table of contents - cio à edição eletrônica este ebook que você...

176

Upload: ngokiet

Post on 20-Mar-2018

219 views

Category:

Documents


3 download

TRANSCRIPT

Page 1: Table of Contents -  cio à edição eletrônica Este ebook que você tem em mãos é a versão eletrônica, com pequenas modificações, do texto apresentado como dissertação
Page 2: Table of Contents -  cio à edição eletrônica Este ebook que você tem em mãos é a versão eletrônica, com pequenas modificações, do texto apresentado como dissertação

3

4

5

6

11

12

26

40

56

57

72

93

110

111

124

141

159

164

171

Table of Contents

Copyright

Preface

About the author

INTRODUÇÃO

PRIMEIRA PARTE REESTRUTURAÇÃO PRODUTIVA E REORGANIZAÇÃO ...

Capítulo I - O impacto da globalização no mercado ...

Capítulo II. Organização do Trabalho e Regime ...

Capítulo III. Reestruturação Produtiva e Mercado ...

SEGUNDA PARTE TERCEIRIZAÇÃO E TRABALHO

Capítulo I – Questões Gerais sobre a Terceirização ...

Capítulo II – Terceirização e o Direito do Trabalho ...

Capítulo III – Terceirização e Intermediação de ...

TERCEIRA PARTE INTERMEDIAÇÃO DE MÃO DE OBRA E ...

Capítulo I. A intermediação de mão de obra como ...

Capítulo II. A intermediação de mão de obra como ...

Capítulo III. A intermediação de mão de obra como ...

CONCLUSÃO

POSFÁCIO

BIBLIOGRAFIA

2

Page 3: Table of Contents -  cio à edição eletrônica Este ebook que você tem em mãos é a versão eletrônica, com pequenas modificações, do texto apresentado como dissertação

Copyright

Author

Rodrigo de Lacerda Carelli

Editor

edição do autor

Copyright © 2014 [Rodrigo de Lacerda Carelli]

First Published using Papyrus, 2014

ISBN : [85-7147-320-X]

3

Page 4: Table of Contents -  cio à edição eletrônica Este ebook que você tem em mãos é a versão eletrônica, com pequenas modificações, do texto apresentado como dissertação

Prefácio à edição eletrônica

Este ebook que você tem em mãos é a versão eletrônica, com pequenasmodificações, do texto apresentado como dissertação para obtenção dotítulo de mestre na Universidade Federal Fluminense, no ano de 2002. Delá para cá, passaram-se dez anos, mas a situação é basicamente amesma: a precarização com a intermediação de mão de obra, fantasiadade terceirização, continua a pleno vapor e o empresariado tenta a todomomento intensificar o processo. A dissertação se transformou em livro,já há muito esgotado.

O momento para esta edição virtual não poderia ser melhor. O debatehoje migrou do Congresso Nacional para o Supremo Tribunal Federal, naintenção dos empresários de utilização do Poder Judiciário para alcançaro que não conseguiu pelos meios políticos tradicionais.

Entendo que a obra é atual e pode ajudar no debate, mesmo que osdados encontram-se um tanto datados.

O quadro, no entanto, como já se disse, não foi alterado. O que érealmente uma lástima. A luta, por incrível que pareça, no momentodesta edição eletrônica, é de manutenção da derrota por poucos gols. Élutar para que a derrota não seja uma acachapante goleada. É brigarpara que haja menos mortos na guerra. Infelizmente a sociedadebrasileira está longe de vencer essa contenda.

4

Page 5: Table of Contents -  cio à edição eletrônica Este ebook que você tem em mãos é a versão eletrônica, com pequenas modificações, do texto apresentado como dissertação

Sobre o autor

O autor é Procurador do Ministério Público do Trabalho no Rio deJaneiro e Professor Adjunto de Direito do Trabalho da FaculdadeNacional de Direito/Universidade Federal do Rio de Janeiro. Mestre emDireito e Sociologia pela Universidade Federal Fluminense, Doutor emCiências Sociais pelo IESP/UERJ.

5

Page 6: Table of Contents -  cio à edição eletrônica Este ebook que você tem em mãos é a versão eletrônica, com pequenas modificações, do texto apresentado como dissertação

INTRODUÇÃO

A terceirização é instrumento que vem sendo utilizado em larga escalapelos empresários, com vistas à redução de custos, maior produtividadee melhor gerência de seu produto, gerando intensa modificação nasrelações empregado-empregador, ocasionando também, por sua vez,grande precarização nas condições de trabalho e diminuição de direitostrabalhistas.

Há, por outro lado, uma visão distorcida e às vezes equivocada no meiojurídico e sociológico pátrio acerca deste instituto, devendo serclareadas as razões jurídicas da ilegalidade de contratação por empresainterposta.

Apontada como moderna forma de estruturação das empresas,indispensável para a competitividade empresarial em temposglobalizados, denuncia-se, por outro lado, a terceirização como fator deprecarização do trabalho, denúncia esta realizada por sindicatos em todoo País, como noticiado fartamente na grande imprensa.

O crescimento da utilização de tal instrumento, na maioria das vezes deforma equivocada, tendo como característica a mera utilização de mãode obra fornecida por empresa agenciadora, faz com que empresas degrande porte passem a ter um percentual bastante elevado detrabalhadores denominados “terceirizados”, ou seja, com estatutodiferenciado dos seus trabalhadores tidos como “efetivos”, alterando deforma substancial o quadro da organização do trabalho intrafabril.

O quadro extrafabril também é modificado, pois, aparentemente, há umaumento do número de trabalho no setor de serviços, ocasionado pelamigração advinda do “downsizing” realizado no setor de produção. Nãose trata de solução mágica, mas sim de mera utilização do fenômeno deterceirização como mero fornecimento de mão de obra.

6

Page 7: Table of Contents -  cio à edição eletrônica Este ebook que você tem em mãos é a versão eletrônica, com pequenas modificações, do texto apresentado como dissertação

A verificação de que algo está errado pode ser realizada a partir daprincipal argumento para utilização do instrumento pelo empresariado:a redução de custos. Ora, o intuito de redução de custos na terceirizaçãoé incompatível com a própria ideia do instituto. Isso porque nunca, aprincípio, pode haver redução de custos na terceirização, pois ela implicanecessariamente em exercício de atividade econômica por outraempresa, que pressupõe, logicamente, a busca de lucros. Assim,terceirizando uma atividade para ser realizada por outra, obviamentealém do pagamento do pessoal desta, deverão ser pagos o lucro ecustos operacionais (incluindo aí tributos e encargos sociais) da empresainterposta, não tendo como obter, matematicamente, a redução decustos almejada. O que pode haver é melhoria de qualidade econsequentemente um aumento nos lucros e maior competitividade,mas nunca redução de custos, que só seria obtida pela precarização dotrabalho humano, seja nas condições desse trabalho, seja no nãopagamento das verbas trabalhistas.

O principal objetivo deste trabalho, então, que se toma como hipótesecentral, é a demonstração da distinção entre terceirização eintermediação de mão de obra, muitas vezes olvidada tanto pelosmanejadores do Direito quanto pela Sociologia, bem como pelo próprioempresariado, que se utiliza muitas vezes da segunda pensando se tratardaquele instituto da ciência da Administração. O primeiro instituto, aprincípio legal, esbarra em sua utilização na forma do segundo, ilegalsegundo o Direito do Trabalho. Assim, discutir-se-á a diferença existenteentre a terceirização aceita pelo Direito do Trabalho, aquela entrega deserviços acessórios e complementares à atividade comum e própria daempresa, com a mera intermediação de mão de obra, ilícita noordenamento jurídico pátrio e razão de repugnância em toda a doutrinade Direito do Trabalho no mundo todo.

Pretende demonstrar o trabalho, outrossim, as consequências dautilização da intermediação de mão de obra sobre o trabalho, quasesempre danosas para os trabalhadores, tanto individual quantocoletivamente.

Serão utilizados dados práticos demonstradores da realidade nautilização da intermediação de trabalhadores no mercado de trabalhobrasileiro. Não se trata aqui, porém, de uma pesquisa empírica, ou um

7

Page 8: Table of Contents -  cio à edição eletrônica Este ebook que você tem em mãos é a versão eletrônica, com pequenas modificações, do texto apresentado como dissertação

estudo de caso. Trata-se de um trabalho teórico, no qual são utilizados,para fins de ilustração e melhor compreensão da proposição, casospráticos, em sua maioria advindos da experiência profissional do autor,Procurador do Trabalho, atuando na Procuradoria Regional do Trabalhoda 1ª Região (Rio de Janeiro), na Coordenadoria de Defesa dos DireitosDifusos, Coletivos e Individuais Homogêneos (CODIN). Esses casospráticos serão retirados dos instrumentos que se utiliza o MinistérioPúblico do Trabalho para a investigação de irregularidades que atingema coletividade trabalhadora, que são o Procedimento Preparatório deInquérito Civil, denominado durante o trabalho de “PP”, e o InquéritoCivil, “IC”.

Aquele é o instrumento utilizado pelo Ministério Público no início dasinvestigações, quando a existência, a extensão e a materialidade dairregularidade ainda não estão totalmente verificadas. O segundo éutilizado quando a irregularidade já está com seus traços mais nítidos, eseu principal objetivo é o levantamento do maior número de provaspossíveis para a possível propositura de futura Ação Civil Pública, ou aassinatura de Termo de Compromisso de Ajustamento de Conduta,instituto para a submissão voluntária do investigado aos ditames legais.

Assim, basear-se-á o trabalho nos casos surgidos no Estado do Rio deJaneiro, local de atuação profissional do autor, não ficando, porém,restritos os dados às investigações realizadas especificamente peloautor, sendo colhidos de todas as investigações realizadas pelosProcuradores com atuação na Coordenação de Defesa dos DireitosDifusos, Coletivos e Individuais Homogêneos no Estado.

Como salientado, tais dados serão em sua maioria retirados da atuaçãodo Ministério Público do Trabalho, no entanto também serão utilizadasoutras fontes, como jornais e revistas, além de documentos sindicais.

Como a terceirização é um instrumento da ciência administrativautilizado mundialmente, partir-se-á inicialmente, na primeira parte doestudo, para a análise da conjuntura global e suas consequências nareestruturação do mercado de trabalho. Ali será estudado o fenômenoconhecido como globalização e seu impacto no mercado de trabalho.

Tomando por base a mudança de paradigma no regime de acumulaçãodo capital, e sua consequente reestruturação do mercado de trabalho,para a compreensão da hipótese a ser sustentada será necessária a

8

Page 9: Table of Contents -  cio à edição eletrônica Este ebook que você tem em mãos é a versão eletrônica, com pequenas modificações, do texto apresentado como dissertação

abordagem do paradigma de estruturação do mercado de trabalhoanteriormente utilizado, denominado em termos gerais de Taylorismo-Fordismo, e a análise do atual, pós-fordista, conjuntamente com oregime de acumulação de capital de cada época. Analisar-se-á, damesma forma, as características do mercado de trabalho nessa novaconjuntura, bem como as novas formas de trabalho que surgem, dentreelas a terceirização, objeto do presente estudo.

A análise da mudança do paradigma da estruturação da produção édeterminante para o bom entendimento do presente estudo, pois aterceirização é fruto direto dessa mudança de paradigma, sendo,portanto, indispensável abordar a reestruturação produtiva ocorrida nasúltimas décadas.

Na Segunda Parte deste trabalho será analisado maisaprofundadamente o próprio fenômeno da terceirização, e sua relaçãocom o trabalho. Primeiramente será perseguida a própria compreensãodo fenômeno, a sua natureza e posição científica, para depois serembuscadas, após o momento em que se analisará como se estrutura osistema protetivo trabalhista, as implicações da terceirização no próprioDireito do Trabalho.

Após esta análise, passaremos a verificar como o Direito do Trabalhopátrio se porta perante o fenômeno, a partir de suas vertentesdoutrinárias, jurisprudenciais e legislativas, as quais, como veremos,tomam posições às vezes contraditórias e em sua maioria sem umarobusta e coerente fundamentação científica.

Para finalizar esta parte, abordar-se-á a hipótese principal do presentetrabalho, que é a diferenciação entre terceirização e intermediação demão de obra, elaborando-se os elementos pelos quais pode serevidenciada a utilização, sob a forma de terceirização, de uma meraintermediação de mão de obra, ilegal e ilegítima perante o sistemajurídico e social trabalhista. Pretende-se, com isso, pôr fim à anomiaexistente e à relativa confusão gerada pelas proposições até agoravigentes.

Na terceira parte, consequência da clivagem realizada entre terceirizaçãoideal e intermediação de mão de obra, será buscado demonstrar asnefastas implicações trazidas por esta última, que serão repartidas entretrês principais: causa de ruptura no sistema trabalhista, determinadora

9

Page 10: Table of Contents -  cio à edição eletrônica Este ebook que você tem em mãos é a versão eletrônica, com pequenas modificações, do texto apresentado como dissertação

principal de precarização do trabalho humano, bem como fator desegregação no trabalho e exclusão social.

Assim, o estudo estará encerrado com a visão completa, conjuntural eespecífica, do fenômeno terceirização na sua feição patológica deintermediação de mão de obra, absolutamente prejudicial aostrabalhadores e muito vantajosa imediatamente aos empregadores.

O que se busca aqui é colocar uma luz sobre o problema, tentandoajudar na busca de trabalho digno para o ser humano e o mínimo derespeito que ele mereça enquanto tal.

10

Page 11: Table of Contents -  cio à edição eletrônica Este ebook que você tem em mãos é a versão eletrônica, com pequenas modificações, do texto apresentado como dissertação

PRIMEIRA PARTE

REESTRUTURAÇÃO PRODUTIVA EREORGANIZAÇÃO DO MERCADO

DE TRABALHO

O capitalismo não se estrutura mais, ao menos idealmente, como seorganizava no início do Século XX. Com isso, reorganiza-se o mercado detrabalho, sendo ajustado ao novo modelo de acumulação do Capital.Para se entender esta reestruturação, começamos no capítulo I a deitarconsiderações sobre o momento atual de grandes mutações, definidoglobalização, verificando também a ideologia utilizada neste momentode substanciosa mudança na vida cotidiana das pessoas e sua influênciano mundo do trabalho. No capítulo II, para melhor compreensão dofenômeno ora estudado, verificaremos como era estruturado o trabalhono início do século XX, pelos movimentos chamados Fordismo eTaylorismo, preponderantes até aproximadamente o terceiro quarto doséculo passado. No capítulo III estudamos a passagem para as novasestruturas, denominadas pós-fordistas, e a nova modelagem do trabalhopor elas acarretada. Com isso, teremos visto toda a formatação atual dotrabalho, em termos idealísticos mundiais.

11

Page 12: Table of Contents -  cio à edição eletrônica Este ebook que você tem em mãos é a versão eletrônica, com pequenas modificações, do texto apresentado como dissertação

Capítulo I - O impacto daglobalização no mercado de trabalho

“It's the end of the world as we know it.It's the end of the world as we know it.It's the end of the world as we know it and I feel fine.” (canção do grupo norte-americano R.E.M, “It’s the End of theWorld as we know it (and I feel fine))

“A che ora è la fine del mondo?A che ora è la fine del mondo?A che ora è la fine del mondo?Macellai da DisneylandChe rete è? Che ora è?Che rete è? Che ora è?A che ora è la fine del mondo?Posso salutar mammà?A che ora è la fine del mondo?Posso salutar papà?A che ora è la fine del mondo?Posso salutar Fefè?A che ora è?”(versão do cantor italiano Luciano Ligabue sobre a mesmacanção)

“Vivemos em um mundo globalizado”. Esta expressão temos ouvido emtoda parte. De toda sorte, não deixa de ser verdade, sendo que o fato deestar o mundo “globalizado” deita influência em todos os aspectos davida humana, não tendo por quê não exercer determinante carga sobre oaspecto que toma o trabalho atualmente. Destarte, veremos a definição

12

Page 13: Table of Contents -  cio à edição eletrônica Este ebook que você tem em mãos é a versão eletrônica, com pequenas modificações, do texto apresentado como dissertação

de globalização, para melhor entendimento do fenômeno, após o quêveremos a posição ideológica dominante do capitalismo atual, paraentão verificarmos como se posta o trabalho perante todo esse contexto.

1 - Definindo a globalização

Definir globalização: eis tarefa das mais árduas, com o que concordamos grandes autores. Páginas e páginas foram escritas, obras desociólogos famosos, como Ulrich Beck (1999), trouxeram essa difícilquestão: O que é globalização?

Hoje não se fala sobre outra coisa. Qualquer atitude que se toma,qualquer consequência boa ou nefasta explica-se como um efeito daglobalização. Está na boca de todos, às vezes tratada como a redençãodo mundo, porém na maioria das vezes tratada como um de seusmaiores males. Mas o que será esse fenômeno, que nem quanto aonome estão de acordo as pessoas (já que os franceses a chamam demundialização (“mondialisation”))? Qual a causa da dificuldade nessadefinição?

Multifacetada, multidimensional, dinâmica, ambígua, fluida, dialética,fragmentada. Estes são alguns dos adjetivos dados à globalização natentativa de explicar a dificuldade em defini-la. De fato a mundialização(1) é um fenômeno que detém todos esses adjetivos, fazendo-a de difícilconcepção, devido à sua extensão e à profundidade com que age sobretudo e todos.

Para Jonathan Perraton, economista britânico, globalização é “umprocesso histórico o qual engendra uma mudança no alcance espacialdas redes e sistemas das relações sociais para modos de organizaçãohumana, atividade e exercício do poder social para transcontinental (ouinterregional) (PERRATON, 2000, p. 128).”

Este conceito é mais bem explicado pela definição de Anthony Giddens(1991, p. 69), apesar de irem na mesma direção: “A globalização podeassim ser definida como a intensificação das relações sociais em escalamundial, que ligam localidades distantes de tal maneira queacontecimentos locais são modelados por eventos ocorrendo a muitasmilhas de distância e vice-versa.” E, explicando seu conceito, afirma que“A estrutura conceitual tempo-espaço dirige nossa atenção às complexasrelações entre envolvimentos locais (circunstâncias de co-presença) e

13

Page 14: Table of Contents -  cio à edição eletrônica Este ebook que você tem em mãos é a versão eletrônica, com pequenas modificações, do texto apresentado como dissertação

interação através de distância (as conexões de presença e ausência). (...).A globalização se refere essencialmente a este processo dealongamento, na medida em que as modalidades de conexão entrediferentes regiões ou contextos sociais se enredaram através dasuperfície da Terra como um todo.”

Assim, tomamos então os dois elementos centrais na conceituação daglobalização: o binômio local/global e o alongamento tempo-espaço (2).

A dialética entre os polos local e global é característica básica efundamental para o entendimento do fenômeno. Fatos em um ponto domundo, como a queda da bolsa de Tóquio, atingem ponto do outro ladodo globo, como um pequeno botequim no interior do Ceará, em questãode horas. Um fato local, por sua vez, como a quebra de um banco emLondres, faz mudar a vida de pessoas comuns no interior da África, emum país dependente de empréstimos exteriores. Porém, fica difícilinclusive destacar a qualidade de local ou global de determinado fato,como afirma Bruno Latour: “assim os termos local e global oferecempontos de vista sobre os fatos, que não são nem locais nem globais, massimplesmente mais ou menos amplos e mais ou menos conexos.”(LATOUR apud BORGHI, 1998, p. 75). Essa dialética entre o local e globalrecebe termos diversos, como “sincretismo” (Vasantkumar) – interfaceentre culturas onde não se aceita automaticamente, mas se selecionam,multiplicam e recombinam as interferências, “hibridação” (NederveenPieterse e Rowe) – as formas se separam da prática existente erecombinam-se com novas formas em nova prática, “ocidentalização”(Canevacci) – ideia homologante e entrópica de domínio cultural centralsobre a cultura periférica, “glocalização” (Bonomi e Robertson) –sincretização seletiva e reelaboração de elementos provenientes decontextos externos e “crioulização” (Hannerz) – a confluência e ainteração entre diversas realidades históricas e culturais, gerandoculturas “crioulas”, fazem as culturas reelaborarem suas própriastradições. Cada um opta, como se percebe, por dar uma visão diversa dofenômeno, uns autores notando a verdadeira confluência e mistura entreas culturas periféricas e centrais, já outros entendendo comocolonização da periferia pelas sociedades centrais.

O importante, como são testemunhas todos esses rótulos, é a existênciade um incrível cruzamento de culturas e fatos, que fazem o mundo que

14

Page 15: Table of Contents -  cio à edição eletrônica Este ebook que você tem em mãos é a versão eletrônica, com pequenas modificações, do texto apresentado como dissertação

vemos hoje diferente do que existia.

E isto é causado, com certeza, pelo inacreditável desenvolvimento dosmeios de comunicação e locomoção, que resultam no deslocamentotempo-espaço, o segundo elemento importante em nossa definição.

Aqui vale abrir um parêntese, a fim de ressaltar a impropriedade dealguns autores citarem como início da globalização épocas passadas,como a formação dos antigos impérios, os grandes descobrimentos doséculo XV e outros fatos posteriores (FARIA, 1999, p. 60). Na verdade, nãohá base mínima para comparar essas épocas e esses acontecimentoscom o que acontece atualmente, onde se sobressai a rapidez e aprofundidade com que ocorrem as influências e as mudanças nas vidasdas pessoas, ocasionadas pelo deslocamento tempo-espaçoproporcionado pelos meios de comunicação surgidos no transcurso doSéculo XX e massificados no final desse Século. No século XV, ou mesmosem necessitar retroceder-se tanto, no século XIX, um acontecimento naEuropa levava meses para ser conhecido no Brasil, enquanto que hoje,uma notícia de qualquer parte do mundo chega em terras brasileiras emtempo real, via internet. Também a notícia daquele acontecimento nãochega à quantidade, mesmo em termos proporcionais, de pessoas quese faz saber hoje. No século XVIII, demorava-se quase um mês pararealizar a travessia do Oceano Atlântico, sendo que hoje se faz empoucas horas, podendo realizar no mesmo dia uma viagem aéreaAmérica-Europa. Esse é um erro comum dos cientistas de várias áreas,de buscar antecedentes remotos e vislumbrar neles a já existência dofenômeno, sem levar em conta a sua densidade e intensificação. Narealidade, historicamente falando, os acontecimentos nunca sãoisolados, sendo encadeamentos que se multiplicam em caminhosdiversos com origens comuns.

Retornando ao eixo de nossa argumentação, essa citada rapidez edensidade proporcionada pelos novos meios de comunicação, comotelefone, televisão, internet e transporte, como o automóvel e o avião,realiza o deslocamento do tempo-espaço.

Anthony Giddens (1991, p. 29) chama esse fenômeno de desencaixe, oqual é definido como “deslocamento das relações sociais de contextoslocais de interação e sua reestruturação através de extensões indefinidasde tempo-espaço”.

15

Page 16: Table of Contents -  cio à edição eletrônica Este ebook que você tem em mãos é a versão eletrônica, com pequenas modificações, do texto apresentado como dissertação

O desencaixe do espaço-tempo também é tratado por David Harvey(2000, p. 257), fazendo este autor ligação íntima desse acontecimento,chamado por ele de compressão espaço-tempo, com a pós-modernidade.

Afirma que a diminuição vertiginosa do tempo de giro do capital, àsvezes até a 24 (vinte e quatro) horas, tem “influência particular nasmaneiras pós-modernas de pensar, de sentir e de agir” (HARVEY, 2000, p.258). E aduz entre as suas consequências a de “acentuar a volatilidade eefemeridade de modas, produtos, técnicas de produção, processos detrabalho, ideias, ideologias, valores e práticas estabelecidas. A sensaçãode que ‘tudo o que é sólido se desmancha no ar’ raramente foi maispervasiva”.

Causa importante na compressão do tempo-espaço, indispensável paraa caracterização da globalização, é o progresso incomensurável e radicaldos meios de transporte e comunicação. Zygmunt Bauman (1999, p. 15)nota que o último quarto do Século XX pode vir a ser conhecido como oda “Grande Guerra de Independência em Relação ao Espaço”, época queas empresas são situadas independentemente de sua origem ou públicoconsumidor alvo e há o fim da relação fixa entre a distância e o tempo(dependendo o tempo para cumprir a distância mais do custo do que dequalquer outro fator). Bauman (1999, p. 22), inclusive, salienta “aseparação dos movimentos da informação em relação aos movimentosdos seus portadores e objetos”.

A rede mundial de computadores, a Internet, é a grande responsável poreste último fenômeno, por poder disponibilizar toda a informaçãoexistente no mundo instantaneamente, e a baixo custo, a qualquerpessoa em qualquer parte do planeta (BAUMAN, 1999, p. 23). Com oschamados “e-books” (ou livros eletrônicos), os livros se desprenderam damatéria (o papel, no caso), sendo adquiridos via “net” em forma de “bits”,tornando sua difusão mais barata e mais rápida. Os grandes jornais detodo o mundo estão disponíveis em todo o planeta virtualmente, nomesmo momento, pela Internet, não necessitando mais do meio “papel”.Além disso, as relações humanas mudaram sensivelmente, tornando-seo computador (por intermédio da grande rede) um meio de trocas deexperiências e formação de amizades entre pessoas de todo o mundo,através dos “chats”, programas realizados para conversas entre

16

Page 17: Table of Contents -  cio à edição eletrônica Este ebook que você tem em mãos é a versão eletrônica, com pequenas modificações, do texto apresentado como dissertação

“internautas”. Inclusive foi criada uma nova forma de prática sexual, o“sexo virtual”. O correio eletrônico, ou “email”, modificou profundamentee para sempre o sistema de correspondência, pela sua instantaneidade,praticidade e relativa ausência de custos.

Como coloca Luis Carlos Fridman (1991, p. 93), “no mundo cosmopolita,cada vez mais pessoas estão regularmente em contato com outras quepensam de maneira diferente delas. Isso erode as tradições e asreferências que sustentavam particularidades culturais”. E continua: “ocosmopolitismo, segundo Giddens, é uma revolução global no modocomo pensamos sobre nós mesmos e no modo como formamos laços eligações com os outros. O sendo de individualidade e de identidade cadavez mais passou a se robustecer através da ‘democracia das emoções’ edo diálogo que rompe com os padrões referidos às instituiçõestradicionais”.

Esses dois avanços citados, relativos à evolução dos meios de transportee comunicação, realizaram, segundo Bauman (1999, p. 25), a “anulaçãotecnológica das distâncias temporais/espaciais”, ressaltando, todavia,que tal “emancipação” depende ainda da posição social e disposição derecursos financeiros. Entretanto, não podemos de forma alguma olvidarque o fator econômico e a condição pessoal sempre, em todos ostempos, estiveram presentes, seja para a locomoção pessoal ou a trocada informação, e talvez antes estes fatores eram até mais importantes,ainda mais se tomarmos em conta o escravismo ou a servidãoonipresentes em tempos passados. O enfoque que deve ser dado é queainda, em pleno terceiro milênio, não ultrapassamos, e, aparentemente,estamos longe de eliminar esta barreira.

Globalização, fenômeno atual de excepcional intensificação no nível derelações entre as pessoas, realiza mudanças de forma radical na vida depessoas comuns, não sendo estes câmbios, todavia, de modo uniformeou se dão de maneira instantânea. Entretanto, a faceta aqui esposadanão é a única da globalização, que pode ser vista sob outro prisma, queé da “globalização financeira”, e suas consequências ao mundounificado.

2 - Consenso de Washington - neoliberalismo e trabalho

A globalização, porém, tem outra dimensão, uma dimensão com fortecarga ideológica, que traz consequências inarredáveis à vida de todos. É

17

Page 18: Table of Contents -  cio à edição eletrônica Este ebook que você tem em mãos é a versão eletrônica, com pequenas modificações, do texto apresentado como dissertação

a chamada “globalização financeira”, que vem a ser a constituição de ummercado financeiro global, onde o capital livre de amarras circula pelomundo em busca de melhores oportunidades de lucro.

Segundo Milton Friedman (apud BAX, Internet), criador da “tese daglobalização”, esta teria três elementos:

“Primeiro, ela (a ideia de globalização) implica que na última década avelocidade e o volume do fluxo do capital internacional foisignificativamente incrementado. Segundo, que o número de lugarespotenciais de negócios para companhias que operaminternacionalmente tem crescido devido às inovações tecnológicas,notavelmente aquelas no campo da tecnologia da informação. Terceiro,que a competição internacional tem crescido, já que os antigos paísessocialistas agora ganharam acesso ao mercado mundial”.

Então, extraímos os três elementos básicos da globalização em suadimensão econômica: a transferência em volume e velocidades incríveisde capital, o aumento no número de locais possíveis para instalação deempresas no mundo inteiro e aumento da competitividadeinternacional.

Quanto à globalização financeira propriamente dita, verificamos que sedeve à potencialidade das novas tecnologias da comunicação. É o queobserva Gilberto Dupas (1999, p. 39):

“A revolução tecnológica atingiu igualmente o mercado financeiromundial, cada mercado passando a funcionar em linha com todos osoutros, em tempo real”.

Observando o quadro que nos traz David Harvey (2000, 153), verificamosgraficamente o que Dupas quer dizer. As bolsas de valores funcionamininterruptamente, vinte e quatro horas por dia, sendo que duranteaproximadamente seis horas, a maioria dos mercados está funcionandosimultaneamente. Com as inovações tecnológicas hoje existentes, aretirada de capitais de um mercado e a sua movimentação a outroocorre em frações de segundos. Com isso, podem ocorrer crisesinimagináveis e incontroláveis, que podem em questão de horas destruirou deixar em situação complicada um país, como ocorreu recentementecom os tigres asiáticos, o México, e que acontece com a Argentinaatualmente.

18

Page 19: Table of Contents -  cio à edição eletrônica Este ebook que você tem em mãos é a versão eletrônica, com pequenas modificações, do texto apresentado como dissertação

Benedict Anderson (apud BORGHI, 1998, p. 88) criou um termo que bemdefine o novo capital: “finanscapes”, o capital rápido e imperscrutávelnos seus movimentos. Harvey observa que grande parte “da fluidez e, àsvezes, da frenética instabilidade pode ser diretamente atribuída a estacapacidade acrescida de orientar os fluxos financiários de modo queparecem ignorar os limites de espaço e tempo que normalmentevinculam as atividades materiais de produção e consumo.” (apudBORGHI, 1998, p. 88)

Quanto ao segundo elemento da globalização econômica, verificamosque as empresas antigamente denominadas multinacionais, hojechamadas transnacionais, ignoram fronteiras, montando suas barracas(3) onde mais baixos custos operacionais e melhores subsídiosgovernamentais conseguirem, e fechando suas portas e batendo retiradaassim que essas condições não mais satisfizerem. Entre os mais baixoscustos operacionais inclui-se, como fator não subsidiário, mas como omais importante, o custo da mão de obra, incluindo encargos sociais,salários e flexibilização da legislação, principalmente quanto à dispensados trabalhadores. Assim, se entre a busca por melhores subsídiosgovernamentais induz a guerra fiscal entre os países, e mesmo entreestados dentro de uma mesma nação (vide os recentes fatos ocorridosno Brasil incluindo a guerra fiscal travada entre os estados da Bahia e do

19

Page 20: Table of Contents -  cio à edição eletrônica Este ebook que você tem em mãos é a versão eletrônica, com pequenas modificações, do texto apresentado como dissertação

Rio Grande do Sul, para a instalação de uma fábrica da indústriaautomotiva Ford), a busca por custos operacionais mais baixos induzuma corrida à flexibilização das legislações trabalhistas dos países, e oachatamento do nível salarial, visando a atrair ou simplesmente manteros investimentos das empresas, e consequentemente os empregos porestas oferecidos.

O terceiro elemento exposto por Friedman é o aumento dacompetitividade internacional, com a entrada de mais paísescompetidores, devido à abertura dos países da Europa Oriental, antessocialistas. Estes países, recém adeptos do capitalismo, detêmpopulação numerosa e ansiosa por oportunidades de investimento,consumo e consequentemente de trabalho. Portanto, trata-se de umnovo mercado consumidor e fornecedor. O mundo financeiro eeconômico globalizado agora está completo, e cada país atuando comoum mero coadjuvante (4), não detendo mais a autonomia de antes. Écomo explica Jurgen Habermas (2000, p. 105-106): “o sistema econômicointernacional, que via os estados fixarem os confins entre a economiainterna e as relações comerciais externas, no curso da globalização dosmercados dei mercati, em uma economia transnacional. Os elementosmais relevantes são a aceleração dos movimentos mundias de capital eo caráter imperativo das valorações expressas dos mercados financeirosglobais sobre as posições nacionais. Estes dados de fato explicam porque os atores estatais não são mais o ponto de ligação que há umtempo conferiam á rede global das trocas a estrutura de relaçõesinterestatais (ou internacionais). Hoje são, ao contrário, os Estados quedevem ser inseridos nos mercados, ao contrário das economiasnacionais a serem inseridas nas fronteiras do estado.”

Entretanto, esta não foi a única consequência trazida pela queda domuro de Berlim e do fim da cortina de ferro. Com o fim edesmantelamento do bloco socialista, o capitalismo perdeu a suasombra que o acompanhava como uma ameaça, tornando-sehegemônico e livre das ameaças que o cercavam e que o forçavam a nãopensar exclusivamente economicamente, e atuar também no nívelsocial. Sem o “perigo socialista”, o capitalismo abandonou os entravescriados pelo “Estado do Bem-Estar Social”, voltando suas atençõessomente para o Mercado. Assim, o projeto neoliberal pôde finalmente, esem vergonhas de se admitir como tal, espraiar-se pelo mundo, a ponto

20

Page 21: Table of Contents -  cio à edição eletrônica Este ebook que você tem em mãos é a versão eletrônica, com pequenas modificações, do texto apresentado como dissertação

de ser alçado ao nível de “consenso”: o chamado “Consenso deWashington”.

Esta expressão, que foi primeiramente cunhada em 1989 peloeconomista John Williamson para definir as suas dez recomendaçõespara os Estados que desejassem reformar sua própria economia,adquiriu, porém, uma autonomia invejável, sendo utilizada por todas asmatizes ideológicas, com significados às vezes divergentes, pois éutilizada para os escopos de cada lado do cenário político (NAIM, 2000).Segundo Boaventura de Sousa Santos, o “consenso econômiconeoliberal” “diz respeito à organização da economia global, incluindo aprodução, os mercados de produtos e serviços, os mercados financeiros,e assenta na liberalização dos mercados, desregulamentação,privatização, minimalismo estatal, controle da inflação, primazia dasexportações, cortes nas despesas sociais, redução do déficit público,concentração do poder mercantil nas grandes empresas multinacionaise do poder financeiro nos grandes bancos transnacionais. As grandesinovações institucionais do consenso econômico neoliberal são as novasrestrições à regulamentação estatal, os novos direitos internacionais depropriedade para investidores estrangeiros e criadores intelectuais e asubordinação dos Estados nacionais a agências multilaterais, como oBanco Mundial, o Fundo Monetário Internacional e Organização Mundialdo Comércio.” (SANTOS, 1999, P. 95-96)

Dentre essas regras neoliberais, a mais importante, sem dúvida, é aabertura dos mercados nacionais dos países de industrialização recenteaos países centrais, com a eliminação dos obstáculos ao comércio e aoinvestimento exterior. Entretanto, para o nosso tema em estudo, a maisrelevante regra é a da desregulamentação do mercado do trabalho, queanalisaremos a seguir.

3 - Globalização e mercado de trabalho

De fato, é intrínseco ao neoliberalismo e, consequentemente, ao“consenso de Washington”, a desregulamentação do mercado detrabalho, visando à entrada do Estado na globalização econômica. OMercado, com suas regras e sua inteligência inata, seria responsável pelajustiça distributiva. O trabalhador trataria seu trabalho como uma coisaposta à venda, e negociaria esta mercadoria como outra qualquer,submetendo-se à regra da oferta e da procura.

21

Page 22: Table of Contents -  cio à edição eletrônica Este ebook que você tem em mãos é a versão eletrônica, com pequenas modificações, do texto apresentado como dissertação

A desregulamentação é tratada pelos neoliberais como algo inevitável,pois imposto pela globalização. A globalização, trazendo o aumento donúmero de Estados prontos e sedentos para acomodar as plantasindustriais das empresas transnacionais, forçaria os Estados quedesejassem a vinda ou mesmo a manutenção dos postos de trabalhodessas empresas (como dito acima, as reais detentoras de poder nomundo globalizado), a desregulamentar seu mercado de trabalho,visando a redução de custos e aumento da competitividade, palavra-chave da economia globalizada.

Com certeza, as empresas transnacionais, na era da globalizaçãodesenfreada, estão livres das amarras e podem produzir virtualmenteem qualquer lugar do mundo para qualquer mercado consumidor,devido à diminuição dos custos de comunicação e transporte, pelautilização, na produção, de novas tecnologias (como visto acima), comotambém devido à flexibilidade de produtos garantida pela forma deorganização do trabalho e da produção denominado “Toyotismo” ou“Acumulação Flexível” (que veremos mais adiante). Assim, poderão elas,ao seu talante, escolher o país, ou mesmo a região dentro de um Estado,que lhes ofereça as melhores condições, em termos de custos, é claro. Acontinuação da proteção social estatal e a rigidez contratual trabalhista,segundo a concepção do “Consenso de Washington”, colocariam oEstado que as mantivessem, em termos de competitividade, fora domercado global, perdendo, com isso, os postos de trabalho, que sedeslocariam para um país onde a flexibilidade (ou precariedade?) fossemaior. É a denominada “concorrência internacional entre trabalhadores”direito (SANTOS, 1999, p. 100), ou concorrência pelo direito (JEAMMAUD,2000, p. 85).

Essas batalhas entre Estados (e trabalhadores) pelos investimentos epostos de trabalho e a luta pela competitividade, abririam espaço para aflexibilidade do mercado de trabalho, trazendo inevitavelmente aredução do custo (e do valor, obviamente) do trabalho humano, pormeio de redução ou exclusão de direitos com resultado salarial(gratificação natalina, horas extraordinárias, adicionais etc) e direitosderivados da relação de trabalho, porém sem resultado salarial (normasde proteção ambiental do trabalho, encargos sociais, seguros etc).

Para Boaventura de Sousa Santos (1999, p. 99-100), tais atitudes trazem

22

Page 23: Table of Contents -  cio à edição eletrônica Este ebook que você tem em mãos é a versão eletrônica, com pequenas modificações, do texto apresentado como dissertação

um profundo impacto no contrato social. Diz ele que “O impacto maisdecisivo reside no processo de dessocialização da economia, na reduçãodesta à instrumentalidade do mercado e das transações. (...) Comovimos, no modelo da contratualização social da modernidade capitalistao trabalho foi a via de acesso à cidadania, quer pela extensão aostrabalhadores dos direitos cívicos e políticos, quer pela conquista dedireitos novos específicos ou tendencialmente específicos do coletivo detrabalhadores, como o direito do trabalho e os direitos econômicos esociais. A erosão crescente desses direitos, combinada com o aumentodo desemprego estrutural, conduz à passagem dos trabalhadores de umestatuto de cidadania para um estatuto de lumpencidadania.” Afirma osociólogo lusitano que somente uma internacionalização do movimentosindical ou uma autoridade internacional eliminaria tal concorrênciaglobal de trabalhadores, mas na ausência de um e de outra, “aconcorrência internacional entre trabalhadores aumenta e, com ela, alógica da exclusão que lhe é característica.”

Destarte, o impacto inicial da globalização é o arrefecimento ou osurgimento da competição internacional dos trabalhadores, gerandouma precarização maior no trabalho humano, resultando umadebilidade na coesão social.

A concorrência pelo Direito, segundo Antoine Jeammaud (2000, p. 86),“potencializa o risco de um ‘dumping social’, cujos patrocinadores são ospróprios Estados, além de organizações sindicais que, para favorecer aimplantação da empresa em seu território, aceitam negociar emdetrimento de padrões já alcançados alhures (...). O dumping socialcorresponde, portanto, a uma desvalorização competitiva social.”

Concorda com essa visão e a multiplica Riccardo Petrella (2001), ao exporsobre os efeitos da globalização financeira e econômica, a qual chamade “expropriação do futuro do mundo”, chega a afirmar:

“Os fenômenos de expropriação se multiplicaram e ampliaram por todolugar. Expropriou-se : a pessoa humana de seus direitos fundamentais:tanto que como “recurso humano”, ela não tem o direito à existência anão ser que em função de sua rentabilidade e disto que se chama agorade “empregabilidade”, conceito que substituiu aquele de “Direito aoTrabalho”; a sociedade de sua razão de ser tanto como sistema deorganização e de valorização dos liames interpessoais e

23

Page 24: Table of Contents -  cio à edição eletrônica Este ebook que você tem em mãos é a versão eletrônica, com pequenas modificações, do texto apresentado como dissertação

interinstitucionais e das interações e transações correspondentes: ela foisusbstituída pelo mercado elevado ao nível de sistma assegurados daforma e da organização otimizada das transações entre os indivíduos ; otrabalho de seu papel de criação de valor e de história : “mercadoria”colocada em concorrência no mercado global, seu custo deve baixarsem cessar.”

Além da transformação do trabalho em mercadoria, a ser disputada apreços cada vez mais baixos entre os trabalhadores das diversas naçõesdo mundo, outras implicações tem o processo de globalização notrabalho humano.

Uma dessas implicações é por Antoine Jeammaud (2000, p. 75-92)denominada de “esfacelamento jurídico da coletividade do trabalho”.Segundo o jurista francês, a mundialização traz a existência, dentro deuma mesma empresa, não de uma coletividade do trabalho, mas dediversas coletividades de trabalho, não só devido ao surgimento devários estatutos jurídicos (empregados a tempo determinado,temporários, trabalhadores terceirizados, empregados a tempoindeterminado etc), mas como trabalhadores internacionais que estãosubmetidos a regramentos jurídicos diferentes (trabalhadores queexercem suas atividades em mais de um país, aqueles contratados emum país e trabalhando em outro etc). Com isso, o perigo da anomia econfusão jurídica cresce, além de aumentar a distância e desigualdadeentre os trabalhadores, prejudicando a regra isonômica.

Altera-se, nos tempos pós-modernos de globalização acelerada, não só aforma como se vê o trabalho e também como é organizado, surgindonova forma de organização do trabalho e da produção, com adenominada “Especialização Flexível” ou “Toyotismo”, que passamos aanalisar pormenorizadamente.

NOTAS:

(1) Utilizarei nesse trabalho ambos os conceitos, tratando-os comosinônimos.

(2) É importante, neste ponto, uma vez tomado o conceito de Giddens,ressaltar que as facetas econômica, financeira e ideológica daGlobalização, esquecidas pelo sociólogo britânico, serão mais à frentediscutidas. Neste primeiro momento, concentrar-nos-emos em sua

24

Page 25: Table of Contents -  cio à edição eletrônica Este ebook que você tem em mãos é a versão eletrônica, com pequenas modificações, do texto apresentado como dissertação

feição puramente sociológica.

(3) O termo “barracas” é aqui utilizado propositalmente com o fim desimbolizar a fácil montagem e desmontagem das atuais unidadesindustriais das empresas transnacionais, que se movem de um localpara outro do mundo com rapidez e facilidade assustadoras, nãofincando raízes em qualquer lugar que seja.

(4) Os Estados Unidos da América, talvez, seriam os únicos que poderiamestar fora dessa nova regra, entretanto, a ferocidade com que, porintermédio do Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial, o seugoverno pressiona aqueles dos países em dívida com bancostransnacionais, para que seus interesses sejam respeitados, parecedemonstrar a inserção na regra.

25

Page 26: Table of Contents -  cio à edição eletrônica Este ebook que você tem em mãos é a versão eletrônica, com pequenas modificações, do texto apresentado como dissertação

Capítulo II. Organização doTrabalho e Regime de Acumulação

“(...) a organização do trabalho é somente uma outra palavra paradesignar as formas de vida das pessoas comuns”. (Karl Polanyi, “A Grande

Transformação”)

Vista a conjuntura mundial, a partir das visões da globalização, em suasmúltiplas facetas, lançando luzes principalmente sobre a sua versãofinanceira e econômica, simbolizada pelo “pensamento único” geradopelo Consenso de Washington, chega a hora de verificar-se aestruturação do mercado de trabalho, a fim de entender a atual estruturadeste, criada pela mudança de paradigma e orientada pelo movimentocapitalista hodierno.

Assim, este capítulo é dedicado ao estudo das formas de estruturação daprodução, e consequentemente sobre as formas de organização dotrabalho preponderantes em quase três quartos do século XX. As ideiasde Taylor e Ford serão analisadas e discutidas, verificando a influênciadesses pensamentos em toda a organização do mercado de trabalho edo próprio espaço intrafabril. Por fim, estudaremos como se deu asuperação do paradigma fordista, lançando pistas sobre as causas epropósitos dessa mudança de comportamento no pensamentoindustrial.

1. Taylorismo

Frederick Winslow Taylor, engenheiro norte-americano nascido em 1856,faz publicar em 1911 sua obra “Os Princípios da AdministraçãoCientífica”, que viria a criar uma forma de organização do trabalhochamada de “Taylorismo”, ou “Administração Científica do Trabalho”.

Tendo sido desde operador de máquina e chefe de turma, passando por

26

Page 27: Table of Contents -  cio à edição eletrônica Este ebook que você tem em mãos é a versão eletrônica, com pequenas modificações, do texto apresentado como dissertação

chefe de manutenção, e chegando a engenheiro-chefe de uma indústriade aço norte-americana, a “Midvale Steel Company”, Taylor eraconhecedor de todas as funções dentro de uma unidade operacional, e,com esse conhecimento prático, aliado à observação e estudo daspráticas de trabalho, criou sua famosa e inequivocamente difundida“scientific management theory”. Conforme observou na fábrica de toda asua juventude e amadurecimento, os trabalhadores desenvolviam omesmo trabalho de modo diferente, um trabalhador utilizando-se deseus músculos mais eficazmente do que outro. Assim, Taylor entendeuque, se o trabalho de cada um fosse regulado de modo lógico, comoeram os movimentos das máquinas, obter-se-ia um incremento daprodução: “O dever da direção, foi a sua conclusão, devia ser aquele deindividualizar o modo melhor de fazer o trabalho, de fornecer osinstrumentos adaptados, e de treinar os trabalhadores a agirem emconformidade com instruções precisas” (KRANZBERG; GIES, 1991, p. 143).

Segundo Harvey, a base da teoria “taylorista” seria o radical aumento daprodutividade do trabalho “através da decomposição de cada processode trabalho em movimentos componentes e da organização de tarefasde trabalho fragmentadas segundo padrões rigorosos de tempo eestudo do movimento” (HARVEY, 2000, p. 121).

Com a organização do trabalho sendo totalmente decomposta, otrabalho a ser objetivamente realizado pelo obreiro seria totalmentepredeterminado pela gerência de administração, retirando-se toda equalquer autonomia do trabalhador, que se restringiria a cumprir osmovimentos pré-estabelecidos pelo empregador, tanto em relação àforma quanto ao tempo de cada operação. Quanto ao tempo, Taylorinsistia na sua importância, criando inclusive a função de“cronometrista” dentro da planta industrial, para a verificação documprimento do tempo estabelecido para as operações determinadas acada trabalhador. Como nos informa Richard Sennett, “Os infamesestudos de tempo-movimento de Taylor foram feitos com umcronômetro, medindo em frações de segundo quanto demorava ainstalação de um farol ou de um pára-choque” (SENNETT, 1999, p. 45). (1)

Era a transformação de homens em máquinas de trabalhar, como bemobservou Gramsci (2). A transformação do trabalhador em ser robotizadofoi bem exposta por Charles Chaplin, em seu crítico filme “Tempos

27

Page 28: Table of Contents -  cio à edição eletrônica Este ebook que você tem em mãos é a versão eletrônica, com pequenas modificações, do texto apresentado como dissertação

Modernos”. A esta mesma conclusão chegou Maria da Graça Druck(1999, P. 41):

“Este é o tempo em que os homens que vivem do trabalho precisam sertransformados ‘cientificamente’, a fim de que possam cumprir um papel-chave na base técnica e mecânica da produção industrial. Para algunsestudiosos, o taylorismo representa um tipo de mecanização sem aintrodução da maquinaria; ou seja, trata-se de ‘subsumir o trabalho aocapital’, através da expropriação do conhecimento dos trabalhadores, oque pode ser viabilizado pelo controle efetivo do capital sobre otrabalho, realizado na forma da ‘gerência científica’ e que tem como umdos fundamentos centrais a separação entre o trabalho manual e otrabalho intelectual”.

Desta exposição, podemos retirar outro ponto importantíssimo na teoriade Taylor: a separação entre o trabalho manual e o trabalho intelectual,com a expropriação do conhecimento dos trabalhadores. De fato, naépoca em que Taylor criou sua teoria, passagem do século XIX para o XX,as indústrias eram operadas por trabalhadores que se pareciam maiscom artesãos, com pleno conhecimento e domínio sobre o ofíciorealizado. Foram os trabalhadores, destarte, alijados de qualquer formade discricionariedade na realização das operações, que foi passada aosorganizadores e administradores da fábrica. Portanto, o trabalho manualé deixado aos trabalhadores do chão da fábrica, enquanto que todo otrabalho intelectual foi transferido para os altos empregados,engenheiros e administradores. Como afirma David Harvey, “a produçãode mercadorias em condições de trabalho assalariado põe boa parte doconhecimento, das decisões técnicas, bem como do aparelho disciplinar,fora do controle da pessoa que de fato faz o trabalho”.(DRUCK, 1999, p.119)

A visão de Antonio Gramsci desta alienação do trabalhador éimprescindível: “Uma incrementadamente perfeita divisão do trabalhoobjetivamente reduz a posição do trabalhador na fábrica paraincrementados movimentos “analíticos” de detalhe, que a complexidadedo trabalho coletivo passa a compreensão do trabalhador individual; naconsciência deste último, sua própria contribuição é desvalorizada aoponto onde parece facilmente substituível a qualquer momento” (2).Assim, a “coletivização” do saber dentro da fábrica tornaria os

28

Page 29: Table of Contents -  cio à edição eletrônica Este ebook que você tem em mãos é a versão eletrônica, com pequenas modificações, do texto apresentado como dissertação

trabalhadores totalmente substituíveis, diminuindo assim o valor de seutrabalho.

É, por outro lado, importante em Taylor a verificação da existência, e adiferenciação entre si, do trabalho real e do trabalho prescrito, tentandoimplantar um sistema no qual esses dois trabalhos se equivalessem, oque ocasionaria maior produtividade industrial. Coloca Taylor que umdos principais obstáculos à prosperidade é a “vadiagem no trabalho”,afirmando ser instituição generalizada nas indústrias da futebolística“cera” (DRUCK, 1999, p. 44).

Na realidade, a obsessão pela perfeição no aproveitamento dosmovimentos dos operários, juntamente com a retirada da subjetividadedo trabalhador na operação do seu ofício, acarretaram os maioresproblemas para a implantação da “gerência científica do trabalho”,devido às fortes resistências dos trabalhadores e sua insatisfação com otrabalho padronizado. Então, provou-se necessário que, para aimplantação do Taylorismo e sua aceitação por parte dos trabalhadores,seria necessário dar motivação aos operários, através de concessão devantagens. E deveria ser estabelecida na mente dos trabalhadores aassociação entre a concessão dessas vantagens com a eficiência daprópria técnica do trabalho (KRANZBERG; GIES, 1991, P. 143). Esse foi opensamento de Henry Ford, gerando a forma organizacional do trabalhodenominada de Fordismo, tornando-se, inclusive, denominação deforma de organização do próprio capitalismo e do próprio regime deacumulação do capital.

2. Fordismo

Harvey (2000, P. 141) dá-nos a diferenciação entre o Taylorismo e oFordismo:

“O que havia de especial em Ford (e que, em última análise, distingue ofordismo do taylorismo) era a sua visão, seu reconhecimento explícito deque produção de massa significava consumo de massa, um novosistema de reprodução da força de trabalho, uma nova política decontrole e gerência do trabalho, uma nova estética e uma novapsicologia, em suma, um novo tipo de sociedade democrática,racionalizada, modernista e populista”.

A principal engenhosidade de Ford, que permanece até hoje, mesmo nas

29

Page 30: Table of Contents -  cio à edição eletrônica Este ebook que você tem em mãos é a versão eletrônica, com pequenas modificações, do texto apresentado como dissertação

fábricas ditas “toyotizadas”, é a linha de montagem contínua. Comoafirma Denise Pires (1998, P. 33), “Ford toma como inspiração o processocontínuo de produção existente nos matadouros e cria a linha demontagem (moving assembly line), onde faz uso da mecanizaçãoassociada e parcialmente automatizada, já antevista por Marx, em OCapital. O controle sobre o trabalho humano não precisa ser feito peladeterminação e controle direto do gerente, mas é feito automaticamentepela máquina. A esteira (conveyor belt), que leva o trabalho até oshomens, resolve a questão do controle dos tempos e movimentos queagora são determinados pelo ritmo de funcionamento das máquinas,diferente do Taylorismo, em que o ritmo é baseado no rendimentoindividual (CLARK, 1990; FERREIRA, HIRATA, MARX et al., 1991). E concluibrilhantemente que “Com a linha de montagem, o trabalho vai aoshomens, ao invés dos homens ao trabalho”. Assim, as bases de Ford são:a mecanização da produção, a padronização das partes do produto, aaplicação de novas formas de energia e o fluxo contínuo dos materiaisatravés de uma série de máquinas, ou seja, a própria linha de montagemsemovente, tudo isso com o fim de criar a produção em massa. A linhade montagem aumentou a importância da divisão do trabalho, oumelhor, da organização do inteiro processo lavorativo, pois esta eraparte integrante e indispensável para o funcionamento da própriafábrica, sendo a divisão do trabalho total e minuciosamente planejada(KRANZBERG; GIES, 1991, p. 110-115).

Agora, adaptado à linha produtiva, o Taylorismo, sob roupagem fordista,ganhou novas e específicas características, quais são (KRANZBERG; GIES,1991, P. 148):

1)ritmo de trabalho controlado mecanicamente (linha de montagemsemovente);

2)repetições de movimentos simples;

3)exigência de uma habilidade, de uma capacidade de decisão, e de umaexperiência mínima, e para tudo isso, um treinamento mínimo;

4)procedimentos operacionais predeterminados, com equipamentos etécnicas pré-selecionadas para o operário;

5)decomposição da produção, de modo que o operário executa tarefasomente sua que resulta em uma pequena fração do produto final;

30

Page 31: Table of Contents -  cio à edição eletrônica Este ebook que você tem em mãos é a versão eletrônica, com pequenas modificações, do texto apresentado como dissertação

6)exigência do operário de uma atenção (automática) suficiente, e estarpróximo da linha de produção semovente.

A combinação desses fatores “faceva dell’operaio ‘una parteintercambiale di una macchina intercambiale che produce partiintercambiali’” (KRANZBERG; GIES, 1991, P. 148).

Henry Ford implantou em sua fábrica a gerência taylorista e a linha demontagem, porém lhes acrescentou características que, além de fazer ateoria de Taylor possível (factível e que poderia ser submetida aostrabalhadores), desejava transformar o próprio capitalismo e asociedade em geral. Para a aceitação e motivação dos trabalhadores donovo sistema implantado, demarcou o dia de trabalho em oito horas epagava aos seus empregados um salário de cinco dólares ao dia, que eraum ótimo salário, pois representava aproximadamente cento e vintedólares atuais (SENNETT, 1999, p. 44). Ao pagar bons salários e reduzir ajornada de trabalho, desejava Ford, além da aceitação e submissão dostrabalhadores às novas ordens do patronato, também lhe interessava acriação de um novo homem (HARVEY, 2000, p. 122), com bom poderaquisitivo, que geraria o crescimento da economia pelo alto poder deconsumo. Ao introduzir a produção em massa, Ford desejou criar, damesma forma, o consumo em massa, característica fundamental docapitalismo do Século XX.

Gramsci, ao abordar o Fordismo em seu texto do cárcere “Americanismoe Fordismo”, verificou a complementaridade entre o Fordismo e oTaylorismo: “Esta nova prática de gestão do trabalho que propõe acriação de um ‘novo tipo de trabalhador’ não apenas reforça osprincípios tayloristas e os amplifica para toda a sociedade, mas reafirmao objetivo central da ‘gerência científica’: (...) romper o velho nexopsicofísico do trabalho profissional qualificado, que exigia umadeterminada participação ativa da inteligência, da fantasia, da iniciativado trabalhador” (apud DRUCK, 1999, P. 49).

O modelo fordista tornou-se hegemônico no breve século XX, todaviaisto não se deu de imediato. O estabelecimento desse modelo, não sepode esquecer, deu-se em períodos de extrema turbulência, no qualexistiram dois pós-guerras e uma guerra mundial, além de longosperíodos de crise do capitalismo. Segundo Harvey, nos anos entre-guerras houve dois principais impedimentos à disseminação do

31

Page 32: Table of Contents -  cio à edição eletrônica Este ebook que você tem em mãos é a versão eletrônica, com pequenas modificações, do texto apresentado como dissertação

Fordismo: a resistência dos trabalhadores de submeterem-se à rigidez ealienação fordista, causando um uso maciço de trabalhadoresimigrantes, e os modos de intervenção estatal então existentes, de feiçãodemocrática. O Fordismo necessitava de uma intervenção estatal forte eum pouco de autoritarismo, o que só poderia existir com um novo modode regulamentação, o que se deu plenamente somente depois de 1945,levando o Fordismo à maturidade como regime de acumulaçãoplenamente acabado e distintivo (HARVEY, 2000, p. 123-125).

Nesta época, o Fordismo alia-se ao Keynesianismo, teoria idealizada peloeconomista britânico John Maynard Keynes, a qual entendia que, emperíodos de crise, não existiria patamar mínimo de salário queimpedisse o desemprego, e que esse, por sua vez, afetava o consumo (evice-versa), acarretando problemas insolúveis para toda a economia.Dessa forma, seria necessária uma política estatal de pleno emprego,alcançável através de maciços e contínuos investimentos e gastospúblicos na produção, bem como políticas fiscais voltadas para ocrescimento da economia. Assim, o Fordismo e o Keynesianismopregavam um Estado interventor na economia e regulador daconjuntura. Porém, como traz Denise Pires (1998, p. 37), “O EstadoNacional não exerce, apenas, o papel de regulador macroeconômico,mas, também, de administrador da demanda, procurando reduzir asdesigualdades e o desemprego através da geração de uma rede deserviços – conhecida como Estado do Bem-Estar Social (GOUREVITCH, inMATTOSO, 1995, p. 29; SINGER, 1989; PRZEWORSKI, 1991)”. Destarte, como keynesianismo, fortalece-se também o “welfare state”, diferenciando-sedo “welfare state” liberal então existente, pois com aquele, ao contráriodeste, deseja-se garantir transferências sociais e realizar distribuição debens e serviços públicos e privados, para o atendimento mínimo social atodos os cidadãos. Entretanto, como afirma Harvey (2000, p. 125), “ocrescimento fenomenal da expansão de pós-guerra dependeu de umasérie de compromissos e reposicionamentos por parte dos principaisatores dos processos de desenvolvimento capitalista. O Estado teve deassumir novos (keynesianos) papéis e construir novos poderesinstitucionais; o capital corporativo teve de ajustar as velas em certosaspectos para seguir com mais suavidade a trilha da lucratividadesegura; e trabalho organizado teve de assumir novos papéis e funçõesrelativos ao desempenho nos mercados de trabalho e nos processos de

32

Page 33: Table of Contents -  cio à edição eletrônica Este ebook que você tem em mãos é a versão eletrônica, com pequenas modificações, do texto apresentado como dissertação

produção. O equilíbrio de poder, tenso mas mesmo assim firme, queprevalecia entre o trabalho organizado, o grande capital corporativo e anação-Estado, e que formou a base de poder da expansão de pós-guerra,não foi alcançado por acaso – resultou de anos de luta.”

A esta altura, insta salientar que o Fordismo, em sua expansão para setornar modo de regulação do trabalho hegemônico no mundo,disseminou-se de forma desigual entre os países, pois se encontrava“numa conjuntura particular de regulamentação político-econômicamundial e uma configuração geo-política em que os Estados Unidosdominavam por meio de um sistema bem distinto de alianças militares erelações de poder. Nem todos eram atingidos pelos benefícios dofordismo, havendo na verdade sinais abundantes de insatisfação mesmono apogeu do sistema. Para começar, a negociação fordista de saláriosestava confinada a certos setores da economia e a certas nações-Estadoem que o crescimento estável da demanda podia ser acompanhado porinvestimentos de larga escala na tecnologia de produção em massa.” EHarvey nos traz, ao ilustrar a desigualdade na distribuição dos benefíciosdo Fordismo, importante assertiva para o nosso trabalho: “E mesmo ossetores fordistas podiam recorrer a uma base não-fordista desubcontratação” (HARVEY, 2000, P. 132).

Nesta última colocação, verificamos que a estratégia de utilizar-se dasubcontratação para a fuga dos ônus acarretados pela estrutura fordista,às custas dos trabalhadores, não é de forma nenhuma nova, existindo deforma aleatória mesmo no auge do Fordismo nos países centrais.

Com o Fordismo, entretanto, cresceram os poderes das entidadessindicais, crescimento este ocasionado pela reunião de um grandenúmero de trabalhadores em um mesmo locus, a fábrica, além do que aexistência clara de profissões diferenciadas facilitava a união e a coesãodos trabalhadores em sindicatos de categoria. Os sindicatos, com essepoder concedido, lograram obter melhorias para os trabalhadores tantoem relação à própria fábrica (negociação coletiva) quanto ao nível daNação (pressões e “lobbies” para a mudança na legislação). No casobrasileiro, os sindicatos poderiam inclusive impor aos empregadoresnovas condições de trabalho, por intermédio de demandas ao PoderJudiciário (Poder Normativo). Os capitalistas aceitaram este crescimentode poder dos sindicatos, a fim de darem sustentação ao próprio modo

33

Page 34: Table of Contents -  cio à edição eletrônica Este ebook que você tem em mãos é a versão eletrônica, com pequenas modificações, do texto apresentado como dissertação

fordista da produção. Tudo ia bem, desde que os trabalhadoresmantivessem somente a luta por melhorias salariais, deixando de ladoas condições de trabalho mais onerosas, como segurança e saúde notrabalho.

O quadro do trabalho dentro do regime fordista, em termos ideais-tiposweberianos, é, basicamente, o seguinte:

“a) realização de uma única tarefa pelo trabalhador;

b) pagamento pro rata (baseados em critérios da definição do emprego);

c) alto grau de especialização de tarefas;

d) pouco ou nenhum tratamento no trabalho;

e) organização vertical no trabalho;

f) nenhuma experiência de aprendizagem;

g) ênfase na redução da responsabilidade do trabalhador(disciplinamento da força de trabalho);

h) nenhuma segurança no trabalho.”

De todas essas características expostas por Swyngedouw (apud HARVEY,2000, P. 165-166), a única que fazemos restrições é a última, quanto àafirmação que no Fordismo não havia segurança no emprego, nosentido de alta rotatividade na mão de obra e empregos de curtaduração. A discordância se deve porque a própria mentalidade fordista éde empregos de longa duração ou para toda a vida, o longo termo,inexistente a princípio na nova mentalidade de especialização flexível,que veremos a seguir. A identificação do trabalhador com a empresa épreocupação constante tanto de Ford quanto de Taylor, que procuravamfazer com que o obreiro entendesse que o bem da empresa era o bemdo trabalhador. (4) A imagem das grandes vilas de operários fornecidaspelo empregador, com extensas atividades sociais por parte da empresapara seus empregados, objetivando a vida do trabalhador em torno daindústria, demonstram a existência, pelo menos nas atividades“monopolistas”, da segurança no emprego e vida em razão e pelafábrica. A existência de um setor “competitivo”, como diz Harvey, no qualexistiria o quadro de insegurança no emprego citado por Swingedouw,nada mais é do que uma patologia encontrada na aplicação do sistemafordista, mas que não era intrínseco e idealizado por esse regime.

34

Page 35: Table of Contents -  cio à edição eletrônica Este ebook que você tem em mãos é a versão eletrônica, com pequenas modificações, do texto apresentado como dissertação

Quando Richard Sennett (1999) fala da deriva ocasionada pelo curtoprazo e flexibilidade exigidos pelo novo capitalismo, e a dominação dolema “não há longo prazo”, faz o contraste justamente com o longo prazofordista e empregos para toda a vida (5).

Quanto ao Brasil, as experiências fordistas não foram totalmenteimplementadas, principalmente quanto aos benefícios que o padrãofordista traria para os trabalhadores. De acordo com Maria da GraçaDruck (1999, p. 57-64), quatro foram as ausências básicas no “Fordismobrasileiro”: caráter conservador e autoritário do Fordismo brasileiro, coma manutenção da exclusão social integrante da estrutura histórica dasociedade brasileira, cujos trabalhadores não atingiram sequer a“cidadania do Fordismo”; formação de mercado de trabalho multiforme,com a utilização em massa de empregados sem carteira assinada eexcluídos de proteção social, utilização de jornadas extensas de trabalho,falta de treinamento e investimento em qualificação, rotatividade demão de obra, instabilidade no emprego, quadro este geradoprincipalmente pelo desemprego estrutural crônico; utilização deracionalidade de produção taylorista-fordista, mesmo com a ausência,demonstrada no item anterior, de estímulo e motivação dostrabalhadores, fatores tidos como indispensáveis tanto por Taylorquanto por Ford, como visto anteriormente; e, por último, a ausência deum legítimo Estado de Bem-Estar Social.

O Fordismo, mesmo sem estar ainda internacionalmente expandido emtodas as suas dimensões, entra mundialmente em crise, surgindo umanova forma de organização da produção mais atrativa para o capital: oToyotismo ou Especialização Flexível.

3. A Superação do Paradigma Fordista

Nas crises o ser humano se desdobra e se mostra um ser capaz de sereinventar e remodelar suas instituições para a fuga do perigo. E damesma forma age o capitalismo, recriando-se e remodelando-sejustamente nos seus momentos de crise. Apesar de as mudanças nocapitalismo terem dado seus primeiros sinais já nos anos 60, foi a partirda grande crise capitalista de 1973, ocasionada pelo choque do petróleo,que tomaram fôlego transformações sócio-históricas com diversasinfluências no mundo em que vivemos, atingindo todas as pessoas emqualquer parte do planeta.

35

Page 36: Table of Contents -  cio à edição eletrônica Este ebook que você tem em mãos é a versão eletrônica, com pequenas modificações, do texto apresentado como dissertação

A partir dessa época surgiram dois movimentos que se entrelaçam e nãose separam: a globalização, principalmente em sua faceta financeira eeconômica, e o regime de acumulação flexível do capital, com suascaracterísticas de reorganização produtiva e remodelação do própriogiro do capital.

Causas da mudança no regime de acumulação são trazidas por GiovanniAlves (2000, p. 16): “Sob o impulso da mundialização do capital, houve odesenvolvimento da acumulação flexível, um novo tipo de acumulaçãocapitalista que se impõe, cada vez mais, às corporações transnacionais.Tal modo de acumulação decorre da necessidade de o capitalreconstituir sua base de valorização, debilitada não apenas pelodesenvolvimento da Terceira Revolução Tecnológica (que pressionou alucratividade das corporações transnacionais pelo aumento dacomposição orgânica do capital), mas também pela constituição doWelfare State, pelas barreiras à usurpação capitalista, erguidas nointerior do próprio sistema produtor de mercadorias nos paísescapitalistas centrais durante o pós-Segunda Guerra Mundial.”

Junte-se a isso as possibilidades criadas pelas novas tecnologias para arealização do novo tipo de produção capitalista, bem como asmotivações políticas caracterizadas pelas derrotas históricas da classetrabalhadora nos principais países trabalhistas, com a ascensão deneoliberais no poder nessas nações, está então vislumbrado, emgrandes linhas, o quadro da ascensão do novo regime de acumulação docapital (ALVES, 2000, p. 17-18).

O modelo fordista, reinante no breve Século XX, começou a dar sinais decansaço em meados da década de 1960, indo até 1973, quando eclodiu ochoque do petróleo. Como afirma Denise Pires, houve motivoseconômicos, político-culturais e tecnológicos para isso, sendo narealidade uma crise estrutural do desenvolvimento capitalista-fordista,os quais cita como sendo (ALVES, 2000, P. 40-41):

“a) os ganhos com a produtividade do trabalho começaram a diminuirnos países industrializados. Cresce a insatisfação com as condições detrabalho por parte do operariado que não se conforma em executartarefas maçantes e repetitivas, ainda que bem pagas. Os trabalhadoresreagem contra a intensificação do ritmo do trabalho, que foi a formautilizada pelo capital para aumentar a produtividade. (...);

36

Page 37: Table of Contents -  cio à edição eletrônica Este ebook que você tem em mãos é a versão eletrônica, com pequenas modificações, do texto apresentado como dissertação

b) o fim dos anos 60 marca enormes transformações culturais no mundotodo, e o movimento social, além de questionar os princípios tayloristas-fordistas de organização do trabalho, questionou, profundamente, omodelo de desenvolvimento vigente. (...);

c) na economia, o cenário é de manutenção de taxas elevadas deinflação; aumento dos custos de produção pela elevação brusca dospreços do petróleo em 1973; elevação das taxas de juros; instabilidadefinanceira; redução da taxa de lucros e das taxas de produtividade;

d) esgotamento dos impulsos dinâmicos de industrialização peloenfraquecimento da capacidade dinâmica do progresso técnico, pelasaturação dos mercados internacionalizados e pela crescentefinanceirização da riqueza produzida;

e) enfraquecimento da hegemonia norte-americana. (...) Europa e Japãoaumentam a sua participação no comércio internacional e ganham abatalha comercial com os EUA, depois expandem suas filiais einternacionalizam seus capitais. Essa conjuntura internacional propiciacondições para o crescimento da industrialização de países do terceiromundo.”

Do exposto, podemos observar que três pontos são principais: a quedada lucratividade, a saturação dos mercados nacionais e, consequênciadestes dois primeiros fatores, a pressão em cima do mais fraco para atentativa de recuperação dos lucros (6).

Já Harvey define o principal problema (obviamente, problema segundo avisão do capital) do Fordismo-Keynesianismo: a rigidez (ALVES, 2000, P.135). “Havia problemas com a rigidez dos investimentos de capital fixode larga escala e de longo prazo em sistemas de produção em massaque impediam muita flexibilidade de planejamento e presumiamcrescimento estável em mercados de consumo invariantes. Haviaproblemas de rigidez nos mercados, na alocação e nos contratos detrabalho (especialmente no chamado setor ‘monopolista’).” Todos essestipos de rigidez impediam o crescimento do capital, gerando umacontra-revolução deste pela busca de flexibilidade.

A passagem do Fordismo para o regime da acumulação flexível, e todasas suas consequências, acontece de maneira relativamente fácil epassiva por parte dos trabalhadores, pela força das mudanças e a

37

Page 38: Table of Contents -  cio à edição eletrônica Este ebook que você tem em mãos é a versão eletrônica, com pequenas modificações, do texto apresentado como dissertação

perplexidade que elas causam. As entidades sindicais não têm (como narealidade nunca tiveram tanto aqui em nosso país) poder de agregação enão conseguem resistir às mudanças, por mais profundas emassacrantes que sejam para o trabalhador. E mais, o Toyotismo, comsuas características e mandamentos, principalmente a terceirização,fragmentam mais ainda as categorias, esfacelando e enfraquecendo ossindicatos, já enclausurados pela unicidade sindical exigida por lei,impedimento óbvio à liberdade sindical plena. E há principalmente aameaça sempre presente do “dumping social”, ou seja, o esvaziamentodos postos de trabalho de uma região pela oferta de menos resistênciaem outra. E as mudanças que a reorganização produtiva traz sãoprofundas no trabalho humano, as quais veremos no capítulo a seguir.

NOTAS:

(1) Nesta obra, ao citar Taylor, chama-o de “psicólogo industrial”,equivocando-se completamente, pois é central em seu pensamento aretirada de todo e qualquer subjetivismo do trabalhador, transferindo-opara o capital. Como Sennett mesmo afirma, “Taylor acreditava que amaquinaria e o projeto industrial podiam ser imensamente complicadosnuma grande empresa, mas não havia necessidade de os trabalhadorescompreenderem essa complexidade; na verdade, afirmou, quantomenos fossem ‘distraídos’ pela compreensão do projeto do todo, maiseficientemente se ateriam a seus próprios serviços.”

(2) Observou Gramsci em seu pequeno texto “Men or Machines”,publicado originalmente na edição piemontesa de “Avanti!”, de 24 dedezembro de 1916, no qual afirma que “É claro, maus industriaisburgueses devem preferir trabalhadores que sejam mais máquinas quehomens”.

(3) GRAMSCI, Antonio. Prison notebooks, “The Modern Prince”, versão eminglês, Internet.

(4) Concorde com essa idéia é ACCORNERO (2000, p. 53), ao afirmar que“le novità introdotte da Taylor e da Ford superavano il mito del ‘buonpadrone’ facendo passare per l’impresa il rapporto emotivo che primapassava per l’imprenditore”. Desta forma, não só o fordismo e otaylorismo pretendiam introduzir o trabalhador no seio da empresa,fazendo com que este tivesse uma afetividade e uma identificação com aprópria empresa, o que somente poderia ser atingido com um emprego

38

Page 39: Table of Contents -  cio à edição eletrônica Este ebook que você tem em mãos é a versão eletrônica, com pequenas modificações, do texto apresentado como dissertação

de longa duração.

(5) Em todo o desenvolvimento do primeiro capítulo, quanto aopersonagem Enrico, Sennett trata a questão.

(6) Incrível a capacidade do capital de sempre que entra em crise, buscaa solução às custas do mais fraco, o operário, tanto no planomacroeconômico, quanto no plano microeconômico. Note-se quequalquer reestruturação de empresa, Downsizing, Reengenharia, e outrasinvenções da Ciência da Administração, perpassam e às vezes seresumem à redução de pessoal ou corte de benefícios ou salários, ouaumento de horas de trabalho sem pagamento de horas extraordinárias.Como bem conclui GROZELIER( 1998, p. 79), com o fim do fordismo “Otrabalho perde seu papel central na criação de riqueza em benefício docomércio, das finanças, da especulação. Ela se torna na variável deajuste “.

39

Page 40: Table of Contents -  cio à edição eletrônica Este ebook que você tem em mãos é a versão eletrônica, com pequenas modificações, do texto apresentado como dissertação

Capítulo III. ReestruturaçãoProdutiva e Mercado de Trabalho

“Tanta farsa, tanto rouboE o boy toma Coca-Cola

Tiro ianque para cimaMe acertou na testa

Tudo muda. É preciso mudarNão é facil o perigo passar

Sua cegueira mais e mais me complicaSe sua roupa vale mais que a comida

Se sua pose vale mais que uma vidaPegue essa arma!”

(Canção do grupo Ira!, “Pegue essa arma”)

Superada a forma fordista-taylorista, tanto no ideário capitalista, quantonas principais formatações do trabalho e da acumulação capitalista, é avez de deitarmos luzes sobre as novas propostas que surgem deacumulação do capital, e as novas formas em que se organiza otrabalho, em suas facetas intra e extrafabril. Primeiramenteobservaremos o Toyotismo e a Especialização Flexível, em suascaracterísticas gerais, como demonstração da mudança do paradigma, jáque não se trata aqui de um estudo específico sobre a reestruturaçãoprodutiva.

Após, estaremos observando como é organizado o mercado de trabalhonesse novo modo de acumulação capitalista. Ao fim do capítulo,estudar-se-ão as formas de trabalho surgidas, deixando algumasanálises críticas sobre essas formas, em sua maioria precárias eunilateralmente desfavoráveis aos trabalhadores.

40

Page 41: Table of Contents -  cio à edição eletrônica Este ebook que você tem em mãos é a versão eletrônica, com pequenas modificações, do texto apresentado como dissertação

1. Toyotismo ou Especialização Flexível

Trataremos aqui não de hipóteses monocausais, ou estudos de casosisolados que demonstrariam a mudança no sistema de organização dotrabalho. Como fez Vando Borghi (1998, p. 101), utilizaremos o modelojaponês (chamado por Toyotismo ou Ohnismo)(1) e a EspecializaçãoFlexível (denominação criada por Piore e Sabel, em seus estudos naTerceira Itália, região no nordeste da península itálica, para o sistemautilizado pelas indústrias familiares organizadas em rede da região),como modelos e sinais da grande transformação na gestão do trabalhohumano, que geraram, inclusive, um novo regime de acumulação docapital, a acumulação flexível, como é chamada por David Harvey (2000),como resposta do capital à crise do sistema anterior abordada nocapítulo II (2).

A característica principal do novo regime de acumulação, presente emtodos os seus aspectos, tanto na parte da produção industrial, gestãocomercial ou organização do trabalho (que, como salientado no Capítuloanterior, foram um dos móveis para a crise do Fordismo), é a troca darigidez pela solução mágica da flexibilidade. Com essa palavra definem-se todos os sonhos do atual capitalismo, que deseja a qualquer custo aflexibilidade de tudo aquilo que o impede ou atrasa na sua obtenção delucros.

Assim, como reação à crise do sistema de acumulação fordista, procurouo capital um processo de reestruturação que perpassava por ajustessocioeconômicos e transformações na produção industrial, com asinovações tecnológicas e novas formas de organização do trabalho, alémda expansão dos mercados pelo mundo agora globalizado (PIRES, 1998,p. 45).

O novo modo de organização do capital, quanto ao processo deprodução industrial, traz algumas características subjacentes.

A primeira delas é a crescente inovação tecnológica, trazida pelasubstituição da automação rígida com base na eletromecânica, existenteno Fordismo, por um maquinário provido de tecnologia digital e comcomponentes microeletrônicos, totalmente readaptável e reprogramável,para a mudança brusca e rápida nos produtos, atendendoimediatamente à demanda (PIRES, 1998, p. 47. HARVEY, 2000, P. 148).Surge a robótica, com equipamentos que imitam e substituem a

41

Page 42: Table of Contents -  cio à edição eletrônica Este ebook que você tem em mãos é a versão eletrônica, com pequenas modificações, do texto apresentado como dissertação

atividade manual humana, causando a substituição do homem emtarefas antes somente por este possíveis de realização.

Outra modificação brutal é no tocante ao volume da produção,substituindo-se a anterior produção em massa de produtospadronizados por pequenos lotes com variedades de bens, produzidos apreços baixos. Essa modificação tem o fito de acompanhar mudançasbruscas nos hábitos de consumo que exijam mudanças qualitativas ouquantitativas no produto produzido, além de aumentar o ritmo dasinovações desse produto, incluindo a sua troca imediata e substituiçãopor outro. Estreita-se, assim, a produção e a comercialização, ficando aindústria totalmente voltada para os hábitos dos consumidores. De oconsumo ser adaptado aos produtos padronizados, passa-se àadaptação da produção aos usos, costume, vontades e necessidades doconsumidor. Ou melhor, o produto adapta-se aos consumidores, noplural, pois foi a existência da diversidade nos tipos de consumidoresque justamente obrigou às indústrias a realizarem a especialização dosseus produtos, com maior diversidade de opções, para um mercadoconsumidor cada vez mais multifacetado. Esta característica é tãoimportante que deu nome à própria forma de organização da produção(especialização flexível). (PIRES, 1998, p. 47. HARVEY, 2000, P. 148)

Ocorre também a mudança na estruturação das empresas, que, de umaestrutura verticalizada, onde uma grande empresa se ocupava de todasas etapas da produção industrial, passa-se para uma organizaçãohorizontalizada, descentralizando e externalizando parte da produção aoutras empresas, formando com elas uma rede de empresas para arealização do produto. Como se deu no Fordismo, o exemploparadigmático do modo de organização da produção também se dá coma indústria automobilística. A indústria automobilística, quando seestabelece, constrói suas instalações em um espaço amplo, para abrigarao seu redor uma rede de empresas que atuarão única e exclusivamenteem sua função, para realizar atividades que antes eram centralizadas naprópria fábrica de automóveis. Observe-se que a ideia de Ford erajustamente o contrário, ou seja, a de toda a produção do automóvel serrealizada em um mesmo lugar unificado pela linha de montagem, parabarateamento, controle e rapidez na produção. Atualmente não se usamais o termo “fábrica de automóveis”, e sim “montadora”, pois, narealidade, é essa a única atividade atualmente ali desenvolvida, isto é, a

42

Page 43: Table of Contents -  cio à edição eletrônica Este ebook que você tem em mãos é a versão eletrônica, com pequenas modificações, do texto apresentado como dissertação

montagem dos veículos automotores. (PIRES, 1998, p. 47. HARVEY, 2000,P. 148)

Mudança também facilmente perceptível é a nova divisão internacionaldo trabalho, onde novos países são guindados ao mundo produtivofornecedor de bens manufaturados de alta tecnologia. Não se olvide quea inclusão de novos países como fornecedores de produtosindustrializados deveu-se, principalmente, à procura de mercadosmenos regulamentados (como diz David Harvey, outro “slogan” políticoda era da acumulação flexível é a desregulamentação)(HARVEY, 2000, p.150), com relação ao trabalho humano e quanto à proteção ambiental,para a diminuição dos custos da produção. Com relação à proteçãoambiental, o maior temor da indústria atual é, sem dúvida, a luta dasociedade civil pelo meio ambiente mais saudável e menos agressor, doqual é, indubitavelmente, a maior vilã. A busca por regiões menospolitizadas e educadas é vital para a continuação de atividades que nãoteriam sobrevida nos países centrais, pelo conhecimento de suaprejudicialidade. Exemplo disso são as fábricas de amianto, que foramtrazidas para os países periféricos quando já proibida a sua produçãonos países ditos de primeiro mundo, pela sua agressão perigosíssimafrente ao meio ambiente, principalmente o do trabalho (3). Porém, deveser salientada a expansão do trabalho industrial pelo mundo, agoraquase global. Observe-se que, com a computação e a internet, serviçosrealizados em um país podem ser remetidos a outro, como aconteceatualmente com a Índia, para aonde estão indo todos os centros deinformática das grandes companhias de cartão de crédito.

Quanto ao Toyotismo propriamente dito, como forma de organização daprodução, conhecida também pelo nome de “lean production” (produçãoenxuta), combina as vantagens da produção de massa (rapidez e custosbaixos) e da produção artesanal (flexibilidade e qualidade), com trêscaracteres ou princípios básicos, que são: o trabalho em equipe e decooperação; o processo de aperfeiçoamento continuado (“kaizen”); e o“just-in-time” (GROZELIER, 1998, p. 109).

O primeiro princípio, inegavelmente japonês, estabelece-se sobre anoção central de equipe, responsável por si mesma, que organiza seutrabalho e se autocontrola, para um melhor acabamento do produto((GROZELIER, 1998, p. 109 e ALVES, 2000, p. 45). São os chamados Círculos

43

Page 44: Table of Contents -  cio à edição eletrônica Este ebook que você tem em mãos é a versão eletrônica, com pequenas modificações, do texto apresentado como dissertação

de Controle de Qualidade (CCQs). De uma organização do trabalhohierarquizada e verticalizada, com trabalhadores especialistas, passa-sea uma organização do trabalho horizontalizada e por equipes, comtrabalhadores polivalentes e plurifuncionais. Este princípio será maisbem analisado no item posterior, quando se explicitará as mudanças nomundo do trabalho.

O segundo princípio, o “kaizen” (processo de melhoramento contínuo),amplia uma tradição japonesa de aperfeiçoar os produtos realizandocontinuamente pequenas modificações nos mesmos, ao contrário dasindústrias ocidentais (principalmente americanas), que preferem oaperfeiçoamento do produto em grandes modificações (inovações). Oaperfeiçoamento, no Toyotismo, tem como um dos principais atores opróprio trabalhador, que sugere as modificações do produto,inversamente do sistema taylorista-fordista, onde o trabalhador járecebia as funções da administração da empresa (GROZELIER, 1998, p.109).(4) Este princípio também recebe o nome de “auto-ativação”,realizando ruptura com o taylorismo, ao unir as funções das tarefas deexecução e de controle de qualidade dos produtos, realizadassimultaneamente pelos trabalhadores, agora polivalentes emultifuncionais (ALVES, 2000, P. 44). Aqui se inserem também osprogramas chamados “total quality management”, programas dequalidade desenvolvidos nas empresas com o fim de aperfeiçoamentodo produto e da produção. (5)

O terceiro princípio é o “just-in-time”, que é o fundamento do sistema deprodução toyotista. Prega o princípio a redução dos estoques ao mínimopossível, sendo a produção regida diretamente pela demanda. Tambémas matérias-primas devem ser adquiridas conforme a necessidade dosclientes (GROZELIER, 1998, P. 109-110). No entanto este princípio não selimita a reduzir estoques, porque na realidade visa é a contenção doscustos ao estritamente necessário. Com isso, aplica-se também aotrabalho humano o princípio em estudo, utilizando-se da mão de obraestritamente necessária à produção, conforme a demanda. Assim, temosuma flutuação do número de trabalhadores na empresa conforme oaquecimento ou desaquecimento da produção. Importante para aimplantação desse princípio é o método “kanban”, ou sistema deinformação dos vários estágios de produção e de estoque, onde, de cadaposto de trabalho, controla-se toda a produção, com o fim de verificação

44

Page 45: Table of Contents -  cio à edição eletrônica Este ebook que você tem em mãos é a versão eletrônica, com pequenas modificações, do texto apresentado como dissertação

da necessidade. No sistema “kanban” (cartão em japonês), cartões sãocolocados nos estoques contendo a movimentação dos mesmos.Quando um determinado estoque é desfalcado, o seu “kanban” retornapara o departamento responsável e outra remessa é realizadaimediatamente para a reconfiguração do estoque.

Como todas essas mudanças modificaram sobremaneira o mundo dotrabalho, veremos a seguir.

2. As características do mercado de trabalho no Regime de AcumulaçãoFlexível

As mudanças ocorridas no trabalho humano e em sua organização,causadas pela reestruturação produtiva e pelo novo regime deacumulação do capital, são profundas, e têm objetivo claro: a reduçãodos custos do trabalho e a subjugação dos trabalhadores ao domínioeconômico do capital.

A modificação mais sentida trazida pela nova organização do trabalho éindubitavelmente a “fragmentação sistêmica” das empresas, conforme aexpressão de Giovanni Alves (2000, p. 57), que vem a ser a constituiçãode uma “empresa-rede”, havendo a centralização das atividadesdiretamente realizadas pela empresa em uma atividade que entende serseu “core business”, ou seja, sua atividade-fim, e a reunião de uma sériede empresas satélites à sua volta, realizando atividades que antes eramrealizadas dentro do próprio negócio, gerando o fenômeno denominadode “terceirização” ou “externalização”. Com isso, dando ênfase na“empresa enxuta”, restringe a empresa o número de empregadosdiretamente contratados, entregando a outras empresas atividadesessenciais, porém não centrais, às vezes só formalmente. Daquelagrande fábrica incorporando todas as atividades da produção, passa-se àideia de rede, uma empresa central, realizando atividades centrais,principalmente de planejamento e projetos, e empresas satélites,realizando todas as demais atividades. A discussão sobre a prática daterceirização, inclusive suas consequências, que é central nesse trabalho,será realizada pormenorizadamente nos próximos capítulos.

Todavia há outras modificações ocasionadas no trabalho humano, quenão são tão profundas e aterrorizadoras quanto à terceirização, mas que,todavia, não perdem sua importância para a compreensão do trabalhohumano nessa nova organização da produção.

45

Page 46: Table of Contents -  cio à edição eletrônica Este ebook que você tem em mãos é a versão eletrônica, com pequenas modificações, do texto apresentado como dissertação

A passagem da empresa hierarquizada verticalmente para a organizaçãoem nível horizontal, com trabalho em equipes, é uma mudança quemexe nas estruturas do trabalho. Os trabalhadores, que no Fordismorealizavam somente algumas atividades de sua especialidade, agora noToyotismo são polivalentes, podendo atuar com certa autonomia epoder de iniciativa na forma de realização do trabalho. Aparentemente éuma evolução, socialmente falando, porém, para alguns autores, trata-sena verdade de uma forma mais sutil e aperfeiçoada de controle social edomínio da subjetividade do trabalhador pelo capital. Com o trabalho deequipe, e suas premiações pela performance do grupo, aumenta-se aresponsabilidade do trabalhador e impõe o mesmo a competir e seesforçar para o alcance de resultados para a empresa. Permanece ainda,de certo modo, uma supervisão rígida, porém incorporada, poisrealizada pelo próprio grupo de trabalhadores, que passa a fiscalizar esupervisionar um ao outro, pois a atividade do outro influencia nos seusrendimentos (ALVES, 2000, P. 54). Assim, assumem os trabalhadoresposição que antes era da gerência, integrando-se emocionalmente naempresa e em seus resultados. Como afirma Giovanni Alves (2000, P. 55),“Se no fordismo tínhamos uma integração “mecânica”, no toyotismotemos uma integração “orgânica”.

O Toyotismo, em sua ideia original, previa a instituição de um núcleobase de trabalhadores que detêm emprego estável, por toda a vida.Porém, na adaptação mundial do capital, verificou-se que tal regra nãofoi transportada, pois não condizia com a redução de custos sem freiosdesejada pelo capital. Assim, mesmo nas atividades nucleares dasempresas, utiliza-se de mão de obra com alta rotatividade, ao contráriodo idealizado pelo modelo japonês.

Surge com a nova estruturação do capital, agora mundializado, e acriação da “empresa-enxuta”, um fenômeno até então desconhecido nospaíses centrais (que para nós da periferia já era por demais íntimo), qualseja o desemprego estrutural. As taxas de desemprego nos paísescentrais atingiram patamares antes inimagináveis, causando umapressão para baixo no nível salarial e fortalecendo a tese daflexibilização do trabalho. Destarte, verifica-se que o resultado é aprecarização do trabalho humano, agora mais desvalorizado pelaconcorrência não somente entre trabalhadores dentro de um mesmopaís, como internacionalmente. Surge então a tese da flexibilização do

46

Page 47: Table of Contents -  cio à edição eletrônica Este ebook que você tem em mãos é a versão eletrônica, com pequenas modificações, do texto apresentado como dissertação

mercado de trabalho, obviamente encampada maciçamente pelosdetentores do capital.

A tese da flexibilização do Direito do Trabalho ganha cada vez maisadeptos, desesperados pelos argumentos falaciosos da competiçãointernacional e do incentivo ao emprego. Paul Singer tem uma análisesensata do desemprego estrutural e da flexibilização (precarização) dotrabalho humano: “O desemprego estrutural, causado pela globalização,é semelhante em seus efeitos ao desemprego tecnológico: ele nãoaumenta necessariamente o número total de pessoas sem trabalho, mascontribui para deteriorar o mercado de trabalho para quem precisavender sua capacidade de produzir” (SINGER, 1999, P. 23).

De fato, falaciosa é a tese de que a flexibilização do direito do trabalhotraria um aumento no nível dos empregos, como já havia percebidoKeynes no início do século passado. O capital não emprega nem mesmoum só trabalhador se não for de sua extrema necessidade eimprescindibilidade. Não será a redução de direitos sociais, ou a quedade nível de salários que o fará contratar mais pessoas do que oestritamente necessário para a sua produção. Nem mesmo o aumentoda produção, na maioria das vezes, faz com que o empresário contratemais pessoas do que necessita, pois abre mão de recursos outrosescusos, como horas extraordinárias abusivas e subcontratação emmassa, sendo a maioria de trabalhadores temporários ou informais. Nãoé consequência direta da diminuição dos encargos sociais a diminuiçãodo desemprego e o aumento dos postos de trabalho. Conforme SérgioPinto Martins (1999, P. 41), “inexiste qualquer estudo de credibilidadeque demonstre que a redução de encargos sociais leva à contratação demais trabalhadores. O empregador poderá simplesmente não contrataroutros funcionários, trabalhando com os que já possui, utilizando-se daautomação para o aumento da produção”. À mesma conclusão chegouHuw Beynon (1997, P. 35-36), analisando a “desregulamentação” dasrelações de trabalho na Inglaterra, afirmando que esta que não logrougerar empregos, trazendo sim uma situação de “turbulência moral”, pelainsegurança no emprego trazida por essa desregulamentação.

A precarização do trabalho humano gera somente precarização da vidahumana, e não há justificativa para isso, somente podendo ser fruto dedesorientação causada pela força destrutiva do capital. É o que entende

47

Page 48: Table of Contents -  cio à edição eletrônica Este ebook que você tem em mãos é a versão eletrônica, com pequenas modificações, do texto apresentado como dissertação

Aída Glanz: “Passa-se num mundo ‘sem fronteiras’ por uma crise deidentidade ou de referências, motivando alguns a buscar, seja nofundamentalismo religioso, seja numa terceira via, paradigmas ourespostas a este injusto sistema de competição decorrente docapitalismo selvagem, justificando-se o sistema global através daredução salarial ou nivelamento por baixo, num paradoxal retrocessohistórico à teoria hobbesiana do Leviathan, em que os peixes grandessobrevivem à custa dos pequenos” (GLANZ, 2000, p. 33).

Neste ponto temos que fazer uma divisão teórica da flexibilização, entreinterna e externa. Flexibilização interna seria aquela em que ocorre umaprecarização das condições de trabalho com manutenção da relaçãolaboral, enquanto que a flexibilização externa é a diminuição dedificuldades ou entraves na dispensa dos trabalhadores. Apesar defrequentemente utilizar-se da flexibilização interna, a flexibilização maisdesejada pela capital continua sendo a externa, pois é a que mais secoaduna com os princípios da nova estruturação da produção,principalmente quanto ao “just-in-time”.

De fato. O “just-in-time” traz a regra da manutenção de um estoque baixotanto da produção quanto das matérias primas. Porém, tal regra éaplicável ao estoque de mão de obra, que também, segundo o princípiotoyotista, deve ser o mínimo possível (6). André Gorz tem consciênciadisso: “A flexibilidade externa procura traduzir para a gestão do pessoalo que representa o método do “just-in-time” na gestão de estoques.Trata-se de evitar estoques de mão de obra sem utilidade imediata”(apud SINGER, 1999, P. 25). E como se dá a flexibilização externa? Tantodesintegrando as garantias no emprego (7), quanto criando novasformas de trabalho que garantam a rápida substituição e diminuição detempos mortos. Essas novas formas de trabalho, trazidas sob a égide daflexibilização externa, “legitimada” pela globalização e nova estruturaçãoda produção, estudaremos no item seguinte.

A melhor configuração gráfica do novo mercado de trabalho é aquelatrazida por David Harvey, retirada da obra “Flexible Patterns of Work”,editada por C. Curson.

48

Page 49: Table of Contents -  cio à edição eletrônica Este ebook que você tem em mãos é a versão eletrônica, com pequenas modificações, do texto apresentado como dissertação

Nela podemos perceber a existência de um grupo central, duro, de difícilentrada, com trabalhadores qualificados, em que existe umaflexibilidade de horário e de trabalho e uma proteção total do Direito doTrabalho. Detêm esses trabalhadores maior segurança no emprego,benefícios vários dentro das empresas, podendo, por outro lado, sertransferidos geograficamente de acordo com o interesse da empresa.Esses trabalhadores são mais propensos a ascenderem na carreira e aobter aumento real dos salários.

A periferia contém dois subgrupos. Um primeiro grupo periférico, que“consiste em ‘empregados em tempo integral com habilidadesfacilmente disponíveis no mercado de trabalho, como pessoal do setorfinanceiro, secretárias, pessoal das áreas de trabalho rotineiro e detrabalho manual menos especializado’” (HARVEY, 2000, p. 144). Essestrabalhadores dificilmente são promovidos dentro da empresa ecaracterizam-se por uma alta rotatividade, pela facilidade de suasubstituição. Um segundo grupo periférico “oferece uma flexibilidadeainda maior e inclui empregados em tempo parcial, empregadoscasuais, pessoal com contrato por tempo determinado, temporários,subcontratação e treinados com subsídios público, tendo ainda menosseguranças de emprego do que o primeiro grupo periférico.” (HARVEY,2000, p. 144)

Desse quadro do mercado de trabalho adotado por Harvey, verificamos49

Page 50: Table of Contents -  cio à edição eletrônica Este ebook que você tem em mãos é a versão eletrônica, com pequenas modificações, do texto apresentado como dissertação

a existência do grupo central e do primeiro grupo periférico ainda comvínculos empregatícios confessados pelo tomador dos serviços, e osegundo grupo periférico formado em sua maioria por trabalhadoresterceirizados, ou pertencentes a novas formas de trabalho que não oclássico emprego fordista de tempo e direitos trabalhistas integrais.(8)Estudemos, então, essas novas formas de trabalho trazidas pelareestruturação do capital.

3. Novas Formas de Trabalho

Novas formas de trabalho surgem nesse quadro imposto pelareestruturação da produção. Os trabalhadores não são mais todosconcentrados na empresa, trabalhando naquele mesmo territóriodenominado de estabelecimento, sob ordens diretas de uma hierarquiapredeterminada.

Um exemplo de nova forma de trabalho é o teletrabalho ou trabalho àdistância. Como bem ressalta João Hilário Valentim (1999, p. 524-530),diferencia-se este do trabalho em domicílio, pois, apesar defrequentemente ser realizado na casa do empregado, este tipo detrabalho também pode ser realizado em um estabelecimento satélite daempresa, longe da sede ou da unidade principal à qual o empregadoestiver vinculado, ou ser apenas parcialmente realizado fora da sede,com dois dias na semana no escritório e o resto em casa. Assim,podemos afirmar que o teletrabalho ou trabalho à distância é aqueleexecutado em lugar afastado da sede da empresa, utilizando-se dosnovos meios tecnológicos de telefonia e informática.

De fato, pois foi somente com o avanço tecnológico dessas duas áreasque foi possível a implantação em massa desse novo modo de trabalho.Utilizando-se da Internet, ou mesmo de rede interna da própria empresa,todo o trabalho realizado frente a um computador não necessita dodeslocamento do empregado à sede da empresa, podendo este ficar emcasa ou em uma filial, que pode distar a milhares de quilômetros dareceptora final dos dados.

A principal vantagem para a empresa é a diminuição de gastos cominfra-estrutura no local de trabalho (água, luz, café, limpeza, aluguel etc),além de um maior controle do trabalho executado. Sim, pois seaparentemente o empregador não teria um controle do empregado,agora realizado em local distante, longe dos olhos do tomador dos

50

Page 51: Table of Contents -  cio à edição eletrônica Este ebook que você tem em mãos é a versão eletrônica, com pequenas modificações, do texto apresentado como dissertação

serviços, na realidade esse controle é realizado intermitentemente, jáque, pelo sistema de computação, verifica-se quanto tempo realmente oempregado gastou para executar o serviço prescrito. Assim, os olhos doempregador passam a ser o próprio sistema de computação, que nãodescansa, não dorme e não é complacente.

Outra vantagem para as empresas dessa forma de trabalho é apossibilidade da realização do trabalho em lugares de baixa proteção delegislação social, e consequentemente, baixos custos do trabalho. Váriossão os exemplos de empresas transnacionais que executam seusserviços de digitação e central de informática em países periféricos,gerando menores custos operacionais.

Para o empregado, a vantagem seria a eliminação do tempo perdido dedeslocamento até a sede da empresa e a facilidade do convívio familiar.Porém, podemos imaginar que a longo prazo as desvantagens poderãoser superiores às vantagens, pois acarreta o trabalho à distância afragmentação da classe trabalhadora, agora dispersa geograficamente emuitas vezes com menos contato entre si. Gera também a redução dasrelações sociais, trazendo o isolamento do trabalhador e a suaintrospecção. Tudo isso, além do risco sempre existente do empregadorimaginar inexistente a relação de emprego e cortar unilateralmentetodos os direitos da legislação social.

Outra recente forma de trabalho é o chamado trabalho a tempo parcialou “part-time”. No Brasil, segundo a letra da lei, é “aquele cuja duraçãonão exceda a vinte e cinco horas semanais” (art. 59-A, CLT). Este tipo detrabalho seria ideal para os trabalhadores que, por necessidade ouescolha, optam por trabalhar em tempo não integral, logicamenterecebendo salários proporcionais ao tempo despendido. Este tipo detrabalho é interessante para os Estados, pois divide-se o trabalhoexistente entre um número maior de pessoas, diminuindo assim,teoricamente, o nível de desemprego. É vantajoso também para oempregador, pois seria mais fácil de controlar o “estoque” de mão deobra necessitada, devido à menor carga horária desses trabalhadores,logicamente em países com enorme flexibilização externa, como oBrasil.

Todavia, esta espécie de trabalho não gerou os efeitos pretendidos,sendo um fracasso tanto na Europa (9) como no Brasil, justamente pelo

51

Page 52: Table of Contents -  cio à edição eletrônica Este ebook que você tem em mãos é a versão eletrônica, com pequenas modificações, do texto apresentado como dissertação

mesmo motivo: pela manutenção da proteção contra burlas ediminuição progressiva dos direitos sociais. No caso brasileiro, a lei nãofoi bem recebida pelos empregadores nacionais, principalmente devidoa um só dispositivo, que vedava a realização de horas extraordináriaspelo trabalhador a tempo parcial. Desta forma, inviabilizou-se o principalatrativo para o empregador, que seria utilizar-se de forma totalmenteflexível o trabalhador, pagando um salário fixo menor (podendo ser atéinferior ao salário mínimo, pois este é proporcional ao tempotrabalhado), obrigando o trabalhador a realizar trabalho excepcional epagando-lhe o adicional devido quando lhe aprouvesse. Com a proibiçãoda realização da sobrejornada, os atrativos que restaram foram somentepara o trabalhador e para o governo nacional, acarretando o seucompleto ostracismo.

Forma de trabalho inexistente por estas plagas, mas bem utilizado nosEstados Unidos e em alguns países europeus, como Inglaterra,Alemanha, Finlândia, e recentemente a Itália, é o trabalho repartido, ou“job sharing” (SARACINI, 1999, p. 201-203). Baseia-se, como o trabalho atempo parcial, na teoria da limitação do trabalho existente, tentandoreparti-lo entre um maior número de pessoas para a diminuição do nívelde desocupação subjetiva. O “job sharing” é a ocupação de um mesmoposto de trabalho por um ou mais trabalhadores, que se obrigamsolidariamente a executar o mesmo serviço perante o mesmoempregador, dividindo-se entre eles o horário de trabalho, seja essadivisão anual, mensal, semanal, ou mesmo durante a própria jornada detrabalho.

Alguns problemas emergem desta nova forma de trabalho, decorrentesdo fato de que a responsabilidade pelo trabalho é dividida entre osdivisores de trabalho, e eventual falta ou erro no serviço será repartidaigualmente entre todos os trabalhadores, pela solidariedade contratualentre os próprios operários. Também a divisão de trabalho entre ostrabalhadores, que ficaria a critério deles próprios, pode ser motivo dedivergência, já que o pagamento é realizado proporcionalmente aotempo trabalhado. Desses problemas se verifica que, para a implantaçãodo “job sharing”, é necessário um grau de desenvolvimento intelectual eeducacional dos trabalhadores e dos empregadores incompatível com onível pátrio, sendo impraticável sua “importação” para o nosso mercadode trabalho.

52

Page 53: Table of Contents -  cio à edição eletrônica Este ebook que você tem em mãos é a versão eletrônica, com pequenas modificações, do texto apresentado como dissertação

Espécie de trabalho inexistente no Brasil é o italiano Contrato deSolidariedade Externo ou Expansivo (“contratto di solidarietà esterno oespansivo”), no qual os empregados de certa empresa aceitam reduzirsua carga horária de trabalho, obviamente com redução salarial, com acontrapartida do empregador de contratar mais empregados (SANTUCCI,1999, P. 205-208). É mais uma forma de divisão do trabalho existente, e onome solidariedade é bem empregado, pois, nesse caso, estão sendo osempregados solidários realmente com aqueles trabalhadoresdesempregados, principalmente os jovens, que são os mais beneficiadoscom esse tipo de contrato. Porém, como era de se esperar, pela poucasolidariedade humana encontrável nesses dias, teve, desde sua criaçãoem 1984, escassa utilização na Itália, principalmente devido à reduçãosalarial sofrida pelos trabalhadores.

O contrato a prazo indeterminado deixa de ser o modo comum eobrigatório, surgindo contratos a prazo determinado sem os requisitosde outrora, utilizando-se a flexibilização externa do Direito do Trabalhopara a ocupação de postos fixos de trabalho com este tipo decontratação. Com a lei n.º 9.601/1998, instituiu-se no sistema jurídicobrasileiro nova forma de contrato de trabalho por prazo determinado,dispensando-se, para este novo contrato de trabalho, as condições detransitoriedade e extraordinariedade previstas na Consolidação das Leisdo Trabalho. Para isto, basta a autorização sindical, por meio deconvenção ou acordo coletivo de trabalho, além de que os postosocupados pelos contratados a prazo sejam novos, ou seja, este tipo decontrato visa a criação de novos postos de trabalho, trazendo incentivoscomo a redução de encargos sociais, bem como a permissão de,encerrado o contrato, dispensar-se o trabalhador sem o pagamento deindenização.

Entre essas novéis formas de trabalho, inclui-se a terceirização, em todasas suas modalidades e vertentes (trabalho temporário, cooperativas detrabalho, trabalho terceirizado etc), como modo preferido de contrataçãodo empregador pós-industrial, devido a sua extrema flexibilidade e ser,inclusive, central na nova forma de organização produtiva. Passemosagora ao estudo mais aprofundado dessa nova forma de trabalho.

NOTAS:

(1) Neologismo em homenagem a Taiichi Ohno, engenheiro-chefe das

53

Page 54: Table of Contents -  cio à edição eletrônica Este ebook que você tem em mãos é a versão eletrônica, com pequenas modificações, do texto apresentado como dissertação

fábricas Toyota, o “inventor” do toyotismo e do método “kanban”.

(2) A estreita ligação entre a forma de organização do trabalho e oregime de acumulação do capital se deve às três características docapitalismo expostas por HARVEY (2000, p. 166-169), principalmente asegunda: “1. O capitalismo é orientado para o crescimento. (...) A crise édefinida, em conseqüência, pela falta de crescimento. 2. O crescimentoem valores reais se apóia na exploração do trabalho vivo na produção.(...) Por isso, o controle do trabalho, na produção e no mercado, é vitalpara a perpetuação do capitalismo. 3. O capitalismo é, por necessidade,tecnológica e organizacionalmente dinâmico. Isso decorre em parte dasleis coercitivas, que impelem os capitalistas individuais a inovações emsua busca do lucro. Mas a mudança organizacional e tecnológicatambém tem papel-chave na modificação da dinâmica da luta de classes,movida por ambos os lados, no domínio dos mercados de trabalho e docontrole de trabalho”.

(3) O amianto (asbesto) é comprovadamente cancerígeno, causando adoença denominada mesotelioma de pleura e pericárdio (tumores nasmembranas que envolvem o pulmão e o coração), além de asbestose,também fatal na maioria das vezes. Os trabalhadores que exercem suasatividades com esses tipos de material quase não têm chances deescapar, porém a atividade dessas indústrias ainda é permitida emvários países subdesenvolvidos, dentre eles, infelizmente, o Brasil.

(4) Muito embora o próprio Taylor, em sua obra mais famosa, pregasseque os trabalhadores sugerissem modificações para a melhoria daprodução, porém, a verificação da validade e vantagens da suaimplantação cabia ao administrador e aos engenheiros-chefes deprodução.

(5) Qualidade total, que, ANTUNES, Ricardo (2000, p. 50), acertadamenteafirma ser uma falácia do “mundo empresarial moderno”, pois na“empresa enxuta” da reestruturação produtiva, com a necessidadeimperiosa de aumento na velocidade do circuito produtivo, é obvia aintencionalidade na diminuição do tempo de vida útil dos produtos.Dessa forma, a “qualidade” do produto deve ser apenas de aparenteatualidade, porém deve ser compatível com a pequena durabilidadenecessária ao sistema capitalista atual. E arremata, na p. 51 da obracitada, “Desse modo, o apregoado desenvolvimento dos processos de

54

Page 55: Table of Contents -  cio à edição eletrônica Este ebook que você tem em mãos é a versão eletrônica, com pequenas modificações, do texto apresentado como dissertação

‘qualidade total’ converte-se na expressão fenomênica, involucral,aparente e supérflua de um mecanismo produtivo que tem como umdos seus pilares mais importantes a taxa decrescente do valor de usodas mercadorias, como condição para a reprodução ampliada do capitale seus imperativos expansionistas”. Dá como exemplo evidente osmicrocomputadores e “softwares”, que têm vida útil reduzidíssima,apesar da aparência de inovação, modernidade e qualidade que elestentam trazer.

(6) Como afirma o próprio Taiichi Ohno, o “pai da criança” apud ALVES,2000, p. 46,: “Há dois modos de aumentar a produtividade, um éaumentar a produção, o outro é reduzir o pessoal de produção”.

(7) Como ocorreu no Brasil com a extinção da estabilidade decenal e asua substituição pelo sistema do Fundo de Garantia do Tempo deServiço, que se tornou o maior exemplo de flexibilização do Direito doTrabalho ocorrido em nossa Nação.

(8) Cabe ressaltar que Harvey observa que inclusive o primeiro grupoperiférico pode ser, em períodos de crise empresarial, substituído portrabalhadores precarizados como aqueles existentes no segundo grupoperiférico, tornando-se um só grupo periférico.

(9) Como por exemplo o trabalho a tempo parcial na Itália, conformeinforma Rosario Santucci, “Il lavoro a tempo parziale”, in RUSCIANO;ZOPPOLI, 1999, p. 194: “Todavia o ‘part time’ não decolou nuncasobretudo pela rigidez das regras legais e o peso dos ônus contributivosnos quais se conserva as desconfianças originárias”.

55

Page 56: Table of Contents -  cio à edição eletrônica Este ebook que você tem em mãos é a versão eletrônica, com pequenas modificações, do texto apresentado como dissertação

SEGUNDA PARTE

TERCEIRIZAÇÃO E TRABALHO

Verificou-se que, no contexto da globalização do capitalismo avançado, aorganização do trabalho modifica-se substancialmente, determinando osurgimento de novas formas de estruturação do capital, ensejando damesma forma surgimento de diversas formas de relacionamento capital-trabalho.

Dentre essas novas formas, viu-se estar a terceirização, objeto de nossoestudo. Assim, determina-se o estudo do fenômeno frente ao trabalho,especialmente sobre suas influências diretas e indiretas sobre o Direitodo Trabalho.

No primeiro capítulo desta parte estar-se-ão sendo estudadas ascaracterísticas gerais da terceirização, sua impostação teórica e suasrelações com o Direito, mais especificamente suas influências sobre oDireito do Trabalho. O segundo capítulo estará abordando a posição doDireito do Trabalho pátrio sobre o fenômeno, em relação àjurisprudência, doutrina e legislação. No terceiro capítulo, crucial para oentendimento do presente trabalho, estará a diferenciação entreterceirização e intermediação de mão de obra, fundamental para averificação do estado de precarização que esta forma de organizaçãolaboral pode trazer para os trabalhadores.

56

Page 57: Table of Contents -  cio à edição eletrônica Este ebook que você tem em mãos é a versão eletrônica, com pequenas modificações, do texto apresentado como dissertação

Capítulo I – Questões Gerais sobre aTerceirização e o Direito do

Trabalho

“O direito que nos cerca ainda é o Direito do Capital. Nossa práxis há deser voltada, segundo as aptidões de cada um, para a sociedade em quetodo Direito seja Direito do Trabalho, de honestos trabalhadores, semmedo e peias” (Roberto Lyra Filho, in Introdução Crítica ao Direito do

Trabalho, Série O Direito Achado na Rua)

Este capítulo estudará o fenômeno terceirização, primeiramente isolado,para depois, demonstrada a sua natureza extrajurídica, ser estudada suarelação com a ciência jurídica, mais especificamente seu ramo laboral.Entretanto, para a sua verificação em relação ao Direito do Trabalho, énecessário primeiro ver como este se estrutura, já que uma daspropostas do presente trabalho é justamente verificar aincompatibilidade da intermediação de mão de obra, muitas vezesdenominada terceirização, com a própria estrutura protetiva que dásentido a esta especialização do Direito.

1. Natureza do Fenômeno Terceirização

Terceirização. O nome indica tudo e indica nada ao mesmo tempo.

Indica nada, pois, se tomado ao pé da letra, indicaria a entrega a“terceiro” de atividades que seriam realizadas por uma empresa. Ora, sea atividade é entregue a “terceiro”, quem seria o segundo?

Indica tudo, pois, termo brasileiro de nascença e utilização, demonstra areal intenção do empresariado brasileiro no repasse a “terceiro”, nosentido de “outro”, da posição de empregador na relação empregatícia (e

57

Page 58: Table of Contents -  cio à edição eletrônica Este ebook que você tem em mãos é a versão eletrônica, com pequenas modificações, do texto apresentado como dissertação

consequentemente da responsabilidade sobre os encargos e direitostrabalhistas) com seus empregados.

Porém, mundialmente, não é desta forma denominado o fenômeno. EmPortugal é subcontratação, nos Estados Unidos é entendido como“outsourcing”, na França por “sous-traitance” ou “extériorisation”, na Itália“subcontrattazione”, e na Espanha “subcontratación”. Todas essasdenominações, exceto a brasileira, demonstram a existência de umcontrato civil de entrega de atividades à outra empresa.

A terceirização não é um fenômeno recente, mas sim a amplitude de suautilização. Robert Castel (1998, p. 162-163) conta que na Europa, entre osséculos XVI e XVIII, praticava-se o “putting-out system”, sistema desubcontratação onde o comerciante fornecia a lã, o tecido de lã ou ometal, e às vezes até as ferramentas, a trabalhadores habitantes no meiorural, retornando estes o material acabado ou semi-acabado. Ointeressante é que, ainda segundo Castel, a subcontratação teve comomóvel contornar as regras da organização tradicional das profissões(Corporações de Ofício), já que os subcontratados (ou terceirizados daépoca) eram camponeses, fora do âmbito da estruturação urbana dosofícios.

Como afirmamos anteriormente, segundo Harvey, até mesmo em plenoauge fordista havia subcontratação, mesmo nos países centrais (CASTEL,1998, p. 132).

Porém, como dissemos, a amplitude de sua utilização é realmenterecente, decorrente da já estudada reestruturação produtiva, sendo umade suas bases.

A terceirização não é um fenômeno pertencente ao Direito do Trabalho.Não é nem mesmo um instituto de Direito, sendo na realidadepertencente a outras áreas do conhecimento, como a Economia e aAdministração de Empresas. Tal entendimento é imprescindível para acompreensão do presente trabalho, pois se parte dessa premissa para asua conclusão.

Se procurarmos seu conceito, verificaremos ser verdadeira a assertivaacima realizada.

A terceirização pode ser entendida como o processo de repasse para arealização de complexo de atividades por empresa especializada, sendo

58

Page 59: Table of Contents -  cio à edição eletrônica Este ebook que você tem em mãos é a versão eletrônica, com pequenas modificações, do texto apresentado como dissertação

que estas atividades poderiam ser desenvolvidas pela própria empresa.Nesse sentido Wilson Alves Polônio (2000, p. 97), para o qual aterceirização é o “processo de gestão empresarial consistente natransferência para terceiros (pessoas físicas ou jurídicas) de serviços queoriginariamente seriam executados dentro da própria empresa”. Esteconceito está parcialmente correto, havendo somente um equívoco, poisa terceirização pode se dar “dentro” das instalações da empresa, e serrealizada autonomamente por uma empresa especializada. O fato dosserviços serem realizados “dentro” da empresa, apesar de ser um indíciode se tratar de intermediação de mão de obra, não serve para,solitariamente, afastar a existência de terceirização. Assim, preferimos oque demos acima.

A Ciência da Administração também tem o mesmo entendimento. LívioGiosa (1997, p. 14) a conceitua como “um processo de gestão pelo qualse repassam algumas atividades para terceiros, com os quais seestabelece uma relação de parceria, ficando a empresa concentradaapenas em tarefas essencialmente ligadas ao negócio que atua”. CiroPereira da Silva (1997, p. 30) a entende como “a transferência deatividades para fornecedores especializados, detentores de tecnologiaprópria e moderna, que tenham esta atividade terceirizada como suaatividade-fim, liberando a tomadora para concentrar seus esforçosgerenciais em seu negócio principal, preservando e evoluindo emqualidade e produtividade, reduzindo custos e gerando competitividade.”

Assim também é entendida internacionalmente a terceirização. SegundoGérard Couturier (1996, p. 119), esta expressão se aplica a “osprocedimentos de gestão que consistem em confiar a outras empresastarefas que estão dentro da atividade da empresa principal ou que sãoacessórias a esta atividade (manutenção, limpeza, etc.) (1).” Segundo aclássica obra francesa “Précis Droit du Travail” (JEAMMAUD ET AL, 2000, p.312), terceirização seria um contrato “pelo qual um empreendedor secompromete a realizar uma tarefa precisa por conta de um terceiro,mediante remuneração.” A característica interessante que se observaneste último conceito é que a tarefa será realizada “por conta” deterceiro, ou seja, autonomamente, o que é, de fato, de suma importânciapara a caracterização da verdadeira terceirização.

É de se observar também que em nenhum momento os conceitos

59

Page 60: Table of Contents -  cio à edição eletrônica Este ebook que você tem em mãos é a versão eletrônica, com pequenas modificações, do texto apresentado como dissertação

esbarram em repasse de trabalhadores ou de responsabilidade sobreestes, ou fornecimento de mão de obra. O mote da terceirização é orepasse de serviços ou atividades especializadas para empresas quedetenham melhores condições técnicas de realiza-las. É técnica deadministração, e não de gestão de pessoal.

Verificamos então se tratar de forma de gestão empresarial ou técnicade administração (RAMOS, 2001, p. 56), que apenas incidentalmenteatinge o Direito do Trabalho, da mesma forma que ocorre com osconceitos de empresa e estabelecimento, que pertencem tanto aoDireito Comercial quanto à Ciência da Administração e à Economia, masque são apropriados pelo Direito do Trabalho, pois importantes eimprescindíveis para a sua aplicação. O conceito de terceirização éutilizado pelo Direito do Trabalho para a verificação da existência damesma, ou de mera intermediação de mão de obra, por este nãopermitida como regra, como veremos mais adiante neste estudo.

Entre as vantagens apontadas pela Ciência da Administração, inerentesao próprio conceito da terceirização, seriam a redução de custos,melhoria na qualidade dos produtos, melhor competitividade, aumentode produtividade e aumento de lucros. Ora, de todos esses, o único quenão se pode aceitar como razoável seria a redução de custos. Ora,quando se contrata outra empresa para realização de um serviço que elaprópria realizava, ou poderia realizar, deve-se levar em conta que sepagará, além dos custos daquela atividade, o lucro da empresacontratada. Assim, em condições normais e não havendo algumaextraordinariedade, como não dever a contratada recolher tributos,encargos ou observar direitos trabalhistas, não haveria solução mágicaque pudesse fazer com que os custos diminuíssem para a realização damesma atividade (2). Como afirma a literatura específica da Ciência daAdministração, “qualquer terceirização que privilegie custos emenospreze qualidade cai no campo do modismo e do engodo” (SILVA,1997, p. 28).

Esta forma de organização empresarial, como pudemos observar pelosconceitos acima expostos, está intimamente ligada com as ideias de“especialização” e “concentração”. De fato. Conserva a empresa asatividades que entende por ínsitas à sua existência, concentrando-senestas, e repassando a empresas tecnicamente especializadas atividades

60

Page 61: Table of Contents -  cio à edição eletrônica Este ebook que você tem em mãos é a versão eletrônica, com pequenas modificações, do texto apresentado como dissertação

acessórias e periféricas, para a sua melhor realização, melhorando o seuproduto, seja pela sua própria concentração em sua área deespecialização, seja pela prestação especializada das empresascontratadas.

Isto afasta completamente a possibilidade da existência de terceirizaçãona atividade central da empresa, comumente conhecida por atividade-fim. Isto, pois, como vimos, é da sua essência a concentração naatividade especializada. Se não se concentrar na sua especialidade,concentrar-se-á em quê, afinal? Aí não se tratará de terceirização, e simde ato fictício, mera intermediação, desfigurando e desnaturando oinstituto (SILVA, 1997, p. 28).

Contraria também logicamente o sentido técnico de terceirização orepasse de atividades administrativas, pois estas são e estão inseridasumbilicalmente nas atividades centrais da empresa. Poderia sercontratada uma empresa para gerenciar a atividade contábil da empresa,mas nunca para a atividade de gestão de pessoal, por exemplo, pois estaé realizada segundo diretrizes totalmente dadas pela direção daempresa, que coordena seu trabalho em todas as suas especificidades.Não há aqui especialização, além do controle não ser exercido pelatomadora de serviços somente finalisticamente, e sim diuturnamenteem todas as atividades. É simplesmente impossível imaginar umtrabalho autônomo de departamento de pessoal, como também éimpossível imaginar uma prestação de “serviços” autônomos desecretária, ou de recepção e atendimento ao público.

Assim, a impossibilidade de existência de verdadeira terceirização ematividade-fim, ou central, de uma empresa, além de decorrer deincompatibilidade lógica com o instituto, segundo seu próprio conceitooriundo da Ciência da Administração, é prática, pois o controle deexecução é sempre realizado pela empresa, alcançando, aí sim, o direitodo trabalho e o instituto da subordinação jurídica, que será mais a frenteexplicitado.

Assim, quando se tratar de repasse de atividade central da empresa, nãoestaremos diante de terceirização, por absoluta incompatibilidade com oinstituto. Tratar-se-á de fraude trabalhista, pois, no caso concreto,existirá sempre intermediação de mão de obra.

Importante salientar neste ponto do trabalho que a questão da61

Page 62: Table of Contents -  cio à edição eletrônica Este ebook que você tem em mãos é a versão eletrônica, com pequenas modificações, do texto apresentado como dissertação

atividade-fim ou atividade-meio não é central para a resolução dosproblemas da terceirização em relação ao Direito do Trabalho, tratando-se apenas de indício de existência de intermediação de mão de obra,que é o real problema para o Direito do Trabalho, pois abala a estruturadesta própria área do saber, além de causar graves problemas sociais,como se verá mais adiante.

2. O Direito do Trabalho e seu pilar estrutural

Para a boa compreensão da relação entre a terceirização e o Direito doTrabalho, deve-se abordar a estrutura do Direito do Trabalho, paraverificar quando e como pode ser tida como legal a terceirização, equando esta atinge os pilares do Direito do Trabalho e seu sistemaprotetor, devendo ser tida como ilegal, sob pena de simplesmente anulartoda a proteção necessária ao trabalhador (3).

O Direito do Trabalho, por natureza, baseia-se em dois pilares maiores, apartir dos quais nascem todos os outros princípios: o princípio protetore a determinação legal da identidade do empregado e empregador.

O primeiro pilar, o do princípio protetor, também denominado deprincípio tutelar ou de proteção do trabalhador, é conceituado por PinhoPedreira (SILVA, 1997, p. 29) como “aquele em virtude do qual o Direitodo Trabalho, reconhecendo a desigualdade de fato entre os sujeitos darelação jurídica de trabalho, promove a atenuação da inferioridadeeconômica, hierárquica e intelectual dos trabalhadores”. ConformeSussekind (ET AL, 2000, P. 148-149), este princípio resulta “das normasimperativas, e, portanto, de ordem pública, que caracterizam aintervenção básica do Estado nas relações de trabalho, visando a oporobstáculos à autonomia da vontade. Essas regras cogentes formam abase do contrato de trabalho – uma linha divisória entre a vontade doestado, manifestada pelos poderes competentes e a dos contratantes”.

Este princípio é a base do Direito do Trabalho e razão de sua existênciacomo ramo autônomo do Direito. Uma vez extirpado, como defendemos neoliberais, acaba a razão de ser do Direito do Trabalho. É o que nostraz Deveali (apud SÜSSEKIND ET AL, 2000, p. 149), afirmando que oDireito do Trabalho é “um direito especial, que se distingue do direitocomum, especialmente porque enquanto o segundo supõe a igualdadedas partes, o primeiro pressupõe uma situação de desigualdade que eletende a corrigir com outras desigualdades”. Deste princípio decorre

62

Page 63: Table of Contents -  cio à edição eletrônica Este ebook que você tem em mãos é a versão eletrônica, com pequenas modificações, do texto apresentado como dissertação

outro a ele inarredável, que é o da irrenunciabilidade dos direitostrabalhistas.

Assim o Direito do Trabalho existe justamente para impor normascogentes ou de ordem pública, inafastáveis até mesmo por acordomútuo entre os atores da relação trabalhista, com o fim único deequilibrar as forças em jogo, que se mostram, a cada dia mais,pendendo para o lado do economicamente mais forte.

Juntamente com este pilar do Direito do Trabalho, existe outro, comoacima citado, o da determinação legal da identidade dos atores sociais.Este princípio tem sua razão de ser em sua imprescindibilidade para agarantia do princípio base do Direito do Trabalho, pois seria muito fácileliminar o princípio protetor, se não se dispusesse na legislação quem equando se é empregador e empregado. Se tal princípio não existisse, aofirmar o contrato o empregador se denominaria somente contratante, eo empregado “contratado autônomo”, fugindo das normas protetorastrabalhistas, além das tributárias. Tal ocorre frequentemente, deste osprimórdios do Direito do Trabalho. Antigamente utilizava-se a formasocietária de Capital e Indústria para tentar disfarçar a relaçãoempregatícia existente, passando todos os empregados a serem “sóciosde indústria” e o empregador “sócio de capital”. A forma moderna destetipo de burla são as cooperativas de mão de obra, apesar de existiremoutras formas que são atualmente utilizadas (4).

Assim, todas as legislações trabalhistas derivadas do direito continentaleuropeu aplicam o presente princípio, conceituando legalmente ossujeitos da relação trabalhista, não admitindo a derrogação dessesdispositivos por vontade das partes, e colocando os requisitosindicadores da existência da relação empregatícia.

A Consolidação das Leis do Trabalho não tratou diferentemente aquestão. Logo no seu início, nos artigos 2º e 3º, já conceitua as figuras doempregador e empregado.

“Art. 2º. Considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, que,assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige aprestação pessoal de serviços.”

“Art. 3º. Considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviçosde natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e

63

Page 64: Table of Contents -  cio à edição eletrônica Este ebook que você tem em mãos é a versão eletrônica, com pequenas modificações, do texto apresentado como dissertação

mediante salário.”

Destarte, de acordo com a situação real, quem se enquadrar aos termosdas definições acima, serão empregado e empregador, mesmo quecontra a vontade dos contratantes e de suas disposições contratuais.Isto, pois, vige no Direito do Trabalho o Princípio da Primazia daRealidade, pelo qual vale mais a realidade fática da relação do que aforma pela qual ela se apresenta.

Ou seja, o princípio ora em estudo somente tem razão de ser em virtudedo Princípio da Primazia da Realidade, já que este impossibilita a burla atodos os direitos trabalhistas por meio da fuga da conceituação dossujeitos da relação empregatícia.

A partir dos conceitos expostos pela lei, a doutrina trabalhista brasileiraconvencionou os requisitos da relação trabalhistas que, uma vezexistentes, estaria então configurada uma relação trabalhista. Essesrequisitos divergem bem pouco de autor para autor, e estão em geralrelacionados como os seguintes: pessoalidade, alheabilidade, não-eventualidade, onerosidade e subordinação.

Pessoalidade indica que a natureza da prestação de serviços deve serintuitu personae, ou seja, a prestação do trabalho deve ser realizada pelaprópria pessoa contratada, não se admitindo a substituição, por regra,por qualquer outra pessoa (5).

Alheabilidade, no entendimento de Manuel Alonso Olea (1997, p. 56)seria a correspondência dos frutos do trabalho, entendidos como “todoresultado do trabalho produtivo do homem, intelectual ou manual”,tenha valor por si mesmo ou o tenha associado ao resultado do trabalhode outros homens, consista em um bem ou consista em um serviço; deonde se possa afirmar que a alheabilidade se refere à ‘utilidadepatrimonial do trabalho’”. Decorre também desse requisito que quemsuporta os riscos da atividade econômica é o empregador, assim comoos lucros.

Não-eventualidade significa que a prestação de trabalho, para acaracterização da existência de empregado e empregador deve sercontínua, no sentido de inserção do trabalhador nas atividades normaisda empresa, impedindo desta forma a caracterização daqueletrabalhador eventual que porventura realize um serviço não atinente às

64

Page 65: Table of Contents -  cio à edição eletrônica Este ebook que você tem em mãos é a versão eletrônica, com pequenas modificações, do texto apresentado como dissertação

atividades da empresa, como o conserto de um elevador ou reparo deinstalação elétrica, ou garçons contratados para festa anual da empresa.

Onerosidade é o requisito que exige que a atividade do trabalhador sejarealizada tendo em vista o interesse em contraprestação em valorfinanceiro. Desta forma, não seriam empregados aqueles que prestamtrabalho por motivos de ordem moral ou religiosa, como os voluntáriosem casa de saúde ou os sacerdotes de ordem religiosa. Note-se que orequisito é de intenção da contraprestação, e não de sua existência defato. O fato do empregador nunca ter positivamente pago pela prestaçãode serviços não acarreta a inexistência deste requisito, econsequentemente da relação empregatícia. O fim da prestação detrabalho é que deve ser observada, e não a situação realmente ocorrida.

Por fim, o requisito da subordinação, também chamado de dependência.Este é o mais importante requisito, e que, na maioria dos casos,realmente define a presença de uma relação empregatícia. Váriasdiscussões acerca deste requisito já foram realizadas, inclusive quanto ànatureza desta subordinação, que já foi tida como social, econômica etécnica, que logo foram afastadas, por suas impropriedades para aconceituação do requisito. Hoje, quase a unanimidade dos autoresafirma ser a subordinação de natureza jurídica, imposta pelo sistemajurídico trabalhista.

A subordinação jurídica, na conceituação de Paul Colin (apud MORAESFILHO; MORAES, 2000, p. 242) é “um estado de dependência real criadopor um direito, o direito de o empregador comandar, dar ordens, dondenasce a obrigação correspondente para o empregado de se submeter aessas ordens. Eis a razão pela qual chamou-se a esta subordinação dejurídica, para opô-la, principalmente, à subordinação econômica e àsubordinação técnica que comporta também uma direção a dar aostrabalhos do empregados, mas direção que emanaria apenas de umespecialista. Trata-se aqui, ao contrário, do direito completamente geralde superintender a atividade de outrem, de interrompê-la à vontade, delhes fixar limites, sem que para isso seja necessário controlarcontinuamente o valor técnico dos trabalhos efetuados. Direção efiscalização, tais são então os dois polos da subordinação jurídica.”Realmente, como concordam Evaristo de Moraes Filho e Délio Maranhão(MARANHÃO; CARVALHO, 1992, p. 51), trata-se de uma definição que, se

65

Page 66: Table of Contents -  cio à edição eletrônica Este ebook que você tem em mãos é a versão eletrônica, com pequenas modificações, do texto apresentado como dissertação

não perfeita, foi a que abrangeu e explicou a subordinação de formasatisfatória, mesmo para os dias atuais.

Ressaltamos “para os dias atuais”, pois vivemos um momento em que asubordinação está posta em questão, tanto pela sua abrangência quantopela sua eficácia.

Manuel Alonso Olea, discutindo a dependência no Direito do Trabalho,verificou que “a submissão às ordens é muito relativa em numerososcontratos de trabalho, e em alguns casos virtualmente inexistente,aparecendo como uma potencialidade.” (OLEA, 1997, P. 66) Concluientão, que “hoje a dependência tem que ser concebida como um meroestar dentro de um quadro orgânico de funções e de competências,dentro de um ‘círculo que rege’ ou ‘esfera organizativa’” (OLEA, 1997, p.67). Sugere então o trabalhista espanhol passar-se então para umcritério mais objetivo, estando ínsito o potencial de subordinação.

O “Rapport Supiot” (SUPIOT, 1999, p. 38-40), relatório de um grupo deexpertos em Direito do Trabalho, encomendado pela Comissão daComunidade Europeia para a discussão sobre o futuro do trabalho,demonstrou a necessidade de um alargamento do critério dasubordinação, pois, se por um lado há um progresso na autonomia dotrabalho (como verificado por Olea), pelo desenvolvimento das novastecnologias, evolução no nível de formação dos trabalhadores e novosmétodos de gerenciamento, por outro lado há um crescimento do pesoda subordinação, pela criação de novas formas de trabalho precário,como contrato de prazo determinado e trabalho temporário, sendonecessário para a manutenção do contrato de trabalho um empenho ededicação maiores dos trabalhadores. Fornece, então, o relatório, umentendimento parecido com o de Olea, percebido na jurisprudência dascortes dos diversos países europeus pertencentes à ComunidadeEuropeia, entendendo que a subordinação “não resulta mais somente dasubmissão às ordens na execução propriamente dita do trabalho, mastambém da integração do trabalhador em uma organização coletiva dotrabalho concebida para e por outrem.” (SUPIOT, 1999, p. 39)

Portanto, para a conclusão, podemos retirar que para a existência dasubordinação, estará presente a integração do trabalhador numaorganização coletiva empresarial, sendo que esta fiscaliza e orienta otrabalho, ao menos potencialmente.

66

Page 67: Table of Contents -  cio à edição eletrônica Este ebook que você tem em mãos é a versão eletrônica, com pequenas modificações, do texto apresentado como dissertação

Porém, a prática requer mais que isso. A verificação da existência dosrequisitos da relação trabalhista no caso prático é mais difícil, existindocasos que parecem estar em campo cinzento, não havendo critériosseguros para a verificação da ocorrência da relação trabalhista.

Indica o relatório acima citado, no entanto, que as cortes europeias vêmdecidindo como não necessária a existência simultânea de todos osrequisitos e que, na ausência de algum deles, não se excluiimediatamente o vínculo empregatício. Na realidade, a existência darelação empregatícia verificar-se-á pelo que denomina de “feixe deindícios”, e que a subordinação (e em consequência, a relaçãotrabalhista) ocorreria quando fosse verificada a ocorrência de umareunião de vários dos indícios entre os existentes da subordinação(SUPIOT, 1999, p. 39).

Dentre os indícios mais utilizados, enumera o relatório (SUPIOT, 1999, p.39):

“ – o interessado compromete-se a executar pessoalmente o trabalho;

- ele realizou na prática ele mesmo o trabalho;

- sua contratação comporta uma disponibilidade para realizar as tarefasa serem realizadas;

- a relação entre as partes tem uma certa permanência;

- o interessado é submentido às ordens ou a um controle da outra partenaquilo que concerne ao método, ao lugar ou ao tempo do trabalho;

- os meios do trabalho são fornecidos pela outra parte;

- o trabalho é remunerado;

- o trabalhador é em uma posição econômica e social equivalente àquelade um assalariado.”

Assim, detendo a prática do trabalho realizado a maioria destes indícios,estará presente a relação empregatícia.

Saliente-se, outrossim, que a existência da relação de emprego, uma vezpresentes os seus requisitos (ou o feixe de indícios acima exposto), éimperiosa, por força do Princípio da Primazia da Realidade insculpido noart. 9º da Consolidação das Leis do Trabalho, que afirma que “serãonulos de pleno direito os atos praticados com o objetivo de desvirtuar,

67

Page 68: Table of Contents -  cio à edição eletrônica Este ebook que você tem em mãos é a versão eletrônica, com pequenas modificações, do texto apresentado como dissertação

impedir ou fraudar a aplicação dos preceitos contidos na presenteConsolidação.”

Assim, as regras do Direito do Trabalho prevalecem sobre as regras deDireito Civil ou Comercial que aparentemente disponham não se tratarde uma relação empregatícia.

3. A terceirização no Direito do Trabalho

Já verificada a natureza da terceirização, e a base estrutural do Direito doTrabalho, podemos verificar como se entrelaçam e convivem.

Os estudos sociológicos existentes sobre a terceirização, embora nãorealizem a separação entre a terceirização legal e a mera intermediaçãode mão de obra, demonstram, por outro lado, as consequências emgerais nefastas aos trabalhadores e à coletividade trabalhadoracausadas pela utilização do instituto.

Porém, para o Direito do Trabalho interessa somente verificar alegalidade ou ilegalidade das condutas, ou seja, a adequação ao sistemajurídico vigente, com relação aos direitos postos dos trabalhadores.

Como afirmado supra, pode acontecer de fenômenos de outras áreasatingirem o Direito do Trabalho, sendo que este exerce preponderânciana verificação da existência da relação de trabalho.

O Direito do Trabalho é o ramo do Direito que “tem por objeto aexposição dos princípios e normas de direito que regem as relações detrabalho subordinado”. (MARANHÃO; CARVALHO, 1992, p. 3) Desta forma,somente lhe interessa aquilo que rege o trabalho subordinado, nãopretendendo este regular atividade econômica-empresarial. No entanto,se a atividade econômica impuser burla à caracterização da relaçãoempregatícia, esta simplesmente será ignorada.

Destarte, não tem o condão o Direito do Trabalho de declarar legalidadeou ilegalidade em uma terceirização de serviços, e sim dizer daexistência ou não de burla à legislação trabalhista, que se dará quandonão for uma verdadeira terceirização, e simplesmente a interposição deempresa para retirada do vínculo empregatício direto, ou seja, quandohouver intermediação de mão de obra.

Tal entendimento é claro na doutrina internacional.

Na França, ao contrário do direito brasileiro, há dispositivo legal próprio

68

Page 69: Table of Contents -  cio à edição eletrônica Este ebook que você tem em mãos é a versão eletrônica, com pequenas modificações, do texto apresentado como dissertação

com proibição expressa da intermediação de mão de obra a títulolucrativo, sendo até mesmo penalmente sancionada (L. 125-1 e L. 125-3do Código de Trabalho Francês.). Da mesma forma ocorre na Espanha(Art. 43 do Estatuto dos Trabalhadores Espanhol). Porém, nos paísesonde não há previsão expressa de proibição da intermediação da mãode obra, há dispositivo expresso cogente de determinação dos sujeitosda relação empregatícia. Assim, exceto nos casos permitidos pelalegislação trabalhista que permite o fornecimento de mão de obra, comoas empresas de trabalho temporário, será tida como ilícita aintermediação de trabalho humano subordinado. Não há, nesses países,restrição à terceirização, e nem poderia haver, já que o Direito doTrabalho tem como objeto a regulação das relações de trabalho, e nãoas relações empresariais.

A preocupação do Direito do Trabalho então deve ser com aintermediação de mão de obra travestida de terceirização, devendo serrealizada a clivagem entre elas. É como se encontra em Pélissier-Supiot-Jeammaud (PÉLISSIER ET AL, 2000, p. 346): “Os contratos de prestação deserviços e de subcontratação são lícitos, sob a condição que se tratemverdadeiramente de contratos de prestação de serviços ousubcontratação. Eles são, ao contrário, ilícitos enquanto dissimulam umfornecimento de mão de obra a título lucrativo.” Este também é oentendimento de Gerard Couturier (1996, p. 119-120): “Há ilicitude desdeque a empresa principal somente faz apelo à sua parceira contratualpara que esta forneça mão de obra.”

Como visto, a chave do problema está em saber quando se trata de umaterceirização lícita, de prestação de serviços, e quando se trata desomente uma intermediação de mão de obra, odiosa por objetivar olucro sobre o trabalho de outras pessoas. Por vezes tal diferenciação édifícil, todavia, na maioria dos casos, é clara a separação entre as duas.Os critérios a serem utilizados para a distinção exporemos mais à frente.Primeiro, vamos ver como se porta o Direito do Trabalho brasileirofrente ao problema.

NOTAS:

(1) Aqui o autor não faz diferença entre atividade-fim e atividade-meio doempregador, pois, conforme avança na sua discussão sobre o tema,corretamente afirma que existirá a ilicitude na terceirização se a

69

Page 70: Table of Contents -  cio à edição eletrônica Este ebook que você tem em mãos é a versão eletrônica, com pequenas modificações, do texto apresentado como dissertação

empresa principal quer da sua contratada apenas o fornecimento demão-de-obra, seja ela na atividade-meio, seja ela na atividade-fim. Nãoverificou, entretanto, o autor, que na atividade-fim é praticamenteimpossível o repasse da atividade sem a manutenção da subordinação.

(2) Há outras vantagens colocadas pelos defensores da terceirização,mas são totalmente despropositadas. Sergio Pinto Martins (1997, p. 42-46), aponta, dentre outras, que a terceirização em empresas trará“melhoria nas condições laborais e ambientais, porque irá diminuir aaglomeração de muitas pessoas num mesmo local, diminuindoacidentes de trabalho e, em conseqüência, trazendo um mecanismo deproteção ao próprio trabalhador” (p. 43). Ora, se o problema de acidentesde trabalho devesse à “aglomeração de trabalhadores”, deveria então aempresa deter instalações maiores, não sendo necessária aterceirização. A diminuição de acidentes na empresa pela redução donúmero de empregados é relativa, pois da mesma forma haverá apossibilidade de existência de acidentes de trabalho na empresaterceirizada. Tenta-se ofuscar o óbvio, que a prevenção de acidentes sedá por medidas de segurança específicas para cada local de trabalho,medidas essas que são simplesmente ignoradas pela maioria dosempregadores brasileiros. Indica também o magistrado paulista que aterceirização geraria empregos (p. 43) na empresa terceirizada. Mais umavez, fica-se preocupado: se há geração de mais empregos em outraempresa, como poderia haver então diminuição de custos, sem burla àsleis ou precarização de condições de trabalho?

(3) Aqui devemos deixar clara nossa posição de que a proteção dotrabalhador, mais do que nunca, é necessária. Muitos dos defensores doneoliberalismo afirmam que a proteção estatal ao trabalhador não odeixa evoluir, atravancando da mesma forma a economia nacional,alegando que o trabalhador deve ser tratado como uma pessoa adulta eque sabe dirigir os passos de sua vida por si só. Não concordamos comesta visão, pois esta se esquece de que o Direito do Trabalho somenteexiste pela diferença, não intelectual ou de conhecimento, porém deforças, diferença que naturalmente existe entre os trabalhadores e asempresas. Hoje, mais do que nunca, a desproporcionalidade de forçasestá presente. Em tempos de concorrência internacional desenfreada,tanto de produtos quanto de trabalhadores, a livre concorrência e a leide oferta e procura levariam os trabalhadores a baixar seus níveis de

70

Page 71: Table of Contents -  cio à edição eletrônica Este ebook que você tem em mãos é a versão eletrônica, com pequenas modificações, do texto apresentado como dissertação

exigência ao mínimo imaginável. Prova disto é o que já ocorre, quandograssa a intermediação de mão-de-obra por cooperativasintermediadoras de trabalhadores, submetendo esses trabalhadores alabuta sem nenhuma proteção de direitos e sem patamar mínimo deremuneração, levando-os a vida semi-escrava. Se a proteção do DireitoEstatal do Trabalho inexistir neste momento, estaremos fadados aconviver com uma massa de trabalhadores miseráveis e em condiçõesindignas de sobrevivência. Como afirma Orlando Teixeira da Costa (1999,p. 58): “No princípio era a tutela e a tutela visava o respeito à dignidadeda pessoa humana do trabalhador. Com ela se construiu o Direito doTrabalho e se fez dele um ramo da ciência jurídica a serviço doaperfeiçoamento das relações humanas no trabalho. Esse propósitopode e deve ser melhorado, principalmente em nosso país, tão carente,no momento, de leis trabalhistas esmeradas. O que não pode é desviar-se do rumo inicial, traçado por necessidades que persistirão enquantodificuldades econômicas sérias, ainda que atingindo as empresas,continuem, também, afetando a situação real do trabalhador.”

(4) A empresa Xerox denomina seus vendedores empregados de“representantes comerciais”, apesar de preencherem os requisitos darelação trabalhistas, cumprindo horários e recebendo ordens daempresa. A Rede Globo de Televisão contrata seus principais atores ejornalistas pela forma de contrato civil, fazendo com que essestrabalhadores formem uma empresa e contratando esta para, intuitupersonae, trabalharem para a emissora. Com isto, além dos direitostrabalhistas em fuga, causa esta última evasão do imposto de renda, jáque os trabalhadores não pagam como pessoa física, e sim comopessoa jurídica, com alíquotas bem menores.

(5) Essa regra não é absoluta. A fungibilidade para descaracterização darelação empregatícia deve ser tal que os trabalhos não somente podemser como de fato são realizados por pessoas diferentes. A substituiçãoeventual de um empregado por outro não tem o condão de eliminar ocaráter intuitu personae, se o contrato é em sua maior parte exercidopela pessoa.

71

Page 72: Table of Contents -  cio à edição eletrônica Este ebook que você tem em mãos é a versão eletrônica, com pequenas modificações, do texto apresentado como dissertação

Capítulo II – Terceirização e oDireito do Trabalho Brasileiro

“Bem aventurados sejam aquelesque amam essa desordem

Nós viemos a reboque,este mundo é um grande choque

Mas não somos desse imundoDe cidades em torrente

De pessoas em correnteErrar não é humano

Depende de quem erraEsperamos pela vida

Vivendo só de guerraViemos preparados pra almoçar soldados

Chegamos atrasados,sumiram com a cidade antes de nós.

Mesmo assim, basta esquecê-la em outro diaTransformando em lataria, tudo que estiver ao nosso alcance

Viemos espalhar discórdiaConquistar muitas vitórias,conquistar muitas derrotas

Bem aventurados sejam todosque caírem em moratória

Bem aventurados sejam os senhores do progressoBem aventurados sejam esses senhores do regresso.”

(Canção “Múmias”, Biquini Cavadão)

O Direito do Trabalho brasileiro é de origem europeia continental, aocontrário da origem das formulações teóricas sobre a reestruturaçãoprodutiva. Desta forma, a utilização das novas formas de organização do

72

Page 73: Table of Contents -  cio à edição eletrônica Este ebook que você tem em mãos é a versão eletrônica, com pequenas modificações, do texto apresentado como dissertação

trabalho, como a terceirização, deve ser realizada com o devido cuidado.

No presente capítulo, analisam-se as relações entre a terceirização e oDireito do Trabalho brasileiro, verificando como se posta a doutrina,jurisprudência e legislação perante o assunto. O tema, já adiantamos,não é tratado sistematicamente, ou mesmo de forma clara, pornenhuma das instituições acima citadas. Destarte, pretende-se aqui,acima de tudo, dar um tratamento sistemático e científico ao fenômenofrente ao Direito do Trabalho, mostrando-o da forma mais transparentepossível.

1. A Doutrina Brasileira

A doutrina trabalhista brasileira assiste perplexa ao fenômeno, atacandosuperficialmente o problema, não levando em consideração aestruturação do Direito do Trabalho e seus princípios.

Pode-se encontrar, nas revistas especializadas, uma miríade de artigossobre o tema, que se debate em sua grande maioria sobre a questão deatividade-meio e atividade-fim, questão que na realidade é secundáriapara a solução do problema. A sua maioria toma como ponto de apoiopara a legalidade ou não das terceirizações a Súmula nº 331 do TribunalSuperior do Trabalho, que nada mais é do que o entendimentosedimentado da mais alta corte trabalhista do país sobre a matéria, que,porém, não tem força de lei, nem vincula os juízes dos primeiros grausde jurisdição. Portanto, a maioria dos escritos segue e tenta decifrar aSúmula nº 331 sem ao menos entender as razões pelas quais umaterceirização pode ser tida como lícita ou ilícita, realizandodesdobramentos argumentativos sobre a diferença entre atividade-fim eatividade-meio.

Argumentos conflitantes nos traz Bezerra Diniz, quando em um ponto deseu estudo (BEZERRA DINIZ, 1999, p. 3-32) afirma que a terceirizaçãoinsere-se em um contexto maior de flexibilização do trabalho, apontandodiversos malefícios, como precarização do trabalho, desemprego,redução salarial, piora nas condições de saúde e segurança, degradaçãodo ambiente de trabalho, dificuldade de organização sindical etc.(BEZERRA DINIZ, 1999, p. 15), porém em outro ponto passa sinais deperplexidade frente ao fenômeno, chegando a afirmar que “Aterceirização, como já explicitado, foi uma saída da classe empresarial ànecessidade de barateamento da mão de obra; ao contrário do que

73

Page 74: Table of Contents -  cio à edição eletrônica Este ebook que você tem em mãos é a versão eletrônica, com pequenas modificações, do texto apresentado como dissertação

pensam alguns, não deve ser simples e absolutamente proibida (comotentou fazer o Enunciado nº 256); é um sinal dos tempos, e como taldeve o direito do trabalho compreendê-la e decifrar suas estruturas, afim de poder encontrar soluções para a classe trabalhadora, à quem eleserve, dentro desse novo contexto socioeconômico.” (BEZERRA DINIZ,1999, p. 15) E ainda ignora a diferenciação entre “marchandage”, outráfico e intermediação de mão de obra e terceirização, pois afirma que“muitos de seus efeitos são similares, pois partem de uma base comum,a subcontratação de mão de obra.” (BEZERRA DINIZ, 1999, p. 21). (1)

Não podemos de forma alguma concordar com essa impassibilidade e asimples estupefação frente ao problema. Não há como se concordar quea terceirização seja pertencente ao movimento maior de flexibilizaçãodos direitos do trabalho, pelo menos teoricamente, pois assim se estarialegitimando a precarização da relação do trabalho frente a ummovimento de reestruturação produtiva. Na realidade, a interligaçãoentre terceirização e flexibilização ocorre somente naquela comointermediação de mão de obra, a qual existe justamente para baixa decustos em desfavor dos trabalhadores, o que não é de forma algumaaceitável. E aceitar a terceirização como intermediação de mão de obra éavalizar a precarização e o subjugo do trabalhador frente a questõeseconômicas.

Há também várias monografias publicadas sobre o tema, algumas atésendo apologéticas ao fenômeno da terceirização, esquecendo-se dasrazões de existência do Direito Protetivo do Trabalho. Em sua maioriaelas não são claras, e parecem entrar em contradição a todo o tempo.

Sergio Pinto Martins (1997), por exemplo, apesar de curvar-se claramentea argumentos econômicos, olvidando de quaisquer argumentos sociais,em fazendo apologia em várias passagens da terceirização, consegueverificar que a real solução para o problema foge à questão da atividade-meio ou fim, e sim quanto à existência de puro fornecimento de mão deobra. Segundo o autor, “a terceirização ilegal ou ilícita é a que se refere alocação permanente de mão de obra, que pode dar ensejo a fraudes eprejuízos em relação aos trabalhadores.” (MARTINS, 1997, p. 136).Concede o magistrado inclusive elementos para verificação da licitudeda terceirização, arrolando: “a) idoneidade econômica da terceirizada; b)assunção de riscos pela terceirizada; c) especialização nos serviços

74

Page 75: Table of Contents -  cio à edição eletrônica Este ebook que você tem em mãos é a versão eletrônica, com pequenas modificações, do texto apresentado como dissertação

prestados; d) os serviços devem ser dirigidos pela própria empresaterceirizada; e) utilização do serviço principalmente em relação àatividade-meio da empresa que terceiriza serviços, evitando-se aterceirização da atividade-fim (2); f) necessidade extraordinária etemporária de serviços.” (MARTINS, 1997, P. 137)

Rubens Ferreira de Castro (2000) dá ênfase extremada nas atividadesque, segundo ele, deveriam ser tidas como possíveis de terceirização.Crê o autor que a solução do problema está no estabelecimento dessasatividades “terceirizáveis”, em prol da segurança que deve haver noDireito e evitando desta forma as fraudes. Acredita que o maisimportante seja a garantia dos direitos sociais, não importando se elessão efetivamente realizados pelo tomador dos serviços ou por umsubcontratado (CASTRO, 2000, p. 91). Desta forma, infelizmente ignoratodos os estudos realizados que demonstram a exclusão, o apartamentoe a fragmentação da classe trabalhadora causada pela terceirizaçãocomo intermediação de mão de obra, acabando por realizar umafastamento do Direito das Ciências Sociais, distanciamento estetotalmente indesejável e que só faz não se alcançar a real solução para oproblema.

Até o Ministério do Trabalho e Emprego, em sua “cartilha” aoempresariado (MTE, 2000, p. 31) sobre terceirização, faz uma grandeconfusão, ora afirmando ser a terceirização “a contratação de serviçospor meio de empresa, intermediária entre o tomador de serviços e amão de obra” (MTE, 2000, p. 31), ora afirmando a impossibilidade deexistência de pessoalidade e subordinação, sob pena de configuraçãodireta de vínculo com a tomadora (MTE, 2000, p. 32). Essa “orientação” doMinistério do Trabalho, na realidade, nada mais faz do que confundir oempresariado, que pode ser induzido a pensar que é legal a contrataçãode trabalhadores por empresa interposta, o que não é verdade.

Porém, a obra em que se tem a terceirização como o mais avançado emtermos de Direito do Trabalho é de José Luiz Ferreira Prunes (1995), ondese defende com unhas e dentes o fenômeno como intermediação demão de obra. Fazendo a separação entre terceirização e intermediaçãode mão de obra, o magistrado gaúcho coloca esta última comointeiramente possível, e que a resistência em sua admissão pelajurisprudência e doutrina brasileiras é realizada em parte por “paladinos

75

Page 76: Table of Contents -  cio à edição eletrônica Este ebook que você tem em mãos é a versão eletrônica, com pequenas modificações, do texto apresentado como dissertação

de bizarras ‘escolas’ que já se mostram anacrônicas” (PRUNES, 1995, p.168). É de se notar que em toda a sua obra, não faz o autor nenhumcomentário sobre as consequências danosas que a intermediação demão de obra traz para a coletividade de trabalhadores e a suacontribuição para a precarização do trabalho, muito menos qual a razãoséria que levaria uma empresa a contratar uma outra empresa paraintermediar seus empregados, aceitando ainda pagar seu lucro. Seuúnico argumento é o da “modernidade nas relações de trabalho”, sempreocupação mínima com o aspecto social. Para verificar o absurdo desuas conclusões, veja-se acórdão de sua lavra, do Tribunal Regional doTrabalho da 4ª Região (Rio Grande do Sul), que reproduz em sua obra,onde, ultrapassando qualquer norma de responsabilidade de DireitoCivil Liberal, anuncia a irresponsabilidade da tomadora de serviçosfrente aos trabalhadores, sendo que, em qualquer contrato civil, desdeos tempos do Código de Napoleão, não se admite este tipo deirresponsabilidade (3).

Nos manuais de Direito do Trabalho, dada à aparente novidade do tema,o tema não é tratado com a importância devida, merecendo somenteuma análise superficial que quase sempre repete a Súmula 331 do TST.

Não é o caso da mais clássica obra de Direito do Trabalho, asInstituições de Direito do Trabalho (SÜSSEKIND ET AL, 2000, 280-291).Atualizada nesta parte por Lima Teixeira, traz uma boa análise dofenômeno. E consegue verificar que “Fundamental, destarte, perquirir seo enlace contratual é consistente na forma e na essência ou seapresenta distorções que, na execução do pactuado, desvendemautêntico contrato de trabalho sob capa de negócio jurídico admitidopelo Código Civil. Tal é a hipótese quando comprovado que otrabalhador, prestando serviços pessoais e permanentes, não recebeordens de seu empregador (empreiteiro ou empresa de prestação deserviços) e, sim, do contratante do bem ou serviço, o qual, de fato, oestipendia e assume os riscos da atividade econômica que explora.”(SÜSSEKIND ET AL, 2000, 281). E corretamente arremata, resumindo:“Contrato de empreitada no qual trabalhadores da empresa contratadaombreiam-se com empregados da empresa contratante, sob a direçãodesta, na execução de um único e mesmo serviço, constituiintermediação de mão de obra ou marchandage, expediente deturpadoque encontra rechaço no art. 9º da CLT.” (SÜSSEKIND ET AL, 2000, 282)

76

Page 77: Table of Contents -  cio à edição eletrônica Este ebook que você tem em mãos é a versão eletrônica, com pequenas modificações, do texto apresentado como dissertação

Clarividência que também tem Souto Maior, que afirma que “Somentedeve-se considerar válida a terceirização, sob aspecto de desviar aformação da relação de emprego da empresa tomadora dos serviços,quando a empresa prestadora tenha uma atividade empresarialespecífica, ou seja, não se constitua apenas como intermediadora demão de obra e quando a contratação se efetive por tempo determinado,para realização, portanto, de serviços que não sejam contínuos, naempresa tomadora, independentemente de se considerá-los atividade-meio ou atividade-fim. Fora desses contornos a terceirização deve gerara formação do vínculo de emprego diretamente entre os trabalhadores ea empresa tomadora.” (SOUTO MAIOR, 2000, p. 319)

Carrion, com a sua conhecida objetividade, aduz que “Na locação de mãode obra e na falsa subempreitada, quem angaria trabalhadores os colocasimplesmente (ou quase) à disposição de um empresário, de quemrecebem as ordens, com quem se relacionam constantemente ediretamente, inserindo-se no meio empresarial do tomador de serviço,muito mais do que no de quem os contratou e os remunera; o locador éapenas um intermediário que se intromete entre ambos,comprometendo o relacionamento direto entre o empregado e seupatrão natural; em seu grau extremo, quando, sem mais, apenas avilta osalário do trabalhador e lucra o intermediário (Camerlynck, “Le Contrat”).É a figura do marchandage, com suas características mais ou menosnítidas e que é proibida em vários países (França, México etc.) e atépunida criminalmente (art. 43 da L. 8/80, Estatuto dos Trabajadores, daEspanha).” (CARRION, 2000, p. 288-289)

Assim, a doutrina mais lúcida vê claramente a diferença entre a meraintermediação de mão de obra e a terceirização de serviços. Vejamosagora como se portam os magistrados em suas decisões.

2. A Jurisprudência Brasileira e a Súmula 331 do TST

Com o crescimento de casos de terceirização ocorrido em meados dosanos 80, o Tribunal Superior do Trabalho começou, a esta época, a julgarcasos a esse respeito, formando já um grande acervo de decisões, todasno sentido de rechaçar qualquer tipo de terceirização.

O primeiro enunciado de súmula sobre a matéria a surgir foi o de nº 239,aprovado pela Resolução Administrativa do TST de nº 15/85, publicadono Diário da Justiça da União do dia 09 de dezembro de 1985, dispondo

77

Page 78: Table of Contents -  cio à edição eletrônica Este ebook que você tem em mãos é a versão eletrônica, com pequenas modificações, do texto apresentado como dissertação

da seguinte forma: “É bancário o empregado de empresa deprocessamento de dados que presta serviço a banco integrante domesmo grupo econômico”. Percebe-se, então, que, ao mesmo tempo emque se verifica a intenção das instituições bancárias de tentativa deutilização da terceirização com objetivo de fuga às disposições relativasaos trabalhadores bancários, bem mais benéficas, criando empresassubsidiárias para a realização de processamento de dados, verifica-setambém que o TST começou abortando tal tentativa.

Logo após foi aprovado o Enunciado nº 256, pela ResoluçãoAdministrativa nº 04/86, publicado no Diário da Justiça da União de 30 desetembro de 1986, trazendo o seguinte entendimento: “Salvo os casos detrabalho temporário e de serviço de vigilância, previstos nas Leis nº 6019,de 3.1.74, e 7.102, de 20.6.83, é ilegal a contratação de trabalhadores porempresa interposta, formando-se o vínculo empregatício diretamentecom o tomador dos serviços”. Assim, entendeu a mais alta cortetrabalhista de que a intermediação de mão de obra seria ilegal, porémcometeu um equívoco, pois não houve a separação entre intermediaçãoe terceirização, colocando como se fosse a mesma coisa o serviço devigilância previsto na Lei nº 7.102/83 e o trabalho temporário da Lei nº6.019/74, que trata de uma exceção à regra de proibição deintermediação de mão de obra, ao contrário do serviço de vigilância,quando, em sua regular maioria, é prestado autonomamente e nãocomo empresa interposta.

De qualquer forma, não tratou o enunciado de terceirização na suaforma científica, já que diz “contratação de trabalhador”, o que indicaintermediação de mão de obra, já que na terceirização regular não secontrata trabalhador, e sim serviços especializados a serem realizadosautonomamente.

Dentre os julgados precedentes que deram origem ao enunciado, estáum em que foi declarada a ilegalidade da intermediação de mão de obrarealizada por empresa de limpeza e conservação, posição que o tribunalreveria em sua próxima orientação jurisprudencial. Importante notar queno citado julgamento, foi observado o fato de mero fornecimento detrabalhadores, e não prestação de serviços por parte da tomadora (4).

Da mesma forma, houve outros acórdãos que serviram de precedentes,todos demonstrando a intermediação de mão de obra em serviços de

78

Page 79: Table of Contents -  cio à edição eletrônica Este ebook que você tem em mãos é a versão eletrônica, com pequenas modificações, do texto apresentado como dissertação

limpeza e conservação, além de outros acórdãos que verificaram amesma situação em outras atividades das empresas tomadoras da mãode obra.

Tal enunciado provocou a ira nos setores mais de direita do Direito,chegando um dos maiores defensores do empresariado no Direito doTrabalho a afirmar que “numa penada, o TST revogou partes substanciaisdo Código Civil, referentes ao contrato de locação de serviços e àempreitada. Numa penada, o TST colocou na ilegalidade os contratosque habitualmente se fazem com mais de cinco milhões detrabalhadores rurais (os chamados bóias-frias) e com cerca de ummilhão de outros trabalhadores, ligados às empresas de conservação easseio.” (MAGANO apud ROBORTELLA, 1994). É incrível como podealguém defender um sistema, como o de gatos de boias-frias, que énotoriamente a maior exploração de trabalho de pessoas que temos emnosso país, com pessoas precarizadas ao máximo e trabalhando paracomer em condições inóspitas. Além disso, o arcaico contrato delocação de serviços já havia sido, na parte que tange ao trabalhosubordinado, revogado pela Consolidação das Leis do Trabalho em 1943.

Perceba-se, entretanto, que não houve em nenhum momento nesseenunciado a proibição à verdadeira terceirização, e sim à interposição deempresa com vistas a evitar o vínculo empregatício.

Porém, os julgados se sucederam naquela Corte no sentido de que oenunciado nº 256 era somente exemplificativo, e que existia entãopossibilidade de terceirização lícita, chegando então a ser realizada arevisão daquele enunciado.

Aprovou-se, então, pela Resolução Administrativa nº 23/93, publicada nodia 21 de dezembro de 1993, o Enunciado nº 331 do TST, que assimdispôs o entendimento do Tribunal:

"Contrato de prestação de serviços — Legalidade — Revisão doEnun¬ciado n. 256.

I — A contratação de trabalhadores por empresa interposta é ilegal,formando-se o vínculo diretamente com o tomador dos serviços, salvono caso de trabalho temporário (Lei n. 6.019, de 3.1.74);

II — A contratação irregular de trabalhador, através de empresainterposta, não gera vínculo de emprego com os órgãos da

79

Page 80: Table of Contents -  cio à edição eletrônica Este ebook que você tem em mãos é a versão eletrônica, com pequenas modificações, do texto apresentado como dissertação

Admi¬nistração Pública Direta, Indireta ou Fundacional (art. 37, II, daConstituição da República);

"III — Não forma vínculo de emprego com o tomador a contratação deserviços de vigilância (Lei n. 7.102, de 20.6.83), de conservação e limpeza,bem como a de serviços especializadas ligados à atividade-meio dotomador, desde que inexistentes a pessoalidade e a subordinação direta.

"IV — O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte doempregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dosserviços, quanto àquelas obrigações, inclusive quanto aos órgãos daadministração direta, das autarquias, das fundações públicas, dasempresas públicas e das sociedades de economia mista, desde quehajam participado da relação processual e constem também do títuloexecutivo judicial (art. 71 da Lei nº 8.666, de 21.06.1993). (Alterado pelaRes. 96/2000, DJ 18.09.2000)" (5).

Um enunciado é “o substrato do entendimento dominante da Corte emum dado contexto histórico-social, servindo como orientação, tanto paraa Casa, como para os demais órgãos da Justiça do Trabalho.” (6) Assim,para a sua elaboração, tomam-se julgados anteriores sobre a matéria,que são chamados de precedentes, e que dariam a estrutura doenunciado. Contudo, na sessão do Tribunal em que é realizada aelaboração de um enunciado, há discussão da matéria entre osmagistrados e votação do texto do enunciado, que pode vir a nãocoincidir com o entendimento dos precedentes que o forjaram. É o queaconteceu no presente caso, pois alguns precedentes que lhe deramorigem vão simplesmente de encontro com o enunciado, confundindointermediação de mão de obra e terceirização ou prestação de serviços(7).

Vejamos como ficou o entendimento do Tribunal Superior do Trabalho,por uma análise passo a passo da súmula. O Enunciado 331, revendo ode n.º 256, na verdade manteve o mesmo espírito e entendimento,desfazendo porém a confusão entre terceirização e intermediação demão de obra, e está, em linhas gerais, em consonância com o sistemajurídico trabalhista pátrio.

O inciso I está a afirmar, categoricamente, da mesma forma que faziaquando da Súmula 256, que, excetuando-se o caso de trabalhotemporário, previsto em lei, sempre a contratação de trabalhadores por

80

Page 81: Table of Contents -  cio à edição eletrônica Este ebook que você tem em mãos é a versão eletrônica, com pequenas modificações, do texto apresentado como dissertação

empresa interposta é ilegal, tomando-se o vínculo com o tomador deserviços. Ou seja, é proibida a intermediação de mão de obra, dequalquer forma, sob qualquer circunstância, com exceção da únicapossibilidade existente na lei de intermediação lícita de mão de obra,que é aquela realizada por empresa de trabalho temporário, desde quesejam seguidos os rigorosos requisitos impostos naquela lei.

O inciso II traz uma exceção à geração de vínculo automática com otomador de serviços em caso de intermediação de mão de obra porórgãos da Administração Pública Direta, Indireta ou Fundacional, isto emcumprimento à regra constitucional democrática do art. 37, em que aentrada no serviço público deve ser realizada somente por concursopúblico. Observe-se que a intermediação continua proibida, somentenão ocorre o vínculo, pois seria uma fraude ao princípio constitucionaldo concurso público.

O inciso III, aparentemente, seria uma exceção à regra do inciso I, emuitas vezes é assim tratado pelos doutrinadores e julgadores. Porémnão é desta forma. O inciso I fala de intermediação de mão de obra,enquanto que o inciso III trata de terceirização de serviços. Neste,verifica-se que não forma vínculo de emprego com o tomador acontratação de serviços de vigilância, terceirização regulamentada pelaLei n.º 7.102/83 e de conservação e limpeza, além de serviçosespecializados ligados à atividade-meio do tomador. Entretanto, nãoserá sempre que na atividade-meio não se dará o vínculo, pois, ao finaldo inciso, salienta a Súmula que este não existirá desde que inexistentea pessoalidade e a subordinação direta. Com isso, reafirmou o TST aimpossibilidade de intermediação de mão de obra, dando vazão aoPrincípio da Primazia da Realidade, onde a situação de fato prevalecesobre a ficção jurídica.

Assim, mesmo em sendo atividade-meio do empregador, havendofornecimento de trabalhadores para executarem suas tarefas compessoalidade e subordinação direta ao tomador, formar-se-á o vínculodireto com a tomadora. Note-se que não se trata de declaração deilegalidade da terceirização, e sim a constatação do vínculo, quepreexiste à constatação, pois impossível a atividade de fornecimento demão de obra no regramento jurídico brasileiro, com exceção dofornecimento de trabalho temporário por empresas especializadas,

81

Page 82: Table of Contents -  cio à edição eletrônica Este ebook que você tem em mãos é a versão eletrônica, com pequenas modificações, do texto apresentado como dissertação

desde que respeitados os requisitos da lei própria.

Quanto à diferenciação entre atividade-fim e atividade-meio, tomou oTribunal as próprias definições de terceirização existentes na literaturainterdisciplinar, que, como vimos, tem como pressuposto básico aconcentração da empresa no seu “core business”, ou seja, atividadeprincipal. Além disso, partiu o Tribunal de uma presunção, retirada daexperiência comum, de que a prestação de serviços em atividade-fim, ouseja, atividade principal da empresa, dentro de estabelecimento daprópria, nunca poderia ser realizada sem pessoalidade e subordinaçãodireta com o tomador, o que reputamos correto. Não se pode imaginaruma fábrica em que em sua linha de produção haja uma outra empresafabricando em seu lugar, nas linhas de produção. Aqui, logicamente,seria intermediação de mão de obra, e a empresa interposta seriasomente administradora do pessoal, obviamente fraude à lei.

No caso da indústria de automóveis (exemplo muito citado pelosdefensores da “terceirização total”), que terceirizou a fabricação daspeças, tornando-se montadora de automóveis, o que ocorreu foi amudança da sua atividade-fim, que passou a ser somente de montageme projetos de automóveis. Nesse caso, há terceirização autônoma deatividade, mas não da atividade-fim, que foi modificada (8). Se essamesma montadora de automóveis colocasse outra empresa parafabricar peças dentro de suas dependências e sob a supervisão diretasua, na realidade estaríamos diante de um mero fornecimento de mãode obra. E mais: se essa mesma montadora, ao invés de se contentar emcontratar o fornecimento de autopeças, exigir também que sejamfabricadas dessa ou daquela forma, com tantos empregados, sujeitos àfiscalização da indústria que recebe os serviços, estaremos tambémdiante de mera fraude, e não terceirização legítima em termostrabalhistas.

Saliente-se, no entanto, que a discussão sobre atividade-fim e meio ésecundária para a resolução do problema aqui enfrentado. Novamenterepetimos que a viga mestra, limite da legalidade em termos deterceirização, é a diferenciação entre terceirização verdadeira e meraintermediação de mão de obra, diferenciação que já existia no tempo doEnunciado 256 do TST, pois estava este tratando somente sobre aintermediação de mão de obra.

82

Page 83: Table of Contents -  cio à edição eletrônica Este ebook que você tem em mãos é a versão eletrônica, com pequenas modificações, do texto apresentado como dissertação

Destarte, a entrega à outra empresa da realização de serviços ematividade relacionada diretamente com o objeto social da empresa épresunção juris et de jure, não admitindo prova em contrário.

Por outro lado, estranha a inclusão do serviço de asseio e conservaçãono inciso, como presunção de legalidade de terceirização, já que, aocontrário da exemplificação da vigilância, não há lei a regulamentando.Penso que a sua inclusão na Súmula, oriunda de diversos precedentes, esua aceitação a priori como válida, deve-se a outros fatores que nãojurídicos.

Pensamos que a razão é a mesma pela qual o empregado domésticonão detém os mesmos direitos que o trabalhador celetista, e pela qualsomente recentemente foram estendidos ao trabalhador rural osmesmos direitos do urbano. Trata-se, ao meu ver, de resquício daescravidão, já que são as mesmas atividades realizadas pelos escravosno século XIX. As atividades do empregado doméstico e daquele doserviço de limpeza são justamente as mesmas, com a diferença do localde trabalho e qualidade de empregador. O trabalho rural e o serviçodoméstico eram típicos dos escravos brasileiros do século retrasado.Por isso, serviços tidos como menores e menos gratificantes, realizadospelos negros escravos em outras épocas, recebem discriminação dosórgãos julgadores e legisladores, podendo, na sua visão, serem tratadoscomo de segunda categoria, não merecendo receber o mesmotratamento que um empregado de escritório, que realizaria “trabalhointelectual”. Além do mais, como verificamos em qualquer repartiçãopública ou empresa, o que realmente acontece é a mera inserção depessoal para realizar aquelas atividades, sendo tratados comoempregados, havendo subordinação ao tomador, e pessoalidade narealização do trabalho, cumprindo inclusive tarefas determinadas pelaempresa, nos horários que essa determina.

Essa discriminação, além de odiosa, é inconstitucional, pois fere o incisoXXXII do art. 7º da Constituição Federal de 1988, que determinou a“proibição de distinção entre trabalho manual, técnico e intelectual ouentre os profissionais respectivos.”

Com exceção desse detalhe, quanto ao serviço de limpeza econservação, verifica-se a justeza do entendimento da Corte SuperiorTrabalhista, esperando que ela se mantenha rechaçando a

83

Page 84: Table of Contents -  cio à edição eletrônica Este ebook que você tem em mãos é a versão eletrônica, com pequenas modificações, do texto apresentado como dissertação

intermediação de mão de obra, que é a real causa de precarização,quando se fala em terceirização (9).

3 – A Terceirização e a Legislação Trabalhista

Não há norma proibindo a terceirização, seja em atividade-fim, seja ematividade-meio. E nem seria razoável haver, pois a forma de gerenciarseu negócio e quais setores vai atuar deve ser decisão da própriaempresa.

Quanto ao Direito do Trabalho, como afirmado anteriormente, só é esteramo do Direito atingido quando, utilizando a terceirização para simplesfornecimento de mão de obra, tenta-se escapar das prescrições cogentesdos artigos 2º e 3º que, como vimos, determinam quem serão os sujeitosda relação de emprego.

O art. 9º da Consolidação das Leis do Trabalho é claro: “Serão nulos depleno direito os atos praticados com o objetivo de desvirtuar, impedir oufraudar a aplicação dos preceitos contidos na presente Consolidação”.

Assim, a Legislação Trabalhista prevê que, se a terceirização for utilizadacomo intermediação de mão de obra, com objetivo de impedir aformação de vínculo da tomadora de serviços com o trabalhadorsubcontratado não-eventual e subordinado, será a mesma tida comonula, tomando-se o vínculo diretamente com o beneficiado do trabalho.Como afirma Dora Ramos, “importa destacar que a ilegalidade daintermediação não decorre de expressa vedação legal, mas do não-enquadramento da noção de empregador ao intermediador de mão deobra”. (RAMOS, 2001, P. 67)

A Legislação Brasileira, outrossim, vem, em textos legislativos esparsos,realizando previsões sobre a terceirização.

O primeiro texto foi sem dúvida o Decreto-Lei nº 200/67, que dispôssobre a organização da Administração Pública Federal brasileira.

No capítulo III do citado Decreto-Lei, ao dispor sobre a descentralizaçãodo serviço público, um dos princípios fundamentais da AdministraçãoPública dispostos pelo diploma legislativo, insere-se o § 7º do art. 10,que assim dispõe:

“Para melhor desincumbir-se das tarefas de planejamento, coordenação,supervisão e controle e com objetivo de impedir o crescimento

84

Page 85: Table of Contents -  cio à edição eletrônica Este ebook que você tem em mãos é a versão eletrônica, com pequenas modificações, do texto apresentado como dissertação

desmesurado da máquina administrativa, a Administração procurarádesobrigar-se da realização material de tarefas executivas, recorrendo,sempre que possível, à execução indireta, mediante contrato, desde queexista, na área, iniciativa privada suficientemente desenvolvida ecapacitada a desempenhar os encargos de execução.”

Verifique-se que em nenhum momento se fala em fornecimento depessoal, o que seria até mesmo absurdo hoje em dia, face à exigênciaconstitucional de concurso público para a inserção de trabalhador naAdministração. Vê-se que se trata claramente de terceirização, cessão detarefas ou serviços a serem realizados autonomamente por empresascapacitadas tecnicamente (especializadas). Assim, houve a previsão deterceirização pelo Dec.-Lei nº 200/67, e não de fornecimento detrabalhadores, como se entendeu, equivocadamente, em alguns julgadosdo Tribunal Superior do Trabalho acima colacionados.

Por ter havido várias distorções quanto à aplicação do Dec. Lei n.º200/67, que foi utilizado para colocação de pessoal por meio decontratos de prestação de serviços, e para bem demonstrar adiferenciação entre terceirização de serviços e intermediação de mão deobra, foi posto na ordem jurídica nacional o Decreto n.º 2271/97, paradisciplinamento da contratação de serviços pela Administração PúblicaFederal direta, autárquica e fundacional, havendo no mesmo clarasdisposições para evitar o desvirtuamento da contratação de serviçospelo Administração Pública.

Dispõe o Decreto citado:

“Art . 4º É vedada a inclusão de disposições nos instrumentos contratuaisque permitam: (...)

II - caracterização exclusiva do objeto como fornecimento de mão deobra; (...)

IV - subordinação dos empregados da contratada à administração dacontratante.”

Conforme Bresser Pereira, em comentários sobre o decreto acima, “anova regulamentação corrige distorções que descaracterizavam oinstituto da execução indireta, especialmente a prática da utilização doscontratos de prestação de serviços para suprir necessidades de pessoalque deveriam ser providas com a admissão ou o remanejamento de

85

Page 86: Table of Contents -  cio à edição eletrônica Este ebook que você tem em mãos é a versão eletrônica, com pequenas modificações, do texto apresentado como dissertação

servidores públicos. (...) Assim, o decreto estabelece regras vigorosas:não poderá ser contratada a prestação de serviços que permita asubordinação direta dos empregados da contratada ao órgão ouentidade contratante.” (BRESSER PEREIRA, 1998, p. 300)

Destarte, resta patente que na administração pública não há previsão depossibilidade de intermediação de mão de obra, havendo mesmoproibição, sendo seu desvirtuamento fraude ao princípio constitucionaldo concurso público, indispensável para admissão no serviço público.

Em 03/01/1974 foi sancionada a Lei nº 6.019, que tratou sobre o trabalhotemporário. Nesta lei sim, pela primeira e única vez, dispôs o DireitoBrasileiro sobre intermediação lícita de mão de obra. Atendendo ainteresses e preocupações das empresas (10), para atendimento denecessidade transitória de substituição de seu pessoal regular epermanente ou a acréscimo extraordinário de serviços, foi permitida ainserção de trabalhadores contratados de empresas fornecedoras demão de obra temporária.

Esta lei impôs sérios requisitos para a contratação legal, devido àpossibilidade de fraude, para a contratação de pessoal regularutilizando-se desta lei. O primeiro é justamente as razões para acontratação, que são previstas na lei: a substituição temporária depessoal regular ou acréscimo extraordinário de serviços. Um segundorequisito importante é o prazo, já que a contratação do trabalhadorsomente pode se dar pelo prazo determinado de até 3 (três) meses,prorrogáveis por igual período, desde que existente autorização doMinistério do Trabalho. Há também uma série de requisitos quanto àempresa fornecedora da mão de obra, quanto a cadastro e patrimônio,não podendo ser qualquer empresa a fornecedora desse tipo de mão deobra (11).

Portanto, não se trata de hipótese de terceirização, com prestação deserviços, e sim de fornecimento temporário de trabalhadores paraatuação para a empresa tomadora. Como afirma Ciro Pereira da Silva(SILVA, 1997, P. 28), “há uma certa tendência em confundir terceirizaçãocom a contratação de mão de obra temporária. Esta é um processototalmente diferente, regulado pela Lei n. 6.019/74, que permite a criaçãode empresas “locadoras” de mão de obra para fins específicos, comopicos de produção e por período predeterminado não superior a três

86

Page 87: Table of Contents -  cio à edição eletrônica Este ebook que você tem em mãos é a versão eletrônica, com pequenas modificações, do texto apresentado como dissertação

meses. Já a terceirização propriamente dita, aquela em que a prestadoratoma a seu cargo a tarefa de suportar a tomadora, em caráterpermanente, com o fornecimento de produtos ou serviços, não mereceuaté agora legislação própria.”

Em 20/06/1983 entrou em vigor a Lei nº 7.102, dispondo sobre o serviçode transporte de valores, vigilância patrimonial e pessoal, autorizando aprestação de serviços por empresas especializadas nesta atividade paraempresas ou pessoas particulares. É caso nítido de terceirização,prestação de serviços autônomos, não existindo previsão deinterposição de mão de obra nesta lei. Rubens Ferreira de Castro (2000,125), comentando a lei, ressalta “a importância da ausência depessoalidade e subordinação direta entre o tomador e o trabalhador, afim de que não seja estabelecido vínculo empregatício entre estes.Presentes estes elementos de formação da relação de emprego, haveránítido propósito de fraude à aplicação das normas tutelares dotrabalhador.”

Desta forma, verifica-se que tratam de coisas distintas as duas últimasleis citadas. Uma, a de trabalho temporário, trata claramente decolocação de pessoal para trabalhar com pessoalidade e subordinação àempresa contratante, enquanto que a de serviços de vigilância não tratada colocação de trabalhadores a serviço da contratante, e sim darealização de serviço que será realizado autonomamente, segundo aindependência organizacional da prestadora de serviços.

Há outras leis com previsão para a realização de serviços autônomos,que podem ensejar terceirização, como a Lei nº 7.290/84 (transporterodoviário autônomo) e a Lei nº 4.886/85 (representante comercialautônomo), mas em nenhuma delas há permissão de fornecimento demão de obra, e sim, prestação de serviços autônomos, sendo que, se, nocaso concreto, verificar-se a prestação pessoal e subordinada detrabalho, serão considerados os trabalhadores empregados da tomadorados serviços.

Verificamos, portanto, que há somente uma lei que permite aintermediação de mão de obra, que é aquela do trabalho temporário.Todas as outras nupercitadas prevêem a possibilidade de prestação deserviços autônomos por empresas especializadas, com ressalvas quantoà prestadora de serviços, para a garantia contra a fraude.

87

Page 88: Table of Contents -  cio à edição eletrônica Este ebook que você tem em mãos é a versão eletrônica, com pequenas modificações, do texto apresentado como dissertação

Assim, passemos a observar como se pode dar, objetivamente, adistinção entre terceirização e intermediação de trabalhadores.

NOTAS:

(1) Na p. 7, porém, o autor extrapola, ao afirmar que “O direito dotrabalho passa por um momento dialético, já que forçastransformadoras e conservacionistas se chocam, cada vez mais, deforma mais radical e com maior intensidade. É interessante notar ainversão dos protagonistas nessa luta: a burguesia, tradicionalmenteocupante do papel d classe conservadora, transformou-se e agora é atransformadora, pregando a reformulação das regras que regem arelação de trabalho (...). A classe operária, partidos de esquerda,intelectuais e estudantes, notadamente a classe progressista,transmudaram-se na nova classe conservadora, defensora ferrenha doatual sistema protetivo jurídico-trabalhista, vendo nele a verdadeirasalvação para o proletariado que defende. Nessa luta entre classes,sinais de superação já se fazem sentir, ao menos para a classe patronal”.O equívoco é flagrante. Na verdade, se a esquerda prega a conservaçãodo sistema protetor trabalhista, o faz por falta de condições políticas deavanço em mais defesas e direitos ao trabalhador, enquanto que a“burguesia”, como chama o autor a direita, não tem nada de avançada outransformadora, e não se transformou, apenas viu a oportunidade surgirde retroceder ao status quo ante, de voltar o trabalho a ser regido pelasregras livres de mercado. Assim, não tem nada de progressista, comoquer fazer crer o citado autor, e sim de regressista.

(2) Nesta parte se contradiz, já que anteriormente (p. 120) havia dito daexistência de terceirização verdadeira em atividade-fim de empresas,dando exemplos que, porém, não me pareceram convincentes. De fato, oautor dá como exemplos de terceirização lícita em atividade-fimprimeiramente aquela ocorrente na indústria automobilística e, emsegundo lugar, as costureiras que realizam seus trabalhos em seupróprio domicílio para a indústria da confecção. Quanto ao primeiroexemplo, a indústria automobilística, como foi mostrado na primeiraparte do presente estudo, foi o campo inaugural da reestruturaçãoprodutiva, e, por isso, deve ser tida como um capítulo à parte em relaçãoà terceirização. Isto, pois, atua realmente em rede, realizando parceriascom empresas fornecedoras de autopeças, sendo firmados contratos de

88

Page 89: Table of Contents -  cio à edição eletrônica Este ebook que você tem em mãos é a versão eletrônica, com pequenas modificações, do texto apresentado como dissertação

fornecimento de produtos, e não prestação de serviços, fugindo doalcance do direito do trabalho. Não olvidamos, entretanto, da fortesubordinação (aqui não a específica do Direito do Trabalho, masdependência econômica entre empresas) exercida sobre as pequenasempresas, que deve ter tratamento específico da área de direitocomercial. Quanto ao segundo exemplo, nada mais falacioso. É notória aexistência de subordinação no caso das facções de roupas no Nordestee no interior de Minas Gerais, onde o trabalho em domicílio é utilizadopara dificultar a verificação da subordinação e do vínculo empregatício,sempre existentes nesses casos. Foi infeliz o exemplo do autor, pois,conforme a literatura sociológica sobre esse tipo de trabalhador, é umadas formas mais perversas de exploração do gênero feminino existentes.Conforme Lena Lavinas e Bila Sorj (O Trabalho a Domicílio em Questão:Perspectivas Brasileiras in ROCHA, Maria Isabel Baltar (org.), Trabalho eGênero: Mudanças, Permanências e Desafios. São Paulo: ed. 34, 2000, p.212, o trabalho a domicílio, “tal qual é definido pela OrganizaçãoInternacional do Trabalho (OIT), está associado a um assalariamentodisfarçado, em que o trabalhador é despossuído de direitos mínimos,com evidente impossibilidade de se fazer representar e defender por umórgão de classe. Por isso mesmo, a Convenção da OIT, assinada em1996, pretende estender a esses trabalhadores uma condição legal quelhes é negada, sobretudo a mulheres e crianças, que constituem amaioria dessa mão de obra externa à fábrica e fortemente precarizada.”.

(3) Afirma Prunes (1998, p. 71): “A lei brasileira tem regulamentaçãoprópria para a prestação de mão de obra temporária, de conformidadecom a Lei 6.019. Os trabalhos temporários devem, necessariamente,obedecer estas disposições legais, sob pena de se entender que seestabelece com o tomador de serviços. Contudo, tratando-se de mão deobra permanentes, inocorre vedação legal para a existência de taiscontratos que são de abrangência trabalhista apenas para aempregadora e o empregado, excluída a responsabilidade do tomadorpermanente”. Enquanto o Direito Civil caminha para a maiorresponsabilidade dos contratantes, e garantia mais eficaz das parteshipossuficientes, como o consumidor, certas pessoas pregam a entregado trabalhador desarmado e submetido à força do Capital. Pregando umpretenso modernismo e avanço, olvidam que o Direito Progressista, narealidade, está na efetivação dos Direitos Humanos, e nunca em sua

89

Page 90: Table of Contents -  cio à edição eletrônica Este ebook que você tem em mãos é a versão eletrônica, com pequenas modificações, do texto apresentado como dissertação

negação.

(4) Acórdão 2ª Turma, nº 377/82, RR 889/81, julgado em 02/03/1982. "Otrabalho de conservação e asseio não pode ser objeto de contrataçãopela Lei 6.019, por não se tratar de trabalho temporário. Menos aindapela locação prevista no Código Civil, por ser atividade permanente,indispensável à vida da empresa. A contratação através de locadoraconstitui fraude ao regime da CLT. Vínculo empregatício com o tomadordo serviço quando há continuidade e o trabalho é prestado a uma únicaempresa. Quando o empregado trabalha em uma jornada subdivididaem duas, o longo intervalo entre ambas deve ser remunerado comoextra, porque o empregado ficou à disposição do empregador. Revista aque se nega provimento" (Ac. 2a T 377/82, Proc. RR 889/81, j. 2.3.82, Rei.Min. Marcelo Pimentel, Recorrente: Brilho Conservação e Administraçãode Prédios Ltda. e Cia. Estadual de Energia Elétrica, e Recorrida:Margarida da Silva Ramos).

(5) A fim de atender a decisão Supremo Tribunal Federal, que entendeupor inconstitucional parte da interpretação dada pelo Tribunal Superiordo Trabalho, atualmente, a súmula no. 331 tem idênticos incisos I, II e IIIe a seguinte nos incisos seguintes:” IV – O inadimplemento dasobrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica aresponsabilidade subsidiária do tomador de serviços quanto àquelasobrigações, desde que haja participado da relação processual e constetambém do título executivo judicial. V – Os entes integrantes daadministração pública direta e indireta respondem subsidiariamente,nas mesmas condições do item IV, caso evidenciada a sua condutaculposa no cumprimento das obrigações da Lei n. 8.666/93,especialmente na fiscalização do cumprimento das obrigaçõescontratuais e legais da prestadora de serviço como empregadora. Aaludida responsabilidade não decorre de mero inadimplemento dasobrigações trabalhistas assumidas pela empresa regularmentecontratada. VI – A responsabilidade subsidiária do tomador de serviçosabrange todas as verbas decorrentes da condenação.”

(6) Acórdão TST, ED-RR 113.599/94.0, Ministro José Luiz de Vasconcelosapud CARRION, Valentin. Ob. cit., p. 756.

(7) "Locação de mão de obra — Enunciado 256/TST. A Sociedade deEconomia Mista, no caso a Companhia Energética do Ceará, pode,

90

Page 91: Table of Contents -  cio à edição eletrônica Este ebook que você tem em mãos é a versão eletrônica, com pequenas modificações, do texto apresentado como dissertação

amparada pelo artigo 10, § 7º, do Decreto-lei n. 200/67, realizar contratosde locação de serviços. O Enunciado 256 veio para evitar a ocorrência defraudes e não para impedir contratos legais. Recurso de revistaparcialmente conhecido e provido para excluir da conde¬nação oreconhecimento do vínculo empregatício, mantendo-se a solidariedade"(Ac. 1a T 3.308/92, Proc. RR 44.058/92.6, j. 28.10.92, Rei. Min. AfonsoCelso, DJ 4.12.92). A contratação de mão de obra, mediante empresainterposta, em se tratando de órgão Público, está autorizada peloDecreto-lei n. 200/67 e pela Lei n. 5.645/70. Ademais, nos termos doparecer do ilustre representante do Ministério Público, Dr. Ives Gandrada Silva Martins Filho, no caso dos autos, além do serviço locado ser devigi¬lância — hipótese prevista na própria Súmula n. 256 do TST comolegal por força da Lei n. 7.102/83 —, a Lei n. 5.645/70 chega areco¬mendar que os serviços de custódia, conservação e assemelhadossejam contratados por via indireta no âmbito da administração pú¬blicadireta, autárquica e fundacional. Dessa forma, o INAMPS é parteilegítima, não cabendo a solidariedade imposta" (RR 45.956/92A, Ac. 3ª T5.251/92, Rel. Min. Roberto Della Manna, D; 6.8.93).

(8) Pode-se até discutir a relação de dependência entre a empresacontratada e a contratante, o que certamente ocorrerá em muitos doscasos. No entanto, tal dependência, econômica, não é aquelacaracterizadora do contrato de trabalho, fugindo do tema ora emexposição.

(9) Dizemos que esperamos que o TST continue a rechaçar porqueultimamente o Tribunal Superior do Trabalho aparentemente abandonoua proteção ao trabalhador, passando a abraçar a proteção à atividadeeconômica, sendo que suas novas teses agasalham a flexibilização e aprecarização das relações de trabalho sem limites, alegando umasuposta exigência do mundo econômico moderno.

(10) Pode até se discutir a legitimidade do interesse das empresas, em setratando do Brasil, na utilização de trabalho temporário. De fato. Omodelo de trabalho temporário é importado da Europa, onde este existepara uma adaptação frente a uma necessidade de contratação por prazo,em situações justificáveis, já que vige naquele continente, em regra, aestabilidade no emprego. Assim, as empresas de lá, legitimamente,necessitando de trabalho temporário, não teriam como contratá-los e

91

Page 92: Table of Contents -  cio à edição eletrônica Este ebook que você tem em mãos é a versão eletrônica, com pequenas modificações, do texto apresentado como dissertação

depois dispensá-los. Ora, isso não ocorre no Brasil, onde não háempecilhos para a dispensa de trabalhadores, salvo uma ínfimaindenização sobre os depósitos no Fundo de Garantia do Tempo deServiço. Portanto, não entendemos aplicável ao Brasil as razões deexistência do trabalho temporário, cuja razão de existência não vigoraem um Brasil com larga flexibilidade externa na legislação trabalhista.

(11) Pode até se discutir a legitimidade do interesse das empresas, em setratando do Brasil, na utilização de trabalho temporário. De fato. Omodelo de trabalho temporário é importado da Europa, onde este existepara uma adaptação frente a uma necessidade de contratação por prazo,em situações justificáveis, já que vige naquele continente, em regra, aestabilidade no emprego. Assim, as empresas de lá, legitimamente,necessitando de trabalho temporário, não teriam como contratá-los edepois dispensá-los. Ora, isso não ocorre no Brasil, onde não háempecilhos para a dispensa de trabalhadores, salvo uma ínfimaindenização sobre os depósitos no Fundo de Garantia do Tempo deServiço. Portanto, não entendemos aplicável ao Brasil as razões deexistência do trabalho temporário, cuja razão de existência não vigoraem um Brasil com larga flexibilidade externa na legislação trabalhista.

92

Page 93: Table of Contents -  cio à edição eletrônica Este ebook que você tem em mãos é a versão eletrônica, com pequenas modificações, do texto apresentado como dissertação

Capítulo III – Terceirização eIntermediação de Mão de obra

“Parece, mas não é.” (Campanha publicitária do shampoo anticaspa Denorex)

Às vezes resta difícil e um pouco obscura a diferenciação entre aterceirização e a intermediação de mão de obra. Assim, devemosexplanar e perquirir sobre alguns critérios, que, objetivamente,demonstrariam quando se trata de uma intermediação de mão de obra,e quando seria uma terceirização de serviços, não existindo, nestasegunda hipótese, vínculo empregatício entre os trabalhadores daprestadora de serviços e a tomadora.

Com base no próprio conceito de terceirização, e nos elementos quepropiciam a leitura da subordinação jurídica na relação trabalhista,podemos indicar um feixe de elementos, que, da mesma forma queaquele existente para a busca da subordinação jurídica em cada relaçãotrabalhista, poderão nos indicar a existência de uma mera intermediaçãode mão de obra, nula segundo nosso ordenamento jurídico trabalhista,ou de uma terceirização. Saliente-se, novamente, que, na técnica de feixede indícios (“faisceau d’indices”), nenhum dos elementos é por si sódeterminante, devendo haver uma convergência desses elementos paraa verificação ou não da fraude (LE GOFF, 2001, p. 157).

São estes alguns dos componentes do feixe de indícios demonstradoresda intermediação de mão de obra:

- Organização do trabalho pela contratante (gestão do trabalho);

- Falta de especialidade da empresa contratada (“know-how” ou técnicaespecífica);

- Detenção de meios materiais para a realização dos serviços;

93

Page 94: Table of Contents -  cio à edição eletrônica Este ebook que você tem em mãos é a versão eletrônica, com pequenas modificações, do texto apresentado como dissertação

- Realização da atividade permanente da tomadora, dentro deestabelecimento próprio da contratante;

- Fiscalização da execução do contrato pela contratante;

- Ordens e orientações procedimentais por parte da contratante;

- Prevalência do elemento “trabalho humano” no contrato;

- Remuneração do contrato baseada em número de trabalhadores;

- Prestação de serviços para uma única empresa tomadora;

- A realização subsequente de um mesmo serviço por empresasdistintas, permanecendo os mesmos trabalhadores etc.

Esses elementos, ou indícios, podem ser reduzidos a somente 3 (três),que, mais amplamente, demonstrariam a existência da meraintermediação de mão de obra: gestão do trabalho pela tomadora deserviços, especialização da prestadora de serviços e prevalência doelemento humano no contrato de prestação de serviços.

E é dessa forma, reduzidos a três, é que serão estudados neste capítulo.

1. Gestão do Trabalho pela Tomadora de Serviços

O primeiro elemento, não por acaso colocado em primeiro lugar aquineste trabalho, é o mais importante para indicar a existência de meraintermediação de mão de obra.

De fato. A gestão do trabalho, isto é, a determinação do modo, tempo eforma que o trabalho deve ser realizado, é o indicador mais perfeito daexistência de subordinação jurídica. Assim, a constatação da gestão ouorganização do trabalho por parte do tomador de serviços, deixa clara aexistência de uma interposição de empresa para fuga do vínculo jurídicoempregatício direto com os trabalhadores.

A gestão do trabalho se dá por várias formas. Uma forma de gestão quecomumente aparece em contratos ditos de terceirização, mas que naverdade tratam de fornecimento de trabalhadores, é a indicação daquantidade de trabalhadores e em quais funções deverão serpreenchidas pela empresa terceirizada. Ora, se fosse uma terceirizaçãode serviço autônomo, seria a empresa contratada que diria com quantostrabalhadores realizaria o serviço, e quais funções seriam exercidas poresses trabalhadores.

94

Page 95: Table of Contents -  cio à edição eletrônica Este ebook que você tem em mãos é a versão eletrônica, com pequenas modificações, do texto apresentado como dissertação

A indicação de função a ser exercida demonstra que ocuparão ostrabalhadores da contratada posto de trabalho dentro da empresacontratante, inseridos em sua própria organização estrutural,descaracterizando o fenômeno da terceirização, e indo ao encontro damoderna caracterização da dependência no Direito do Trabalho, e,conforme exposto no Capítulo 1 da 2ª Parte, pertencendo ostrabalhadores que ali prestam serviços “terceirizados” ao que chamouManuel Alonso Olea de “esfera organizativa” ou “círculo que rege”. Asubordinação com a tomadora, portanto, restaria caracterizada,existindo, no caso, intermediação de mão de obra.

Esta forma de intermediação de mão de obra é muito comum, e podeser vista nos contratos de “terceirização” ou prestação de serviços damaioria das grandes empresas.

Como exemplo, podemos citar a Companhia de Eletricidade do Rio deJaneiro – CERJ, que mantém Contrato de Prestação de Serviços n.º027/SG-J/2000, com a empresa com sugestivo nome de RH InternacionalLtda., cujo objeto é o fornecimento de 61 (sessenta e um) trabalhadores(Cláusula 10ª) para realizar atendimento comercial e recepção telefônica,dentro dos estabelecimentos da própria empresa prestadora de serviçospúblicos de telefonia, sob o seu comando. Note-se que não háterceirização de serviços, mas somente “alocação” (a expressão é aprópria do contrato) de trabalhadores, em quantidade determinada pelaCERJ, em cada um de seus estabelecimentos (item 10.1 da Cláusula 10ª)(Inquérito Civil n.º 914/00, PRT 1ª Região).

Mantém também a mesma empresa Contrato de Prestação de Serviçosn.º 026/SG – J/2000, com a mesma RH Internacional Ltda., tendo comoobjeto a “alocação” de 60 (sessenta) trabalhadores para a realização deatendimento telefônico, também dentro das cercanias da empresatelefônica. Verifica-se claramente tratar-se de fornecimento detrabalhadores, e não de serviços especializados.

A Companhia Siderúrgica Nacional – CSN também realiza esse mesmotipo de contrato, como, por exemplo, com a empresa ISS ServsystemComércio e Indústria Ltda., que, sob pretexto de ser sua atividade-meio,contrata, segundo o anexo I do Contrato, 12 (doze) vigilantes para oescritório da CSN em São Paulo, 4 (quatro) ajudantes de serviços geraispara o escritório de Volta Redonda, 1 (um) encarregado para Volta

95

Page 96: Table of Contents -  cio à edição eletrônica Este ebook que você tem em mãos é a versão eletrônica, com pequenas modificações, do texto apresentado como dissertação

Redonda, 1 (um) conferente para o Setor de Alimentação e outros tantosrecepcionistas e “office-boys” (Procedimento Investigatório n.º 463/2000,f. 228). Assim, há a clara contratação de fornecimento de mão de obra, enão terceirização de serviços.

Há outras grandes empresas, como a Telecomunicações do Rio deJaneiro S.A. – Telemar, que preveem, expressamente, no objeto de seuscontratos, “o fornecimento de mão de obra”. É o que ocorre no contratomantido com a empresa Construtel Projetos e Construções Ltda., o qualtem por objeto, segundo a cláusula 1.1, “prestar serviços deFORNECIMENTO DE MÃO DE OBRA”, com alocação de: Técnico PlenoTelecomunicações e Sistema Óptico I – 10 trabalhadores; Técnico PlenoTelecomunicações e Sistema Óptico II – 52; Técnico JúniorTelecomunicações e Sistema Óptico – 12; Atendente de Facilidade – 6;cabista – 6 e auxiliar de cabista – 12 (Inquérito Civil n.º 636/00, PRT 1ªRegião). A contratação de trabalhadores por empresa interposta é tãoóbvia que a empresa realiza até um pequeno plano de cargos e saláriosdentro da contratada, talvez baseado em seu próprio plano de cargos.Verifica-se que se trata da atividade própria da contratante, existindosomente a necessidade de pessoal, fornecido pela contratada.

A determinação de horário de trabalho também é forma da gestão dotrabalho. Aqui só cabe uma exceção: quando a indicação do horário deprestação de serviços corresponder ao horário de funcionamento daempresa, ou o horário em que não haja empregados ou pessoas nolocal, em caso de serviço de vigilância. Fora desta exceção, é sériaindicadora de gestão de trabalho a determinação do horário a sercumprido por trabalhadores da contratada, demonstrando haversubordinação direta com a tomadora. A realização de horasextraordinárias pelos trabalhadores da contratada, ou a mera disposiçãodestes trabalhadores à realização de serviço extraordinário, pordeterminação direta da contratante, também é indicativa de gestão dotrabalho.

A Petrobrás contratou a empresa Medical Care Serviços Ltda., para“prestação de serviços técnicos de enfermagem”, sendo que na cláusula3.1.1 do anexo III do contrato há a previsão de que “os serviços à bordodeverão ser realizados durante 12 (doze) horas por dia, com intervalo deuma hora para o almoço, ficando as outras 12 (doze) horas à disposição

96

Page 97: Table of Contents -  cio à edição eletrônica Este ebook que você tem em mãos é a versão eletrônica, com pequenas modificações, do texto apresentado como dissertação

para qualquer chamado” (Inquérito Civil n.º 226/2001, PRT 1ª Região). Ouseja, determinada a jornada do trabalhador contratado por interpostapessoa, dizendo até a quantidade de descanso que ele terá.

A Companhia Siderúrgica Nacional, por sua vez, contratou a empresa deinfeliz nome Transbraçal Prestação de Serviços, Indústria e ComércioLtda. (Procedimento Investigatório n.º 463/2000, PRT 1ª Região, f. 276/300do Vol. II, Anexo I), para realização de “limpeza social e serviços gerais”,determinando que os trabalhadores da contratada realizem “turno XY”:jornada das 07h às 15h, de segunda a sábado, e das 15h às 23h, desegunda a sexta.

A previsão contratual de substituição de trabalhadores a pedido dacontratante indica a gestão por parte da empresa na execução docontrato. Demonstra, outrossim, a existência de pessoalidade nosserviços, já que a empresa tem a possibilidade até mesmo de escolheros trabalhadores que vão trabalhar no contrato.

É o que acontece nos contratos de terceirização da Petrobrás em que osserviços são realizados dentro de seus, onde há cláusula padrão noseguinte sentido: “Providenciar a substituição, dentro de 48 (quarenta eoito) horas, de qualquer empregado seu, cuja permanência nos serviçoscontratados seja considerada prejudicial à segurança, qualidade e/ou aobom andamento dos serviços pela fiscalização, sem quaisquer ônus paraa PETROBRAS”. Assim, mantém-se a pessoalidade, sem assumir aresponsabilidade do vínculo empregatício.

Às vezes, a pessoalidade não se resume à dispensa dos trabalhadores,mas também se verifica pela imposição de requisitos de admissão dostrabalhadores da contratada. Foi o que ocorreu no contrato já citado daCompanhia Siderúrgica Nacional – CSN com a ISS Servsystem, onde hácláusula onde é reservada à contratante a aprovação de “alocação,deslocamento e substituição de pessoal promovidos pela contratada,bem como solicitar, por escrito, em conjunto com a contratante, asubstituição do empregado cuja permanência seja consideradainconveniente.” É realmente muito conveniente poder escolher quemempregar e quem demitir, sem nenhum ônus ou obrigações daíresultantes.

Pode parecer óbvio (no entanto, ocorre frequentemente nos falsoscontratos de terceirização), mas outro fator demonstrador de gestão do

97

Page 98: Table of Contents -  cio à edição eletrônica Este ebook que você tem em mãos é a versão eletrônica, com pequenas modificações, do texto apresentado como dissertação

trabalho é a submissão dos trabalhadores às instruções de pessoal daempresa contratante. Esta, demonstradora inconteste da subordinaçãodireta, deve ser sempre verificada, e às vezes consta inclusive do própriocontrato de terceirização, podendo ser constatada objetivamente.Destarte, “Se aparece que os assalariados executam as instruções deprepostos da empresa cliente, a operação será requalificada de contratode fornecimento de mão de obra e declarada ilícita.” (JEAMMAUD ET AL,2000, P. 347). Como observado no conceito da Consolidação das Leis doTrabalho, empregador é aquele que dirige a prestação de serviços.Assim, demonstrado que a gestão, consubstanciada na direção dosserviços, é realizada por prepostos da empresa cliente, estar-se-á diantede uma mera intermediação de mão de obra.

A fiscalização da execução do contrato por parte da contratante tambémé indicador de intermediação de mão de obra. Referimo-nos aqui àfiscalização da execução do contrato e não da fiscalização finalística, quepode e deve ser realizada pela contratante. Esta fiscalização aqui referidatambém não se refere à obrigatoriedade de demonstração, por parte dacontratada, do cumprimento de obrigações fiscais e trabalhistas, poisestará a empresa tomadora de serviços, assim fazendo, somente seresguardando, devido à sua responsabilidade subsidiária no pagamentodos débitos trabalhistas da contratada.

A fiscalização que aqui se aborda é aquela em relação à forma, modo etempo da execução do trabalho, indicando a determinação por parte dacontratante da gestão do trabalho da contratada. A verificação decumprimento de horário e a submissão às ordens de forma decumprimento do contrato são formas de fiscalização do trabalhoterceirizado que o descaracteriza, demonstrando ser mero fornecimentode trabalhadores. A fiscalização indicadora da intermediação de mão deobra é aquela em que o empregado da contratante “fiscalizador” docontrato na realidade se porta como um superior hierárquico, indicandoas tarefas a serem cumpridas pelo pessoal da contratada.

Por exemplo, no contrato já citado da CSN com a Servsystem, nacláusula 6ª, com relação à fiscalização, há expressa previsão, no item6.2.3, do poder da tomadora de opinar, propor modificações e definirprioridades. Ora, a gestão do contrato é totalmente subordinada, nãohavendo autonomia que indicaria a realização de serviços

98

Page 99: Table of Contents -  cio à edição eletrônica Este ebook que você tem em mãos é a versão eletrônica, com pequenas modificações, do texto apresentado como dissertação

especializados.

A realização de atividade permanente da empresa, seja ela atividade-meio ou atividade-fim, dentro de estabelecimento da própria tomadora,é forte indicativo de contratação de mão de obra por empresainterposta. A colocação por tempo indeterminado de trabalhadoresdentro de uma empresa indica que esses trabalhadores estarão sujeitosao controle e direção da empresa tomadora, inserindo-os em seuquadro organizativo, ficando praticamente impossível escapar dasubordinação típica do contrato de trabalho, nos termos propostos na 2ªparte do presente trabalho. Além disso, o trabalho ombro a ombro detrabalhadores com estatutos diversos gera incontáveis problemassociais, como discriminação e segregação social, como será abordadomais à frente.

A continuação do exercício das mesmas atividades pelos mesmostrabalhadores quando do fim do contrato indica que este era meraintermediação de operários. Isto ocorreu com a TAM Transportes AéreosRegionais S.A., que manteve contrato com a empresa JVB TransportesAéreos Ltda., no qual esta última realizaria todo o serviço de terranecessário para a TAM (Procedimento Investigatório n.º 319/1999).

Os empregados da JVB executavam ordens diretamente dadas pelacontratante, e utilizavam seus uniformes e insígnias, quando prestavamserviços no Aeroporto Santos Dumont e no Aeroporto Internacional doGaleão, ambos nesta Capital. Outros trabalhadores prestavam seusserviços no escritório da JVB, realizando atividades de promoção evendas de passagens aéreas do grupo TAM, mesmo local onde a TAM,depois diretamente, continuou a realizar com os mesmos empregados omesmo serviço.

No início do mês de abril de 1998, a TAM firmou acordo com a JVB emque era rescindido o contrato entre ambas desde a zero hora do dia 08de abril de 1998. Logo nesta data foram informados os empregados daJVB que daquele dia em diante seus contratos de trabalho seriamassumidos pela TAM, por ter ocorrido sucessão de empregadores.

A própria TAM assumiu a sucessão em comunicado da própria empresaà INFRAERO, que comunicava “que todos os funcionários da referidaempresa (JVB) estarão sendo contratados pelo grupo TAM.”. Osempregados permaneceram executando as mesmas funções, vinculados

99

Page 100: Table of Contents -  cio à edição eletrônica Este ebook que você tem em mãos é a versão eletrônica, com pequenas modificações, do texto apresentado como dissertação

hierarquicamente aos mesmos empregados, não havendo interrupçãodo trabalho. Assim, com a continuação da mesma situação, e outrosindícios verificados na investigação, verificou-se que o contrato era demero fornecimento de trabalhadores, ilegal, portanto.

O exercício de controle do trabalho realizado por superior empregado daempresa principal também indica fraude. Isso pode parecer tambémóbvio, mas acontece nas chamadas “terceirizações à brasileira”.

Verificou-se em investigações (Inquérito Civil n.º 678/2000) que aempresa Telerj Celular S.A. (Telefonica Celular) manteve contrato com aempresa PERSONALE CONSULTORIA E TREINAMENTO LTDA., prevendocomo objeto, em sua cláusula primeira:

“1.1 O presente contrato tem por objeto a terceirização de mão de obra,no Estado do Rio de Janeiro, recrutando, selecionando e administrandopara a TELERJ Celular.”

Demonstrou-se, desta forma, a natureza de uma mistura de “agência deemprego” com “departamento de pessoal”. Porém, nas investigações, foiconfirmada a extensão do contrato, servindo para a intermediaçãoGERAL de mão de obra, para QUALQUER atividade que da companhiatelefônica necessite. Confirmou a empresa interposta, mediante suasdeclarações e documentação fornecida com nomes e funções exercidas,o fornecimento de trabalhadores em atividades tão diversas quantoENGENHEIROS, ECONOMISTAS, TÉCNICOS, OPERADORES DEEMPILHADEIRAS, SUPERVISORES DE SERVIÇO, OPERADORES DETELEMARKETING E AUXILIARES DE ESCRITÓRIO, todos na atividade-fim dacontratante.

Constatou-se, outrossim, que o maior número de empregadosintermediados são relativos à área comercial da contratante,trabalhando nas lojas pertencentes à própria Telefonica Celular para acomercialização e habilitação de celulares. As lojas, estabelecimentos depropriedade da companhia telefônica, funcionam somente comtrabalhadores “terceirizados”, sendo, entretanto, o gerente de cada loja, e“algumas outras pessoas, em cargos mais estratégicos” (IC n.º 678/2000,f. 112), empregados da empresa contratante.

No item 3.6 do contrato de “terceirização” fica evidente a subordinaçãodireta dos trabalhadores com a tomadora, conforme já explicitamos

100

Page 101: Table of Contents -  cio à edição eletrônica Este ebook que você tem em mãos é a versão eletrônica, com pequenas modificações, do texto apresentado como dissertação

acima sobre a fiscalização:

“Os empregados do contrato, obedecerão, rigorosamente, todas asnormas e regulamentos da TELERJ CELULAR que, inclusive, fiscalizará ocumprimento das mesmas;”

Neste caso ora comentado há outra particularidade. A empresa, pararepassar a atividade, agiu em duas estratégias nesse caso: uma,terceirizando essas atividades contratualmente, por meio de convênios,onde empresas realizavam autonomamente essas atividades; e outra,em lojas próprias, onde, como afirmado acima, o gerente e algumaspessoas em cargos estratégicos eram empregados da empresatelefônica, e o resto do pessoal era fornecido pela contratada. Verifica-se, então, que a empresa realizava no primeiro caso a verdadeiraterceirização, sendo que no segundo caso há claramente meraintermediação de mão de obra. Este caso comprova que a mesmaatividade pode ser objeto de terceirização legítima, bem como deintermediação de mão de obra, dependendo da forma escolhida pelaempresa para a sua implantação.

Outra forma de gestão do trabalho é a indicação contratual do estatutojurídico dos trabalhadores que exercerão suas funções no contrato.

O Ministério da Marinha, no Diário Oficial da União de 24 de abril de2001, publicou na fl. 3 da Seção 3 aviso de licitação para a contrataçãode “serviços de profissionais da área de Saúde (...) através decooperativas” (Procedimento Investigatório n.º 498/2001, PRT 1ª Região).Demonstrou, com isso, que o que lhe interessa é a prestação de trabalhopor profissionais denominados de “cooperados”, que estarão sob ocomando da própria Administração Pública. A forma de “trabalhocooperado” foi certamente escolhida devido a não haver, a priori,encargos trabalhistas sobre essa mão de obra, sendo, por conseguinte,mais barata, além de ser mais fácil em uma sociedade sem proprietárioscolocar os trabalhadores que deseja para realizar o serviço.

2. A Especialização da Empresa Contratada

O segundo amplo elemento indicador de existência de meraintermediação de mão de obra, indispensável para a caracterização daverdadeira terceirização, é a especialização da empresa contratadanaquela área específica objeto do contrato. Este indicador decorre do

101

Page 102: Table of Contents -  cio à edição eletrônica Este ebook que você tem em mãos é a versão eletrônica, com pequenas modificações, do texto apresentado como dissertação

próprio conceito de terceirização, que, convém relembrar, é a entrega deserviços a empresa especializada que melhor realizaria aquele serviço,concentrando a terceirizante naquilo que sabe fazer melhor.

Mas não basta qualquer tipo de especialização. A empresa contratadatem, conforme Le Goff (2001, P. 156), que deter um saber-fazerespecífico, distinto daquele que detém a contratante. E esse “know-how”deve ser imprescindível para a realização das tarefas terceirizadas. Comofoi observado em julgado da Corte de Cassação Francesa trazido peloautor supracitado, “a colocação à disposição de uma outra empresa deum pessoal especializado não constitui um aporte de um saber-fazerespecífico se este último não for distinto daqueles dos assalariados daempresa tomadora.” Assim, se a especialização da contratada equivale àda contratante, que detém em seu quadro elementos tão ou maisespecializados nas tarefas contratadas do que aqueles pertencentes aoquadro da contratada, estaremos diante de um mero fornecimento demão de obra.

Da mesma forma, fora de cogitação a legalidade de uma empresa deterceirização que “terceiriza-tudo”. Ora, a empresa que terceiriza serviçosde limpeza, portaria, manutenção, “telemarketing”, departamento depessoal etc., na verdade não é especializada em nada, indicandosomente realizar a colocação de pessoal em outras empresas, lucrandocom trabalho alheio. Nada mais é do que uma agência de colocação depessoal, que obtém seu lucro alugando pessoas para prestação detrabalho a outras empresas.

Essas empresas de fornecimento de trabalhadores estão se alastrando,enriquecendo-se às custas do suor alheio.

Exemplo encontrado em investigações foi a empresa “PrincipalDistribuidora de Produtos de Limpeza Ltda.” (ProcedimentoInvestigatório n.º 195/2000, Procuradoria Regional do Trabalho da 1ªRegião), que, segundo propaganda comercial veiculada na televisão noCanal 9 da cidade do Rio de Janeiro (CNT-RIO), é uma organização“especializada” na terceirização de serviços em todas as áreas.

Diz a citada propaganda:

“PRINCIPAL, uma organização especializada na Terceirização de serviçosem todas as áreas de sua empresa, da limpeza à administração predial.

102

Page 103: Table of Contents -  cio à edição eletrônica Este ebook que você tem em mãos é a versão eletrônica, com pequenas modificações, do texto apresentado como dissertação

Deixe por nossa conta todas as obrigações trabalhistas e fiscais. Anos deexperiência treinando profissionais com equipes da mais altacompetência".

Conforme verificado, a empresa fornece trabalhadores para as áreas delimpeza, recursos humanos, pessoal administrativo, portaria, podendo,como diz a propaganda veiculada, fornecer trabalhadores “em todas asáreas”.

Da mesma forma, a obrigação de cumprimento de ordens ou instruçõesprocedimentais indica a existência de fornecimento de mão de obra.Estas instruções procedimentais abrangem cursos sobre osequipamentos a serem utilizados. Isto porque, se deve a empresacontratada seguir instruções procedimentais e receber cursos daempresa sobre o funcionamento do equipamento a ser utilizado, narealidade faltará à terceirizada a especialidade e a técnica exigidas pelopróprio conceito de terceirização. E mais, se está a empresa tomadorade serviços credenciada a dar cursos sobre o equipamento, demonstraque ela é que é especializada para operacionalizar o próprioequipamento, e não outra empresa. Faltaria, então, à empresacontratada, o conhecimento (“know-how”) distinto da empresa cliente,necessário para a caracterização da verdadeira terceirização.

A prestação de serviços para um único tomador é um indício deintermediação de mão de obra, pois denota a dependência econômicadesse prestador com aquela empresa, podendo ter surgido estapequena empresa dependente de um ato simulado, onde a empresatomadora, para se ver livre dos encargos contratuais, forja (e às vezesfinancia) a formação de “empresas” por seus empregados, paracontinuarem realizando os mesmos serviços de antes, só que agoraformalmente sem a proteção dos direitos sociais. Esta prática éendossada pelos manuais econômicos sobre a terceirização voltados aoempresariado (Leiria, 1993, P. 88 E LEIRIA ET AL, 1993, p. 41) (1).

É o que aconteceu na Rio de Janeiro Refrescos Ltda., fabricante dorefrigerante Coca-Cola para o Rio de Janeiro, onde a empresa financiou acompra de seus próprios caminhões de distribuição a uma cooperativaformada por seus ex-empregados, que realizavam anteriormente paraela aquele mesmo serviço, continuando a realizá-lo agora sob a formade prestação de serviços autônomos Inquérito Civil n.º 875/2000,

103

Page 104: Table of Contents -  cio à edição eletrônica Este ebook que você tem em mãos é a versão eletrônica, com pequenas modificações, do texto apresentado como dissertação

Procuradoria Regional do Trabalho da 1ª Região). O pagamento doscaminhões, segundo cláusula dos contratos (IC n.º 875/2000, f. 26/40),seriam realizados mediante “desconto do que deve à PADRÃO-COOP, emrazão de contrato de prestação de serviços existente entre as duas”. Ouseja, trabalhariam os cooperados, sendo retidos os seus ganhos parapagamento dos caminhões que seriam utilizados no transporte.

Ainda, segundo denúncia anônima (IC n.º 875/2000, f. 143), a fábrica teriamontado a cooperativa de trabalho, não pagando as verbas rescisóriasdos ex-empregados, agora “cooperados”.

3. A Prevalência do Elemento Humano no Contrato de Prestação deServiços

O outro elemento indicador de intermediação de mão de obra é aprevalência do elemento humano na prestação de serviços. No casoconcreto, deve-se verificar se o objeto contratual se satisfaz com o meroemprego de mão de obra, ou se há a necessidade de um conhecimentotécnico específico e uma estrutura de apoio operacional com utilizaçãode meios materiais próprios para a execução do contrato. Se, por outrolado, o objeto contratual se encerrar na prestação de trabalho pelosempregados do contratante, estaremos provavelmente frente a umaintermediação de mão de obra.

Para a existência de uma verdadeira terceirização é necessária autilização, por parte da empresa contratada, de meios materiais própriospara a execução do serviço. Se, ao contrário, a empresa contratadautilizar-se dos materiais fornecidos pela empresa contratante, haveráfortíssimo indício de mera intermediação de mão de obra. Por exemplo,se uma empresa terceiriza seu transporte, seja de pessoal, seja paraserviço, porém os meios de transporte (ônibus, carros, motos etc.) sãofornecidos pela própria empresa, isso indica claramente que o queinteressa para a empresa contratante é o trabalho pessoal dosempregados da contratada, que somente serão colocados para aapropriação de seu trabalho pela tomadora.

Isto ocorreu com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE,que, necessitando de trabalhadores para exercerem as funções demotorista de sua frota de automóveis, celebrou contrato com“Cooperativa” intermediadora de mão de obra, “para prestação deserviços de condução de veículos da frota do IBGE na Administração

104

Page 105: Table of Contents -  cio à edição eletrônica Este ebook que você tem em mãos é a versão eletrônica, com pequenas modificações, do texto apresentado como dissertação

Central, através de 15 (quinze) profissionais devidamente habilitadospara condução de veículos utilitários (...)” (Inquérito Civil n.º 589/2001,Procuradoria Regional do Trabalho da 1ª Região). Indicou inclusive, namesma cláusula, que os trabalhadores deveriam exercer suas funçõesde segunda a sexta-feira, das 08 horas às 17 horas, com 1 (uma) hora deintervalo para o almoço. Evidente a mera alocação de trabalhadores paraburla do concurso público. (2)

Neste caso citado, a própria denominação da contratada já demonstrapor si só a inexistência de especialização: “COOPCEL – Cooperativa deTrabalhos Múltiplos de Mão de obra Especializada ou Não Ltda.”.

Se a remuneração do contrato for baseada em número de trabalhadoresque serão postos à disposição, e seus respectivos salários e demaisencargos sociais, estará mortalmente desvirtuada a terceirização. Comefeito, a terceirização deve ser tida como um repasse de uma atividadeautônoma, que, mais do que uma mera relação com fornecimento detrabalhadores, tem um custo relacionado com toda a atividadeempresarial da contratada. Assim, um serviço realmente terceirizadoserá baseado em valores de mercado, pois, além de seus empregadosque utilizará na prestação dos serviços, serão também empregados o“know-how” e toda a estrutura operacional, além dos meios materiaispara a execução do contrato, sem falar nos outros custos que serãoagregados. O simples cálculo com base em número de trabalhadoresindica que o contrato é de fornecimento de mão de obra, e não umaverdadeira terceirização.

É esta a doutrina de Lima Teixeira (SÜSSEKIND ET AL, 2000, p. 2810), aoafirmar que “O contrato por administração, ou cost plus bem podedisfarçar a relação de emprego. A própria estrutura desse contratosupõe o reembolso pelo contratante de salários, encargos e demaiscustos incorridos pela empresa contratada na consecução do serviçopactuado. Sobre o montante reembolsado recai o percentual da taxa deadministração, isto é, a remuneração da empresa contratada, que, emconsequência disto, passa ao largo dos riscos inerentes à atividadeeconômica. (...) Se além dessa gênese contratual receptiva à simulaçãodo elo empregatício, emergir da realidade que a empresa contratantedirige a prestação pessoal de serviços dos empregados da empresacontratada, alocados em atividades normais e permanentes daquela,

105

Page 106: Table of Contents -  cio à edição eletrônica Este ebook que você tem em mãos é a versão eletrônica, com pequenas modificações, do texto apresentado como dissertação

eclode, com nitidez vítrea, o simulacro para acobertar o contrato detrabalho. Desvaliosa a interposição da empresa contratada, mera testa-de-ferro, autêntico biombo para formalmente confundir a real naturezado laço contratual.”

A concessionária de serviço público Telemar firmou contrato (InquéritoCivil n.º 226/2001, PRT 1ª Região) com a empresa Guinada ConsultoriaLtda., para prestação de “serviços de elaboração de projetos executivosde rede externa (...), com alocação de 50 (cinquenta) postos de serviço,sendo 11 (onze) projetistas I, 22 (vinte e dois) projetistas II e 17(dezessete) projetistas III”, sendo determinado o preço do contrato porposto de serviço, discriminado objetivamente no contrato: “projetista I –R$ 2.304,44; projetista II - R$ 3.401,66; projetista III – R$ 4.133,44”.

Em alguns contratos há até a previsão de pagamento a maior do valorcontratado, em caso de realização de horas extraordinárias pelosempregados. Ora, se o serviço fosse contratado autonomamente, o riscodo negócio caberia ao contratado, logicamente, então não haveria que sefalar em pagamento pela contratante de horas extraordinárias realizadaspelos empregados da contratada.

Outro indício de existência de intermediação de mão de obra é apermanência de trabalhadores trabalhando quando do fim de umcontrato com determinada empresa prestadora de serviços econtratação de outra empresa. Acontecendo isso, ficará provada apessoalidade e a subordinação desses trabalhadores, já que ficaráprovado que o conhecimento dos trabalhadores é mais importante doque qualquer “savoir-faire” empresarial, sendo indispensáveis, então,esses trabalhadores para a estrutura da empresa.

A permanência do trabalhador em mais de um contrato, realizando omesmo trabalho nas mesmas funções na tomadora de serviços, porempresa contratada diversa, indica clara e obviamente a existência dapessoalidade naquela prestação de serviços, indicando a fraude dacontratação por empresa interposta.

Isso ocorre em quase todos os contratos de prestação de serviços comórgãos públicos e empresas públicas, nas atividades de limpeza econservação e portaria, onde as empresas contratadas se sucedem,permanecendo, porém, os mesmos trabalhadores, executando asmesmas funções. Isso se dá pela necessidade da realização de licitação,

106

Page 107: Table of Contents -  cio à edição eletrônica Este ebook que você tem em mãos é a versão eletrônica, com pequenas modificações, do texto apresentado como dissertação

onde a administração pública não pode escolher a prestadora, nem acontinuação da prestação de serviços pela prestadora que vem atuandoperante ela. Assim, geralmente a vencedora de uma licitação nemsempre consegue vencer a subsequente. Seja pela confiança geradapelos antigos trabalhadores, ou pelo conhecimento prático adquirido, édesejável ao administrador a permanência dos trabalhadores docontrato anterior. Destarte, tais trabalhadores são, geralmente,contratados pela nova empresa vencedora da licitação.

Tal prática, de fato corriqueira em nossos órgãos públicos, gera grandesprejuízos aos trabalhadores, pois, em geral, ao serem dispensados pelaempresa que anteriormente executava o contrato, não recebem asverbas rescisórias, sendo às vezes obrigados a pedir demissão, ao invésde serem realocados em outros contratos da antiga intermediadora. Istoocorre, pois, para vencer as licitações, são simplesmente ignorados oscustos de dispensa dos trabalhadores, e, como em geral tais empresasnão são detentores de patrimônio razoável, não detêm essasprestadoras de serviço de numerário para a realização desse pagamento(ou mesmo não lhes convêm realizar o pagamento, já que deverá serretirada tal verba do lucro obtido com o contrato).

A empresa Jet Rio Transportes Ltda., que prestava serviços de transportede empregados, para a Petrobrás, ao perder uma licitação de renovaçãodo contrato, para uma empresa pertencente à mesma família (TurismoCruzeiro do Sul), ofereceu aos seus empregados que assinassem o termode rescisão do contrato de trabalho, sem, porém, receberem nenhumaparcela, com a anuência do Sindicato da categoria, sendo entãoadmitidos na nova vencedora da licitação, continuando a realizar asmesmas funções que antes, sendo burlados, no entanto, em suas verbasrescisórias, com exceção da multa rescisória de 40% do saldo de FGTS,que por lei deve ser depositada em instituição bancária, não tendo aempresa como fugir de seu recolhimento (Inquérito Civil n.º 006/00, PRT1ª Região, originado da Ação Trabalhista n.º 1330/99, que teve curso na 3ªVara do Trabalho de Duque de Caxias - RJ).

Mas também na iniciativa privada ocorre esse tipo de continuação delabor por diversas empresas, permanecendo no mesmo local detrabalho e exercendo sempre as mesmas funções. O varejista Carrefourtem esta prática em filial no Rio de Janeiro, com relação ao que

107

Page 108: Table of Contents -  cio à edição eletrônica Este ebook que você tem em mãos é a versão eletrônica, com pequenas modificações, do texto apresentado como dissertação

denomina de “promotores de vendas”. Por força de negociações defornecimento de produtos, o grande varejista negocia com o atacadistapara que este forneça trabalhadores para realizar, nas dependências dosupermercado, reposição de mercadorias, e outras tarefas segundo ointeresse do varejista. Foram encontrados casos similares, em queempregado contratado pela Arisco, estava movimentando, em uma filialdo supermercado, mercadoria da EBB produtos, afirmando estetrabalhador que movimenta qualquer mercadoria, de qualquer marca daseção que trabalha, por ordem do Carrefour. Tal afirmação foi realizadaunanimemente por todos os chamados “promotores de vendas”(Inquérito Civil n.º 035/00, PRT 1ª Região).

Outro trabalhador, contratado pela Quaker, através de “terceirização emcascata” realizada com a agência Nifty, já vinha executando as mesmastarefas no mesmo estabelecimento varejista há mais de 5 (cinco) anos,contratado por empresas diversas, como Perdigão, Gillette e Lacta, bemcomo outro, contratado como se fosse pelos produtos Paquera,trabalhando há 06 (seis) anos na mesma loja Carrefour, executando asmesmas tarefas, tendo sido contratado antes pelas empresas Tarumã,Banana Capixaba e outras (IC n.º 035/00).

Outro indício de intermediação seria a existência de exigências pessoaisquanto aos trabalhadores da contratada. Na Petrobrás há casointeressante, em que em contrato com a empresa Sextante ReparosNavais Ltda., foi exigido a esta, no anexo VI, denominado “qualificação depessoal”, item 2.2, que “os candidatos devem se submeter à prova escritade conhecimentos teóricos e prova prática, com base no programa detreinamento/padrões específicos” (Inquérito Civil n.º 226/01). Ou seja, atomadora de serviços exige que a terceirizada realize concurso, combase em documento de programa de treinamento/padrões específicosda própria contratante, para a escolha de seus empregados. Assim,demonstra que na verdade o que interessa para ela são os empregadosda contratada, e não a especialidade desta. Neste mesmo contrato, exigea Petrobrás que os empregados, para determinadas funções, tenhamescolaridade tal e determinada experiência profissional, como porexemplo, ajudante de movimentação de cargas: 1º grau completo, com02 anos de experiência na função. Ter ainda experiência mínima de 02(dois) anos como marinheiro de convés, no caso de plataformas deprodução e armazenamento. Demonstra-se, assim, a natureza de

108

Page 109: Table of Contents -  cio à edição eletrônica Este ebook que você tem em mãos é a versão eletrônica, com pequenas modificações, do texto apresentado como dissertação

“agência de emprego empregadora” da empresa terceirizada.

No mesmo contrato, verifica-se em outras cláusulas a pessoalidade,como na que exige que “o pessoal técnico deverá possuir comprovadacompetência em sua especialização, devendo a contratada submeter àPetrobras os respectivos “curriculum vitae”.” (Cláusula 3.10.3 do contrato,IC n.º 226/01). Curriculum Vitae é um documento pessoal de cadatrabalhador, que somente interessa ao empregador quando da decisãode contratação, não sendo material que possa ser exigido a suasubmissão prévia em uma terceirização, indicando tratar-se de meraintermediação de mão de obra.

Feita esta exposição, podemos afirmar que esses são os critériospropostos para a diferenciação entre a verdadeira terceirização deserviços e a mera intermediação de mão de obra.

NOTAS:

(1) Aconselham os autores: “Mas existem casos em que não é possívelencontrar no mercado parceiros, principalmente quando a atividade fazparte de um processo de produção muito específico. A saída, então,encontra-se no investimento (sic) em novos empreendedores quepodem ser escolhidos dentro do próprio quadro de funcionários.”

(2) Note-se que, neste caso, nada impediria da contratante realizar umcontrato com empresa especializada em transportes, para a realizaçãoautônoma da atividade de transporte, com meios materiais e gestão dotrabalho próprios.

109

Page 110: Table of Contents -  cio à edição eletrônica Este ebook que você tem em mãos é a versão eletrônica, com pequenas modificações, do texto apresentado como dissertação

TERCEIRA PARTE

INTERMEDIAÇÃO DE MÃO DEOBRA E TRABALHO

Demonstrada a diferenciação entre a terceirização e a intermediação demão de obra, e verificada a utilização desta última em larga escala noBrasil, deve-se passar à análise do que isto acarreta para o mundo dotrabalho.

No primeiro capítulo será exposta a incompatibilidade da intermediaçãode mão de obra com o próprio sistema protetor trabalhista, podendoocasionar-lhe até mesmo uma ruptura, caso seja legalizada esta formade organização do trabalho.

O segundo capítulo aborda e exemplifica os casos de precarização dotrabalho humano acarretada pela terceirização como intermediação demão de obra.

Por fim, no terceiro capítulo desta parte, analisaremos a interface daintermediação de mão de obra com a exclusão social, por suacaracterística eminentemente segregadora e discriminatória.

110

Page 111: Table of Contents -  cio à edição eletrônica Este ebook que você tem em mãos é a versão eletrônica, com pequenas modificações, do texto apresentado como dissertação

Capítulo I. A intermediação de mãode obra como causa de ruptura no

sistema trabalhista

“A tua piscina tá cheia de ratosTuas ideias não correspondem aos fatos

O tempo não páraEu vejo o futuro repetir o passado

Eu vejo um museu de grandes novidadesO tempo não pára “

(Canção “O tempo não pára”, Cazuza)“Quero trabalhar em paz.

Não é muito o que eu lhe peçoEu quero trabalho honesto

Em vez de escravidão.Deve haver algum lugar

Onde o mais forteNão consegue escravizarQuem não tem chance.”

(canção “Fábrica”, Renato Russo)

Às vezes um edifício tomba por infiltrações de água, que acabam porabalar sua estrutura. Outras vezes, esse edifício, por maior que seja, éderrubado por um forte golpe que destrói da mesma forma sua baseestrutural (1).

Do mesmo modo acontece com o edifício do Direito do Trabalho, quevem sendo arruinado, tanto por infiltrações, quanto por tentativas defortes golpes.

E a intermediação de mão de obra pode ser tida tanto como infiltração

111

Page 112: Table of Contents -  cio à edição eletrônica Este ebook que você tem em mãos é a versão eletrônica, com pequenas modificações, do texto apresentado como dissertação

quanto por golpe, já que ao mesmo tempo em que vem tendo enormeutilização, mesmo à margem da lei, pode a qualquer momento, dadas asinconsequentes tentativas no âmbito governamental de destruição doDireito do Trabalho, ser legalizada.

Neste capítulo analisamos como a estrutura desse prédio pode ruir,quais as consequências para os habitantes desse edifício, e qual o futuroda proteção social frente a esse fenômeno que, disfarçado demodernidade, pode ensejar a desproteção dos trabalhadores,principalmente aqueles em postos que necessitem de menorqualificação, ou seja, daqueles que mais precisam da proteção contra o“dumping social”.

1. A Ruptura do Sistema Trabalhista

A intermediação de mão de obra, indubitavelmente, causa séria e graveruptura no sistema jurídico-trabalhista.

Isto se deve ao fato de que todo esse sistema é baseado nas figurasempregado-empregador.

E essa relação não é uma abstração ideológica. Ela é, segundo aclassificação elaborada por Michel Miaille (1989, P. 48-50) (2), umaabstração científica, que surge baseada em fatos sociais, sendoimprescindível para a compreensão do mundo atual a verificação daexistência na realidade social dos dois polos clássicos: capital etrabalho. A luta de classes é uma abstração científica, seja da CiênciaJurídica ou Social, e aparece no Sistema Capitalista em que vivemoscomo sua própria base, devido aos interesses antagônicos óbvios eincontroversos.

A história e o papel do Direito do Trabalho é de amenização dessa luta,de concessão de vantagens e defesas ao trabalho para a sua convivênciapacífica com o capital e diminuição do antagonismo. Não se podesimplesmente negar a existência do conflito, e não se pode acabá-loexcluindo a figura do empregador, colocando um intermediário, ou atévários, entre os dois polos sociais.

A relação empregado-empregador, que tem por base as definiçõesdadas pela lei a esses atores, é de vital importância para o Direito doTrabalho, e a negativa de sua existência impõe a esse ramo gravame quetalvez não possa ser suportado.

112

Page 113: Table of Contents -  cio à edição eletrônica Este ebook que você tem em mãos é a versão eletrônica, com pequenas modificações, do texto apresentado como dissertação

Tal assertiva é provada pelo fato de que a Consolidação das Leis doTrabalho, em vários pontos, atine para fatores pessoais e subjetivos nacondução da relação trabalhista. A confiança, por exemplo, é a base docontrato de trabalho, como ensinam os mestres nas cátedras de Direitodo Trabalho em todo o mundo.

A possibilidade de escolha do empregador destrói o elemento confiançae a pessoalidade no contrato de trabalho, simplesmente anulando toda aestruturação do Direito do Trabalho, prevista no título I da Consolidaçãodas Leis do Trabalho.

Ora, para que servirão, então, os artigos 2º e 3º da Consolidação das Leisdo Trabalho, e as definições legais dos agentes sociais, se for possível asua completa anulação por meio da intermediação de mão de obra? Osistema inteiro protetor ruirá, pois sua base foi retirada.

Com isso, finda também a eterna discussão residente no Direito doTrabalho sobre a natureza jurídica do vínculo entre o trabalhador e oempregador.

Existem duas grandes correntes neste sentido, uma contratualista e aoutra anticontratualista, ou institucionalista.

A primeira, mais antiga, concebe o trabalho como mercadoria e sujeita ovalor do salário à lei da oferta e da procura. Nesta corrente figuravamvários juristas, entre eles Pothier, Troplong, Laurent, Marcade, Baudry eKahl, Chatelain, Bureau, Carnelutti, Pantaleoni (NASCIMENTO, 1992, p.278-279).

Contudo, com o avanço do Direito do Trabalho, e a percepção que otrabalho humano não poderia, nem deveria ser assemelhado a umamercadoria, construiu-se a teoria anticontratualista.

Dentre as noções de relação de trabalho trazidas pelos autorespertencentes a essa corrente, existem algumas que chamam a atenção,como a de Wolfgang Siebert (apud NASCIMENTO, 1992, P. 291), queafirma ser “uma relação entre um membro jurídico pessoal e acomunidade de exploração, fundamentada pela sua incorporação ouinclusão nessa comunidade, pressupondo, todavia, um certo acordo devontades sem força suficiente para transformá-la em contrato”.Verifique-se a sensibilidade inclusionista existente no conceito, o que seestá destruindo com a intermediação de mão de obra.

113

Page 114: Table of Contents -  cio à edição eletrônica Este ebook que você tem em mãos é a versão eletrônica, com pequenas modificações, do texto apresentado como dissertação

De uma forma ou de outra, os modernos doutrinadores trabalhistasadotam a noção anticontratualista, como Mario de La Cueva, MauriceHauriou, dentre outros.

O surgimento dessa grande corrente foi um avanço, passando a tratar otrabalhador como sujeito, uma pessoa, e reconhecendo no trabalho asua dimensão pessoal. Como diz Supiot (1994, p. 98), “ao lugar de serapreendido como uma coisa, uma mercadoria, o trabalho se encontraentão percebido como a expressão da pessoa do assalariado, isto é,como uma obra.”

Com a intermediação de mão de obra, volta o vínculo trabalhista a ternítida feição contratual simples, troca e venda pura (ou aluguel), pondopor terra com todo o aperfeiçoamento no entendimento sobre otrabalho humano.

A subordinação jurídica, chamada por Dominique Méda como “coeur dutravail salarié” (coração do trabalho assalariado) (MÉDA, 1995, p. 145),fator da distinção da relação trabalhistas das outras relações jurídicas,juntamente com os seus suplementos, como a ausência da assunçãodos riscos da atividade econômica, também deixa de ser aplicável.

Como demonstra Supiot (1994, p. 113), “a caracterização da submissãodo trabalhador à autoridade do empregador constitui assim acaracterística ‘essencial’ do contrato de trabalho. (...) À perspectivafuncional e indutiva do ajuste da noção de contrato de trabalho àsnecessidades de proteção é preferida uma perspectiva formal ededutiva, que fez derivar a qualificação do contrato pela constatação dasubmissão de uma parte às ordens da outra ”. Ora, se a relação detrabalho era verificada, de pronto, objetivamente, com fim de proteçãoaos trabalhadores, com a somente constatação da submissão às ordensde outro (característica da subordinação), a intermediação de mão deobra, na qual as ordens são dadas por outrem que não é o empregadorformal, simplesmente aniquila e torna sem efeito essa característica docontrato de trabalho. O que dá ordens não é seu patrão, e seu patrãonão te dá ordens, causando um paradoxo às vezes incontornável(RÜDIGER, 1999, p. 120). Todo o Direito do Trabalho Protetor está aperigo, partindo desse ponto de vista, pois seu “coração”, o seu motor,aquilo que o faz continuar a respirar, está sendo sufocado.

Assim, descartada a subordinação jurídica (pelo menos da parte de114

Page 115: Table of Contents -  cio à edição eletrônica Este ebook que você tem em mãos é a versão eletrônica, com pequenas modificações, do texto apresentado como dissertação

obrigações do empregador, cuja hierarquia e cumprimento de ordensainda é exigida), tratado o trabalho e o trabalhador como mercadoria edesconectada (ou simplesmente olvidada) a relação real, não ficcional,entre o dador de trabalho e o trabalhador, está prestes a ruir o edifíciodo sistema protetivo trabalhista.

2. A Nova Mercantilização do Trabalho Humano

A Declaração de Filadélfia de 1944, que trata da Constituição daOrganização Internacional do Trabalho, traçando os princípios de seufuncionamento e de tratamento do trabalho no mundo civilizado, propõecomo seu primeiro princípio que “O trabalho não é uma mercadoria”.Desta forma, a própria Organização Internacional do Trabalho coloca,como ponto inicial, e, portanto, como base para a proteção do trabalho oseu trato não como uma mercadoria.

Com a intermediação de mão de obra, de uma vez por todas, é tratado otrabalho não mais como uma relação, mas sim como uma mercadoria, aser vendida pelo preço de mercado, posição aviltante em que,transformado em mercadoria sabidamente abundante e descartável,pode chegar a limites extremos de valorização ínfima.

E tal tratamento do trabalho humano não é coincidência. Esta é aideologia da “Terceira Via”, como afirma Richard Sennett (apud ASKONAS;STEWART, 2000, p. 286), que trata o trabalho como mercadoria, ou“brand”, na linguagem neoliberal (apud ASKONAS; STEWART, 2000, p.286). Citando o sociólogo Gary Becker, afirma o sociólogo inglês que asinstabilidades da organização flexível deixam explícito o carátermeramente contratual (apud ASKONAS; STEWART, 2000, p. 282), nosentido não-relacional, como se compra um pacote de arroz em umsupermercado. O trabalho humano deixa de ser uma relação jurídicainterpessoal, e passa a ser igualado a um contrato de compra e venda,ou aluguel, como se discutia há uma centena de anos atrás.

A intermediação de mão de obra é uma nova forma de exploração dotrabalho humano, com feição pós-moderna, mais adequada aos dias dehoje, além de muito mais interessante do que as formas anteriores deexploração, até que a escravidão do século XIX.

De fato, esta exploração aparece hodiernamente de forma muito maisvantajosa aos exploradores da mão de obra, pois agora, ao invés de

115

Page 116: Table of Contents -  cio à edição eletrônica Este ebook que você tem em mãos é a versão eletrônica, com pequenas modificações, do texto apresentado como dissertação

vendê-los, os intermediadores de mão de obra alugam os trabalhadores,pelo melhor preço do mercado, simplesmente substituindo-os quandonão mais servirem ao tomador da mão de obra, ou mesmo ao própriointermediador. Sempre, desde o início da História, a subjugação dohomem pelo próprio homem teve aparentes aspectos de evolução.Entretanto, se olhado mais de perto, verifica-se que o que há é a meraadaptação às condições conjunturais históricas, com a utilização pelaclasse dominante do melhor que cada época podia oferecer. Assimocorreu na troca de escravos por servos da gleba na Europa, como nosconta Domenico de Mais (1999, p. 87), onde a mudança para o sistemaservil, além de ser humanitariamente e religiosamente maisinteressante, era financeiramente muito melhor. E o controle sobre osseres humanos explorados continuou o mesmo.

Na nova exploração do Século XXI, o trabalho novamente é mercadoria,qual na escravidão, porém agora livre, o que é fundamentalmentemelhor, pois isento de culpas morais e religiosas, implementado sob aregência de uma aparente regra moderna de normal funcionamento demercado (a famosa “lei do mercado”), e incrivelmente mais vantajosofinanceiramente para quem lucra com os frutos do trabalho, ou seja, otomador de serviços, bem como para o intermediador, pois, na novaexploração, ao invés de vender os seus trabalhadores, como ocorria noséculo XIX, é prolongada no tempo a exploração, passando ointermediário a alugar os braços dos trabalhadores disponíveis a quemse dispõe a pagar um preço razoável. Descartáveis para os tomadores,que, conforme vimos pelos contratos citados, podem ser dispensadossem ônus para os contratantes, os seres humanos trabalhadores sãodescartáveis também para o intermediador, que sempre encontrará nomercado outros tantos trabalhadores dispostos (lembre-se do exércitoindustrial de reserva, figura tão atual) a cederem sua força laboral paraserem alugadas. Por uma módica indenização (que na maioria das vezesé sonegada aos trabalhadores, seja pela própria insolvência da maioriados intermediadores, seja pelos meios jurídicos que encontra para nãopagá-la, como acordos espúrios na Justiça do Trabalho, ou engodoscomo as Comissões de Conciliação Prévia), pode o intermediador sedesfazer do trabalhador, colocando outro no seu lugar.

Essa exploração, por parte do tomador de serviços, é bem maisvantajosa do que a escravidão, pois, se naquela devia manter o

116

Page 117: Table of Contents -  cio à edição eletrônica Este ebook que você tem em mãos é a versão eletrônica, com pequenas modificações, do texto apresentado como dissertação

trabalhador com casa, comida, arcando com todos os custos quandoeste adoecia e correndo os riscos desse vir a falecer ou ficar velho e verseu investimento escoar, agora paga um aluguel fixo pelo número debraços que deseja, sendo que os riscos do negócio são repassados dotomador de serviços para outros: em pequena parte para ointermediador e em grande parte para o próprio trabalhador.

O real empregador já não tem que sustentar o trabalhador, somentepagar um preço fixo, idealizado pelo “livre mercado”. Quando otrabalhador adoece ou simplesmente aborrece o tomador dos serviços,este requer sua imediata substituição, por outro, talvez mais jovem emais disposto à submissão às ordens patronais.

Além disso, não fica o capital “empatado” no trabalhador, podendo serutilizado em outros investimentos.

Por qualquer modo que se vê, a nova exploração é mais lucrativa para otomador de serviços. Isso demonstramos ao fazer comparação com amais cruel forma de exploração que já presenciamos, que é aescravidão. Se comparada com o trabalho em termos institucionais, pelabusca da cidadania por meio do trabalho, com a participação dotrabalhador na vida da empresa, a intermediação da mão de obra tomarequintes de atraso incomensurável em termos de ganhos sociais.

Assim, a troca da relação empregatícia predeterminada pela lei pela livreintermediação de mão de obra e fornecimento de trabalhadores,inauguraria um novo tempo no trabalho, sem dúvida mais vantajosopara os tomadores do serviço, e muito mais degradante para os quealugariam a força de suas mãos e o suor de seus rostos.

3. A Fragmentação do Sistema de Proteção Social

Como afirmava Evaristo de Moraes, já em 1905, “A burla do trabalho livre,unida à desenfreada concorrência industrial, criou, para o operariadomoderno, situações novas de desespero e de sofrimento, despertou nêleânsias tremendas, levantou problemas cada vez mais pungentes, e que,por tôda parte, reclamam solução pronta. O espetáculo dessa luta declasses é muito do nosso tempo, não se lhe encontra similar em outraépoca da vida coletiva do homem; resulta dessa famosa expansão fabrile manufatureira, que faz o encanto dos economistas clássicos e que,entretanto, exige do trabalhador o supremo sacrifício do seu último

117

Page 118: Table of Contents -  cio à edição eletrônica Este ebook que você tem em mãos é a versão eletrônica, com pequenas modificações, do texto apresentado como dissertação

esforço, o depauperamento de todo o sangue, a destruição de todo omúsculo, para dar-lhe, em troca, o direito de viver mal – apenas viver,mantido pelo salário-mínimo!” (MORAES, 1971, p. 25). Apesar de já ter sepassado uma centena de anos, parece ter sido escrita essa afirmaçãoainda hoje!

No entanto, pela análise dessa obra, primeira pátria sobre a necessidadeda existência de proteção sobre os contratos de trabalho, extrai-se que atroca da liberdade contratual do trabalho, por uma liberdade assistida detrabalho, foi a base para a criação do Direito do Trabalho. A razão pelaqual existe o Direito do Trabalho é justamente essa, a retirada do caráterde mercadoria do trabalho humano, e sua regência por normascogentes, indisponíveis pelas partes contratantes, como o Código doConsumidor ou as regras de Direito de Família. Evaristo de Moraes, naobra citada a todo o tempo demonstra a impossibilidade de regência dotrabalho humano por regras comuns de Direito Civil.

A escolha do empregador (que por meio da intermediação do trabalhopraticamente declara a inexistência ou anulação desse ator) é o primeiropasso para a destruição das leis do trabalho e todo o sistema protetivoestatal, e a porta aberta à entrega do trabalhador às livres leis demercado, e a volta à regência do trabalho pelo Direito Civil.

Uma vez permitida a intermediação de mão de obra, como pretendeminclusive projetos em andamento no Congresso Nacional, quebra-se oliame empregado-empregador, derrubando com ele todas as garantiasconquistadas pelo trabalhador, pois quebrada toda a espinha dorsal e arazão de ser do próprio Direito do Trabalho.

Além disso, de nada valeria ter direitos, se não há quem idôneo osimplemente e/ou assegure, além do que poderiam ser-lhe impostos amodificação da natureza da relação ou mesmo a identidade doempregador formal, contra a sua vontade e contra a própria realidade. Apossibilidade de burlas é infinita se assim ocorrer, como já podemos verna atualidade.

O caso mais escabroso de intermediação de mão de obra, e quedemonstra a possibilidade de erosão de todo o sistema protetivo, é odas cooperativas de fornecimento de mão de obra.

Contrariamente a todo o sistema trabalhista pátrio, tentam essas

118

Page 119: Table of Contents -  cio à edição eletrônica Este ebook que você tem em mãos é a versão eletrônica, com pequenas modificações, do texto apresentado como dissertação

fornecedoras de trabalhadores praticar o livre mercado no trabalhohumano, entregando trabalhadores a empresas por preços de mercado,estando essas pessoas entregues à própria sorte, sem a garantia dequaisquer direitos mínimos trabalhistas.

Apoiam-se tais intermediadoras de mão de obra no parágrafo único doart. 442 da Consolidação das Leis do Trabalho, que, segundo elas,permitiria a sua atuação como “gatos”, e excluiria qualquer tipo devínculo empregatício existente entre os trabalhadores intermediados eos tomadores de serviço.

Trata-se, porém, de nítida fraude e que não tem abrigo no sistemajurídico nacional. Isto porque tal artigo deve ser entendido nãoisoladamente, mas em consonância com toda a lei em que está inserida,e com as próprias normas constitucionais que tratam do Direito doTrabalho.

Primeiramente, não seria constitucional uma norma que, inserida emtexto de legislação ordinária, pudesse revogar todo o sistema deproteção social exposto no art. 7º da Constituição Federal. Segundo que,o art. 9ª da própria Consolidação das Leis do Trabalho declara comonulo os atos que tenham por fim justamente eliminar as proteções dasdisposições daquela legislação trabalhista.

Desta forma, com a intermediação de mão de obra, o vínculo, desde queexistentes os requisitos da relação trabalhista, é tomado com o realempregador, o tomador de serviços.

Na verdade, a inserção desse artigo no bojo da Consolidação das Leis doTrabalho se deu por projeto do Partido dos Trabalhadores, que estavapreocupado com as constantes reclamações trabalhistas que estavamsendo ajuizadas por trabalhadores rurais assentados pela ReformaAgrária em face das Cooperativas de Produção Rural aos quais eramassociados. Verifique-se que não eram cooperativas intermediadoras demão de obra, e sim cooperativas de produção e trabalho, nas quais oresultado da produção era mais bem gerenciado e comercializado emproveito comum dos trabalhadores-produtores. Nesses casos, não haviamesmo vínculo empregatício, pois não existia relação de emprego entreos associados e a cooperativa, nem entre os associados e oscompradores de sua produção. Entretanto, a lei mal compreendida temcausado estragos com relação aos direitos dos trabalhadores, que, por

119

Page 120: Table of Contents -  cio à edição eletrônica Este ebook que você tem em mãos é a versão eletrônica, com pequenas modificações, do texto apresentado como dissertação

ineficiência do Poder Judiciário Trabalhista pátrio e falta decompreensão deste da Defesa Coletiva de Direitos, tem grassado essefalso cooperativismo de forma assustadora em nosso País, chegando anúmeros milionários os trabalhadores submetidos a esse tipo deprecarização do trabalho humano.

Esse exemplo é o maior que se pode dar sobre o perigo para o sistemaprotetor trabalhista que é a intermediação de mão de obra. Inclusive, nobojo dos defensores desse falso cooperativismo, que de cooperativo nãotem nada, ressalta-se frequentemente a dispensabilidade da proteçãoestatal do trabalhador, e que esse trabalhador tem que ser emancipado,e tratado com um adulto capaz cuidando de seus próprios interesses.

Não há como enganar ninguém nesse ponto. O trabalhador é e sempreserá a parte fraca da relação entre trabalhador e empregador. Por maiseducação e por mais preparo cultural que aquele detenha, a sua posiçãosempre será de inferioridade. Não uma inferioridade pessoal, cultural oude raciocínio, e sim uma inferioridade relacional, ou seja, enquantosujeito daquela determinada relação jurídica. Isto porque, na posição detrabalhador, é necessidade vital a conquista ou permanência notrabalho, por fatores óbvios de sobrevivência. É falaciosa aindependência ou autonomia do trabalhador, conquistada ou concedida.Ele sempre será dependente do empregador, no sentido de que nãopode prescindir daquele trabalho para sua sobrevivência e de suafamília.

Alegam não somente os defensores do cooperativismo, mas também osincentivadores da flexibilização do trabalho e da volta de sua regênciapelas leis do mercado de que os trabalhadores já podem ser“emancipados” da proteção, que não são incapazes.

Incapazes não são, são na verdade sujeitos em situação especial dentrode uma relação jurídica.

Alega-se, também, o excesso de proteção estatal na ordem jurídicatrabalhista, mas aplaudem a defesa do consumidor, com gama infinitade proteções inspirada no direito do trabalho, chegando inclusive a seaperfeiçoar essa rede de proteção. Ninguém fala que o consumidor deveser emancipado, que é um ser humano plenamente capaz. Pois esteestá, da mesma forma que o trabalhador (talvez até menos), em posiçãodesfavorável em uma relação jurídica.

120

Page 121: Table of Contents -  cio à edição eletrônica Este ebook que você tem em mãos é a versão eletrônica, com pequenas modificações, do texto apresentado como dissertação

Na época em que vivemos, mais até do que em qualquer época, está oempregador em posição de exigir o máximo de esforço dostrabalhadores pelo mínimo de retribuição. Isto, pois, o exército dereserva grassa, principalmente, mas não somente, para os postos detrabalho desqualificados. Além disso, o poder do capital está mais fortedo que nunca, já que mais organizado e concentrado, além de existiruma revolução tecnológica que elimina postos de trabalho. E comoafirma Pochmann, “as inovações tecnológicas se fazem acompanhar deum cenário de baixas taxas de crescimento econômico, com desreguladaconcorrência e profundas incertezas na economia mundial. (...) Aredução quantitativa e as transformações qualitativas no mercado detrabalho interno nas grandes empresas (redução de hierarquias, novasformas de gestão de pessoal e de relações de trabalho) contribuemainda mais para tornar abundante a força de trabalho.”(POCHMANN,1999, P. 18). O poder do empregador é infinito, havendo por encontrar,para os postos de trabalho menos qualificados, pessoas que aceitemtrabalhar sob nenhuma proteção com valores ínfimos, fazendo, empequena escala, o que se chama de “dumping social”.

Para se ter uma ideia desse poder, tomemos um exemplo simples. AZona Sul do Rio de Janeiro, onde habitam aproximadamente 2 (dois)milhões de pessoas, é dominada por somente três grandes redes desupermercado. Se um trabalhador de supermercado entrar em conflitocom sua empregadora, por negativa de submeter-se a qualquerimposição ou regra que o desagrade, terá a chance de encontraremprego em somente mais duas empresas, pois a porta estará, talvezpara sempre, fechada em uma rede. Assim, a possibilidade de verescoando suas chances de arrumar um emprego em sua área é cada vezmaior. Se esse setor, por exemplo, utilizar-se de sistema de lista negra,onde o trabalhador que tiver algum problema jurídico com algumaempresa do ramo, este terá o emprego negado.(3)

Portanto, a necessidade do sistema protetor trabalhista atualmentepermanece, tornando-se até imprescindível para não ocorrer o retorno àsubmissão total do trabalhador.

Como já citado acima, Supiot nos mostra que a existência dasubordinação jurídica e a imposição de regras objetivas dedeterminação dos atores da relação de trabalho não foram por acaso.

121

Page 122: Table of Contents -  cio à edição eletrônica Este ebook que você tem em mãos é a versão eletrônica, com pequenas modificações, do texto apresentado como dissertação

Assim ocorreu por motivos de proteção do trabalhador, que poderia, aqualquer momento, ser-lhe imposto situações formais que nãocompreenderiam à situação real. Destarte, a possibilidade de eliminaçãodessas regras objetivas de determinação dos atores acaba por invalidartodo o sistema protetor trabalhista, que é realmente a intenção epropósito do movimento neoliberal.

Discutindo a terceirização, e verificando a utilização danosa desta paracom o sistema protetor trabalhista, Ângela Borges e Maria da GraçaDruck realizaram a seguinte crítica:

“Com efeito, a forma que vem assumindo esse processo (deterceirização), bem como as consequências negativas que ele engendrasobre o mercado de trabalho, evidenciam a fragilidade da regulação (nosplanos jurídico, político e institucional) do uso da força de trabalho pelocapital, no Brasil. Com isto, expõe a incapacidade do Estado Brasileiropara proteger, minimamente, os trabalhadores dos padrões deexploração adotados pelo capital que, neste âmbito, goza de quaseabsoluta liberdade.” (BORGES; DRUCK, 1993, p. 41)

Assim, mesmo sem descerem a detalhes, demonstram as autoras apossibilidade, para elas já ocorrente, de quebra do sistema protetortrabalhista.

Observada, desta forma, a fratura no sistema jurídico trabalhistanacional causada pela intermediação de mão de obra, ocasionando aentrega do trabalho ao capitalismo avançado, e o trabalhador pátrioficando entregue à mercê do poder do “livre mercado”.

NOTAS:

(1) Como vimos no recente e trágico episódio de 11 de setembro de2001, onde duas aeronaves sequestradas por terroristas acabaram porderrubar as duas torres do World Trade Center, que eram então osmaiores edifícios da metrópole de Nova Iorque – EUA.

(2) O autor explica existir dois tipos de abstrações: uma, que a denominade ideológica, cujo objeto consiste numa representação das coisas, eoutra denominada de científica, cujo objeto consiste numa explicação,baseada em conhecimentos científicos, apropriando-se intelectualmentede um fenômeno, com o fim de melhor pensá-lo.

(3) Esse sistema de lista negra é muito comum, mais do que se imagina.122

Page 123: Table of Contents -  cio à edição eletrônica Este ebook que você tem em mãos é a versão eletrônica, com pequenas modificações, do texto apresentado como dissertação

Em São Paulo, foi descoberta uma empresa que fornecia, em CD-ROM,lista de empregados que acionavam empresas na Justiça. NaProcuradoria do Trabalho do Rio de Janeiro, várias são as denúnciassobre essa situação, tendo uma inclusive em face do Clube dos 13,entidade associativa de clubes de futebol, que teriam firmado um acordoem que não contratariam jogadores de futebol que entrassem com açãona Justiça Trabalhista para requerimento de passe em face de outroclube associado à mesma entidade. Hoje é proibida a consultaprocessual pelo nome do trabalhador.

123

Page 124: Table of Contents -  cio à edição eletrônica Este ebook que você tem em mãos é a versão eletrônica, com pequenas modificações, do texto apresentado como dissertação

Capítulo II. A intermediação de mãode obra como precarização do

trabalho humano

“Precário. [do latim precariu, ‘concedido por mercê revogável’]. Adj. 1.Difícil, minguado, estreito. 2. Escasso, raro, pouco, insuficiente. 3.

Incerto, vário, contingente, inconsistente. 4. Pouco durável,insustentável. (verbete do Dicionário Novo Aurélio Século XXI)

Além de causar uma ruptura no edifício do sistema protetor, razão de serdo Direito do Trabalho, a intermediação de mão de obra trazconsequências práticas imediatas sobre os trabalhadores intermediados,causando a precarização do trabalho humano.

Esta precarização será demonstrada por intermédio de três fenômenosobserváveis, que são: a subtração de direitos dos trabalhadoresintermediados, com relação aos que deteriam caso fossem diretamentecontratados; a fragmentação da classe trabalhadora, com perda dopoder organizativo coletivo dos trabalhadores; e a degradação do meioambiente laboral, com maior probabilidade de acidentes de trabalho emenor proteção face aos riscos ambientais do trabalho.

O precário é visível e demonstrável, sendo apenas uma pequenaamostra do que virá nas linhas que seguem.

1. A subtração de direitos dos trabalhadores intermediados

A subtração de direitos, mais do que uma constatação, tem suaconfirmação na origem na própria ideia de intermediação de mão deobra.

De fato. Se se tomar como pressuposto que a intermediação de mão deobra é instrumento utilizado pelo empresariado para a redução de

124

Page 125: Table of Contents -  cio à edição eletrônica Este ebook que você tem em mãos é a versão eletrônica, com pequenas modificações, do texto apresentado como dissertação

custos, a subtração nos direitos dos trabalhadores é consequênciainarredável.

Isto porque se alguém necessita de determinado número detrabalhadores para a realização de certa atividade (e aqui se tomarácomo pressuposto lógico de que ninguém contrata mais trabalhadoresdo que objetivamente necessita), a partir do momento que repassa acontratação desses trabalhadores para outro empresário, não há comohaver a redução de custos relativos a esse trabalho, já que deverá arcarcom o lucro do intermediador, a menos que haja perdas para otrabalhador. A construção aqui é puramente lógica.

Wilson Alves Polonio (2000, p. 38) nos fornece um quadro quedemonstra os custos da contratação direta de um trabalhador: (encargossociais + verbas trabalhistas).

%

Encargos Sociais

INSS

20,00

Serviço Social do setor

1,50

Serviço Nacional de Aprendizagem do setor

1,00

Incra

0,20

Sebrae

0,60

Salário-educação

2,50

Seguro Acidente de Trabalho - média

2,00

Subtotal

27,80125

Page 126: Table of Contents -  cio à edição eletrônica Este ebook que você tem em mãos é a versão eletrônica, com pequenas modificações, do texto apresentado como dissertação

Verbas trabalhistas

FGTS

8,00

RSR

18,77

Férias

9,03

1/3 sobre Férias

3,61

Feriados

3,97

Aviso Prévio

2,46

Auxílio Doença

1,90

13° salário

10,83

40% ref. ao FGTS - rescisões sem justa causa

4,82

Incidências acumuladas

18,10

Subtotal

81,49

Total Geral

109,29

Nos comentários quanto ao quadro, afirma o autor que “As verbastrabalhistas (13º salário, férias, FGTS, repouso semanal remunerado)demonstradas no quadro 2.1, não obstante representem custo para oempregador, beneficiam diretamente o empregado pois configuram

126

Page 127: Table of Contents -  cio à edição eletrônica Este ebook que você tem em mãos é a versão eletrônica, com pequenas modificações, do texto apresentado como dissertação

pagamento pelos serviços por este prestados. Por essa razão, não deveservir de parâmetro de comparação, num processo de terceirização, nomesmo nível que os encargos previdenciários, pois sua supressão, acontrario sensu, prejudica o empregado. (...) sob a ótica do empregador,a redução dos encargos previdenciários que recolhe como contribuinte,no total de 27,80% da folha de pagamento, conforme demonstrado noquadro 2.1, é o que deve proporcionar a vantagem em um processo deterceirização.” (Polonio, 2000, p. 39). Ora, o tomador de serviços podenão recolher os encargos previdenciários como contribuinte, mas nãoterá este que repassá-los à empresa contratada, já que esta é que será acontribuinte? Seria vantagem, então, se a empresa contratada, burlandoa lei, deixasse de recolher os valores ao INSS. Porém, nem essavantagem ilegal podem alegar os defensores da terceirização como fatorde redução de custos, pois vigora atualmente, em termos de legislaçãoprevidenciária, a obrigação da tomadora de serviços de retenção erecolhimento de percentual referente à nota fiscal dos serviçosrealizados, para posterior compensação da contratada nos encargosprevidenciários dos trabalhadores a serviço da contratante (Lei nº9.711/98).

Assim, inicialmente, não há como escapar do pagamento dos encargosprevidenciários, não havendo vantagem na intermediação de mão deobra sob este ponto de vista. Mesmo se houvesse, haveria elisão fiscal,e, nesse caso, certamente o governo arrecadador, por ordens do FundoMonetário Internacional, correria atrás para reverter o prejuízo,realizando novas regras de tributação.

A única forma de intermediação de mão de obra legalizada no sistemajurídico trabalhista brasileiro, o trabalho temporário, traz realmentealgumas vantagens econômicas. Isto porque a Lei nº 6.019/74 previusomente alguns direitos trabalhistas aos trabalhadores temporários,deixando outros de lado. Há quem entenda (MARTINS, 1998, p. 126),inclusive, que não têm direito esses trabalhadores nem mesmo aodécimo terceiro salário, ainda que proporcional, e que suas horasextraordinárias realizadas são com percentual de acréscimo de somente20% (vinte por cento). (1)

Porém, o que não se pode esquecer, é que essa forma de contrataçãosomente é permitida por se tratar de contratação extraordinária e

127

Page 128: Table of Contents -  cio à edição eletrônica Este ebook que você tem em mãos é a versão eletrônica, com pequenas modificações, do texto apresentado como dissertação

excepcional, não podendo ser substitutiva da contratação normal.

Destarte, para que a intermediação permanente de mão de obracausasse redução de custos para o tomador de serviços, somente sehouvesse redução de salários ou subtração de direitos trabalhistas. Eessa redução tem, necessariamente, que ser de grande monta, paracobrir o pagamento do lucro da intermediadora de mão de obra e suaverba de administração.

E é o que ocorre normalmente nas intermediações de mão de obradisfarçadas de terceirização que encontramos na prática brasileira.

A perda de direitos e benefícios é ocorrente em todas as contrataçõespor empresa interposta. Essas perdas vão desde benefícios como vales-refeição e assistência médica, até a horário de trabalho diversificado,além de redução salarial com relação aos trabalhadores efetivos dasempresas.

Em pesquisa realizada entre outubro e dezembro de 1992, em umuniverso de 40 (quarenta) empresas, o DIEESE já observava o fenômeno,lançando os seguintes resultados dos efeitos das terceirizações sobre ascondições de trabalho (ALVES, 2000, p. 269):

Efeitos da Terceirização sobre as condições de trabalho

- Diminuição dos benefícios sociais - 72,5%

- Salários mais baixos – 67,5%

- Ausência de equipamentos de proteção/falta desegurança/insalubridade – 2,5%

- Trabalho menos qualificado – 17,5%

- Trabalho sem registro – 7,5%

- Perda de representação sindical – 5,0%

- Jornada mais extensa – 5,0%

Comentando os dados, afirma Giovanni Alves:

“Deste modo, a terceirização tem permitido às empresas contratanteslivrarem-se dos encargos sociais e legais, além de não repassarem asconquistas dos acordos coletivos aos trabalhadores das empresascontratadas. Ela surge como estratégia de redução de custos deprodução que atinge, de modo irruptivo, o mundo do trabalho.”(ALVES,

128

Page 129: Table of Contents -  cio à edição eletrônica Este ebook que você tem em mãos é a versão eletrônica, com pequenas modificações, do texto apresentado como dissertação

2000, p. 269)

Maria da Graça Druck, em sua pesquisa quanto à terceirização realizadana indústria petroquímica do complexo de Camaçari – BA, tambémconstatou a precarização das condições de trabalho dos chamadosterceirizados:

“Os trabalhadores de terceiras ou subcontratados nas empresasquímicas e petroquímicas vivem em condições muito precárias detrabalho. Em geral, desprovidos de uma série de direitos, nem semprecom a cobertura da legislação trabalhista (2), com salários menores,menor qualificação, instáveis, muitos sem carteira de trabalho assinada.”(DRUCK, 1999, P. 225)

Segundo a Secretária de Inspeção do Trabalho do Ministério do Trabalhoe Emprego, Vera Olímpia, as empresas de terceirização deixam derecolher cerca de R$ 350 milhões de reais por ano ao Fundo de Garantiado Tempo de Serviço (Jornal O Globo, 07 de março de 2001, p. 21). Opróprio Ministério do Trabalho já identificou como os setores em que hámais irregularidades, quais são: elétrico, construção civil, informática,vigilância, limpeza e alimentação, justamente as áreas de incidênciamaior da terceirização como intermediação de mão de obra.

A perda de benefícios é verificável nos casos práticos. Os trabalhadoresterceirizados pela Telemar, por exemplo, segundo o presidente dosindicato da categoria, mesmo os contratados por empresa subsidiária,“não têm os mesmos benefícios dos empregados da empresa principalcomo ticket restaurante, auxílio creche, participação nos lucros eresultados, plano médico, além de outros.” (Inquérito Civil n.º 636/2000)

Esta é outra estratégia que demonstra a intenção de precarização queestá por trás da chamada “terceirização”. As grandes empresas,principalmente do ramo de telefonia, estão criando subsidiárias para arealização de contratação de trabalhadores para realizarem serviçosindispensáveis, como atendimento telefônico ao público (informações eserviços). Essas subsidiárias, apesar de pertencerem ao mesmo grupoeconômico, oferecem salários e vantagens diversas, como vistos acima.Assim, a empresa ao contratar trabalhadores pela empresa interposta,pode realizar a precarização destes, sem interferir no estatuto dostrabalhadores da empresa-mãe. É o típico caso do “separar paraprecarizar”, como será abordado no próximo capítulo. Aqui, neste ponto,

129

Page 130: Table of Contents -  cio à edição eletrônica Este ebook que você tem em mãos é a versão eletrônica, com pequenas modificações, do texto apresentado como dissertação

o que interessa é demonstrar que ao realizar a separação e acontratação por empresa interposta, mesmo pertencente ao mesmogrupo econômico, a intenção é realmente a de precarizar o trabalho dosintermediados, reduzindo-se, logicamente, os custos.

Há casos escabrosos, que demonstram a intenção de utilizar-se daterceirização, como intermediação de mão de obra, para contratação atítulo precário de trabalhadores efetivos, como é o caso o de Furnas, querealizou concurso público para engenheiros e outros técnicos do setorelétrico, convocando os aprovados para apresentar toda adocumentação, inclusive carteira de trabalho, contudo devolveu-asassinadas por empresas privadas de engenharia, contratadas porsuposta “terceirização de serviços”. A empresa deu a explicação de queassim procedeu já que não havia autorização superior para contratar osaprovados, precisando dos quadros qualificados para a realização deserviço, contratando-os por intermédio de suas “terceirizadas” (Jornal “OGlobo”, terça-feira, 11 de setembro de 2001, p. 2). Assim, realiza certamede seleção para funções eminentemente típicas da empresa, e oscontrata precariamente por intermédio de outras empresas, com o fimde contratá-los de forma descartável.

Todos esses dados relativos à precarização são corroborados pelosnúmeros do Ministério Público do Trabalho. Dos procedimentosinvestigatórios em andamento na Procuradoria Regional do Trabalho doRio de Janeiro, 15,94% são relacionados com a terceirização comointermediação de mão de obra, sendo, de longe, a irregularidade maisapontada, ratificando sua condição de precarizadora do trabalhohumano. (Dados de Relatório da Procuradoria Regional do Trabalho da1ª Região em 30 de outubro de 2001)

2. A descoletivização do trabalho: a fragmentação da classe trabalhadora

Um dos piores, senão o pior efeito, que traz a intermediação da mão deobra para o mundo do trabalho é a fragmentação ou pulverização daclasse trabalhadora, causa de enfraquecimento da representatividadesindical.

De fato. A terceirização intermediadora de trabalhadores coloca lado alado, no mesmo local de trabalho de uma fábrica, trabalhadoresrepresentados por diversas entidades sindicais, das mais fortes às maisfracas, de posições ideológicas as mais diversas, e, na maior parte das

130

Page 131: Table of Contents -  cio à edição eletrônica Este ebook que você tem em mãos é a versão eletrônica, com pequenas modificações, do texto apresentado como dissertação

vezes, com atuação individual e descoordenada.

Pois, conforme Ricardo Antunes (1999, p. 62), “a fragmentação,heterogeneização, complexificação da classe-que-vive-do-trabalhoquestiona na raiz o sindicalismo tradicional e dificulta também aorganização sindical de outros segmentos que compreendem a classetrabalhadora.” Essa situação é multiplicada quando essaheterogeneização trabalha para uma mesma empresa, sofrendo osmesmos tipos de problemas no dia-a-dia.

Como acontece essa multiplicação de sindicatos dentro da mesmaempresa?

No Brasil, a organização sindical é por categoria, sendo entendido poristo “a similitude de condições de vida oriunda da profissão ou trabalhoem comum, em situação de emprego na mesma atividade econômica ouem atividades econômicas similares ou conexas.” (Art. 511, § 2º,Consolidação das Leis do Trabalho). Assim, a representação sindical ébaseada na atividade econômica do empregador, que no caso dostrabalhadores terceirizados são da empresa que o contrata, e nãodaquela em que ele efetivamente exerce suas funções.

Destarte, em uma grande empresa pode existir um leque enorme desindicatos, diferentes entre si por aspectos de tamanho, força,estruturação, união, interesses e experiência de luta classista.

Tomemos, por exemplo, a Petrobrás. Seus empregados sãorepresentados por entidades sindicais de alta mobilização e combate.Porém, seus terceirizados, ou intermediados (na maioria dos casos), quehoje em dia superam, em muito, o número de empregados da Petrobrás(3), são representados não por estes sindicatos, mas sim por vários,dependendo da empresa que são contratados. Nas plataformas deextração de petróleo existem trabalhadores que são representados porentidades sindicais das mais variadas (como os sindicatos dosmetalúrgicos (pessoal de manutenção), de trabalhadores emrestaurantes (pessoal da cozinha), de asseio e conservação, dosmergulhadores etc.).

Com isso, as negociações se tornam cada vez mais difíceis, pois ossindicatos, principalmente aqueles que têm pouca representatividade,em termos numéricos, dentro da empresa, não têm nenhum poder de

131

Page 132: Table of Contents -  cio à edição eletrônica Este ebook que você tem em mãos é a versão eletrônica, com pequenas modificações, do texto apresentado como dissertação

barganha. Já o sindicato dos empregados da empresa, por não ter arepresentação de todo o pessoal que trabalha na empresa, vê, damesma forma, seu poder diminuído.

Uma prova disso ocorreu na última greve dos empregados da Petrobrás,ocorrida no mês de outubro de 2001. Enquanto estavam paralisados osempregados da Petrobrás, esta continuava sua produção, segurandotodo o pessoal de produção (que são todos empregados da Petrobrás,por enquanto) nos locais de trabalho, sendo que os “terceirizados”continuavam a trabalhar de forma normal.

Às vezes, a tentativa de enfraquecer os sindicatos e impedi-los deexercer direitos é explicitamente declarado. A empresa Barcas S.A., umadas operadoras que realiza a travessia de barcas entre Rio de Janeiro eNiterói, declarou explicitamente, em depoimento perante o MinistérioPúblico, que mantinha pessoal intermediado “cooperado” para que, emcaso de greve, não ver paralisadas suas atividades, já que dos 07 (sete)sindicatos que têm representação na empresa, somente 05 (cinco)haviam chegado a um acordo com a esta última. Destarte, os falsos“cooperados” estavam ali para substituir os empregados, para impedir oresultado de uma greve, direito constitucionalmente garantido aostrabalhadores. Como se sabe, “cooperado” não é sindicalizado, já quenão se presta o cooperativismo a ser intermediador de mão de obra.Desta forma, totalmente docilizados e desmobilizados, mais fácil atratativa.

Então a estruturação da empresa em diversos sindicatos profissionaisleva a uma desunião dos trabalhadores, que passam a defender direitosdiversos, em condições diferentes, com resultados cada vez maisincertos, trazendo mais precarização das condições de trabalho.

Concorda com esse argumento Souto Maior, para quem “o dinamismoda terceirização acaba provocando uma pulverização da classetrabalhadora, o que inibe a luta por melhores condições de trabalho, jáque o pressuposto dessa luta é a união.”(SOUTO MAIOR, 2000, P. 320)

A sociologia também já se debruçou sobre o problema, analisando-o daseguinte forma:

“No caso da nova (e radical) terceirização surge um novo tipo de controlecapitalista da produção, operado pelas subcontratantes inscritas no

132

Page 133: Table of Contents -  cio à edição eletrônica Este ebook que você tem em mãos é a versão eletrônica, com pequenas modificações, do texto apresentado como dissertação

interior do novo espaço da produção redimensionado. Na nova plantaindustrial, desapareceu – ou diminuiu sobremaneira – o poder deinterferência coletiva dos trabalhadores sobre o espaço da produção. Afragmentação (e pulverização) do coletivo operário prejudicou ocontrato, por exemplo, da comissão de fábrica com os trabalhadorestransferidos (ou com operários de firmas subcontratados que operam nomesmo espaço de produção). Assim, a nova (e radical) terceirizaçãopossui importante – e estratégica – dimensão política, na medida em quetende a fragmentar o coletivo operário, debilitando a organização daclasse e, por conseguinte, seu poder de resistência (e de barganha) àsusurpações do capital.” (ALVES, 2000, p. 266)

Foi o que também constatou Maria da Graça Druck em sua pesquisa,indo mais fundo, dizendo quais são os efeitos que essa pulverização docoletivo do trabalho traz:

“Este processo tem sérias implicações sobre a relação dos trabalhadoresentre si e com o trabalho, determinando novas identidades sociais. Emgeral, extremamente frágeis, à medida que a referência deixa de sercoletiva ou sustentada em coletivo de trabalhadores e passa a serindividual, fragmentada, alimentada e incentivada pela solidão domercado.” E continua mais à frente: “Esta fragmentação da classe,destruição dos coletivos dos trabalhadores, este crescimento acentuadodo trabalhador individual têm levado a uma pulverização dos sindicatos,levando-os a desenvolver uma ação marcada, em primeiro lugar, pelaconcorrência entre eles mesmos, na disputa pelas bases sindicais e, emsegundo lugar, por privilegiar o reforço de laços com os ainda incluídosno emprego formal – “a elite” – incapazes de manter a representação dosexcluídos – dos desclassificados.” (DRUCK, 1999, p. 227)

No que concorda Giovanni Alves, ao afirmar que “a perda política dapulverização do coletivo operário é irreversível – o que, do ponto de vistado capital, contribui para a captura da subjetividade operária. A nova (eradical) terceirização tem atingido os setores que tendem a representar aespinha-dorsal do movimento operário organizado, atingindo parcelasde operários qualificados, mais organizados e mobilizados, tais como aferramentaria. Nas empresas subcontratadas, o poder do coletivoorganizado dos trabalhadores parece frágil, quando não totalmenteinexistente.”

133

Page 134: Table of Contents -  cio à edição eletrônica Este ebook que você tem em mãos é a versão eletrônica, com pequenas modificações, do texto apresentado como dissertação

Destarte, dispersos os trabalhadores, divididos em sindicatos diferentese pulverizados, sem força coletiva, individualizados e rivalizados,consegue-se a fragilização da força de trabalho, trazendo a precarizaçãodas condições de trabalho, em todos os seus aspectos.

3. A precarização do meio ambiente de trabalho

A precarização, em relação ao meio ambiente do trabalho, em parte édecorrente do próprio esfacelamento do coletivo trabalhista.

De fato. Com a pulverização da classe trabalhadora, e a multiplicaçãodas entidades sindicais, fica cada vez mais difícil a defesa do meioambiente do trabalho, que é uno, é o mesmo tanto para os empregadosquanto para os chamados “terceirizados”, sejam eles “cooperados” ou“empregados de empreiteiras”.

Assim, em uma grande empresa, os sindicatos com poucarepresentatividade em termos numéricos, como vimos acima, não têmforça de pressão, quanto mais em termos de segurança e saúde dotrabalhador, cuja proteção é onerosa e altamente técnica. Ascooperativas não têm sindicato profissional, como acima dissemos,assim não têm voz alguma. Resta, destarte, somente o sindicato daempresa principal, enfraquecido pela falta de representatividade total.

E essa falta de representatividade total acarreta problemas quanto àsegurança e saúde no trabalho. Por exemplo, se ocorre um acidente comum trabalhador “terceirizado”, são normalmente sonegadas ao sindicatoas informações quanto ao ocorrido, sob a alegação de falta derepresentatividade sobre o trabalhador acidentado. Entretanto, como omeio ambiente do trabalho é uno, esse sindicato, não vai nunca saber ascausas do acidente de trabalho, embora interessado, já que poderia teracontecido com um de seus representados, não podendo assimprocurar as causas e exigir soluções para o problema. Lembre-se, aqui,que segurança e meio ambiente saudável são sempre garantidos pormedidas preventivas que anulem os riscos. Não tendo nenhumaentidade conhecimento total das situações de risco existentes naempresa, nada poderá fazer quanto à prevenção de futuros acidentes.

Tomemos novamente o caso da Petrobrás. A empresa petrolíferabrasileira, segundo dados da Associação Internacional de Produtores deÓleo e Gás (OGP), Petrobrás e Federação Internacional de Sindicatos de

134

Page 135: Table of Contents -  cio à edição eletrônica Este ebook que você tem em mãos é a versão eletrônica, com pequenas modificações, do texto apresentado como dissertação

Energia (Icem), foi no ano 2000, a vice-campeã mundial de mortes depetroleiros, incluindo aí os terceirizados, conforme se observa no quadroabaixo (Revista Época, n.º 185, 3 de dezembro de 2001).

Mas quem sofre esses acidentes na Petrobrás, e de que natureza sãoesses acidentes?

Segundo dados do Sindicato dos Petroleiros do Norte Fluminense (dadosretirados a partir de dossiê-denúncia que originou o Inquérito Civil n.º50/2001), observem-se os quadros de acidentes ocorridos na Petrobrásna Bacia de Campos:

Portanto, a partir dos dados dos gráficos, verifica-se que, na vice-campeãmundial de óbitos de trabalhadores na indústria petrolífera, a maioriaabsoluta das fatalidades e de acidentados é de trabalhadoresterceirizados (4). Outro fato que se sobressai das análises dos números éa verificação do crescente no número de acidentes e de trabalhadoresacidentados, entre 1998 e 2000, justamente quando do aumento dautilização de intermediação de mão de obra da Petrobrás,principalmente quanto ao setor da manutenção, como vimos nosnúmeros colocados anteriormente.

Para entender todo o problema com relação ao meio ambiente dotrabalho e por que os acidentes ocorrem em maior número com ostrabalhadores terceirizados, observe-se a seguinte declaração daAssociação dos Engenheiros da Petrobrás:

“A AEPET, em vários Boletins, manifestou a sua posição contrária a esseprocesso desagregador da equipe da Petrobrás. Éramos 62 milempregados concursados formando uma equipe aguerrida e vencedora.Nas operações de bombeamento de combustíveis havia condições parase manter empregados acompanhando, de hora em hora, astransferências ponto a ponto. Isto é, de um lado, um empregadoacompanhando a quantidade de combustível que saia de um ponto e, deoutro lado, um outro empregado acompanhando a quantidade recebida.A cada hora, eles confrontavam as quantidades por eles medidas e setranquilizavam, se fossem idênticas. Caso contrário o bombeamento erainterrompido para verificar possíveis anormalidades. Afinal, naquelaépoca, a Missão da Petrobrás era suprir o País com derivados depetróleo de forma rentável e aos menores custos para a sociedade, COMSEGURANCA”.

135

Page 136: Table of Contents -  cio à edição eletrônica Este ebook que você tem em mãos é a versão eletrônica, com pequenas modificações, do texto apresentado como dissertação

Desgraçadamente, fomos reduzidos a um amontoado de 34 milempregados autoreferentes, cada um preocupado em manter o seuemprego e vendo no colega ao lado um concorrente. É muita pretensão,portanto, imaginar, nesse contexto de clima organizacional altamentenegativo, que a segurança das atividades de risco estava preservada.Não há clima para a segurança das atividades de risco. O clima é deindividualidade, lamentavelmente, incentivada por bônus nãotransparentes, por criação dos cargos de consultores também nãotransparentes, por aumento de 100% nos salários dos gerentes quando amaioria dos empregados teve menos de 5% sob o argumento de queaqueles eram os responsáveis pelo espetacular lucro de R$ 10 bilhões,em 2000. E não são.” (Relato de João Conrado de Sousa, Diretor daAEPET, encontrado na página www.pdt.org.br/pet_p36a.htm, em05/12/2001).

A Associação de Engenheiros demonstra a incapacidade de realizartreinamento sério em segurança quando há alta rotatividade detrabalhadores:

“Quanto à causa (2), terceirização, a AEPET vem há muito tempochamando a atenção para essa ação equivocada de se terceirizartrabalhos em uma indústria de altíssimo risco como é a de petróleo. Onumero é alarmante. Para cada empregado contratado há doisterceirizados. E o horizonte dos trabalhadores terceirizados é de menosde dois anos para não se criar vínculo empregatício, ou seja, sãotrabalhadores que estão sempre em treinamento e quando atingem umponto adequado de produção são demitidos. É claro que, neste contexto,há prejuízos para o clima organizacional e para asegurança.”(encontrável em www.aepet.org.br, acesso em 15/12/2001)

Além da inexistência ou deficiência de treinamento, a própria perda dedireitos, trazendo a precarização do trabalho, aumento a incidência deacidentes. Na Petrobrás, quanto ao trabalho em plataformas, o regimede trabalho negociado pelo sindicato dos empregados garante a elestrabalhar 14 (quatorze) dias embarcados, sendo 21 (vinte e um) dias dedescanso. Enquanto isso, aos terceirizados é imposto um regime de 14(quatorze) dias de trabalho embarcado por 14 (quatorze) dias dedescanso. Ou seja, a cada 14 (quatorze) dias de trabalho, os terceirizadostêm direito a 7 (sete) dias a menos de descanso do que os trabalhadores

136

Page 137: Table of Contents -  cio à edição eletrônica Este ebook que você tem em mãos é a versão eletrônica, com pequenas modificações, do texto apresentado como dissertação

empregados da Petrobrás. Isso causa um desgaste muito maior nessestrabalhadores, expondo-os aos acidentes.

É o entendimento da médica do trabalho Leda Leal Ferreira (RevistaÉpoca, n.º 185, 3 de dezembro de 2001, p. 43): “Os terceirizadostrabalham mais, têm funções mais arriscadas, sofrem mais pressão, sãomenos capacitados, menos organizados e têm menos assistênciamédica. Ou seja, não é surpreendente que sejam as maiores vítimas deacidentes”.

De fato, os trabalhadores terceirizados, não somente na Petrobrás,realizam as atividades mais perigosas e menos valorizadas. Observe-seque, das duas formas de terceirização admitidas pela Súmula 331 doTribunal Superior do Trabalho, uma é dos vigilantes (perigosa pornatureza) e a segunda é uma forma de trabalho pouco valorizada, alimpeza e conservação. A Petrobrás encomendou trabalhadores para alinha de frente, ou seja, a manutenção de equipamentos, atividadealtamente especializada, da qual ela mesma seria a mais capacitada arealizar esse serviço, entregando tal atividade a empresas de construçãocivil, que nada entendem de produção de petróleo.

Por outro lado, a capacidade para realização do trabalho não deve serobservada somente quanto à empresa a ser contratada, já que namaioria das vezes é apenas uma intermediadora de mão de obra, e simse deve observar a capacitação dos próprios trabalhadores, paraverificação da precarização.

Ainda segundo a Associação dos Engenheiros da Petrobrás:

“Qual a diferença básica entre os empregados da Petrobrás e osterceirizados? Os empregados do quadro da empresa são pessoas quepassaram por um processo seletivo rigoroso, submetidos a concursospúblicos de grande procura. São avaliados física e mentalmente epassaram por avaliação e estágio prático antes de iniciar o trabalho.Anualmente, são submetidos à avaliação médica. Os empregados emáreas perigosas são treinados para dar combate a incêndios e prestarsocorro a colegas acidentados. Como a Petrobrás não fez contrataçõesnos últimos anos, a média de experiência do pessoal de operação nasunidades é hoje de cerca de 10 anos e a do pessoal de manutenção, de15 anos. Já com os empregados terceirizados, a situação é diferente. Elessão, na quase totalidade, pessoas admitidas após a celebração do

137

Page 138: Table of Contents -  cio à edição eletrônica Este ebook que você tem em mãos é a versão eletrônica, com pequenas modificações, do texto apresentado como dissertação

contrato com a Reduc. As empresas só os contratam após terem acerteza do aporte de recursos para o pagamento dos salários. Poucoantes do término do contrato, estas pessoas são demitidas. Esteprocedimento não deixa tempo para a capacitação, o que exige que asempresas busquem, no mercado, estes profissionais já prontos. Algunscontratados são bastante capacitados. Outros não têm o preparonecessário, e a qualidade de mão de obra é muito dependente donúmero de obras. Quanto maior, menor a qualidade do pessoaldisponível para a contratação. Existem terceirizados que trabalham naReduc há mais de 20 anos. A cada dois anos trocam de uniforme e defirma contratada”. (Boletim n.º 225, de 27/08/2001, da Associação dosEngenheiros da Petrobrás).

E esta precarização do meio ambiente do trabalho ocorre não somentena Petrobrás, mas em todas as grandes empresas que se utilizam daterceirização como intermediação de mão de obra. A Telemar,concessionária de telefonia fixa do Estado do Rio de Janeiro, terceirizoutodos os trabalhos relativos à rede externa de telefonia, como instalaçãode linhas telefônicas e sua manutenção, instalação e manutenção detelefones públicos, com isso entregando a subsidiária e a diversasempresas, grandes e pequenas, a contratação desses trabalhadores.Segundo o presidente do Sindicato da categoria, “em matéria desegurança do trabalho, essas empresas são um desastre, sendo que amaioria não mantém nem ao menos CIPA” (Inquérito Civil n.º 636/2000, f.356).

A CIPA é a Comissão Interna de Prevenção de Acidentes, instituída pelaNorma Regulamentadora n.º 04 do Ministério do Trabalho, tendo porfunção primeira a utilização dos próprios trabalhadores como peçasfundamentais na prevenção de acidentes, tendo os empregados eleitospara a CIPA, inclusive, por previsão constitucional, estabilidade noemprego. Ora, se as empresas que realizam um serviço altamenteperigoso como a manutenção de linhas externas de telefone, imagine-seo nível de segurança na realização desses trabalhos.

Parece que a prejudicialidade da intermediação de mão de obra comrelação ao meio ambiente do trabalho não é exclusiva do caso brasileiro,já que a bibliografia internacional chegou às mesmas conclusões quechegamos:

138

Page 139: Table of Contents -  cio à edição eletrônica Este ebook que você tem em mãos é a versão eletrônica, com pequenas modificações, do texto apresentado como dissertação

“As condições de trabalho declaradas pelos trabalhadores a títuloprecário quando das pesquisas estatísticas são bem piores que aquelasdos assalariado que tenham um contrato de duração indeterminada. Seurítmo de trabalho é mais constrangido pelos equipamentos, pelasnormas, pelos controles de hierarquia. Eles trabalham maisfrequentemente em equipes alternadas. Seu trabalho é mais penoso.Seu meio ambiente de trabalho é mais medíocre. Eles são mais expostosaos acidentes. É certo que tudo isto é em parte ligado ao fato que ostrabalhadores a título precário não ocupam o mesmos empregos que osoutros assalariados. No entanto, mesmo em posto de trabalhocomparável, um desvio significativo subsiste entre as condições detrabalho dos trabalhadores precarizados e aquelas dos estáveis.”(GOLLAC ; VOLKOFF, 2000, p. 67)

De todo o exposto, verificamos que o meio ambiente do trabalho sofresérios danos com a intermediação de mão de obra, pelas seguintescausas:

- precarização da situação laboral do trabalhador;

- dificuldade de efetiva representação e defesa sindical;

- fragmentação do ambiente de trabalho, com falta de coesãocomunitária;

- menor remuneração;

- menor qualificação e possibilidade de qualificação;

- menor experiência na função e menor conhecimento da situaçãoespecífica do trabalho;

- maior riscos das atividades exercidas.

NOTAS:

(1) Porém, entendo ser tal entendimento totalmente despropositado,pois a Constituição Federal, no caput do art. 7º não discriminou,indicando serem direitos dos trabalhadores urbanos e rurais aquelesrelacionados em seus parágrafos. Ora, não é o trabalhador temporárioum trabalhador urbano? Onde há a restrição? Entendo, portanto, quetodos os direitos relacionados no art. 7º devem ser aplicados aotrabalhador temporário, desde que compatíveis.

(2) Quanto a esta afirmativa, somente podemos concordar que os139

Page 140: Table of Contents -  cio à edição eletrônica Este ebook que você tem em mãos é a versão eletrônica, com pequenas modificações, do texto apresentado como dissertação

trabalhadores não estejam cobertos pela legislação trabalhista setomarmos pelo aspecto formal. Assim, falsos cooperados, temporáriosfora das normas estritas da lei, constituintes de firmas individuais,formalmente estão fora da proteção trabalhista, porém a partir domomento em que for questionada a situação, e verificada pelascondições reais a existência de uma relação trabalhista, a Justiça doTrabalho concederá os direitos sonegados formalmente.

(3) Segundo a Revista Época, n.º 185, de 03 de dezembro de 2001, em1995, a Petrobrás tinha 46.000 (quarenta e seis mil) empregados e 30(trinta) mil terceirizados, sendo que em 2001 são 34.000 (trinta e quatromil) empregados e 90.000 (noventa mil terceirizados), sendo então aproporção de quase 3 (três) terceirizados para cada empregado daPetrobrás. No Relatório de sustentabilidade do ano de 2013, encontrávelno site www.petrobras.com.br, nesse ano a empresa tinha 86.111empregados e 360.000 terceirizados, constatando-se um aumentosignificativo na proporção.

(4) É de suma importância salientar que os dados referentes aosacidentes ocorridos com empresas terceirizados não são de alto nível deexatidão. Os números colocados são os conhecidos pelo sindicato,podendo ter existido outros acidentes aos quais não teve acesso, sejadevido ao não comunicado da Petrobrás, seja pelo fato de que asempresas terceirizadas, para não serem multadas pela própriaPetrobrás, tentam sempre esconder a existência de acidentes. Noentanto, os números referentes aos empregados da Petrobrás sãoexatos, pela representação do sindicato da categoria. Assim, se houveralguma incorreção nos dados, estes somente serão quanto a eventualaumento de número de acidentes e acidentados de trabalhadoresterceirizados, crescendo a proporção que já é assustadora.

140

Page 141: Table of Contents -  cio à edição eletrônica Este ebook que você tem em mãos é a versão eletrônica, com pequenas modificações, do texto apresentado como dissertação

Capítulo III. A intermediação de mãode obra como segregação e exclusão

social

“That until there are no longer first classAnd second class citizens of any nation

Until the colour of a man's skinIs of no more significance than the colour of his eyes

Me say warThat until the basic human rights are equally

Guaranteed to all, without regard to raceDis a war” (Cancão “War”, Bob Marley)

A intermediação de mão de obra causa sérios gravames aostrabalhadores, como a quebra do sistema protetivo laboral e aprecarização do trabalho humano. Porém, não param por aí osmalefícios desta forma ilícita de contratação de trabalhadores.

Talvez o maior prejuízo para os trabalhadores seja mesmo o estado deexclusão em que permanecem os terceirizados, discriminados dentro doambiente de trabalho, segregados de um grupo de trabalhadores com“status” de efetivos, recebendo melhores benesses do empregadorúnico.

Neste capítulo é o que se pretende demonstrar, verificando primeiro oque se tratará como exclusão social, discriminação e segregação, a suarelação com o trabalho, e a verificação da intermediação de mão de obracomo principal discriminante dentro do ambiente laboral.

1. Segregação, Discriminação e Exclusão Social

A categoria “exclusão social”, em voga nos anos 90,(1) tida então comoessencial para o entendimento dos problemas sociais, no final damesma década já começou a sofrer sério desgaste, recebendo várias

141

Page 142: Table of Contents -  cio à edição eletrônica Este ebook que você tem em mãos é a versão eletrônica, com pequenas modificações, do texto apresentado como dissertação

críticas quanto à sua sustentação frente aos problemas que procurasolucionar.

Porém, antes de verificarmos se se sustenta esta categoria, e em quenível, devemos realizar um pequeno estudo do que seja ou o que éentendido por exclusão social, percorrendo o caminho dos estudiosos.

As críticas, geralmente, advêm de um mal-entendido em relação a essascategorias, talvez alimentado pela diversidade de orientações e sentidospelos que se utilizam e se apropriam diferentemente do conceito deexclusão social.

Há, certamente, uma “inflação de usos” e uma “multiplicidade deacepções” (FRÉTIGNÉ, 1999, P. 11). Segundo o sociólogo francês CédricFrétigné, “A massa de documentos escritos, de suportes audiovisuaise/ou radiofônicos, de alocuções e de comunicações em colóquiosconsagrados a esta questão é verdadeiramente assustadora”(FRÉTIGNÉ,1999, P. 11). O número de sinônimos, ou expressões de substituiçãotambém é vasto, e ajuda à confusão sobre o sentido da utilização dotermo: “desafiliação, desqualificação social, desinserção, não-integração,desfiliação, desliame, vulnerabilidade relacional, desafetação,insecuridade cumulativa” (FRÉTIGNÉ, 1999, P. 172). Tal termo também éusado massivamente por vários grupos de pessoas, com interesses eintenções as mais diversas, como políticos, jornalistas, militantes eeconomistas. Assim, “a dissipação da bagunça semântica” é “umimperativo incontornável” (FRÉTIGNÉ, 1999, P. 172), e clarificar o conceitoutilizado e evitar a dúvida que traz a noção, é indispensável para o bomentendimento do que se pretende expor.

Atribui-se a René Lenoir, na obra de 1974 “Les Exclus. Un français sur dix”o estabelecimento da acepção contemporânea de “exclusão”, apesar deque outros autores atribuem a paternidade a J. Klanfer, em sua obra de1965 “L’Exclusion Sociale” (FRÉTIGNÉ, 1999, P. 162). Todavia tais obras sãotentativas esparsas de tratamento da questão, somente nos anos 90realmente aparecendo a exclusão social como categoria sociológica enecessária para entendimento e apropriação dos problemas sociais. É,sem dúvida alguma, em seu nascedouro, uma categoria europeia, poistrata da “desestabilização dos estáveis”, ou de como se deu a crescenteproliferação da pobreza e do desemprego em países que praticamenteinexistiam, caracterizando a exclusão social a intenção de demonstrar a

142

Page 143: Table of Contents -  cio à edição eletrônica Este ebook que você tem em mãos é a versão eletrônica, com pequenas modificações, do texto apresentado como dissertação

saída (talvez sem volta) de pessoas que tinham uma vida estável parauma vida de instabilidade e precariedade. Destarte, a exclusão socialsignificou, a princípio, uma categoria disposta a se tornar imprescindívelpara o enfrentamento da “questão social”, ou seja, o “enigma da coesãoda sociedade, e sua “capacidade (...) para existir como um conjuntointerligado por relações de interdependência” (CASTEL, 1998, P. 30)

Alain Touraine entende por “exclusão social” nas sociedadescontemporâneas o fato de que tais sociedades não mais se estruturamde forma vertical, em termos de sociedade de classes, passando a serestruturada de forma horizontal, “onde o importante é saber se estamosno centro ou na periferia” (TOURAINE, 1999, P. 10). Segundo o mesmoautor, “a questão não é mais hoje de estar ‘up’ ou ‘down’, mas ‘in’ e out’”(TOURAINE, 1999, P. 10). Desta forma, para ele há a “guetização” cada vezmaior do mundo, havendo uma exclusão daqueles que sãoencaminhados à periferia, existindo um fosso entre o “in” e “out”praticamente intransponível. Destarte, passaríamos de uma sociedadevertical, característica da modernidade integrativa, à uma sociedadehorizontal, típica da pós-modernidade exclusiva e dualista.

Conforme desenvolvido por Frétigné, “Os integrados, os ‘in’, que sebeneficiam do movimento geral de elevação do nível de vida, ocupamum emprego, gozam de uma ‘identidade no trabalho’, bem como dosbens e serviços, participam da vida social. Os excluídos, os ‘out’, sãovítimas das mutações do sistema econômico. Então, os segundos sãoprivados de toda participação efetiva” (FRÉTIGNÉ, 1999, P. 90). Verifica-sena teoria de Touraine que a exclusão, ou os efeitos da exclusão, são narealidade, ao mesmo tempo que intercalados, momentos diferentes domesmo fenômeno. Assim, a perda do emprego, a moradia em “banlieue”ou periferia, a falta de acesso aos direitos e ao consumo sãoconsequências uns dos outros, e fases ou graus da exclusão social.Entretanto, apesar de não deixar claro explicitamente, o termo exclusãosocial utilizado por Touraine não quer dizer que as pessoas que seencontram nessas condições estão excluídas da sociedade. O que elequer dizer é que estas pessoas estão cada vez mais excluídas, no sentidode apartadas, separadas, discriminadas, mantidas longe do convíviosocial com o outro grupo, o dos incluídos, e com frouxos liames sociaiscom aquela outra parte da mesma sociedade e não havendo a desejadacoesão social.

143

Page 144: Table of Contents -  cio à edição eletrônica Este ebook que você tem em mãos é a versão eletrônica, com pequenas modificações, do texto apresentado como dissertação

Em seu livro “Adeus ao Proletariado”, André Gorz (1980, P. 94) chama osexcluídos de “non-classe”, composta de indivíduos expulsos da esferaprodutiva e englobando o total dos supranumerários da produção social,sendo a face visível do movimento de precarização mais geral quegangrena pouco a pouco o total do corpo social, causando avulnerabilidade de massa que alude Robert Castel. Segundo o autor(GORZ, 1980, P. 74), “a classe operária tradicional não é mais do que umaminoria privilegiada. A maioria da população pertence a este neo-proletariado pós-industrial dos sem-estatuto e sem-classe que ocupamempregos precários de auxiliares, de substitutos temporários, detrabalhadores eventuais, de interinos, de empregado a tempo parcial.”

André Gorz descreve o movimento de “divisão dualista da populaçãoativa”: “de um lado uma elite de trabalhadores protegidos e estáveis,empregados a tempo pleno, depositária dos valores tradicionais doindustrialismo, ligados ao seu trabalho e seu estatuto social; do outrolado uma massa de desempregados e de trabalhadores sem qualificaçãonem estatuto, empregados de tipo precário e intermitente com tarefasindiferentes ” (GORZ, 1980, P. 74).

Assim, demonstra Gorz que a exclusão não passa só e necessariamentepelo desemprego, podendo ter uma feição um pouco menos flagrantenas diversas categorias e modalidades de subemprego.

A exclusão, inclusive, apesar de ter relação direta com o trabalho, podeser ocasionada por fatores outros que não o trabalho, sendo a qualidadedeste consequência. É o que ocorreu com o Regime do “Apartheid”ocorrido na África do Sul, onde as pessoas da raça negra viviam fora dosistema normal de relações sociais, colocados como segunda classe depessoas, participando da mesma sociedade, porém apartados. Nãohavia “coesão social”, como a união das pessoas em uma sociedade semsegregação.

No entanto, essas ideias sobre a exclusão e a própria categoria sãonegadas por cientistas sociais de peso.

Robert Castel critica a exclusão social dizendo pertencer os “incluídos” eos “excluídos” à mesma sociedade, ao mesmo conjunto social. Segundoo autor, “quer entremos na sociedade ‘pós-industrial, quer mesmo na‘pós-moderna’, ou como se quiser chamá-la, ainda assim a condiçãopreparada para os que estão ‘out’ depende sempre da condição dos que

144

Page 145: Table of Contents -  cio à edição eletrônica Este ebook que você tem em mãos é a versão eletrônica, com pequenas modificações, do texto apresentado como dissertação

estão ‘in’. São sempre as orientações definidas nos centros de decisão –em matéria de política econômica e social, de gestão das empresas, dereadaptações industriais, de busca de competitividade etc. – querepercutem como uma onda de choque nas diferentes esferas da vidasocial. Mas a recíproca é igualmente verdadeira, a saber, os poderosos eos estáveis não estão colocados num Olimpo de onde possamcontemplar impavidamente a miséria do mundo. Integrados, vulneráveise desfiliados pertencem a um mesmo conjunto, mas cuja unidade éproblemática. As condições de constituição e de manutenção dessaunidade problemática é que devem ser interrogadas.” (CASTEL, 1998, P.34) Insiste o autor que os precarizados, os desfiliados (como chama os“excluídos”) não são “marginais”, eles estão e fazem parte da dinâmicado capitalismo (CASTEL, 1998, P. 526).

Ora, penso que, apesar de acertar nas análises, equivoca-se o autor nascríticas à categoria da exclusão. Como já dissemos, não é ínsita àexclusão social a negativa de pertencimento à sociedade e deinterligação entre os “excluídos” e “incluídos”. E não há ninguém quepossa negar o pertencimento, ou até mesmo a essencialidade daexistência dos “excluídos”, “desfiliados”, “marginais”, “precários” ou dos“pobres” do século XIX, na dinâmica e na máquina do capitalismo.

O que se pretende observar com a categoria é justamente a separaçãoentre dois grandes grupos (mesmo que heterogêneos), na mesmasociedade, com relação a sua unidade e liame, e sua convivência emtermos de vínculos sociais, e não meramente econômicos. E que essaconvivência, ou unidade, seja em termos em que diferenciações nãoocorram de forma que praticamente tornam impraticáveis as trocassociais, pela situação desigual de fato e de direito.

Robert Castel chega a ser até contraditório, pois ao mesmo tempo denega a dualidade dentro da sociedade, apresenta a categoria de“desfiliação” (ou seja, não pertencimento, processo de desengajamentosocial, ou “desencaixe em relação às regulações através das quais a vidasocial se reproduz e se conduz”) (CASTEL, 1990, P. 154) e indica, como severifica ao final da última citação, a possibilidade de não manutençãodessa unidade.

Exclusão indica possibilidades ou oportunidades de relacionamentosocial diversas, dentro da mesma sociedade.

145

Page 146: Table of Contents -  cio à edição eletrônica Este ebook que você tem em mãos é a versão eletrônica, com pequenas modificações, do texto apresentado como dissertação

Como o próprio autor supracitado coloca, “a exclusão não é umaausência de relação social, mas um conjunto de relações sociaisparticulares da sociedade como um todo. Não há ninguém fora dasociedade, mas um conjunto de posições cujas relações com seu centrosão mais ou menos distendidas” (CASTEL, 1998, P. 569). As relaçõessociais continuam, mas em nível desigual e comprometendo as trocassociais, pois passam a não conviver igualitariamente, e os atoresrelacionais não se mantêm coesos.

Outra crítica à categoria remonta à estaticidade da noção de exclusão(FRÉTIGNÉ, 1999, P. 104). Com razão, um excluído não pode ser tidocomo “para sempre excluído”. É uma questão de situação momentânea,mas que, como dito por Touraine, tende a se perpetuar, peloagravamento da situação particular, ou seja, pelo grau de exclusão.Assim, apesar de não ser necessariamente estática, há tendência de ser.

Além dessa, outra crítica encontrável é a de que há heterogeneidade nasposições dos excluídos (FRÉTIGNÉ, 1999, P. 104). Porém, como jádissemos, a exclusão comporta graus diferentes, ou seja, mínimo delaços sociais com a parte integrada da sociedade.

Serge Paugam (1986 apud DEMO, 1998) também critica a utilizaçãoabrangente do termo exclusão social, diferenciando este deprecariedade. Para ele, este último é estágio anterior à exclusão.Entretanto, aponta corretamente que um dos núcleos decisivos daexclusão é a destruição de liames coesivos. E demonstra essa ruptura:“Da mesma forma, o problema das favelas não pode ser explicado sópelas formas de segregação espacial e as desigualdades face àhabitação; é mister ver também um processo de degradação dasrelações sociais no seio das cidades deserdadas e as dificuldadescrescentes da população de fazer face ao sentimento de solidão, deenfado, de vazio de existência.” (PAUGAM, 1986, 15 apud DEMO, 1998, 18)

Desta forma, verifica o autor que há a destruição do liame social, e acoloca como um processo, chamando-o de precarização, cujo resultadofinal seria a exclusão.

Abraçando as críticas de Castel e Serge Paugam, notou Frétigné que oconceito de “exclusão social” passaria para “configuração socialexcludente” (FRÉTIGNÉ, 1999, P. 188) ou seja, posição na sociedade queacarreta (ou pode vir a acarretar), em graus diferentes, uma posição real

146

Page 147: Table of Contents -  cio à edição eletrônica Este ebook que você tem em mãos é a versão eletrônica, com pequenas modificações, do texto apresentado como dissertação

de exclusão, ou situação de isolamento de certo fragmento dasociedade.

No Brasil também há críticas sobre a categoria “Exclusão Social”,encaminhadas principalmente por Pedro Demo, na obra “Charme daExclusão Social” (DEMO, 1998). Repetindo um pouco as críticas dePaugam e Castel, vai, porém, mais além, dizendo que não aceita aexclusão social nem como final de um processo, já que “se o risco deexclusão social atinge a amplitude da sociedade, fica ainda mais difícilimaginar que os excluídos estejam apenas ”fora”, até porque seriacontraditório considerar fora a maioria da população, sempre que osexcluídos se tornem maioria” (DEMO, 1998, p. 30). Afirma também que “aexclusão é uma forma de inclusão, ou seja, uma maneira de exercer umafunção dialética no sistema”.

Disso nunca duvidamos, já que o que estamos aqui a combater, aintermediação de mão de obra, é instrumento útil ao capitalismo e queestá sendo utilizado por este justamente para desvalorizar o trabalhohumano em busca do lucro, ou seja, incluído no modo de reprodução dasociedade. No entanto, o que se discute é o “modo” dessa inserção, é ainserção excluída, dialética, como o próprio autor afirma.

A outra crítica de Pedro Demo é relacionada com a “nova questão social”,a que atinem Robert Castel e Pierre Rosanvallon (1998), dizendo tratar-seapenas de susto que passa a Europa, especialmente a França, com osurgimento do desemprego estrutural, não se aplicando de formaalguma ao Brasil, onde o desemprego estrutural sempre existiu.Contudo, mesmo se não é uma nova questão social para nós, continuasendo uma questão a ser resolvida, e sua característica de não-novidadenão impede, de forma alguma, o estudo da questão para a busca desoluções possíveis.

Assim, após a discussão, verifica-se que se deve ter um conceito bemdefinido de exclusão social, para evitar as críticas acima, algumas bemracionais, a partir do entendimento errôneo que se pode ter dacategoria. Deve, inicialmente, ser salientada a exclusão social comoprocesso. Alain Lipietz (1998) demonstra bem essa característica, aoanalisar a sociedade atual como “sociedade em ampulheta” (“société ensablier”), ou seja, cada cidadão é um grão de areia em direção ao fundo,e quem está na parte mais baixa da parte superior da ampulheta vê-se, a

147

Page 148: Table of Contents -  cio à edição eletrônica Este ebook que você tem em mãos é a versão eletrônica, com pequenas modificações, do texto apresentado como dissertação

todo momento, em possibilidade de passar para a parte de baixo. Lipietzdenomina a exclusão social de “déchirure sociale”, ou ruptura social,tratando-a como processo centrífugo, ou ameaça.

Então, para fim do presente estudo, temos que exclusão social ouprocesso de exclusão, bem como qualquer outro nome que se dê, como“desfiliação”, “configuração social excludente”, deve ser entendida comoa forma ou processo de discriminação ou segregação, causada porsituação ou posição existente, determinante de quebra de liame social,dificuldade ou impossibilidade de continuação de relações sociais, quecausa ruptura na coesão social e participação efetiva em determinadoambiente social.

2. Segregação, Discriminação e Exclusão no Trabalho

O trabalho, apesar de não ser o único, é um importante campo deverificação do processo de exclusão.

Sem esquecer do debate sobre a centralidade do trabalho (2) (mas odeixando de lado por não caber sua discussão dentro deste estudo), aposição do indivíduo perante o trabalho ainda exerce grande influêncianas suas relações sociais. Para se ter uma ideia da importância dotrabalho para a questão social, verifique-se que a obra de Robert Castel,com 600 (seiscentas) páginas na edição brasileira, tratando sobre “AsMetamorfoses da Questão Social”, explana quase que inteiramente sobreas relações de trabalho através dos tempos até os atuais.

E as muitas das facetas da exclusão, ou processo de exclusão, sãodemonstradas, ou restam visíveis, indubitavelmente, por meio dotrabalho. Caso típico de exclusão é o “desemprego”, que inclusive levouao aprofundamento dos estudos sobre a “exclusão social” e a suposta“nova questão social”, estudando políticas de inserções, que naimpossibilidade do emprego, garantiriam renda mínima às pessoas sempossibilidade de encontrar uma posição no mercado laboral.

Porém, como vimos no item anterior, a falta do emprego não é a únicacausadora de ruptura no liame social. Também o são algumas formasatuais de inserção no próprio mercado de trabalho, inserções precáriascomo o contrato a prazo determinado, o trabalhador a tempo parcial,falsos cooperados e trabalhadores informais. São, como chamados porAndré Gorz, “Neo-Proletariado pós-industrial sem estatuto e sem classe”.

148

Page 149: Table of Contents -  cio à edição eletrônica Este ebook que você tem em mãos é a versão eletrônica, com pequenas modificações, do texto apresentado como dissertação

Há, no entanto, outras formas de exclusão dentro do ambiente detrabalho.

Como trata Marcio Pochmann (1999, p. 21), “a geração de ocupações combaixa qualidade (atípica, irregular, parcial), que no padrão sistêmico deintegração social estaria associada à exclusão relativa do modelo geralde emprego regular e de boa qualidade, surge como exemplo deincorporação economicamente possível. Dessa forma, distanciam-se aspossibilidades de estabelecimento de um patamar de cidadaniadesejada”. Isto seria, segundo o autor, uma nova forma de exclusão,surgida com o retrocesso no mundo do trabalho trazido pela terceirarevolução industrial, ou neoliberalismo (POCCHMANN, 1999, P. 179 e 54-55).

Orlandina de Oliveira e Marina Ariza (2001, p. 77-103), estudando aexclusão social com relação à questão da mulher, aduzem que “aexclusão por gênero, nos mercados de trabalho, é examinada levando-seem conta três aspectos interrelacionados: a natureza precária dotrabalho feminino, a segregação ocupacional e a discriminação salarialdiante dos homens”(OLIVEIRA; ARIZA, 2001, p. 78). Portanto, partindo doponto de desigualdade, demonstra-se a posição apartada de convivênciaapenas formal dentro do mesmo ambiente social.

Assim, abstraindo a questão de gênero, qualquer situação imposta notrabalho que determine a segregação ou discriminação de categoriademonstra a existência de processo de exclusão, pois ocasiona a quebrado liame social entre os grupos envolvidos.

De fato. Conforme Tony Atkinson (1998, p. 13), a exclusão social deve serobservada por três elementos: relatividade, atividade e dinâmica. Assim,de acordo com o primeiro elemento proposto por Atkinson, “pessoas sãoexcluídas de uma sociedade em particular: refere-se a um lugar e tempodefinido”. E ainda, “Nós não podemos julgar se uma pessoa é ou nãosocialmente excluída somente observando suas circunstâncias emisolução. A implementação de qualquer critério para exclusão tem quelevar em conta as atividades dos outros. Pessoas são excluídas devido aeventos em qualquer lugar na sociedade. Exclusão pode realmente sermais uma propriedade de grupos de indivíduos do que de indivíduos.”(ATKINSON, 1998, p. 13) Desta forma, a análise da exclusão social deveser realizada relativamente a determinado grupo de indivíduos e

149

Page 150: Table of Contents -  cio à edição eletrônica Este ebook que você tem em mãos é a versão eletrônica, com pequenas modificações, do texto apresentado como dissertação

determinada sociedade, onde haveria (ou deveria haver) as trocas sociaise a coesão.

O segundo elemento trazido por Atkinson é atividade, pois exclusãoimplica um “ato”, e um “agente” ou “grupo de agentes”. Com isso, o atode exclusão, ou a falta de inclusão, é gerado por ato ou atos realizadospor um agente ou grupo de agentes, que gerariam o afrouxamento doslaços de solidariedade, indispensáveis para a coesão social.

O terceiro elemento é a dinâmica. Como já explicado anteriormente, aexclusão social é um processo onde ocorre a discriminação e oconsequente afastamento da convivência social. “Pessoas são excluídasnão somente porque elas estão atualmente sem emprego ou renda masporque eles têm poucas perspectivas para o futuro.” (ATKINSON, 1998, p.14) Destarte, não basta para explicar o processo de exclusão social apermanência do trabalhador fora do mercado de trabalho, ou inseridono mercado de trabalho por meio de um trabalho precário. O que deveser observado é a situação do trabalhador dinamicamente, ou seja, apossibilidade dessa pessoa encontrar um trabalho, e que esse trabalholhe permita a dignidade e o convívio sem discriminação geradora deapartação. Remonte-se à ampulheta de Alain Lipietz, onde umtrabalhador com emprego precário seria o próximo a passar para a partebaixa da sociedade.

Vemos, então, que o trabalho, ou a ausência deste, está intimamenteligado com o fenômeno da exclusão social, apesar da negação dosneoliberais. Friedreich Hayek, tido como o mentor do neoliberalismo,afirmou que não se devia esperar nenhuma coesão social pelo trabalho,e que deveríamos buscá-la em qualquer outro lugar, nas famílias ou emcomunidades locais. Porém, como bem lembra Sennett (apud ASKONAS;STEWART, 2000, P. 282), esquece-se Hayek que, cada vez mais, passamosa maior parte de nossas vidas acordados, no trabalho, ou em volta deste.Assim, como grupo social no qual vive-se a maior parte do tempodesperto, não há como excluí-lo da necessidade de coesão e convivênciasocial. Seria como transformar trabalhadores em robôs, que seriamdesligados de suas subjetividades (como amor, ódio, amizade, alegria,tristeza) durante o horário de trabalho, voltando a viver realmente comoser humano nas horas livres (que a despeito das “modernas” teorias dotempo livre, após a diminuição da carga horária de trabalho tida entre o

150

Page 151: Table of Contents -  cio à edição eletrônica Este ebook que você tem em mãos é a versão eletrônica, com pequenas modificações, do texto apresentado como dissertação

início da era industrial até os anos 80, estão cada vez ocorrendo emmenor número, devido à enorme quantidade de horas extraordináriasrealizadas pelos trabalhadores)(GOLLAC; VOLKOFF, 2000, P. 45).

Assim, a segregação dentro do grupo de trabalho, com ausência oufrágeis liames entre o grupo segregado e aquele tido como inserido,além da falta de reconhecimento mútuo como grupo único, é,evidentemente, geradora do processo de exclusão dentro daqueledeterminado grupo.

Como estabelecem Orlandina Oliveira e Marina Ariza, “A segregaçãosocial é outro dos aspectos que tornam visíveis os processos deexclusão. Em si mesma, é um modo de exclusão que delimita espaçosdiferenciados entre grupos sociais a partir de atributos particulares. Adistinção não é neutra, legitima esferas de autoridade e competência edetermina um acesso desigual aos recursos sociais. Segregar é reduzirum espaço social para assegurar a manutenção de uma distância, parainstitucionalizar uma diferença que, por sua vez, ratifica uma certaordem social.” (OLIVEIRA; ARIZA, 2001, P. 80-81)

São, então, características da segregação social, como forma de exclusãosocial: delimitação de espaços diferenciados, não-neutralidade dadistinção, legitimação de esferas de autoridade e competência e acessodesigual aos recursos sociais.

Como veremos a seguir, todas essas características estão presentes naterceirização como intermediação de mão de obra, que realmente écausa de segregação dentro do espaço de trabalho.

3. Intermediação de mão de obra como causa de segregação,discriminação e exclusão social

Podemos claramente ver a exclusão social agir por meio daintermediação de mão de obra, que segrega com todas as característicasacima expostas.

A delimitação de espaços diferenciados ocorre naturalmente no seio dasempresas que se utilizam de mão de obra fornecida por intermediadora.Em algumas das vezes, esses espaços são fisicamente delimitados,sendo que outras vezes a delimitação é realizada por meio deidentificações, como uniformes ou crachás.

Um exemplo de delimitação física de espaço é encontrado no151

Page 152: Table of Contents -  cio à edição eletrônica Este ebook que você tem em mãos é a versão eletrônica, com pequenas modificações, do texto apresentado como dissertação

estabelecimento do Carrefour Comércio e Indústria Ltda. Situada em SãoJoão do Meriti - RJ, onde funciona sua central de distribuição para aslojas do Rio de Janeiro. Ali, onde na verdade funciona um depósito demercadorias, foi confiada a uma empresa especializada em logística aadministração de todo o depósito, ficando o Carrefour somente com aparte de negociação com os fornecedores. Assim, no primeiro andardaquele estabelecimento funciona o depósito, onde ficam osempregados terceirizados, e no segundo andar ficam os vendedores,empregados do Carrefour, que realizam a negociação. A separação étotal, já que entre os locais delimitados fica a segurança contratada peloCarrefour, que impede a “mistura” entre os trabalhadores de cada lado,que são identificados por meio de crachás, sendo aqueles dosempregados do Carrefour crachás eletrônicos, e os dos empregadosterceirizados crachás “provisórios” nos quais é estampada adenominação “Terceirizados”, bem destacada em vermelho.

A delimitação por meio de identificação dos trabalhadores terceirizados,ou intermediados, é mais comumente encontrada, seja por meio deuniformes diferenciados ou por crachás, como no caso acima citado.

No caso da Petrobrás, inclusive, há norma expressa nesse sentido, queconsta nos contratos padrões de terceirização, como, por exemplo, nocontrato com a empresa Christensen Roder Produtos e Serviços dePetróleo Ltda. (Inquérito Civil nº 226/01, PRT 1ª Região), onde na cláusula3.10.8 vinha previsto a obrigação de “manter uma identificação especialpara seu pessoal, de modo a distingui-lo do pessoal da Petrobras e deoutras empresas que, eventualmente, atuem em outros serviços ligadosao objeto do presente contrato.” Na realidade, a Petrobrás exigeinclusive que a cor do uniforme seja diferenciada, sendo que a de seusempregados é cinza claro.

A não-neutralidade da distinção também é facilmente encontrada naintermediação de mão de obra. A distinção entre “efetivos” e“terceirizados” não é utilizada como mera distinção de funções, mas simcomo geradora de “status” diferentes dentro da empresa. Muitas vezes autilização do termo “terceirizado” é realizada com menosprezo erebaixamento ao trabalhador contratado por empresa interposta. Esserebaixamento, inclusive, é demonstrado por meio das empresas que, aoinvés de utilizarem-se do instituto do contrato por experiência,

152

Page 153: Table of Contents -  cio à edição eletrônica Este ebook que você tem em mãos é a versão eletrônica, com pequenas modificações, do texto apresentado como dissertação

contratam primeiramente por meio de uma empresa intermediadora demão de obra, e se esse trabalhador for “aprovado”, alçará à condição deefetivo, finalmente considerado como empregado da sua já antes realempregadora. Tal fato ocorre em muitas empresas, cujo exemplo podeser dado pelo Citibank, onde, conforme investigação, verificou-se que écomum encontrar trabalhadores que, após um período trabalhado como“cooperado”, são efetivados como empregados do banco (ProcedimentoInvestigatório nº 144/99, PRT 1ª Região, fl. 689, 714-715 e 719-720).

Outras vezes a distinção tem tons mais fortes e pejorativos. No Citibank,conforme inspeção realizada em seu estabelecimento no centro do Riode Janeiro (Procedimento Investigatório nº 144/99, PRT 1ª Região, fls. 686-690), toda a gama de trabalhadores não efetivos do banco, que vão decooperados a contratados por empresas intermediadoras de mão deobra, passando por trabalhadores que foram obrigados a montar umaempresa para serem contratadas por empresas intermediadoras de mãode obra para prestarem trabalho para o banco, além de “estagiários” quetrabalham 08 (oito) horas por dia, são todos rotulados de “externos”,sendo subordinados a empregados do banco.

Aliás, existe neste caso uma carreira hierárquica demonstradora de umaestruturação nitidamente fordista, cuja aparente reestruturaçãoprodutiva não consegue esconder. A estrutura é totalmente piramidal,com um gerente empregado, chamado “TL Sênior”, alguns denominados“TL Líder” empregados, chefiando outros chamados “TLs do Banco”também empregados, e esses subordinando “TLs linha”, trabalhadoresterceirizados com mais tempo no banco, e, por último, os chamados“externos”, em maior número e na base da pirâmide estrutural daempresa (Procedimento Investigatório nº 144/99, PRT 1ª Região, fls. 714-715 e 719-720). Assim, verifica-se que a distinção é para legitimação deesferas de autoridade e competência, da mesma forma que ocorre nocaso da Telerj Celular anteriormente citado, na qual a gerência e “oscargos estratégicos” são ocupados pro empregados da contratante,sendo que todo o resto por empregados intermediados.

Às vezes, a discriminação vem travestida de combate à própriadiscriminação. Foi anunciada em toda a imprensa nacional (Jornais “OGlobo”, de 09 de dezembro de 2001, p. 3 e “Jornal do Brasil”, de 08 dedezembro de 2001, p. 4), ação do governo federal tida como “a mais

153

Page 154: Table of Contents -  cio à edição eletrônica Este ebook que você tem em mãos é a versão eletrônica, com pequenas modificações, do texto apresentado como dissertação

ousada iniciativa brasileira de combate ao racismo”. Anuncia-se a açãocomo sendo a reserva de 20% (vinte por cento) das vagas no serviçopúblico federal às pessoas da raça negra.

Porém, de logo se percebe o equívoco.

Não se trata de reserva de vagas no serviço público, mas sim deobrigação contida nos editais de licitação para que as “prestadoras deserviço”, ao efetivarem contratos junto ao governo federal, utilize-se detrabalhadores negros de acordo com o percentual mínimo.

Da notícia extraem-se duas primeiras e assustadoras conclusões.

Primeiramente, observa-se que o Governo Federal está tratando oinstituto da “terceirização” como “fornecimento de trabalhadores semconcurso público”, implicando que as prestadoras de serviço estariamsendo meras intermediadoras de mão de obra ao governo federal. Comose sabe, a atividade pode ser terceirizada, mas isso não implica no“fornecimento” de trabalhadores para que estes atuem como“servidores”, sem o concurso público devido, com subordinação aogoverno federal. As atividades terceirizadas devem ser realizadasautonomamente, e não como estão sendo tratadas pelo governo federal,que quer ter a ingerência sobre o pessoal que a prestadora de serviçosirá realizar sua atividade, contrariando o Decreto nº 2271/97, da própriaAdministração Pública Federal.

Contudo, esta não é a principal conclusão, sendo até periférica.

A principal é que a ação, de acordo com o noticiado, não é nem de longeuma medida contra o racismo, mas sim uma reafirmação do racismo,agora de modo oficial.

Está o governo federal reservando aos negros não cargos efetivos eimportantes na administração pública, como se era de esperar, mas simprecários postos de trabalho, em atividades acessórias e poucovalorizadas, que por essa razão foram repassadas à iniciativa privada.Estes postos de trabalho são geralmente muito mal-remunerados e nãotêm nenhuma garantia contra a dispensa, sendo por isso, totalmenteprecários.

E mais, com relação aos servidores públicos eles são tidos comotrabalhadores de segunda categoria, discriminados no próprio ambientede trabalho, detentores de menores direitos e realizando atividade de

154

Page 155: Table of Contents -  cio à edição eletrônica Este ebook que você tem em mãos é a versão eletrônica, com pequenas modificações, do texto apresentado como dissertação

menor importância.

A “novidade” já teve seu caráter experimental realizado pelo Ministériodo Desenvolvimento Agrário desde setembro, e a imprensa noticia areserva de vagas de “importantes” funções como “Office-boy”, “motorista”e outras funções de “serviços gerais”. Ora, tais funções, que nãonecessitam de qualificação para seu exercício, já eram ocupadas pornegros e por pessoas de outros grupos discriminados, como osnordestinos. Para essas funções não há necessidade de cota, já que osdiscriminados já ocupam sua maioria, senão a sua totalidade.

O que os negros precisam é de cargos com real importância e garantia,aos quais não têm acesso, ou esse acesso é dificultado, por razões depreconceito históricas. Uma ação afirmativa é aquela que, na tentativade igualar os desiguais, resulta em um “upgrade” na situação de pessoasdiscriminadas, que seriam incluídas. O que se necessita, então, é decotas no próprio serviço público, em funções importantes, para que secriem oportunidades para essas pessoas deterem cargos públicosefetivos, com dignidade e garantias, e não que sejam mantidos emposições de segundo nível, mal remunerados, precarizados e excluídos.A inclusão social é realizada quando estes passam a participar domesmo espaço público que os servidores públicos, e não apartadosdestes, em funções com “status” diferenciado.

Na realidade, a noticiada “ação afirmativa” traduz-se em racismooficializado, apartação e discriminação institucionalizada, reservandoaos negros a fatia pior de trabalho junto ao governo federal.

Por último, o acesso desigual aos recursos sociais é também encontradonas intermediações de mão de obra.

Na Petrobrás, segundo um antigo mergulhador terceirizado, as salas detelevisão das plataformas de petróleo são utilizadas preferencialmentepelos empregados efetivos da empresa, que podem inclusive mudar decanal quando lá estiver assistindo somente “terceirizados”. Nessaempresa, a diferenciação entre os “terceirizados” e os “funcionários”,como são chamados os empregados, é patente, e o acesso aos recursossociais bem desiguais, como observa-se no seguinte relato:

“Os terceirizados sempre receberam menor remuneração, e têmcondições de trabalho muito inferiores às dos empregados da Petrobrás.

155

Page 156: Table of Contents -  cio à edição eletrônica Este ebook que você tem em mãos é a versão eletrônica, com pequenas modificações, do texto apresentado como dissertação

Os banheiros e vestiários colocados à disposição deles são de baixahigiene e qualidade. O transporte é feito em condições mínimas deatendimento. Apenas no último ano, a Reduc disponibilizou asinstalações do seu restaurante para os empregados terceirizados. Isto sófoi possível devido à redução do efetivo próprio.” (Boletim nº 225, de27/08/2001, da Associação dos Engenheiros da Petrobrás)

Outro exemplo de acesso desigual é a utilização de refeitório somentepara empregados efetivos, como ocorre em várias empresas, existindocasos em que os “terceirizados” são obrigados a trazer suas própriasrefeições, em “quentinhas” ou “marmitas”, e comê-las junto ao meio-fioda rua (3). A utilização dos refeitórios geralmente é exclusiva dosempregados, já que somente estes recebem os “tíquetes” que dão oacesso. Assim, não é que seja “proibida” a entrada dos trabalhadores,mas não há oportunidade do acesso, o que, no final, resulta emdesigualdade. É como ocorre com o racismo brasileiro, onde não hásegregação, mas não há igualdade de possibilidades, por razõeshistóricas ou mesmo preconceituosas.

Muitas dessas formas de segregação foram encontradas na pesquisa deMaria da Graça Druck. Observe-se seu relato:

“(Os trabalhadores terceirizados) constituem uma categoria inferior, sãotratados como de segunda categoria, não somente pelas chefias esupervisores, mas, em muitos casos, até mesmo pelos trabalhadoresfordistas, que integram a “elite” da fábrica.” ”Trabalhadores que sãoapartados dos demais, com os quais trabalham lado a lado e, muitasvezes, exercendo a mesma função, mas que são considerados desegunda categoria (os desclassificados), desprovidos de um estatuto ede direitos elementares que o trabalho assalariado deveria garantir.”(DRUCK, 1999, P. 225)

Richard Sennett também concorda que as práticas modernas de“flexibilidade” dificultam a inclusão social (SENNETT, 1999, P. 282). E istose dá, segundo o sociólogo, por algumas razões: pela ausência demutualidade nas relações entre os sujeitos e que a burocraciaflexibilizada é orientada ao curto termo (SENNETT, 1999, P. 279-290). Aprimeira razão se origina pela falta de trocas sociais ritualísticas, deonde surge o sentimento de pertencimento àquela determinadasociedade. Já a segunda razão decorre que, com a estrutura vocacionada

156

Page 157: Table of Contents -  cio à edição eletrônica Este ebook que você tem em mãos é a versão eletrônica, com pequenas modificações, do texto apresentado como dissertação

ao curto termo, falta às relações o “comprometimento” necessário àcoesão. Com isso, não há razões para sentimento de pertencimento, jáque tudo está orientado ao curto termo, instável e flexível.

Inclui também Sennett outra razão, qual seja a ausência de dependência,pela valorização da autonomia no mundo atual do trabalho (SENNETT,1999, P. 284).

Podemos ver que todas essas causas de ruptura de inclusão social sãoaplicadas na intermediação de mão de obra. A tentativa de fuga dadependência, mesmo jurídica, do real empregador em relação aotrabalhador demonstra que aquele não quer ter com este outrasrelações além do puro contratualismo de troca simples: trabalho xdinheiro. Não há espaço para comprometimento comutativo, não háespaço para confiança, não há espaço para coesão.

O trabalhador intermediado está, da mesma forma, ligadoindissociavelmente ao curto termo. Ele sabe que a qualquer hora podeser trocado por outro, já que está sendo somente alugado pelo realempregador. Como verificamos acima, pela maioria dos contratosanalisados, o tomador de serviços pode, a qualquer tempo, semqualquer ônus, requerer a substituição do trabalhador. Assim, o curtotermo é sua vida, ele sabe que trabalhará hoje, mas amanhã poderáestar em outra empresa, ou até em nenhuma. Não há tempo paracomprometimento, fidelidade ou sentimento de pertencimento.

Quanto à ausência de mutualidade nas relações, verifica-se,principalmente, que o trabalhador, exercendo às vezes as mesmasfunções que empregado da tomadora de serviços, não tem o “status” deempregado reconhecido, nem pelos seus colegas de trabalho, nem peloempregador. Dessa forma, a primeira troca, que seria o reconhecimento,torna a relação viciada desde o começo, quanto à mutualidade.

Destarte, restou demonstrado o processo de exclusão social a que sãosubmetidos os trabalhadores intermediados, segregados ediscriminados dentro do ambiente laboral.

NOTAS:

(1) Apesar de ter surgido nos anos 70, após a crise mundial do petróleo,somente nos anos 90 conseguiu projeção a categoria de exclusão social.Inclusive, no Brasil, já nos anos 50, costumava-se tratar da questão dos

157

Page 158: Table of Contents -  cio à edição eletrônica Este ebook que você tem em mãos é a versão eletrônica, com pequenas modificações, do texto apresentado como dissertação

“marginalizados”, e nos Estados Unidos, nos anos 70, da questão dos“underclass”.

(2) Nossa opinião é que a ênfase da não centralidade da categoriatrabalho decorre do ressurgimento do liberalismo, que tenta tratar otrabalho não como um local de trocas sociais, mas sim somente detrocas econômicas.

(3) Esta situação foi presenciada pelo autor, quando de atuação comoAuditor-Fiscal do Trabalho em Goiânia – GO.

158

Page 159: Table of Contents -  cio à edição eletrônica Este ebook que você tem em mãos é a versão eletrônica, com pequenas modificações, do texto apresentado como dissertação

CONCLUSÃO

A partir de agora, passamos a fazer a ligação dos pontos, como naquelejogo de passatempo infantil, para vermos o que está por trás dautilização da terceirização.

Verifica-se, inicialmente, que, na realidade brasileira, continuou-se arealizar a estruturação das empresas, em sua maioria, de acordo com osditames fordista-taylorista, somente havendo a retirada da contrapartidadada idealmente por esse regime aos trabalhadores . A estruturaçãocontinua a mesma, em forma piramidal fortemente hierarquizada,porém com grande utilização da intermediação de mão de obra,disfarçada de terceirização, para a precarização de determinadasfunções, que continuam inseridas na própria estruturação fabril. Estasfunções “terceirizadas” geralmente se encontram na base da pirâmide,submetidas a forte hierarquia dos módulos superiores da pirâmide,ainda trabalhadores empregados diretos.

Verificou-se, outrossim, que a terceirização encontra realmente suporte eagasalho na ordem neoliberal. O mesmo suporte e agasalho são dadospela corrente ideológica à sua versão deturpada, a intermediação demão de obra. É realmente interesse dessa corrente de pensamento, aorealizar a reestruturação produtiva, e na própria criação das múltiplasformas de trabalho surgidas, a precarização do trabalho humano e asubjugação dos trabalhadores ao domínio econômico do capital. Todasessas novas formas são, em comparação com o trabalho a tempoindeterminado, modelo antes absoluto, mais precárias e menoscomprometidas com o bem-estar do cidadão trabalhador. É o que PierreBourdieu chama de “flexploração”, sendo que, corroborando a conclusãoaqui observada, “a precariedade se inscreve num modo de dominaçãode tipo novo, fundada na instituição de uma situação generalizada epermanente de insegurança, visando obrigar os trabalhadores àsubmissão, à aceitação da exploração.” Esta submissão à exploraçãocondiciona os trabalhadores na luta de todos contra todos, aceitando

159

Page 160: Table of Contents -  cio à edição eletrônica Este ebook que você tem em mãos é a versão eletrônica, com pequenas modificações, do texto apresentado como dissertação

um trabalho precário, livre das proteções sociais, e tendo-o como um“privilégio”.

Percebe-se, também, que esta concepção liberal faz com que osoperadores do Direito do Trabalho no Brasil, em sua maioria, esqueçamquais são as bases desse ramo jurídico, negando às vezes seusprincípios básicos. Quando um operador jurídico-trabalhista propõe alegalidade da intermediação de mão de obra realizada por umacooperativa de trabalho, na verdade o que faz é simplesmente negartodo o Direito do Trabalho. Assim, a ideologia dominante, com seu ar deinevitabilidade globalizante, traz impassibilidade e perplexidade ao meiojurídico trabalhista, que passa até a negar-se a si próprio.

As soluções jurídicas estão já previstas no ordenamento jurídico pátrio,sendo que a realidade que tenta ser imposta pela nova ideologiadominante é que impede a utilização desses mesmos instrumentos paraa solução dos problemas que surgem.

A diferenciação entre a terceirização lícita, aquela entrega de atividadesnão centrais das empresas para realização autônoma por outrasempresas especializadas, e a intermediação de mão de obra, objeto derepugnância histórica das sociedades democráticas, pode ser tratada deforma mais clara, segundo os indícios aqui propostos, quais são: gestãodo trabalho pela tomadora de serviços, especialização da prestadora deserviços e prevalência do elemento humano no contrato de prestação deserviços.

E essa diferenciação é indispensável para a manutenção da unidade domeio laboral, para diminuição de diferenças que dificultam a busca dacidadania pelo trabalho.

A apartação e a exclusão social, que vimos apresentar-se em todas assuas formas na intermediação de mão de obra, é interessante àideologia ora dominante, o que pode ser demonstrado a partir das ideiasde seu idealizador, que determina a busca pelos homens da coesãosocial em qualquer lugar, menos do ambiente do trabalho.

O trabalho deixa de ter seu papel de criador de valor e de história,passando à mercadoria posta em concorrência, regida e valorada pelasleis do mercado. O trabalho passa a ser tido como uma mercadoriaexistente em abundância, e o emprego, qual seja ele, precário ou

160

Page 161: Table of Contents -  cio à edição eletrônica Este ebook que você tem em mãos é a versão eletrônica, com pequenas modificações, do texto apresentado como dissertação

aviltante, espremido pela síndrome da “empregabilidade”, faz torná-louma dádiva. Empregar, que vira “dar trabalho”, torna-se sinônimo decaridade e ato nobre caridoso do empresário. Torna-se, destarte, umamercê concedida ao trabalhador.

Então, o trabalho, tratado como mercê, remonta à própria etimologia doadjetivo precário, “concedido por mercê revogável”, ou seja, torna-se umfavor que pode ser revogável a qualquer momento. O trabalhadorintermediado é, indubitavelmente o mais precário de todos no sentidoetimológico, pois, como vimos, pode ser-lhe retirado o trabalho aqualquer momento. Assim, a precariedade do trabalho está também naconcessão como dádiva, revogável a qualquer hora por interesse doconcedente, o tomador de serviços.

O trabalhador não quer dádiva. Quer trabalho decente que lhe garantasobrevivência digna e convivência harmoniosa com o patrão e os demaistrabalhadores. O trabalho ainda rege boa parte, senão a totalidade, emalguns casos, a vida do ser humano. É um importante local para arealização das trocas sociais tão imprescindíveis para a vida emsociedade mais humana. O trabalho não deve ser um local onde apessoa tem obrigação de ir e lá permanecer, esquecendo-se nesseínterim da sua condição humana, a fim de ganhar algum dinheiro parasua sobrevivência daquele dia. O trabalho enquanto relação jurídicainterpessoal deve ser valorizado e estendido no tempo para criação deritos de trocas que realizariam a inclusão social dos trabalhadores.

Como vimos no capítulo dedicado à globalização, o mundo e as relaçõespessoais certamente mudaram. Mas ainda o trabalho é preponderantena vida das pessoas, principalmente, pois ainda dele necessitamos paraa sobrevivência. E mais, o empresário necessita do trabalhador damesma forma que antes. Mesmo com o crescimento da automação,ainda não foi possível eliminar a necessidade de ter trabalhadores àdisposição do empreendimento. Apesar de ser esse o sonho denumerosos empregadores: dispor de uma mão de obra sem terempregados. Assim, encontrou o empresariado, na intermediação demão de obra, travestida de terceirização, a chance de realização de seugrande sonho.

A utilização do próprio termo “terceirização” já indica a real intenção doempresariado brasileiro no repasse a “terceiro”, outro qualquer, da

161

Page 162: Table of Contents -  cio à edição eletrônica Este ebook que você tem em mãos é a versão eletrônica, com pequenas modificações, do texto apresentado como dissertação

posição de empregador na relação empregatícia (e consequentementeda responsabilidade sobre os encargos e direitos trabalhistas) com seusempregados.

A intenção na sua utilização é justamente separar, apartar, discriminar.Separar os trabalhadores aos quais se deseja dar um tratamento melhor,daqueles que, mesmo sendo indispensáveis e imprescindíveis, nãohaveria uma necessidade de valoração igual ao primeiro grupo. Aintenção, clara, é realizar a discriminação, entre trabalhadores dignos deostentarem o “título” de empregados, e aqueles outros que serão “osoutros”, os “terceirizados”.

Vemos realmente o futuro repetir o passado, na exploração do trabalhohumano de forma cada vez mais favorável ao detentor do capital, e cadavez menos favorecida ao trabalhador. Vemos um museu de grandesnovidades, pois as novas formas de trabalho nada mais são do quetentativas de reviver o trabalho como era no século XIX, sem proteção edesgarrado de qualquer compromisso com a cidadania. Os senhores doprogresso na verdade são senhores do regresso, transformando emlataria tudo o que estiver ao seu alcance.

E mais, a terceirização, como intermediação de mão de obra, ataca ossentimentos lógicos mais óbvios. É como se uma mãe pudesse escolherentre os filhos aqueles que seriam tidos como seus filhos, e que opoderão chamá-lo de mãe, recebendo todas as benesses advindas dessaligação. Aqueles não escolhidos seriam desprezados, chamados talvezde “enteados”, não usufruindo a ligação filial que geraria muitosbenefícios. Assim, esta mãe, mesmo tendo gerado da mesma forma osfilhos, poderia escolher aqueles que mais a agradassem para dar a eleso que já lhes seria natural, ser filho da sua mãe.

Da mesma forma se dá com a intermediação de mão de obra, que tentadar um outro empregador ao trabalhador, contrariamente ao estipuladopelo Direito do Trabalho, com o fim justamente de limitar as vantagens,e principalmente as obrigações, advindas desse liame.

O Direito do Trabalho, com a utilização da intermediação de mão deobra, como demonstrado neste trabalho, é atingido brutalmente emseus pilares, deformando sua estrutura, podendo vir a condenar todo oedifício. O que está em cheque é todo o sistema protetor trabalhista,tratado como arcaico e incapaz de resolução dos problemas entre

162

Page 163: Table of Contents -  cio à edição eletrônica Este ebook que você tem em mãos é a versão eletrônica, com pequenas modificações, do texto apresentado como dissertação

capital e o trabalho, segundo os defensores da liberalização do mercadode trabalho. Ora, como vimos, desde o início do século demonstrou-seque a liberação do trabalho humano de toda a proteção estatal entrega otrabalhador, sem nenhuma arma, nas mãos dos empregadores (outomadores de mão de obra, como preferem ser chamados atualmente).O alvo é todo o edifício, e parece que este alvo está sendo a todo omomento atingido, e os habitantes desse prédio não estão dando contado porvir.

Se quisermos mesmo buscar trazer cidadania pelo trabalho,contrariando as ideias de Hayek, não podemos deixar que haja tais tiposde segmentação dentro do ambiente laboral. O trabalho é meio própriopara alcance da cidadania, e o seu tratamento cada vez mais longe dessesentido de entendimento do labor provoca a consciência da exploraçãoque o trabalhador vem sofrendo pela forma de trato do trabalho atual.

Se acreditarmos que há a possibilidade de que o modo de produçãocapitalista possa ser justo, deve ser tratado o trabalhador, seja elerealizador de trabalho intelectual ou de escritório, seja ele detentor detarefas que necessitem de menor qualificação, como cidadão, como umapessoa íntegra à espera de um tratamento igualitário e digno.

Como dizia Flaubert, “Triste et bizarre époque que la nôtre ! Vers quelocéan ce torrent d’iniquités coule-t-il ? Où allons-nous dans une nuit siprofonde? Ceux qui voulent palper ce monde se retirent vite, effrayés dela corruption qui s’agite dans ses entrailles.” Espero que nesta noiteescura pela qual navega o Direito do Trabalho, seu navio deságue emáguas mansas e límpidas, onde o trabalho será tratado como locus noqual o ser humano encontrará a si próprio como ser social, e usufruirátodos os benefícios da cidadania plena, sem discriminações de qualquersorte.

163

Page 164: Table of Contents -  cio à edição eletrônica Este ebook que você tem em mãos é a versão eletrônica, com pequenas modificações, do texto apresentado como dissertação

POSFÁCIO

Nada se alterou tanto no âmbito jurídico quanto sociológico desde aprimeira edição desta obra.

Realmente, ainda não há uma regulamentação expressa pelo PoderLegislativo da terceirização, apesar de diversas tentativasconsubstanciadas em projetos de lei em trâmite no Congresso Nacional.Todas, sem exceção, com severas tendências precarizantes e expansivasda utilização da terceirização. No presente momento o empresariadotenta desesperadamente utilizar o Supremo Tribunal Federal para liberara terceirização em qualquer atividade, fim ou meio. Do lado social, aterceirização, confundida com intermediação de mão de obra, cada vezmais lesa os trabalhadores, causando-lhes a perda da força do coletivolaboral, a precarização do trabalho e a exclusão social.

As consequências sociais danosas da terceirização já não são exclusivasde países periféricos como o nosso.

A Organização Internacional do Trabalho, após várias tentativas deadoção de uma convenção internacional sobre as relações de trabalhotriangulares, editou a Recomendação nº 198 no ano de 2006, que trata darelação de emprego. A preocupação dos peritos da OrganizaçãoInternacional do Trabalho sobre os efeitos nefastos da burla dalegislação trabalhista por meio da fuga da relação de emprego nautilização de contratos civis gerou discussão que foi travada por anos noâmbito daquela organização, gerando resistência dentro do grupo dosempregadores à feitura de uma Convenção, ocasionando, por fim, em2006, na votação de uma Recomendação. Uma Recomendação não tema pretensão, como é da natureza de uma Convenção, de se tornar lei nospaíses membros, tendo efeito somente orientador e moral para guiar ospaíses nas legislações estatais.

Esta recomendação tem por maior importância a reafirmação doprincípio da primazia da realidade, trazendo em seu parágrafo nono:

164

Page 165: Table of Contents -  cio à edição eletrônica Este ebook que você tem em mãos é a versão eletrônica, com pequenas modificações, do texto apresentado como dissertação

“9. Para os fins da política nacional de proteção dos trabalhadoresvinculados por uma relação de trabalho, a existência de uma relação detrabalho deveria determinar-se principalmente de acordo com os fatosrelativos à execução do trabalho e à remuneração do trabalhador, semprejuízo da maneira em que se estipule a relação em qualquer arranjocontrário, seja este de caráter contratual, ou de outra naturezaconvencionado pelas partes”.

Assim, repetindo de forma mais incisiva o dispositivo do art. 9º daConsolidação das Leis do Trabalho, não importa qual a forma contratualestipulada pelas partes. Considerando-se a existência das característicasda relação do trabalho no plano fático, as estipulações em sentidocontrário devem ser afastadas, prevalecendo a condição de assalariado,recebendo, assim, a proteção trabalhista.

Afirma ainda a mesma recomendação, em seu parágrafo 4, item “b”, queas políticas nacionais devem adotar medidas para:

“lutar contra as relações de trabalho disfarçadas, no contexto de, porexemplo, outras relações que possam incluir o recurso a outras formasde acordos contratuais que ocultem a verdadeira situação jurídica,entendendo-se que existe uma relação de trabalho disfarçada quandoum empregador considera um empregado como se não o fosse, de umamaneira que oculte sua verdadeira condição jurídica e que possamproduzir situações nas quais os acordos contratuais dão lugar a que ostrabalhadores se vejam privados da proteção a que têm direito;”

Assim, deve a legislação de cada país combater a utilização de contratoscivis, sejam eles quais forem, para ocultação da verdadeira condição deempregado, e, por conseguinte, a privação da fruição da proteçãotrabalhista a que deveriam ter direito.

Propõe a citada recomendação, no seu parágrafo 13, que alguns indíciospodem ser adotados para a constatação da condição de trabalhador alvoda proteção trabalhista, como aqueles do “feixe de indícios” citadosnesta obra:

“(a) o fato de que o trabalho: seja realizado de acordo com as instruçõese sob o controle de outra parte; envolva a integração do trabalhador naorganização da empresa; seja realizado somente ou principalmente parao benefício de outra pessoa; deva ser realizado pessoalmente pelo

165

Page 166: Table of Contents -  cio à edição eletrônica Este ebook que você tem em mãos é a versão eletrônica, com pequenas modificações, do texto apresentado como dissertação

trabalhador; é realizado dentro de horas estipuladas de trabalho oudentro de local de trabalho especificado ou acordado pela parte queencomendou o trabalho; tenha uma certa duração e tenha uma certacontinuidade; requeira a disponibilidade do trabalhador; ou envolva aprovisão de ferramentas, materiais e maquinaria pela parte contratantedo trabalho;

(b) pagamento periódico de remuneração ao trabalhador; o fato que talremuneração constitua a única ou principal fonte de recursos dotrabalhador; provisão de pagamento in natura, tal como comida,alojamento ou transporte; reconhecimento de direitos como descansosemanal e anual; pagamento pela outra parte de viagem realizada pelotrabalhador para realização do trabalho; ou ausência de risco financeiropelo trabalhador.”

Assim, busca a Organização Internacional do Trabalho dar linhas geraispara que os países membros possam continuar realizando a necessáriaproteção aos trabalhadores, e que esta sobreviva ao ataque incessantede “novas formas” contratuais que pretendam, em verdade, somenteafastar a proteção que merece o trabalhador.

As fraudes à relação de emprego atualmente têm uma feição ainda maisardilosa. Trabalhadores estão sendo obrigados a criar empresas para aprestação de trabalho. São transformados assim em “capitalistas” semCapital, para a exploração pelo verdadeiro Capital. São lhes incutidosideias e cobradas atitudes próprias de capitalistas, como assunção deriscos, sendo todos os bônus deixados para o empregador.

Tal procedimento é compatível com o “novo espírito do capitalismo” quenos traz Boltanski e Chiapello (1999). O capitalismo atualmente passa ase justificar de uma nova forma, apontando para princípios deequivalência inusitados, em uma configuração ideológica nova. Assim,estaria em formação uma nova forma de cidade, à qual Boltanskidenomina de “cidade por projetos”(BOLTANSKI; CHIAPELLO, 1999, P. 65).

Na “cidade por projetos”, a principal forma da ordem natural é a rede esuas características principais são: a mobilidade, a flexibilidade, atolerância e informalidade (BOLTANSKI; CHIAPELLO, 1999, p. 190).

A vida social se apresenta não mais como uma série de direitos edeveres frente à uma comunidade familiar expandida em um mundo

166

Page 167: Table of Contents -  cio à edição eletrônica Este ebook que você tem em mãos é a versão eletrônica, com pequenas modificações, do texto apresentado como dissertação

doméstico, nem na forma hierárquica do mundo industrial, mas sim naforma de reencontros e conexões temporais, porém reativáveis, a gruposdiversos operados a eventualmente grandes distâncias sociais,profissionais, geográficas e culturais. O projeto é a ocasião e o pretextoda conexão (BOLTANSKI; CHIAPELLO, 1999, p. 165).

O princípio superior comum, ou aquele sob o qual coisas, atos e pessoassão julgados em cada cidade, dividindo em uma disputa aquelesjulgados em estados de grande e pequeno, da cidade por projetos é aatividade. A atividade na cidade por projetos opõe o trabalho ao não-trabalho e o estável ao não-estável, o mensurável em termos deprodutividade e o não-mensurável. A atividade é a inserção nas redes,visando a gerar projetos ou se integrar aos já existentes (BOLTANSKI;CHIAPELLO, 1999, p. 166). A cidade por projetos propõe a substituição dotrabalho assalariado por trabalho por honorários, com multiplicidade declientes, que pode ser auxiliado pelo trabalho benévolo, que cria asredes sociais fora do trabalho.

Ao inserir-se em uma empresa por um projeto, a pessoa sabe que serápor tempo determinado, com um fim inevitável, no qual deve haver oengajamento sem a perda do entusiasmo. A ideia do fim do projeto trazconsigo a possibilidade de engajamento em outro, bem como apossibilidade de escolha do projeto a se engajar. Aquele que não seengajar em projetos, corre o risco da exclusão, por ficar fora das redes.Quem fica fora da rede, não consegue gerar sua própriaempregabilidade, que passa a ser obrigação do próprio trabalhador emse qualificar, ao contrário de antes, quando a qualificação e otreinamento eram obrigação da empresa (BOLTANSKI; CHIAPELLO, 1999,p. 167).

A pessoa deve ser adaptável, móvel, flexível, polivalente, capaz de mudarde atividade ou ferramenta para se conservar em um projeto ou seengajar em um outro é manter-se empregável. Ser ativo, autônomo,assumir riscos, aberto, conector, são formas inevitáveis de se inserir nasredes.

As empresas apresentam os seguintes dispositivos: subcontratação,especialização, externalização, unidades autônomas, franquias. Essassão as características da empresa pós-moderna, pós-fordista, em rede(BOLTANSKI; CHIAPELLO, 1999, p. 177).

167

Page 168: Table of Contents -  cio à edição eletrônica Este ebook que você tem em mãos é a versão eletrônica, com pequenas modificações, do texto apresentado como dissertação

Todas essas características são próprias de estados de grande. Já ascaracterísticas do estado de pequeno são o autoritário, o intolerante, oimóvel, e, principalmente, o rígido (BOLTANSKI; CHIAPELLO, 1999, p. 179).

A relação com o trabalho também se modifica na cidade por projetos.Tida como a própria essência do capitalismo, houve uma tendênciacrescente de separação entre a vida privada e a vida profissional, ocompleto afastamento do escritório ou fábrica do lar, sendo corolário daseparação entre a força de trabalho que é colocada no mercado e apessoa do trabalhador. Essa tendência culminou em um capitalismo degrandes empresas burocratizadas e dirigidas por assalariadosdiplomados no segundo espírito do capitalismo. Essa diferenciaçãoentre as esferas doméstica e profissional inclue também a reprovaçãodo favoritismo, nepotismo ou invasão da vida privada do trabalhador((BOLTANSKI; CHIAPELLO, 1999, p. 236-237).

Já no mundo conexionista, ao contrário, a tendência se inverte,desaparecendo a linha entre a vida privada e a vida profissional, sobuma dupla confusão: a) entre as qualidades da pessoa e as propriedadesde sua força de trabalho (competência) e a entre a posse pessoal (de simesmo) e a posse social (entrega à organização). Há a mistura entre otempo da vida priva e o tempo da vida profissional, representada pelosalmoços e jantares corporativos e de negócios e os trabalhos realizadosem casa (BOLTANSKI; CHIAPELLO, 1999, p. 237).

Essa é a base das modificações trazidas pelo novo espírito docapitalismo e a nova e em formação cidade por projetos. Veremos agoraessas modificações no mundo do trabalho, segundo Boltanski.

Inicialmente, Boltanski vê as modificações no mundo do trabalho comoassimilação da crítica artística pelo novo espírito do capitalismo e umtotal esquecimento da crítica social. A principal transformação está naflexibilidade, que pode ser decomposta em flexibilização interna,baseada em uma transformação profunda a organização do trabalho edas técnicas utilizadas (polivalência, autocontrole, desenvolvimento daautonomia) e em flexibilização externa, que pressupõe uma organizaçãodo trabalho em rede (subcontratação) e com uma mão de obra maleávelem termos de emprego (empregos precários, temporários eindependentes), ou em termos de horários ou duração do trabalho(tempo parcial, horários variáveis) (BOLTANSKI; CHIAPELLO, 1999, p. 292).

168

Page 169: Table of Contents -  cio à edição eletrônica Este ebook que você tem em mãos é a versão eletrônica, com pequenas modificações, do texto apresentado como dissertação

Quanto às modificações sobre a organização interna do trabalho, vê-sena França a ruptura sistemática de práticas chamadas “tayloristas”,sendo que ocorrem principalmente nas indústrias de processo(petroquímica, siderurgia etc.) (BOLTANSKI; CHIAPELLO, 1999, p. 293).Observou-se o crescimento exponencial da terceirização e dacontratação de trabalhadores temporários (BOLTANSKI; CHIAPELLO,1999, p. 296).

Outra característica forte é a precarização do trabalho. A utilização deformas precárias de contratação tem um duplo objetivo: utilizar-se damão de obra disponível somente pelo tempo estritamente necessário efugir do Direito do Trabalho (BOLTANSKI; CHIAPELLO, 1999, p. 303).

Ocorre também a “dualização do assalariado”, ou seja, a existência dediferentes estatutos entre os trabalhadores dentro da mesma empresa,sendo alguns contratados diretamente pela empregadora, a tempoindeterminado e com todos os direitos e garantias, e outros, oucontratados precariamente ou contratados por empresas fornecedorasde mão de obra, seja ela permanente ou temporária (BOLTANSKI;CHIAPELLO, 1999, p. 308-313).

Interessante dado verificado por Boltanski é a utilização do trabalhoprecário ou externalizado para processo de seleção/exclusão(BOLTANSKI; CHIAPELLO, 1999, p. 313-318). Os estudos citadosdemonstram que os menos competentes, os mais frágeis fisicamente oupsiquicamente, os menos maleáveis, foram sendo remetidos àscontratações cada vez mais precárias, até a completa exclusão da rede(BOLTANSKI; CHIAPELLO, 1999, p. 313-314). Interessante análise dasdispensas coletivas constatou a discriminação não somente por motivosjá conhecidos como raça, sexo e origem, mas outras condições pessoaisdos trabalhadores, como as qualidades médico-psicológicas daspessoas, ou seja, o seu estado de saúde, com o fim de expelir osempregados menos qualificados ou com menos condições físico-psíquicas (BOLTANSKI; CHIAPELLO, 1999, p. 323).

Ao mesmo tempo, constata-se um enfraquecimento das defesas domundo do trabalho, pela intensa dessindicalização, seja pela repressãoanti-sindical ou pela reestruturação das empresas, pela terceirização oudeslocamento espacial (BOLTANSKI; CHIAPELLO, 1999, p. 352-360). Adesintegração da comunidade de trabalho, pela existência de

169

Page 170: Table of Contents -  cio à edição eletrônica Este ebook que você tem em mãos é a versão eletrônica, com pequenas modificações, do texto apresentado como dissertação

trabalhadores de diferentes estatutos e de diferentes empregadores(BOLTANSKI; CHIAPELLO, 1999, p. 358).

Enfim, Boltanski demonstra que, a título de “libertação” dostrabalhadores, o que almejava a crítica artística ao capitalismo, o que sepercebe é a exploração maior pelo capital dos trabalhadores, justamentepela individualização dos assalariados e a criação de diversos estatutosligados às características pessoais e individuais de cada trabalhador.

O Direito do Trabalho, assim, é colocado em risco a partir dessamentalidade. A integridade do direito do trabalho somente será mantidacom a não confusão entre os fenômenos da terceirização e daintermediação de mão de obra. Esta última deve ser sempre repelida, ou,no máximo restringida em situações excepcionais.

Ao lado disso, dispositivos devem ser encontrados para inibir autilização da terceirização como fornecimento de mão de obra, e, assim,sua utilização para redução de custos.

A solução, entendemos, passa justamente por deixar mais onerosa aterceirização. Propõe-se a fixação de garantias aos trabalhadores queimpedirão a utilização desvirtuada do fenômeno. Assim, as trêsiniciativas a serem propostas, algumas já com utilização pelos tribunaistrabalhistas, seriam:

1) Responsabilidade solidária do contratante em relação aostrabalhadores da contratada;

2) Isonomia de direitos e benefícios entre os trabalhadores daterceirizada e da empresa contratante; e

3) ampliação da liberdade sindical, com possibilidade de reunião em ummesmo sindicato dos trabalhadores da empresa principal e dascontratadas.

Dessa forma, ao mesmo tempo em que se mantém a integridade doDireito do Trabalho, criam-se amarras que vão impedir, ou pelo menostornar mais custoso, assim menos atraente a tentativa da burla dalegislação trabalhista por meio de intermediação de mão de obratravestida de terceirização.

170

Page 171: Table of Contents -  cio à edição eletrônica Este ebook que você tem em mãos é a versão eletrônica, com pequenas modificações, do texto apresentado como dissertação

BIBLIOGRAFIA

ACCORNERO, Aris. Era il secolo del Lavoro. Bologna: Ed. Il Mulino, 2000

ALONSO OLEA, Manuel. Introdução ao Direito do Trabalho. [tradução da5ª edição espanhola] Curitiba: Gênesis, 1997

ALVES, Giovanni. O novo (e precário) mundo do trabalho –Reestruturação produtiva e crise do sindicalismo, São Paulo: Ed.Boitempo, 2000

ANTUNES, Ricardo, na obra Os sentidos do trabalho, São Paulo:Boitempo Editorial, 2ª Edição, 2000

__________. Adeus ao Trabalho: Ensaio sobre as metamorfoses e acentralidade do mundo do trabalho. 6ª Edição. Campinas: CortezEditora/Editora da Unicamp, 1999.

ASKONAS, Peter and STEWART, Angus (org.), Social Inclusion –Possibilities and Tensions. London: Ed. Macmillan Press, 2000.

ATKINSON, Tony. “Social Exclusion, Poverty and Unemployment” inATKINSON, A. B. and HILLS, John (editors). Exclusion, Employment andOpportunity. London: Centre for Analysis of Social Exclusion/ LondonSchool of Economics, 1998, p. 13.

BAUMAN, Zygmunt. Globalização: As Conseqüências Humanas. JorgeZahar Editor, 1999

BAX, E. H.. Globalization and the Flexibility of Labour: A New Challenge toHuman Resource Management. p. 5, Internet.

BECK, Ulrich. O que é globalização?. São Paulo: Ed. Paz e Terra, 1999

BEZERRA DINIZ, José Janguiê. A terceirização e o Direito do Trabalho. InRevista Trabalho & Doutrina, nº 21, São Paulo: Saraiva, junho de 1999, p.3-32.

BORGES, Ângela e DRUCK, Maria da Graça. “Crise Global, terceirização eexclusão no mundo do trabalho”. in Caderno CRH, nº 19. Salvador: Centro

171

Page 172: Table of Contents -  cio à edição eletrônica Este ebook que você tem em mãos é a versão eletrônica, com pequenas modificações, do texto apresentado como dissertação

de Recursos Humanos/Universidade Federal da Bahia, 1993.

BORGHI, Vando. Il Lavoro tra Economia e Società. Milano: ed.FrancoAngeli, 1998.

BRESSER PEREIRA, Luiz Carlos. Reforma do Estado para a Cidadania. SãoPaulo: Editora 34/ENAP, 1998.

CARRION, Valentin. Comentários à Consolidação das Leis do Trabalho.25ª edição. São Paulo: Saraiva, 2000.

CASTEL, Robert. As metamorfoses da questão social. Petrópolis: EditoraVozes, 1998.

__________. Le Roman de la désaffiliation. A propos de Tristan et Iseut.Paris : Le débat, nº 61, 1990, p. 154 apud . FRÉTIGNÉ, Cédric. Sociologiede l’exclusion. Paris: L’Harmattan, 1999, p. 113.

CASTRO, Rubens Ferreira de. A Terceirização no Direito do Trabalho. SãoPaulo: Malheiros, 2000.

COLIN, Paul. De la détermination du Mandat Salarié. Paris: 1931, p. 97apud MORAES FILHO, Evaristo de e MORAES, Antonio Carlos Flores de.Introdução ao Direito do Trabalho. 8ª edição. São Paulo: Ltr, 2000.

COUTURIER, Gerard. Droit du Travail: 1/Les Relations Individuelles detravail. 3ª edição. Paris: ed. PUF, 1996.

DE MASI, Domenico. O Futuro do Trabalho. 2ª edição. Brasília: Ed. daUnb, 1999.

DEMO, Pedro. Charme da Exclusão Social. Campinas: Editora AutoresAssociados, 1998.

DEVEALI. Lineamentos de Derecho Del Trabajo. 3ª ed. Buenos Aires: 1956p. 167 apud SÜSSEKIND, Arnaldo et alli, Instituições de Direito doTrabalho. São Paulo: Ltr, 2000, 19ª edição, p. 149.

DRUCK, Maria da Graça. Terceirização: (des)fordizando a fábrica – Umestudo do complexo petroquímico. São Paulo: Boitempo Editorial, 1999.

DUPAS, Gilberto. Economia Global e Exclusão Social. São Paulo: Ed. Paz eTerra, 1999.

FARIA, José Eduardo. O Direito na Economia Globalizada. São Paulo:Malheiros Editores, 1999.

172

Page 173: Table of Contents -  cio à edição eletrônica Este ebook que você tem em mãos é a versão eletrônica, com pequenas modificações, do texto apresentado como dissertação

FRÉTIGNÉ, Cédric. Sociologie de l’exclusion. Paris: L’Harmattan, 1999.

FRIDMAN, Luis Carlos. Vertigens Pós-Modernas. Rio de Janeiro: Ed.Relume Dumará, 2000.

GIDDENS, Anthony. As Conseqüências da Modernidade. São Paulo: ed.Unesp, 1991.

GIOSA, Livio. Terceirização: uma abordagem estratégica. 5ª edição. SãoPaulo: ed. Pioneira, 1997.

GLANZ, Aída. “A tutela dos direitos sociais no novo Capitalismo: A faláciada mundialização do capital”, in GLANZ, Aída et alli, Temas Polêmicos deDireito e processo do Trabalho, São Paulo: Ed. Ltr, 2000.

GOLLAC, Michel et VOLKOFF, Serge. Les conditions de travail. Paris : LaDecouverte, 2000.

GORZ, André. Adieux au prolétariat. Au dela du socialisme. Paris : Galilée,1980, p. 94 apud FRÉTIGNÉ, Cedric. Sociologie de l’exclusion. Paris:L’Harmattan, 1999, p. 92.

__________. Les chemins du paradis. L’agonie du capital. Paris : Galilée,1983, p. 74 apud FRÉTIGNÉ, Cedric. Sociologie de l’exclusion. Paris:L’Harmattan, 1999, p. 93.

GRAMSCI, Antonio. Prison notebooks, “The Modern Prince”, versão eminglês, Internet.

GROZELIER, Anne-Marie, na obra Pour en finir avec la fin du travail, Paris :Les Editions de l’atelier, 1998.

HABERMAS, Jürgen. La costellazione postnazionale: Mercato globale,nazioni e democrazia. Milano: Ed. Feltrinelli, 2000.

HARVEY, David. Condição Pós-Moderna. São Paulo: Edições Loyola, 9ªEdição, 2000.

JEAMMAUD, Antoine, SUPIOT, Alain, PÉLISSIER, Jean. Précis Droit dutravail. Paris: éditions Dalloz, 2000, 20e édition

JEAMMAUD, Antoine. “A Internacionalização do Trabalho: os novosdesafios da integração econômica” in JEAMMAUD, Antoine et alli.Trabalho, Cidadania e Magistratura. Rio de Janeiro: Edições Trabalhistas,2000.

KRANZBERG, Melvin e GIES, Joseph. Breve Storia del Lavoro –173

Page 174: Table of Contents -  cio à edição eletrônica Este ebook que você tem em mãos é a versão eletrônica, com pequenas modificações, do texto apresentado como dissertação

l’organizzazione del lavoro umano nel suo processo evolutivo. Milano:Oscar Saggi Mondadori Editore, 1991 (1975, original “By the sweat of thybrow”).

LE GOFF, Jacques. Dro i t du travail et société. 1 – Les relationsindividuelles de travail. Paris: Presses Universitaires de Rennes, 2001.

LEIRIA, Jerônimo Souto, Terceirização: Uma alternativa de flexibilidadeempresarial. Porto Alegre: Sagra-DC Luzzatto, 1993.

LEIRIA, Jerônimo Souto Leiria, SOUTO, Carlos Fernando e SARATT, NewtonDorneles. Terceirização passo a passo: O caminho para a administraçãopública e privada. Porto Alegre: Sagra-DC Luzzatto, 1993.

Lena Lavinas e Bila Sorj (O Trabalho a Domicílio em Questão:Perspectivas Brasileiras in ROCHA, Maria Isabel Baltar (org.), Trabalho eGênero: Mudanças, Permanências e Desafios. São Paulo: ed. 34, 2000.

LIPIETZ, Alain. La Société en sablier : La partage du travail contre ladéchirure sociale. Paris : La Découverte, 1998.

MAGANO apud ROBORTELLA, Luiz Carlos Amorim. O Moderno Direito doTrabalho. São Paulo: Ltr, 1994.

MARANHÃO, Délio e CARVALHO, Luiz Inácio B. Direito do Trabalho. 16ªedição. Rio de Janeiro: Editora da Fundação Getúlio Vargas. 1992

MARTINS, Sérgio Pinto. “Custo do trabalho e desemprego”, i n RevistaTrabalho & Doutrina, n.º 23, Dezembro de 1999

__________. Direito do Trabalho. 5ª Edição. São Paulo: Malheiros, 1998

__________. A Terceirização e o Direito do Trabalho. São Paulo: ed.Malheiros, 1997.

MÉDA, Dominique. Le travail: une valeur en voie de de disparition. Paris :Flamarion, 1995.

MIAILLE, Michel. Introdução Crítica ao Direito. 2ª Edição. Lisboa: EditorialEstampa, 1989.

MINISTÉRIO DO TRABALHO E EMPREGO. Terceirização: Trabalhotemporário: orientação ao tomador de serviços. Brasília, Mte, SIT, 2000.

MORAES, Evaristo de. Apontamentos de Direito Operário. 2ª edição. SãoPaulo: Ltr, 1971.

174

Page 175: Table of Contents -  cio à edição eletrônica Este ebook que você tem em mãos é a versão eletrônica, com pequenas modificações, do texto apresentado como dissertação

NAIM, Moises. “Il ‘consenso di Washington’ colto in fallo” in Le MondeDiplomatique, edição italiana, março de 2000.

NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de Direito do Trabalho. 10ª Edição.São Paulo: Ltr, 1992.

OLIVEIRA, Orlandina de, e ARIZA, Marina. “Gênero, Trabalho e ExclusãoSocial” in OLIVEIRA, Maria Coleta (org.). Demografia da Exclusão Social.Campinas: Editora da UNICAMP, 2001, p. 77-103.

PAUGAM, Serge. L’Exclusion. L’Etat des Savoirs. Paris : Édition de laDecouverte, 1996 apud DEMO, Pedro. Charme da Exclusão Social.Campinas: Editora Autores Associados, 1998.

PETRELLA, Riccardo. “La "premiere planetaire". Pour construire une "AutreMondialisation": le Welfare mondial“. Biblioteca das Alternativas, FórumSocial Mundial 2001, Internet.

PIRES, Denise. Reestruturação Produtiva e Trabalho em Saúde no Brasil,São Paulo: Ed. Annablume, 1998.

POCHMANN, Marcio. O Trabalho sob fogo cruzado. Exclusão,desemprego e precarização no final do século. São Paulo: Contexto,1999.

POLONIO, Wilson Alves. Terceirização: Aspectos legais, trabalhistas etributários. São Paulo: ed. Atlas, 2000.

PRUNES, José Luiz Ferreira. Terceirização do Trabalho. Curitiba: Juruá,1995.

RAMOS, Dora Maria de Oliveira. Terceirização na Administração Pública.São Paulo: ed. Ltr, 2001.

ROSANVALLON, Pierre. A Nova Questão Social. Brasília: InstitutoTeotônio Vilela, 1998.

RÜDIGER, Dorothee Susanne. “Globalização, Flexibilização do Mercado deTrabalho e Norma Jurídica Trabalhista” in Plúrima. Revista da Faculdadede Direito da UFF, nº 5. Porto Alegre: Síntese, 1999.

SANTOS, Boaventura de Sousa, “Reinventar a democracia” in OLIVEIRA,Francisco de e PAOLI, Maria Célia (Org.). Os sentidos da democracia. ed.Vozes, 1999, p. 95/96.

SANTUCCI, Rosario. “I contratti di solidarietà ‘esterni o ‘espansivi’, in

175

Page 176: Table of Contents -  cio à edição eletrônica Este ebook que você tem em mãos é a versão eletrônica, com pequenas modificações, do texto apresentado como dissertação

RUSCIANO, Mario e ZOPPOLI, Lorenzo (a cura di). Ob. cit., p. 205-208.

SANTUCCI, Rosario. “Il lavoro a tempo parziale”, in RUSCIANO, Mario eZOPPOLI, Lorenzo (a cura di), Diritto del Mercato del Lavoro, Napoli:Edizioni Scientifiche Italiane, 1999.

SARACINI, Paola. “Il lavoro ripartito (o job sharing)”, in RUSCIANO, Mario eZOPPOLI, Lorenzo (a cura di). Diritto del Mercato del Lavoro. Napoli:Edizioni Scientifiche Italiane, 1999, p. 201-203.

SENNETT, Richard. A corrosão do caráter, São Paulo: Ed. Record, 1999.

_____________. “Work and Social Inclusion” in ASKONAS, Peter andSTEWART, Angus. Ob. cit., p. 286.

SIEBERT, Wolfgang. “Das Arbeitverältniss in der Ordnung der nationalenArbeit, Hamburgo:1935, p. 19 apud NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Cursode Direito do Trabalho. 10ª Edição. São Paulo: Ltr, 199., p. 291.

SILVA, Ciro Pereira da. A terceirização responsável: modernidade emodismo. São Paulo: ed. Ltr, 1997.

SILVA, Luiz de Pinho Pedreira. Principiologia do Direito do Trabalho. SãoPaulo: Ltr, 1997.

SINGER, Paul. Globalização e desemprego – diagnóstico e alternativas,São Paulo: Ed. Contexto, 3ª Edição, 1999.

SOUTO MAIOR, Jorge Luiz. O Direito do Trabalho como Instrumento deJustiça Social. São Paulo: Ltr, 2000.

SÜSSEKIND, Arnaldo et alli. Instituições de Direito do Trabalho. SãoPaulo: Ltr, 2000, 19ª edição, vol. 1.

TEIXEIRA DA COSTA, Orlando. “O Direito do Trabalho na SociedadeModerna”, São Paulo: Ltr, 1999.

TOURAINE, Alain. “Face à Exclusão” in Revista da Faculdade de Direito daUFF. Volume 2. Niterói: 1999.

TRINDADE, Washington Luiz da, “A Terceirização como oponente docontrato de emprego” in Revista Trabalho & Doutrina, nº 21, junho de1999, São Paulo, ed. Saraiva.

VALENTIM, João Hilário. “Teletrabalho e relações de trabalho”, in RevistaGenesis, outubro 1999, p. 524-530.

176