suzana oliveira barbosa jornalismo digital e a...

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SUZANA OLIVEIRA BARBOSA JORNALISMO DIGITAL E A INFORMAÇÃO DE PROXIMIDADE: O CASO DOS PORTAIS REGIONAIS, COM ESTUDO SOBRE O UAI E O iBAHIA Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Cultura Contemporâneas, como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Comunicação e Cultura Contemporâneas. Orientador: Prof. Dr. Marcos Silva Palacios Salvador – Bahia Novembro/2002

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S U Z A N A O L I V E I R A B A R B O S A

JORNALISMO DIGITAL E A INFORMAO DE PROXIMIDADE: O CASO DOS PORTAIS REGIONAIS,

COM ESTUDO SOBRE O UAI E O iBAHIA

Dissertao de Mestrado apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Comunicao e Cultura Contemporneas, como requisito parcial para a obteno do ttulo de Mestre em Comunicao e Cultura Contemporneas. Orientador: Prof. Dr. Marcos Silva Palacios

Salvador Bahia Novembro/2002

2

Aos queridos

Eluiza Oliveira Barbosa e

Zuarte Neiva Barbosa, por tudo.

3

AGRADECIMENTOS

O ritual dos agradecimentos, em geral, conecta o externo com o autor,

celebrando, em certa medida, o desejo de integrar todos aqueles que, direta ou

indiretamente, e de formas diferentes, marcaram a concretizao do trabalho. Pois, para

alm de todo o esforo, das tenses, aflies e alegrias constantes durante o percurso

acadmico, toda uma rede de sentimentos, apoios e ensinamentos essenciais nos

envolve e nos acompanha, tornando o trajeto menos sofrido. Aos personagens

integrantes dessa rede, o meu estimado e carinhoso agradecimento.

Ao Prof. Dr. Marcos Palacios - meu orientador - pela pacincia, incentivo,

ateno e gentileza. Obrigada pela convivncia, pelas orientaes, aulas e conversas to

iluminadas para o meu percurso acadmico e profissional. Em especial, pelo

aprendizado enriquecedor durante os encontros no Grupo de Pesquisa em Jornalismo

Online.

Ao Prof. Dr. Andr Lemos. As palestras e conversas informais foram influncia

fundamental para a deciso de ingressar no mestrado. Fundamentais tambm foram as

aulas e os ensinamentos preciosos. Agradeo pela disponibilidade, pela receptividade,

confiana e convivncia.

Ao Prof. Dr. Elias Machado Gonalves - o meu agradecimento pela ateno,

pelas contribuies, pelo acesso s novas fontes bibliogrficas. Agradeo o incentivo

continuo pesquisa; e pelos debates nas aulas e nas reunies no Grupo de Pesquisa em

Jornalismo Online, que foram valiosos para a conduo deste trabalho. O meu obrigada

4 tambm aos professores: Liv Sovik e Gottfried Stockinger, pela convivncia e

descobertas.

O meu agradecimento aos professores e funcionrios do Programa de Ps-

Graduao em Comunicao e Cultura Contemporneas da FACOM/UFBA e

Coordenao de Aperfeioamento de Pessoal de Nvel Superior (CAPES), pelo apoio

financeiro fundamental - atravs da bolsa - com que pude contar nos ltimos semestres

do curso.

Quero registrar meus agradecimentos bem pessoais a todos os jornalistas e

demais profissionais dos portais UAI e iBAHIA, pela boa receptividade, disponibilidade

para as entrevistas e pelas demais informaes colhidas.

Obrigada aos meus irmos, irms, sobrinhos, tias e tios pela fora e compreenso

essenciais. Em especial ao meu irmo Zuarte.

Obrigada aos amigos e colegas: Antonio Marcos Brotas, pela importante

colaborao e disponibilidade na fase de pr-seleo para o mestrado; Carla

Schwingel, sempre solidria; Luciana Mielniczuk, pelo apoio, generosidade e

"orientaes". Beatriz Ribas, pelo carinho e presteza. Aos alunos da disciplina

Oficina de Jornalismo Digital (semestre 2001.2) pela acolhida e pelo aprendizado

durante o estgio de tirocnio docente. Juntos conseguimos dar forma e vida ao

Panopticon.

Aos colegas Cludio Manoel; Jos Carlos Ribeiro; Jackeline Spnola; Jan Aline;

Natacha Stefanini; Patrcia Moraes; Rosa Meire; Joana DArc; Suzy dos Santos; Jos

Afonso Silva Jnior; quero registrar o meu obrigada pelo apoio e estmulo.

Aos queridos amigos: Gil Maciel; Marlene Lopes; Eliane Cardoso; Eliane Pinho;

Ana Paula Prado; Alexandra Dumas; Joceval Santana; Jean Wyllys; Sueli Afonseca;

5 Chico Vivas; Sandra Narita; Danilo Menezes; Beto, pela torcida. Mrcia; Evandro e

Guilherme pela amizade e acolhida em BH.

6 RESUMO

Passados sete anos do surgimento das primeiras edies online dos jornais com similares impressos e dirios na Web nacional, o jornalismo digital no Brasil prossegue como uma espcie emergente, tendo permitido o surgimento de diversos formatos. Entre eles esto os portais regionais, tema central desta dissertao. Como um formato que ganha projeo a partir do segundo semestre de 1999, os portais regionais do nfase aos contedos locais. Para verificar como esses portais utilizam a tecnologia das redes para a produo e distribuio de contedos e de servios direcionados; como so empregadas as caractersticas de interatividade, hipertextualidade, multimidialidade, personalizao e memria na construo da narrativa jornalstica, bem como conhecer como a prtica jornalstica e a gesto financeira desse tipo de empreendimento, optou-se pelo estudo de caso dos portais UAI (de Minas Gerais) e iBAHIA (de Salvador). Para tanto, foram adotados os seguintes procedimentos: acompanhamento das publicaes, atravs de observaes livres e estruturadas; visita s respectivas redaes; entrevistas semi-estruturadas com os respectivos superintendente e coordenadores, alm de entrevistas em profundidade com os profissionais. Palavras-chave: Jornalismo digital Portais Portais Regionais Informao de Proximidade Contedos Locais Glocal Cibercultura Internet World Wide Web.

7 SUMMARY

Seven years after the first editions of on-line Brazilian newspapers in the Web, digital journalism in Brazil continues to thrive as an emerging species, with the co-existence of several different formats. One of such formats, the Regional Portals, constitutes the object of this dissertation. As a product that gained increased visibility since the second half of 1999, Regional Portals constitute a type of journalism with emphasis on local contents. This work studies Regional Portals attempting to characterize, among other aspects, their use of new technologies of information and communication for the production and distribution of contents and services; their level of interactivity, hypertextuality, multimidiality, personalization and use of memory resources in the construction of the journalistic narrative; and their journalistic as well as administrative and financial practices. Two examples were selected as case studies: UAI (Minas Gerais) and iBAHIA (Salvador). Case study methodology was used in the research, with visits to the organizations, non-participant observation, and the application of structured, semi-structured and in-depth interviews with journalists and administrators of the ongoing projects. A comparative analyses of the two cases was produced, presented and discussed. Keywords: Digital journalism Portals Regional Portals Information of Proximity

Local Contents Glocal Cyberculture Internet World Wide Web.

8 SUMRIO

LISTA DE FIGURAS 11 LISTA DE QUADROS 12 INTRODUO 13 Sobre o percurso e a configurao do objeto de pesquisa 16 PARTE I 1. JORNALISMO DIGITAL NA CIBERCULTURA 19 1.1.Elementos que caracterizam o jornalismo no suporte digital 24 1.2. Evoluo dos formatos no jornalismo digital 33 2. PORTAL CONCEITOS, DEFINIES, APLICAES 43 2.1. Origem e surgimento dos portais na Web 44 2.2. Portais: os meios de massa da internet? 47 2.3. A tipologia dos portais 53 2.4. Portais: modelo padro ou soluo de organizao? 61 2.4.1. Padronizao no design em nome da funcionalidade 67 2.5. Jornalismo de portal: um novo formato e categoria para o jornalismo digital 71 2.5.1. Diferenciao entre portal e verses digitais dos jornais impressos 77 3. JORNALISMO DIGITAL EM PORTAIS REGIONAIS 80 3.1. Da origem e da emergncia de um formato 83 3.2. Sete anos de histria dos portais regionais na Web 84 3.2.1. Localizando a trajetria dos portais regionais no Brasil 92 3.3. A informao de proximidade nos portais regionais 103 3.3.1. Caractersticas do jornalismo nos portais regionais 108 3.4. O interesse pelos contedos locais 114

9 3.4.1. Outros modelos de aplicao do conceito de proximidade na Web 116 3.5. Diferena entre portais regionais e guias urbanos 121 PARTE II 123 Metodologia do estudo 123 4. UAI e iBAHIA DOIS CASOS BRASILEIROS DE PORTAIS REGIONAIS 124 4.1. O GRANDE PORTAL DOS MINEIROS 127 4.1.1. Sobre a composio do contedo do UAI 129 4.1.2. O provedor UAI 136 4.2. O PORTAL DA BAHIA 139 4.2.1. Sobre a composio do contedo do iBAHIA 143 4.2.2. O iBAHIA e o Correio da Bahia 149 4.3. DESCRIO DOS PORTAIS 150 4.3.1. Como se apresenta o UAI 151 4.3.2. Como se apresenta o iBAHIA 156 4.4. ESTRUTURA ORGANIZACIONAL 160 4.4.1. Da estrutura do UAI 160 4.4.2. Da estrutura do iBAHIA 166 4.5. PRTICAS JORNALSTICAS: APURAO REDAO EDIO 172 4.5.1. Sobre as prticas jornalsticas no UAI 173 4.5.2. Sobre as prticas jornalsticas no iBAHIA 184 4.6. MODELOS DE NEGCIO E GESTO ADMINISTRATIVA 197 4.6.1. UAI: modelo de contedo fechado + provimento de acesso 198 4.6.2. iBAHIA: modelo de contedo aberto ancorado na receita com publicidade 201 5. INTERPRETANDO OS CASOS 205 5.1. O produto UAI 206 5.2. O produto iBAHIA 211 5.3. Sobre a utilizao das caractersticas do jornalismo no suporte digital 217 5.4. Sobre os contedos 221

10 5.5. Sobre as prticas jornalsticas 224 5.6. Os sujeitos UAI e iBAHIA 226 CONCLUSO 229 REFERNCIAS 241 ANEXOS 257

ANEXO 1. Aspectos Metodolgicos 257

ANEXO 2. Questionrio Modelo 268

ANEXO 3. Entrevista com Geraldo Teixeira da C. Neto, superintendente UAI 272

ANEXO 4. Entrevista com Daniela Serra, jornalista UAI 280

ANEXO 5. Entrevista com Evandro de Barros Arajo, jornalista UAI 284

ANEXO 6. Entrevista com Fabola Caixeta Sanches, jornalista - UAI 288

ANEXO 7. Entrevista com Osvaldo Curvello, coordenador geral iBAHIA 291

ANEXO 8. Entrevista com Mrcia Luz, editora de contedo iBAHIA 296

ANEXO 9. Entrevista com Bruno Quintanilha, jornalista iBAHIA 304

11 LISTA DE FIGURAS

Figura 1. Grfico TOP 10 Domnios mais visitados (junho/2002) 52 Figura 2. Organograma Jornalismo de Portal 72 Figura 3. Home page Boston.com (Outubro/1996) 85 Figura 4. Home page Boston.com (agosto/2002) 86 Figura 5. Home page KansasCity.com (agosto/2002) 87 Figura 6. Home page Las Vegas.com (maio/1998) 90 Figura 7. Home page Las Vegas.com (agosto/2002) 91 Figura 8. Primeiro layout do Uai 94 Figura 9. Home page ClicRBS (setembro/2002) 97 Figura 10. Primeiro layout do iBahia 99 Figura 11. Home page Portal Amaznia (setembro/2002) 100 Figura 12. Home page Pernambuco.com (setembro/2002) 102 Figura 13. Home page Vila Web (setembro/2002) 118 Figura 14. Home page Viapolis (setembro/2002) 120 Figura 15. Home page Uai (julho/2002) 152 Figura 16. Home page iBahia (julho/2002) 157 Figura 17. Tela canal Agora Uai 181

12 LISTA DE QUADROS

Quadro 1. Audincia das 10 propriedades mais acessadas na Web brasileira (maio/2002) 50 Quadro 2. Audincia das 10 propriedades mais acessadas na Web brasileira (junho/2002) 50 Quadro 3. Mix de Informao Portal Regional 113 Quadro 4. Perfil da Redao Uai 162 Quadro 5. Perfil dos Jornalistas Uai 165 Quadro 6. Faixa Salarial Uai 166 Quadro 7. Perfil da Redao iBahia 169 Quadro 8. Perfil dos Jornalistas iBahia 171 Quadro 9. Faixa Salarial iBahia 172 Quadro 10. Sistemas de Publicao Uai 183 Quadro 11. Sistema de Publicao iBahia 192 Quadro 12. Como os recursos aparecem no Uai e no iBahia 218 Quadro 13. Experincia anterior Reprteres Uai 227 Quadro 14. Nvel de satisfao com o emprego atual Uai 227 Quadro 15. Experincia anterior Reprteres iBahia 228 Quadro 16. Nvel de satisfao com o emprego atual iBahia 228

13 INTRODUO

As como los assuntos de alcance global tendrn gran desarrollo en Telpolis, tambin lo local se ver potenciado.

Javier Echeverra, 1996, 1999

Na nova forma da cidade global digital e planetria, sem fronteiras, a que o

acadmico espanhol Javier Echeverra (1994; 1996; 1999) denomina Telpolis para

caracterizar o terceiro entorno social onde as aes - diferentemente do primeiro

entorno, cuja vida e atividades estavam ligadas natureza, e do segundo entorno,

relacionado sociedade industrial - so mediadas pelas tecnologias digitais, a

importncia atribuda aos contedos locais crescente. O novo esquema representativo

do mundo assenta-se sobre um modelo de interao entre o global e o local.

Assim, no atual estgio do jornalismo contemporneo, especificamente em sua

forma presente nas redes telemticas, a produo e distribuio dos contedos locais

adquirem formatos novos de veiculao para a chamada informao de proximidade.

Os portais regionais, considerados aqui como uma variante do formato de portal

e uma subcategoria para o jornalismo veiculado atravs da World Wide Web (WWW),

so o tema central desta dissertao. Os portais regionais comearam a surgir na Web

nacional em 1999 e so sites cuja produo de contedos, servios e entretenimento

destina-se a uma localidade ou regio especfica. Neles, a informao tratada segundo

os critrios de proximidade e estruturada de acordo com as caractersticas do

jornalismo naquele ambiente miditico: interatividade, hipertextualidade,

multimidialidade/convergncia, personalizao, memria (BARDOEL & DEUZE,

2000; PALACIOS, 1999).

14 No presente trabalho, decidimos pelo estudo de caso de dois portais regionais:

o UAI, de Minas Gerais, o primeiro nesta categoria a surgir no pas em setembro de

1999 - lanado pela S/A Estado de Minas, do Grupo Associados, constituindo-se como

portal de contedo e provimento de acesso -, e o iBAHIA, um produto da Ilimit Internet

& Business - empresa da Rede Bahia -, que iniciou a sua operao em outubro de 2000,

num perodo em que esses portais estavam em expanso no Brasil.

Principal referncia de Minas Gerais na internet, o UAI (http://www.uai.com.br)

opera segundo o modelo de contedo fechado, possuindo 40 mil assinantes e, como

provedor de acesso, est presente em 102 cidades dos 853 municpios do estado1. J o

iBAHIA (http://www.ibahia.com.br) um portal de contedo regional, aberto, com 30

mil usurios cadastrados em sua base, sendo tambm uma das referncias do estado na

internet, e integra a rede de portais regionais ligados ao Globo.com2, das Organizaes

Globo.

A questo central que orienta o trabalho : Como os portais regionais utilizam a

tecnologia das redes para a produo e distribuio de contedos jornalsticos e de

servios direcionados? Identificado o objetivo geral, estabelecemos os seguintes

objetivos especficos:

I. Verificar a prtica jornalstica nos portais regionais;

II. Identificar a composio dos contedos, distinguindo os contedos originais;

III. Conhecer a infra-estrutura dos portais;

1 De acordo com Geraldo Teixeira da Costa Neto, superintendente de Internet dos Associados Minas, em entrevista concedida em 16/05/2002, o provedor de acesso Uai est presente em todas as cidades mineiras que tm acima de 30 mil habitantes, atingindo, assim, 70% do PIB do estado. Ver entrevista no anexo 3. 2 Conforme Osvaldo Curvello, ento coordenador geral do iBAHIA, em entrevista concedida no dia 29/05/2002. Ao todo, 33 portais regionais esto integrados ao portal Globo.com. Ver entrevista no anexo 7.

http://www.uai.com.br/http://www.ibahia.com.br/

15

IV. Traar um perfil dos jornalistas que atuam nesses portais;

V. Conhecer a dimenso da gesto administrativa e financeira desses

empreendimentos.

A dissertao est dividida em cinco captulos, alm da Introduo e da

Concluso. No captulo 1, abordamos o jornalismo digital na cibercultura, definindo-o,

bem como procedendo a classificao dos elementos que caracterizam o jornalismo

neste suporte e a evoluo dos formatos. No captulo 2, apresentamos mais

detalhadamente o conceito de portal, o que o formato representa para o jornalismo

digital3 - j que consideramos que o formato gera uma nova categoria, o jornalismo de

portal - procedendo a contextualizao e a exemplificao.

A seguir, no captulo 3, nos concentramos nos portais regionais. Enfatizamos a

articulao local-global inserida nesses portais, a partir de um referencial terico que

abrange as contribuies da sociologia, bem como os trabalhos no campo do jornalismo

e da comunicao; identificamos a origem e o surgimento dos portais regionais; suas

especificidades; trazendo um mapeamento desses portais na Web. Abordamos, ainda, o

interesse crescente pelos contedos locais; o conceito de informao de proximidade

nos portais regionais, alm de outros exemplos de sites que utilizam esse conceito. O

captulo 4 - UAI e iBAHIA: dois casos brasileiros de portais regionais -

essencialmente descritivo e histrico, apresentando os dados colhidos no que se refere

prtica jornalstica nesses portais (apurao, redao, edio), aos contedos, estrutura

organizacional, e aos aspectos empresariais.

3 Nesta dissertao adota-se o termo jornalismo digital para denominar a produo e a distribuio jornalstica que utiliza como suporte a World Wide Web (WWW) da internet, pois consideramos o termo mais abrangente em relao a Jornalismo Online, Webjornalismo, Ciberjornalismo, Infojornalismo, etc. H controvrsia quanto ao uso desses termos e, academicamente, existe discusso estabelecida por autores como Joo Canavilhas (1999) e Elias Machado Gonalves (2000).

16

No captulo 5, interpretamos e discutimos os dados coletados. O captulo

fornece os elementos para a formulao das concluses da presente pesquisa, bem como

para indicaes de possveis desdobramentos e sugestes de novas questes a serem

investigadas.

Sobre o percurso e a configurao do objeto de pesquisa

A motivao para realizar esta pesquisa surge em 1999, a partir do interesse de

compreender o papel desempenhado pelos suplementos de Informtica dos jornais

brasileiros na divulgao das idias, prticas, atitudes, valores e produtos expressivos da

cibercultura4, bem como identificar o seu status no jornalismo contemporneo face

essa nova cultura vigente. Interesse esse originado, em grande medida, pela prtica

profissional durante quatro anos como reprter do caderno Informtica do Correio da

Bahia, empresa jornalstica onde tambm iniciamos o contato com o jornalismo digital,

a partir do trabalho com a verso digital do jornal, entre 1998 e 1999. Da advm o

desejo de compreender os aspectos que envolviam a produo jornalstica no novo

ambiente comunicacional que a internet, mais especificamente na World Wide Web

(WWW).

Em 2000, estabelecido um projeto de Mestrado junto ao Programa de Ps-

Graduao em Comunicao e Cultura Contemporneas, passamos a concentrar o foco

4 A cultura vigente na contemporaneidade. Cibercultura nomeia a interao do homem com as novas tecnologias e modifica as prticas intelectuais, de atitudes, modos de pensamento e de valores, gerando uma nova sociabilidade. Para Mark Dery (1996), a cibercultura a cultura dos computadores. Est na tecnologia da informtica, a qual tem possibilitado ao homem a capacidade de extenxo e ampliao fsica e sensorial. J Pierre Lvy (1999), define cibercultura como o conjunto de tcnicas (materiais e imateriais) de prticas, de atitudes, de modos de pensamento e de valores que se desenvolvem juntamente com o crescimento do ciberespao - o novo meio de comunicao que surge da interao mundial dos computadores. O termo ciberespao foi cunhado pelo escritor canadense William Gibson no romance de fico cientfica Neuromancer (1984) e descrevia um mundo interligado por computadores. No livro, ciberespao aparece como definio para a simulao da realidade virtual com resposta neural direta.

17 de nossa pesquisa no jornalismo dos portais regionais na internet, definidos como

sites com atuao direcionada a um determinado estado ou cidade, que se concentram

na oferta de contedos locais, entretenimento e servios especficos.

Num primeiro momento, definimos trs sites como amostra para anlise. No

entanto, diante das turbulncias enfrentadas pela superestimada new-economy, que

resultaram no fechamento de alguns sites, fez-se necessrio proceder a ajustes na

escolha dos projetos para estudo. Foi ento que, em novembro de 2000, elegeu-se os

portais UAI e iBAHIA, para se trabalhar, acrescentando-se, depois, o Pernambuco.com,

pois, por se constiturem como empreendimentos vinculados a grupos de comunicao

consolidados, nos dava a segurana de no sermos surpreendidos pelo fechamento das

operaes ou mesmo pela mudana conceitual dos projetos.

Num terceiro e ltimo ajuste de rota, terminamos por concentrar o estudo nos

portais UAI e iBAHIA. Escolha justificada em razo daquele ter sido o primeiro da

categoria no pas, enquanto o segundo representa uma operao baiana, o que por si j

justifica a sua seleo. Ao lado disso, influiu tambm o fator tempo, bem como as

limitaes financeiras para empreender a pesquisa em trs estados diferentes. Por isso,

optou-se por retirar da anlise o Pernambuco.com, todavia, considerando-o no

mapeamento empreendido, constante no captulo 3 desta dissertao.

Finalmente, partimos tambm de uma constatao fundamental: o jornalismo na

Web encontra-se em uma fase ainda inicial e experimental, com a convivncia de

formatos, sem que se possa, pelo momento, afirmar-se a hegemonia de qualquer

modelo, seja para o jornalismo de proximidade ou qualquer outro gnero. Assim, nessa

situao que, necessariamente, a mdio e longo prazos, se caracteriza tambm pela

mutabilidade e at efemeridade de muitos dos experimentos, o nosso objetivo

18 igualmente produzir um retrato, uma imagem congelada de um dos muitos

caminhos que esto sendo trilhados.

H, portanto, tambm, uma inteno documental nesta dissertao, que

acreditamos possa, futuramente, constituir-se numa modesta contribuio para a

preservao da memria e para a reconstituio de uma fase da Histria do Jornalismo

Digital no Brasil. Essa pretenso explica tambm no s a escolha metodolgica deste

trabalho (case study), que possibilita a construo de um quadro aprofundado de vrios

aspectos do objeto analisado, mas, igualmente, a incluso, a ttulo de anexos, das

principais entrevistas realizadas, que acreditamos possam, eventualmente, servir como

material primrio para outros investigadores.

19

1. JORNALISMO DIGITAL NA CIBERCULTURA

() and the dawn of the twenty-first, there is emerging a new form of journalism whose distinguishing qualities include ubiquitous news, global information access, instantaneous reporting, interactivity, multimedia content, and extreme content customization.

John Pavlik, 2001

Forma singular de conhecimento5 e interpretao da realidade, o jornalismo, na

cibercultura, se apresenta sob um novo suporte - o digital - o qual permite que uma nova

modalidade dessa forma de conhecimento do presente, criadora de sentido e de

interpretao do real, possa ser veiculado e acessado por meio de computadores,

celulares, assistentes pessoais, entre outros equipamentos. com a digitalizao da

informao, processo iniciado na dcada de 70 e, logo depois com a informatizao das

redaes, que o jornalismo adquire a possibilidade de construo narrativa congregando

em um nico suporte o texto, o som e a imagem. No suporte digital, todos os

dispositivos particulares ativados para cada um dos suportes em que historicamente se

amparou o jornalismo - nascido no sculo XVIII - primeiro com a imprensa, em seguida

com o cinema (sc.XIX), o rdio (anos 20), e a televiso (final da dcada de 30), esto

integrados.

A digitalizao da informao faz desaparecer o meio fsico, instaurando uma

nova forma de fazer jornalismo, a qual pressupe atualizao instantnea dos bits na

5 O conceito de jornalismo como uma forma singular de conhecimento da realidade e diferenciada do conhecimento do senso comum, da arte e da cincia est presente em GENRO FILHO, Adelmo. O segredo da pirmide. Para uma teoria marxista do jornalismo, Porto Alegre, Tch, 1987. Robert Park, ex-jornalista e socilogo norte-americano fundador da sociologia urbana, publicou em 1940 o artigo News as a form of knowledge, no qual define o jornalismo como forma de conhecimento da realidade a partir do que ele tem de diferente e do que lhe especfico. Ele prope a existncia de uma gradao entre um conhecimento de utilizado no cotidiano e um conhecimento sobre, sistemtico e analtico, como o produzido pelas cincias, observando que o jornalismo realiza para o pblico as mesmas funes que a percepo realiza para os indivduos (MEDITISCH, 1997; PARK, 1955).

20 forma de textos, grficos, imagens, animaes, udio, vdeo - os recursos da

multimdia. Com a digitalizao, o jornalismo se renova dando seqncia ao movimento

de evoluo dos meios de comunicao, movimento esse diretamente associado ao

desenvolvimento e dinmica das cidades.

Elias Machado Gonalves (2000), abordando a associao entre a cidade e o

jornalismo a partir do final do sculo XIX at a circulao dos jornais com a apario

das redes digitais, afirma que a progressiva mutao da cidade, com um substantivo

crescimento em sua populao e em seus servios, correspondeu a uma transformao

semelhante no jornalismo, que agregou novas funes, adotou inovaes tecnolgicas e,

acima de tudo, se constituiu numa cadeia industrial de produo (GONALVES, 2000,

p. 91). Ele revela ainda: o desenvolvimento das empresas jornalsticas, como hoje

conhecemos, resultou em grande parte da percepo de alguns editores de que nas

cidades metropolitanas emergentes havia uma necessidade de reativar o sentimento

perdido de comunidade.

De acordo com o pesquisador e jornalista, o cenrio atual - de uma economia de

mercados mundiais, dos avanos das tecnologias da comunicao e da progressiva

participao dos dirios no ambiente digital leva a empresa jornalstica a superar a

referncia territorial nos limites do mercado nacional.

La descentralizacin en trminos de espacio y tiempo de las redes comunicativas produjo una recomposicin en la nocin de territorialidad, que asumi una acepcin de organizacin y produccin de una materialidad simblica compartida (GONALVES, 2000:102).

Retornando questo da digitalizao, ela estabelece um ambiente

multimiditico para a produo e difuso da notcia, surgindo assim o jornalismo digital,

uma nova modalidade de jornalismo que podemos definir, preliminarmente, como: toda

21

a produo dos eventos cotidianos estruturada segundo princpios especficos ao

ambiente das redes telemticas por onde circularo os contedos, veiculados a partir de

diferentes formatos e com atualizao contnua, atravs da WWW, das intranets (as

redes internas das empresas), das aplicaes baseadas em WAP6 (Wireless Application

Protocol) e de outros dispositivos tecnolgicos integrantes do chamado ciberespao.

Essa modalidade nova de jornalismo presente na cibercultura est localizada no terceiro

entorno social (ECHEVERRA, 1994; 1996; 1999), onde as aes so mediadas pelas

tecnologias digitais criando um novo tipo de cidade, a cidade global Telpolis.

Telpolis es uma ciudad desterritorializada, que desborda las fronteras geogrficas y polticas. Su estructura topolgica bsica no es el recinto con interior, frontera y exterior, sino la red de interconexiones que vincula puntos geogrficamente dispersos, pero unidos por la tecnologa... El ordenador conectado a Internet puede ser considerado como la puerta que nos permite salir a Telpolis (ECHEVERRA, 1996:3).

Numa metfora com a estrutura de ruas e avenidas das cidades, Javier

Echeverra compara a internet como a primeira grande rua pblica da Telpolis. Rua

esta onde os periodistas no solo orientarn sus esfuerzos a vender en ella, sino tambin

a extraer informacin a base de patear la calle, es decir de recorrer la tela de araa

pantalla por pantalla y portal por portal (1996:7). Para o acadmico espanhol, o desafio

para o jornalismo do terceiro entorno consiste em distribuir informao de maneira

descentralizada, multidirecional e interativa, posto que, mesmo que a rede seja

horizontal, tambm admite estruturas verticais dentro dela, com diferentes nveis de

acesso informao (ECHEVERRA, 1999:315).

6 WAP ou aplicaes sem fio a especificao global e aberta que permite que usurios de dispositivos mveis sem fio, como telefones celulares, possam facilmente acessar e interagir com informao e servios. (PVOAS, 2000)

22 Para a nova modalidade de jornalismo desenvolvida no ciberespao, Elias

Machado Gonalves (2000) tem a seguinte definio:

En una definicin sinttica el periodismo digital es todo el producto discursivo que construye la realidad por mdio de la singularidad de los eventos, que tiene como soporte de circulacin las redes telemticas o cualquier otro tipo de tecnologa por donde se transmita seales numricas y que incorpore la interaccin con los usuarios a lo largo del processo productivo (GONALVES, 2000:19).

Para ele, o formato que emerge com o jornalismo digital significa uma

verdadeira revoluo no modelo hegemnico de produo da notcia na atualidade, pois

a tecnologia digital possibilita que uma mesma publicao possa manter vrios tipos de

edies, desde a mais geral at a mais individualizada incorporando em todos os casos

as demandas dos usurios durante as etapas de produo da notcia.

Esclarecendo a confuso que se faz quanto aos termos digital e online,

muitas vezes usados como sinnimos para especificar o jornalismo produzido na e para

circulao nas redes telemticas, Gonalves reitera que digital est ligado ao suporte

de transmisso para a nova modalidade de jornalismo, enquanto o termo online se

refere forma de circulao das notcias.

Mas h autores que adotam o termo jornalismo online, como o caso de Jos

Afonso Silva Jnior (2000), para quem o jornalismo online um modelo de

disponibilizao que opera com caractersticas de tempo real e pode ser acessado pelos

usurios da rede (SILVA JNIOR, 2000:16).

Outro acadmico, o portugus Joo Canavilhas (1999), citando Angle Murad,

vai dizer que o conceito de jornalismo est relacionado ao suporte tcnico e ao meio que

permite a difuso das notcias (jornalismo impresso, telejornalismo, radiojornalismo).

Diante disso, ele prope chamar a nova modalidade de jornalismo de webjornalismo,

23

contrapondo-o com o conceito de jornalismo online, o qual para ele refere-se

simples transposio dos velhos jornalismos escrito, radiofnico e televisivo para um

novo meio. Aos conceitos anteriores, podemos acrescentar, ainda, a viso de Eugnio

Trivinho (1998), que prope o conceito de infojornalismo, o jornalismo informtico

puro sendo o preldio da forma do jornalismo no sculo XXI.

No por acaso, o jornalismo tradicional se apresenta totalmente reformulado em suas bases operacionais e funes sociais, dando origem a um tipo de notcia e um produto com caractersticas bastante diferentes dos correlatos de pocas passadas ... Isso indica que a tecnologia de ponta e seus dispositivos impem-se como os novos suportes dos processos de produo e transmisso das notcias. Longe do papel impresso, das ondas sonoras do rdio, da udio-imagem de TV e dos equipamentos a que esto ligados, assumem doravante o centro do jornalismo hardwares e softwares ultra-sofisticados, no raro multimdia, bem como a imagem produzida por numerizao (TRIVINHO, 1998:140).

Diferentemente das formas anteriores de jornalismo que necessitam ser

distribudas seja atravs da circulao (papel impresso) seja pela difuso de ondas, o

jornalismo digital precisa ser acessado pelo leitor/usurio. O texto est l posto como

uma unidade que deve ser construda segundo um formato multilinear propiciado pelo

hipertexto7, o qual permite a organizao da narrativa jornalstica em diferentes nveis

ou blocos de texto aliando alm de imagens estticas, vdeos, animaes e udio8, que

7 Theodor Nelson, autor da expresso, definiu hipertexto em 1974 como uma escrita no seqencial, num texto que se bifurca, que permite que o leitor escolha e que se leia melhor numa tela interativa. De acordo com a noo popular, trata-se de uma srie de blocos de textos conectados entre si por nexos, que formam diferentes itinerrios para o usurio. Sobre o assunto, ver LANDOW, G.P. Hipertexto. La convergncia de la teoria crtica contempornea y la tecnologa, Barcelona, Paids, 1995. Ou, ainda, LVY, P: As tecnologias da inteligncia, So Paulo, ed.34, 1998, e Cibercultura, So Paulo, ed.34, 1999. 8 H autores que distinguem hipertexto como informao puramente escrita, considerando os textos tambm sonoros, grficos e visuais como hipermdia (SILVA JR. 2000; NIELSEN, 1995, apud ARMAANZAS). Nesta dissertao, como Lvy (1995) e LANDOW (1995, apud MIELNICZUK e PALACIOS, 2001), no fazemos distino entre hipertexto e hipermdia, podendo o primeiro abarcar no s textos escritos como sonoros, grficos e visuais.

24

so ligados entre si pelo link9 como o elemento constitutivo e inovador para o

hipertexto digital, uma escrita marcada pela supresso de limites de espao e de tempo.

Como o hipertexto um texto virtualizado10, sendo ele prprio a operar a

virtualizao do texto (LVY, 1999:57), abandonando a linearidade caracterstica do

texto clssico e seqencial11 - cujo conceito aparece na filosofia de Thomas Hobbes em

sua obra Leviat (ARMAANZAS et al. 1996:62), permite criar uma matriz de textos

potenciais, e cada um deles se realizar ou se atualizar a partir da interao do

leitor/usurio ao acess-lo. Isso significa, na prtica, que, enquanto um website de

determinada publicao no atualizado, ou seja acessado, o seu contedo existe

apenas virtualmente como potncia no ciberespao. A informao traduzida em bits

requer parmetros e ativa dispositivos que at ento no eram utilizados para a

produo da notcia, da circulao da informao, da formao da audincia e da

estruturao mesma do jornalismo.

1.1. Elementos que caracterizam o jornalismo no suporte digital

Neste item, nos deteremos sobre as caractersticas para a produo de contedos

jornalsticos no suporte digital. Tais elementos aqui apresentados foram usados para a

anlise dos portais regionais selecionados para estudo nesta dissertao (UAI e

9 Essa idia desenvolvida por MIELNICZUK. L. e PALACIOS, M. (2001) no texto Consideraes para um estudo sobre o formato da notcia na Web: o link como elemento paratextual. Eles defendem que o link o elemento realmente inovador apresentado pelo hipertexto em suporte digital, sendo considerado um elemento com funes paratextuais, isto de apresentao do texto principal e de negociao e transao entre o texto e o leitor. A afirmao est calcada, principalmente, em dois motivos que esto relacionados com a caracterstica da intertextualidade e da multimidialidade. 10 Sobre a questo da virtualizao, ver LVY, P. O que virtual, So Paulo, ed. 34, 1996. 11 Em oposio a essa narrativa seqencial ou linear, temos como exemplos de narrativas literrias no-lineares as obras O jardim dos caminhos que se bifurcam, de Jorge Lus Borges; O jogo de amarelinha, de Jlio Cortazar e Se um viajante numa noite de inverno, de talo Calvino. Mesmo sem utilizarem o termo hipertexto, essas obras j experimentavam a no seqencialidade.

25 iBAHIA). Classificadas como especficas, essas caractersticas so as seguintes: a

Interatividade, a Multimidialidade/Convergncia, a Hipertextualidade e Personalizao

ou Customizao de contedo, conforme classificam Bardoel & Deuze (2000). Palacios

(1999), por sua vez, aponta cinco caractersticas: a Interatividade, a

Multimidialidade/Convergncia, a Hipertextualidade, a Memria e a Personalizao.

Antes de apresentarmos cada uma delas, cabe ressaltar aqui o pensamento de Palacios

(1999; 2002), que, ao estabelecer as caractersticas, as considera sob a perspectiva de

continuidades, potencializaes e rupturas.

(...) Entendido o movimento de constituio de novos formatos mediticos no como um processo evolucionrio linear de superao de suportes anteriores por suportes novos, mas como uma articulao complexa e dinmica de diversos formatos jornalsticos, em diversos suportes, em convivncia e complementao no espao meditico, as caractersticas do jornalismo na Web aparecem majoritariamente como Continuidades e Potencializaes e no, necessariamente, como Rupturas com relao ao jornalismo praticado em suportes anteriores. Com efeito, possvel argumentar-se que as caractersticas elencadas anteriormente como constituintes do jornalismo na Web podem, de uma forma ou de outra, ser encontradas em suportes jornalsticos anteriores, como o impresso, o rdio, a TV, o CD-Rom (PALACIOS, 2002:6).

Neste sentido, temos como continuidades a multimidialidade, j que a

conjugao de formatos imagem, som e texto - j ocorria na TV, e a hipertextualidade,

encontrada em suportes digitais como o CD-Rom ou num objeto impresso to antigo

como a enciclopdia. Palacios adverte, todavia, que toda continuidade tambm

potencializada, exemplificando para isso que h uma clara potencializao da

multimidialidade de uma enciclopdia quanto transposta para o ambiente telemtico.

26 J a personalizao potencializada na Web, pois tambm j estava presente

nos suportes anteriores por meio da segmentao da audincia. No jornalismo impresso,

a segmentao se d atravs dos suplementos especiais direcionados a pblicos

especficos (rural, turstico, informtica, infantil, feminino) e no rdio e na TV, a

personalizao pode ocorrer com a diversificao e especializao das grades de

programao e at mesmo das emissoras, como temos com a Rede Vida, direcionada

para a comunidade catlica. Quanto s rupturas, estas se do com a caracterstica da

memria, j que no suporte digital a ausncia de limites de tempo e espao amplia as

possibilidades para a disponibilizao de material noticioso.

Embora reconhea a presena desta caracterstica em suportes anteriores pois

tanto o jornal impresso, como as emissoras de rdio e TV mantm arquivos fsicos,

sonoros e de imagens Palacios esclarece que no suporte digital tem-se a primeira

forma de memria mltipla, instantnea e cumulativa, podendo ser recuperada tanto no

nvel do produtor da informao como do usurio, j que existe flexibilidade

combinatria - hipertextualidade e rapidez de acesso - e alimentao - interatividade e

instantaneidade (PALACIOS, 2002).

importante notar tambm que algumas caractersticas e suas possibilidades

geradas para o uso pelo suporte digital tem efeitos ressonantes nos suportes anteriores.

Por exemplo, os jornais, revistas, rdios e TVs tm ampliado o seu nvel de interao

com os leitores atravs do uso do correio eletrnico e mesmo em sees e programas

criados para favorecer a participao do pblico. Em outros casos, organizam

discusses integrando o jornal impresso, os telejornais e radiojornais com a verso

digital ou remetendo para a complementao de assuntos disponveis nos respectivos

sites dos telejornais e de jornais impressos na Web. Alm disso, a prpria disposio

27 visual dos contedos nos suportes tradicionais vem sendo afetada, com o surgimento

de padres de diagramao que emulam sites da Web. Exemplos patentes disso so o

semanrio brasileiro poca e o canal Bloomberg na rede de TV a cabo.

Abaixo, procedemos apresentao dos elementos que caracterizam o

jornalismo digital, para uma melhor explicitao dos mesmos.

Interatividade - Bardoel e Deuze (2000), assim como Gonalves (2000) e

Armaanzas (1996) consideram que a notcia no suporte digital possui a capacidade de

fazer com que o leitor/usurio sinta-se parte do processo. A participao do leitor pode

se d atravs de e-mail redao, sugerindo assuntos a serem abordados, de mensagem

enviada diretamente ao redator da matria; atravs da disponibilizao da opinio dos

leitores, no caso em sites que abrigam fruns de discusses; atravs de chats com

jornalistas e, ainda, atravs da opo envie seus comentrios sobre esta matria.

Bardoel e Deuze no contemplam a perspectiva da interatividade no mbito da prpria

notcia e dos contedos em si, ou seja, a navegao pelo hipertexto que, conforme

Gonalves (1997), constitui tambm uma situao interativa.

Situao essa que, conforme Lemos (1997) e Mielniczuk (1998), nos permite

falar no simplesmente em interatividade, mas numa srie de processos interativos. E,

nesse sentido, o termo multi-interativo deve designar o conjunto de processos que

envolvem a situao do leitor de um produto jornalstico na Web. Pois, diante de um

computador conectado internet e acessando um produto jornalstico, o leitor/usurio

estabelece relaes: 1) com a mquina; 2) com a prpria publicao, atravs do

hipertexto; e 3) com outras pessoas - seja autor ou outros leitores - atravs da mquina

(LEMOS, 1997; MIELNICZUK, 1998).

28 Multimidialidade/Convergncia - No contexto do jornalismo digital,

multimidialidade refere-se convergncia dos formatos das mdias tradicionais -

imagem, texto e som - na narrao do fato jornalstico. Essa convergncia, conforme

Palacios (2002:2), favorecida pelo processo de digitalizao da informao e sua

posterior circulao e/ou disponibilizao em mltiplas plataformas e suportes numa

situao de agregao e complementaridade. Assim, na organizao da narrativa

jornalstica, um texto pode ser integrado por arquivos de udio de uma entrevista, por

exemplo, bem como por fotos, grficos, vdeos e animaes. No necessariamente todos

esses recursos devero aparecer sempre ou conjuntamente em matrias ou reportagens.

Hipertextualidade - Esta caracterstica, apontada como especfica da natureza do

jornalismo digital, traz a possibilidade de organizar a narrativa jornalstica com os

recursos do hipertexto, favorecendo diversos nveis de informaes por meio da

estruturao em blocos de texto, interconectando-os atravs de links (os elos de

ligao). Esta caracterstica tambm est relacionada com a prpria organizao da

publicao. Bardoel e Deuze (2000) chamam a ateno para a possibilidade de, a partir

do texto noticioso, apontar para outros textos, como originais de releases, outros sites

relacionados ao assunto (o que seria feito atravs dos links intertextuais ou externos,

pois apontam para fora) e tambm para o material de arquivo dos jornais, ou dos sites

noticiosos de formatos diversos e mesmo de portais, e mesmo relacionando matrias de

editorias diferentes. Nesse caso, a conexo seria realizada por meio de links

intertextuais ou internos.

Memria Caracterstica acrescentada por Palacios (1999) e apontada por ele

como a que de fato promove uma ruptura com relao aos suportes anteriores, pois no

digital, a memria, conjugada com a inexistncia de limites cronoespaciais, a

29 hipertextualidade, a interatividade e a instantaneidade, confere ao jornalismo a sua

primeira forma de memria mltipla, instantnea e cumulativa. A memria pode ser

recuperada tanto no nvel do produtor da informao, quanto do leitor/usurio.

Diferentemente do que sucedia em suportes miditicos anteriores (impresso, rdio, TV,

CD-Rom), a Web possibilita a utilizao de um espao praticamente ilimitado para o

material noticioso (sob a forma de texto ou outros formatos miditicos), bem como

permite a disponibilizao imediata de informao anteriormente produzida e

armazenada, atravs de material de arquivo. Desta maneira, o volume de informao

diretamente disponvel ao usurio e ao produtor da notcia potencialmente muito

maior no jornalismo digital. Alm disso, na Web, o armazenamento de informaes se

torna mais vivel tcnica e economicamente do que em outras mdias.

Personalizao - Tambm denominada de individualizao ou customizao de

contedo (BARDOEL & DEUZE, 2000), consiste na opo oferecida ao usurio para

configurar os produtos jornalsticos de acordo com os seus interesses individuais. Na

sua forma mais comum, a personalizao a possibilidade oferecida pelos sites

noticiosos do usurio configurar seu browser (navegador) para abrir junto com a

primeira tela do site, ou, ainda, o recebimento de newsletters com os assuntos principais

de determinada publicao. Ou seja, j na construo do site se prev essa possibilidade

de empurrar (tecnologia push) informaes para os usurios. Mas a personalizao se

d tambm a partir de servios hbridos que unem a tecnologia push tecnologia pull

(puxar) permitindo a prpria escolha do leitor/usurio sobre o que vai ler, acessar,

puxar em determinada publicao digital. Assim, ele tem mais liberdade para

construir o seu caminho, a sua leitura. Exemplos desse tipo de opo de personalizao

30

so os dos sites noticiosos, como o da CNN12 e o do Crayon13 (Create Your Online

Newspaper). Eles permitem a pr-seleo dos assuntos, bem como a sua hierarquizao

e formato de apresentao visual. Assim, quando o site acessado, este j carregado

na mquina do usurio atendendo aos padres previamente estabelecidos. As primeiras

experincias com personalizao comearam na dcada de 90 nos Estados Unidos,

atravs da iniciativa do Fishwrap (papel de embrulhar peixe), projeto do laboratrio de

mdia do Massachussets Institute of Technology (MIT) e do Crayon14.

Ainda sobre a caracterstica da personalizao, faz-se importante destacar o

conceito trazido por Jos Afonso Silva Jnior, que lhe confere o valor de potncia:

Com a personalizao, o contedo jornalstico passa a ter a configurao de uma potncia, ou seja, de uma srie de contedos armazenados no mais como depsito ou arquivo, e sim, como uma mirade de contedos, atualizveis segundo a lgica de preferncia, histrica e hipertextual de cada usurio. Gerando processos efmeros de publicizao eletrnica, atualizveis vrias vezes ao dia, e diferenciados entre si, de acordo com a sua inter-relao com usurios especficos (SILVA JNIOR, 2000:68).

Ele identifica ainda outros modelos de personalizao na configurao do

jornalismo, alm da prpria personalizao de contedo: personalizao de servios

baseados em disseminao hipermiditica e a personalizao relativa s fontes.

"Normalmente, nesse tipo de personalizao, ocorre a integrao com bancos de dados,

onde constam as preferncias dos seus usurios. Tanto com fontes preexistentes, como

por fontes que o usurio caso queira pode inserir" (SILVA JNIOR, 2000:78).

12 www.cnn.com 13 www.crayon.net 14 Sobre essas experincias, ver o estudo de PALACIOS. M; MACHADO. E. Trs modelos de jornalismo personalizado Internet: as experincias do Fishwrap, Pointcast News e Crayon. Revista Textos de Comunicao e Cultura, n. 35, 1996. p. 141-154

http://www.cnn.com/http://www.crayon.net/

31

Aqui, cabe, tambm, retomarmos a diferenciao que alguns autores fazem

em relao ao uso dos termos personalizao e customizao de contedo. Bardoel e

Deuze, por exemplo, consideram mais apropriado usar customizao de contedo, j

que customizar significa colocar um produto jornalstico junto e para satisfazer o

cidado individual. (BARDOEL e DEUZE, 2000).

Sobre personalizao, Santos (2002:43) afirma que est mais para a procura do

atendimento de necessidades e interesses individuais, valendo-se da coleta de perfil

como questionrios e programas de observao de comportamento e hbitos, onde

predomina a tecnologia push.

J a customizao, conforme define, recorrendo a Mnica Bonnet (2001), trata-

se de um conceito que vai mais alm, agregando a possibilidade de o usurio escolher

sobre o que quer ser informado e de que maneira isso ser apresentado.

(...) Customizao ocorre quando o usurio pode configurar uma interface e criar manualmente um perfil, adicionando e removendo elementos no perfil. O controle da aparncia e/ou contedo explcito e dirigido pelo usurio, isto , o usurio est envolvido ativamente no processo e possui o controle (BONETT, 2001 apud SANTOS, 2002:45).

Alm dessas cinco caractersticas apresentadas, possvel destacar uma sexta - a

Atualizao contnua - tambm proposta por Palacios (1999). a instantaneidade do

acesso que permite a alguns sites jornalsticos apostar na atualizao contnua. Um

exemplo ocorre no portal iG15 com o jornal ltimo Segundo, o qual maximiza o

material informativo, cuja atualizao no canal de "ltimas notcias" acontece a cada 90

segundos16.

15 www.ig.com.br 16 Sobre as especificidades do jornal ltimo segundo, ver SANTOS, Ana Lcia Reis dos. Informao fast-food: um estudo de caso do jornal ltimo segundo do portal IG. (Dissertao de mestrado),

http://www.ig.com.br/

32

Apesar desses elementos serem dados como balizadores para a produo

jornalstica no suporte digital, nem todos os sites noticiosos exploram tais potenciais

efetivamente - como se pde constatar na pesquisa Um mapeamento de caractersticas e

tendncias no jornalismo online brasileiro, realizada de agosto de 2000 a agosto de

2001 pelo Grupo de Pesquisa em Jornalismo Online17 da Faculdade de Comunicao

(UFBA). Isso ocorre por motivos tcnicos, financeiros, de convenincia, de adequao

do produto oferecido ou por questes de aceitao do mercado consumidor

(PALACIOS; MIELNICZUK et al. 2002).

De acordo com as concluses da pesquisa, os jornais brasileiros com verses na

Web ainda apresentam fortes caractersticas das publicaes de papel, no explorando

as possibilidades oferecidas pelo ambiente digital de forma satisfatria para o

desenvolvimento de produtos jornalsticos (PALACIOS; MIELNICZUK et al.

2002:13). O estudo verificou que poucos foram os recursos utilizados em mais de 50%

do total de 44 jornais analisados. Entre os mais utilizados esto:

- Interatividade: e-mail = 95%

- Hipertextualidade: links externos (intertextuais) = 64%

- Memria: arquivo disponvel = 68%

. superior a 7 dias = 59%

. busca por data = 64%

Entre os recursos menos empregados, no alcanando 10% dos jornais analisados,

esto:

Programa de Ps-Graduao em Comunicao e Cultura Contemporneas. FACOM/UFBA, Salvador, 2002. 17 Esse estudo foi o primeiro realizado at agora para avaliar como os elementos de interatividade, hipertextualidade, multimidialidade, personalizao e memria estavam sendo utilizados pelas edies digitais de 44 jornais dirios, gratuitos e com similares impressos, auditados pelo Instituto Verificador de Circulao (IVC). Os resultados, apresentados durante o I Encontro da Rede de Escolas de Comunicao da Bahia (Redecom), em abril de 2001, esto disponveis no site do GJOL, em: www.facom.ufba.br/jol .

http://www.facom.ufba.br/jol

33 - Interatividade: chat = 2%

- Personalizao:

. assuntos de editorias selecionadas = 5%

. configurar a 1 tela do jornal como abertura do browser = 5%

- Multimidialidade: utiliza udio e vdeo = 7%

- Memria: arquivo at 7 dias = 9%

Como uma ltima observao, cabe registrar que, embora a pesquisa no tenha

includo os portais na anlise, durante o seu desenvolvimento pde-se perceber que

muitos dos elementos citados como caractersticos para a produo jornalstica na Web,

muitas vezes so mais utilizados nesses sites, a exemplo dos recursos de

multimidialidade, como udio e vdeo. claro que o assunto merece ser contemplado e

explorado em novas e futuras pesquisas, e, aqui, deixamos a nossa sugesto, j que no

esse o nosso objetivo no presente trabalho.

1.2. Evoluo dos formatos no jornalismo digital

Antes de chegar aos formatos que conhecemos atualmente, o jornalismo digital,

em sua histria de uma dcada, passou por diversas fases e experimentou diferentes

tendncias. Ao passo que o desenvolvimento da tecnologia ampliava as possibilidades

de utilizao de recursos, as empresas, tanto as essencialmente jornalsticas como as que

resultaram de fuses com empresas de informtica e de telecomunicaes, iam

adaptando e melhorando o nvel dos respectivos produtos para, com isso, atrair e

fidelizar cada vez mais a audincia.

34

At que a primeira edio completa de um jornal digital fosse lanada o que

ocorreu em 1992 com o The Chicago Tribune atravs da rede do provedor Amrica On

Line (ARMAANZAS et al, 1996:97) ocorreu todo um processo evolutivo, iniciado

na segunda metade da dcada de 70 do sculo XX, com os bancos de dados como o

New York Times Information Bank do New York Times que disponibilizava resumos e

textos completos de artigos para assinantes com pequenos computadores e com as

experimentaes em torno do videotexto - denominao genrica para todo sistema de

informao textual eletrnica enviado por um centro emissor, sendo transmitido por

ondas para aparelhos de televiso convencional18.

O videotexto considerado o principal precursor dos atuais produtos

jornalsticos digitais, mas, alm dele, se pode citar tambm o teletexto (uma espcie de

videotexto, tido como mais interativo, pois permitia ao usurio escolher algumas

opes), o audiotexto (sistema para transmitir informaes e servios complementares

aos oferecidos pelo jornal, s que disponibilizado atravs do telefone) e a difuso de

notcias atravs de fax.

Na dcada de 80, os jornais dos Estados Unidos comercializavam resumos

selecionados de seus produtos para assinantes com aparelhos de fax (SQUIRRA, 1997;

DIZARD JR., 2000). poca, os jornais tambm tinham como opo veicular contedo

mediante pagamento de taxa atravs das redes de provedores. Um exemplo citado por

Dizard (2000: 246) o caso do Columbus Dispatch, de Ohio, que colocou todo o

contedo editorial dirio disposio dos possuidores de computadores, cobrando taxa

pelo servio fornecido atravs do provedor Compuserve.

18 Durante os anos 80 surgiram vrias iniciativas de servios de videotexto, como os da Time, Time-Mirror, Knight-Ridder e Prodigy, entre outros, nos Estados Unidos. Antes disso, ainda na dcada de 70, a Inglaterra tambm havia entrado nesse mercado atravs da Oracle. Mas o pas onde esse sistema obteve grande xito foi na Frana, atravs do servio Minitel.

35 Voltando s edies digitais dos jornais na Web, tem-se tambm como

pioneiro o San Jose Mercury Center, a verso na WWW do San Jose Mercury News,

tambm veiculada inicialmente pelo Amrica On Line e, em seguida, diretamente na

internet. Em 1993, o Mercury Center j oferecia servios complementares edio

impressa e tambm elementos de interatividade, como o e-mail como canal de

comunicao entre o jornal e os leitores e, em 1995, j disponibilizava opes de

personalizao, assim como o Wall Street Journal com o seu Personal Journal e o

Washington Post, atravs do Digital Ink.

No Brasil, o Grupo Estado foi quem primeiro percebeu o potencial da Rede e,

em fevereiro de 1995, passou a operar servios informativos pela Web, atravs de link

com a World News, de Washington. Mas o jornal que de fato lana servio prprio,

ainda por meio do Gopher19 o Jornal do Commrcio, de Recife, tambm em 1995.

Contudo, o primeiro jornal a disponibilizar a sua edio completa na Web, em 28 de

maio de 1995, o Jornal do Brasil20 (www.jb.com.br), por iniciativa dos jornalistas

Rosental Calmon Alves e Srgio Charlab.

Em seguida, vieram a Folha de S.Paulo (www.folha.com.br), O Globo

(www.oglobo.com.br), Zero Hora (www.zh.com.br), Estado de Minas

(www.estaminas.com.br), entre outros. O primeiro jornal com atualizao contnua das

notcias em tempo real foi o Brasil Online21, lanado pelo UOL em 1996. Na Bahia,

o Correio da Bahia (www.correiodabahia.com.br) lanou a sua verso digital em junho

de 1996, ano em que tambm o jornal A Tarde (www.atarde.com.br) disponibilizou o

19 Sistema que comporta apenas textos, possibilitando o acesso atravs de menus s informaes mantidas em diversos computadores na rede. 20 A entrada oficial do JB na WWW foi anunciado da seguinte maneira: A manchete do JB impresso de hoje est no JB Online , na rede mundial Internet . O site do jornal ficava hospedado no Ibase (Instituto Brasileiro de Anlises Sociais e Econmicas), quando a instituio criou o Alternex, o primeiro provedor comercial do pas. 21 Logo depois, o Brasil Online passou a se chamar Folha Online.

http://www.jb.com.br/http://www.folha.com.br/http://www.oglobo.com.br/http://www.zh.com.br/http://www.estaminas.com.br/http://www.correiodabahia.com.br/http://www.atarde.com.br/

36 seu site. Como se percebe, os jornais so o primeiro setor industrial a aderir ao

ambiente digital. Isso se verifica nos Estados Unidos, no Brasil, na Europa e nos pases

da Amrica Latina.

Ao lado da corrida desenfreada das empresas jornalsticas para ocupar um

espao na Web, na internet, tomava corpo, simultaneamente, a discusso sobre o fim do

jornal impresso, pois quela altura j se verificava uma queda no nmero de leitores,

alm do problema do papel - de ordem econmica, com o preo ficando cada dia mais

caro, obrigando as empresas a fazerem ajustes nas publicaes, e tambm ecolgica,

pois preciso a derrubada de rvores para fabric-lo . Debate esse, a nosso ver sem

fundamento, pois bastava virar-se um pouco para o passado para perceber que, ao

contrrio do que tambm se apregoava, a TV no acabou com o rdio, antes o obrigou a

renovar-se. Remetemos a Roger Fidler (1997), que exerceu papel importante na

implantao dos sistemas de videotexto nos Estados Unidos, e professor da Ken State

University, para dizer que o desenvolvimento dos meios se d segundo o princpio de

coevoluo das mdias. Isso se d pelo fato do surgimento das mdias no ocorrer de

maneira espontnea e independente, mas sim de uma metamorfose das velhas mdias,

que no morrem, porm evoluem e adaptam-se s transformaes.

Esse processo denominado por Fidler como mediamorphosis uma forma de

se pensar a evoluo tecnolgica dos meios de comunicao de modo unificado. Ao

invs de se estudar cada meio separadamente, ela nos estimula a analisar todos os meios

como membros interdependentes de um sistema, identificando as similaridades e as

relaes existentes entre passado, presente e as formas emergentes (FIDLER, 1997:23).

O processo de midiamorfose justificado pelos princpios de coevoluo e

coexistncia das comunicaes, onde qualquer forma de comunicao existente ou

37 emergente no existe sem a outra na cultura humana; de convergncia, relacionada ao

carter da indstria da mdia de utilizar tecnologias de multimdia e hipermdia para

ofertar contedos; e de complexidade, pois diante das inovaes, todo sistema de

comunicao (meios e empresas) desencadeia um processo de auto-organizao para

sobreviver em ambientes em constante mutao.

Nesse sentido, vale referenciar o livro Diez aos para sobrevivir (el dirio de

massas de 1980), de Daniel Morgaine (1971), no qual ele aponta a necessidade dos

jornais se adaptarem s tecnologias e s condies impostas pelo desenvolvimento

econmico e social para evoluir, inclusive j indicando que a informtica seria a base

para o futuro do jornal: La automacin e la informtica constituyen las bases de uma

tecnologia que prepara el futuro al permitir desde ahora um mejor aprovechamiento del

mercado actual y de los servicios que reclama (MORGAINE, 1971:40). Outro

antecipador de tendncias, Anthony Smith, em sua obra Goodbye Gutenberg (1980),

escrita a partir de pesquisa durante a segunda metade dos anos 70, teve a capacidade de

prever que a informao, no futuro do jornalismo, seria muito mais personalizada,

apesar de no dizer, ou no conseguir ter a anteviso quela altura, sobre qual seria o

suporte.

Retomando o histrico do jornalismo nas redes, temos que a transposio dos

contedos da edio em papel para a edio digital o modelo que impera na fase

inicial. Trata-se de uma simples transferncia do contedo do jornal ou parte dele para o

ambiente digital, processo chamado de shovelware pelos norte-americanos e est

relacionado a um momento em que os recursos e potencialidades do meio so

desconhecidos ou ignorados (ALVES, 2001:4) e a metfora do jornal impresso passa a

ser adotada, seja na linguagem, na diviso por editorias, na forma de apresentao das

38 telas principais dos sites (como se fosse a primeira pgina de um jornal) e na prpria

utilizao da palavra jornal. (BARBOSA, 2001).

O modelo transpositivo de jornalismo corresponde fase inicial de expanso da

World Wide Web (WWW) - que no Brasil se d a partir de 1995 com a liberao do

acesso comercial e a operao de provedores na qual a atualizao do material se dava

de acordo com o fechamento das edies impressas, ou seja a cada 24 horas

(MIELNICZUK, 2001;3). Apesar da evoluo dos modelos, muitos jornais ainda hoje

operam segundo o formato transpositivo, como pde constatar a pesquisa Um

mapeamento de caractersticas e tendncias no jornalismo online brasileiro, citada

anteriormente.

Aps a euforia da estria na Rede, os grupos editoriais, assim como as empresas

jornalsticas, perceberam que para seus respectivos sites terem visibilidade era

necessrio ofertar contedos exclusivos para alm daquele produzido para as edies

impressas, implementando canais de notcias em "tempo real"22, por exemplo, para

despertar e criar o hbito da leitura da verso digital. Nessa fase, classificada como

metfora23 por Luciana Mielniczuk (2001), os produtos apesar de continuarem

atrelados ao impresso, comeam a apresentar experincias na tentativa de explorar as

caractersticas oferecidas pela Rede: o e-mail passa a ser usado como possibilidade de

comunicao entre jornalista e leitor ou entre leitores, atravs de fruns e a produo de

notcias passa a explorar os recursos do hipertexto. 22 Autores como Elisaberth Saad Correa (2001) consideram mais apropriada a utilizao da expresso em tempo quase real ou near time, pois, ela argumenta, o conceito de informao em tempo real e online quase inatingvel. Complementando, Elias Machado Gonalves afirma que o tempo uma questo sucessiva e, como o jornalismo reconstitui aes, no se pode falar em jornalismo em tempo real. O ideal o tempo diferido, do ponto de vista da produo, contudo, ele ressalva, o fluxo das notcias pode ser intermitente. 23 Sobre o uso da metfora do jornal impresso aplicado ao jornal digital ver, sobretudo, o trabalho de Melinda McAdams: Inventing Online newspaper. In: www.sentex..net/~mmcadams/invent.html, publicado pela primeira vez em 1995 no Interpessoal Computing and Technology: as eletronic journal for the 21st century ISSN: 1064-4326, July 1995, v.3, pp.64-90.

http://www.sentex..net/~mmcadams/invent.html

39 Faz-se importante notar que, no caso brasileiro, a utilizao de recursos com a

operao mais afinada com o ambiente digital (no que se refere publicao de

contedos mais interativos, com circulao personalizada, contextualizados com os

recursos multimdia, alm da prpria escrita hipertextual) verificada nos produtos de

perfil segmentado criados especificamente para o suporte digital24. Isto , sem similares

no meio impresso. Propomos que, com esses produtos noticiosos surgindo entre o final

de 1996 e incio de 1997, temos o primeiro momento de diferenciao para o jornalismo

digital nacional.

Continuando com a classificao formulada por Mielniczuk, chegamos terceira

fase, na qual os sites jornalsticos passam a surgir a partir da iniciativa de empresas de

informtica, de telecomunicaes, entre outras, aliadas s de comunicao (setor

impresso e de televiso), extrapolando a idia de uma verso para a Web de um jornal

impresso, surgindo assim o webjornalismo. Ao produto desenvolvido nica e

exclusivamente para a Web, a pesquisadora chama Webjornal, que caracteriza o estgio

mais avanado e atual, onde a estrutura tcnica relativa s redes telemticas j est

bastante desenvolvida, assim como est mais ampliada a base de computadores e,

conseqentemente, o nmero de usurios tambm maior.

Pensamos que o termo Webjornal no se configura muito apropriado para

classificar os diversos produtos jornalsticos, conformados sob diferentes formatos:

revista, portal horizontal ou mega portais (assunto do captulo 2), portal regional

(assunto do captulo 3), guias urbanos e sites noticiosos de agncias de notcias, de

assuntos econmicos, de tecnologia, os das prprias emissoras de TV, entre outros.

24 Um exemplo a publicao IDGNow! (www.idgnow.com.br) cobrindo assuntos direcionados s reas de tecnologia, informtica, internet e economia.

http://www.idgnow.com.br/

40 Alm do mais, embora agregue o prefixo Web como distino do suporte onde

circula, ainda mantm a metfora com o impresso.

Preferimos abordar o assunto do ponto de vista da diferenciao de formatos e

assim que, para alm das edies dos jornais com similares impressos, gratuitos e

dirios, surgem na Web nacional a partir do final de 1998 os portais pginas que

centralizam informaes gerais e especializadas, servios de e-mail, canais de chat e

relacionamento, shoppings virtuais, mecanismos de busca na Web, entre outros, e cuja

inteno inicial ser a porta principal de acesso a orientar a navegao do usurio pela

WWW. Os portais sero abordados no prximo captulo.

Sobre os diferentes momentos do jornalismo digital, vale lembrar, ainda, dos

estudos realizados pelo professor John Pavlick (2001:43), da Universidade de

Columbia, que remete a trs estgios de evoluo: o primeiro, marcado pela

transposio da verso impressa para a internet; o segundo, caracterizado pela

agregao de recursos e criao de contedos originais; e o terceiro, que segundo ele,

est comeando a emergir, caracterizado por um produto totalmente exclusivo para a

internet.

Fechando as classificaes propostas para distinguir as fases para o jornalismo

no suporte digital, temos a contribuio de Jos Afonso Silva Jnior (2000/2001), que

especifica trs estgios como principais no desenvolvimento dos sites de jornal. Eles so

categorizados em funo da criao, adaptao e gesto de contedos, estando

relacionados tanto ao arranjo hipermiditico como ao desenvolvimento de interfaces.

Assim, temos: o transpositivo, como sendo o modelo mais hermtico e fiel da

idia da metfora, seguindo de perto o referente impresso pr-existente; perceptivo,

estgio em que j h uma maior agregao de recursos possibilitados pelas tecnologias

41 em relao ao jornalismo, havendo percepo por parte dos veculos dos elementos

pertinentes organizao da notcia na rede. Apesar do carter transpositivo

permanecer, h uma potencializao em relao aos textos produzidos pelo impresso;

hipermiditico, pressupe o uso mais intensificado de recursos hipertextuais, a

convergncia entre suportes diferentes e a disseminao de um mesmo produto em

vrias plataformas e/ou servios informativos.

Neste sentido, escreve Silva Jnior, podemos colocar que no h no jornalismo

on-line atualmente produzido, uma tendncia de uso de uma modalidade hipermiditica

nica, posto que o conceito de hipermdia aponta para arranjos circunstanciais,

pertinentes a cada caso especfico. Ele complementa, afirmando que, para o

jornalismo, o caso mais provvel de adaptao ou desenvolvimento de interfaces extra-

web, ou condicionadas pelos processos de rede e digitalizao se configura na forma das

agncias de notcias.

Passados sete anos na histria do jornalismo digital no Brasil, atualmente no h

empresa jornalstica - sejam elas pertencentes a grandes grupos ou as de mdio e

pequeno porte que no possuam seu site na Web e, por conseguinte, no tenham algo

a contar sobre a sua experincia com a operao na rede. Muitas delas, talvez, ainda no

possam apresentar nmeros comprovando o bom desempenho, no entanto, jamais diro

que no vale a pena estar presente na rede por onde trafegam mais de 13 milhes25 de

25 De acordo com os dados da pesquisa mensal do Ibope eRatings (www.ibope.com.br) , divulgados em maio de 2002, aproximadamente 13,8 milhes de brasileiros haviam acessado a internet de casa no ms de abril. In: IDG Now (www.idgnow.com.br) . Acesso: 10/05/02 Em junho, conforme o mesmo instituto, o nmero de internautas chegou a 14 milhes, situao motivada pela Copa do Mundo. In. IDG Now. Web brasileira bate recorde e soma 14 milhes de internautas, matria publicada em 10/07/2002. Acesso: 10/07/2002.

http://www.ibope.com.br/http://www.idgnow.com.br/

42 brasileiros e que tem, em todo o mundo, seis bilhes26 de pessoas circulando por suas

ruas e avenidas, para usar a metfora de Echeverra (1994; 1996; 1999).

Rede esta que ganha fora a cada dia na nova cidade global sem fronteiras, ou

como denomina William Mitchel (2000), na bitsfera - ambiente mundial e

eletronicamente mediado formado por redes ubquas, sendo que a maioria dos artefatos

que nela funcionam tm inteligncia e capacidade comunicativa mesmo a despeito dos

milhes de desconectados ou excludos digitais.

A seguir, no captulo 2, discutiremos o conceito de portal, estabelecendo as

condies de seu surgimento e sua adaptao como suporte jornalstico, que, conforme

acreditamos, tambm cria uma categoria especifica para o jornalismo digital o

jornalismo de portal.

26 Este nmero foi aferido em pesquisa feita em 30 pases pela empresa Ipsos-Reid. Os dados foram divulgados em junho de 2002. In: Terra (www.terra.com.br). Acesso: 14/06/02

http://www.terra.com.br)/

43 2. PORTAL CONCEITOS, DEFINIES, APLICAES

Para os mestres cabalsticos era possvel saltar de um lugar para outro, aparentemente longnquo, sem passar por

nenhum outro lugar intermedirio. Uma espcie de teletransporte ou de mgica que era possvel desde que o

mestre conhecesse um shaar - um portal de acesso (...) um acesso que existe tanto aqui como l, que podem ser o

mesmo lugar, desde que exista o acesso correto... , na verdade, o que fazemos hoje precariamente com nossos

computadores (...), com meios por ns criados na arte de pular o caminho e perceber os portais no espao que nos

levam para outros espaos... Nilton Bonder, 1996

A ascenso dos portais sites que centralizam informaes gerais e

especializadas, servios de e-mail, canais de chat e relacionamento, shoppings virtuais,

mecanismos de busca, entre outros - ocorre, no Brasil, em 1998. Em seu incio na Web,

a estratgia dos portais baseou-se na idia de ser a porta principal de acesso a orientar a

navegao do usurio pela WWW. Tal inteno, em certa medida, carregava em si

mesma a conotao mstica e secular dos portais - como portas de passagem para outros

mundos a ampliar a viso e a experincia humanas.

No foi preciso muito tempo para que as empresas percebessem o quo

agregadores de audincia e, por conseguinte, de trfego, de publicidade, de visibilidade

para seus contedos, eram os portais. At mesmo os conglomerados de mdia nacionais

de grande e mdio portes - adotaram os portais como modelo de operao digital, o

que, para o jornalismo, resulta numa categoria especfica, a de jornalismo de portal.

Partiu dos norte-americanos a idia de criao e o prprio batismo dos sites portais

hoje classificados em diferentes tipos e destinados a aplicaes variadas.

44

Encontramos uma das primeiras referncias ao uso do termo portal na

literatura da rea da cibercultura no livro Telpolis, de 1994, do espanhol Javier

Echeverra, quando ele, logo no captulo introdutrio, abordando a constituio da nova

cidade digital em desenvolvimento no terceiro entorno social, atribui internet o status

de rua pblica contrapondo-a com as ruas privadas, que seriam as redes fechadas como

a Milnet:

Por la calle de internet slo circulaba texto hasta hace unos aos, pero recientemente se han aadido las imgenes. Todo telepolita27 puede tener portal en la calle internet, numerado conforme a sua clave de usuario (ECHEVERRA, 1994:59).

Ainda que na sua apropriao, o termo portal aparea como sinnimo de site, tal

colocao no deixa de ser significativa, pois nos fornece uma anteviso sobre o que

viria a ser o portal nesta fase mais recente da Web e, portanto, da internet.

2.1 Origem e surgimento dos portais na Web

Os velhos engenhos ou mecanismos de busca, espcie de pginas amarelas,

criados com a funo de localizar e classificar informaes para facilitar o uso da World

Wide Web, so os precursores dos portais ou hubs. Eles apareceram nesta sua forma

mais simples nos primeiros anos da dcada de 90 notadamente a partir de 1994 -, nos

Estados Unidos, sob nomes que logo se transformaram quase em sinnimos da WWW e

mesmo de internet para muitos:

Yahoo!, Lycos e Excite. A partir da corrida frentica para dominar as autopistas da

informao, mudaram seu rumo no sentido de atrair um maior nmero de internautas

(SHANON apud CAMARGO e BECKER, 1999).

27 Telepolita a denominao que Echeverra d para o cidado da Telpolis.

45

quando passam a incluir categorias para abrigar documentos e sites em

grupos pr-configurados de acordo com o seu contedo notcias, esportes, previso do

tempo, turismo, cultura, finanas, servios de calendrio, religio, sade, etc. Tudo

oferecido gratuitamente para manter os usurios no site. O passo seguinte foi a

integrao de outras funes, como comunidades virtuais e suas listas de discusso,

chats em tempo real, possibilidade de personalizao dos sites de busca (My Yahoo!,

My Excite, etc), assim como acesso a contedos especializados e comerciais. Essa nova

concepo de mquina de busca que passou a ser chamada de portal (DIAS, 2001).

A idia inicial por trs do portal era a de ser o lugar por onde comeava a ao

do internauta, que, a partir dele poderia construir os roteiros de leitura que desejasse

ou o seu prprio hipertexto28. Ou seja, a pgina de partida (default, a primeira a carregar

com o browser) o portal para a experincia na internet: pesquisa, comunicao,

entretenimento, comunicao (PVOAS, 2000).

Inicialmente, a estratgia dos portais baseou-se na idia de esta pgina de partida ser apenas a entrada para o contedo na internet (...). Com o tempo, no de estranhar que as empresas passaram a achar interessante que o usurio permanecesse por mais tempo no site do qual o portal faz parte. J que o usurio comeava ali, por que no usar sua presena para gerar mais trfego interno? Assim, o site pode vender mais (e mais valiosos) espaos de propaganda, criar situaes de comrcio e comear a formar uma percepo mais forte pelo seu brand (PVOAS, 2000:90).

28 Segundo Mireille Rosello (1994, p.129), o hipertexto prope uma nova relao entre corpo e espao, ao afirmar que a capacidade para saltar entre sites e locais no ciberespao por meio dos links uma das formas de se apropriar do espao e tem um carter exploratrio, aventureiro. A outra maneira de "viajar" por esse espao se d a partir de um mapa pr-estabelecido, onde a viagem depende de escolhas e selees dentro do que est pr-configurado O dado novo, ela afirma, que em ambas as formas de apropriao do espao, o uso do hipertexto faz desaparecer a diferena entre os dois tipos de viajante. Desta maneira, os corpos virtualizados escrevem o seu prprio texto no espao, desconstruindo os mapas e revelando novos caminhos. In: ROSELLO, M., The Screener's Maps: Michel de Certeau's "Wandersmner" and Paul Auster's Hypertextual Detective., in Landow, George., Hyper/Text/Theory. The John Hopkins University Press, 1994. Sobre o assunto, ver tambm LEMOS, A.. Ciber-Flnerie. In: FRAGOSO, S., et alli, Comunicao na Cibercultura, So Leopoldo, ed. Unisinos, 2001. .

46

quando entram em cena os pesos-pesados Amrica Online (AOL), Microsoft

Network (MSN), Altavista, GeoCities investindo na criao de portais, firmando

parcerias para ampliar o contedo com agncias de notcias, jornais, redes de TV, canais

especializados em esportes, em notcias de tecnologia e internet, livrarias como a

Amazon e grandes conglomerados de entretenimentos como Walt Disney. A MSN

americana, originalmente focada em contedo, associou-se a mecanismos de busca (em

ingls search engines) e em paralelo criou uma gama variada de sites internos

(chamados sub-brands, como o MSN Expedia, viagens areas), abrangendo no s

contedo, mas tambm comrcio e servios.

No Brasil, a trajetria dos portais comea pelo mesmo caminho verificado nos

EUA: com os mecanismos de busca ou orculos digitais - como preferia chamar

Srgio Charlab29. O Cad, o primeiro nesta categoria a estrear na Web em outubro de

1995, expandiu-se baseado no conceito original de portal (pgina inicial para a

experincia das pessoas na WWW), mas logo precisou agregar servios diferenciados

para competir com os grandes portais que estavam se consolidando, como UOL e ZAZ,

alm dos norte-americanos que estavam chegando, como Altavista, MSN, Yahoo!, todos

com verses em portugus dos seus sites ou em vias de lan-las como estratgia de

expanso, entre os anos 1998 e 1999.

interessante notar que o modelo de portal passa a ser o adotado pelos provedores

de acesso internet, constitudos como tal a partir de 1996 com a possibilidade criada

pela privatizao da Embratel e pela abertura da legislao de provimento de acesso no

Brasil (SAAD CORREA, 2001:334). Exemplos so: os provedores, nascidos como

29 Orculos digitais era, inclusive, o nome da coluna que o escritor e jornalista possua na revista Internet World, uma das primeiras publicaes sobre internet que surgiram no pas, logo aps o acesso comercial rede ser liberado, no incio de 1995. A revista era editada pela Mantelmedia Editora e circulou at o final da dcada de 90.

47

empresas especficas do setor de informtica: - como o Mandic30; de empresas de

comunicao - como o Net Service do Estado de Minas, primeiro jornal a se tornar

provedor de acesso e a criar um portal regional, o UAI, em 1999, unindo provimento de

acesso e de contedo; o UOL, do Grupo Folha, criado em 1996, e o BOL, do Grupo

Abril, que se aliaram em agosto de 1997 em torno da marca UOL, sendo hoje o maior

portal com contedo em lngua portuguesa e com cinco milhes de assinantes; - alm

dos provedores que surgiram como resultado da fuso de empresa de informtica e de

comunicao, como foi o caso do ZAZ hoje Terra Lycos, nascido da associao entre a

Nutec e o Grupo RBS, do Rio Grande do Sul), entre outros, como StarMedia.

Eles centraram os respectivos negcios no provimento de acesso e de contedos,

ou s de contedos, servios e entretenimento diversificados dando ao internauta motivo

para ele demorar mais tempo nos respectivos sites. Portal, a partir de ento, torna-se um

ponto de partida e, preferencialmente, deve ser o lugar de visita e de estada do

internauta toda vez que ele entrar na rede.

2.2. Portais: os meios de massa da internet?

Dos mecanismos de busca, depois com os provedores de acesso e de contedo, o

conceito de portal ganha fora no Brasil, sobretudo pelo potencial para convergir

grandes audincias31 e, com isso, visibilidade para o seu contedo e servios, atraindo

publicidade e gerando possibilidades para o comrcio eletrnico. Em 1998, a palavra

30 De Aleksandar Mandic, foi originado a partir da BBS que o engenheiro montou em outubro de 1990. Aps ajudar na criao do iG, em 1999, Mandic, de olho no desenvolvimento das novas geraes de celulares e no desenvolvimento dos dispositivos portteis, partiu para outro negcio prprio, lanado recentemente: o Mandic:Mail, um servio de e-mail diferenciado, voltado para usurios vips. 31 Em novembro de 1998, o UOL registrava 8,5 milhes de page views (mdia de usurios por dia), o ZAZ, 5 milhes, Starmedia, 870 mil, e o Cad, 1,2 milho. In: FABRIANI, Maria. As portas da Web (Os portais em nmeros) . Revista Internet.br, nov.1998, ano 3. n30.

48

portal adquiriu status, tornando-se o modelo escolhido por dez entre dez empresas

dos mais diversos setores para a sua presena digital, at mesmo para governos e

administraes estaduais e municipais.

De simples mecanismos de buscas, os sites mais acessados da rede se converteram em portais ao longo deste ano. Agora, alm de facilitar a viagem dos internautas que procuram endereos para navegar, os sites mais visitados da internet oferecem notcias, correio eletrnico gratuito, servios financeiros, salas de chat, shoppings virtuais, espao para construo de sites pessoais e cada vez mais facilidades para a vida do cibernauta (AMARAL, 1998:1).

poca da proliferao dos portais (inicialmente entre empresas essencialmente

virtuais, e, num segundo momento, abrangendo de provedores a grupos de

comunicao, entretenimento e empresas comerciais), o Gartner Group chegou a

afirmar em estudo que os portais teriam tanto impacto na vida das pessoas no ano 2000

como tinham naquele momento as maiores cadeias de TV do planeta.32

Embora tal previso no tenha se confirmado na proporo anunciada, o fato

que eles se constituram como os maiores detentores de audincia na Web. O que leva

Pvoa (2000) a afirmar:

Possivelmente os dois meios que renem mais pessoas simultaneamente so os portais de internet e as redes de televiso aberta. Em ambos os casos, o nmero de telespectadores pode ultrapassar milhes, ou mesmo dezenas de milhes de pessoas reunidas num mesmo ambiente, seja ele linear como a TV ou interativo como a internet (PVOA, 2000:18).

Sobre os portais e a audincia na internet, o portugus Antnio Fidalgo em seu

artigo Metfora e realidade ou cooperao e concorrncia na rede (2001)33, acha

32 AMARAL, Paulo. Portais da internet: as TVs do prximo milnio. In: IDG Now!, www.idgnow.com.br, (Especial Final de Ano). Acesso: 17/10/2000. 33 In: www.bocc.ubi.pt. Acesso: 23/02/2002

http://www.idgnow.com.br/http://www.bocc.ubi.pt/

49

pertinente abordar o assunto sob a perspectiva de centros e de periferias, tendo em

vista que a gesto eficiente dos sites exige dinheiro, inviabilizando as operaes para os

indivduos e para os sites menores, nem sempre em condio de concorrer com os

portais.

Na internet a informao est a centrar-se cada vez mais em portais, e at em portais baseados em estruturas tradicionais como jornais e televises (elmundo.es, cnn.com, dn.pt, publico.pt). Se analisarmos a nossa prpria experincia de navegao, dar-nos-emos conta de que so normalmente os mesmos stios que visitamos regularmente (...) Hoje muito claro que os portais so esses centros comerciais, quais El Cortes Ingleses da internet (...) Alis passa-se o mesmo que se passou com a rdio ou a televiso. Inicialmente dirigidas a um pblico minoritrio, de nvel econmico e cultural mais elevado, reflectiam as preferncias desse pblico, mas medida que se tornaram mais populares e se abriram a toda a populao, houve como que um refluxo dos gostos das audincias para a produo. D-se s audincias aquilo que elas querem. esse o princpio de sucesso das audincias. Na internet no diferente. O que acontece que a internet ainda est no seu incio e no atingiu ainda o grosso da populao (FIDALGO, 2001:7).

Prosseguindo com Pvoa, este vai dizer que a maior demonstrao da fora

popular da internet ocorre atravs dos grandes portais como Yahoo!, para citar um norte-

americano pioneiro, e os nacionais lderes de audincia, como UOL, iG, Globo.com,

TerraLycos. E talvez ele tenha mesmo razo, afinal basta observar o trfego da

audincia na Web34, para perceber que so sempre os grandes portais a ocupar os

primeiros lugares nas medies realizadas por diversas entidades, como exemplificado

no quadro 1 (referente a maio de 2002) e no quadro 2 (demonstrativo de junho de 2002)

abaixo.

34 Estudo de cross media realizado pela DoubleClick comparando a audincia de 25 sites Web com trs programas lderes de TV e a audincia das revistas People, Readers e BH&G, aponta que os trs sites principais Yahoo! Search, Hotmail e MSN Search atraram 43% a mais de audincia que os programas de TV. Esses sites somaram somente 5% a menos de audincia em relao s revistas lderes de tiragem no mundo. FREIRE, S. Audincia na internet bate tv e revista. In: IDGNow!, 22/07/2002. Acesso: 23/07/2002.

50

AUDINCIA DAS 10 PROPRIEDADES MAIS ACESSADAS NA WEB BRASILEIRA

PROPRIEDADE

VISITANTES NICOS ALCANCE TOTAL (%)

UOL 5.528.170 72,76 IG 4.927.006 64,85 Globo.com 4.073.420 53,61 Yahoo! 3.980.893 52,39 TerraLycos 3.622.890 47,68 MSN 3.260.220 42,91 AOL TW 2.662.336 35,04 Microsoft 2.220.429 29,22 CJB 1.897.712 24,98 Google 1.757.685 23,13

FONTE: Ibope eRatings Maio 2002 QUADRO 1

AUDINCIA DAS 10 PROPRIEDADES MAIS ACESSADAS NA WEB BRASILEIRA

PROPRIEDADE

VISITANTES NICOS ALCANCE TOTAL (%)

UOL 5.439.100 71,94 IG 4.653.454 61,55 Globo.com 4.195.002 55,48 Yahoo! 3.963.893 52,43 TerraLycos 3.622.192 48,44 MSN 3.229.385 42,71 AOL TW 2.521.895 33,35 Microsoft 2.286.433 30,24 CJB 1.833.394 24,25 Google 1.793.727 23,72

FONTE: Ibope eRatings Junho 2002 QUADRO 2

Ou seja, os quadros acima confirmam a audincia35 privilegiada dos mega