taxonomia e cladística

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CAPÍTULO 12 Sistemática | Ciência da Diversidade Biológica Uma família grande e diversificada. A dulcamara (vinha-da-índia) Solanum dulcamara, mostrada aqui, é uma erva daninha muito disseminada que é tóxica para os seres humanos, mas não tanto quanto a beladona (Atropa belladonna), que pode ser fatal. Essas duas espécies venenosas pertencem à família Solanaceae, que inclui importantes colheitas agrícolas, como batatas, tomates, beringelas e pimentas. SUMÁRIO Taxonomia | Nomenclatura e classificação Cladística Sistemática molecular Principais grupos de organismos | Bacteria, Archaea e Eukarya Origem dos eucariotos Protistas e reinos dos eucariotos Ciclos de vida e diploidia

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Page 1: Taxonomia e Cladística

CAPÍTULO 12Sistemática | Ciência da Diversidade Biológica

Uma família grande e diversificada. A dulcamara (vinha-da-índia) Solanum dulcamara, mostrada aqui, éuma erva daninha muito disseminada que é tóxica para os seres humanos, mas não tanto quanto abeladona (Atropa belladonna), que pode ser fatal. Essas duas espécies venenosas pertencem à famíliaSolanaceae, que inclui importantes colheitas agrícolas, como batatas, tomates, beringelas e pimentas.

SUMÁRIOTaxonomia | Nomenclatura e classificaçãoCladísticaSistemática molecularPrincipais grupos de organismos | Bacteria, Archaea e EukaryaOrigem dos eucariotosProtistas e reinos dos eucariotosCiclos de vida e diploidia

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Na seção anterior, discutimos sobre os mecanismos por meio dos quais ocorre a mudança evolutiva.Agora voltemos a nossa atenção aos produtos da evolução, ou seja, aos inúmeros diferentes tipos ouespécies de organismos vivos – que compartilham atualmente nossa biosfera. Estima-se que haja 10milhões de espécies eucarióticas e um número desconhecido de procarióticas. O estudo científicodessa diversidade biológica e de sua história evolutiva é chamado sistemática. Em geral, o objetivodos sistematas é descobrir todos os ramos da árvore filogenética da vida – a árvore que mostra asrelações genealógicas entre os organismos, com uma única espécie ancestral em sua base.

Taxonomia | Nomenclatura e classificação

Um aspecto importante da sistemática é a taxonomia –, que envolve a identificação, denominação eclassificação das espécies. O sistema moderno de denominação dos seres vivos começou com onaturalista sueco do século 18 Carl von Linnaeus (Figura 12.1), cuja ambição era nomear e descrevertodos os tipos conhecidos de plantas, animais e minerais. Em 1753, Linnaeus publicou um trabalhode dois volumes intitulado Species Plantarum no qual descrevia cada espécie em latim, em umasentença limitada a 12 palavras. Para ele, esses nomes-frases descritivos em latim, ou polinômios,eram os nomes adequados para as espécies, mas ao acrescentar uma importante inovação que forainventada por Caspar Bauhin (1560-1624), Linnaeus tornou permanente o sistema binomial (“comdois termos”) de nomenclatura. Na margem do Species Plantarum, junto ao nome polinomial“correto” de cada espécie, Linnaeus escreveu uma única palavra. Essa palavra, quando combinadacom a primeira palavra do polinômio – o gênero – era uma conveniente denominação “abreviada”para a espécie. Por exemplo, para a erva-dos-gatos, formalmente denominada Nepeta floribusinterrupte spicatus pedunculatis (ou seja, “Nepeta com flores em espiga pedunculada ininterrupta”),ele escreveu a palavra “cataria” (que quer dizer “associada a gatos”) na margem do texto, assimchamando a atenção para o atributo conhecido da planta. Linnaeus e seus contemporâneos logocomeçaram a chamar essa espécie de Nepeta cataria, e esse nome científico é ainda usado para essaespécie hoje em dia.

PONTOS PARA REVISÃOApós a leitura deste capítulo, você deverá ser capaz de responder às seguintes questões:

1. Descreva o sistema binomial de nomenclatura.

2. Por que o termo “hierárquico” é usado para descrever categorias taxonômicas?Nomeie as principais categorias entre os níveis de espécie e reino.

3. O que é análise cladística? O que representa um cladograma?

4. Que evidências sugerem a existência dos três grandes domínios ou grupos deorganismos vivos?

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5. Nomeie os três reinos dos eucariotos multicelulares e identifique as principaiscaracterísticas identificadoras de cada um desses reinos.

12.1 Carl von Linnaeus (1707-1778). Professor, médico e naturalista, Linnaeus desenvolveu o sistemabinomial para dar nome às espécies de organismos e estabeleceu as grandes categorias que são usadas nosistema hierárquico de classificação biológica. Quando tinha 25 anos, Linnaeus passou 5 meses explorando aLapônia para a Swedish Academy of Sciences. Ele aparece aqui vestindo uma versão do traje tradicionallapão e segurando um ramo de Linnaea borealis (Caprifoliaceae), uma espécie à qual foi dado o seu nome,em homenagem póstuma.

A conveniência desse novo sistema era óbvia, e os desajeitados nomes polinomiais foramsubstituídos por nomes binomiais. O nome binomial mais antigo atribuído a uma espécie emparticular tem prioridade sobre outros nomes que mais tarde sejam aplicados à mesma espécie. Asregras que governam nomes científicos das plantas, dos protistas fotossintetizantes e dos fungos estãono International Code of Botanical Nomenclature (Código Internacional de Nomenclatura

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Botânica). Há também códigos para os animais e os protistas não fotossintetizantes (InternationalCode of Zoological Nomenclature ou Código Internacional de Nomenclatura Zoológica), assim comopara micróbios (International Code of Nomenclature of Bacteria ou Código Internacional deNomenclatura de Bactérias).

O nome da espécie consiste no nome genérico mais o epíteto específicoO nome de uma espécie consiste em duas partes. A primeira é o nome do gênero – também chamadonome genérico – e a segunda é o epíteto específico. Para a erva-dos-gatos, o nome genérico éNepeta, o epíteto específico é cataria e o nome da espécie é Nepeta cataria.

Um nome genérico pode ser escrito isoladamente quando se trata de todo o grupo de espécies queformam o gênero. A Figura 12.2 mostra três espécies do gênero da violeta, Viola. Contudo, umepíteto específico não tem sentido quando escrito sozinho. O epíteto específico biennis, por exemplo,é usado em associação com dúzias de nomes genéricos diferentes. Artemisia biennis, um tipo deartemísia, e Lactuca biennis, uma espécie de alface silvestre, são dois membros muito diferentes dafamília dos girassóis (Asteraceae), e Oenothera biennis, erva-dos-burros, é uma planta que pertencea uma família completamente diferente, Onagraceae. Por causa do perigo de que nomes sejamconfundidos, um epíteto específico é sempre precedido pelo nome ou letra inicial do gênero que ocontém: por exemplo, Oenothera biennis ou O. biennis. Os nomes de gêneros e espécies sãoimpressos em itálico ou são sublinhados quando manuscritos ou datilografados.

Quando se descobre que uma espécie foi inicialmente incluída no gênero errado e deve sertransferida para outro gênero, o epíteto específico junta-se ao novo gênero. Contudo, caso já existauma espécie nesse gênero que tenha esse epíteto específico em particular, é necessário encontrar umnome alternativo.

Cada espécie tem um espécime-tipo, em geral uma amostra de planta seca guardada em museu ouherbário, designado pela pessoa que originalmente deu nome à espécie ou por um autor subsequentese o autor original não o fez (Figura 12.3). O espécime-tipo serve como base para comparação comoutros espécimes para que se possa determinar se são membros da mesma espécie.

Os membros de uma espécie podem ser agrupados em subespécies ou variedadesAlgumas espécies consistem em duas ou mais subespécies ou variedades (alguns botânicosconsideram que variedades são subcategorias de subespécies, enquanto outros veem as duascategorias como equivalentes). Todos os membros de uma subespécie ou variedade de uma dadaespécie se parecem entre si e têm em comum uma ou mais características, que não estão presentes emoutras subespécies ou variedades daquela espécie. Como resultado dessas subdivisões, embora onome binomial ainda seja a base da classificação, os nomes de algumas plantas e animais podem sercompostos por três nomes. A subespécie ou variedade que inclui o espécime-tipo da espécie repete onome desta, e todos os nomes são escritos em itálico ou sublinhados. Então o pessegueiro é Prunuspersica var. persica, enquanto a nectarina é Prunus persica var. nectarina. O persica repetido nonome do pessegueiro nos diz que o espécime-tipo da espécie P. persica pertence a essa variedade; apalavra variedade é abreviada como “var.” (ver outros exemplos na Figura 12.2B, C).

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12.2 Três membros do gênero da violeta. A. A violeta azul comum, Viola sororia, que cresce em regiõestemperadas desde o leste da América do Norte até os Grandes Lagos. B. Viola tricolor var. tricolor, umavioleta de flores amarelas que representa uma espécie principalmente perene e nativa do oeste da Europa. C.Amor-perfeito, Viola tricolor var. hortensis, uma linhagem anual cultivada a partir da espécie silvestrerepresentada em (B). Esses táxons diferem em coloração e tamanho das flores, forma e margem das folhas,além de outros traços que distinguem as espécies desse gênero, embora haja uma similaridade geral entretodas elas. Existem cerca de 500 espécies do gênero Viola.

Organismos são agrupados em categorias taxonômicas mais amplas dispostas em umahierarquiaLinnaeus (assim como cientistas anteriores) reconhecia três reinos – vegetal, animal e mineral – e,até recentemente, o reino era a unidade mais inclusiva usada na classificação biológica. Além disso,várias categorias taxonômicas hierárquicas foram adicionadas entre os níveis de gênero e reino:gêneros foram agrupados em famílias; famílias, em ordens; e ordens, em classes. O botânicofrancosuíço Augustin-Pyramus de Candolle (1778-1841), que inventou a palavra “taxonomia”,acrescentou outra categoria – divisão – para designar grupos de classes no reino vegetal. A partirdisso, as divisões passaram a ser os maiores grupos inclusivos do reino vegetal. No XV CongressoInternacional de Botânica em 1993, entretanto, o International Code of Botanical Nomenclaturetornou o termo filo (phylum, em latim) equivalente à divisão em termos de nomenclatura. “Filo” hámuito tempo é usado por zoólogos para grupos de classes e foi adotado neste livro.

Nesse sistema hierárquico – ou seja, de grupos dentro de grupos, com cada grupo ordenado em umnível específico – o grupo taxonômico a qualquer nível é chamado táxon (taxon, em latim). O nívelem que ele está ordenado é chamado categoria. Por exemplo, gênero e espécie são categorias,enquanto Prunus e Prunus persica são táxons dentro dessas categorias.

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12.3 Espécime-tipo. Espécime-tipo da angiosperma Mikania citriodora (família Asteraceae), encontrada noBrasil. Esse espécime foi coletado por W. C. Holmes e descrito por ele em artigo publicado no periódicoPhytologia (volume 70, páginas 47-51, 1991).

A regularidade na escrita dos nomes para os diferentes táxons torna possível reconhecê-los comonomes pertencentes àquele nível. Por exemplo, os nomes de famílias de plantas terminam em -aceae,com muito poucas exceções. Nomes mais antigos são aceitos como alternativas para algumasfamílias, como Fabaceae, a família da ervilha, que pode também ser chamada pelo nome mais antigo,Leguminosae. Outros exemplos são Apiaceae, a família da salsinha (também é conhecida comoUmbelliferae), e Asteraceae, a família do girassol (também é conhecida como Compositae). Nomesde ordens vegetais terminam em -ales.

Amostras de classificações de milho (Zea mays) e do comumente cultivado cogumelo comestível(Agaricus bisporus) são dadas na Tabela 12.1.

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Muitas classificações diferentes de plantas foram propostasAs primeiras classificações eram baseadas na aparência, ou no hábito da planta. Por exemplo,Teofrasto (370-285 a.C.), que era um estudante de Aristóteles e conhecido como o Pai da Botânica,classificou todas as plantas com base em sua forma: árvores, arbustos, subarbustos e ervas. Lineuusou o “sistema sexual”, pelo qual plantas eram classificadas em 24 classes baseadas principalmenteno número e na disposição dos estames em cada flor. Tais sistemas de classificação são conhecidoscomo sistemas artificiais, porque classificam os organismos principalmente como um auxílio àidentificação e, em geral, por meio de um ou poucos caracteres.

Para Linnaeus e seus sucessores imediatos, o objetivo da taxonomia era a revelação do grande eimutável projeto da criação. Após a publicação de On the Origin of Species (A Origem dasEspécies) de Darwin, em 1859, no entanto, diferenças e semelhanças entre os organismos começarama ser vistas como produtos de sua história coevolutiva ou filogenia. Biólogos passaram então aquerer que classificações fossem não só informativas e úteis, mas também um reflexo rigoroso dasrelações evolutivas entre os organismos. Tais classificações são chamadas classificações naturais.As relações evolutivas entre os organismos são, muitas vezes, ilustradas como árvores filogenéticas,que representam as relações genealógicas entre os táxons segundo a hipótese de determinadopesquisador ou grupos de investigadores. Tabela 12.1 Classificação biológica. Repare quanto é possível dizer sobre um organismo quando se conheceseu lugar no sistema. As descrições aqui não definem as diversas categorias, mas dizem alguma coisa sobresuas características. Os reinos Plantae e Fungi pertencem ao domínio Eukarya.

Categoria Táxon Descrição

Milho

Reino Plantae

Organismos principalmenteterrestres, com clorofilas a e bcontidas em cloroplastos, esporosprotegidos por esporopolenina(uma resistente substância deparede), e embriõesmulticelulares nutricionalmentedependentes.

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Filo AnthophytaPlantas vasculares com sementes e

flores; óvulos contidos em umovário, polinização indireta;angiospermas.

Classe Monocotyledoneae

Embrião com um cotilédone; partesflorais geralmente em trios;muitos feixes vasculares dispersosno caule; monocotiledôneas.

Ordem PoalesMonocotiledôneas com folhas

fibrosas; redução e fusão naspartes florais.

Família Poaceae

Monocotiledôneas com caules ocos eflores esverdeadas reduzidas; ofruto é um aquênio especializado(cariopse); gramíneas.

Gênero ZeaGramíneas robustas, com cachos de

flores separados, estaminados ecarpelados; cariopse carnosa.

Espécie Zea mays Milho.

Cogumelo comestível

Reino Fungi

Organismos sem mobilidade,multinucleados, heterotróficos,absorventes, nos quais a quitinapredomina nas paredes celulares.

Filo Basidiomycota

Fungos dicarióticos que formam umbasídio contendo quatro esporos(basidiósporos); subfilosAgaricomycotina,Pucciniomycotina eUstilaginomycotina.

Classe Agaricomycetes

Fungos que produzem basidiocarposou “corpos de frutificação”, alémde basídios asseptados e em formade clava que recobrem as lamelasou poros; himenomicetos.

Ordem Agaricales Fungos carnosos com lamelas ouporos radiais.

Família Agaricaceae Agaricales com lamelas.

Gênero AgaricusFungos macios, de esporos escuros,

com um estipe central e lamelassoltas do talo.

Espécie Agaricus bisporus Cogumelo comestível comum(champignon).

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Tradicionalmente, a classificação de um organismo recém-descoberto e a sua relação filogenéticacom os outros organismos foi baseada em suas semelhanças externas relativamente aos outrosmembros desse táxon. As árvores filogenéticas construídas por métodos tradicionais raramenteincluem considerações detalhadas da informação comparativa. Embora esse enfoque tenha levado amuitos resultados úteis, ele foi fundamentado primeiramente na opinião do pesquisador sobre quaisfatores eram mais importantes ao determinar a classificação. Portanto, não é surpreendente queclassificações muito diferentes fossem às vezes propostas para os mesmos grupos de organismos.

Em um esquema de classificação que reflete com precisão a filogenia, cada táxon deve sermonofiléticoUm grupo monofilético (também chamado clado) é composto por um ancestral e todos os seusdescendentes; nenhum de seus descendentes é excluído (Figura 12.4). Assim, um gênero deveriaconsistir em todas as espécies que descendem do ancestral comum mais recente – e somente nasespécies que descendem daquele ancestral. Da mesma maneira, uma família deveria consistir emtodos os gêneros que descendem de um ancestral comum mais distante – e somente nos gêneros quedescendem daquele ancestral. Para simplificar, um grupo monofilético pode ser removido da árvorefilogenética com um único “corte” na árvore. Uma classificação filogenética tenta dar nomestaxonômicos formais somente a grupos que sejam monofiléticos, embora nem todo grupo monofiléticoprecise de um nome.

À medida que surgem mais informações, os pesquisadores algumas vezes descobrem que osgrupos taxonômicos atuais não são monofiléticos. Existem dois desses grupos: parafiléticos epolifiléticos (Figura 12.4). Um grupo parafilético é aquele constituído por um ancestral comum, masnão por todos os descendentes desse ancestral. Na classificação filogenética, os grupos parafiléticosnão recebem nomes formais. Um grupo polifilético é aquele com dois ou mais ancestrais, mas nãoinclui o ancestral comum verdadeiro de seus membros.

As características homólogas têm origem comum e as análogas têm função comum, masorigens evolutivas distintasNo sentido amplo, a sistemática é uma ciência comparativa. Ela agrupa os organismos em táxons quevão desde a categoria de gênero até filo, baseando-se em similaridades estruturais e outroscaracteres. De Aristóteles em diante, entretanto, os biólogos passaram a reconhecer que semelhançassuperficiais não são critérios úteis para as decisões taxonômicas. Por exemplo, aves e insetos nãodeveriam ser postos em um mesmo grupo simplesmente porque ambos têm asas. Um inseto sem asas(como as traças-dos-livros) é ainda um inseto, assim como uma ave que não voa (como o quivi)continua a ser uma ave.

Uma questão fundamental em sistemática é a origem da similaridade ou da diferença. Asimilaridade de uma característica específica reflete a herança de um ancestral comum ou reflete aadaptação a ambientes semelhantes por organismos que não compartilham um mesmo ancestral? Euma questão relacionada surge com respeito às diferenças entre os organismos: uma diferença refletehistórias evolutivas separadas ou, ao contrário, ela reflete as adaptações de organismos aparentadosa ambientes muito diferentes? Como veremos nos capítulos seguintes, as folhas normais, os

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cotilédones, as brácteas e as partes florais têm funções e aparências bem diferentes, mas todos sãomodificações do mesmo tipo de órgão, a folha. Tais estruturas que têm uma origem comum, mas nãonecessariamente uma função comum, são ditas homólogas (do grego homología, que quer dizer“concordância”). Esses são os atributos sobre os quais os sistemas evolutivos de classificação, emprincípio, são construídos.

Ao contrário, outras estruturas, que podem ter uma função e uma aparência externa semelhantes,têm um passado evolutivo completamente distinto. Tais estruturas são ditas análogas e resultam deevolução convergente (ver o boxe “Evolução convergente”). Assim, as asas de uma ave e aquelas deum inseto são análogas, não homólogas. Da mesma maneira, o espinho de um cacto (uma folhamodificada) e o espinho de Crataegus (um caule modificado) são análogos, não homólogos.Distinguir entre homologia e analogia raramente é muito simples e, em geral, requer a comparaçãodetalhada, assim como evidências oriundas de outras características dos organismos em estudo.

12.4 Grupos monofilético, parafilético e polifilético. Um grupo monofilético, ou clado, inclui o ancestralcomum 1 e todos os seus descendentes (espécies A, B e C). Um grupo parafilético inclui o ancestral comum2 de alguns descendentes (espécies D, E e F), mas não de todos seus descendentes (a espécie G não éincluída). Um grupo polifilético tem dois ou mais ancestrais: as espécies D, E, F e G compartilham o ancestral2, mas a espécie C tem um ancestral diferente, o ancestral 1.

EVOLUÇÃO CONVERGENTE

Forças seletivas comparáveis, agindo sobre plantas que crescem em habitats semelhantes, mas em partes diferentes do mundo,frequentemente fazem com que espécies sem nenhum “parentesco” assumam uma aparência semelhante. O processo pelo qual issoacontece é conhecido como evolução convergente.

Consideremos algumas das características adaptativas de plantas que crescem em ambientes desérticos – caules suculentos ecolunares (que proporcionam a capacidade de armazenar água), espinhos protetores e folhas reduzidas. Três famíliasfundamentalmente distintas de plantas floríferas – a família das eufórbias (Euphorbiaceae), a família dos cactos (Cactaceae) e afamília do oficial-de-sala (Apocynaceae) – têm representantes com esses caracteres. Os representantes das euforbiáceas e dasapocináceas com aparência de cactos que mostramos aqui evoluí ram a partir de plantas com folhas que são muito diferentes umasdas outras.

Os cactos nativos ocorrem (com exceção de uma espécie) exclusivamente no Novo Mundo. Os representantes das euforbiáceas e

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das apocináceas, igualmente suculentos, são encontrados principalmente em regiões desérticas na Ásia e sobretudo na África, ondetêm um papel ecológico semelhante ao dos cactos do Novo Mundo.

Embora as plantas mostradas aqui – (A) Euphorbia, um membro da família das eufórbias; (B) Echinocereus, um cacto; e (C)Hoodia, uma asclepiadácea suculenta – tenham fotossíntese CAM (Capítulo 7), todas as três têm parentesco e derivam de plantasque apresentam apenas fotossíntese C3. Isso indica que as adaptações fisiológicas envolvidas na fotossíntese CAM também surgiramcomo resultado de evolução convergente.

Cladística

O método mais amplamente utilizado para classificar os organismos hoje em dia é conhecido comocladística, um método de análise filogenética que explicitamente busca entender as relaçõesfilogenéticas. O enfoque se concentra na ramificação de uma linhagem a partir de outra no curso daevolução. Ele reconhece um grupo monofilético, ou clados, pelos seus caracteres derivadoscompartilhados (sinapomorfias). As sinapomorfias são estados de caracteres que se originam noancestral comum do grupo e são encontradas em todos os seus membros. Os estados de um carátersão duas ou mais formas de um aspecto específico, como, por exemplo, a existência ou não demadeira ou flores.

Para elaborar uma árvore evolutiva é preciso determinar quais alterações são mais recentes equais são mais antigas, ou seja, a árvore precisa ter um sentido – precisa ter uma raiz. Ao dispor oscaracteres em um sentido específico, a raiz possibilita o reconhecimento dos estados de caracteresderivados compartilhados que definem os táxons monofiléticos.

Os grupos externos são utilizados na criação de uma raiz para a árvore evolutiva. Um grupoexterno é um táxon muito próximo do grupo estudado (grupo interno), mas que não faz parte dele. Osestados de caracteres apresentados pelos grupos externos mais próximos são consideradosancestrais, enquanto os encontrados no grupo interno, embora ausentes nos grupos externos maispróximos, são considerados derivados.

O resultado de análise cladística é um cladograma, que fornece uma representação gráfica de ummodelo de trabalho, ou hipótese, sobre as relações filogenéticas entre um grupo de organismos. Paratestar essas hipóteses tenta-se incorporar espécies ou caracteres adicionais que podem ou não seajustar às predições do modelo.

Para sabermos como um cladograma é construído, consideremos quatro grupos diferentes deplantas: antóceros (ver Figura 16.29), samambaias, pinheiros e carvalhos. Para cada um dos gruposde plantas, selecionemos quatro caracteres homólogos a serem analisados (Tabela 12.2). Para

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simplificarmos o nosso exercício, consideraremos que os caracteres têm somente dois estadosdiferentes: presente (+) e ausente (–).

Por possuírem embriões, sabe-se que antóceros são relacionados com os outros três grupos deplantas, que também apresentam embriões. No entanto, os antóceros carecem de muitos traços que osoutros três grupos têm em comum – por exemplo, xilema e floema, além de muitas outrascaracterísticas não mostradas na tabela. Os antóceros podem ser usados como o grupo externo epode-se considerar que divergiram de um ancestral comum antes dos outros táxons. Desse modo, osantóceros podem ser usados para determinar se é possível utilizar as características comuns entresamambaias, pinheiros e carvalhos para definir um clado. Por exemplo, sementes não estão presentesem antóceros, e portanto as sementes podem ser supostamente uma característica derivadacompartilhada por pinheiros e carvalhos, que os uniria como um grupo monofilético. Ao aplicar esseargumento a nossos poucos caracteres, o estado de caráter “ausente” é claramente reconhecido comoa condição ancestral e o estado de caráter “presente”, como a condição derivada. Tabela 12.2 Caracteres selecionados usados na análise de relações filogenéticas de quatro táxons deplantas.

Caracteres*

Táxon Xilema e Floema Lenho Sementes Flores

Antóceros – – – –

Samambaias + – – –

Pinheiros + + + –

Carvalhos + + + +

*O estado de caráter “presente” (+) é a condição derivada; o estado de caráter “ausente” (–) é a condiçãoancestral.

A Figura 12.5A mostra como se poderia esboçar um cladograma com base na presença ou ausência

dos tecidos vasculares xilema e floema. Visto que as samambaias, os pinheiros e os carvalhos todosapresentam xilema e floema, podemos supor que formem um grupo monofilético. A Figura 12.5Bmostra como maior resolução é obtida à medida que se adicionam informações sobre outrascaracterísticas.

Como se interpreta o cladograma da Figura 12.5B? Para começar, repare que os cladogramas nãoindicam que um grupo deu origem a outro, como acontece em muitas árvores filogenéticasconstruídas pelo método tradicional. Em vez disso, eles sugerem que grupos que terminam em ramosadjacentes (as bases dos ramos são chamadas nós) compartilham um ancestral em comum. Essesgrupos são denominados grupos-irmãos. O cladograma da Figura 12.5B nos diz que os carvalhoscompartilham um ancestral em comum, mais recente, com os pinheiros em vez de samambaias, e queeles são mais próximos dos pinheiros em vez das samambaias. As posições relativas de váriasplantas no cladograma indicam seus tempos relativos de divergência.

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Um princípio fundamental da cladística é que um cladograma deveria ser construído de maneiramais simples, menos complicada e mais eficiente possível. Esse princípio é chamado princípio daparcimônia. Quando cladogramas conflitantes são construídos a partir dos dados disponíveis, aqueleque inclui o maior número de homologias e o menor de analogias é o favorecido.

Sistemática molecular

Antes do advento da sistemática molecular, a classificação por qualquer metodologia era em grandeparte baseada em morfologia e anatomia comparativa, mas a sistemática vegetal foi revolucionadapela aplicação de técnicas moleculares. As técnicas mais utilizadas são aquelas que determinam asequência dos nucleotídios em ácidos nucleicos – sequências que são geneticamente determinadas(ver Capítulo 10). Dados moleculares são diferentes de dados provenientes de fontes tradicionais emvários aspectos importantes: em particular, eles são mais fáceis de quantificar, têm o potencial defornecer muito mais caracteres para análise filogenética e permitem a comparação de organismos quesão morfologicamente muito diferentes. Com o desenvolvimento de técnicas moleculares, tornou-sepossível comparar organismos em seu nível mais básico – o gene.

12.5 Cladogramas. Esses cladogramas mostram as relações filogenéticas entre antóceros, samambaias,pinheiros e carvalhos, indicando os caracteres compartilhados que dão apoio aos padrões de relações. A.Um cladograma baseado na presença ou ausência de xilema e floema. B. Um resultado melhor das relaçõesfilogenéticas, com base em informações adicionais na presença ou ausência de lenho, sementes e flores.

A análise de sequências de ácidos nucleicos fornece dados com grande capacidade de revelar asrelações evolutivas. Muitos genes diferentes, com taxas variáveis de mudança, podem ser usados

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para estudar a evolução em linhagens diferentes. Boa parte da variação nos genes homólogos dediferentes grupos de organismos é devida a mutações neutras que se acumularam em uma taxa quaseconstante ao longo do tempo evolutivo. Essa variação não resulta de um processo de seleção. Naverdade, representa as diferenças no número de alterações nucleotídicas que ocorreram em geneshomólogos desde que as linhagens se separaram. Grupos que divergiram mais recentemente tendem aapresentar menos diferenças entre eles do que os grupos que divergiram de um ancestral comum hámais tempo. Sequências de DNA não codificadoras também são marcadores quase neutros querefletem eventos evolutivos passados.

À medida que sequências de ácidos nucleicos de uma variedade de espécies são determinadas, ainformação entra em bancos de dados de computadores, basicamente no GenBank, que é patrocinadopelo National Institutes of Health como parte do National Center for Biotechnology Information.Assim, é possível fazer comparações detalhadas de um número enorme de táxons.

A importância da sistemática molecular, quando combinada ao estudo de estados de caracteresmorfológicos, é exemplificada pelo Consensus Phylogeny of Flowering Plants, liderado pelo grupode especialistas em sistemática vegetal conhecido como Angiosperm Phylogeny Group. Quase todasas famílias de plantas florígenas ocupam atualmente uma posição filogenética bem sustentada, e essaformidável tarefa está progredindo bem no nível dos gêneros.

GOOGLE EARTH | UMA FERRAMENTA PARA DESCOBRIR E PROTEGER A

BIODIVERSIDADE

Durante a análise de imagens de satélite, pesquisadores do Kew Royal Botanic Gardens (Inglaterra) encontraram uma “inesperadaárea verde” nas regiões montanhosas no norte de Moçambique. Eles estavam buscando um local para a instalação de um projeto deconservação e, três anos depois (em 2008), uma expedição confirmou aquilo que as imagens sugeriram: na região, conhecida comoMonte Mabu, havia a mais extensa e contínua floresta tropical do território meridional da África. A floresta, pouco conhecida a nãoser por aqueles que viviam em suas proximidades, abrigava centenas de espécies animais, entre eles camaleões pigmeus, cobrasraras, aves e borboletas, além de várias espécies previamente desconhecidas. Mais de 500 amostras de plantas foram coletadas,entre elas orquídeas raras e uma nova espécie de visco. Atualmente a biodiversidade de toda a região está sendo catalogada e estãosendo envidados esforços em conjunto com o governo de Moçambique para proteger essa região.

De certo modo, a descoberta não foi incomum visto que os governos e os pesquisadores examinam as fotografias obtidas porsatélite há décadas e já ocorreram outras descobertas de áreas silvestres. O que tornou notável a descoberta do Monte Mabu foi queas imagens não estavam “escondidas” em algum laboratório governamental ou acessíveis apenas a pessoas com títulos acadêmicosadequados. Na verdade, essas fotos estavam disponíveis para todas as pessoas que possuem um computador pessoal, graças aoGoogle Earth.

Todavia, a descoberta de novos territórios é um dos menores benefícios dessa ferramenta. Conservacionistas em todo o planetaestão, cada vez mais, explorando os recursos do Google Earth com o intuito de aumentar a compreensão das regiões já conhecidas ede compartilhar seus achados com outras pessoas do planeta.

Os conservacionistas precisam saber o que existe para proteger a biodiversidade. As imagens do satélite com seu “olho de águia”,que permitem observar toda a paisagem, possibilitam a pesquisa de milhões de hectares no conforto do seu escritório. Isso tornaprática a descoberta de novos habitats, como o Monte Mabu ou uma fonte isolada no deserto, antes de programar uma expedição de