliviando a memria do intrprete e a velocidade aplicada. J as tradues de frases longas coincidem parcialmente com o final de sua enunciao no original e parcialmente com o incio da seguinte. Conforme o discurso desenvolvido, os intrpretes costumam se adaptar ao ritmo e ao estilo do orador, acelerando mais ou menos, deixando mais ou menos pausas. Paneth (cf. 2002, p. 34) tambm confirma a verificao de que os intrpretes costumam traduzir trechos curtos somente aps o trmino de sua enunciao no original, ao contrrio de trechos longos. Muitas vezes, quando o discurso reduzido em volume o intrprete pode at terminar antes do orador, o que ocorre no caso de previses de clichs e estruturas gramaticais, por exemplo. J outros intrpretes preferem o mtodo na qual trechos inteiros de (1), (2), (3), etc, ficam para trs antes de comear a traduzir. Isso quer dizer que ele j ouve a parte (4) enquanto ainda enuncia (1), (2) e (3). Nesse caso, ele prefere compor um pensamento mais completo antes de se pronunciar, o que ajuda no caso de a parte (4) ser to comprida que no haveria tempo suficiente para pausar a fim de termin-la. Aqueles capazes de falar rapidamente utilizam suas pausas para oferecer mais opes de vocabulrio ou elucidar trechos, tornando o discurso mais claro e rico. Vale notar que a velocidade com que o intrprete capaz de produzir o discurso traduzido no dever interferir em sua clareza e depende em grande parte das lnguas envolvidas, pois umas podem ser muito mais prolixas do que outras.

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Captulo 4

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Captulo 4

4.1. A formao do intrprete Assim como na pintura, o intrprete no trabalha totalmente sozinho. O artista plstico necessita de ferramentas de trabalho tais como as tintas, o pincel, o cavalete e a tela. J o artista da comunicao necessita de palavras. Essa a matria-prima essencial com a qual ele aplica suas tcnicas. Entretanto, no so somente as palavras que preocupam o intrprete, afinal, o mercado de trabalho exige cada vez mais. A grande questo entre os profissionais dessa rea a melhor forma de se atualizar e a escolha das lnguas de trabalho que devem ser inclusas em seus currculos. A melhor opo dedicar-se a apenas uma lngua estrangeira, sua mxima proficincia, ou adquirir o domnio de trs ou mais, mesmo que esse conhecimento tome tempo, dinheiro e que seu resultado no seja o esperado?

4.1.1. As lnguas de trabalho Em primeiro lugar, qualquer indivduo decidido a se dedicar aos estudos da interpretao precisa ter um domnio de sua lngua-me. O segundo pr-requisito bsico dominar no mnimo uma segunda lngua. Vale ressaltar que esta nem sempre deve ser uma lngua estrangeira, j que muitos pases possuem mais de uma lngua oficial. Aconselha-se possuir o domnio dessas duas lnguas de trabalho antes de se aprofundar nos estudos. Magalhes Jr (2007, p. 211) cita em seu livro o critrio utilizado pela AIIC para indicar a competncia lingstica de seus membros. A Lngua A corresponde lnguame do intrprete ou outra equivalente sua nativa para a qual ele traduz a partir de outras lnguas de trabalho, portanto lngua ativa. A Lngua B a lngua estrangeira ativa da qual o intrprete possui perfeito domnio e com a qual se sente apto a traduzir a partir de outras lnguas de trabalho. E por ltimo, a Lngua C corresponde lngua estrangeira passiva, da qual o intrprete tenha plena compreenso e sinta-se apto a traduzir para outro idioma ativo. Ressalta-se que o intrprete, portanto, somente atinge um nvel satisfatrio de proficincia na segunda lngua ativa, a Lngua B, aps anos de prtica e/

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ou vivncia no exterior para que a pronncia e a utilizao de expresses cotidianas estejam de acordo com as utilizadas no pas. Caso a aquisio da lngua tenha-se dado de forma ininterrupta, porm sem a proficincia obtida numa lngua A, recomenda-se sua utilizao em discusses tcnicas, nas quais importa mais a exatido lexical do que o estilo ou o sentido figurado da lngua. Sabe-se que no mundo globalizado em que vivemos grandes empresas necessitam de profissionais atualizados e versteis, j que as lnguas exigidas no mercado mudam constantemente dependendo da economia e da poltica mundial. Portanto, quem pretende ingressar nesse ramo deve considerar a possibilidade da aquisio de duas importantes lnguas europias, as quais devem ser dominadas com proficincia, e o conhecimento de outras duas subsidirias, as quais devem ser apenas traduzidas para a lngua-me. Paneth (cf. 2002, p. 31) ainda afirma que por razes prticas e profissionais, aconselha-se a incluso no portiflio da lngua francesa e da lngua inglesa. Ela afirma que a importncia da lngua francesa deve-se ao fato de um dia j ter sido uma lngua de comunicao internacional. Outra sugesto seria o profissional ter conhecimentos da lngua espanhola, pois, muito provavelmente em intervalos de conferncias, visitas sociais e viagens, o cliente se comunicar em ingls, espanhol ou francs, ou at mesmo em mandarim, a grande promessa do mercado. Caso isso acontea, o intrprete demonstrar confiana e conhecimento, itens muito importantes em sua profisso. Nesta monografia as lnguas de trabalho abordadas sero o portugus e o ingls a fim de limitar e aprofundar os estudos dessas lnguas e sua aplicao nos eventos com interpretao simultnea nas transmisses em rede internacional. A grande maioria dos intrpretes comea sua carreira atuando como um profissional liberal. So muitos os fatores que ajudam a tornar-se funcionrio fixo de uma empresa, entre eles a combinao de lnguas. muito importante pensar na carreira que se pretende seguir e em que reas se deseja atuar para que possa concentrar os esforos em lnguas especficas. Quanto maior o nmero de lnguas com que se trabalha, melhor as chances no mercado, pois, dessa forma, no ser necessrio a rel18, tambm conhecida como relay. A rel deve ser evitada, pois existe o risco de um erro cometido em uma cabine ser transmitido para outras, causando o efeito de uma bola de neve. Utiliza-se esse

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Sistema de interpretao indireto.

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sistema somente em situaes que envolvam trs ou mais idiomas em um mesmo recinto e no haja intrpretes suficientes para as lnguas necessrias. No caso de um profissional que trabalhe com o ingls e o portugus ter de verter para uma dessas lnguas um discurso originalmente em espanhol, ele ter de recorrer traduo feita por um colega de cabine. Assim, o currculo do intrprete o qualifica melhor conforme a quantidade de lnguas que tem a oferecer, no esquecendo claro, que sua escolha deve depender exclusivamente do mercado de trabalho e da rea de atuao, visto que umas lnguas podem ser mais utilizadas em conferncias do que outras, mais utilizadas para visitas de delegaes durante negociaes. Segundo o Comit de Treinamento da AIIC (2006), as lnguas que possuem uma procura maior no mercado so, em ordem alfabtica, o rabe, o chins, o ingls, o francs, o alemo, o italiano, o japons, o russo e o espanhol. O grande diferencial do profissional consiste na incluso de lnguas incomuns em seu currculo, tais como o grego, a lngua holandesa, o dinamarqus e outras lnguas utilizadas pelas instituies europias. As instituies da Unio Europia trabalham com 11 lnguas oficiais. Os servios de interpretao da Comisso Europia atualmente exigem trs lnguas passivas ou duas passivas e interpretao simultnea para uma lngua B sendo esta ingls, francs ou alemo.

4.1.2. As qualificaes de um intrprete H quem afirme que todo intrprete nasce com o dom para a sua profisso. Porm, qualquer pessoa dedicada e comprometida que adquira conhecimento e prtica suficientes pode se tornar apto para o trabalho. Pagura (2001, p. 12) afirma que esse profissional deve se concentrar na lngua oral de forma a compreender as sutilezas das vogais e consoantes inglesas, os modelos de entonao e o sentido em suas diversas formas. Alm disso, deve apurar o ouvido para o ingls falado por americanos, sejam do Texas ou do Alabama, por ingleses, sejam de Londres ou Liverpool, e tambm por rabes, alemes, franceses e at mesmo brasileiros com muito sotaque que preferem proferir a palestra em ingls. Sua lngua A tambm no deve possuir marcas de sotaque e expresses regionais e sua pronncia deve ser a mais clara possvel, com grande dico na enunciao de slabas e terminaes.

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As distines importantes entre vogais e consoantes mencionadas acima devem ser cuidadosamente dominadas e o modelo de entonao adequado, adquirido, no s como uma habilidade receptiva, mas tambm produtiva. Os intrpretes normalmente tm de mudar a direo da lngua to rapidamente quanto uma pergunta lanada e sua resposta fornecida. (PAGURA, 2001, p. 12, traduo nossa)19

Sua personalidade influencia bastante sua prtica assim como suas habilidades. Esse profissional deve ser capaz de analisar e construir fatos e utilizar-se de sua intuio, deve estar atualizado com o mundo, deve possuir agilidade de pensamento e perspiccia (reao rpida, habilidade de adaptar-se sem atraso demasiado em relao aos oradores, s situaes e ao assunto), assim como deve possuir concentrao, poder de sntese, autocontrole, autoconfiana, mente aberta, voz agradvel e habilidades de oratria, interesse e curiosidade em assuntos e culturas diversos, tato e diplomacia. No que se refere ao conhecimento profundo da lngua, o intrprete deve, tanto na lngua ativa quanto na passiva, ser capaz de reconhecer e ativar sinnimos, expresses idiomticas, provrbios e citaes. Jos Augusto Rodrigues20 afirma que esse profissional deve estar sempre disposto a pesquisar, interessado no estudo de diversas reas e a par dos desenvolvimentos em praticamente todos os campos do conhecimento humano, j que um dia poder lidar com um discurso envolvendo novos conceitos. Fernando Santiago dos Santos21 refora que o preparo anterior conferncia, alm de proporcionar mais confiana, ajuda a evitar futuros deslizes. Essa prtica possibilita o entendimento da discusso entre os especialistas da rea e a desenvoltura para se utilizar jarges e falar como eles. Esse preparo conta com: 1. informao sobre o orador e contato para os esclarecimentos necessrios; 2. identificao de termos que devem ou podem ser mantidos na lngua original; 3. verificao do equipamento de som; 4. informao sobre qualquer mudana no discurso no dia do evento, assim como os vdeos que sero utilizados e as piadas que sero contadas. Tambm vale lembrar que, assim como qualquer outro profissional, o intrprete deve obter treinamento especfico para a realizao de sua funo, como uma formao

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Texto original no anexo B, p. 93. Formado em Letras na Universidade Catlica de Santos, Rodrigues leciona ingls na escola de idiomas Casa Branca e atuou como intrprete por dois anos consecutivos no Estados Unidos. 21 Formado em Biologia pela Unicamp, Santiago leciona ingls h 20 anos, coordenador pedaggico do colgio Positivus de Santos, fez curso de Traduo e Interpretao em So Paulo, atua como intrprete h 15 anos, fala ingls, espanhol, japons, alemo, francs e italiano, mas tem como lnguas de trabalho as duas primeiras.

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universitria ou o equivalente, pois um certificado de concluso de curso de lnguas no oferece preparo suficiente para as exigncias da profisso. No se exerce essas qualidades independentemente, pois constituem um todo chamado interpretao profissional. O intrprete que melhor se ajustar ao discurso do orador, tomando seu ponto de vista, utilizando-se de sua retrica e adaptando seu estilo ao do palestrante, alcanar grandes resultados quando perceber que o pblico demonstra sinais de aceitao e ri de uma piada, sinalizando com a cabea sua aceitao ou discrdia.

4.1.3. A formao acadmica Se assumirmos que o intrprete j possui as qualificaes lingsticas necessrias e identifique-se com o perfil exigido, resta-nos concentrar em sua formao acadmica. Pode-se dizer que h o treino individual e o treino institucional. O primeiro em relao ao treino feito em casa, por meio de pesquisas, aquisio de vocabulrio, leitura, atualizao em palestras e congressos, e o ltimo em relao ao treino obtido em instituies com um apoio pedaggico. Essa profisso exige a prtica de listening (audio) focalizando na busca de sentido e no de palavras. A parfrase um timo treino nesse sentido, pois os alunos tero de transmitir a mesma mensagem utilizando palavras diferentes. Eles tambm devero aprender a concentrar-se no formato do texto a fim de lembrar o que foi dito sem ter de memorizar os termos utilizados. Pagura (2001, p. 13) sugere que a aprendizagem inicie-se na prtica da consecutiva partindo para a simultnea somente mais tarde. Como abordado anteriormente, a interpretao consecutiva uma impressionante demonstrao do trabalho realizado pela memria cognitiva, j a simultnea permite-nos ver como o sentido construdo. Por tais razes, ele afirma que na consecutiva que o aluno aprender a analisar o que est sendo dito sem as restries de tempo impostas na simultnea. Primeiramente, o aprendiz deve dominar o processo de anlise no mdulo consecutivo. Em seguida, deve falar e ouvir ao mesmo tempo, para que sua voz no atrapalhe a audio. Um treino de oratria pode proporcionar aos alunos clareza, boa dico e uma conscincia do modo que discursam. Lederer (2003, p. 6) concorda com Pagura no que diz respeito ao treinamento realizado. Segundo ela, o processo da

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consecutiva contm todos os parmetros do discurso e permite uma anlise direta que oferece concluses claras do fenmeno da traduo:[...] a interpretao consecutiva a representao mais pura de como a manifestao concreta de um discurso ou texto passa pela mente do tradutor [ou intrprete] e torna-se uma outra manifestao concreta, desse modo transferindo sentido. (LEDERER, 2003, p. 6, traduo nossa)22

4.1.4. Cdigo de tica O intrprete de conferncias pode ser autnomo ou ser empregado fixo de alguma organizao, ou empresa nacional ou multinacional, tanto no setor pblico quanto no privado. Sejam quais forem os lugares de atuao, o profissional deve ter sempre em mente sua atitude profissional. Obter o reconhecimento e a confiana dos clientes uma certeza de trabalho futuro. Os elementos mais importantes so o senso de responsabilidade, a autodisciplina e o cdigo de tica. A fim de proporcionar uma idia geral do cdigo adotado pelos membros da AIIC, apresentaremos um resumo dos pontos mais relevantes. Em primeiro lugar, o sigilo deve ser mantido independentemente do grau de importncia do discurso. Ainda, qualquer trabalho oferecido que contenha conhecimentos que fujam da qualificao do intrprete dever ser recusado. Da mesma forma, dever dos membros da associao oferecer aos seus colegas assistncia moral e companheirismo. Alm disso, deve-se respeitar o preo de mercado determinado pela associao a fim de evitar a desvalorizao do trabalho e a concorrncia. As condies de trabalho devem ser minuciosamente observadas e exigidas no incio de um contrato. Com vistas a assegurar uma interpretao de qualidade, devem-se levar em conta os seguintes pontos: 1. as condies de udio, visibilidade e conforto devem ser satisfatrias, de modo que a viso do orador seja completa e a distncia da cabine no interfira no caso de haver projeo em telo. No deve haver interferncia no som e a altura da recepo deve ser pouco maior do que a altura da fala do intrprete. Santiago, intrprete entrevistado, sugere ateno redobrada quanto a interferncias, que podem ocorrer devido a ondas de rdio e tecnologia wireless. Ele recomenda uma distncia de 50 metros entre uma cabine e outra, especialmente quando o equipamento22

Texto original no anexo B, p. 93.

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for mvel. Alm disso, a cabine deve ser bem arejada e prova de som. 2. deve-se sempre trabalhar em duplas, alternando-se a cada 30 minutos no mximo. 3. deve-se solicitar, com antecedncia, o envio de textos que sero lidos durante a apresentao, assim como documentos e apresentaes em Power Point. Em suma, o Cdigo de tica, to importante quanto s ferramentas de trabalho do intrprete, deve fazer parte de seu dia-a-dia, j que o mais valioso amparo legal disponvel atualmente.

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Captulo 5

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Captulo 5

5.1. Os fatores que comprometem a interpretao Nos captulos 5 e 6 analisaremos os erros mais freqentes em interpretaes simultneas para oferecermos, mais adiante, uma proposta de estudo com base na teoria apresentada e nas informaes obtidas. Os dados analisados no possuem, em hiptese nenhuma, o objetivo de criticar os autores das interpretaes. Ao contrrio disso, estudaremos as opes de traduo e o processo mental e psicolgico responsveis pelas decises tomadas. Pelas caractersticas da atividade, os erros so muito mais freqentes do que se imagina, j que a interpretao envolve material textual que produzido oralmente pouco antes de ser traduzido. Mesmo quando o orador utiliza um texto base ao qual o intrprete teve acesso previamente, muito provvel que haja comentrios imprevistos. Posto isso, levanta-se a questo: como garantir os padres de excelncia e profissionalismo previstos pelo cdigo de tica profissional? A fim de propor meios de aprimoramento que ajudem a evitar erros de interpretao, realizamos um estudo de casos para tomarmos conscincia das dificuldades mais encontradas de modo a minimizar esses riscos. Os casos citados a seguir so exemplos coletados durantes aulas de interpretao simultnea de alunos do ltimo semestre de Traduo e Interpretao da Unisantos em 2007, do estudo sobre as consoantes do ingls e do portugus de Ricardo Schtz (03 out. 2007) e do artigo de Raffella de Filippis Quental (2006). Tambm realizamos entrevistas com os intrpretes Jos Augusto Rodrigues e Fernando Santiago dos Santos, cujos relatos sobre o mdulo simultneo e os desafios encontrados com maior freqncia foram imprescindveis para a elaborao desta monografia.

5.1.1. O fator fontico Quental (ibidem, p. 30) afirma que bastante comum o intrprete ter de desempenhar seu papel em um cenrio em que o som seja de m qualidade, com rudo de fundo, acompanhado de tcnicos despreparados. Alm disso, o orador pode ser

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confuso, se expressar mal, falar demasiadamente rpido ou devagar, no dominar o idioma em que por opo ou obrigao se expressa ou possuir um sotaque regional ou nacional muito pronunciado. Segundo ela, esses fatores podem interferir em maior ou menor grau na capacidade de concentrao e no rendimento do intrprete. No contexto tpico da interpretao de conferncia, na qual um grupo de pessoas de diferentes nacionalidades se rene com o propsito de discutir um assunto, cada vez mais freqente encontrarmos oradores de diferentes locais comunicando-se em ingls, com pronncias as mais variadas possveis. No caso do brasileiro que se comunica em ingls, os fatores que podem agravar sua comunicao devem-se pronncia com sotaque. A aspirao das oclusivas surdas do ingls /p/, /t/ e /k/, em posio inicial de palavra, no tem equivalente em portugus. A transferncia das oclusivas /p/, /t/ e /k/ no aspiradas do portugus causar, em primeiro lugar, um erro fontico23 e, em segundo lugar, um erro fonolgico24, pois ser percebida por nativos da lngua inglesa como /b/, /d/ e /g/, respectivamente. Ricardo Schtz (03 out. 2007) cita o exemplo da palavra pig (porco) [phIg]. Caso seja pronunciada como [pIg], sem aspirao, poder ser confundida com a palavra big (grande) [bIg]. H tambm a interferncia causada pelos alofones do portugus [t ] e [ ] nos fonemas /t/ e /d/ seguidos de [i], respectivamente, causando um erro fonolgico. Assim, a palavra till [tIl], abreviao de at, pronunciada erroneamente, poder ser escutada como [t Il], chill, que significa relaxar. Por no possuirmos os fricativos dentais // e //, eles representam outro problema, pois podero ser trocados por /t/ e /d/, respectivamente, ou ser substitudos por /t/, /s/ e /f/. O orador pode no primeiro caso ter a inteno de falar thin (magro) [ In] e pronunciar tin (lata) [tIn]. Outro erro comum que pode acarretar conseqncias graves a troca de palavras que pertencem mesma classe gramatical, como o caso do verbo think (pensar) [ I k], ser pronunciado como sink (afundar) [sI k]. Schtz tambm analisa as oclusivas /p/, /b/, /t/, /d/, /k/ e /g/, as africadas /t / e / /, e as fricativas /f/, /v/, / /, //, // e // que sempre ocorrem em posio final de palavra em ingls. A tendncia brasileira a de acrescentar o som vogal /i/ aps essas consoantes em final de palavra.23

Schtz afirma que o erro fontico aquele que causa apenas sotaque estrangeiro, podendo tornar o falante cansativo ao nativo que o ouve. (vide referncias bibliogrficas). 24 Schtz afirma que o erro fonolgico aquele que pode causar mal-entendido na comunicao. (vide referncias bibliogrficas).

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Assim, se tomarmos como exemplo back [bk], que significa atrs, back teria uma slaba extra [bki]. Um outro problema envolve os sons /t/ ou /d/, em que o simples erro fontico resultar em erro fonolgico: eat (comer) [it] each (cada) [it ]; cat (gato) [kt] catch (pegar) [kt ]; hat (chapu) [ht] hatch (o chocar de um ovo) [ht ]. Ainda h muitos outros equvocos fonolgicos: o caso da retroflexa /r/ do ingls ser substituda pela fricativa glotal /h/ do ingls resulta em erros como right (certo, direita, etc.) [raIt] height (altura) [haIt], a pronncia errnea das fricativas /s/ e /z/ finais como no caso da palavra eyes (olhos) [aIz] ser pronunciada como ice (gelo) [aIs], a tendncia de substituir as semi-consoantes /w/ e /y/ do ingls por /u/ e /i/, respectivamente, causando problemas como year (ano) [yI r] ear (orelha) [I r]. Muitas vezes o orador tem dificuldade em diferenciar certas palavras no singular de sua forma no plural, pela proximidade lingstica de seus fonemas, como a diferena entre man (homem) [mn] e men (homens) [m n], por exemplo. O fonema // pronunciado em uma posio anterior baixa. A ponta da lngua toca levemente a parte traseira dos dentes da frente inferiores e a mandbula abaixada para proporcionar a distncia mxima entre a lngua e o cu da boca. J o fonema / / produzido em uma posio anterior mdia e sem movimentao ampla da mandbula. Portanto, como ambos fonemas so vogais simples, o que os diferencia apenas a posio na cavidade oral e o formato dos lbios, que ficam um pouco mais abertos ao pronunciar []. Essa semelhana tambm pode ser encontrada na pronncia de bad (mau, ruim, etc.) [bd] e bed (cama) [b d] e o que se chama de minimal pairs25. Como proposto anteriormente, todo intrprete deve apurar o ouvido para compreender pronncias diversas. Algumas diferenas na pronncia americana e britnica aparecem na tabela a seguir: AM [r] [w rk] [t] sonoro e [i] [ phrIti] [OU] [bOUt] BR omisso de [r] [w3:k] [t] surdo e [I] [ phrItI] [ U] [b Ut]

work pretty boat

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Palavras com significados distintos que possuem os mesmos sons com apenas 1 fonema diferente na mesma posio da palavra, como em mat/sat e pen/pan.

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Se o intrprete no estiver acostumado com ambas as pronncias e no levar o contexto em considerao, poder ter dificuldade em reconhecer os seguintes termos: AM coals curls joke jerk [kOUlz] [k rlz] [ OUk] [ rk] BR [k Ulz] [k3:lz] [Uk]

[ 3:k]

Deve-se ter familiaridade no somente com a lngua estrangeira com marca de sotaque, mas tambm com as variantes que um fonema oferece em um mesmo pas. Existem termos como direct (dirigir, apontar, direto, etc.) e data (dados) que aceitam duas ou mais pronncias: direct [dI r kt] ou [daI r kt] e data [ deIt ] ou [ dat ]. Por no saber qual pronncia o orador utilizar, vale conhecer todas as formas fonticas que um termo pode apresentar a fim de reconhec-lo. A velocidade muitas vezes sobrecarrega o intrprete, que acaba cometendo erros. Veja um caso que ocorreu durante uma aula de interpretao na qual os alunos do curso de Traduo e Interpretao ouviam um discurso sobre lite