taveira, Ângela montenegro. o poder de polícia dos membros das

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ESCOLA SUPERIOR DE GUERRA ÂNGELA MONTENEGRO TAVEIRA O Poder de Polícia dos Membros das Forças Armadas nas operações de patrulhamento de fronteiras: limites e implicações com a segurança e o desenvolvimento nacionais. Rio de Janeiro 2011

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Page 1: TAVEIRA, Ângela Montenegro. O poder de polícia dos membros das

ESCOLA SUPERIOR DE GUERRA

ÂNGELA MONTENEGRO TAVEIRA

O Poder de Polícia dos Membros das Forças Armadas nas

operações de patrulhamento de fronteiras:

limites e implicações com a segurança e o desenvolvimento

nacionais.

Rio de Janeiro 2011

Page 2: TAVEIRA, Ângela Montenegro. O poder de polícia dos membros das

ÂNGELA MONTENEGRO TAVEIRA

O Poder de Polícia dos Membros das Forças Armadas nas

operações de patrulhamento de fronteiras:

Limites e implicações com a segurança e o

desenvolvimento nacionais.

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao

Departamento de Estudos da Escola Superior de

Guerra como requisito à obtenção do diploma do

Curso de Altos Estudos de Política e Estratégia.

Orientador: Cel. R/1 João de Oliveira MATTOS

Rio de Janeiro

2011

Page 3: TAVEIRA, Ângela Montenegro. O poder de polícia dos membros das

C2011 ESG

Este trabalho, nos termos de legislação

que resguarda os direitos autorais, é

considerado propriedade da ESCOLA

SUPERIOR DE GUERRA (ESG). É

permitido a transcrição parcial de textos

do trabalho, ou mencioná-los, para

comentários e citações, desde que sem

propósitos comerciais e que seja feita a

referência bibliográfica completa.

Os conceitos expressos neste trabalho

são de responsabilidade do autor e não

expressam qualquer orientação

institucional da ESG

_________________________________

Biblioteca General Cordeiro de Farias

Taveira, Ângela Montenegro.

O Poder de Polícia dos Membros das Forças Armadas nas

operações de patrulhamento de fronteiras: limites e implicações com

a segurança e o desenvolvimento nacionais / Promotora da Justiça

Militar Ângela Montenegro Taveira - Rio de Janeiro: ESG, 2011.

67f

Orientador: Cel R/1 João de Oliveira Mattos.

Trabalho de Conclusão de Curso - Monografia apresentada ao

Departamento de Estudos da Escola Superior de Guerra como

requisito à obtenção do diploma do Curso de Altos Estudos de

Política e Estratégia (CAEPE), 2011.

1. Poder Político. 2. Poder de Polícia dos Membros das Forças

Armadas. 3. Patrulhamento das Fronteiras Terrestres. I.Título.

Page 4: TAVEIRA, Ângela Montenegro. O poder de polícia dos membros das
Page 5: TAVEIRA, Ângela Montenegro. O poder de polícia dos membros das

Dedico este trabalho aos meus pais Nelson e

Divone, representantes de Deus na minha vida, que

sempre me impulsionaram, com seu imenso amor,

para uma vida feliz e produtiva.

A minha irmã Márcia, zelosa médica do meu corpo e

da minha alma.

A meus filhos Pedro Henrique e Luís Filipe, razão,

causa e consequência da minha jornada neste

mundo.

Page 6: TAVEIRA, Ângela Montenegro. O poder de polícia dos membros das

AGRADECIMENTOS

Agradeço à Procuradora-Geral da Justiça Militar Doutora Cláudia

Márcia Ramalho Moreira Luz, por ter-me concedido a oportunidade de participar do

Curso de Altos Estudos de Política e Estratégica da Escola Superior de Guerra.

Agradeço, também, ao corpo docente da ESG e a todos os colegas da

Turma Segurança e Desenvolvimento, por ter podido desfrutar com eles deste ano

de cordial convivência e aprofundadas reflexões sobre o Brasil.

Page 7: TAVEIRA, Ângela Montenegro. O poder de polícia dos membros das

“Tem fé no direito, como o melhor instrumento para a convivência humana; na justiça, como destino natural do direito; na paz, como substitutivo benevolente da justiça; e, sobretudo, tem fé na liberdade, sem a qual não há direito, nem justiça, nem paz.” Eduardo Juan Couture

Page 8: TAVEIRA, Ângela Montenegro. O poder de polícia dos membros das

RESUMO

O presente trabalho aborda a natureza, a amplitude e os limites do poder de polícia

dos membros das Forças Armadas prevista na Lei Complementar n° 97/1999, e

suas posteriores modificações, em especial as alterações trazidas pelas Leis

Complementares n° 117/2004 e 136/2010. O foco principal do estudo é o emprego

do Exército Brasileiro na sua dupla missão constitucional de assegurar a soberania

territorial brasileira de garantir a lei e a ordem. Busca-se entender em que medida as

missões de patrulhamento e policiamento na faixa de fronteira são atribuições

subsidiárias das Forças Armadas e como devem ser compreendidas dentro do

conceito maior da missão constitucional de garantia da lei e da ordem.

Inicialmente, é feita uma rápida abordagem dos fundamentos doutrinários e legais do

poder de polícia com destaque para a diferença entre o “poder de polícia

administrativo” e o “poder de polícia de segurança”, ambos originários do poder

político e do poder estatal que caracterizam o Estado Democrático de Direito.

Procura-se enfatizar que o poder de polícia representa um importante instrumento em

favor da concretização de políticas públicas de segurança, desenvolvimento e defesa

do País.

Conclui-se pela necessidade de que seja estabelecida uma disciplina de instrução e

adestramento dos militares das Forças Terrestres, que vise ao bom desempenho

dessas atribuições subsidiárias e das atividades contidas na esfera de atribuição

originária da Polícia Federal e da Polícia Militar. Ao final, são abordadas algumas

questões jurídicas decorrentes da atuação das Forças Armadas ditadas pela Lei

Complementar 97/99.

Palavras chave: Poder de polícia. Forças Armadas. Missão constitucional. Forças terrestre.

Garantia da lei e da ordem. Patrulhamento de fronteiras. Polícia Federal. Polícia Militar,

Crimes transfronteiriços.

Page 9: TAVEIRA, Ângela Montenegro. O poder de polícia dos membros das

ABSTRACT

This paper addresses the nature, scope, and limits of the police powers of the

members of the Brazilian armed forces as outlined in supplemental law number

97/1999 and its subsequent modifications, particularly those changes provided for

under supplemental laws number 117/2004 and 136/2010. The primary focus of this

study is the employment of the Brazilian Army in its dual constitutional roles of

insuring the territorial sovereignty of Brazil and insuring law and order. This paper

seeks to understand how patrolling and policing border areas are ancillary functions

of the armed forces and how they should be understood within the broader concept

provided for under the constitutional mission of insuring law and order.

The paper begins with a quick overview of the doctrinal and legal fundamentals of

police power in Brazil, with emphasis on the difference between “administrative

policing functions” and “security functions,” both of which are derived from the political

power and authority of the state, characteristic of a democratic state based on the rule

of law. This paper emphasizes that police power represents an important instrument

for the implementation of public policies for security, development, and national

defense.

The conclusion of this study is that there is a necessity to establish a training and

education program for members of the Brazilian ground forces (army) aimed at

insuring their preparedness to perform these ancillary functions and activities that are

normally executed by law enforcement entities such as the Federal Police and the

State Police (known as Polícia Militar in Brazil). Finally, this paper addresses certain

legal issues arising from the role of the armed forces as mandated by supplemental

law 97/99.

Key words: Police power. Armed forces. Constitutional role. Ground forces. Insuring law and

order. Border patrolling, Federal police. Military Police. Cross-border crimes.

Page 10: TAVEIRA, Ângela Montenegro. O poder de polícia dos membros das

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

APF Auto de Prisão em Flagrante

ANVISA Agência Nacional de Vigilância Sanitária

ANAC Agência Nacional da Aviação Civil

CF Constituição Federal COM Código Penal Militar CPPM Código de Processo Penal Militar EB Exército Brasileiro ENAFRON Estratégia Nacional de Defesa FAB Força Aérea Brasileira FARC Forças Armadas Revolucionárias Colombianas FFAA Forças Armadas

GLO Garantia da Lei e da Ordem

IBAMA Instituto Brasileiro do Meio Ambiente

JMU Justiça Militar da União

LC Lei Complementar

MB Marinha do Brasil

MPM Ministério Público Militar

OSP Órgãos de Segurança Pública

PATCOS Serviço de Patrulha Costeira

PATNAV Patrulha Naval

PDN Política de Defesa Nacional

PF Polícia Federal

PM Polícia Militar

SIVAM Sistema de Vigilância da Amazônia

SIPAM Sistema de Proteção a Amazônia

STM Superior Tribunal Militar

Page 11: TAVEIRA, Ângela Montenegro. O poder de polícia dos membros das

SUMÁRIO

1     INTRODUÇÃO .............................................................................................. 10 2     O PODER POLÍTICO: DA FILOSOFIA AO ESTADO DE DIREITO ............ 14  2.1     O PODER POLÍTICO .................................................................................... 14  2.2     O PODER DE ESTADO ................................................................................ 18  2.3     O PODER DE POLÍCIA ................................................................................ 21  2.4     O PODER DE POLÍCIA COMO FATOR DE SEGURANÇA E

DESENVOLVIMENTO .................................................................................. 25 3     O PODER DE POLÍCIA DAS FORÇAS ARMADAS NA GARANTIA DA LEI

E DA ORDEM ............................................................................................... 28  3.1     BASE DOUTRINÁRIA E JURISPRUDENCIAL: A TEORIA DOS PODERES

IMPLÍCITOS .................................................................................................. 28  3.2     FUNDAMENTO CONSTITUCIONAL E INFRACONSTITUCIONAL ............. 29  3.2.1     Patrulha Naval - legislação específica para a Marinha do Brasil ........... 32  3.2.2   Patrulha Terrestre - legislação específica para o Exército Brasileiro ... 34  3.2.3   Patrulha Aérea - legislação específica para a Força Aérea Brasileira ... 36 4     O PATRULHAMENTO DA FAIXA DE FRONTEIRA NO ARCO

AMAZÔNICO: ATRIBUIÇÃO SUBSIDIÁRIA PARTICULAR DA FORÇA TERRESTRE ................................................................................................ 40  

4.1     LIMITES DO PODER DE POLÍCIA EM OPERAÇÕES MILITARES NA FRONTEIRA ................................................................................................. 40  

4.2     OS PELOTÕES DE FRONTEIRA ................................................................. 44  4.3     AÇÕES DE PREVENÇÃO E REPRESSÃO ................................................. 47  4.3.1     O Patrulhamento ......................................................................................... 48  4.3.2     A Prisão em Flagrante ................................................................................ 51  4.3.3     Outras ações ............................................................................................... 53  4.4     QUESTÕES JURÍDICAS RELEVANTES ..................................................... 53 5     CONCLUSÃO ............................................................................................... 57 REFERÊNCIAS ............................................................................................ 60 ANEXO A - Entrevista em forma de Questionário ................................... 62  

Page 12: TAVEIRA, Ângela Montenegro. O poder de polícia dos membros das

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1 INTRODUÇÃO

O artigo 142 da Constituição Federal de 1988 preceitua que as Forças

Armadas destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e,

por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem.

Essa dupla missão constitucional não pode ser entendida sem a

compreensão do conceito de segurança nacional, sendo, a primeira, relativa à

segurança externa e, a segunda, relacionada à segurança interna do País.

A Política de Defesa Nacional, promulgada pelo Decreto n° 5.484, de 30 de

junho de 2005, postula que a segurança “é a condição em que o Estado, a

sociedade ou os indivíduos não se sentem expostos a riscos ou ameaças, enquanto

que a defesa é a ação efetiva para se obter ou manter o grau de segurança

desejado.” O emprego da defesa se dá em função da necessidade de proporcionar

segurança à sociedade, considerando que, quando se desfruta de uma efetiva

segurança, dispensa-se o emprego da defesa como ato de repelir um ataque. As

Forças Armadas existem para garantir os poderes constitucionais, pilares do próprio

Estado Democrático de Direito, e desempenham a importante tarefa de proporcionar

segurança à Nação brasileira na forma integral, externa e interna.

De outro norte, o artigo 144 da Carta Magna prevê que a Polícia Federal, a

Polícia Civil, a Polícia Militar e o Corpo de Bombeiros Militar são os órgãos

responsáveis pela Segurança Pública, cuja missão constitucional é a preservação da

ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, o que equivale a dar

garantia aos cidadãos do exercício dos direitos e deveres constitucionais.

Essa interseção de responsabilidades no âmbito da Segurança Pública tem

causado controvérsias, especialmente quanto à amplitude do poder de polícia do

qual é investido o membro das Forças Armadas para o cumprimento de missões de

garantia da lei e da ordem (GLO) e de outras atribuições subsidiárias previstas em

lei, como o patrulhamento marítimo, terrestre e aéreo.

Isso ocorre, ao nosso aviso, porque as operações de GLO e as decorrentes

de atribuições subsidiárias não são consideradas “atividades fim” das Forças. Todo o

esforço de mobilização e adestramento das Forças está centrado na defesa e tem

por finalidade o incremento da capacidade dissuasória e de pronta resposta a

qualquer agressão externa.

Page 13: TAVEIRA, Ângela Montenegro. O poder de polícia dos membros das

11

Contudo, é sempre bom lembrar que a missão de garantia da lei e da ordem

não é nenhuma novidade e remonta à primeira Constituição Republicana de 1891.

Definida a missão das Forças Armadas na Carta Magna da República,

coube ao Congresso Nacional sua normatização para preparo e emprego, o que foi

feito por via da Lei Complementar n° 69, de 19 de novembro de 1990, revogada pela

Lei Complementar n° 97, de 9 de junho de 1999, atualmente em vigor. Essa lei

recebeu ainda duas alterações introduzidas pelas Leis Complementares n° 117, de 2

de setembro de 2004, e n° 136, de 25 de agosto de 2010. Verifica-se que, em

apenas duas décadas de vigência da Constituição Federal foram editadas quatro leis

complementares para tratar do mesmo assunto. Essas modificações, efetuadas de

maneira fragmentada, certamente trazem prejuízo ao entendimento da matéria.

A mais recente modificação da Lei Complementar n° 97 pretendeu, dentre

outros ajustes, explicitar o exercício do poder de polícia pelo militar federal nas

operações de GLO e nas operações subsidiárias de prevenção e repressão aos

crimes transfronteiriços e ambientais (artigos 15, 16 e 16 A, da LC n° 097/99,

modificados pela LC n° 136/2010).

No que concerne às atribuições subsidiárias delegadas às Forças Armadas

na faixa de fronteira, algumas novidades foram introduzidas pela nova lei. Nesse

sentido as autoridades militares e civis competentes devem envidar esforços na

elaboração de legislação específica (leis, normas, regulamentos e portarias), que

estabeleça normas de conduta.

A necessidade de esclarecimento dos limites legais para o exercício do

poder de polícia por membros das Forças Armadas merece uma reflexão mais

aprofundada. Basta dizer que a expressão poder de polícia não é encontrada em

nenhum trecho da Lei Complementar n° 97, apesar de esse poder ser inerente às

operações nela definidas e atribuídas aos membros das Forças Armadas.

No entanto, ao assumir o comando de uma operação de GLO, a lei manda

que o chefe do órgão de segurança pública transfira o controle operacional ao

comandante militar federal com todos os poderes necessários para a consecução

das missões e tarefas. Aí está, de forma explícita, a delegação do “poder de polícia”.

O Supremo Tribunal Federal consagrou um princípio de hermenêutica

jurídica oriunda da Suprema Corte dos Estados Unidos conhecido como a Teoria

dos Poderes Implícitos, popularmente traduzido pelo ditado “quem pode o mais,

pode o menos” (MORAES e TRIGUEIRO, 2009).

Page 14: TAVEIRA, Ângela Montenegro. O poder de polícia dos membros das

12

De acordo com referida teoria, sempre que a lei atribui à Administração uma

determinada competência, defere, de forma implícita, todos os meios necessários à

sua efetivação. Do contrário, a missão se torna inexeqüível. No capítulo 3, que trata

do poder de polícia delegado aos membros das Forças Armadas em operações de

patrulhamento, voltaremos a tratar do tema.

Assentado o entendimento de que o emprego das Forças Armadas em

operações de garantia da lei e da ordem inclui não só a atuação episódica em ações

de segurança pública, mas também ações de prevenção e repressão aos crimes

transnacionais e ambientais, busca-se, no presente trabalho, disciplinar como,

quando e com que base legal o poder de polícia será exercido. Atenção especial

será dada às seguintes situações: patrulhamento das fronteiras terrestres, marítimas

e aéreas; inspeção de veículos terrestres, embarcações e aeronaves; abordagem e

interceptação de aeronaves, embarcações e veículos suspeitos de prática de ilícitos;

apreensão de bens e de instrumentos ou de produto de crime; buscas e revista de

pessoas; interdição de atividades; proibição de livre circulação de bens e de

pessoas; autuação em flagrante delito, prisões, dentre outras medidas urgentes e

acautelatórias.

Os conflitos de atribuição que ocorrem no teatro de operações de que

participam policiais federais, policiais civis, policiais militares e militares das Forças

Armadas dificultam o pleno sucesso de algumas operações e confundem a opinião

pública a respeito da missão constitucional das Forças Armadas.

Diante desse quadro, pergunta-se: qual é a natureza do poder de polícia

dos membros das Forças Armadas, emanado da Lei Complementar n° 97 e suas

recentes alterações? Poder Político, Poder de Estado, Poder Administrativo, Poder

Militar? De que modo o poder de polícia é exercido em ações repressivas,

preventivas e de patrulhamento das fronteiras?

A preocupação central do presente trabalho é tentar esclarecer tais dúvidas,

com abordagem especial para as atividades nas fronteiras terrestres do arco

amazônico, tomando-se como núcleo de estudo o município de São Gabriel da

Cachoeira.

A atenção especial com o patrulhamento e guarda das fronteiras do norte do

País se justifica pelos obstáculos naturais da floresta amazônica e pela ausência da

presença do Poder Público. O controle migratório, a fiscalização das fronteiras e o

combate aos crimes transnacionais são atribuições da Polícia Federal. No entanto,

Page 15: TAVEIRA, Ângela Montenegro. O poder de polícia dos membros das

13

em razão da vasta extensão territorial e de um quadro insuficiente de delegados e

agentes federais, esse policiamento não chega às localidades de fronteira do arco

amazônico, a não ser por meio de operações esporádicas e temporárias.

O objetivo primordial da autora, ao elaborar o presente trabalho é o

aprofundamento da matéria de modo a aplicar tais conhecimentos no exercício de

seu munus como membro do Ministério Público Militar.

Após esta introdução, será estudado, no decorrer do segundo capítulo, o

significado da palavra “poder”. O estudo prosseguirá com uma abordagem jurídico-

doutrinária das definições mais recorrentes de “poder de polícia”. Buscar-se-á

identificar as implicações do exercício do poder de polícia com a temática da

segurança e desenvolvimento nacional.

O terceiro capítulo fará uma breve exposição do repositório legal do poder

de polícia delegado aos membros das FFAA e seu uso como instrumento de

atuação na prevenção e repressão dos crimes transnacionais e ambientais.

O quarto capítulo enfatiza a atuação da Força Terrestre nas operações de

patrulhamento das fronteiras na região Norte do País. Busca-se definir os limites

dessa atuação subsidiária das Forças Armadas. Algumas considerações jurídicas

relacionadas ao poder de polícia em atividades militares exercidas de forma

subsidiária na garantia da lei e da ordem são deixadas para o final.

Page 16: TAVEIRA, Ângela Montenegro. O poder de polícia dos membros das

14

2 O PODER POLÍTICO: DA FILOSOFIA AO ESTADO DE DIREITO

2.1 O PODER POLÍTICO

O conceito de poder político evolui no tempo e se altera conforme o ramo da

ciência que pretende conceituá-lo.

O estudo da política, desde a antiga Grécia com Platão e Aristóteles, está

intrinsecamente ligado à busca de uma compreensão sobre a conduta do homem na

sociedade, com a identificação das normas de convivência e da ética vigente

(COMPARATO, 2006).

Um dos primeiros conceitos de poder político como um poder de Estado

pode ser haurido da obra de Nicolau Maquiavel, autor pioneiro na descrição de um

Estado Moderno governado por um príncipe que vê na “razão de estado” o critério

supremo da sua ação política e do exercício do poder. Maquiavel trouxe à tona um

conceito que pode parecer óbvio nos dias de hoje: o poder é o nervo central de toda ação de Estado. Com efeito, colhe-se de sua obra “O Príncipe” (MAQUIAVEL,

2010), publicada entre os anos de 1531 e 1532, a ideia de que o governante deve se

valer da força das armas para impor e manter o poder.

No capítulo XVIII de “O Príncipe”, Maquiavel (2010, p.107) expõe sua

concepção da ação política, in verbis: Enfim, nas ações de todos os homens, especialmente nas dos príncipes, quando não há juiz a quem apelar, o que vale é o resultado final. Então, que o príncipe faça por conquistar e manter o Estado: os meios serão sempre julgados honrosos e merecerão o elogio de todos, pois o vulgo é capturado por aquilo que parece e pelo evento da coisa, e no mundo não há senão o vulgo – os poucos não têm vez quando a maioria tem onde se apoiar.

Segue ensinando que o príncipe deve, sobretudo, fazer-se temido, de modo

que, se não conseguir ser amado, evite pelo menos o ódio, pois é perfeitamente

possível ser ao mesmo tempo temido e não odiado (MAQUIAVEL, 2010, p. 107). Daí

decorre que para Maquiavel não são as leis que legitimam o uso da força pelo

príncipe, mas o contrário: “Os principais fundamentos de todos os Estados (...) são

as boas leis e as boas armas; e, como não pode haver boas leis onde não houver

boas armas (...) onde há boas armas, convém que haja boas leis (...) (MAQUIAVEL,

2010, p.86).

Page 17: TAVEIRA, Ângela Montenegro. O poder de polícia dos membros das

15

Para Nicolau Maquiavel o príncipe, como autoridade máxima, goza do poder

para realizar qualquer ação, utilizar-se de quaisquer meios, até mesmo de métodos

não convencionais, antiéticos ou violentos, desde que necessários ao alcance dos

objetivos do Estado. Em um Estado absolutista, como os daquela época, as razões

de Estado se confundem com as razões do príncipe, que irão sempre respaldar a

manutenção do poder. Desse modo, ainda que não tenha sido escrita pelo autor em

comento a frase “os fins justificam os meios”, ela expressa o pensamento

maquiavélico, podendo traduzir, também, a ideia de que o abuso de poder é prática

recorrente nas disputas políticas. Basta seguir os noticiários para nos darmos conta

da atualidade conceitual contida na obra de Nicolau Maquiavel.

Décadas mais tarde, no fim do século XVI e início do século XVI, destacam-

se as idéias de Jean Bodin (1530-1596) e de Thomas Hobbes (1588-1679)

(COMPARATO, 2006). O entendimento de ambos sobre convivência em sociedade

é bastante diversa da de Maquiavel. Para esses autores “a felicidade humana na

vida social depende, fundamentalmente, da segurança e da paz, e a razão de ser da

ordem política consiste em garantir a preservação desse valores supremos.”

(COMPARATO, 2006, p. 185).

A grande contribuição de Bodin e Hobbes para a Ciência Política foi a

propalação da idéia de separação entre o mundo político e o mundo religioso, com a

clara submissão deste àquele. A teocracia dá lugar à autocracia como fundamento

da ordem social. Fortalece-se o absolutismo, onde todos os poderes de natureza

civil e religiosa se concentram no monarca. Hobbes afirma que a noção de justiça é

puramente convencional, fundada na do monarca. Bodin elabora o conceito de

soberania como o de um poder absoluto, indivisível e inalienável (COMPARATO,

2006).

O modelo proposto por Hobbes encobria, porém, um perigo: se todo poder

político se concentra na pessoa do monarca (soberano), os governados ficam

permanentemente sujeitos às crises de loucura ou tirania dos governantes.

John Locke, outro pensador inglês, contemporâneo de Hobbes, percebeu o

perigo. Para Locke é essencial preservar a esfera da vida privada contra as

intrusões do poder estatal. Segundo ele, todo indivíduo deve gozar de liberdades

individuais ligadas à natureza humana e independentes do arbítrio do soberano. A

construção de uma barreira formada por direitos e garantias seria a maneira mais

Page 18: TAVEIRA, Ângela Montenegro. O poder de polícia dos membros das

16

eficaz de limitar o poder estatal. Por suas idéias, John Locke é considerado o

preconizador dos estudos sobre os direitos humanos. (COMPARATO, 2006).

Com a evolução dos tempos chega-se a Max Weber, filósofo alemão do

século XIX, que estudou o poder político sob o ponto de vista sociológico. Na sua

análise sobre as relações de poder estabelecidas entre o Estado e os cidadãos,

Weber conclui que o poder político se manifesta como poder de dominação do

Estado, um poder coercitivo, fundado na força física e psíquica, legitimado por lei.

Ainda na visão weberiana, o Estado é a única fonte de “direito à violência” (WEBER,

apud MARSAL, 1974).

Enfim, para Max Weber, a origem e o fundamento do poder é a força. Sua

definição de poder não deixa dúvidas a esse respeito: “(...) a possibilidade de que

uma pessoa ou um número de pessoas realizem a sua própria vontade numa ação

comum, mesmo contra a resistência de outros que participam da ação” (WEBER,

2004, p. 16).

Em outros termos, poder, na visão weberiana, é a faculdade de forçar ou

coagir alguém a fazer algo contra a sua vontade, por causa da posição de

superioridade ou da força do coator.

Mais próximo de nossos tempos, o poder político foi conceituado na obra

“Dicionário de Política” de Norberto Bobbio, organizado juntamente com Manteucci e

Pasquino. Para esse jus filósofo italiano poder político é aquele capaz de produzir

efeitos necessários à sociedade, desejados ou consentidos por ela. O poder político

é consequência da vontade coletiva e se expressa conforme a organização da

coletividade. Como expressão institucionalizada dos interesses coletivos, o poder é

exercido pelo Estado na esfera jurídica, política e administrativa. Desse modo, o

poder político é responsável pela orientação de todas as outras formas de poder

estatal, devendo combinar a vontade e a capacidade da sociedade para atingir os

objetivos que a ela interessem, superando as dificuldades existentes. O verbete

“política”, do Dicionário de Política de Bobbio, define que o fim mínimo da Política é a

ordem pública nas relações internas e a defesa da integridade nacional nas relações

de um Estado com outros Estados (BOBBIO, MANTEUCCI e PASQUINO, 1995).

Percebe-se, na obra de Bobbio, um empenho permanente na discussão

sobre a defesa do regime democrático como requisito necessário ao exercício do

poder político. A defesa do modelo democrático foi tema recorrente em sua

produção literária que atravessou todo o século XX, inspirada pela busca de uma via

Page 19: TAVEIRA, Ângela Montenegro. O poder de polícia dos membros das

17

alternativa ao fascismo italiano, que glorificava a violência e o poder absoluto do

“Duce”. (BOBBIO, 2010).

Dentro das concepções de poder político apresentadas por Maquiavel,

Hobbes e Weber, em que o Estado é o detentor do monopólio legítimo do uso da

força, é importante observar que, em um Estado de Direito esse uso deve ser útil,

adequado, razoável e proporcional, sempre regido pelo espírito da prevalência do

interesse da sociedade, devendo ser essa uma característica básica da atuação do

poder político do Estado moderno.

Ao nosso aviso, os autores citados plantaram a semente de um dos

princípios mestres da administração pública, o “princípio da supremacia do interesse

público sobre o interesse privado”, propalado nas obras de autores nacionais como

as dos Professores José Afonso da Silva (SILVA, 2011) e Celso Antonio Bandeira de

Melo (MELO, 2010).

Com efeito, segundo José Afonso da Silva (SILVA, 2011, p.107):

O Estado, como grupo social máximo e total, tem também o seu poder, que é o poder político ou poder estatal. A sociedade estatal, chamada também sociedade civil, compreende uma multiplicidade de grupos sociais diferenciados e indivíduos, aos quais o poder político tem que coordenar e impor regras e limites em função dos fins globais que ao Estado cumpre realizar. Daí se vê que o poder político é superior a todos os outros poderes sociais, os quais reconhece, rege e domina, visando a ordenar as relações entre esses grupos e os indivíduos entre si e reciprocamente, de maneira a manter um mínimo de ordem e estimular um máximo de progresso à vista do bem comum. Essa superioridade do poder político caracteriza a soberania do Estado (...) que implica, a um tempo, independência em confronto com todos os poderes exteriores à sociedade estatal (soberania externa) e supremacia sobre todos os poderes sociais interiores à mesma sociedade estatal (soberania interna).

No pensamento da Escola Superior de Guerra o conceito que mais se

aproxima de poder político é aquele de poder nacional, conforme se lê no manual

básico: “Poder Nacional é a capacidade que tem o conjunto de Homens e Meios que

constituem a Nação para alcançar e manter os Objetivos Nacionais, em

conformidade com a Vontade Nacional” (Escola Superior de Guerra, 2009, v. 1, p.

31). Ainda, segundo o manual da ESG, o “Poder Nacional deve ser sempre

entendido como um todo, uno e indivisível. Entretanto, para compreender os

elementos estruturais anteriormente referidos, podemos estudá-lo segundo suas

manifestações, que se processam por intermédio de cinco Expressões, a saber:

Page 20: TAVEIRA, Ângela Montenegro. O poder de polícia dos membros das

18

Política, Econômica, Psicossocial, Militar e Científica e Tecnológica.” (Escola

Superior de Guerra, 2009, v. 1, p. 36).

Tem-se, assim, no conceito de poder nacional da ESG, a ideia de soberania

(poder uno e indivisível), sociedade (conjunto de Homens), instrumentos de poder

(conjunto de Meios) e lei constitucional (Objetivos Nacionais em conformidade com a

Vontade Nacional).

Se por um lado o Estado detém o monopólio da força (WEBER, 2004), por

outro, impõe deveres, garante direitos, distribui justiça e assegura o bem estar

(BOBBIO, 2010).

Com base nos estudos realizados até o momento permito-me traçar a

seguinte linha de raciocínio no tocante à origem e à natureza do poder, deixando ao

próximo tópico o estudo dos poderes de Estado:

● (FORÇA) PODER→ PODER POLÍTICO→ PODER NACIONAL→ PODER DE ESTADO

2.2 O PODER DE ESTADO

Efetivamente a ideia de separação dos poderes do Estado contra o

despotismo e a tirania, se encontra sugerida na obra “Política”, do grego Aristóteles

(PIÇARRO, 1989). Porém, a sistematização do primeiro modelo de Estado Liberal e

a elaboração de uma doutrina da separação dos poderes chegam aos nossos dias

por meio dos estudos do inglês John Locke (1632-1704) e do francês Charles de

Montesquieu (1689-1755). O inglês, pioneiro, escreveu o “Segundo tratado sobre o

governo civil”, e o francês, brindou-nos com o célebre “Do espírito das leis”.

Locke desenvolveu uma completa formulação do Estado Liberal, para o qual

elaborou a doutrina da separação dos poderes. Segundo o filósofo iluminista, pai do

empirismo, “para que a lei seja imparcialmente aplicada é necessário que não sejam

os mesmos homens que a fazem, a aplicá-la” (LOCKE, apud MALDONADO, sem

data). Em decorrência disso, é necessária a separação entre o poder legislativo e o

poder executivo. Ele concebe um terceiro poder, que apesar de distinto, não pode

ser separado do executivo, denominado de federativo, ao qual incumbiria “o

relacionamento com os estrangeiros, a administração da comunidade com outras

comunidades, compreendendo formação de alianças e decisões sobre a guerra e a

paz”. (LOCKE, apud MALDONADO, sem data) .

Page 21: TAVEIRA, Ângela Montenegro. O poder de polícia dos membros das

19

É, contudo, Montesquieu, o responsável pela inclusão expressa do poder de

julgar dentre os poderes fundamentais do Estado.

Montesquieu, inspirado em John Locke estudou as instituições políticas

inglesas e elaborou uma teoria que expôs no livro “O espírito das leis” (1748). Nessa

obra, procurou descobrir as relações que as leis possuem com a natureza e o

princípio de cada governo. Desenvolveu uma teoria de governo que busca distribuir

a autoridade com base na lei, de modo a evitar a violência e o abuso de poder por

parte de alguns.

A ideias liberais de John Locke (1632-1704) e de Charles de Montesquieu

(1689-1755) inspiraram a independência dos Estados Unidos da América e o

movimento constitucionalista inaugurado naquele país com a promulgação da

primeira Constituição Federal, em 1787. O constitucionalismo eclodiu no resto do

mundo ocidental a partir da Revolução Francesa (1789).

O modelo de tripartição de poderes adotado nos dias atuais é o seguinte:

o Poder Executivo - órgão responsável pela administração do território e concentrado nas mãos do monarca ou regente; o Poder Legislativo - órgão responsável pela elaboração das leis e representado pelas câmaras de parlamentares; o Poder Judiciário - órgão responsável pela fiscalização do cumprimento das leis e exercido por juízes e magistrados.

Segundo Montesquieu “só o poder limita o poder”. Essa célebre assertiva

inspirou o sistema de “freios e contrapesos” (“checks and balances”) compreendido

atualmente como um sistema democrático do exercício do poder.

O sistema de “balance” (contrapesos, equilíbrio) surgiu na Inglaterra, a partir

da ação da Câmara dos Lordes (nobreza e clero), que, na elaboração das leis,

busca o ponto de equilíbrio dos projetos de leis oriundos da Câmara dos Comuns

(originados do povo). Isso, “a fim de evitar que leis demagogas, ou formuladas pelo

impulso momentâneo de pressões populares, fossem aprovadas” (MONTESQUIEU,

apud MALDONADO, sem data). Montesquieu defendia explicitamente a necessidade

do bicameralismo para dotar o poder desse equilíbrio.

O sistema de “check” surgiu depois, quando o Juiz Marshal da Suprema

Corte dos Estados Unidos declarou seu voto no famoso caso Marbury x Madison,

julgado em 1803. O Caso Marbury x Madison foi considerado como principal

referência para o controle de constitucionalidade difuso das leis exercido pelo Poder

Page 22: TAVEIRA, Ângela Montenegro. O poder de polícia dos membros das

20

Judiciário. Em seu voto, o Juiz Marschal firmou o entendimento de que o Poder

Judiciário tinha a missão constitucional de declarar a inconstitucionalidade e,

portanto, tornar nulos atos do Congresso quando, a seu exclusivo juízo, tais leis não

guardassem harmonia com a Carta Política. O Poder Judiciário passou, desde

então, a ter legitimidade para controlar o abuso do poder dos outros ramos

(PRITCHETT, 1978)

Assim, da racionalização de Montesquieu e do pragmatismo norte-

americano, exsurge o que, como dito, é o principal elemento caracterizador do

princípio da separação dos poderes no Direito Contemporâneo, o sistema de freios e

contrapesos (“checks and balances”) (MALDONADO, sem data).

As constituições republicanas brasileiras adotaram o sistema de tripartição

dos poderes e de freios e contrapesos, como se lê do atual texto do artigo 2° da

Constituição Federal de 1988: “São poderes da união, independentes e harmônicos

entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário”.

No Brasil, vive-se em um Estado Democrático de Direito onde o povo

organizado politicamente elege seus representantes e a eles delega o poder político

necessário a conduzir os destinos da nação e de seus cidadãos. Esse poder político

é soberano e pertence ao povo, daí se falar em soberania popular. O poder político

uno, indivisível e inalienável transmuda-se em poder de Estado ao ser delegado pelo

povo ao conjunto de pessoas eleitas para governar, legislar e zelar pela aplicação

das leis do País. A fim de melhor atingir os objetivos de Estado, esse poder

desmembra-se nos poderes executivo, legislativo e judiciário, organizados e

estruturados mediante a criação de mecanismos de controles recíprocos que

garantem a perpetuidade do Estado Democrático de Direito.

É a Constituição Federal, Lei Maior de uma Nação, que trata da

organização política do Estado Brasileiro, distribui funções e competências

legislativas, judiciárias e executivas.

Em apertada síntese, o Poder Legislativo, representado pelo Congresso

Nacional, tem por função legislar, ou seja, traduzir por meio de leis o sentimento

social. É a vox populi. Igualmente fiscaliza as contas e a lisura dos contratos

administrativos firmados com o governo, por meio da atuação do Tribunal de Contas

da União. Como função secundária, incumbe a seus membros elaborar seus

próprios atos normativos, administrar os trabalhos do Congresso Nacional e

fiscalizar a atuação de seus parlamentares. Cabe exclusivamente ao Congresso

Page 23: TAVEIRA, Ângela Montenegro. O poder de polícia dos membros das

21

Nacional sustar os atos normativos do Poder Executivo e do Poder Judiciário que,

no desempenho de suas funções normativas exorbitem dos poderes que lhe foram

delegados.

O Poder Judiciário tem a função precípua de exercer o controle jurisdicional

da boa aplicação da lei. Como função secundária, produz atos normativos para a

condução dos trabalhos interna corporis e os administra. O Supremo Tribunal

Federal é o órgão de cúpula do Poder Judiciário brasileiro. Sua função principal é o

de “guardião da Constituição”. A excelsa Corte é o órgão competente para apreciar

qualquer matéria relativa ao cumprimento das normas constitucionais. “Nesse

sentido, o poder judiciário não é poder governamental, não administra, mas evita o

desgoverno. E a pior forma de desgoverno é o descumprimento da Constituição”

(BRITTO, 2011).

O Poder Executivo governa o País e administra os interesses públicos,

sempre de acordo com o ordenamento jurídico vigente, sob pena de o ato

administrativo ser considerado nulo. Esta predeterminação se expressa, no plano

jurídico, pelo princípio constitucional da legalidade: “ninguém será obrigado a fazer

ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude da lei”. Se ao Poder Legislativo

cabe a elaboração das leis, ao Poder Executivo é reservada importante parcela de

participação nesse processo, quer pela iniciativa das leis, quer pela sanção e veto.

Em última análise, o Poder Executivo exerce o seu papel de administrador

dos interesses públicos com fundamento nos poderes regulamentar, normativo,

hierárquico e “de polícia”. Este último é o que interessa ao nosso estudo.

2.3 O PODER DE POLÍCIA

A mais conhecida conceituação legal de poder de polícia está no Código

Tributário Nacional, em seu artigo 78, que assim dispõe:

Considera-se poder de polícia a atividade da Administração Pública que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão de interesse público concernente à segurança à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, à tranqüilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos.

Page 24: TAVEIRA, Ângela Montenegro. O poder de polícia dos membros das

22

Importa salientar que o parágrafo único do artigo 78 só considera regular o

exercício do poder de polícia quando desempenhado pelo órgão competente, nos

limites da lei e com observância do devido processo legal. É, portanto, a lei que

define as condutas a serem fiscalizadas e respectivas sanções, que podem ser de

natureza civil ou penal.

Releva dizer que a atividade e os atos da Administração Pública são

revestidos de coercibilidade, de força executória e de presunção de legalidade.

Apesar de claro, esse conceito legal de poder de polícia encontrado no

Código Tributário Nacional não é completo, pois se refere tão somente à atividade

de polícia administrativa, cujo descumprimento pode resultar em sanções cíveis e

administrativas. Por óbvio, não é esse o poder de polícia objeto do presente estudo.

Vamos além.

Conforme explanado nos itens anteriores, a palavra “poder” pressupõe a

capacidade ou a possibilidade de agir, de produzir efeitos. Uma síntese de tudo que

foi até aqui estudado poderia resultar no seguinte conceito: “poder é a capacidade

de exercer autoridade pelo simples uso da força ou pela habilidade de uma vontade

superior com capacidade de impor respeito e obediência”.

Para aprofundarmos ainda mais o sentido da expressão poder de polícia

parece-nos relevante pesquisar, também, o significado etimológico da palavra

“polícia”.

José Cretella Júnior, jurista e professor de direito administrativo da

Universidade de São Paulo, dá a seguinte definição (CRETELLA , 2005): A palavra portuguesa polícia, representada nas várias línguas românicas e anglo-germânicas, origina-se do grego politeia, através da forma latina politia, aliás, de raro emprego Ligada, etimologicamente, ao vocábulo política, pois ambas vêm do grego polis (cidade, Estado), indicou entre os helênicos, a constituição do Estado, a boa constituição, o bom ordenamento.

O vocábulo “polícia” designa a boa ordem da sociedade civil, o cuidado com

a coisa pública, a proteção ao patrimônio público.

A polícia é, pois, uma vertente do Estado, da polis. Pode-se dizer que a

polícia é a longa manus do Estado, responsável pela ordem social, a incolumidade

da coisa pública e das pessoas. Em um Estado Democrático de Direito o poder de

polícia é um poder-dever, positivado na Constituição e regulamentado nas leis

infraconstitucionais. Há, então, necessidade de que a lei defina as condutas que

Page 25: TAVEIRA, Ângela Montenegro. O poder de polícia dos membros das

23

deverão ser fiscalizadas pelo Estado, observado o princípio constitucional da

legalidade (artigo 5°, inciso II, da CF/88).

O poder de polícia se traduz com a atividade estatal de condicionar a

liberdade do cidadão, ou a tomada de medidas por parte do Estado que limitam e

restringem a esfera juridicamente tutelada da liberdade do cidadão (MELO, 2010). O

principal instrumento de que o Estado dispõe para exercer o poder de polícia sobre o

cidadão é a lei, que impõe limites a esse poder.

De acordo com Celso Antonio Bandeira de Melo, a razão do poder de

polícia é o interesse público e o seu fundamento está no já mencionado princípio da

supremacia do interesse público sobre o interesse privado.

Bandeira de Melo define interesse público como o interesse resultante do

conjunto dos interesses que os indivíduos pessoalmente têm quando considerados

em sua qualidade de membros da sociedade. Os interesses privados não devem

prevalecer sobre o interesse público. A indisponibilidade indica a impossibilidade de

sacrifício ou transigência quanto ao interesse público, como decorrência da

supremacia do poder público. Ou seja, em se tratando de administração pública,

sempre que houver conflito entre um interesse individual e um interesse coletivo,

deverá prevalecer aquele coletivo (MELO, 2010).

Essa supremacia é exercida pelo Estado em todo o território nacional,

sobre todas as pessoas, nacionais e não nacionais, bens e atividades, e se revela

nas normas de ordem pública.

Assim, o sujeito passivo sobre o qual se exerce o poder de polícia é toda

pessoa, bem, direito ou atividade individual que possa afetar ou por em risco a

segurança da coletividade. Interessa ao Estado manter a ordem e o bem-estar. Com

esse propósito, os representantes dos poderes públicos podem condicionar o

exercício de direitos individuais. Podem delimitar a execução de atividades e o uso

de bens que afetem a coletividade, ou contrariem a ordem jurídica estabelecida. A

ordem jurídica propõe que toda conduta, individual ou coletiva, possa ser limitada

pelo poder de polícia preventivo ou repressivo. Do mesmo modo, autarquias,

fundações, agências reguladoras, concessionárias de serviço público, empresas

públicas e privadas têm suas atividades limitadas pelo poder de polícia estatal.

Postula o grande administrativista Hely Lopes Meireles (1975, p. 6), ex-

estagiário da Escola Superior de Guerra:

Page 26: TAVEIRA, Ângela Montenegro. O poder de polícia dos membros das

24

A polícia administrativa incide sobre os bens, direitos e atividades, ao passo que as outras atuam sobre as pessoas, individualmente ou indiscriminadamente. A polícia administrativa é inerente e se difunde por toda a administração pública, enquanto as demais são privativas de determinados órgãos (Polícias Civis) ou corporações (Polícias Militares).

Depreende-se que o poder de polícia administrativo é exercido para

evitar que o comportamento individual dos cidadãos cause prejuízo a terceiros ou ao

Estado. Esse poder é utilizado por diversos órgãos da administração pública de

natureza civil ou militar. Por exemplo, a ANVISA exerce o poder de polícia sanitária,

a ANAC, o poder de polícia da aviação civil, a Prefeitura de um município exerce o

poder de polícia de diversões públicas e posturas urbanas, o Exército Brasileiro tem

o poder de polícia para dar cumprimento à lei do serviço militar e controlar o uso e

porte de armas no País, decorrente do SIGMA - Sistema de Gerenciamento Militar

de Armas.

O poder de polícia exercido pelos órgãos de segurança pública (polícias

civis, polícias militares e bombeiros) tem caráter administrativo, como também o

objetivo de prover a segurança pública, por meio da manutenção da ordem pública.

Para José Afonso da Silva, o termo “segurança pública” é sinônimo de

“manutenção da ordem pública interna”. Segundo esse autor “garantir a ordem

pública (...) autoriza o exercício regular do poder de polícia. Ordem pública será

uma situação de pacífica convivência social, isenta de ameaça de violência ou de

sublevação que tenha produzido ou possa produzir, a curto prazo, a prática de

crimes” (SILVA, 2011, p. 778). Ele distingue a atividade de polícia em

“administrativa” e de “segurança”, esta última compreendendo a polícia ostensiva e a

polícia judiciária. José Afonso da Silva (2011, p. 780) leciona, ad litteram: A polícia administrativa tem ‘por objeto as limitações impostas a bens jurídicos individuais’ (liberdade e propriedade). A polícia de segurança que, em sentido estrito é a polícia ostensiva tem por objetivo a preservação da ordem pública e, pois, ‘as medidas preventivas que em sua prudência julga necessárias para evitar o dano ou o perigo para as pessoas’. Mas, apesar de toda vigilância, não é possível evitar o crime, sendo pois necessária a existência de um sistema que apure os fatos delituosos e cuide da perseguição de seus agentes. Esse sistema envolve as atividades de investigação, de apuração das infrações penais, a indicação de sua autoria, assim como o processo judicial pertinente à punição do agente. É aí que entra a polícia judiciária, que tem por objetivo precisamente aquelas atividades de investigação, de apuração das infrações penais e de indicação de sua autoria, a fim de fornecer os elementos necessários ao Ministério Público em sua função repressiva das condutas criminosas, por via de ação penal pública.

Page 27: TAVEIRA, Ângela Montenegro. O poder de polícia dos membros das

25

Interessa ao nosso estudo o poder de polícia de segurança, por ser este o

poder delegado aos membros das Forças Armadas no desempenho da garantia da lei e da ordem e demais atribuições subsidiárias particulares, como o combate a

crimes transfronteiriços.

Dito isso, avançamos um pouco mais no estudo da natureza do poder de

polícia dos membros das Forças Armadas nas operações de patrulhamento das

fronteiras terrestres, aéreas e marítimas, como se depreende do esquema a seguir:

● (FORÇA) PODER → PODER POLÍTICO → PODER NACIONAL →

→ PODER DE ESTADO → PODER EXECUTIVO → PODER DE POLÍCIA.

→ ADMINISTRATIVO

● PODER DE POLÍCIA

→ DE SEGURANÇA → OSTENSIVO

→ JUDICIÁRIO

2.4 O PODER DE POLÍCIA COMO FATOR DE SEGURANÇA E

DESENVOLVIMENTO

O desenvolvimento de um país pode ser definido como um processo de

permanente aperfeiçoamento do homem e da sociedade em que está inserido. Ele é

medido pela capacidade que o poder público tem de gerar bem-estar a seus

cidadãos. O desenvolvimento de uma nação é um processo que abrange todos os

níveis de expressão do poder nacional: político, psicossocial, econômico, científico-

tecnológico e militar (Escola Superior de Guerra, v. 1, p.53-54).

Ninguém tem dúvidas de que, para que o Brasil possa desenvolver todas as

suas potencialidades é necessário garantir a segurança interna e externa. No mundo

globalizado, em que a internet, o satélite, o celular e demais linhas de comunicação

ultrarrápidas superam todas as fronteiras comerciais e mercadológicas, em que o

fluxo de capitais e serviços entre os países é incessante, em que a criminalidade não

é só real, mas também virtual, com a necessidade do enfrentamento de delinquentes

cibernéticos, não é suficiente determinar políticas e traçar estratégias de

desenvolvimento. É também essencial a existência de um forte sistema de segurança e defesa, que garanta a manutenção da ordem e fomente o progresso

Page 28: TAVEIRA, Ângela Montenegro. O poder de polícia dos membros das

26

das populações de todo seu território. “Quanto maior a casa, mais florido o jardim,

mais produtivo o pomar, tanto mais altos deverão ser os muros” (NARDI, 2011).

A segurança de um País, em sentido lato, demanda políticas de segurança

pública e de defesa nacional.

Em sentido estrito, a segurança pública (segurança interna) deve ser

proporcionada e exercida pelo Estado por meio de órgãos especializados, conforme

estabelecido no artigo 144 da Constituição Federal. O mesmo artigo preconiza em

seu caput que: “a segurança é dever do Estado, direito e responsabilidade de todos”.

É preciso, portanto, que a questão da segurança seja discutida e assumida como

tarefa e responsabilidade permanente de todos, Estado e população. Não é por

outro motivo que o constituinte determinou que as polícias militares e os corpos de

bombeiros militares são forças auxiliares e reserva do Exército (§ 6º do artigo 144).

Por outro lado, faz parte da destinação constitucional das Forças Armadas a

garantia da lei e da ordem, com os desdobramentos previstos na lei complementar

de regência. Trata-se, como já foi dito, do provimento de segurança interna, seja em

operações não vinculadas à garantia dos poderes constitucionais, como o combate à

criminalidade urbana e à criminalidade transfronteiriça, seja em operações que

ocorram no bojo das missões de garantia dos poderes constitucionais, aí

consideradas as de segurança de chefes de Estado e segurança do processo

eleitoral.

O Decreto Presidencial n.º 5.484/2005, que aprovou a Política de Defesa

Nacional (PDN) conceitua segurança e defesa como segue: Para efeito da Política de Defesa Nacional, são adotados os seguintes conceitos: I – Segurança é a condição que permite ao País a preservação da soberania e da integridade territorial, a realização dos seus interesses nacionais, livre de pressões e ameaças de qualquer natureza, e a garantia aos cidadãos do exercício dos direitos e deveres constitucionais; II – Defesa Nacional é o conjunto de medidas e ações do Estado, com ênfase na expressão militar, para a defesa do território, da soberania e dos interesses nacionais contra ameaças preponderantemente externas, potenciais ou manifestas.

A Estratégia de Defesa Nacional, promulgada por meio do Decreto

Presidencial n° 6.703/2008 é resultado de um trabalho que tem a sociedade como

destinatária. Preconiza o emprego dos recursos nacionais para que sejam

alcançados os objetivos da Política de Defesa Nacional. O Plano de Defesa Nacional

é inseparável de qualquer estratégia nacional de desenvolvimento, sendo este o

Page 29: TAVEIRA, Ângela Montenegro. O poder de polícia dos membros das

27

motivo de ser do Plano de Defesa, pois somente com um efetivo sistema de

segurança interno e externo o Brasil terá capacidade de impor a vontade nacional e

resguardar sua independência e soberania.

Em tempos de paz, os órgãos de segurança pública e as Forças Armadas

não raro têm trabalhado conjuntamente em ações de repressão à criminalidade

organizada, de repressão ao tráfico ilegal de armas, drogas, mercadorias e pessoas.

Combater o narcotráfico internacional não é tarefa fácil para os órgãos de

segurança pública. Por isso buscam o suporte das Forças Armadas sempre que

esgotada sua capacidade, nos termos dos §§ 2° e 3° do artigo 15 da LC n° 97/99:

§ 2o A atuação das Forças Armadas, na garantia da lei e da ordem, por iniciativa de quaisquer dos poderes constitucionais, ocorrerá de acordo com as diretrizes baixadas em ato do Presidente da República, após esgotados os instrumentos destinados à preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, relacionados no art. 144 da Constituição Federal. § 3o Consideram-se esgotados os instrumentos relacionados no art. 144 da Constituição Federal quando, em determinado momento, forem eles formalmente reconhecidos pelo respectivo Chefe do Poder Executivo Federal ou Estadual como indisponíveis, inexistentes ou insuficientes ao desempenho regular de sua missão constitucional.

Nesse contexto e ante a evidente insuficiência dos órgãos de segurança

pública, o emprego das Forças Armadas é necessário no combate ao tráfico

internacional de drogas, contrabando de armas e crimes ambientais, especialmente

nas faixas de fronteira, áreas em que se verifica a inexistência total dos instrumentos

destinados à preservação da ordem pública como a Polícia Federal e Polícias

Militares dos Estados.

Forças Armadas preparadas e conscientes da responsabilidade do exercício

do poder de polícia para o enfrentamento da criminalidade é um indispensável e

imprescindível fator de segurança e desenvolvimento para o País. Considerando que

a única presença do Estado em algumas localidades de fronteira do País se faz por

via do Exército, apoiado pela Marinha e pela Aeronáutica, tem-se que seus homens

devam estar investidos da capacidade de exercer poder e autoridade

adequadamente. Esse preparo só se alcança com instrução e treinamento

específicos para ações de garantia da lei e da ordem, diversos do adestramento

para ações de defesa e combate, uma vez que aquelas envolvem normalmente o

trato direto com a sociedade civil.

Page 30: TAVEIRA, Ângela Montenegro. O poder de polícia dos membros das

28

3 O PODER DE POLÍCIA DAS FORÇAS ARMADAS NA GARANTIA DA LEI E DA ORDEM

3.1 BASE DOUTRINÁRIA E JURISPRUDENCIAL: A TEORIA DOS PODERES

IMPLÍCITOS

A teoria dos poderes implícitos constitui um verdadeiro postulado de

hermenêutica, eficaz e eficiente instrumento de interpretação para aplicação da

técnica lógico-racional de interpretação das leis. Essa teoria surgiu no mundo

jurídico a partir dos célebres julgamentos dos casos MacCulloch vs. Maryland e

Myers vs. Estados Unidos, realizados pela Suprema Corte norte-americana, na

primeira metade do século XIX (MORAES e TRIGUEIRO, 2009).

No âmbito da doutrina nacional, especificamente no campo do Direito

Constitucional, tal teoria tem sido largamente utilizada como técnica de

hermenêutica, destacando-se a máxima dela decorrente: "quem pode o mais, pode o

menos".

Sobre o tema, destacam Alexandre de Moraes e Oswaldo Trigueiro (2009, p.

605): Incorporou-se em nosso ordenamento jurídico, portanto, a pacífica doutrina constitucional norte-americana sobre a teoria dos poderes implícitos - inherent powers -, pela qual no exercício de sua missão constitucional enumerada, o órgão executivo deveria dispor de todas as funções necessárias, ainda que implícitas, desde que não expressamente limitadas (Myers v. Estados Unidos US - 272 - 52, 118), consagrando-se, dessa forma, e entre nós aplicável ao Ministério Público, o reconhecimento de competências genéricas implícitas que possibilitem o exercício de sua missão constitucional, apenas sujeitas às proibições e limites estruturais da Constituição Federal.

O Supremo Tribunal Federal se posicionou pela aplicabilidade da teoria dos

poderes implícitos no ordenamento jurídico nacional, conforme se depreende de

trecho de um de seus arestos: Ora, é princípio basilar da hermenêutica constitucional o dos "poderes implícitos", segundo o qual, quando a Constituição Federal concede os fins, dá os meios.” (HC 91.661-PE, 03/04/2009, Relatora a Ministra Ellen Gracie).

No entendimento do Supremo, a competência outorgada expressamente a

determinado órgão estatal importa em disponibilização implícita, a esse mesmo

órgão, dos meios necessários à integral realização dos fins que lhe foram atribuídos.

Page 31: TAVEIRA, Ângela Montenegro. O poder de polícia dos membros das

29

Com efeito, a teoria dos poderes implícitos vem sendo reiteradamente

aplicada pelo Supremo Tribunal Federal para afirmar o poder de investigação do

Ministério Público, haja vista ser o Ministério Público o titular da ação penal e do

controle externo da atividade policial (quem pode o mais, pode o menos).

Referida teoria muito bem se coaduna com a questão do poder de polícia

das Forças Armadas em operações de GLO, eis que garantir a lei e a ordem é

missão (competência) outorgada pela Constituição Federal. Na realidade, o exercício

do poder de polícia pela autoridade militar nas operações de garantia da lei e da

ordem destina-se a garantir a própria utilidade do dispositivo constitucional e a

respaldar as decisões por ele tomadas, de modo a impedir o comprometimento da

missão e a frustração do resultado.

Nessa perspectiva, a outorga de uma missão a qualquer dos poderes

constitucionais ou instituições oficialmente a serviço desses poderes deve ser

interpretada mediante a presunção de que, às autoridades públicas que as

representam, foram, simultânea e implicitamente, conferidos amplos poderes para a

sua plena concretização.

3.2 FUNDAMENTO CONSTITUCIONAL E INFRACONSTITUCIONAL

● A Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 1891 assim previu: Art. 14 - As forças de terra e mar são instituições nacionais permanentes, destinadas à defesa da Pátria no exterior e à manutenção das leis no interior.

Assim também restou estatuído nas constituições subsequentes (com

exceção da Constituição de 1937, outorgada por Getúlio Vargas) como segue:

● Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 1934: Art. 162 - As forças armadas são instituições nacionais permanentes, e, dentro da lei, essencialmente obedientes aos seus superiores hierárquicos. Destinam-se a defender a Pátria e garantir os Poderes constitucionais, e, ordem e a lei.

● Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 1946: Art. 177 - Destinam-se as forças armadas a defender a Pátria e a garantir os poderes constitucionais, a lei e a ordem.

● Constituição da República Federativa do Brasil de 1967: Art. 92 (...) § 1º - Destinam-se as forças armadas a defender a Pátria e a garantir os Poderes constituídos, a lei e a ordem.

.

Page 32: TAVEIRA, Ângela Montenegro. O poder de polícia dos membros das

30

● Constituição da República Federativa do Brasil de 1967, com a emenda

constitucional n° 1, de 17 de outubro de 1969: Art. 91 - As Forças Armadas, (...) destinam-se à defesa da Pátria e à garantia dos poderes constituídos, da lei e da ordem.

● Constituição da República Federativa do Brasil de 1988: Art. 142. As Forças Armadas, (...) destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem. § 1º - Lei complementar estabelecerá as normas gerais a serem adotadas na organização, no preparo e no emprego das Forças Armadas.

A Lei Complementar em vigor, que estabeleceu as normas gerais de

organização, preparo e emprego das Forças Armadas na Segurança e Defesa

Nacional é a LC n° 97, de 9 de junho de 1999, modificada pelas Leis

Complementares n° 117/2004 e n° 136/2010. Dispõe citada lei complementar, no

que diz respeito ao emprego, in verbis: Art. 15. O emprego das Forças Armadas na defesa da Pátria e na garantia dos poderes constitucionais, da lei e da ordem, e na participação em operações de paz, é de responsabilidade do Presidente da República, que determinará ao Ministro de Estado da Defesa a ativação de órgãos operacionais, observada a seguinte forma de subordinação: I - ao Comandante Supremo, por intermédio do Ministro de Estado da Defesa, no caso de Comandos conjuntos, compostos por meios adjudicados pelas Forças Armadas e, quando necessário, por outros órgãos; (Redação dada pela Lei Complementar nº 136, de 2010). II - diretamente ao Ministro de Estado da Defesa, para fim de adestramento, em operações conjuntas, ou por ocasião da participação brasileira em operações de paz; (Redação dada pela Lei Complementar nº 136, de 2010). III - diretamente ao respectivo Comandante da Força, respeitada a direção superior do Ministro de Estado da Defesa, no caso de emprego isolado de meios de uma única Força.

A modificação da Lei Complementar n° 97 pela Lei Complementar

n°136/2010, trouxe nova estrutura para o Ministério da Defesa, tendo criado o

Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas, o que implicou em transformações na

estrutura da Defesa Nacional.

A primeira parte do artigo 15 da LC n° 97/99 repete o texto do artigo 142 da

Constituição Federal. Verifica-se que, afora a ordem sequencial do texto, nem a

Constituição Federal nem a lei infraconstitucional classifica o emprego das Forças

Armadas na defesa da Pátria como de primeira grandeza em relação à missão de

garantir os poderes constitucionais, a lei e a ordem.

Page 33: TAVEIRA, Ângela Montenegro. O poder de polícia dos membros das

31

Mesmo porque, a garantia dos poderes constitucionais, da lei e da ordem é

missão que se confunde com a própria defesa do Estado Democrático de Direito e

da soberania nacional, manifestado pelo livre exercício dos três poderes e da

cidadania.

No entanto, no seio dos comandos militares, a defesa da Pátria ainda é

considerada pelo oficialato mais antigo a missão precípua das Forças Armadas,

enquanto a garantia da lei e da ordem representa destinação secundário por ser

pontual e episódica.

A defesa da pátria é exercida por meio de atividades de caráter dissuasório

e de ações dea combate, ante ameaças ou agressões estrangeiras, com o objetivo

de preservar a integridade territorial, a soberania nacional e a independência do

País.

O artigo 144 da Constituição Federal atribui aos órgãos de segurança

pública a missão de preservação da ordem pública, o que parece se chocar com a

parte final do artigo 142. Por não existir conflito entre normas constitucionais não se

pode apontar antinomia. Às Forças Armadas cabe a garantia da lei e da ordem e

às forças de segurança pública cabe a preservação da ordem pública, atribuições

entendidas como concorrentes, ambas reguladas em lei.

A segunda parte do artigo 15 da LC n° 97/99 dispõe que a declaração de

guerra para a defesa territorial, as ações para a manutenção de quaisquer dos

poderes constitucionais e o emprego das Forças Armadas para a garantia da lei e da

ordem são decisões do Presidente da República, comandante supremo das Forças

Armadas, com a intermediação do Ministro da Defesa.

As operações de GLO com a atuação de comandos conjuntos, compostos

por meios adjudicados pelas Forças Armadas e, quando necessário, por outros

órgãos, conforme descreve o inciso I do artigo 15, estão regulamentadas com

maiores detalhes no Decreto n° 3.897, de 24 de agosto de 2001.

As ações de adestramento da Marinha, Exército e Aeronáutica em

operações conjuntas, ou a participação em operações de paz, sob a égide das

Nações Unidas, são subordinadas ao Ministro da Defesa, após autorização do

Presidente da República (artigo 15, II).

No que concerne ao emprego isolado de uma das Forças Singulares, a

subordinação é direta ao comandante da força que estiver presente na localidade

desguarnecida de proteção das forças de segurança pública (art. 15, III).

Page 34: TAVEIRA, Ângela Montenegro. O poder de polícia dos membros das

32

O artigo 16-A, introduzido pela LC 136/2010 credita às Forças Armadas

atribuições subsidiárias típicas da Polícia Federal e da Polícia Militar. O motivo

dessa delegação é o preenchimento de um vácuo do poder público por conta da

indisponibilidade ou inexistência de órgãos de segurança pública atuantes nas faixas

de fronteira, mares, rios e espaço aéreo.

Essa atribuição subsidiária já vinha sendo desempenhada, de certa forma,

pela Marinha, Exército e Aeronáutica por meio de patrulhamento marítimo, terrestre

e aéreo. A nova lei veio a galope dos fatos. A legislação existente sobre a matéria, é

a seguinte.

3.2.1 Patrulha Naval - legislação específica para a Marinha do Brasil

A mesma Lei Complementar n° 97/99, segue determinando as seguintes

atribuições subsidiárias particulares à Marinha do Brasil:

Art. 17. Cabe à Marinha, como atribuições subsidiárias particulares: I - orientar e controlar a Marinha Mercante e suas atividades correlatas, no que interessa à defesa nacional; II - prover a segurança da navegação aquaviária; III - contribuir para a formulação e condução de políticas nacionais que digam respeito ao mar; IV - implementar e fiscalizar o cumprimento de leis e regulamentos, no mar e nas águas interiores, em coordenação com outros órgãos do Poder Executivo, federal ou estadual, quando se fizer necessária, em razão de competências específicas. V – cooperar com os órgãos federais, quando se fizer necessário, na repressão aos delitos de repercussão nacional ou internacional, quanto ao uso do mar, águas interiores e de áreas portuárias, na forma de apoio logístico, de inteligência, de comunicações e de instrução. (Incluído pela Lei Complementar nº 117, de 2004) Parágrafo único. Pela especificidade dessas atribuições, é da competência do Comandante da Marinha o trato dos assuntos dispostos neste artigo, ficando designado como "Autoridade Marítima", para esse fim.

Segundo dados do IBGE a costa brasileira se estende pelo Oceano

Atlântico, cobrindo 7.367 Km.

À Marinha do Brasil foram atribuídas imensas responsabilidades na guarda

de toda a costa brasileira e águas interiores. Além de possuir o poder-dever de

orientar e controlar a Marinha Mercante, prover a segurança da navegação

aquaviária, implementar e fiscalizar o cumprimento de leis e regulamentos no mar e

nas águas interiores, incumbe também à Marinha, a tarefa de “cooperar com os

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33

órgãos federais, quando se fizer necessário, na repressão aos delitos de repercussão nacional ou internacional, quanto ao uso do mar, águas interiores e de áreas portuárias”

Para bem desincumbir-se de tão variadas e importantes tarefas, o

Comando de Operações Navais instituiu, desde 1955, de acordo com a Lei n° 2.419/1955, o “Serviço de Patrulha Costeira” (PATCOS), regulamentado

posteriormente pelo Decreto n° 64.063/1969. Essa era a legislação em vigor até a

edição da Lei Complementar n° 97/99. A partir de então, novas comissões de

legislação foram formadas para a elaboração de um novo Decreto regulamentador

da atividade marítima, surgindo o Decreto n° 5.129/2004, passou a denominar

aquele serviço como “Patrulha Naval” (PATNAV).

É relevante destacar que a Marinha do Brasil foi pioneira em tomar a si a

responsabilidade da patrulha preventiva e repressiva, com todos os poderes

inerentes a essa missão constitucional e legal, investindo seus comandantes do

poder de polícia, entendido como um poder essencial ao cumprimento da Patrulha

Naval. Nesse sentido, destaco trecho da Carta de Instrução PATNAV/Comando de

Operações Navais n° 003/09, ad litteram:

A PATNAV e o Poder de Polícia: À PATNAV é reconhecido o necessário poder de polícia administrativa para cumprir as atribuições subsidiárias determinadas pela Lei Complementar em referência. Não se pode admitir a existência de um poder para “implementar e fiscalizar o cumprimento de leis e regulamentos, no mar e nas águas interiores, em coordenação com outros órgãos do Poder Executivo, federal ou estadual, quando se fizer necessária, em razão de competências específicas” (Art. 17, inciso IV), sem a contrapartida da tácita autorização para adotar providências, que o resultado da fiscalização indicar. Esse entendimento é corroborado pelo documento em referência l, no qual a Consultoria Jurídica-Adjunta do Comando da Marinha (CJACM) manifestou-se favoravelmente a que o navio em PATNAV poderá “exercer e desenvolver atividades executoras da lei, as quais se caracterizam como poder de polícia administrativa e se concretizam na coibição de condutas ilícitas que digam respeito à ocorrência de direitos que possam vir a ocorrer em águas jurisdicionais brasileiras e em alto-mar.” (Grifo nosso). Assim, o navio em PATNAV poderá, entre outras ações adequadas, apresar embarcações nacionais e estrangeiras que infrinjam as leis brasileiras, como explicitado no art. 2o do decreto em referência d, exceto os navios de guerra e de Estado estrangeiros engajados em atividades não autorizadas nas AJB, para os quais serão disseminadas, na ocasião, orientações complementares pelos comandos superiores. É importante ressaltar que os navios de guerra e de Estado estrangeiros quando engajados em atividades comerciais perdem as prerrogativas acima, asseguradas pelo Direito Internacional. O poder de polícia atribuído aos executores da PATNAV tem o propósito de prevenir e reprimir os delitos e infrações que possam ocorrer nas Águas

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34

Jurisdicionais Brasileiras (AJB) e na PC. O material ou o pessoal envolvido deverá ser remetido às autoridades competentes quando as ações subsequentes ultrapassarem o limite da atribuição da polícia administrativa.

3.2.2 Patrulha Terrestre - legislação específica para o Exército Brasileiro

Com relação ao Exército Brasileiro, a lei dispõe sobre suas novas

atribuições subsidiárias, como segue:

Art. 16-A. Cabe às Forças Armadas, além de outras ações pertinentes, também como atribuições subsidiárias, preservadas as competências exclusivas das polícias judiciárias, atuar, por meio de ações preventivas e repressivas, na faixa de fronteira terrestre, no mar e nas águas interiores, independentemente da posse, da propriedade, da finalidade ou de qualquer gravame que sobre ela recaia, contra delitos transfronteiriços e ambientais, isoladamente ou em coordenação com outros órgãos do Poder Executivo, executando, dentre outras, as ações de: (Incluído pela Lei Complementar nº 136, de 2010). I - patrulhamento; (Incluído pela Lei Complementar nº 136, de 2010). II - revista de pessoas, de veículos terrestres, de embarcações e de aeronaves; e (Incluído pela Lei Complementar nº 136, de 2010). III - prisões em flagrante delito. (Incluído pela Lei Complementar nº 136, de 2010). ..........................................................................................................................

Art. 17A. Cabe ao Exército, além de outras ações pertinentes, como atribuições subsidiárias particulares: (Incluído pela Lei Complementar nº 117, de 2004) I – contribuir para a formulação e condução de políticas nacionais que digam respeito ao Poder Militar Terrestre; (Incluído pela Lei Complementar nº 117, de 2004) II – cooperar com órgãos públicos federais, estaduais e municipais e, excepcionalmente, com empresas privadas, na execução de obras e serviços de engenharia, sendo os recursos advindos do órgão solicitante; (Incluído pela Lei Complementar nº 117, de 2004) III – cooperar com órgãos federais, quando se fizer necessário, na repressão aos delitos de repercussão nacional e internacional, no território nacional, na forma de apoio logístico, de inteligência, de comunicações e de instrução; (Incluído pela Lei Complementar nº 117, de 2004) a) patrulhamento; (Incluído pela Lei Complementar nº 117, de 2004) b) revista de pessoas, de veículos terrestres, de embarcações e de aeronaves; e (Incluído pela Lei Complementar nº 117, de 2004) c) prisões em flagrante delito. (Incluído pela Lei Complementar nº 117, de 2004).

A primeira modificação foi a do artigo 17 A, efetuada em 2004, por meio da

LC n° 117/2004. O dispositivo legal dispôs sobre tarefa exercida pelo Exército nas

faixas de fronteiras em cooperação com outros órgãos federais. A partir de 2004, o

poder de polícia foi expressamente autorizado para a execução de ações de polícia

Page 37: TAVEIRA, Ângela Montenegro. O poder de polícia dos membros das

35

ostensiva na repressão aos delitos de repercussão nacional e internacional. A

inovação trazida pela LC n° 136/2010 foi a permissão para atuar isoladamente, na

prevenção e repressão aos delitos transfronteiriços e ambientais nas faixas de

fronteira, conforme artigo 16 A.

Em suma, a LC n° 136/2010 reescreveu, no artigo 16 A, o dispositivo legal

do artigo 17 A, inciso III, introduzido pela LC n° 117/2004, com ampliação das

atribuições do Exército nas faixas de fronteira. Ao nosso aviso, o confuso “remendo”

dificulta a própria compreensão da lei. Atualmente, o Ministério da Defesa está

estudando a elaboração de legislação que regulamente essas novas atribuições1,

uma vez que o Decreto n° 3.897, de 24 de agosto de 2001, que regulamenta o

emprego das Forças Armadas em operações da lei e da ordem, está desatualizado

frente às novas atribuições particulares.

A extensão da faixa de fronteira está descrita no § 2° do art. 20 da

Constituição Federal: "A faixa de até cento e cinquenta quilômetros de largura, ao

longo das fronteiras terrestres, designada como faixa de fronteira, é considerada

fundamental para defesa do território nacional e sua ocupação e utilização serão

reguladas em lei".

A Portaria Nº 061, de 16 de fevereiro de 2005, do Comandante do Exército,

traz um rol não exaustivo de delitos transfronteiriços e ambientais.

● Delitos transfronteiriços: - A entrada (e/ou tentativa de saída) ilegal no território nacional de armas,

munições, explosivos e demais produtos afins;

- O tráfico ilícito de entorpecentes e/ou de substâncias que determinem

dependência física ou psíquica, ou matéria-prima destinada à sua

preparação;

- O contrabando e o descaminho (Código Penal Brasileiro, art. 334);

- O tráfico de plantas e de animais, na forma da Lei de Crimes Ambientais

(L. 9.605/98), do Código Florestal (L. 4.771/65) e do Código de Proteção à

Fauna (L. 5.197/67);

1 Anexo A: Resposta à pergunta 12 da entrevista em forma de questionário feita ao Tenente SOUZA SANTOS, assistente jurídico da 2ª Brigada de Infantaria de Selva de São Gabriel da Cachoeira (Amazonas).

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36

- A entrada (e/ou tentativa de saída) no território nacional de vetores em

desacordo com as normas de vigilância epidemiológica.

● Delitos ambientais: - A prática de atos lesivos ao meio ambiente, assim definido pela Lei de

Crimes Ambientais (L. 9.605/98);

- A exploração predatória ou ilegal de recursos naturais; e

- A prática de atos lesivos à diversidade e à integridade do patrimônio

genético do País, assim definido na Medida Provisória nº 2.186-16, de 23 de

Agosto de 2001.

Outros decretos e portarias compõem a legislação atinente à matéria como

os Decretos n° 4.411 e 4.412, de 07 de outubro de 2002, com as modificações

introduzidas pelo Decreto 6.513, de 22 de julho de 2008 que dispõem sobre a

atuação das Forças Armadas e da Polícia Federal em terras indígenas e dão outras

providências.

Convém frisar que essas ações poderão ocorrer de modo isolado ou em

conjunto. No entanto, segundo própria recomendação do Comandante do Exército, e

considerada premissa básica (Port Nº 061/2005, Cmt EB), deverão ser realizadas

dentro de um contexto de segurança integrada, compreendendo o contato com as

demais Forças Armadas, os órgãos de Segurança Pública (OSP), o Ministério

Público (MP) e órgãos do Poder Judiciário, dos Ministérios da Justiça e do Meio

Ambiente, dentre outros afins, sempre que pertinente e possível.

A LC n° 136/2010 ampliou a atuação das Forças Armadas na faixa de

fronteira, vez que, ao relacionar as ações executáveis para o cumprimento dessa

missão subsidiária particular (patrulhamento, revistas e prisão em flagrante), utilizou

a expressão “dentre outras”. Desse modo, abriu a possibilidade para que outras

ações de prevenção e repressão sejam autorizadas ou simplesmente executadas,

desde que não firam o ordenamento jurídico em vigor. Essas ações serão abordadas

adiante.

3.2.3 Patrulha Aérea - legislação específica para a Força Aérea Brasileira

No que toca a Força Aérea Brasileira, grandes e positivas atualizações

foram introduzidas pela nova Lei de Defesa, em especial quanto ao poder de

patrulhamento do espaço aéreo brasileiro, atividade abrangida pela missão contínua

Page 39: TAVEIRA, Ângela Montenegro. O poder de polícia dos membros das

37

e permanente da Aeronáutica de defesa e controle do espaço aéreo brasileiro, a

conferir: Art. 18. Cabe à Aeronáutica, como atribuições subsidiárias particulares: I - orientar, coordenar e controlar as atividades de Aviação Civil; II - prover a segurança da navegação aérea; III - contribuir para a formulação e condução da Política Aeroespacial Nacional; IV - estabelecer, equipar e operar, diretamente ou mediante concessão, a infra-estrutura aeroespacial, aeronáutica e aeroportuária; V - operar o Correio Aéreo Nacional. VI – cooperar com os órgãos federais, quando se fizer necessário, na repressão aos delitos de repercussão nacional e internacional, quanto ao uso do espaço aéreo e de áreas aeroportuárias, na forma de apoio logístico, de inteligência, de comunicações e de instrução; (Incluído pela Lei Complementar nº 117, de 2004) VII - preservadas as competências exclusivas das polícias judiciárias, atuar, de maneira contínua e permanente, por meio das ações de controle do espaço aéreo brasileiro, contra todos os tipos de tráfego aéreo ilícito, com ênfase nos envolvidos no tráfico de drogas, armas, munições e passageiros ilegais, agindo em operação combinada com organismos de fiscalização competentes, aos quais caberá a tarefa de agir após a aterragem das aeronaves envolvidas em tráfego aéreo ilícito, podendo, na ausência destes, revistar pessoas, veículos terrestres, embarcações e aeronaves, bem como efetuar prisões em flagrante delito. (Redação dada pela Lei Complementar nº 136, de 2010). (Grifo nosso). Parágrafo único. Pela especificidade dessas atribuições, é da competência do Comandante da Aeronáutica o trato dos assuntos dispostos neste artigo, ficando designado como ‘Autoridade Aeronáutica Militar’, para esse fim. (Redação dada pela Lei Complementar nº 136, de 2010).

Primeiramente, oportuno apontar o esquecimento do legislador quanto à

revogação expressa dos incisos I e IV do artigo 18 da LC n° 97. Isso porque a Lei n°

11.182/2005 reestruturou o aparato institucional responsável pela regulação das

atividades da aviação civil, que passou a ser de responsabilidade da Agência

Nacional de Aviação Civil (ANAC). A nova Agência substituiu o Departamento de

Aviação Civil (DAC) da Aeronáutica, até então responsável por orientar, coordenar e

controlar as atividades de Aviação Civil.

A LC n° 136/2010, que modificou a LC n° 97/99, reflete a preocupação das

autoridades governamentais e militares com as rotas aéreas do tráfico internacional

de drogas. Essa atividade ilícita ganhou vulto na década de 80 em todo o mundo e o

espaço aéreo brasileiro passou a ser invadido por aeronaves provenientes de países

vizinhos com carga ilícita destinada à Europa, Estados Unidos e outros destinos.

Somente a partir de 1996 foi possível prover a vigilância e proteção do espaço aéreo

na faixa de fronteira, haja vista a entrada em operação de um moderno sistema de

defesa e controle do tráfego aéreo (SIVAM/SIPAM). Comprovou-se que as principais

Page 40: TAVEIRA, Ângela Montenegro. O poder de polícia dos membros das

38

entradas de drogas ilícitas em território brasileiro ocorrem por via aérea, em

pequenas aeronaves oriundas de países e regiões reconhecidamente produtoras

dessas substâncias no norte e noroeste do continente sulamericano (RESERVAER).

Tornou-se necessária uma ação mais eficaz do Estado no combate a esses

voos ilícitos, que transportam a droga para o território brasileiro.

Com esse intuito, foi editada a Lei n° 9.614, de 5 de março de 1998,

conhecida como “Lei de Tiro e Destruição” ou “Lei do Abate”, considerada

inconstitucional por uma inteira década, por ter entrado em nosso ordenamento

jurídico por via de lei ordinária. Somente após a edição da Lei Complementar n°

117/2004 e, mais recentemente, com as modificações introduzidas pela LC n°

136/2010, passou a ser aplicada sem receio de se incorrer em inconstitucionalidade.

A Lei n° 9.614 modificou o artigo 303 do Código Brasileiro de Aeronáutica e

sua aplicação foi regulamentada no Decreto n° 5.144/2004. O artigo 303 passou a

ter a seguinte redação:

Art. 303. A aeronave poderá ser detida por autoridades aeronáuticas, fazendárias ou da Polícia Federal, nos seguintes casos: I - se voar no espaço aéreo brasileiro com infração das convenções ou atos internacionais, ou das autorizações para tal fim; II - se, entrando no espaço aéreo brasileiro, desrespeitar a obrigatoriedade de pouso em aeroporto internacional; III - para exame dos certificados e outros documentos indispensáveis; IV - para verificação de sua carga no caso de restrição legal (artigo 21) ou de porte proibido de equipamento (parágrafo único do artigo 21); V - para averiguação de ilícito. § 1° A autoridade aeronáutica poderá empregar os meios que julgar necessários para compelir a aeronave a efetuar o pouso no aeródromo que lhe for indicado; § 2° Esgotados os meios coercitivos legalmente previstos, a aeronave será classificada como hostil, ficando sujeita à medida de destruição, nos casos dos incisos do caput deste artigo e após autorização do Presidente da República ou autoridade por ele delegada. (Incluído pela Lei nº 9.614, de 1998) § 3° A autoridade mencionada no § 1° responderá por seus atos quando agir com excesso de poder ou com espírito emulatório. (Renumerado do § 2° para § 3º com nova redação pela Lei nº 9.614, de 1998). (Grifo nosso).

Note-se que o inciso VII do artigo 18 da LC 97/99, modificado pela LC

136/2010, ampliou a hipótese de interceptação de aeronaves invasoras do espaço

aéreo brasileiro. Isso porque o Decreto fala em “aeronave suspeita de tráfico de

substâncias entorpecentes e drogas afins”, enquanto a nova Lei de Defesa fala em

“atuar, de maneira contínua e permanente, por meio das ações de controle do

Page 41: TAVEIRA, Ângela Montenegro. O poder de polícia dos membros das

39

espaço aéreo brasileiro, contra todos tipos de tráfego aéreo ilícito, com ênfase nos

envolvidos no tráfico de drogas, armas, munições e passageiros ilegais”. Porém, a

primeira vista, a hipótese de tiro de destruição continua restrito a aeronaves de

narcotraficantes, conforme previsto no Decreto n° 5.144/2004. Ante a ausência de

legislação esclarecedora é possível interpretar que a interceptação de aeronave em

situação de ilegalidade deve ser feita com o intuito de forçar a aterrissagem, sendo

possível a efetivação do tiro de aviso, mas não o de destruição.

Com o objetivo de conceder maior efetividade ao controle e à patrulha do

espaço aéreo e fornecer provimento judicial especializado no julgamento de

eventuais condutas ilícitas, praticadas no contexto do art. 303 da Lei no 7.565, de 19

de dezembro de 1986, o legislador trouxe para a Justiça Militar da União a

competência para processar e julgar os fatos decorrentes da aplicação da citada lei.

O parágrafo único do artigo 9° do Código Penal Militar sofreu a seguinte

modificação, introduzida pela Lei n° 12.432, de 29 de junho de 2011:

Parágrafo único. Os crimes de que trata este artigo quando dolosos contra a vida e cometidos contra civil serão da competência da justiça comum, salvo quando praticados no contexto de ação militar realizada na forma do art. 303 da Lei no 7.565, de 19 de dezembro de 1986 - Código Brasileiro de Aeronáutica. (Redação dada pela Lei nº 12.432, de 2011). (Grifo nosso).

A modificação é benvinda, uma vez que deixa a cargo da Justiça

especializada a apreciação de questão jurídica delicada, proveniente de efeitos

colaterais da ação militar de interceptação e abate de aeronave suspeita de invadir o

espaço aéreo brasileiro para o cometimento de crimes.

Page 42: TAVEIRA, Ângela Montenegro. O poder de polícia dos membros das

40

4 O PATRULHAMENTO DA FAIXA DE FRONTEIRA NO ARCO AMAZÔNICO: ATRIBUIÇÃO SUBSIDIÁRIA PARTICULAR DA FORÇA TERRESTRE

4.1 LIMITES DO PODER DE POLÍCIA EM OPERAÇÕES MILITARES NA

FRONTEIRA

Em um Estado Democrático de Direito a lei é o limite para todo e qualquer

poder. O poder de polícia das Forças Armadas nas operações militares se fronteira

se encontra, portanto, na própria Lei Complementar n° 97/99, modificada pelas Leis

Complementares n° 117/2004 e n° 136/2010, e na ordem jurídica vigente, como

segue.

A Força Terrestre só tem permissão para atuar como polícia de segurança

na prevenção e repressão de crimes transfronteiriços e ambientais, na faixa de fronteira (150 kilômetros), ante a ausência das forças de segurança pública. Assume, assim, subsidiariamente, atribuição da Polícia Federal, titular do dever de

prevenção e repressão a esses crimes. Toda e qualquer atuação dos militares

federais deve ser reportado à PF, a quem incumbe o papel de polícia judiciária.

José Afonso da Silva (2011, p. 704 e p. 705) assim descreve a destinação

da Polícia Federal: (1) a apurar infrações penais contra a ordem política e social (...) ou em detrimento de bens, serviços e interesses da União ou de suas entidades autárquicas e empresas públicas, assim como as infrações cuja prática tenha repercussão interestadual ou internacional e exija repressão uniforme, segundo dispuser em lei; (2) a prevenir e reprimir o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o contrabando e o descaminho, sem prejuízo da ação fazendária e de outros órgãos públicos nas respectivas áreas de competência; (...); (3) a exercer as funções de polícia marítima, aérea e de fronteiras; (4) a exercer, com exclusividade, as funções de polícia judiciária da União. (Grifo nosso).

Dentre as atribuições descritas, somente uma pequena parcela, como visto,

foi delegada em caráter subsidiário à Força Terrestre, qual seja, “apurar (...)

infrações cuja prática tenha repercussão interestadual ou internacional e exija

repressão uniforme, segundo dispuser em lei” e “prevenir e reprimir o tráfico ilícito de

entorpecentes e drogas afins, o contrabando e o descaminho”. Adira-se também a

atribuição subsidiária para a prevenção e repressão aos crimes ambientais.

Page 43: TAVEIRA, Ângela Montenegro. O poder de polícia dos membros das

41

A atribuição subsidiária da Força Terrestre prevista no artigo 17A da LC

97/99 ainda não foi regulamentada. A proposta, salvo melhor juízo, é do Comando

do Estado Maior Conjunto das Forças Armadas. Ante a ausência de regulamentação

específica, deve-se seguir, por analogia, a orientação do procedimento estabelecido

para as operações de GLO.

O Decreto nº 3.897, de 24 de agosto de 2001, disciplinou, nos artigos 3º e

4º, as condições de emprego das Forças em operações de garantia da lei e da

ordem, ressaltando os seguintes aspectos legais:

Art. 3º Na hipótese de emprego das Forças Armadas para a garantia da lei e da ordem, objetivando a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, porque esgotados os instrumentos a isso previstos no art. 144 da Constituição, lhes incumbirá, sempre que se faça necessário, desenvolver as ações de polícia ostensiva, como as demais, de natureza preventiva ou repressiva, que se incluem na competência, constitucional e legal, das Polícias Militares, observados os termos e limites impostos, a estas últimas, pelo ordenamento jurídico. Parágrafo único. Consideram-se esgotados os meios previstos no art. 144 da Constituição, inclusive no que concerne às Polícias Militares, quando, em determinado momento, indisponíveis, inexistentes, ou insuficientes ao desempenho regular de sua missão constitucional. (Grifo nosso).

A norma acima transcrita investe as Forças Armadas do poder de polícia

ostensiva.

O Art. 3º do Decreto-Lei nº 667, de 2 de julho de 1969 (que reorganiza as

polícias militares dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios), com a redação

dada pelo Decreto-Lei nº 2.010, de 12 de janeiro de 1983, dispõe: Art. 3º Instituídas para a manutenção da ordem pública e segurança interna nos Estados, nos Territórios e no Distrito Federal, compete às Polícias Militares, no âmbito de suas respectivas jurisdições: a) executar com exclusividade, ressalvadas as missões peculiares das Forças Armadas, o policiamento ostensivo, fardado, planejado pela autoridade competente, a fim de assegurar o cumprimento da lei, a manutenção da ordem pública e o exercício dos poderes constituídos; b) atuar de maneira preventiva, como força de dissuasão, em locais ou áreas específicas, onde se presuma ser possível a perturbação da ordem; c) atuar de maneira repressiva, em caso de perturbação da ordem, precedendo o eventual emprego das Forças Armadas. (Grifo nosso).

Observe-se que, desde 1983, o entendimento é de que as Polícias Militares

devem preceder a um possível emprego das Forças Armadas em missões de

garantia da lei e da ordem.

Page 44: TAVEIRA, Ângela Montenegro. O poder de polícia dos membros das

42

Observe-se que o Decreto n° 3.897 adota o termo “polícia ostensiva”,

enquanto o Decreto-Lei n° 2.010 fala em “policiamento ostensivo”.

O termo “polícia ostensiva” é mais amplo, remete à missão constitucional da

Polícia Militar. Com efeito, segundo a Constituição Federal, “às polícias militares

cabem a polícia ostensiva e a preservação da ordem pública; (...)” (artigo 144, § 5°).

O “policiamento ostensivo” é apenas uma das formas de atuação da Polícia

Militar, por isso seu uso parece ser mais adequado para descrever essas atividades

militares exercidas em caráter subsidiário.

O Coronel da Polícia Militar de Santa Catarina Marlon Jorge Teza, autor do

livro Temas de Polícia Militar – Novas Atitudes da Polícia Ostensiva na Ordem

Pública, assim esclarece: Policiamento é somente o ato de fiscalizar com a presença. Já a expressão Polícia é o todo. (...) Na verdade, é a atuação em toda a dimensão do Poder de Polícia, especificamente de Polícia Ostensiva da Polícia Militar, no sentido de evitar a quebra da Ordem Pública, ou seja, o foco e o alvo principal devem ser a prevenção com a atuação em tudo aquilo que possa representar um risco à quebra dessa ordem pública. (TEZA, 2009, p. 107).

Portanto, é mais correto afirmar que os membros das Forças Armadas estão

revestidos de uma parcela do poder de polícia ostensivo para praticar ações de policiamento ostensivo nas situações previstas em lei.

Releva asseverar que outras atribuições afetas à Polícia de Fronteira,

Polícia Marítima, Polícia de Aeroportos, Polícia Aduaneira, Polícia Ambiental, dentre

outras, não estão abrangidas pela lei. Por exemplo, a fiscalização aduaneira

continua a cargo da Receita Federal, o controle migratório permanece atribuição

exclusiva da Polícia Federal e as ações de Polícia Ambiental estão restritas aos

agentes do IBAMA.

As ações de policiamento ostensivo, de natureza preventiva ou repressiva,

encontram outros limites no ordenamento jurídico pátrio.

Merecem destaque, ainda, os limites de status constitucional previstos nos

incisos II, III e XI do artigo 5° da Constituição Federal: II - ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei; III - ninguém será submetido à tortura nem a tratamento desumano ou degradante;

Page 45: TAVEIRA, Ângela Montenegro. O poder de polícia dos membros das

43

XI - a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro ou, durante o dia, por determinação judicial;

Na esfera infraconstitucional releva recordar os ditames da Lei nº 4.898, de

9 de dezembro de 1965, que tipifica o crime de abuso de autoridade nos artigos 3º e

4º. O artigo 5° da citada lei define como autoridade, para o fim de aplicação da lei,

quem exerce cargo, emprego ou função pública, de natureza civil, ou militar, ainda

que transitoriamente e sem remuneração.

Além de estar atento para não incorrer em nenhuma das condutas descritas

na lei de abuso de autoridade, o militar que atua com poder de polícia não deve

perder de vista o conceito de abuso do poder e suas implicações legais.

Segundo Hely Lopes Meirelles (2002, p. 117) “O abuso do poder ocorre

quando a autoridade, embora competente para praticar o ato, ultrapassa os limites

de suas atribuições ou se desvia das finalidades administrativas”.

O abuso do poder poderá ocorrer sob duas formas: excesso de poder e

desvio de finalidade. Meirelles assim descreve o excesso de poder:

O excesso de poder ocorre quando a autoridade embora competente para praticar o ato, vai além do permitido e exorbita no uso de suas faculdades administrativas. Excede, portanto, sua competência legal e, com isso, invalida o ato, porque ninguém pode agir em nome da Administração fora do que a lei lhe permite. O excesso de poder torna o ato arbitrário, ilícito e nulo. É uma forma de abuso de poder que retira a legitimidade da conduta do administrador público, colocando-o na ilegalidade e até mesmo no crime de abuso de autoridade quando incide nas previsões penais da Lei 4.898, de 9.12.65, que visa a melhor preservar as liberdades individuais já asseguradas na Constituição (art. 5º) (MEIRELLES, 2002, p. 118).

O mesmo Hely Lopes Meirelles leciona que o desvio de finalidade verifica-

se quando a autoridade, embora atuando nos limites de sua competência, pratica o

ato por motivos ou com fins diversos dos objetivados pela lei ou exigidos pelo

interesse público (MEIRELLES, 2002).

Os comandantes das operações devem ter conhecimento inequívoco da lei

de abuso de autoridade e do conceito de abuso do poder a fim de evitar excessos,

prevenindo, assim, possíveis responsabilidades nas esferas cível, administrativa e

criminal. Também devem impor limites de atuação aos seus subordinados.

Page 46: TAVEIRA, Ângela Montenegro. O poder de polícia dos membros das

44

4.2 OS PELOTÕES DE FRONTEIRA2

São Gabriel da Cachoeira foi eleito como o município de onde foram

extraídos alguns dados e informações para o estudo do emprego da Força Terrestre

no patrulhamento de fronteiras.

Além das informações coletadas in loco por ocasião da primeira viagem de

estudos da Turma Segurança e Desenvolvimento - CAEPE 201, foi elaborada uma

entrevista, em forma de questionário, respondido pelo assessor jurídico da 2ª

Brigada de Infantaria da Selva (ANEXO 1). A entrevista teve como propósito levantar

mais informações a respeito da regulamentação das atividades subsidiárias dos

Pelotões de Fronteiras no combate à criminalidade e nas atividades de fiscalização e

controle das fronteiras. Algumas dessas localidades são regiões altamente

conflituosas com forte presença de traficantes de drogas e guerrilheiros das Forças

Armadas Revolucionárias Colombianas, as FARC.

A extensão territorial de fronteira verde no Norte e Noroeste do Brasil é de

11,6 mil Km. Em linha reta corresponde à distância entre as cidades de São Paulo e

a de São Francisco, nos Estados Unidos. A floresta amazônica com seus obstáculos

naturais, rios tortuosos e volumosos, mata densa e inóspita, dificulta o trânsito de

pessoas e veículos, promovendo o isolamento da população local.

A Marinha, o Exército e a Aeronáutica são os únicos braços do poder

público presentes nos limites fronteiriços da Amazônia de forma incondicional,

movidos que são pela filosofia de caserna de que “missão dada é missão cumprida”.

Entre os militares da zona de fronteira, a Marinha conta com 7.000 homens,

o Exército com 31.000 e a Aeronáutica com pouco mais de 2.500 homens3. Além de

lá estarem com o objetivo de cumprir sua missão constitucional de defesa e guarda

do território nacional, assumem, subsidiariamente, missões atribuídas aos órgãos de

segurança pública e de defesa civil, em especial à Polícia Federal, haja vista a

necessidade de policiamento preventivo e repressivo contra crimes transfronteiriços

e ambientais.

A grande extensão da fronteira terrestre do Brasil e as dificuldades em

mantê-la sob plena fiscalização e controle facilitam o contrabando de armas e de

2As informações contidas no item 4.2 foram colhidas durante a viagem de estudos realizada a São Gabriel da Cachoeira (VG 1), pelos estagiários do CAEPE, em maio de 2011. 3ENAFRON. Disponível em: http://www.inforel.org/noticias/noticia.php?not_id=4846&tipo=2. Acesso em: 06 set 2011.

Page 47: TAVEIRA, Ângela Montenegro. O poder de polícia dos membros das

45

drogas como cocaína, maconha e “crack”. Outros crimes ocorrem como resultado de

falhas de vigilância nas fronteiras, a saber, trânsito de veículos roubados, imigração

ilegal, tráfico de pessoas, crimes ambientais e biopirataria.

As Forças Armadas entregaram para deputados federais das comissões de

Relações Exteriores e de Defesa Nacional, em maio de 2011, proposta de criação da

ENAFRON (Estratégia Nacional de Fronteiras) A proposta da ENAFRON é aumentar

consideravelmente a presença das Forças Armadas e da polícia Federal ao longo

dos quase 17.000 quilômetros de fronteiras, sendo 7.000 de fronteiras secas.

Segundo o coordenador da Estratégia Nacional de Fronteiras (ENAFRON),

José Altair Benites, um dos problemas da Polícia Federal em manter seus agentes e

delegados em postos avançados é a falta de motivação para trabalhar na região. "Um

policial, quando é lotado nessas regiões em cidade inóspita, não tem imóveis para

alugar”, explica Benites. “Quando consegue [imóveis], eventualmente são de pessoas

investigadas pela própria PF.” (JORNAL DA CÂMARA, 2011).

A ENAFRON pretende implantar melhorias na vigilância da Amazônia por

meio de patrulhamento aéreo terrestre e nos 9.523 quilômetros de rios e canais que

separam o País dos seus vizinhos. O objetivo do projeto do governo é coibir a

criminalidade nas áreas limítrofes e integrar ações das Forças Armadas e da Polícia

Federal.

A Estratégia Nacional de Fronteiras prevê, também, construções de

residências para a PF em locais onde não há possibilidade de seus integrantes

residirem com as famílias e propõe gratificação para esses policiais, além da

reposição anual do efetivo por meio de concurso público.

As dificuldades enfrentadas pela Polícia Federal em enviar agentes e

delegados para a faixa de fronteira redundam na efetiva necessidade de atuação das

Forças Armadas na região. Militares do Exército lá se instalam com suas famílias,

muitas vezes com estruturas mínimas de moradia, em galpões e alojamentos

modulados de madeira, tudo a cargo do Exército.

A ausência do Estado naquelas localidades é tamanha que as Forças

Armadas assumem, ainda, tarefas como as de levar saúde, educação e infraestrutura

sanitária mínima às populações ribeirinhas, nas áreas mais remotas da Amazônia.

A presença da Força Terrestre na faixa de fronteira se faz por meio de

Pelotões Especiais de Fronteira compostos em média por 50 militares. Atualmente, o

Comando Militar da Amazônia conta com 25 Pelotões e três Destacamentos, que

Page 48: TAVEIRA, Ângela Montenegro. O poder de polícia dos membros das

46

cuidam de 11 mil quilômetros de fronteira. Eles promovem a vigilância das principais

vias penetrantes do território nacional, contribuindo para a manutenção da

integridade territorial e a vivificação de uma região muito pouco assistida pelo

Estado.

Essas pequenas unidades militares se distribuem em pontos estratégicos

de fronteira, quase sempre localizadas à beira dos grandes rios amazônicos, únicos

meios de locomoção em superfície. Nenhum deles é acessível por estradas. Sob o

comando de um Tenente do Exército, o pelotão é responsável pela fiscalização de

embarcações e, consequentemente, pelo controle do tráfico de drogas, da

exploração ilegal de madeiras ou de outros recursos naturais, como animais

silvestres. A principal tarefa dos pelotões, entretanto, é fiscalizar permanentemente a

fronteira, checando marcos e acompanhando movimentos suspeitos. Integrado

também por profissionais como médicos e dentistas, entre outros, os pelotões

acabam por servir de polos catalizadores de povoamentos e processos de

desenvolvimento. Em torno deles, é comum perceber o florescimento de pequenas

vilas, como é o caso do Pelotão Especial de Fronteira de Maturacá, cujas atividades

já se incorporaram ao cotidiano dos índios ianomâmis que vivem no local.

Em Maturacá, o pavilhão construído para abrigar representantes da Polícia

Federal, IBAMA e outras instituições públicas, encontra-se fechado e nunca foi

utilizado por ninguém. Só o Exército, com apoio da Marinha e da Aeronáutica, está

presente no local.

As dificuldades são semelhantes no 4° Pelotão Especial de Fronteira, em

Estirão do Equador, no Javari, a trinta minutos de voo de Tabatinga, Acre, onde o

Rio Solimões internaliza-se no Brasil. Uma constatação curiosa: ali, búfalos são

treinados para operações de selva, uma experiência considerada pelo Comando

Militar da Amazônia como iniciativa vitoriosa. Nas florestas impenetráveis, cabe ao

búfalo a função principal de transportar a carga pesada.

O trabalho desenvolvido pelos membros das Forças Armadas em toda a

Amazônia, em particular na faixa de fronteira do arco amazônico, impulsiona o

desenvolvimento e garante a segurança daquelas populações. As condições

precárias de trabalho são superadas pela dedicação e disciplina militar. É lá que o

militar vivencia intensamente sua vocação de defensor da soberania nacional,

guardando as fronteiras mais inóspitas do País e levando esperança de bem-estar

às populações esquecidas pelos governos federal e estadual.

Page 49: TAVEIRA, Ângela Montenegro. O poder de polícia dos membros das

47

O município de São Gabriel da Cachoeira é sede da 2ª Brigada de Infantaria

de Selva (2ª Bda Inf Sl), do 5º Batalhão de Infantaria de Selva (5º BIS), da 21ª

Companhia de Engenharia de Construção (21ª Cia E Cnst) e do Destacamento do

Controle do Espaço Aéreo de São Gabriel da Cachoeira (DTCEA-UA). A Força

Operacional da 2ª Brigada é composta pelos 5º Batalhão de Infantaria de Selva, 3º

Batalhão de Infantaria de Selva, em processo de ativação em Barcelos, e pelo 56°

Batalhão de Infantaria de Selva em Santa Izabel do Rio Negro, ainda a ser ativado.

O 5º BIS possui, como força de vigilância, sete Pelotões Especiais de

Fronteira. Destes, cinco estão localizados na faixa de fronteira com a Colômbia (São

Joaquim, Querari, Iauaretê, Pari-Cachoeira, Tunuí-Cachoeira) e dois com a

Venezuela (Cucuí e Maturacá). As distâncias dos pelotões ao 5º BIS variam de 200

a 500 km.

São Gabriel da Cachoeira dista, em linha reta, 846 Km de Manaus. Como

não há estrada, o transporte é realizado pelos rios ou por via aérea. Por via fluvial, a

distância é 1.102 Km. Não existem estradas ligando a cidade a outros municípios.

4.3 AÇÕES DE PREVENÇÃO E REPRESSÃO

A Lei Complementar n° 97/99 prevê duas formas de atuação das Forças

Armadas no combate aos crimes transfronteiriços e ambientais: preventiva e repressiva. A lei insere o Exército como agente concretizador de políticas públicas e

de prevenção da prática de crimes transfronteiriços e ambientais. São exemplos

desses delitos o contrabando e o tráfico internacional de drogas e de animais

silvestres.

O policiamento ostensivo tem duas dimensões:

- o policiamento ostensivo preventivo: se realiza em situações de

normalidade, por meio de ações antecipadoras, que visam prevenir a criminalidade e

evitar a quebra da ordem. O policiamento ostensivo preventivo abrange ações de

fiscalização e inspeção, que podem ser provocadas ou realizadas ex officio; e

- o policiamento ostensivo repressivo: ocorre em situação de

anormalidade, quando há perturbação da ordem pública e quebra do ordenamento

legal. É, portanto, uma atuação repressiva e sancionatória posterior à perturbação,

transgressão ou consumação do ilícito. A sanção de polícia é a atuação

administrativa autoexecutória, que se destina à repressão da infração com o

Page 50: TAVEIRA, Ângela Montenegro. O poder de polícia dos membros das

48

restabelecimento da ordem. A repressão se esgota no constrangimento pessoal,

direto e imediato, na justa medida para o restabelecimento da ordem.

O artigo 17A da citada lei complementar prevê, expressamente, que a

atividade de prevenção e repressão ao crime será realizada executando-se, dentre

outras, as ações de: I – patrulhamento; II - revista de pessoas, de veículos terrestres,

de embarcações e de aeronaves; e III - prisões em flagrante delito.

4.3.1 O Patrulhamento

O patrulhamento é o emprego organizado da Força Terrestre para realizar

ações preventivas e repressivas contra a ocorrência de ilícitos.

Na faixa de fronteira, o emprego do Exército pode ocorrer de forma isolada

ou em coordenação com outros órgãos do Poder Executivo.

Para tal, o comando da 2ª Bda Inf Sl segue as seguintes condicionantes:

1 - como agente de cooperação, fornece apoio logístico, de inteligência, de

comunicações (comando e controle) e de instrução (treinamento) à Polícia Federal e

a outros órgãos que dele necessitem;

2 - como agente de prevenção, realiza policiamento ostensivo,

patrulhamento, revista de pessoas, de veículos, de embarcações e de aeronaves;

3 - como agente de repressão, realiza medidas diretas de combate ao

crime, faz uso da força e do enfrentamento imediato, cuida da preservação do local

do crime, realiza o recolhimento de objetos, instrumentos e produtos de crime para

posterior regularização e efetua a prisão em flagrante delito.

Mesmo com o relativo enfraquecimento das atividades das FARC na faixa

de fronteira, verificado nos últimos dois anos em função da intensificação das

atividades das Forças Armadas Colombianas, parte dos ilícitos praticados nessa

região ainda pode ser relacionada à ação da guerrilha, que continua financiando

suas atividades por intermédio do narcotráfico.

O Comando Militar da Amazônia realiza, ainda, operações de maior

complexidade, regularmente previstas no calendário de instrução, apoiadas pela

Marinha e Aeronáutica e integradas pela Polícia Federal e outros órgãos do Poder

Público. Essas operações estão dentro do âmbito de decisão do Ministério da

Defesa na forma do artigo 15, inciso II, da LC n° 97/99. Além do escopo primordial

Page 51: TAVEIRA, Ângela Montenegro. O poder de polícia dos membros das

49

de adestramento da tropa, também são realizadas ações de patrulha durante a

operação.

Em abril do corrente ano, a 16ª Brigada de Infantaria de Selva (16ª Bda Inf

Sl), com o apoio da Polícia Federal e do IBAMA, realizou a Operação Curare4, nas

regiões de fronteira com a Colômbia e o Peru, no estado do Amazonas.

Normalmente, as operações militares recebem denominações com termos

típicos da região. Neste caso, o vocábulo “curare” faz referência a compostos

químicos orgânicos conhecidos como venenos de flecha, extraídos da casca de

certos cipós de plantas encontradas na América do Sul. Possuem intensa e letal

ação paralisante, embora tais substâncias possam ser utilizadas medicinalmente

como relaxante muscular ou anestésico.

A Operação Curare/2011 teve por finalidade intensificar a presença das

Forças Armadas junto à faixa de fronteira oeste, reprimir os delitos transfronteiriços e

ambientais, além de reforçar, junto à população regional, o sentimento de

nacionalismo e de defesa da Pátria.

Foram estabelecidos postos de bloqueio na calha dos rios para a realização

de revistas em embarcações. Durante a operação, foi apreendida uma draga de

exploração ilegal de areia. Ela foi encontrada pela Polícia Federal nos afluentes do

rio Boia, e recolhida com auxílio do 4º Batalhão de Aviação do Exército.

Participaram da operação cerca de 600 militares do Exército Brasileiro, que

realizaram ações táticas como patrulhas a pé, aeromóveis e fluviais, operações

especiais e atividades logísticas e de comunicações.

4.3.2 A revista de pessoas, de veículos terrestres, de embarcações e de aeronaves

A revista pessoal deve observar as disposições legais para o seu

cumprimento presentes nos Códigos de Processo Penal e Código de Processo

Penal Militar (Decreto-Lei n° 3.689/1941 e Decreto-Lei n° 1.002/1969,

respectivamente). Consiste na procura material feita nas vestes, pastas, malas e em

outros objetos que estejam com a pessoa revistada e, quando necessário, no próprio

veículo.

4 Disponível em <http://www.forte.jor.br/2011/04/28/operacao-curare-i-2011/>. Acesso em 12/08/2011.

Page 52: TAVEIRA, Ângela Montenegro. O poder de polícia dos membros das

50

A revista é medida que pode ser executada no cumprimento de ordem

judicial de busca e apreensão, quando houver fundada suspeita de que alguém

oculte consigo instrumento ou produto do crime ou elementos de prova. É importante

observar que uma mulher só poderá ser revistada por outra mulher.

A revista que independe de mandado judicial está prevista no artigo 182, do

CPPM, e se restringe às seguintes hipóteses:

a) quando feita no ato da captura de pessoa que deve ser presa;

b) quando houver fundada suspeita de que o revistado traz consigo

objetos ou papéis que constituam corpo de delito;

c) quando feita na presença de autoridade judiciária ou do

presidente do inquérito.

Cabe destacar que, quando a lei exige fundada suspeita, os executores do

ato podem ser chamados em juízo para que esclareçam pessoalmente em que

consistia tal suspeita, e então será deliberado se havia ou não fundamento para a

revista, podendo o agente responder criminalmente por seus atos.

É preciso ainda abordar a questão do domicílio, bem protegido pelo artigo

5º, inciso XI, da Constituição Federal, no qual se afirma que a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo

em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia,

por determinação judicial.

O artigo 173 do CPPM considera domicílio, para efeito de revista,

compartimento não aberto ao público onde alguém exerce profissão ou atividade.

Sob essa ótica, a busca e apreensão em veículos, embarcações e aeronaves é

perfeitamente aceita pela jurisprudência pátria.

A cautela recomenda que se obtenha sempre mandado judicial prévio à

execução de busca e apreensão, salvo nas hipóteses em que a lei excepciona, até

porque há previsão legal de crime de violação de domicílio, nas formas simples e

qualificada. Essas são algumas regras elementares que os militares devem observar

na execução de uma operação militar em faixa de fronteira, quando incumbidos da

repressão aos crimes transfronteiriços e ambientais.

Page 53: TAVEIRA, Ângela Montenegro. O poder de polícia dos membros das

51

4.3.2 A Prisão em Flagrante

Qualquer pessoa pode efetuar uma prisão em flagrante, sendo dever dos militares prender quem se encontra em situação de flagrante delito. As normas

sobre a prisão em flagrante estão no Código de Processo Penal (Decreto-Lei n°

3.689/1941), artigos 301 e 302, bem como no Código de Processo Penal Militar,

artigos 243 e 244.

O CPPM não limita o dever de prender quem for flagrado incorrendo em

delito à ocorrência de crimes militares. A lei é genérica nesse ponto e a interpretação

não pode ser restritiva. Esse dever legal está em conformidade, portanto, com o que

dispôs a Lei Complementar n° 136, ao modificar o artigo 16 A, transcrito no item 3.2.

A prisão em flagrante, como exercício do poder de polícia, deve observar

rigorosamente as disposições legais, a fim de que os defensores da ordem não

venham a ser acusados, posteriormente, de constrangimento ilegal, injusta agressão

ou tortura. Práticas equivocadas denotam a falta de preparo dos militares das Forças

para o combate à criminalidade urbana e nas áreas de fronteira.

A atividade de policiamento ostensivo e de repressão ao crime organizado

exige o conhecimento dos direitos constitucionais e fundamentais declarados em

tratados internacionais de direitos humanos e elencados no artigo 5º, da

Constituição Federal.

Em caso de prisão em flagrante delito devem ser lidas as garantias

constitucionais do preso e colhida a assinatura do mesmo na Nota de Ciência,

assegurando-se o cumprimento de todas elas, sob pena de nulidade do Auto de

Prisão em Flagrante, cuja consequência é o relaxamento da prisão.

Tais garantias estão elencadas no artigo 5° da Constituição Federal, incisos

LVX, LXII, LXIII e LXIV. Em síntese, a prisão fora da situação de flagrância só pode

ser efetuada por ordem escrita e fundamentada do juiz competente. Todo preso

deve ser informado de que tem direito a permanecer calado, em que local

permanecerá preso, por ordem de quem, identificados os responsáveis pela sua

prisão. A comunicação com a família é direito do preso em qualquer circunstância,

assim como a presença de um advogado ou defensor público. A incomunicabilidade

é inconstitucional em qualquer circunstância.

O agente preso, por óbvio, deve se encontrar numa das situações legais de

flagrante delito. O respectivo auto será lavrado após a oitiva do condutor,

Page 54: TAVEIRA, Ângela Montenegro. O poder de polícia dos membros das

52

testemunhas do fato e do próprio preso. A lavratura do auto até vinte e quatro horas

após a prisão é indispensável, com a comunicação ao Juiz competente, Ministério

Público e Defensoria Pública. Do contrário, a prisão será considerada ilegal. O auto

de prisão em flagrante será remetido à Polícia Federal, assim como o preso.

Civis presos em flagrante de crime comum devem ser encaminhados à

carceragem da Polícia Federal ou a que estiver disponível no local, no aguardo de

posterior transferência. Deve-se evitar manter civis encarcerados por muito tempo

em unidades militares. Qualquer ocorrência poderá repercutir negativamente, ainda

que todas as cautelas tenham sido adotadas. É o próprio Código Penal Militar que

estabelece que a pena privativa de liberdade aplicada a civil será cumprida em

estabelecimento prisional civil, devendo estender-se a mesma regra para as

hipóteses da prisão em flagrante.

O uso de algemas é outra questão relevante, sendo inclusive objeto de

súmula vinculante do Supremo Tribunal Federal. Dispõe a Súmula nº 11/STF: Só é lícito o uso de algemas em casos de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, por parte do preso ou de terceiros, justificada a excepcionalidade por escrito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade da prisão ou do ato processual a que se refere, sem prejuízo da responsabilidade civil do estado.

O uso de algemas e de armas no momento da prisão está também

regulamentado no artigo 234 do Código de Processo Penal Militar. A lei dispõe que

deverá ser evitado, desde que não haja perigo de fuga ou de agressão por parte do

preso. Aos agentes da prisão cabe, então, precaver-se, justificando por escrito o uso

de algemas, tão logo isso seja possível, como forma de resguardo pessoal.

Qualquer tipo de tratamento cruel e indigno que exceda a restrição da

liberdade pode ser enquadrado no tipo penal de tortura. A tortura é expressamente

proibida por força de tratado internacional de direitos humanos ratificado pelo Brasil,

portanto integrante do ordenamento jurídico pátrio.

A Constituição Federal (art. 5º, inciso XLIII) considera a tortura crime

inafiançável, insuscetível de graça ou anistia. Por ele respondem os mandantes, os

executores e os que, podendo evitá-la, se omitem. A confissão obtida mediante

tortura é considerada prova ilícita, podendo contaminar toda a investigação e o

processo que dela resulte, sendo assim causa até mesmo de impunidade. Não por

outra razão a Constituição Federal garante aos presos em flagrante o direito de

Page 55: TAVEIRA, Ângela Montenegro. O poder de polícia dos membros das

53

permanecer calado e tal garantia se propaga até a fase judicial, sem que isso possa

ser interpretado em prejuízo da defesa.

A tortura é crime definido na Lei nº 9.455/1997, e como tal não se inclui na

competência da justiça militar.

4.3.3 Outras ações

Quando a lei fala em “outras ações” preventivas e repressivas está se

referindo a ações que possam contribuir na patrulha (vigilância) e no policiamento

ostensivo para preservação da lei e da ordem pública. O adjetivo “ostensivo” refere-

se à ação pública de dissuasão, característica do policial fardado e armado,

reforçada pelo aparato militar utilizado, que evoca o poder de uma corporação

eficientemente unificada pela hierarquia e disciplina (TEZA, 2009, p. 107).

A Portaria Nº 061, de 16 de fevereiro de 2005, do Comandante do Exército,

elenca “outras ações”, aqui expostas a título de exemplo, pois não há um elenco

exaustivo dessas ações. Elas são tomadas na medida das circunstâncias

vivenciadas e das necessidades, sempre com respeito aos limites legais do

ordenamento jurídico em vigor:

● Preventivas: intensificar das atividades de preparo da tropa, de

inteligência e de comunicação social, consideradas de caráter permanente; cooperar

com órgãos federais, quando se fizer necessário, for desejável e em virtude de

solicitação, na forma do apoio logístico, de inteligência, de comunicações e de

instrução; e prover segurança às atividades de órgãos federais, quando solicitado e

desejável.

● Repressivas: instalar e operar postos de bloqueio e controle de estradas

e fluviais e postos de segurança estáticos; apoiar a interdição de pistas de pouso e

atracadouros clandestinos, utilizados, comprovadamente, para atividades ilícitas; e

fiscalizar produtos controlados.

4.4 QUESTÕES JURÍDICAS RELEVANTES

O parágrafo 7° do inciso III do artigo 15 da Lei Complementar n° 97/99,

alterada pela Lei Complementar nº 136/2010, dispõe:

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“§ 7° A atuação do militar nos casos previstos nos arts. 13, 14, 15, 16-A, nos incisos IV e V do art. 17, no inciso III do art. 17-A, nos incisos VI e VII do art. 18, nas atividades de defesa civil a que se refere o art. 16 desta Lei Complementar e no inciso XIV do art. 23 da Lei no 4.737, de 15 de julho de 1965 (Código Eleitoral), é considerada atividade militar para os fins do art. 124 da Constituição Federal”.

O artigo 124 da Constituição Federal dispõe: “À Justiça Militar compete

processar e julgar os crimes militares definidos em lei.”

Quer o dispositivo legal da LC 97/99 dizer que são considerados crimes

militares, de competência da Justiça Militar da União, as condutas ilícitas, em tese,

praticadas por militar nas situações previstas na lei penal militar, ainda que fora de

área sujeita à administração militar, contra outro militar ou civil.

Na prática, o elenco do artigo 9° do Código Penal Militar, que estabelece as

hipóteses de prática de crime militar em tempo de paz, foi ampliado.

As novas hipóteses são as seguintes:

- Artigos 13, 14 e 15: atividades de preparo e emprego das FFAA para o

cumprimento da destinação constitucional na defesa da Pátria, garantia dos poderes

constitucionais, da lei e da ordem, e na participação de operações de paz;

- artigo 16: atividades advindas da atribuição subsidiária geral de

cooperação com a Defesa Civil;

- artigo 16 A: atividades e ações preventivas e repressivas, na faixa de

fronteira terrestre, no mar e nas águas interiores, independentemente da posse, da

propriedade, da finalidade ou de qualquer gravame que sobre ela recaia, contra

delitos transfronteiriços e ambientais, isoladamente ou em coordenação com outros

órgãos do Poder Executivo;

- artigo 17, IV e V: atividades de implementação e fiscalização do

cumprimento de leis e regulamentos, no mar e nas águas interiores, em

coordenação com outros órgãos do Poder Executivo, federal ou estadual, quando se

fizer necessária, em razão de competências específicas. Atividades de cooperação

com os órgãos federais, quando se fizer necessário, na repressão aos delitos de

repercussão nacional ou internacional, quanto ao uso do mar, águas interiores e de

áreas portuárias, na forma de apoio logístico, de inteligência, de comunicações e de

instrução;

- artigo 17 A: atividades de cooperação com órgãos federais, quando se

fizer necessário, na repressão aos delitos de repercussão nacional e internacional,

Page 57: TAVEIRA, Ângela Montenegro. O poder de polícia dos membros das

55

no território nacional, na forma de apoio logístico, de inteligência, de comunicações e

de instrução; e

- artigo 18, VI e VII: atividades de repressão aos delitos de repercussão

nacional e internacional, quanto ao uso do espaço aéreo e de áreas aeroportuárias,

na forma de apoio logístico, de inteligência, de comunicações e de instrução.

Atividades de controle do espaço aéreo brasileiro contra todos os tipos de tráfego

aéreo ilícito, com ênfase nos envolvidos no tráfico de drogas, armas, munições e

passageiros ilegais.

A principal consequência dessa nova disposição legal contida no § 7° do art.

15 da LC n° 97/99 é que as autoridades militares no comando das operações, assim

como seus subordinados, ficam submetidos ao controle externo do Ministério Público

Militar, titular da ação penal e destinatário final de qualquer investigação criminal

decorrente dessas atividades. Igualmente, o processo criminal eventualmente

deflagrado será processado e julgado perante a Justiça Militar da União com recurso

para o Superior Tribunal Militar.

A Lei nº 9.028, de 12 de abril de 1995, que dispõe sobre o exercício das

atribuições institucionais da Advocacia-Geral da União, em caráter emergencial e

provisório, prevê assistência jurídica aos militares das Forças Armadas quando, em

decorrência do cumprimento de dever constitucional, legal ou regulamentar,

responderem a inquérito policial ou a processo judicial (artigo 22, § 1°, II, da Lei n°

9.028).

As praças contam com a Defensoria Pública da União para o patrocínio

obrigatório de suas demandas criminais (artigo 71, § 5º, do CPPM). Acredita-se,

assim, que os oficiais das Forças Armadas possam se valer da Advocacia-Geral da

União.

Questão que tem provocado acalorados debates é a decorrente da edição

da Lei nº 9.229, de 7 de agosto de 1996, que alterou normas do Código Penal Militar

e do Código de Processo Penal Militar, tendo levado alguns autores a arguirem sua

inconstitucionalidade.

Referida lei introduziu o parágrafo único do artigo 9° do CPM, e o parágrafo

2º do inciso II do artigo 82 do CPPM. Tais dispositivos determinam que a justiça

comum é o foro competente para processar e julgar os crimes de homicídio doloso

praticados por militar, em atividade ou função de natureza militar, contra civil.

Page 58: TAVEIRA, Ângela Montenegro. O poder de polícia dos membros das

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Há que considerar que todos os militares federais, no cumprimento de

missões atinentes à garantia dos poderes constitucionais e à garantia da lei e da

ordem, mormente em atuação subsidiária à das atribuições da Polícia Militar e

Federal, estão sujeitos aos ditames da Lei 9.299/96. Na hipótese de seus

componentes cometerem um crime tipificado como homicídio doloso serão julgados

na justiça comum, perante um júri popular. A única exceção a essa regra está no

próprio enunciado do parágrafo único do artigo 9° do CPM e diz respeito à ação

militar realizada pela Força Aérea Brasileira na defesa e controle do espaço aéreo, já

comentado no item 3.2.3.

Page 59: TAVEIRA, Ângela Montenegro. O poder de polícia dos membros das

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5 CONCLUSÃO

As Forças Armadas são os guardiões da Pátria, dos poderes

constitucionais, da lei e da ordem. Destinar-lhes tão importantes missões sem o

poder para bem realizá-las é impensável. Esse poder é o poder de polícia.

O poder de polícia das Forças Armadas emana do Poder de Estado.

É bom lembrar que no Estado Democrático de Direito o poder não tem a

força como pré-requisito, conforme idealizou Maquiavel para o Estado Absolutista.

O Poder de Estado tem a prerrogativa do uso da Força, mas não é a Força

que lhe dá o poder. A Força existe para proporcionar segurança, garantir a defesa e

assegurar o desenvolvimento do Estado. Eis a destinação das Forças Armadas.

O poder de polícia é também inerente à atividade policial, seja na vertente

administrativa, de restrição de liberdades com imposição de limites a atividades civis,

denominado poder de polícia administrativo, seja na outra vertente, a de

preservação e garantia da ordem pública, denominado poder de polícia de

segurança.

Preservar a ordem pública é a destinação genérica dos órgãos de

segurança pública. Consiste na atividade contínua e permanente, exercida por meio

de ações que evitam a quebra da ordem pública e mantêm a paz no seio da

sociedade. Abrange também ações repressivas, tomadas imediatamente após a

violação da lei ou da ordem.

Essas atividades, exercidas de forma constante pelas Polícias Federais,

Polícias Militares e Corpos de Bombeiros precedem e são mais amplas do que a

atuação pontual e enérgica das Forças Armadas.

As Forças Armadas somente são chamadas para garantir a lei e a ordem

quando as forças de segurança pública tiverem esgotado sua capacidade de

atuação, seja por indisponibilidade, inexistência ou insuficiência de efetivo, meios ou

equipamentos.

Lamentavelmente o cenário revelado dia a dia nas grandes e médias

cidades brasileiras é de uma forte sensação de insegurança. A criminalidade está

em contínua ascensão e o poder público se mostra ineficiente no seu combate. O

mesmo se diga com relação à corrupção e à impunidade. Pessoas morrem todos os

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dias vítimas da guerra urbana. Nas fronteiras, a situação é agravada pelo intenso

tráfico de drogas e disputa de terras.

Esses os motivos que levam as Forças Armadas, cada vez mais, a ter um

papel mais atuante na garantia da lei e da ordem. Não seria necessário ser assim

caso os órgãos de segurança pública possuíssem os meios necessários humanos e

materiais para prover a segurança da população.

Ao receber atribuições subsidiárias de policiamento e combate ao crime

organizado, seja no ambiente urbano, na faixa de fronteira, no espaço aéreo, nos

rios ou nos mares, os membros das Forças Armadas são investidos de importante

parcela do poder de polícia de segurança.

A Marinha do Brasil, com sua Patrulha Naval, considerados os meios

disponíveis, está eficientemente organizada e possui uma legislação abrangente que

regula as atividades de polícia marítima.

A Força Aérea Brasileira defende o espaço aéreo com base em leis que

amparam e dão legitimidade às ações de interceptação de aeronaves suspeitas.

No tocante às atribuições subsidiárias da Força Terrestre na faixa de

fronteira, ainda não há nenhuma legislação que regulamente os artigos 16 A e 17 A

da LC n° 97/99, com suas recentes modificações.

O costume castrense de baixar normas de conduta de emprego de tropa

(NCET), normas de engajamento, avisos e diretrizes, não é suficiente, pois esses

documentos contêm instruções para o emprego da tropa em operações episódicas e

a preocupação de preparo para atuação em GLO deve ser permanente.

Percebe-se a nítida carência de uma normatização sobre o preparo, a

instrução, o adestramento, o uso dos meios e dos equipamentos necessários e,

sobretudo, conhecimento jurídico para a atuação do militar da Força Terrestre na

garantia da lei e da ordem e no policiamento ostensivo das faixas de fronteira.

A notícia que se tem é de que o Estado Maior Conjunto das Forças

Armadas está preparando uma proposta de atualização da legislação

regulamentadora a partir das modificações introduzidas na LC n° 97/99.

Essa regulamentação é essencial, a fim de que as operações transcorram

da forma mais tranquila e legal possível, visando sempre atender aos postulados

constitucionais, à defesa dos poderes constitucionais e à segurança interna e

externa, afastando-se o máximo possível de indício ou fato caracterizador de

arbitrariedade, desvio ou abuso de poder.

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As Forças Armadas destinam-se a cumprir a missão que a nação brasileira

lhes outorgou. E devem cumpri-la bem, com eficácia e nos exatos limites da lei.

Cabe, portanto, aos legisladores proporcionar-lhes essa segurança legal.

Um comandante tem que estar seguro sobre o que pode e o que não pode

determinar a seus subordinados.

Se é verdade que toda arbitrariedade deve ser combatida, é verdade

também que é muito fácil apontar erros daqueles que fizeram, quando ninguém lhes

ensinou e nem lhes disse como fazer.

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REFERÊNCIAS

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MALDONADO, Maurílio. Separação dos Poderes e Sistema de Freios e Contrapesos: Desenvolvimento do estado brasileiro. São Paulo. Disponível em: <http://www.al.sp.gov.br/web/instituto/sep_poderes.pdf>. Acesso em: 08 set 2011. MAQUIAVEL, Nicolau. O Príncipe. São Paulo: Penguin Classics. Companhia das Letras, 2010. MARSAL, Juan F. Conhecer Max Weber e a sua obra. Portugal: Editora Ulisseia, 1974. MEIRELLES, Hely Lopes. Manual de Direito Administrativo Brasileiro. São Paulo: Malheiros Editores, 2002. MEIRELLES, Hely Lopes. O Poder de Polícia, o Desenvolvimento e a Segurança Nacionais. Trabalho de Conclusão de Curso (Curso de Altos Estudos de Política e Estratégia) - Escola Superior de Guerra, Rio de Janeiro, 1975. MELO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo, 28. Ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2010. MONTESQUIEU, Charles de. Wikipédia, a enciclopédia livre. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Charles_de_Montesquieu>. Acesso em: 05 jun 2010. MORAES, Alexandre de; TRIGUEIRO Oswaldo. Direito Constitucional. 24. ed. São Paulo: Editora Atlas, 2009. TEZA, Marlon Jorge. Temas de Polícia Militar. Novas atitudes da polícia ostensiva na ordem pública. Florianópolis: Darwin Editora, 2009. PIÇARRA, Nuno. A Separação dos Poderes como doutrina e Princípio Constitucional. Um contributo para o estudo das suas origens e evolução. Coimbra: Coimbra Editora, 1989. PRITCHETT, C. Herman e outros. A Supremacia Judicial de Marshal a Burger in Ensaios sobre a Constituição dos Estados Unidos. Editado por M. Judd Harmon. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1978. SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo, 33. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2011. WEBER, Max. Ciência e Política: duas vocações. São Paulo: Editora Martin Claret, 2004. NARDI, José Carlos de. Palestra proferida aos estagiários dos Cursos de Altos Estudos da Escola Superior de Guerra, aula inaugural do Curso de Estado Maior Conjunto, Escola Superior de Guerra, Rio de Janeiro, RJ, em 15/03/2011. Toda a legislação citada está disponível em <http://www.planalto.gov.br/legisla.htm>

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ANEXO A - ENTREVISTA EM FORMA DE QUESTIONÁRIO

As perguntas deste questionário foram gentilmente respondidas pelo Tenente

SOUZA SANTOS, assistente jurídico da 2ª Brigada de Infantaria de Selva de São

Gabriel da Cachoeira (Amazonas):

1. Qual é a Norma Padrão de Conduta para operações de patrulhamento de fronteira?

R: A Norma padrão consiste nas NCET (Normas de Conduta de Emprego de

Tropa), expedidas e reguladas no âmbito da região Amazônia, a cargo do Comando

Militar da Amazônia.

2. Qual é a Norma Padrão para o exercício do poder de polícia previsto nas Leis Complementares 117/2004 e 136/2010 no tocante às operações da Força Terrestre?

R: Cuida-se das normas acima, porém, o anexo que trata especificamente do

poder de polícia, decorrente das LC 117 e 136, está sendo objeto de

ATUALIZAÇÃO, de sorte que, hoje, NÃO se tem, no âmbito da fronteira amazônica,

salvo melhor juízo, norma atualizada sobre o assunto.

3. Com que freqüência são realizados patrulhamentos, operações repressivas ou preventivas na Região abrangida pela 2ª Brigada de Infantaria na Selva?

R: Os patrulhamentos são realizados frequentemente (praticamente diários), por

meio dos Pelotões Especiais de Fronteira, os quais estão instalados, em sedes fixas,

em 05 localidades compreendidas na faixa de fronteira na região. Da mesma forma,

o Comando Militar da Amazônia e a sede deste Comando, realizam operações de

maior complexidade, regularmente previstas no calendário de instrução. Obs: nesta

semana findou-se a Operação Amazônia (que durou duas semanas), a cargo do

Ministério da Defesa, envolvendo as 03 Forças Armadas. Ocorre também, a

Operação CURARE, realizada anualmente, a cargo do Comando militar da

Amazônia e da 2ª Brigada de Selva.

4. Quais são as situações ilícitas mais freqüentes enfrentadas pelos Pelotões de Fronteira nas localidades em que estão estacionadas?

R: A região é relativamente tranquila, sendo que as ocorrências ilícitas mais

comuns são ligadas à população indígena, particularmente no que tange o uso de

bebida alcoólica e entorpecentes de pequena monta.

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5. Essas operações são realizadas em conjunto com a Polícia Federal ou outros órgãos de segurança pública?

R: Sim, são realizadas em conjunto com os demais órgãos de segurança pública,

inclusive com a participação de outras agências não integrantes da segurança

pública (receita, IBAMA, FUNAI etc).

6. A quem incumbe o Comando da operação? R: Não conheço nada expresso a respeito, mas, na prática, o comando é sempre

da autoridade militar federal, a depender do tipo da operação (ex: se é

eminentemente terrestre, é do Exército). Todavia, em respeito à independência e

autonomia das instituições, não há, teoricamente, uma relação de subordinação

entre os ógãos, e sim de coordenação.

7. Existe na localidade algum posto avançado da Polícia Federal em funcionamento? A Polícia Militar tem postos em São Gabriel?

R: Sim, conta a PF com três agentes em sistema de rodízio. Sim, a PM possui

uma companhia, com mais ou menos oitenta homens.

8. Como é feito o controle migratório de pessoas nessa localidade? R: Na prática, não é feito em caráter preventivo, vez que a PF não dispõe de

pessoal para tal. Desse modo, segundo informações dos agentes da PF daqui,

assim que o estrangeiro adentra ao País, deverá ele, para regularizar sua situação,

dirigir-se ao posto da PF.

9. Quais são os crimes transnacionais mais comuns que ocorrem nessa localidade de fronteira?

R: Tráfico de drogas.

10. Qual é a conduta adotada pelo comandante militar que autua em flagrante um narcotraficante?

R: Encaminha-se o responsável ao posto da PF, a quem cabe a adoção das

medidas pertinentes.

11. Como são efetuadas as prisões? Onde são mantidas as pessoas presas até sua entrega à Polícia militar ou Federal?

R: Em regra, as prisões ocorrem no curso de operações ou, excepcionalmente,

por meio de patrulhamentos de rotina na área dos pelotões de fronteira. Ao serem

presas, são imediatamente encaminhadas à autoridade policial competente, não

permanecendo, de modo algum, em qualquer unidade carcerária da Força.

12. Considerações finais do entrevistado:

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As normas de que lhe falei (denominadas NCET - Normas de Conduta de

Emprego de Tropa na Amazônia) são de responsabilidade do Comando Militar da

Amazônia. Só consegui ter acesso a elas, mas referentes ao ano de 2009 (que nada

tratam do assunto de vosso interesse). Desse modo, procurei informações junto ao

Comando militar da Amazônia, no sentido de se obter tais normas, devidamente

atualizadas, particularmente no que pertine ao emprego da Força na região de

fronteira, no uso do poder de polícia, decorrente da LC 117/2004 e 137/2010.

Ocorre, porém, que fui informado pelo setor competente, que aludidas normas

estão sendo objeto de atualização, exatamente por conta da necessidade, dentre

outras, de adaptação às disposições contidas naquele diploma, segundo me

informou o Oficial responsável. Ademais, por não se tratar de um documento jé

concluído e por ser de caráter não ostensivo, não me foi ofertado o acesso à minuta

de atualização das normas em comento.