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1 O INGRESSO DO ESTUDANTE DE NÍVEL MÉDIO E DA ESCOLA TÉCNICA NO MERCADO DE TRABALHO POR MEIO DE ESTÁGIOS NÃO-OBRIGATÓRIOS 1 : PERCEPÇÃO E ADAPTAÇÃO DOS JOVENS À OCUPAÇÃO PRECÁRIA ADA MARIA DE ALMEIDA UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS -UNICAMP e-mail: [email protected] Agência financiadora: Capes INTRODUÇÃO, JUSTIFICATIVA E METODOLOGIA DA PESQUISA Este trabalho 2 visa analisar como vem ocorrendo o ingresso do jovem 3 no mercado de trabalho por meio de estágios remunerados não-obrigatórios 3 . A análise dos estágios contemplou estudantes do ensino médio regular e do ensino técnico de duas escolas públicas estaduais da região central do município de Araraquara-SP. Para um entendimento preliminar de como a escola vem tratando a questão da inserção do jovem no mercado de trabalho por meio de estágios dessa natureza, entrevistamos, numa primeira parte da pesquisa empírica, os diretores das escolas pesquisadas. Este procedimento foi fundamental uma vez que, embora não sejam obrigatórios para a obtenção do certificado, os estágios estão subordinados à autorização prévia da gestão escolar sob pena de configurar-se o vínculo empregatício do estudante se não houver a assinatura da direção no Termo de Compromisso. 1 Estamos definindo os estágios aqui analisados como “não-obrigatórios” ou “remunerados não-obrigatórios” para distingui-los, assim como fazem as escolas pesquisas, especialmente a de nível técnico, dos estágios obrigatórios para a obtenção do certificado de conclusão do curso ou estágios supervisionados. 2 Tese de doutoramento em fase de qualificação desenvolvida pela autora no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) sob a orientação do Prof. Dr. João dos Reis da Silva Júnior. 3 É importante salientar que, conforme definição adotada pela Organização das Nações Unidas (ONU), são considerados jovens aqueles que estão situados na faixa etária que vai dos 15 aos 24 anos. Mas, no Brasil, devido à força que o trabalho infantil exerce sobre a dinâmica do mercado de trabalho, considera-se jovem também as crianças que vão dos 10 aos 14 anos. Portanto, jovem no Brasil é a pessoa que se situa entre 10 e 24 anos, faixa etária que muda de país para país de acordo com as características culturais, políticas e institucionais. Para uma informação mais detalhada da definição do que seja considerado jovem em outras realidades nacionais e em outros mercados de trabalho, ver Pochmann (1998).

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O INGRESSO DO ESTUDANTE DE NÍVEL MÉDIO E DA ESCOLA TÉCNICA NO MERCADO DE TRABALHO POR MEIO DE

ESTÁGIOS NÃO-OBRIGATÓRIOS 1: PERCEPÇÃO E ADAPTAÇÃO DOS JOVENS À OCUPAÇÃO PRECÁRIA

ADA MARIA DE ALMEIDA UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS -UNICAMP

e-mail: [email protected] Agência financiadora: Capes

INTRODUÇÃO, JUSTIFICATIVA E METODOLOGIA DA PESQUISA

Este trabalho 2 visa analisar como vem ocorrendo o ingresso do jovem 3 no mercado

de trabalho por meio de estágios remunerados não-obrigatórios 3. A análise dos estágios

contemplou estudantes do ensino médio regular e do ensino técnico de duas escolas

públicas estaduais da região central do município de Araraquara-SP. Para um entendimento

preliminar de como a escola vem tratando a questão da inserção do jovem no mercado de

trabalho por meio de estágios dessa natureza, entrevistamos, numa primeira parte da

pesquisa empírica, os diretores das escolas pesquisadas. Este procedimento foi fundamental

uma vez que, embora não sejam obrigatórios para a obtenção do certificado, os estágios

estão subordinados à autorização prévia da gestão escolar sob pena de configurar-se o

vínculo empregatício do estudante se não houver a assinatura da direção no Termo de

Compromisso.

1 Estamos definindo os estágios aqui analisados como “não-obrigatórios” ou “remunerados não-obrigatórios” para distingui-los, assim como fazem as escolas pesquisas, especialmente a de nível técnico, dos estágios obrigatórios para a obtenção do certificado de conclusão do curso ou estágios supervisionados. 2 Tese de doutoramento em fase de qualificação desenvolvida pela autora no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) sob a orientação do Prof. Dr. João dos Reis da Silva Júnior. 3 É importante salientar que, conforme definição adotada pela Organização das Nações Unidas (ONU), são considerados jovens aqueles que estão situados na faixa etária que vai dos 15 aos 24 anos. Mas, no Brasil, devido à força que o trabalho infantil exerce sobre a dinâmica do mercado de trabalho, considera-se jovem também as crianças que vão dos 10 aos 14 anos. Portanto, jovem no Brasil é a pessoa que se situa entre 10 e 24 anos, faixa etária que muda de país para país de acordo com as características culturais, políticas e institucionais. Para uma informação mais detalhada da definição do que seja considerado jovem em outras realidades nacionais e em outros mercados de trabalho, ver Pochmann (1998).

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Num segundo momento da pesquisa empírica, que é a parte central deste trabalho,

entrevistamos vinte estudantes que estão realizando estágios em empresas na atualidade,

sendo dez do ensino médio e dez de ensino técnico. O objetivo dessa segunda etapa é

entender como os estudantes do ensino médio e técnico vêm vivenciando uma prática muito

peculiar de ingresso no mercado de trabalho: os estágios.

A pesquisa empírica, que se caracteriza como um estudo de caso, contemplou,

portanto, duas partes que foram desenvolvidas e analisadas de forma qualitativa: entrevistas

semi-estruturadas com os diretores utilizando roteiro elaborado de acordo com estudo

preliminar do Projeto-Político Pedagógico e do Regimento Interno das duas escolas;

entrevistas semi-estruturadas com estudantes das duas escolas que estão exercendo algum

tipo de trabalho que se caracterize como estágio por meio de convênio com a instituição de

ensino. O estudo levou em conta, ainda, as especificidades de cada uma das escolas

quanto aos principais problemas, objetivos e desafios para os anos letivos de 2005 e 2006

no que concerne às questões mais gerais da escola e, sobretudo, levando em conta as

questões que envolvem os estágios remunerados não-obrigatórios para os estudantes.

O roteiro de entrevistas para os estagiários foi elaborado a partir dos resultados da

primeira etapa da pesquisa de campo, isto é, a partir do entendimento que as escolas, na

figura dos diretores e do exposto nas propostas pedagógicas, estão fazendo desse tipo de

estágio como forma de ingresso do estudante no mercado de trabalho. Os roteiros de

entrevistas, tanto para os gestores quanto para os estagiários foram desenvolvidos, ainda,

em conformidade com as análises já realizadas na ampla bibliografia disponível 4 sobre as

mudanças no trabalho e na educação, tanto em nível nacional quanto internacional, nos

últimos trinta anos.

Os últimos trinta anos do século XX foram marcados, no plano econômico, pela

transição do modo de produção fordista para a chamada acumulação flexível do capital e

pela predominância do capital financeiro em detrimento do capital produtivo, levando a um

4 Entre a bibliografia utilizada sobre as mudanças no trabalho destacam-se as obras de Chesnais (1996), Castel (1999), Harvey (1994), Leite (2000), Segnini (2004), Pochmann (2002), Druck (1999), entre outros. Da bibliografia sobre as reformas na educação podemos citar as análises de Bueno (2004), Cunha (2002), Ferreti (2002); Frigotto (2004); Kuenzer (2002), Krawczvk (2004), Silva Júnior (2002; 2003; 2004), Warde (2004); Soares (2004); Vitar; Zibas; Ferreti e Tartuce (2006).

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processo ainda em curso de desregulamentação das relações de trabalho e ao solapamento

das conquistas sociais adquiridas durante a vigência do Estado de Bem-Estar Social do pós-

guerra (HARVEY, 1994). A partir desse momento, a precarização 5 do trabalho passa a

afetar a maior parte dos trabalhadores, e é neste momento também que a proliferação da

oferta de estágios para estudantes ganha impulso como um dos mecanismos utilizados pelos

empregadores para baratear os custos com o trabalho, só que neste caso, a precariedade é

direcionada à população juvenil (CASTEL, 1999, p. 520).

Para atender aos limites desta ocasião, estaremos fazendo apenas a apresentação dos

resultados parciais do trabalho empírico, nos detendo às análises principais obtidas por

meio das entrevistas com os estagiários, pois, entendemos que ninguém melhor do que os

próprios sujeitos que estão vivendo no cotidiano a realidade dos estágios para mostrar como

essa prática de trabalho vem ocorrendo. Assim sendo, as principais questões que se

pretendeu responder por meio das entrevistas com os estagiários foram: como os estágios

remunerados não-obrigatórios vêm operando na formação do estudante com vistas a

prepará-lo para o mercado de trabalho? Que tipo de cidadão, de ser humano, de estudante e

de trabalhador, os estágios, enquanto uma das mais diversas formas de relações de trabalho

que se apresenta hoje na sociedade capitalista, estão formando? Como o estagiário está

enxergando o mundo do trabalho e sua formação escolar na condição de estudante e de

trabalhador? Quais as mudanças culturais, a esfera educacional, cada vez mais vinculada,

ou subordinada, ao mundo do trabalho, vem desencadeando na maneira de ver, pensar, e

vivenciar do aluno as relações entre a escola e o trabalho?

Trabalhamos com a hipótese central de que as instituições de ensino vêm

funcionando muito mais como um dos principais canais de legitimação dos estágios

enquanto uma forma de trabalho precário e subalterno para a juventude do que como um

canal de contribuição para a formação profissional. As diferentes formas de trabalho

precário e subalterno podem ser interpretadas à luz daquilo que comumente vem sendo

5 Conforme definição adotada pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Sócio-Econômicos – Pesquisa DIEESE, nº 7, maio de 1993, p. 19, a precarização diz respeito às condições de trabalho e está relacionada, normalmente, aos baixos salários, à ausência de benefícios sociais, a condições ambientais e de segurança precárias, a extensas jornadas de trabalho, a contratos de trabalho ilegais sem registro em carteira e à ausência de representação sindical.

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entendido como um processo de exclusão social, o que, na visão de Martins (1997, p. 26),

trata-se de um conjunto das dificuldades, dos modos e dos problemas de uma inclusão

precária e instável, na verdade, marginal. Essa forma de inclusão, diz o autor, atinge

aquelas pessoas que estão sendo alcançadas pela “nova desigualdade social” produzida

pelas grandes transformações econômicas e para as quais não há, na sociedade, senão

lugares residuais.

É sob esta ótica, que os estágios cumprem, ao lado de outras modalidades de trabalho

como o temporário, o terceirizado, o autônomo, o trabalho a domicílio, entre outros, o papel

de oferecer para as empresas uma mão-de-obra barata, escolarizada e disposta a

desempenhar com eficiência e dedicação as mais diversas funções sem que estas estejam,

necessariamente, relacionadas com o curso que o estudante faz. E o estudante, por sua vez,

vem realizando as mais diversas formas de estágios em nome de adquirir experiência e

manter-se vinculado, ainda que precariamente, ao mercado de trabalho.

Estamos considerando os estágios como um tipo de trabalho extremamente precário

porque tanto a carga horária de trabalho realizada nas empresas quanto as atividades

desenvolvidas e as responsabilidades assumidas pelos estagiários não diferem

substancialmente das de um trabalhador adulto, formado e contratado com todos os direitos

garantidos pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Pochmann (2000) considera

que os estágios de formação/trabalho são válidos como medida de geração do primeiro

emprego para o jovem desde que sejam implantados com recursos públicos e desde que

representem uma ação contra o desemprego, baseada no prolongamento do setor público.

Só assim eles serviriam como barreira à escassez de oportunidades de emprego para a

mão-de-obra juvenil e, ainda, só assim eles efetivamente funcionariam tanto como

ocupação quanto como formação. O autor também afirma que os programas de

formação/trabalho só são eficazes se não tiverem como intenção a substituição do trabalho

do adulto pelo do jovem (2000, p. 79).

Desta forma, os estágios estariam cumprindo uma função muito mais de trabalho na

vida do aluno do que de formação, e a escola, na figura dos gestores, coordenadores e

professores, estaria contribuindo para a exploração capitalista da mão-de-obra juvenil ainda

que não tivessem uma clara percepção disso. Acreditamos, ainda, que a entrada e a

5

manutenção do jovem no mercado de trabalho de forma precária, como acontece nos

estágios, alteram a formação humana e influenciam sua maneira de se relacionar com o

trabalho, com as instituições sociais, com a escola e com o próprio Estado.

Foi tendo no horizonte todas estas especificidades relativas aos estágios que, no

roteiro de entrevistas elaboramos questões que abordassem a percepção dos estudantes,

sujeitos dos estágios, sobre como vem se dando essa forma peculiar de inserção da

juventude do ensino médio e técnico no mercado de trabalho. O roteiro foi o mesmo para

as duas modalidades de ensino, porém, o da escola técnica, pela sua natureza

profissionalizante, contemplava algumas questões a mais tais como: o que motivou o

estudante a procurar um curso técnico, por que a escolha por aquele curso e quais as

principais dificuldades que um aluno com a especialização em questão vem encontrando

para entrar no mercado de trabalho.

RESULTADOS PARCIAIS DO ESTUDO

Na exposição dos resultados da segunda parte da pesquisa empírica, primeiramente,

gostaríamos de fazer uma apresentação dos sujeitos de análise, isto é, dos adolescentes e

jovens que foram entrevistados nas duas escolas pesquisadas. O roteiro de entrevista

contemplava, tanto no caso do ensino médio quanto da escola técnica, no que tange à

identificação dos entrevistados, aspectos como: gênero; idade; série ou módulo que o aluno

estava cursando; local de realização do estágio; se ele estava vinculado a alguma agência de

empregos; o tempo que o aluno tinha de estágio na empresa e o tipo de atividade realizada.

Na escola de ensino médio, foram entrevistados três estudantes do sexo masculino e

sete do sexo feminino. Na escola técnica foram entrevistados dois alunos do sexo

masculino e oito do sexo feminino. Conforme se vê, a grande maioria dos estagiários

entrevistados é composta por mulheres, num total de quinze, para apenas cinco homens.

Inclusive, alguns alunos entrevistados relataram que a maior parte das vagas existentes para

estágios na região de Araraquara-SP exige estudantes do sexo feminino.

Quanto à idade, ela difere quando se analisa, separadamente, a escola de nível

médio e a escola de nível técnico, fator facilmente explicável uma vez que o Decreto

2.208/97, ao separar a educação de nível médio do ensino técnico, estabeleceu a

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obrigatoriedade da conclusão do primeiro para os alunos que quisessem receber um

diploma do segundo, obrigando o estudante ou a cursar concomitantemente os dois níveis

de ensino (o que exigiria dois períodos diários dedicados à escola, fator que, no caso do

estudante de nível médio, tornaria a realização de um curso técnico quase impossível para

aqueles que necessitam trabalhar já durante a realização da escola secundária) ou a concluir

o ensino médio para depois fazer um curso técnico. Em função disso e como estamos

tratando de estudantes que já exercem uma atividade remunerada - os estágios - todos os

entrevistados da escola técnica já concluíram o ensino médio.

Portanto, enquanto no ensino médio, oito dos alunos entrevistados têm 17 anos de

idade e dois têm 16 anos, na escola técnica, apenas uma aluna entrevistada tem menos de

18 anos, os demais possuem idades que vão dos 18 aos 33 anos. Dos vinte estudantes

entrevistados dezoito estudam no período noturno, apenas dois, da escola técnica, estudam

no período da tarde e fazem o estágio na parte da manhã.

A série que o estudante estava cursando no momento da realização da entrevista, no

caso do ensino médio, está compatível com a idade, ou seja, a maioria dos alunos de 17

anos de idade estava na terceira série ou no último ano, apenas uma aluna de 17 anos estava

na 2ª série do ensino médio por ter sido retida no ano anterior. Os dois alunos de 16 anos de

idade estavam cursando a segunda série. Na escola técnica, cujos cursos são organizados

em módulos de seis meses cada, num total de três módulos ou um ano e meio de duração,

nove dos alunos entrevistados estavam cursando o primeiro módulo, ou seja, como a

realização das entrevistas com os estagiários se deu ao longo dos meses de abril e maio de

2007, os entrevistados haviam acabado de ingressar no curso técnico.

Depois, constatamos, por meio dos depoimentos, que as empresas preferem

contratar estagiários do primeiro módulo, no caso da escola técnica, porque isso possibilita

que ela faça um contrato de um ano e meio com o aluno, o mesmo prazo que ele ficará

vinculado à instituição de ensino, primeira condição que autoriza a contratação legal de

estagiários. Esse fato fica bastante nítido também no fato de que, diferentemente da escola

de nível médio, nenhum aluno entrevistado da escola técnica tem mais do que quatro meses

de tempo de estágio, e, à exceção do único aluno entrevistado que está no terceiro módulo

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do curso, cujo contrato termina em julho de 2007, os demais estagiários têm prazos de um

ano a um ano e meio na empresa.

No caso do ensino médio, o tempo que os alunos entrevistados já cumpriram nos

estágios varia bastante, mas, como a grande maioria está na terceira série, é possível

encontrar alunos que já fazem o estágio há um ano ou mais, cujo início se deu ainda quando

eles estavam na segunda série. É importante salientar que, nos primeiros contatos com a

direção das duas escolas e, na idéia inicial de como chegaríamos aos estagiários para

entrevistá-los, a intenção era solicitar para os diretores, que também seriam entrevistados,

que nos fornecessem os contratos dos alunos que estavam realizando estágio no corrente

ano letivo. Desde a concepção do projeto de pesquisa, pretendíamos selecionar os

estagiários que seriam entrevistados de forma que o estudo contemplasse estudantes

vinculados ao comércio, à indústria, à prestação de serviços e ao setor público.

Porém, as duas gestões escolares nos informaram que não estavam autorizadas,

pelas empresas, a fornecerem contratos dos estágios, nem que fosse para análise na própria

escola, como chegamos a sugerir. Então, a solução encontrada foi percorrer as salas de

aulas das duas escolas perguntando quais eram os alunos que estavam fazendo estágios

atualmente, e assim, fomos selecionando os entrevistados tendo como critério o setor

econômico em que eles estagiavam. Inclusive, como estávamos atrás de estudantes que já

exerciam uma atividade remunerada, a maioria deles foi encontrada no período noturno.

Apenas na escola técnica, dois dos entrevistados estudavam no período da tarde e exerciam

o estágio na parte da manhã.

Quando começamos a procurar os sujeitos de pesquisa nas salas de aula,

percebemos que, no caso da escola de nível médio, não foi possível encontrar estagiários na

primeira série. Os estudantes da primeira série têm por volta de quinze anos de idade e

ainda têm três anos para concluir o ensino médio. Ao que tudo indica, na região de

Araraquara-SP, as empresas vêm contratando estagiários acima dos dezesseis anos de

idade, que estejam iniciando a segunda série do ensino médio e tenham mais dois de

vínculo com a instituição escolar. Como a Lei nº 6.494/77 e o Decreto nº 87.497/82 da

Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) só autorizam a realização de estágios por um

prazo máximo de dois anos na mesma empresa, os empregadores contratam,

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prioritariamente, estudantes do ensino médio que estejam cursando a partir da segunda série

e que tenham a idade apropriada, ou seja, dezesseis anos de idade. Com essa medida, a

empresa cumpre três fatores estabelecidos pela legislação: a idade do aluno; se tem a idade

apropriada para a série em que está o aluno nunca foi retido na sua vida escolar, o que

indica dedicação aos estudos por meio de notas e freqüência; e o tempo de duração do

estágio.

No caso da escola técnica, pelo menos no que tange ao fator “série do aluno”, ao

percorrer as salas de aulas, nos deparamos com a situação inversa. Quase não foi possível

encontrar alunos que estivessem fazendo estágios no segundo e terceiro módulos do curso,

a maior parte foi encontrada cursando o primeiro módulo, fator facilmente explicável uma

vez que, contratando alunos que acabaram de ingressar na escola técnica, os empregadores

podem fazer uso da força de trabalho do estagiário pelo prazo máximo que é permitido pela

legislação, ou seja, até dois anos.

Porém, em relação ao tempo de permanência do estudante no estágio, por meio dos

depoimentos, é possível observar que, no geral, os estagiários do ensino técnico possuem

contratos que variam de um ano a um ano e meio. Os contratos de um ano e meio, na

verdade o tempo exato de duração do curso, no entanto, abrangem, principalmente, os

estudantes que estão vinculados ao Projeto Aprendiz, e que estão prestando serviços, em

sua maioria, em empresas do setor do comércio e da prestação de serviços de médio e

grande porte da região de Araraquara-SP. Aliás, como a intenção da pesquisa era tentar

analisar como os estágios se caracterizam em setores como o comércio, a prestação de

serviços, a indústria e o setor público, entrevistamos, no caso do ensino médio, três

estagiários do comércio, um do setor de prestação de serviços, dois da indústria e quatro de

órgãos públicos, no caso da escola técnica, quatro estagiários do comércio e seis da

prestação de serviços.

Por mais estranho que possa parecer, não encontramos, na escola técnica, pelo

menos nos cursos em que fomos limitados a buscar os estagiários, isto é, em cursos cujo

estágio não fosse obrigatório para a obtenção do diploma, nenhum estagiário da indústria e

nem do setor público. Inclusive, quanto à modalidade técnica que os alunos que

entrevistamos estão cursando, três são do Curso de Administração, quatro são do Curso de

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Assessoria Empresarial e três são do Curso de Informática, apenas essas três modalidades

técnicas da escola estudada não possuem estágios obrigatórios para a obtenção do diploma6,

por isso na nossa busca pelos entrevistados, ficamos limitados a elas.

Quanto às atividades realizadas pelos estagiários, no geral, elas não diferem

substancialmente quando passamos da escola de ensino médio para a técnica, nos dois

casos os jovens têm executado as mais diversificadas tarefas em qualquer dos setores

econômicos em que está inserido. Mas os destaques são para atividades como atendimento,

recepção, cobranças, reposição, recebimentos, vendas, pequenos serviços administrativos,

e, no caso da escola técnica, alunos do curso de Informática têm trabalhado como

digitadores e na manutenção dos computadores.

Contudo, o fator mais fundamental que só pôde ser constatado quando em contato

com a realidade, é que a entrada do adolescente e do jovem de nível médio e técnico no

mercado de trabalho por meio de estágios não-obrigatórios remunerados vem se dando de

duas formas distintas no que diz respeito à legislação: por meio do contrato de “Aprendiz”

e por meio do contrato de “Estagiário”. O Contrato de “Aprendiz” é regulamentado pela

Lei nº 10.097 e artigos 403 e 428 a 433 da CLT de dezembro de 2003, sendo ainda previsto

no artigo 7º da Constituição Federal, como um contrato de trabalho especial, de natureza

industrial, comercial ou rural, que deve ser ajustado por escrito e por prazo determinado e

deve se restringir ao estudante que está situado na faixa etária que vai dos 14 aos 24 anos.

O Contrato de “Estagiário” é regulamentado pela Lei nº 6.494/77 e Decreto nº

87.497/82, como um contrato que deve proporcionar ao trabalhador, sem limites de idade,

atividades que proporcionem experiência prática da profissão que pretende seguir. O

contrato de estagiário deve ter, de acordo com as análises de Marques e Abud (2005, p.

22), caráter de aprendizagem social, profissional e cultural que proporcione ao estudante a

6 Entre os cursos técnicos modulares a escola técnica estudada oferece, ainda, Habilitação Profissional de Técnico em Enfermagem (2 turmas), Habilitação Profissional de Técnico em Mecânica (2 turmas), Habilitação Profissional de Técnico em Nutrição e Dietética, Habilitação Profissional de Técnico em Secretariado, Habilitação Profissional de Técnico em Turismo. No total, na modalidade técnica, a instituição tem 1059 alunos, sendo que apenas o curso técnico em Informática dispõe de vagas no período diurno (manhã e tarde) e noturno, os demais funcionam somente no período noturno. À exceção dos cursos de Informática, Administração e Assessoria Empresarial, todos as outras modalidades têm estágio supervisionado obrigatório. A escola tem, também, seis turmas de ensino médio no período diurno.

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participação em situações reais de vida e trabalho de seu meio, sob a responsabilidade e

coordenação da instituição de ensino.

A lei distingue, portanto, o “Aprendiz” do “Estagiário”, sendo, o primeiro, um

programa de aprendizagem por meio do qual os estabelecimentos de qualquer natureza são

obrigados a empregar e a matricular nos cursos dos Serviços Nacionais de Aprendizagem

número de aprendizes equivalente a 5% no mínimo e 15 % no máximo dos trabalhadores

existentes em cada estabelecimento cujas funções demandem formação profissional,

conforme o art. 429 da CLT (MARQUES; ABUD, 2005, p. 19). As porcentagens não se

aplicam, porém, diz o parágrafo primeiro do mesmo artigo, quando se tratar de entidade

sem fins lucrativos.

Ademais, o estudante que tiver inscrito no programa de aprendizagem deve ter

assegurada, pelo empregador, uma formação técnico- profissional metódica e compatível

com o seu desenvolvimento físico, moral e psicológico. O contrato de aprendizagem

também só é válido se for anotado na Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS) do

estudante, o que lhe garante o recolhimento e saque do Fundo de Garantia do Tempo de

Serviço (FGTS) no término do contrato. O estudante inscrito no programa de

aprendizagem deve estar com a matrícula e a freqüência na escola em dia e não pode

cumprir uma jornada de trabalho superior a seis horas diárias, sendo proibida a

prorrogação e a compensação de horas. O “Aprendiz” deve receber “salário mínimo

horário”, valor que, no final do mês pode ser inferior ou superior ao salário mínimo

nacional vigente, além de vale transporte e vale alimentação.

A extinção do contrato de aprendizagem pode se dar em quatro situações: no final do

prazo estipulado; quando o aprendiz completar 24 anos; antecipadamente, quando houver

desempenho insuficiente ou inadaptação do aprendiz, falta grave, ausência injustificada à

escola com perda do ano letivo; a pedido do aprendiz (MARQUES; ABUD, 2005, p. 20).

Quanto ao estagiário, a lei nº 6.494/77 deixa claro que, não sendo considerado um

“empregado”, ele não tem os direitos previstos na CLT, além disso, o trabalho do

estagiário deve ter finalidade pedagógica e só pode ser prestado à pessoa jurídica, sendo

vedada a contratação de estagiários por advogados, médicos, e outros profissionais liberais

que não forem organizados em pessoa jurídica. Portanto, podem conceder estágios para

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estudantes regularmente matriculados e efetivamente cursando o ensino médio, o ensino

profissional, educação especial e o nível superior, tanto em instituições públicas quanto

privadas, as pessoas jurídicas de direito privado e os órgãos da administração pública

direta e indireta, como as fundações, as autarquias, as sociedades de economia mista, as

empresas públicas que explorem atividade econômica e as instituições de ensino. Nesse

caso, dos “estágios”, entretanto, diferentemente do “aprendiz”, não há a necessidade de

anotação na CTPS, sendo necessário apenas que seja firmado um Termo de Compromisso

de estágio, por escrito, entre o estudante, a empresa e a escola. É a existência desse

documento e a assinatura do diretor da instituição de ensino que conferem validade ao

estágio e afastam a existência do vínculo empregatício.

Vale destacar, entretanto, que tanto a gestão das duas escolas como os próprios

estudantes consideram “estágio” os dois tipos de vínculo, mas, entendem que existem

algumas diferenças fundamentais entre eles, principalmente no que tange às garantias do

trabalho, como o FGTS, a carga horária semanal, o salário, os benefícios sociais e outras

proteções legais conferidas ao “Aprendiz” e subtraídas ao “Estagiário”.

Observemos como uma estagiária da escola técnica, do curso de Assessoria

Empresarial, que trabalha numa cooperativa de trabalho médico que contrata os dois tipos

de estagiários, explicou a diferença entre o contrato de aprendizagem e o contrato de

estágio quando perguntamos para ela por que alguns estagiários trabalham naquele mesmo

local somente quatro horas (já havíamos entrevistado duas garotas da mesma escola e do

mesmo curso que trabalham na mesma empresa somente quatro horas diárias, por meio do

contrato de “Aprendiz”) por dia e ela trabalha oito horas diárias:

Porque tem diferença entre “Aprendiz” e “Estagiário”. O Aprendiz é registrado e tem direito a tudo, a férias, décimo terceiro, tudo, o estagiário não, ele ganha por hora e o certo é ter que trabalhar seis horas por dia, só que a empresa contratou a gente por oito horas e paga por hora. Eu não tenho carteira assinada, não recebo nenhum benefício, só tenho seguro de vida da empresa em caso de acidente, tenho contrato de um ano e meio mas, antes disso, se eles quiserem me mandar embora eles podem sem pagar nada, o estagiário não tem direito a nada. Quando fui contratada, fui eu e mais uma menina só que ela já saiu, não gostou, e quando fomos contratadas a vaga era para estágio, e estagiário fica o dia inteiro. Já as outras duas quando foram ser contratadas, depois de mim, foram contratadas como “Menor Aprendiz”. O “Menor Aprendiz”

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trabalha menos que o estagiário porque conta quatro horas da escola e quatro do trabalho, só que também, o aprendiz não pode faltar aqui, se ele faltar da escola ele tem desconto no salário porque essas quatro horas aqui são contadas como trabalho. Agora, o estagiário, como trabalhamos as oito horas, fora as horas na escola, podemos faltar aqui que não tem desconto no salário.

O que se pode depreender do depoimento acima é que, os empregadores de empresas

de grande porte, após cumprirem a determinação da legislação, de empregar, entre seus

trabalhadores, o equivalente a 5% no mínimo e 15% no máximo de aprendizes, atendendo

o que está na Lei nº 10.097 e artigos 403 e 428 a 433 da Consolidação das Leis do

Trabalho (CLT) de dezembro de 2003, passam a suprir o restante da mão-de-obra que falta

em atividades que não exijam uma qualificação muito elevada, com estagiários que se

enquadram na Lei nº 6.494/77 e Decreto nº 87.497/82. Este último caso, impõe menos

limites aos empregadores, não só no que concerne ao não pagamento dos direitos do

trabalho, mas também quanto à idade do estudante e às horas diárias trabalhadas.

Tanto no caso do aprendiz quanto do estagiário, porém, as funções que normalmente

têm sido relegadas aos estudantes, não demandam trabalhadores muito especializados,

como atendimento, cobranças, recebimentos, reposição, recebimentos, tirar pedidos das

vendas, pequenos serviços administrativos, entregas, etc., conforme já salientado. Muitos

dos entrevistados, inclusive, tanto os aprendizes quanto os estagiários e tanto os alunos do

ensino médio quanto os da escola técnica, quando solicitados a descrevessem as atividades

que realizam ao longo do dia, relataram que, na maior parte do tempo, fazem atividades

externas à empresa. Entre as atividades externas eles citaram serviços de banco, levar e

trazer papéis e documentos para pessoas assinarem em outros locais, ir cobrar e buscar

cheques em determinados lugares, etc. Tudo isso, segundo os depoimentos, deve ser feito

em um tempo pré-estabelecido pelo chefe. Um depoimento bastante ilustrativo desse fato é

o de uma aluna do curso de Assessoria Empresarial que é “Aprendiz” em uma cooperativa

de trabalho médico e diz ter sido contratada como “Secretária”:

Na Secretaria estou como “Aprendiz” porque já tem duas secretárias que já estão há bastante tempo lá, aí, elas deixam para mim a parte mais fácil porque tudo o vai para os médicos passa por lá, então, eu pego as correspondência porque os médicos não têm tempo de ler, às vezes abro as correspondências e vou levar no

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consultório deles, atendo telefone, arquivo alguma circular, quando precisa pegar alguma documento do financeiro na contabilidade eu que vou, por enquanto só estou fazendo serviço externo. Eles falaram que, como só estou lá há duas semanas por enquanto é isso, só a partir do segundo mês é que eles vão me ensinar o que é realmente uma secretaria, mas por enquanto só faço isso, verifico correspondência, atendo telefone, vou nos consultórios médicos, faço algum serviço quando tem que ir no cartório, no banco, no momento é isso. [...] Por exemplo, quando eu tenho que ir no consultório dos médicos eu tenho que esperar eles mandaram para eu poder ir, aí, ela fala que eu tenho que ir o mais rápido possível, aí, marco o tempo para ver quanto tempo eu gasto para ir e voltar, então, estou sempre procurando fazer as coisas certinho porque eu quero ficar efetiva.

As atividades descritas acima, praticadas pela maior parte dos entrevistados tanto da

escola técnica quanto do ensino médio, se assemelham mais ao serviço de office boy do

que à denominação que leva a função para qual o estagiário diz ter sido contratado, como

auxiliar administrativo, telefonista, recepcionista, digitador, secretária, etc. Sobre isso, é

importante salientar que, tanto a lei do aprendiz quanto a do estagiário deixam claro que as

tarefas desenvolvidas pelo estudante devem ser compatíveis com o curso que ele faz e deve

complementar o ensino, caso contrário, o estágio pode ser considerado nulo estabelecendo-

se o vínculo empregatício.

Há que se informar, ainda, que dos vinte estudantes entrevistados, nove estão

vinculados a uma agência de empregos, na qual se cadastraram à procura de um emprego e

o que lhes foi oferecido, foi um estágio, ou, para ela foram encaminhados, pela escola ou

pela empresa, quando já haviam sido selecionados para a vaga de estágio. No ensino médio,

seis estudantes estão fazendo estágios por meio de agências, sendo três do Centro de

Integração Empresa - Escola (CIEE), um da Ideal Estágios, um do Centro de Atendimento

ao Adolescente (CAA) e um do Centro Promocional Educacional Social na Comunidade

(Ceproesc). Os outros quatro estudantes não estão vinculados a agências de empregos, mas,

por fazerem parte do “Projeto Aprendiz”, foram encaminhados, pelas empresas em que

conseguiram os estágios, para os cursos profissionalizantes do Serviço Nacional de

Aprendizagem Industrial (SENAI) ou para algum curso profissionalizante, aos sábados, no

Centro Paula Souza, uma obrigatoriedade da lei para que esse tipo de estágio seja válido.

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Os alunos do ensino médio que estão vinculados ao Projeto Aprendiz trabalham

meio período numa empresa, fazem um curso de aprendizagem industrial ou comercial no

outro período e cursam o ensino médio no período noturno. Na escola técnica, quatro dos

alunos entrevistados estão vinculados a uma agência de empregos, sendo todos do CIEE.

Os outros seis alunos não estão ligados a nenhuma agência, conseguiram o estágio por meio

da escola ou diretamente no local de trabalho.

Quanto às atividades que os estagiários estão realizando, mesmo na realidade da

escola técnica, onde, a princípio, o aluno poderia e deveria exercer alguma atividade no

estágio relacionada ao curso que faz, isso não acontece conforme revelam os depoimentos,

e, a participação da escola na entrada do jovem no mercado de trabalho por meio de

estágios, que deveria ser um acompanhamento em termos de aprendizagem efetiva de uma

profissão, não tem acontecido. A participação da escola tem se resumido a uma assinatura,

vejamos um exemplo de resposta quando questionamos aos estagiários se a escola faz

algum acompanhamento e supervisão dos estágios:

Não. Depois que lá deu certo, eu vim aqui, falei que eu precisava de uma Declaração da Escola para levar no Serviço, e eles deram, não falaram e nem perguntaram nada. Mas, lá no serviço eles pedem o boletim de todo bimestre para ver as notas e as faltas e, todo começo de ano eles pedem a confirmação da matrícula. Mas a escola não acompanha nada. (ESTAGIÁRIA DO ENSINO MÉDIO)

E quando questionamos aos estagiários qual a relação entre o que aprendem na

escola com que o realizam no trabalho, no geral, as respostas foram do tipo:

Nenhuma, não tem relação, não exerço a informática. Lá, algumas pessoas são ligadas ao computador e à Internet, mas, o que se arruma lá é a parte mecânica da máquina. O que aprendo lá não tem nada a ver com aqui (ESTAGIÁRIO DO CURSO DE INFORMÁTICA).

Mesmo não vendo nenhuma relação entre o que aprendem na escola com o que

praticam no trabalho, os entrevistados, em sua maioria, consideram importante estar

fazendo o estágio porque, por meio dele, estão superando dificuldades e adquirindo

qualidades que, segundo eles, só o trabalho possibilita tais como: os contatos pessoais, a

superação da timidez, uma melhor capacidade de comunicação, o senso de responsabilidade

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tanto nos estudos, quanto no trabalho e na família, a socialização, enfim, o

desenvolvimento como ser humano foi citado por todos como a principal contribuição dos

estágios para sua vida. Essas características estão, na percepção dos entrevistados, entre as

principais contribuições que a inserção em uma atividade profissional possibilita, e esse

pensamento se aplica, especialmente, nos casos em que o estágio é o “Primeiro Emprego”

do jovem.

Quanto à modalidade legal do estágio realizado pelos alunos, no ensino médio

entrevistamos oito aprendizes e dois estagiários, até porque, nessa realidade constatou-se

que a maior parte dos estudantes está realizando estágio por meio do “Projeto Aprendiz”,

principalmente, em indústrias do setor privado, em órgãos públicos 7 e em grandes lojas do

comércio. Já na escola técnica, ocorre o inverso, a maior parte dos alunos está fazendo

estágio por meio do “Contrato de Estagiário” e está trabalhando em pequenas lojas do

comércio ou pequenas empresas de prestação de serviços, portanto, nesse caso

entrevistamos apenas três aprendizes e sete estagiários, sendo quatro do comércio e seis do

setor de serviços.

A maior parte dos entrevistados ficou sabendo dos estágios por meio da própria

escola ou pelas agências de empregos, especialmente os do ensino técnico, estes, inclusive,

só decidiram fazer um curso profissionalizante porque amigos ou parentes que já fizeram

ou fazem um curso dessa natureza os informaram da “facilidade” de se conseguir um

estágio ou emprego quando se tem um curso profissionalizante. Portanto, o principal

motivo que levou tanto os alunos do ensino médio quanto da escola técnica a fazer um

estágio foi o desemprego, a necessidade de obter uma renda e, principalmente, a

necessidade de adquirir experiência no mercado de trabalho para, posteriormente, tentar um

emprego efetivo e registrado. Vejamos: “Procurei esse estágio porque queria uma

oportunidade de ter uma aprendizagem no mercado de trabalho, de ter uma experiência no

currículo” (ESTAGIÁRIA DO ENSINO MÉDIO); “Pela questão da experiência

profissional e pela questão do dinheiro que também é inevitável” (ESTAGIÁRIO DO

ENSINO MÉDIO).

7 Entre os estudantes entrevistados que estão fazendo estágio em órgãos públicos, um trabalha no Fórum, dois na Secretaria da Fazenda e um na Defensoria Pública.

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No caso da escola técnica, os motivos que levaram os alunos a fazerem estágios

envolvem, além da própria escolha do curso técnico ter sido determinada pela “facilidade”

de se conseguir estágios na área e além do fato de estarem desempregados e precisando de

uma renda, outras questões como a possibilidade de conseguir um emprego que os

remunere melhor e possibilite custear a entrada em uma universidade. Interessante que,

tanto os alunos do ensino médio quanto os da escola técnica colocam a realização de um

curso profissionalizante como “condição” fundamental sem a qual não conseguirão

ingressar numa universidade, às vezes, o curso técnico é necessário para se conseguir um

trabalho melhor e poder custear a faculdade, mas, às vezes, o curso técnico é visto como

um “preparo” para a universidade. Como exemplo, uma aluna que quer fazer curso superior

de Enfermagem acredita que primeiro deve fazer um “Técnico em Enfermagem” para

adquirir experiência na área e, só depois estar preparada para entrar num curso superior 8.

A maior parte dos alunos da escola técnica já havia realizado algum tipo de trabalho

remunerado ou de estágio antes do atual, enquanto isso, a maior parte dos entrevistados do

ensino médio nunca havia realizado nenhum tipo de trabalho antes, sendo o estágio atual

caracterizado, por eles, como “Primeiro Emprego”. No caso da escola técnica, até por já

terem dezoito anos ou mais e por já terem concluído o ensino médio, os entrevistados já

exerceram algum tipo de trabalho remunerado que eles classificam como extremamente

precário, mal pago, sem perspectivas de ascensão social e profissional e na maioria das

vezes sem registro em carteira. Vejamos o depoimento a seguir de um dos entrevistados da

escola técnica:

Já trabalhei em vários lugares, até com carteira assinada. Comecei a trabalhar aos 12 anos entregando jornal, mas esse foi sem registro, Aí, com 16 anos foi meu primeiro registro, num outra cidade como cortador de cana, trabalhei um ano lá. Mas, a maior parte dos meus serviços é tudo sem registro. De registro, tenho como cortador de cana, balconista, ajudante geral e porteiro. Já trabalhei como auxiliar de pintura, como várias coisas. (ESTAGIÁRIO DO CURSO DE INFORMÁTICA)

8 Os depoimentos, na íntegra, poderão ser consultados posteriormente ao exame de qualificação da autora, inclusive para a análise das riquezas de detalhes das falas dos estagiários que não puderam ser colocadas neste espaço.

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A maior parte dos entrevistados procurou um curso técnico como uma alternativa à

universidade, pois, após várias tentativas frustradas de entrar em uma universidade pública

e de perceber que com os empregos precários que conseguiam, tendo apenas o ensino

médio, não conseguiriam pagar as altas mensalidades que as faculdades privadas cobram,

decidiram fazer um curso profissionalizante. Nesse processo, eles entendem que

conseguirão resolver duas questões ao mesmo tempo: conseguir um salário mais elevado e,

conseqüentemente, poder pagar uma instituição de nível superior privada.

Porém, ao escolher o curso técnico, percebe-se que a maioria dos entrevistados não

opta por uma área equivalente ao curso superior sonhado e desejado, o que se detecta,

quando se questiona qual o curso superior o aluno gostaria de fazer – isso, na verdade se dá

tanto no caso do ensino médio quanto do técnico - é que existe uma grande atração pela

área da saúde e pelas biológicas. Mas, quando o estudante decide fazer um curso

profissionalizante, ele tende a fazer aquele que considera, embasado no senso comum, que

lhe dará melhores chances de conseguir um estágio ou um emprego de carteira assinada de

forma mais rápida. Nessa escolha, esses alunos vão para cursos voltados à área de

administração de empresas ou de informática por acreditarem que, assim, terão chances de

entrar em uma “grande empresa” da região.

Talvez por todas as expectativas presentes e futuras que os estudantes colocam nos

estágios, aliado ao brutal desemprego que assola a juventude brasileira atualmente 9, além

da forma precária como a maior parte dos jovens está se inserindo no mercado de trabalho,

os estágios são extremamente concorridos e, normalmente, as exigências que os candidatos

têm de cumprir para conseguir uma vaga equivalem ao que se pede do trabalhador adulto,

formado e com várias experiências na profissão, num momento de acumulação flexível do

capital. Mas, no caso dos estágios, entre as exigências estabelecidas para a vaga, mesmo

9 Segundo pesquisa divulgada pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE) no site www..folha.com.br, no dia 13 de setembro de 2006, acesso em 13/09/2006, os jovens representam hoje mais de 45% dos desempregados do país e, embora representem apenas 25 % da população economicamente ativa, a porcentagem de desempregados jovens - que abrange a faixa etária dos 16 aos 24 anos - revela a falta de oportunidades desse segmento no mercado de trabalho, cujas taxas de desemprego são bem maiores ao da população adulta com 25 anos de idade ou mais. Uma outra pesquisa, divulgada pelo Jornal Tribuna Impressa (Araraquara-SP, dia 4 de outubro de 2006, p. D 1), explicava que o desemprego entre a juventude, que já é uma tradição no país, torna-se alarmante porque aqueles jovens que precisam ajudar a família passam a ingressar em massa no mercado de trabalho. O problema é que, agora, os jovens vêm encontrando uma situação muito adversa: não há trabalho para todos.

18

na escola técnica em que os alunos já estão aprendendo uma profissão, sobressaem

atributos individuais, subjetivos, pessoais, de caráter, disciplina e assiduidade, além dos

requisitos já conhecidos de “iniciativa”, do “vestir a camisa da empresa” e ter “boa

capacidade de comunicação”.

Quanto à carga horária cumprida nos estágios, à exceção dos “Aprendizes”, que no

geral trabalham de quatro a seis horas diárias e recebem um salário mínimo por mês, além

de vale transporte e auxílio alimentação, os demais estagiários, que se enquadram naquilo

que, na verdade, a lei entende como estágio, trabalham oito horas diárias ou mais. Muitos

deles, inclusive, trabalham também aos sábados e recebem entre meio e um salário mínimo

por mês, não tem direito ao vale transporte e nem ao auxílio alimentação. Sobre os

benefícios, os entrevistados explicaram que o “patrão” oferece “se quiser”, mas que não é

obrigado a oferecer para o estagiário nada além da bolsa-auxílio.

Ainda a respeito da questão salarial e da rotina que um estagiário de tempo integral

enfrenta para conseguir conciliar o trabalho com os estudos, uma estagiária do ensino

médio que trabalha em um consultório médico, prestando assistência para dois médicos, um

no período da manhã e outro no período da tarde, sob o vínculo de “estagiário”, disse que:

Recebo R$ 230, 00. Esse salário é a média que ganha um estagiário de nível médio. Fora isso, ganho uma ajuda de custo para pagar o passe. Ele fala que não vai pagar o vale transporte inteiro, só vai pagar metade, o dinheiro que ele dá só dá para pagar a ida, não vou para casa almoçar, levo comida e almoço lá, depois, à tarde, venho direto para a escola e também não uso passe, e para voltar para a casa à noite, volto com o ônibus escolar, da prefeitura, que não é pago.

Apesar dos baixos salários e da rotina pesada que alguns estagiários enfrentam,

como a exposta na fala acima, existe a crença, praticamente generalizada entre os

entrevistados, de que se eles se dedicarem ao máximo à empresa, se forem disciplinados,

responsáveis, assíduos, pontuais, bons alunos, fizerem todas as tarefas para as quais foram

contratados, com a eficiência e a rapidez que o empregador exige deles, eles serão, com

certeza, efetivados no emprego. Freqüentemente, eles citam casos de amigos, parentes ou

funcionários do mesmo local onde fazem o estágio que, após terem feito um estágio,

conseguiram se efetivar na mesma empresa ou conseguiram um trabalho de “carteira

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assinada”, “fixo”, “estável”, palavras empregadas com mais freqüência entre eles e objetivo

primordial de todos eles para quando vencer o contrato de estágio.

Apenas dois alunos da escola técnica, por sinal os dois entrevistados com mais

idade, sendo uma aluna de 25 anos e um aluno de 33 anos de idade, ela cursando

Administração e ele Informática, que já passaram por outros estágios ou empregos

temporários antes, não são tão otimistas quanto à eficácia dos estágios na contribuição para

que o jovem estudante consiga efetivar-se na empresa após cursá-lo. Esses alunos também

estão descrentes quanto à contribuição dos estágios, ao proporcionar experiência de

trabalho, para que o jovem estudante consiga encontrar um trabalho “registrado”.

Os dois alunos da escola técnica que já passaram por outras experiências

semelhantes a que vivem hoje, admitem que só estão fazendo o estágio por “falta de

opção”, porque, por menos que ganhem, “precisam do emprego”, “não podem ficar

parados”. O estudante de Informática, inclusive, “tem esposa e filhos para sustentar”, sabe

que está sendo “explorado”, que tem poucas chances de se “efetivar” porque “as empresas

trocam de estagiário sempre que o contrato termina”, “elas contratam estagiários para

escapar dos encargos trabalhistas”, diz ele. Vejamos a resposta dada por esse aluno, que

presta serviços de manutenção em computadores numa empresa revendedora de máquinas

de xerox, quando questionado se considera que fazer estágios contribui para o aluno

conseguir efetivar-se no mercado de trabalho:

Eu, particularmente, acho que não contribui porque acho que as empresas usam os estagiários para pagar menos impostos. Veja bem, eu estou lá com um contrato pelo qual ganho R$ 450,00, não recebo mais nada além disso, nem o vale transporte, se eles tivessem que contratar, registrada, uma pessoa para fazer tudo o que estou fazendo, os encargos seriam muito maiores. [...] Trabalho cerca de 9 horas e quinze minutos por dia. Quero dizer que, daqui um ano, vencendo o meu contrato, se eles não quiserem continuar comigo eles não são obrigados. Acaba nosso contrato, a gente sai “com uma mão na frente e outra atrás”, aí, eles contratam outro estagiário que está começando, e acabou. Minha irmã trabalha numa firma que ela entrou como estagiária, e ela já me falou que o patrão dela faz assim, que todas as outras que entram por contrato de estágio, o patrão dela faz assim: “Acaba o contrato de uma, ele pega outra, acaba de uma, ele pega outra, e faz isso há anos”. De contrato em contrato de estágio, o patrão nunca registra ninguém e vai levando. É claro que um pouco, se efetivar ou não também

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depende do aluno, mas, na maior parte dos casos, os estágios só servem para o patrão fugir dos encargos.

O depoimento acima é um dos poucos que revelam uma percepção bastante sombria

e nada otimista sobre os estágios, mas, no geral, os alunos tendem a ver nos estágios uma

das formas mais legítimas de ingresso do jovem no mercado de trabalho na atualidade.

Nesse processo, a escola, ao lado das empresas que vêm sistematicamente contratando

estagiários, embora claramente não estejam nem um pouco preocupadas com a

aprendizagem escolar e profissional do jovem ao encaminhá-lo para as mais diversas

formas de trabalho realizados nos estágios, conforme é possível verificar quando os alunos

falam que as escolas não fazem nenhum acompanhamento efetivo deles, estão sendo vistos

como os principais responsáveis pela “salvação” do estudante em relação ao desemprego.

Inclusive, eles chegam a dizer que, se estão empregados, foi graças à escola que, além de

ter, muitas vezes, “indicado” os melhores alunos para as empresas que a procuram na busca

de estagiários, o diretor fez o “favor” de “assinar” o contrato de estágio e de transferi-los

para o período noturno para poder fazer o estágio. Falas como as que seguem revelam bem

essa realidade: “Os professores ficam felizes quando sabem que a gente conseguiu estágio,

eles ficam contentes porque sabem que foi graças à escola” (ESTAGIÁRIA DO ENSINO

MÉDIO). E ainda,

Eu tive que trazer um papel para eles assinarem, tem uma menina que foi trabalhar lá como estagiária e o diretor da escola dela não assinou, ela não pôde fazer, se o diretor não assina você não pode fazer estágio. Às vezes, tem diretor que não assina porque fala que estágio não é serviço para o aluno, que isso não é certo, essa menina, todos os diretores dos alunos que estavam lá assinaram, menos o dela, então, ela não pôde efetivar o estágio por causa do diretor. Se o diretor não assinar você não pode fazer estágio porque tem que estar estudando. Esse diretor que não assinou falou um monte de coisa para ela, que o estágio ia atrapalhar os estudos, que aquilo era serviço mal pago, etc. Teve uma menina também que não conseguiu mudar o período na escola, ela estudava à tarde e conseguiu o estágio, só que teria que se transferir para a noite e não conseguiu a transferência e nem outra escola, ela perdeu o estágio. Eles dão um prazo para a gente, como a gente é de menor, eles dão um prazo para a mãe assinar o contrato, aí, eles dão três contratos, um fica com meu patrão, outro comigo e outro com a escola. Esse contrato tem que estar assinado pelo meu patrão, pela escola e pelo aluno. A escola só tem que assinar o contrato, fora isso ela não tem

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nenhuma participação, que eu saiba a escola não faz nenhum acompanhamento dos estágios. Ajuda assim, se o diretor concordar em assinar o papel aí ele está ajudando, agora, se ele não assina, não está ajudando.

A última fala deixa evidente que o papel da escola, ao assinar o contrato de estágio e

dar todas as facilidades para que o aluno possa trabalhar, como mudar seu horário de

estudos, dar informações sobre seu comportamento na escola, etc., tem sido tão importante

para os estudantes conseguirem entrar ou manter-se no mercado de trabalho que eles

chegam até a condenar o diretor que se recuse a compactuar com o ingresso de forma

precária do jovem no mercado de trabalho. Na percepção do estudante, o diretor que

entenda que o estágio, pela feição que vem tomando - de clara utilização de estudantes

pelos empregadores como mais uma das maneiras de driblar a legislação trabalhista -, é

uma forma de exploração inaceitável do jovem que deve ser combatida, é visto como

alguém que não está contribuindo para que o estudante consiga um emprego.

ALGUMAS CONSIDERAÇÕES FINAIS

As análises realizadas até o presente momento nos permitem chegar a algumas

conclusões a respeito de como vem se dando a entrada do jovem de ensino médio e técnico

no mercado de trabalho por meio de estágios e de como o estudante está percebendo essa

forma de ingresso na vida profissional. Mas, antes disso, cabem algumas considerações

rápidas a respeito do papel da escola nesse processo, pois, a participação dela tem se

resumido à assinatura no contrato, procedimento por meio do qual a escola declara que está

“disponibilizando o aluno para o estágio”.

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Com esse procedimento a escola está, na nossa concepção, ao lado da legislação 10,

desresponsabilizando a empresa de eventuais processos judiciais trabalhistas e, ademais, ao

que parece, a escola também tem servido como uma espécie de “pré-seleção” de

estagiários, de forma a garantir que só cheguem à empresa, para a verdadeira seleção, os

alunos já aprovados pela escola devido às boas notas e à freqüência, mas, antes de tudo, já

aprovados pelo seu comportamento “exemplar” 11. É fácil estabelecer uma relação entre

comportamentos na escola e comportamentos no trabalho, afinal, se o aluno é assíduo e

disciplinado em relação à escola, depreende-se que ele será também em relação ao trabalho.

E assiduidade e disciplina são condições fundamentais para que os estudantes consigam

uma vaga de estágio, essa informação, é a escola que vem se encarregando de fornecer à

empresa, na verdade, a escola está funcionando como uma espécie de filtro de “melhores

alunos” para estagiar em empresas.

Neste processo, tanto a escola quanto os estagiários, estão reproduzindo a ideologia

empresarial sobre os estágios. A gestão está reproduzindo a ideologia da empresa talvez por

não ter desenvolvido ainda uma visão própria sobre os efeitos deletérios que os estágios

podem estar provocando nos jovens quando se pensa no logo prazo, como a possibilidade

de que eles entrem numa universidade e consigam realizar seus planos mais legítimos de

ascensão profissional, econômica e social. Pelos depoimentos dos alunos, percebe-se que a

10 Além das leis que regulamentam o trabalho do aprendiz e do estagiário, já citadas, cabe salientar que a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), por meio do artigo 82, determina que: “Os sistemas de ensino estabelecerão as normas para realização dos estágios dos alunos regularmente matriculados no ensino médio ou superior em sua jurisdição”. E o parágrafo único desse mesmo artigo estabelece que: “o estágio realizado nas condições deste artigo não estabelecem vínculo empregatício, podendo o estagiário receber bolsa de estágio, estar segurado contra acidentes e ter a cobertura previdenciária prevista na legislação específica”. Conforme se vê, da forma como coloca a questão, os formuladores da legislação, nossos órgãos governamentais oficiais, tratam logo de proteger a classe empregadora dos encargos trabalhistas ao deixar que cada instituição de ensino determine as normas para a realização dos estágios de formação/trabalho. Conferir autonomia às escolas pode ser legítimo em muitos aspectos, mas, nesta situação específica, podemos interpretar a questão como uma clara demonstração de descaso dos nossos órgãos governamentais para com a população juvenil (já vulnerável pela fase da vida em que se encontra) que estuda e precisa se inserir no mercado de trabalho para poder contribuir nas despesas familiares e para arcar com os gastos da própria educação. 11 Este fato fica ainda mais evidente quando analisamos as especificidades dos estágios remunerados na escola técnica. Nessa realidade, a gestão escolar deixa explícito que leva em conta na hora de “indicar” alunos para as empresas, o comportamento dos mesmos, como a maneira de falar, de se vestir, etc. A gestão escolar fala que age assim porque a concorrência para os estágios é muito grande e, é preciso selecionar os “melhores alunos”. Os depoimentos dos diretores poderão ser encontrados na versão completa do trabalho, inclusive com as entrevistas na íntegra, que está em fase final de elaboração para o exame de qualificação.

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escola não está cumprindo sua função de zelar pelos interesses de formação e aprendizagem

dos alunos nos estágios, pois, não sendo obrigatórios para a obtenção do diploma, os

estágios aqui analisados, que tem se constituído em uma das principais formas de ingresso

da juventude no mercado de trabalho, estão encontrando respaldo junto aos sujeitos que os

vivenciam na prática cotidiana mesmo quando ocorrem nos mais diferentes moldes da

precariedade.

A precariedade do trabalho, categoria a partir da qual analisamos os estágios,

embora presente tanto nos contratos de aprendizes como nos de estagiários, conforme

prefere tratar a nossa legislação, a escola ou a empresa, fica mais evidente, quando

comparamos as duas modalidades, nos contratos de “estágios”. Essa evidência se manifesta,

principalmente, na carga horária cumprida, no valor do salário, nos benefícios sociais e no

amparo legal do trabalhador. Este último aspecto é colocado pelos entrevistados como uma

das principais diferenças entre as duas formas de estágios que os incomoda profundamente,

pois, o aprendiz tem o contrato de estágio registrado na CTPS, está contando o tempo de

serviço e pode sacar o fundo de garantia após o término de estágio, o estagiário não conta

com praticamente nenhum amparo legal.

Em qualquer uma das situações, os estagiários, embora saibam que os estágios são

uma forma imediatista, assistencialista e emergencial de ingresso no mercado do trabalho e,

embora sintam, pelas suas condições materiais de vida e pelo peso da rotina diária de

trabalho e estudo que vêm enfrentando, que os estágios são uma das formas subalternas e

temporárias de se inserir a juventude no primeiro emprego, depositam todas as suas

expectativas profissionais nessa experiência que, supostamente, contribuirá, futuramente,

para a entrada efetiva no mercado de trabalho. Prevalece entre os entrevistados, a crença de

que só depende do aluno a contratação como funcionário da empresa após o término do

estágio, e eles acreditam que, se isso não ocorrer, é porque eles não se adaptaram à função,

isto é, o jovem está fazendo o discurso empresarial e está se culpabilizando pela sua

situação.

Por meio dos discursos percebe-se que os entrevistados entendem que a empresa

capitalista está fazendo um “favor” aos jovens estudantes (é essa a mensagem que vem

sendo passada pela mídia e pela escola) contratando estagiários e com essa medida estão

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contribuindo para a sua formação e aquisição de experiência profissional. A relação que se

estabelece nos contratos de estágios, na verdade uma troca capitalista entre partes desiguais

em poder econômico, social, cultural, etário, de formação e tudo o mais que não cabe aqui

detalhar, é tomada e entendida como uma benevolência da parte mais forte em relação à

mais fraca. É como se o aluno, parte mais fragilizada da relação, ao se submeter aos

estágios, não tivesse dedicando horas do seu dia, na verdade, do tempo que poderia estar

sendo dedicado aos estudos ou outras atividades de aprendizagem ou lazer, à prestação de

serviços para a empresa e, assim, não estivesse contribuindo para a desoneração dos

empregadores do pagamento de muitos dos impostos obrigatórios, inclusive os trabalhistas.

Dentro da realidade dos estágios, depreende-se fundamentalmente que, embora

possa parecer estranho, conforme aumenta a idade e a escolaridade dos jovens, a

precariedade do trabalho aumenta ainda mais. Isso porque, os estagiários de nível médio,

que estão na faixa etária que vai dos 16 aos 18 anos, no geral, estão vinculados aos estágios

por meio do Contrato de Aprendiz, no qual segundo os entrevistados, “a precariedade é

menor”. Para os jovens com mais de 18 anos de idade, portanto, para os que estão cursando

o nível técnico, estão sendo relegados os estágios vinculados, legalmente, ao Contrato de

Estagiário que, conforme se viu, praticamente não tem nenhuma das garantias do trabalho

previstas na CLT, não impõe limites de horas trabalhadas pelos jovens nos estágios ou,

quando impõe, esses limites não são cumpridos. O Contrato de Estagiário não impõe para a

empresa limites de idades e, assim, trabalhadores que na verdade são adultos e não jovens,

estão sendo absorvidos por esta forma de estágio.

Desta maneira, contrariando o sendo comum e a percepção dos estudantes

entrevistados de que conforme aumenta a escolaridade do jovem aumentam suas chances

de conseguir um emprego qualificado, melhor remunerado, estável e com as garantias

previstas no direito do trabalho, pelo menos no que concerne aos estágios que vêm

absorvendo os alunos do ensino médio e técnico, a melhoria da situação de trabalho e de

vida do jovem não se observa. Mais do que um processo de aprendizagem e preparação

para exercer uma profissão, os estágios estão funcionando como uma forma de adaptação

dos estudantes, futuros trabalhadores adultos, ao meio precário do trabalho e do emprego,

25

destituído de direitos, sendo os estagiários muito mais explorados do que já o é qualquer

trabalhador na realidade capitalista.

REFERÊNCIAS

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26

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