tafuri - projeto e utopia capítulo v

8

Upload: rodikami

Post on 08-Jul-2015

375 views

Category:

Documents


1 download

TRANSCRIPT

Page 1: TAFURI - Projeto e Utopia capítulo V

5/9/2018 TAFURI - Projeto e Utopia cap tulo V - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/tafuri-projeto-e-utopia-capitulo-v 1/8

70 71

Corbu ier enuncia clara mente a ezuinte alternativa: a arquitectura - ler: a

programacao e a reorganizacao planificada da producao de ediffcios e da ci-

dade como organismo produtivo - deve sobrepor-se a revolucao.

Entretanto, e precisarnente a partir dos circulos mais politicamente

ernpenhados - da Novembergruppe a s revistas «Ma» e «Vesc» e ao Ringberlinense - a ideologia arqui tectonica ganha precisao tecnica. Aceitando

com lucida objectividade todas as conclusoes sabre a «morte da aura» e sa-

bre a funcao puramente «tecnica» do intelectual, enunciadas apocal ipt ica-

mente pelas vanguardas, a Neue Sachlichkeii c en tr o- eu ro pe ia a de qu a ° pro-prio rnetodo de planificacao a estrutura, idealizada, da cadeia de montagem.

A s f ig ura s e a s rn eto do s do trabalho industrial entram na organizacao do

projecto e reflectern-se nas propostas de consumo do objecto.

Do elernento padronizado a celula, ao bloco singular, a Siedlung, a ci-

dade: esta e a cadeia de montagem implant ada com excepcional cIareza e

coerencia pela cultura arquitectonica de entre as duas guerras. Cada «peda-

co» e cornpletamente resolvido em si e tende a desaparecer , au melhor , a

diluir-se formalrnente na montagem.

Tudo isto revoluciona a propria experiencia estetica. Agora, jii nao sao

objectos q ue s e a pr es en ta rn a apreciacao, mas sim um processo, a viver e a

frui r enquanto tal . 0 fruidor, charnado a completar espacos «abertos» de

Mies van der Rohe ou de Gropius, e 0 elemento central desse processo. Aarquitectura chamando 0 publico a cornparticipar na planificacao , dado que

as novas formas ja nao pretendem ser valores absolutes mas propostas de

organizacao da vida colectiva - a arquitectura integrada de Gropius - faz

com que a ideologia do publico de urn saito em frente. 0 sonho do socialis-

rna rornantico de Morris - lima arte feita por todos para todos - toma for-

ma ideologies no interior das lei s ferreas da mecanica do lucro. Tambern sob

este aspecto, a cidade e 0 ultimo terrno de comparacao para a v e ri fi ca c ao

das hip6teses teoricas.

v

ARQUlTECTURA «RADICAL» E CLDADE

«A arquitectura da grande cidade» - escreve Hilberseimert'"] - «de-

pende essencial rnente da solucao dada a dois factores: a celula elernentar e a

con junto do organismo urbano. 0 simples espaco vazio como elemento

constitutive da habitacao determinar-lhe-a a aspecto, e na medida em que as

habitacces formam, par sua vez, as quarteiroes, Q._espar;o vazio tornar-se-aurn factor de configuracao urbana, aquilo que representa a v e rd ad ei ra f in al i-dade da arquitectura; reciprocamente, a estrutura planimetrica da cidade

- tera l ima influencia substancial no projecto da habitacao e do espa\;o vazio».A grande cidade e portanto uma verdadeira unidade. Fazendo uma lei-

tura do autor para alern clas suas proprias intencoes, podemos traduzir as

suas afirmacoes nesta outra: 0 conjunto da cidade moderna e na sua estru-

tura, uma enorme «rnaquina social». Hilberseimer selecciona - contraria-

mente ao que fazem muitos teoricos alernaes entre 1920 e 1930 - este ulti-mo aspecto da econornia urbana isolando-o para poder analisa-lo e tratar

resolver separadamente as suas cornponentes. 0 que escreve sobre as rela-

~<;6es entre a celula e 0 organisrno urbane e portanto exemplar, pela lucidez

cia exposicao e a essencialidade a que as problemas sao reduzidos. A celula

nao e apenas 0 primeiro elemento da cadeia de producao continua que tern

a sua resultante na cidade, mas tarnbern 0 elemento que condiciona a dina-

mica dos agregados de construcoes. 0 seu valor de tipo perrnite que seja

analisada e solucionada em abstracto. A celula construida, nesta acepcao,representa a estrutura de base de urn programa produtivo, da qual e excluf-

da qualquer componente tipologica ulterior. Agora, a unidadc construfda

nao e mais urn «objecto». E apenas 0 lugar em que a montagern elementar

das celulas individuais assume forma ffsica. Estas ultimas, enquanto elemen-

tos reprodutfveis ao infinito, encarnam conceptualmente as est ruturas pri-

meiras de urna cadeia de producao , que prcscinde do antigo conceito de «lu-

gar» e de «espaco». Coerentemente com os pressupostos que assume, Hil-

( 6 . 1 ) Ludwig Hilberseimer , Grossstadtarchisektur, cit ., Cfr . G. Grass i, Introducao Ii edicao iialiana

de Enftaltung einer Planungsidee, Ullsiein Bauwe lt Fundamente , Ber lim 1963 {Un'idea di piano,

Marsilio, Padua 1967) .

Page 2: TAFURI - Projeto e Utopia capítulo V

5/9/2018 TAFURI - Projeto e Utopia cap tulo V - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/tafuri-projeto-e-utopia-capitulo-v 2/8

berseimer coloca como segundo termo do seu teorema a globalidade do or-

ganismo citadino: a conformacao da celula predisp6e as coordenadas de pla-

nificacao do conjunto urbane; a estrutura da cidade, ditando as leis de mon-

tagem da celula, podera deforrnar a tipologia desta ultimar"),

Na articulacao ferrea do plano de producao desaparece a dimensao es-

pecffica da arquitectura, pelo menos na sua acepcao tradicional. 0 objecto

arquitectonico considerado como «excepcional- relativamente a hornogenei-

dade da cidade dissipou-se completamente.

Tendo que «modelar grandes massas segundo uma lei geral, dominan-

do a rnult iplicidade» - escreve Hilberseirner - «[ . . . J a caso geral, a lei, ga-

nharn relevo e evidencia, enquanto a excepcao se vi: posta de parte, os mati-

zes se apagam, impera a rnedida que obriga 0 caos a transforrnar-se em for -

ma logica, uruvoca, matematica-t'").

E mais ainda: «a exigencia de modelar uma massa heterogenea e fre-

quentemente gigantesca de materiais segundo uma lei formal igualmente va-

lida para cada elemento, comporta uma reducao da forma arquitectonica asua exigencia mais sobria, rnais necessaria, mais geral: i sto e , uma reducao

a s formas geometricas cubicas, que representant os elementos fundamentais

de qualquer arqui tectura-r").Estas posicoes nao equivalern a um simples «manifesto» purista. As

consideracoes de Hilberseimer sobre a arqui tectura da Grossstadt, per fei ta-

mente em consonancia com observacoes analogas formuladas por Behrens

em 1914(1)7) , constituern uma de duca o logica ext rafda de hipoteses que se

conf inam obstinadamente a uma elaboracao conceptual de Iaboratorio. Nao

apresentando «model os. para 0 projecto mas situando as coordenadas e as

dimens6es do proprio projecto ao nivel rnais abstracto possrvel, por ser 0

mais geral, Hilberseimer revela, mais do que Gropius, Mies ou Bruno Taut

o fizeram nesses mesmos anos, quais sao as novas tarefas a que a fase de

reorganizacao produ tiva chama os arqui tectos.

A «cidade-maquina» de Hilberseimer, imagem da Grossstadt de Sim-

mel, capta, e certo , apenas aspectos marginais da nova funcao atribuida pela

reorganizacao capitalists a s grandes concentracoes de trabalho terciario . Em

todo 0 caso, acontece que perante a actual izacao das tecnicas de producao e

a expansao e racional izacao do mercado, 0 arquitecto produtor de «objec-

tOS))passa a ser urna figura inadequada, 18 nao se trata agora de dar forma

( " ' J Daqui 0 esque rna de «cidadc vert ica l» que , s egundo Grass i (op, cit ., p. 10J se coloca como

alternativa teorica da «cidade para tn," rn ilhoes de hab itan tes» apre sentada por Le Corbus ie r em

1922 no Salon d'Autornne. De notar ainda que - mau grado o nororio rigor de Hilberseirner e

de todos 0, grupos inrclccruais «radicais» dai em diant e - a autocrit ica feita pouco depois da

sua ida para os EU A 0 aproxirnaria U05 mi tes cornunitarios e naturali stas que nao serao des

ult irnos ingredientes ideologicos do New Deal.

(") L. Hilberseimer, op . cit., p. 21.

("") Ibid.(") Cfr . Peter Behrens , Einfluss vOIl Zeit ,md Raumausnutzung auf Moderne Formentwicklung,

in D er v e rk eh r, Jahrbuch des Deustschen Werkbundes 1914, Engen Diederichs Verlag, lena

1914, pp. 7-10.

72

j~

:----......._..;,._._.,. ~~r--____,~I--------!IIII If

o G J G J 0= = = n ......

A ~N mAJl o • 4C Jo ~'Q~.,.~..~. : I I I H ~. "

[ . _ , . ' M4 T~~ . : 1 0 ( , 0 0 1 1 1 ' 1 . " It· I Y t J l ,. l l l, I I j P l " I l ' lo l ; ! '

13 - Ludwig Hilberseirner, ilustracoes do volume Grossstadtarchitektur, Stull-

gar t 1927.

Page 3: TAFURI - Projeto e Utopia capítulo V

5/9/2018 TAFURI - Projeto e Utopia cap tulo V - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/tafuri-projeto-e-utopia-capitulo-v 3/8

a elementos isolados do teeido citadino nem , no l imite, a simples prototipos.

Individualizando na eidade a unidade real do cielo de producao, a unica ta-

refa adequada para a arquitecto e a da organizacao desse mesrno ciclo: Le-

vando esta proposta ao extreme, a actividade de elaborador de modelos de

organizacao, da qual Hi lberseirner faz questao de nao se desviar, e a (mica

em que se conjugam completamente a necessidade da raylorizacao da produ-

c;:aoconstrutiva e a nova tarefa do tecnico, nela integrado ao nfvel maximo.

E com base neste posicionamento que Hilberseimer pode evitar envol -

ver- se na «cr ise do objecto- enunciada em tom ansioso por arquitectos comoLaos au Taut. Para Hilberseimer, 0 «objecto» nao entra em crise: este ja

desapareceu do seu horizonte de consideracoes. 0 unico imperative que so-

bressai e 0 ditado peJas leis da organizacao; nisto reside, como correctamen-

te se compreendeu, 0 maior valor do contributo de Hilberseimer.

Aquilo que, em contrapartida, nao se compreendeu foi a renuncia to-

ta l do mesmo Hilberseimer em considerar a arquitectura como urn instru-

mento de conhecimento. Ate Mies van der Rohe diverge sobre este lema.

Bastante proximo da posicao de Hilberseimer nas casas berlinenses da Afri-kanische Strasse e incerto na apreseutacao da Weissenhofsiedlung de Stutt-

gart, no projecto para 0 ar ranha-ceus curvilineo em vidro e ferro, no monu-

mento a Karl Liebknecht e Rosa Luxemburgo, no projecto para habitacoesde 1935, e no fundo tarnbern na casa Tugendhat, ele sonda as margens de

recuperacao de que a arquitectura ainda dispoe.Nao nos interessa aqui acompanhar, nas suas articulacoes internas, a

dialectica, que, em tais bases serpenteia no interior do movimento moderno.

Interessa sobretudo subl inhar que uma boa parte das contradicoes e dos obs-

taculos com que este se depara nascem da tentativa de separar propostas

tecnicas e fins cognitivos.

A Frankfurt planificada de Ernst May, a Berlim adrninistrativa de

Martin Wagner, a Hamburgo de Fritz Shumaeher, a Arnsterdao de Cor van

Eesteren, sao os capitulos mais importantes da historia da gestae social -de-

mocrata da cidade. Mas lado a lado com os oasis de ordem das Siedlungen

- verdadeiras utopias construidas, a margem de uma realidade urbana por

elas bern pouco condicionada - as cidades hist6ricas e os territories produ-

tivos continuarn a aeumular e a multiplicar as suas contradicoes. E Sao em

grande par te contradicoes que bern depress a se revelarao rnais decisivas dosinstrumentos elaborados pela cultura arqui tectonica nurna tentativa para as

controlar.

E a arqui tectura do expressionismo a recolher a ambfgua vital idade da-

quelas contradicoes, Os Hoje de Viena e os edificios publicos de Poelzig ou

de Mendelsohn sao, sem duvida, estranhos as novas metodologias de inter-

vencao elaboradas pelos movimentos de vanguarda. Mas, apesar de estas ex-

periencias recusarem, de modos diversos, situar-se dentro de novos horizon-

tes descobertos pela arte que aceita a propria «reprodutividade tecnica»

como meio para influenciar a cornportamento humano, eles parecern assu-

mir urn valor crftieo precisamente quanta aos desenvolvimentos das moder-

nas cidades industriais.

74

1;:1

,)

14 - Peter Behrens, vistas do hall central dos services administrativos da

Hoechst, em Frankfurt, 1920-1928.

75

Page 4: TAFURI - Projeto e Utopia capítulo V

5/9/2018 TAFURI - Projeto e Utopia cap tulo V - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/tafuri-projeto-e-utopia-capitulo-v 4/8

Obras como a Grosses Schauspielhaus em Berlim, de Poelzig, a Chile-

haus ou as outras obras de Fritz Hoger, as fabricas berlinenses de Hans Her-tlein ou dos 'Paulus, nao constituem, decerto, uma nova realidade urbana,

mas testemunham, recorrendo a s exacerbacoes forrnais rep Jetas de pathos,

as cont radicoes da realidade operante.

Os dois p6los do expressionisrno e da Neue Sachlichkeit simbolizarn de

novo a cisao imanente 11ad ialectica da cultura europeia.

Entre a destruicao do objecto e sua substituicao pOT urn processo de

viver como tal, operada pela revolucao art fstica do Bauhaus e pelas corren-

tes construt ivistas, e a exacerbacao do objecto propria do arnbiguo eclectis-mo expressionista n3.0 ha possibi lidade de dialogo.

Mas nao nos deixernos confundir pelas aparencias. Trata-se de urnadialectica entre intelectuais que reduzem 0 proprio potencial ideologico ainstrumentalizacao de programas avancados por urn sistema produtivo em

via de reorganizacao, e intelectuais que dao resposta a s «necessidades secun-

darias. da burguesia europeia. 0 subjectivismo de Haring ou Mendelsohn

assume sern diivida, neste sentido, um certo significado crftico relativamente

ao taylorismo de Hilberseimer ou de Gropius. Mas, objectivarnente, t rata- se

de uma cntica feita a y_artir de posicoes retr6graaas e portanto, peJa SLllC

propria natureza, - incapazes de proper alternativas giobaisr").

A arquitectura autopublicitaria de Mendelsohn e criacao de «menu-

mentes» persuasivos ao service do capital comercial; 0 intimismo de Haring

li ra partido das tendencias tardo-romant icas da burguesia alema. Todavia,

quem apresenta a dialectica da arquitectura de 1900 como ciclo unitario naoesta totalmente errado.

A recusa da contradicao, como premissa de object ividade e racionali-

zacao da programacao, revela a parcialidade do seu prop6sito , precisamente

no momenta de maxima tangencia com as estruturas do poder politico. A

experiencia centro-europeia dos arqui tectos social-dernocratas tern como

(") Nes te sent ido, conside ra rnos multo d iscut fvel a lei tu ra , rece ruemente reproposta por Zevi ,

de ur n Mende lsohn «expr es sion is ta» e cou tcs tatar io . Cfr. Bruno Zevi , Erich Mendelsohn, opera

completa. Architeuura e immagini architettoniche, Etas Kornpass, Milao 1970 , Toda a prirneira

producao de Mendelsohn se situa sob 0 signo de uma ace it acao n ie tz scheana do real . Nao se ria

d ifl ci l dernonst ra r que tan to as collages ilescala ur bana ( a r enovacao da sede do «Berl iner Tage-b lat t» e rn Berl im e os armazens Epstein em Duisburg), como as suas intervencoes no coracao da

Ber lim ter ciari a e stao profundarnen te imbuidas da cul tu ra soc io logica a lema dos primord ios do

secu lo XX, em re lacao ao comportarnen to me tropo li tano . as instrurnentos Iormais especificos

usados por Mendelsohn - que alias Zevi Ie cor rectarnerue ~ tendern clararnente p!! ,:a~Sllela in-

tensi /icm;ao d o estimulo sensorial sobre a «vi da nefvosa» (- ervenlebenj que 'Georg Simmel, no

ensaio arras invocado, reconhecc como 'cteito ttpico da Grossstadt, I ;obre_0 .:<individuo i T I e t I o j l o h -t ano». E couvem nao esquecer que, t an to para Sirnrnel como para Mende lsohn , t al intensi fi ca 30

dos es t fl l l ll ios mio passa-de u;i1a condicao para alcancar nina racionalidade sllPCrJOf erstand}.

So6relVrelliJelsiiJ'ln"';"'iio 'que sC'refere a estes aspectos, ha dois ensaios jil tcrcss il llfcs que sao nor-

rnalmente esquecidos pelos h is to ri adore s que se tern debrucado sobre 0 arquitecto alernao: Kar l

Weidle , Goethehaus lind Einsteinturm. Zwei Pole heutiger Baukunst, Wissenschsftlicher Verlag

Dr, Zaugg u. Co., Stuttgart 1929, e Werner Hegernann, «Mendelsohn und Hoetger ist «nicht»

[ast Gani; Dasselbe»? Eine Betrachtung Neudeutscher Baugesinnung, «Wasmuths Monatwhef te f iir

Baukunst» XII, 1928, heft, 9, pp. 419-26.

76

D IE R E IH E N S TA D TE S CHDORM<ROHB ERG

.~

,ep

15- Plano regional do sistema Eschbom-Cronberg, 1931.

77

Page 5: TAFURI - Projeto e Utopia capítulo V

5/9/2018 TAFURI - Projeto e Utopia cap tulo V - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/tafuri-projeto-e-utopia-capitulo-v 5/8

condicao propria respeitar a unificacao entre poder adrninistrativo e propos-

ta intelectual. Neste sentido, nao e fruto do acaso que May, Wagner ou

Taut assumarn cargos polfticos na adrninistracao das cidades social-democra-

ticas. Se agora e a cidade no seu conjunto que assume a estrutura de uma

maquina industrial, nela deverao encontrar solucao diversas categorias de

problemas: primeiro que tudo, 0 que deriva do conflito entre 0 estatuto da

r~nda fundiaria, q~e com os seus rnecanismos parasitarios bloqueia a expan- ~sao e a actualizacao do mercado da construcao civil,

ea necessidade de or-

ganizar a rnaquina-cidade de modo global.

. A proposta arquitectonica, 0 modele urbano que com base nela se ar-

ticula, ~s premissas economicas e tecnol6gicas que ela pressupoe - propr ie-

dade publica do solo e estruturas de industrial izacao da construcao civil ' c l i -

mensionadas com base em ciclos de producao programados para 0 ambito

urbano - estao indiscutivelmente ligados ent re si, A ciencia arqui tectonica

integra-se totalmente na ideologia do plano, e as proprius opcces formaisnao passam de variaveis que dela dependern.

_ To?a a obra de May em Frankfurt pode ser interpretada como expres-

sao maxima de uma tal «poli tizacao» concreta da arquitectura. A industriali -

zacao do estaleiro de const rucao civi l adere a unidade minima de producao

particularizada na Siedlung; dentro dela, 0 clemente primario do cicio indus"

trial conjuga-se com0

micleo dos services (a Frankfurter Kuche};0

dirnen-sionarnento das Siedlungen e a sua deslocacao na cidade sao autorizados

pela politica comunal sobre os terrenos directarnente geridos em comum: a

flexibiliclade do modele formal da Siedlung passa a ser aqui 0 elemento que

confere 0 cunho cultural, que torna «reais» os objectives polit icos plenamen-

te assumidos pela arquitectura.

A propaganda nazi fala dos bairros de Frankfurt como socialismo cons-

truido: n6s devemos interprets-los como social-dernocracia realizada. Mas

atencao: a coincidencia de autoridade polftica e intelectual tem urn objective

de simples mediacao entre estruturas e superestruturas. E isto reflecte-se

clararnente na propria organizacao da ciclade. A economia techada da Sie-

dlung espelha-se na cornpartimentacao da intervencao, que deixa intactas as

contradicces de uma cidade que nao e controlada nem reest ruturada en-

quanta sistema face a nova deslocacao dos centres produtivos no terri torio.o utopismo da cultura arquitectonica da Europa central entre 1920 e

1930 consiste precisarnente no seguinte: na relacao fiduciaria insti tuida entre

intelectuais de esquerd a, sectores avancados do «capitalismo democratico»

(pense-se , por exemplo, num Rathenau) , e administracces democraticas.

Num tal quadro, as solucoes sectoriai s, apesar de tenderern a apresentar-se

como modelos al tarnente generalizados - polf tica de expropriacoes, exper i-

mentacoes tecnologicas, elaboracao formal da tipologia da Siedlung - sao

boas provas da sua limitada eficienciar").

(' '' ) Nao ex is re a inda um estudo comple te sobre a h is to ria da gestae soc ial -der nocr ata das cidades

europe ia s ent re as duas guer ra s. Pa ra urna anal is e do terna torna-s€ necesa rio recorre r a s fontes,

", reco lhas dJS r ev istas «Das neue Fr ankfurt», «Die neue Stad t» , "Die Form». etc. (Cf r, agora 0

A Frankfurt de May, como a Bedim de Machler e Wagner, tende, sern

rhivida , a reproduzir 0 modelo de propriedade a nivel social, a fazer com que

a cidade assuma a «f igura» de maquina produtiva, a concret izar na est rutura

urbana e no mecanisme de distribuicao e consumo a aparencia da proletari-

zacao geral (0 interclassisrno das propostas urbanfsticas da Europa central eo object ive continuamente proposto a nivel teorico).

Mas a unidade da imagem urbana, rnetafora formal da «nova sfntese-

proposta, sinal leglvel do exaltante dominic cotectivo sobre a natureza e 50-

bre os meios de producao, presos no ambito de uma nova utopia «humana»,

nao e realizada pelos arquitectos alernaes nem pelos holandeses, Estes, es-

t reitarnente integrados em poltticas de plano especlficas a nfvel urbane e re-

gional, elaboram modelos de integracao generalizaveis, como 0 modele da

Siedlung 0 prova.Mas tal constante teorica reproduz na cidade a forma desagregada da

cadeia de montagem paleotecnica. A cidade mantem-se como urn agregado

de partes, unificadas funcionalmente ao nivel minima; e mesmo dentro do

«bloco» individual - 0 bairro operario - a unificacao dos rnetodos nao tar-

da a revelar-se urn instrumento aleatoric.A crise, no ter reno especifico da arquitectura, explode em 1930 na Sie-

mensstadt de Berlim. E incrivel como a historiografia conternporanea nao

tenha ainda reconhecido, na farnosa Siedlung berlinense planificada por

Scharoun, 0 nohistorico no qual se evidencia uma das mais graves fracturas

110 seio do «movimento moderno».o postulado da unidade metodologica do design nas suas diversas esca-

las dimensionais revela na Siernensstadt 0 seu proprio caracter utopico Com

base num desenho urbane (que se pretendeu, talvez correctamente, referir

as deforrnacoes ir6nicas de urn Klee), Bartning, Gropius, Scharoun, Haring,

Forbat demonstram que a diluicao do objecto arquitect6nico no processo

formativo do conjunto choca com as contradicces do proprio movimento

moderno. Contra Gropius e Banning, que se rnantem fieis a concepcao da

Siedlung como cadeia de montagem, colocarn-se as alusivas ironias de Scha-

roun e 0 alardeado organicisrno de Haring. Se , para usar 0 bem conhecido

termo de Benjamin, na ideologia da Siedlung se consuma a «destruicao da

aura», tradicionalmente ligada ao «bloco» arquitectonico, os «objectos» de

Scharoun e de Haring tendern, peJo contrario, para a recuperacao de uma«aura», mesmo se condicionada pelos novas modos de prcducao e por novas

estruturas formais.

volume Die form. S timme des deu tschen werkbundes , Ber telsrnann Fachver lag, Bcr lim 1969) .

Consultar ainda: Justus Buekschmirt, E rn st M a y, A. Koch Ver lag, Stuttgart 1963; Barbara Miller

Lane, Architecture and Polit ics in Germal1Y, 1918-1945, Harvard Univers ity Press , Cambr idge

(Mass .) 1968; Enzo Collott i, 11Bauhaus nell' esperienza polit ico-sociule del/a Repubblica di Wei-

mar , «Controspazio», 1970, n. 4-5, pp, 8-15; Carlo Aymoriino (organizado por), L 'ab i ta z io n e r a -z ionale . Att i dei Congressi ClAM, 1929-1919, Marsilio, Padua , 1971; Manfredo Tafur i , Socialde-

mocrazia e cilia nella Germania di Weimar, «Contropiano», 1971 n. 1, pp. 207-23; M, Tafuri,

A us tr om a rx is mo e cilia, « D as r ot e Wiel1», «Cont ropiano» , 1971>n . 2 , pp. 259-311 , Sobre os re -

, 1 . 1 l tados da exper icncia alerna, ver 0 documentado volume de Marco De Michel is c Erne510 Pasi-

ni, La cilia sovietica 1925·1937, Marsilio, Veneza, 1976.

Page 6: TAFURI - Projeto e Utopia capítulo V

5/9/2018 TAFURI - Projeto e Utopia cap tulo V - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/tafuri-projeto-e-utopia-capitulo-v 6/8

.. t dt ttuaco em Frankfurt, l oi cons-o Bairra Economico Romersda Splelairma Mietheim A.G., ou-nu ido em terrenos oxpropna 05

rante 0 bianio 19?7f8. . ' I En Q Ernst May emo project? do Bairro toi organlzad~ts~r~ aogBoehm, q planocolaooracao com a empr_esade -se 9deuma rnanerra bas-de edificaG8.0da s hablta~es :~ecd~O~strada no "Ringmauer»,tante unl torrne. Na cons rU9 . BDA Schaupp: na es-

colaborararn os ~r~iterO:m d~sf~~~itectos da BDA' Blattner;trada -trn Heiden e »or - d entrada sui do Sairro, nano bloeo octdentai de nabnacoes ~r uitectos da BDA Franz

ZWEIFAMILIEWWOHNHAijl «Hadrianslrasse», cooperar~m :Iab~rou 0 Eng.' May que era'OD. UNDOeeOGBCHOSI Schuster e nas reslantes pa eS

BDAC -H Rudol f.

tuncionario da firma Architekt ..

,. .. dt em Frankfurt, planimetria, tipos16 - Ernst May e co le g as , .':iledlun

g. ~o(~"e~~~a~ ne u Frankfurt», 1928, n. '" 7-8).

de construcao e tabelas cornparanvas e

r

;

I,I

80

S IE DlU N G R CMER ST A DT !AUHE " MIEIHEIM A. G.

F r an k f. K i ic h ie

Haus-

ZCl'oha lne ilL" '9

u,W"rmwalfer'...arforgllng

Ourdlrchnith'We:t1e b~iden HC!lupt.E i nr ic h 1u I1 I ge n 2 .

Elle ic ll~ .erL .ng d.

Hau.$hal~duhrlt,

end Z en . t r i ! : 1 3 1 ' 1 -

ta gE l 1'1

1'211

"' "00

Ku¢he rs-~, Kammer

395 Bad ss~"I.

4 ' 106.. .,l : J D

De resto, 0 episodic da Siemensstadt e apenas 0 rnais clamoroso. Ex-

ceptuando 0 caso da Arnsterdao planificada por Cor van Eesteren, entre

1930 e 1940 0 ideal dos movimentos const rut ivistas europeus, que consiste

em dar vida a uma cidade de tendencia, entra decisivarnente em crise.

Mas a crise e principal mente inerente a poli tica urbarust ica duplarnen-

te desastrosa accionada pela social-democracia europeia . Enquanto tentativade controlo dos movirnentos de classe revela-se imediatamente contraprodu-

cente; e enquanto tentative para dernonstrar a superioridade de uma cons.

trucao directamente gerida pelas organizacoes operarias e sindicais (a De-wog e a Gehag, ua Alernanha), a cidade das Siedlungen rnantem-se alheiaaos processos de reorganizacao global do terri torio produt ivo.

Existe, no entanto , uma razao ulterior devido a qual 0 balanco da ges-

tao social-demoeratiea da cidade se salda em passive. Eo proprio modele de

intervencao baseado na Siedlung que faz parte de uma ideologia ant iurbana

global: uma ideologia que, se por urn Iado se entrelaca na jeffersoniana, por

outro Jado tern profundas raizes na tradicao do pensamenro socialista (mas

nao no pensarnento de Marx: recordern-se as passagens sobre 0 significado,

polit ico da grande cidade, no Capital enos Grundrisse). Na base da reorga-

, nizacao urbanfstica conduzida por May e pOl' Martin Wagner esta 0 postula-

, do da negatividade ern absolute da Grossstadt. A Siedlung e , porranto, um

'oasis de ordern , urn exernplo de COmo se torna possrvel, atraves das organi-

zacoes da classe operaria, propor urn rnodelo alternativo de desenvolvimento

urbane, urna utopia realizada Mas essa mesma Siedlung contrapoe declara-

damente 0 modelo do '<campo» ao da grande cidade. E Tennies contra Sirn-

mel e Webert"). A tecnologia renovada dos estaleiros de const rucao civil de

Frankfurt , por Ernst May, insiste nurna proposta globalmente antici tadina.

Assim, naqueles bai rros e legfvel a intencao de unir solidamente 0 desenvol-

vimento dos novos sistemas de producao na const rucao civil a uma organiza-~ ao fragmentada e estatica da cidade

o que nao esta parado, A cidade do desenvolvimento njio aceita

«equilfbrio» no s eu se io : ta mbe rn a ideologia do equilfbrio se revel a politica-mente desastrosa.

Convem em todo 0 caso referi r que as utopias antiurbanas tern um a

continuidade historica, que vai das propostas iluministas -e, a proposito,

nao se deve esquecer que as prirneiras teorias anarquistas sobre a necessida-de de urna «dissolucao das cidades» surgem precisamente na segunda meta-

de do seculo dezoitot?') - a teoria da cidade-jardim, ao desurbanisrno 50-

vietico , ao regionalismo da Regional Planning Association of America

(RPAA), ii Broadacre City de Frank Lloyd Wright. Do ant i-industrial ismo

(m) 0 volume de Ferdinand Tunnies, Gemeinschait und Gesellschajt [Comunidade e Sociedade],

e publicado ern 1887,mas com a sua propaganda nosralgica a «comunidade originari a». contra "sociedade organizada, exprirne uma ideologia que se ra apropriada pela urbamsuca de entre asduas guerras, para alern das tendencias populisras dos anos 50 ,

C ') DO maximo interesse, sobre esta materia, e 0 volume de William Godwin, Enquiry Cancer-

nillg Poli tical Justice, Londres 1793, no qual 0racionalisrno i luminisra e levado ao ponto de pro-

II I

Page 7: TAFURI - Projeto e Utopia capítulo V

5/9/2018 TAFURI - Projeto e Utopia cap tulo V - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/tafuri-projeto-e-utopia-capitulo-v 7/8

1/~ Il"LAG ENGLERT VNO ICHLOISER IN fR ANK fURT AM MAIN

d <n\

0\

~i<-

0"'1

~

~. .""" " " '< r

-J,

.;::t

d

17- Capa da rcvista «Das neue Frankfur t", 1929, n." 7-8, dedicada aos trans-

partes.

82

j effersoniano , manifestamente influenciado pelas teorias fisiocraticas france-

sas, ao Auflosung der Sti id te cleBruno Taut, explicitamente referido ao pen-

sarnento de Kropotkin, ao modelo da Siedlung (heranca de propostas oito-

centistas), em Broadacre aquilo que se exprirne e uma profuncla nostalgia

pela «comunidade organica» de Tonnies, pela sei ta religiosa alheia a organi-

zacoes externas, por urna comunhao de individuos que nao conhecarn a an-

gustia da alienacao metropolitana.

E certo que a ideologia antiurbana se apresenta sempre com um rostoanticapital ista, quer se trate do anarquismo tautiano, quer do social isrno el i-

co clos desurbanistas sovieticos, quer das libertinagens dornesticas de

Wright(2). Mas a sua revolt a angustiada contra a «metropole desumana»,

dominada pelo fluxo cia corrente rnonetaria, nao passa, af inal, de nostalgia,

de recusa des niveis mais elevados cia organizacao capitalista, de aspiracao a

regress6es a infancia da humanidade. E quanclo essa icleologia se insere

numa perspectiva avancada de reorganizacao cia construcao residential e c1e

reestruturacao territorial - como e 0 caso da RPAA(3) - esta inevitavel-

mente destinada a ser reabsorvida e deformada pelas contingentes exigencias

das medidas anticonjunturais: a pol itic a territorial irnpulsionada pelo New

Deal nao satistara as expectativas de Henry Wright, Clarence Stein, nem de

Lewis Mumford.

omodelo do «paese» articulado regionalmente - retomado ap6s1945

em Italia com explicitas tonalidacles populistas - nao subsiste perante a

nova dirnensao urbana subsequente aos novos nfveis de organizacao produti-

va. A aspiracao a Gemeinschaft, a comunidade organica, nao por acaso tam-

bern tao viva DOpensamento das esquerclas alernas dos aDOS20, esta clestina-

da a sucumbir, como hip6tese sem possibilidade de exito, perante a Gessel-schaft , 0 elo irnpessoal-alienado da sociedade organizada na e pela grande

metr6pole.

Esta ultima, par sua vez , ao pretender estender a toclo a territorio os

seus modos de existencia, coloca 0 problema cia espiral desenvolvimento-de-

sequilfbrio: as teorias clo plano baseadas na hip6tese c10 reequilfbrio - com

jectar uma sociedade na qual 0 cstado e dissolvido e os individuos - guiados por urna raison

autolibertadora - sao reunidos ern pequenas comunidades, privadas de leis e de instituicoes cs-taveis. err. G _ O _ H _ Cole, Socialist Thought: the Forerunners (I789-J850), Macmillan, Londres

1925_

( 7 2 ) Sobre a ideologia wrightiana da «wilderness" c da anticidade , cfr. Edgar Kaufmann jr.,

Frank Lloyd Wright : the l lth. Decade, «Architectural Forum», CXXX, 1969, n." 5; Norris K.

Smith, F . L/. Wrigh t. A S tudy in Arch it ec tura l Conten t, Prent ice Hal l Inc. , Englewood Cl iffs (N.

J.) 1966 ; Reiner Banharn, The Wi lderness Year s o f Frank Lloyd Wrigh l, "RIBA Journa l», 1969,

Dezernbro, e principalmente Giorgio Ciucci, Frank Lloyd Wrigh l, J908-1938, dal la c ri si a t mi to ,

«Ange lus Novus» 1971, n." 21, pp. 85- 117.

('l) Sobre a ac tividade da Regional Planning Assoc iat ion of America, clr. Roy Lubove, Commu-

n it y Planning in the 1920's .· t he Cont ribu tion of RPAA , Univers ity of Pittsburgh Press , Pit tsburgh

1963. e Mel Sco tt , American City Planning since 1890, Unive rs ity of Cal ifo rn ia P re ss , Be rkeley c

Los Angeles 1969. Sobre a actividade e sobre 0 si gnificado hisrorico da RPAA. cfr. F. Dal Co,

Dai parchi alia regione, in La dud americana dalla guerra civil e al New Deal, Laterza, Rorna-

Bari 1973, pp. 149 e scgs.

83

Page 8: TAFURI - Projeto e Utopia capítulo V

5/9/2018 TAFURI - Projeto e Utopia cap tulo V - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/tafuri-projeto-e-utopia-capitulo-v 8/8

18- Karl Schneider, bloco residcncial «Raurn», na Jarrestrasse de Hamburgo,

1929. Em cirna , axometria e tipos de const rucao; em baixo, fotografia do con-

junto realizado.

84

as sovieticas a cabeca - acabarao tarnbern por ser revolucionadas apos a

grande crise de 1929.

A improbabilidade, a poli funcionalidade, a multiplicidade e a desorga-

nicidade , em todos os aspectos cont radit6rios assumidos no seio da moderna

metr6pole terciaria , mantern-se assim alheias a s tentativas de racionalizacao

da arquitectura centro-europeia.

8 S