sustentabilidade no cotidiano: imagens, histÓrias e … · e é essa busca da sustentabilidade...

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SUSTENTABILIDADE NO COTIDIANO: IMAGENS, HISTÓRIAS E OFICINAS Nayara Elisa Costa da Conceição Universidade Federal Fluminense (UFF) Shaula Maíra Vicentini de Sampaio Universidade Federal Fluminense (UFF) Figura 1 - “Para uma refeição mais sustentável basta um pacotinho” Fonte: registro pessoal Hoje vemos a sustentabilidade sendo articulada a produtos, à mídia, a empresas, a ONGs, às artes. Observamos diversas imagens no dia-a-dia atreladas ao discurso da sustentabilidade. Esse discurso do sustentável se pulverizou e não o encontramos somente em lugares especializados e sim no nosso cotidiano, como por exemplo, numa peça publicitária de uma marca famosa nas redes sociais, numa capa de revista, ou até mesmo em um guardanapo, como na imagem acima (figura 1). Essa pesquisa, a qual foi realizada em âmbito de mestrado, inspirada pelos estudos culturais em seu encontro com a educação, coloca em evidência as imagens de sustentabilidade que nos acessam no nosso cotidiano investigando o que essas imagens disparam e narram sobre sustentabilidade e os sentidos que isso produz nos sujeitos. E tentou buscar caminhos para a pergunta: “Como é que a sustentabilidade vem nos acessando hoje em forma de imagens?”

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SUSTENTABILIDADE NO COTIDIANO: IMAGENS, HISTÓRIAS E OFICINAS

Nayara Elisa Costa da Conceição – Universidade Federal Fluminense (UFF)

Shaula Maíra Vicentini de Sampaio – Universidade Federal Fluminense (UFF)

Figura 1 - “Para uma refeição mais sustentável basta um pacotinho” Fonte: registro pessoal

Hoje vemos a sustentabilidade sendo articulada a produtos, à mídia, a empresas, a

ONGs, às artes. Observamos diversas imagens no dia-a-dia atreladas ao discurso da

sustentabilidade. Esse discurso do sustentável se pulverizou e não o encontramos somente em

lugares especializados e sim no nosso cotidiano, como por exemplo, numa peça publicitária

de uma marca famosa nas redes sociais, numa capa de revista, ou até mesmo em um

guardanapo, como na imagem acima (figura 1). Essa pesquisa, a qual foi realizada em âmbito

de mestrado, inspirada pelos estudos culturais em seu encontro com a educação, coloca em

evidência as imagens de sustentabilidade que nos acessam no nosso cotidiano investigando o

que essas imagens disparam e narram sobre sustentabilidade e os sentidos que isso produz nos

sujeitos. E tentou buscar caminhos para a pergunta: “Como é que a sustentabilidade vem nos

acessando hoje em forma de imagens?”

De acordo com Costa (2012), vivemos em uma era em que a cultura visual ocupa um

lugar importantíssimo, destacada pelas imensas possibilidades de visibilidade e pelos variados

meios de comunicação e informação que fazem circular cada vez mais imagens. Hoje, além

de consumirmos produtos, somos consumidores de imagens, significados que nos ensinam

valores, desejos, ou seja, modos de ver e de nos comportarmos em relação a nós mesmo, aos

outros e aos produtos. Para Costa (2012), “o mundo das imagens transformou-se em potente

indústria que mobiliza desejos, vaidades e interesses mercantis” (p. 265).

Além disso, Flores e Guimarães (2015) afirmam que a imagem exige seu próprio

modo de análise levando em conta os aspectos culturais e históricos que se entrelaçam na e

pela imagem. Assim, os estados de sensação ao ver e se ver por uma imagem acabam

levantando outros problemas de pesquisa, outros modos de investigação (FLORES;

GUIMARÃES, 2015). Isso envolve um processo contínuo de discussão acerca da imagem e

do visual que produz subjetividades, afetos e saberes. É importante destacar que esse olhar

para as imagens praticado nessa pesquisa está afinado com as perspectivas pós-modernas e

pós-estruturalistas, assumidas nos estudos culturais. Nestas vertentes teóricas as imagens são

tomadas como produção e conhecimento, e não mais como uma tradução do belo ou meras

expressões de alguma realidade subjacente. Então, o nosso interesse não é pensar as imagens

como algo que se fixa e aprisiona os sentidos, mas sim pensá-las como produções em

constante movimento.

Assim como a imagem, a sustentabilidade é também tema central dessa pesquisa. O

conceito de desenvolvimento sustentável surgiu na década de 1980 e a sua definição que se

tornou célebre nos anos 1990 afirma que é preciso um desenvolvimento que seja capaz de

garantir as necessidades da sociedade atual sem comprometer a capacidade das gerações

futuras de atenderem suas próprias necessidades (SCOTTO et al., 2007). A solução estaria em

um crescimento econômico com novas tecnologias limpas, energeticamente econômica e

eficiente (LAYRARGUES, 1997). E uma das principais críticas a essa definição de

desenvolvimento sustentável diz respeito ao seu caráter contraditório de tentar unir

crescimento econômico e proteção ambiental (SAMPAIO, 2012).

Nessa direção, Sampaio (2012) assinala que muitos autores afirmam que é essa

característica “conciliadora” que faz com que a ideia de desenvolvimento sustentável tenha

uma ampla aceitação em diferentes instâncias. E é essa busca da sustentabilidade pensada em

uma racionalidade tecnológica e de uma globalização focada simplesmente no mercado que

ganha cada vez mais espaço em nossa sociedade. E com isso, vemos a sustentabilidade ser

apropriada e remanejada a partir da sua conexão com outras práticas políticas e econômicas,

produzindo assim novos discursos (GUIMARÃES; SAMPAIO, 2012).

Desse modo, nos ocupamos desses temas que se entrelaçam nos tempos presentes e

suas fronteiras são borradas em seus limites. Assim, o que podemos observar é que há ativos

processos de interpretação e rearticulação das imagens de meio ambiente e sustentabilidade

pelos sujeitos que, com suas histórias as olham, algumas vezes bem atentos e outras nem

tanto. Esse trabalho, então, pretende atentar para as imagens de sustentabilidade que nos

acessam no nosso cotidiano. A proposta é fazer uma análise dessas imagens de

sustentabilidade, as quais chegaram até as nossas mãos através dos participantes de oficinas

planejadas e produzidas por nós. Também buscamos investigar as formas com que esses

grupos que participaram das atividades propostas enxergam essas imagens.

O menor como caminho potente

Pensando na pesquisa que é desafiada por um referencial pós-moderno, os estudos

culturais, que colocam a cultura no centro das análises sociais, foi preciso pensar caminhos

compatíveis com essa investigação. Com isso, a fim de obter as imagens de sustentabilidade

no cotidiano, a solução metodológica foi realizar oficinas, com o intuito de trazer as visões de

diferentes sujeitos para a composição do trabalho. A decisão de realizar oficinas se pauta na

intenção de construir juntos um espaço de debate sobre as imagens de sustentabilidade para

além de uma estrita coleta de dados. Sendo assim, buscamos promover um ou mais encontros

com os sujeitos que nos trariam essas imagens, a fim de que, durante esses momentos

pudéssemos ter, além de imagens, trocas de experiências, de conhecimentos, de textos e de

falas.

No processo de planejamento das oficinas, o contexto foi de tensionamentos políticos

e econômicos do país, que reverberaram no campo da educação por meio de cortes de

recursos e reformas em políticas educacionais. Como reação a essas medidas ocorreram, em

todo país, ocupações em escolas e universidades pelos estudantes. Nessa conjuntura, a

Universidade Federal Fluminense também foi ocupada. E as oficinas que compõem esse

trabalho foram realizadas dentro desse contexto de ocupação da universidade. As oficinas

foram realizadas com duas1 turmas de graduandos de diferentes cursos da UFF. Elas

ocorreram fora dos prédios onde acontecem as aulas, sendo realizadas em espaços abertos no

interior dos campi. Nesse contexto de universidade ocupada, dividimos os espaços com outras

aulas e atividades que aconteciam ao ar livre. Uma experiência. Um desafio. E partir desse

contexto pudemos perceber que investigar imagens de sustentabilidade no cotidiano de um

público com suas individualidades e diferentes percursos, sendo pensadas e narradas dentro de

uma universidade ocupada, nos permite potências “minoritárias”.

O conceito de menor foi forjado por Deleuze e Guattari para falar sobre a literatura de

Kafka. Uma literatura menor, a qual possui três características: a desterritorialização da

língua; uma literatura que é política; e por fim, uma literatura que tem sempre um valor

coletivo. Cabe apontar que a noção de menor nos desafia para além da literatura. O menor é

produtivo para se pensar e escrever em muitas outras áreas, tal como na educação. Mesmo que

a educação não seja um tema central na obra de Deleuze, Gallo (2003) afirma que o que

pretende é “desenvolver (...) uma demonstração da fecundidade do pensamento de Deleuze

para nos fazer pensar a educação, para nos permitir pensar, de novo, a educação” (p. 63). Este

autor desloca o conceito de menor para produzir reflexões no campo da educação. Segundo o

autor, é preciso:

Insistir nessa coisa meio fora de moda, de buscar processo educativo

comprometido com transformações no status quo; insistir nessa coisa de

investir num processo educativo comprometido com a singularização,

comprometido com valores libertários. Em suma, buscar um devir-Deleuze

na educação (GALLO, 2003, p. 75).

Se na literatura menor de Kafka era preciso desterritorializar a língua, na educação é

preciso desterritorializar os processos educativos. Todas essas políticas educacionais,

parâmetros da educação maior, querem sempre nos dizer o que ensinar, como ensinar, a quem

ensinar, tornando-se uma máquina de controle. A educação menor desterritorializa as normas

da educação maior, gerando novas aprendizagens insuspeitas. E de dentro da sala de aula

busca-se fazer surgir novas possibilidades que escapem da máquina de controle. É impedir a

produção da educação maior, é opor resistência e produzir diferenças (GALLO, 2003).

1 No total foram três oficinas realizadas. Nesse momento, falo em duas oficinas porque foram as duas últimas

que aconteceram nesse contexto de tensionamentos políticos e que reverberaram no planejamento e andamento

da pesquisa.

Uma literatura menor é, em sua essência, política. A educação em si também é

política; na educação menor isso é ainda mais latente por se tratar de um processo de

oposição, de resistência. Na educação menor, a ramificação política age no sentido de

subverter as diretrizes de políticas educacionais, abrindo um espaço para o professor militante

agir em um nível micropolítico (GALLO, 2003). Não se busca grandes políticas que nortearão

suas ações, mas sim empenhar-se em suas ações cotidianas.

Gallo salienta, por fim, que a educação menor tem valor coletivo. Não há a

possibilidade de atos solitários, mas sim coletivos. A educação menor é uma produção de

multiplicidades que se conectam entre si sempre gerando novos desdobramentos. E até

mesmo a singularização é no fundo um ato coletivo, e assim, todo ato coletivo se singulariza

também. Não há mestres, não há sujeitos e nem ações centradas em um ou outro. Tudo é

coletivo: os projetos, os acontecimentos, os agenciamentos (GALLO, 2003).

Todas essas características expressas tanto na literatura menor, como na educação

menor apresentam o tamanho do desafio para essa pesquisa que enreda tantas frentes:

educação, sustentabilidade, imagens, cotidiano, sujeitos. Trazer as histórias de cada sujeito

contadas a partir de sua imagem de sustentabilidade capturada através de sua lente cotidiana e

dividida com um grupo é uma singularização coletiva. Perceber o quanto a sustentabilidade

está imersa em redes e nos captura com todos os seus tentáculos em diferentes ambientes do

nosso cotidiano e nos diz cada dia mais como ser e agir e poder entender tudo isso é um ato

político. Realizar as oficinas em uma universidade pública ocupada pelos estudantes contra as

manobras da macropolítica é desterritorializar o processo educativo, é um ato político. Por

isso, o conceito de menor trazido por Deleuze e Guattari (2014) tornou-se fundamental neste

estudo, subsidiando a análise das imagens trazidas pelos participantes das oficinas.

Nos escritos de Godoy (2008), também é trabalhado o conceito de menor, mas em

articulação com o campo da ecologia. O estudo de Godoy se tornou uma bússola para esse

presente trabalho porque, no esforço e na busca pelo menor, pela menor das ecologias, ela se

deixa “surpreender pelo movimento das coisas, na vida como errância, sem objetivo e

finalidade” (GODOY, 2008, p. 15).

Godoy nos alerta sobre trabalhar o conceito de menor na ecologia. Ela diz que não é

suficiente fazer uma analogia com a literatura menor de Kafka apresentada por Deleuze e

Guattari: é preciso levar em consideração o campo discursivo próprio da ecologia e as

diferenças entre uma prática literária e uma prática científica. Para Godoy (2008), não

podemos confundir a menor das ecologias com uma ecologia de minorias ou alternativa; isso

nos remeteria a uma oposição entre biologia da conservação e a ecologia social, mas a

verdade é que esses dois lados são campos férteis para se debater maioridades. Ambos tendem

a manter a verdade do campo da ecologia, a verdade da Natureza, a verdade das descobertas;

manter a existência de verdades.

A ecologia maior se baseia em um padrão majoritário que o pensamento do

conservacionismo moldou e este se reduziu a uma ciência da conservação dos organismos no

meio onde vivem. Uma ciência que quer conhecer tudo, uma razão que quer legislar sobre

tudo. Isso reduziu a vida em sua existência, impôs tarefas de conservação, adaptação e

utilidade. E os critérios de conservação quem dita é a ecologia maior. Sendo assim, ela

seleciona práticas e os modos de vida adequados, estabelecendo a quem pertence o futuro na

Terra. Ela prescreve, determina, delimita. Com isso,

faz-se necessário compor o menor com um pensamento ativo e com uma

vontade que afirma, pois para pensar a menor das ecologias exige-se uma

“outra forma de pensar”, de maneira que o pensamento ganhe uma amplitude

de futuro que não se dá mais pela projeção de um presente, pela antecipação

de um fim ou da morte (GODOY, 2008, p. 64).

O menor, para Godoy (2008), busca experimentar novos arranjos, inventar novas

maquinações, levar os conceitos e as noções de ecologia ao máximo de sua potência. O menor

não é resolução de problemas, e nem vai resolver como um remédio milagroso pendências na

ecologia maior. Na menor das ecologias há o desejo apto para afirmar a inexistência de um

mundo verdadeiro, de verdades indiscutíveis. Essa vontade de não verdade instiga invenção e

maquinação de outra forma de sentir e pensar. A menor das ecologias é experimentação; é

desmontagem e fuga.

Nesse sentido, a menor das ecologias, se inspira em práticas que talvez não sejam

reconhecidas como ecológicas, mas que trabalham noções criadas pela ecologia maior,

tornando-as temas, pequenas peças, que ao invés de significarem algo, explicarem alguma

coisa, elas simplesmente funcionam, agem como máquinas. Máquinas a serem desmontadas,

para extrair novas maquinações, novas tonalidades e que se tornem potência, máquinas de

guerra. “O menor aponta para uma potência de devir – minoritária – que afirma o indivíduo

como multiplicidade prestes a tornar-se outro, aquém ou além do fato que exprime a constante

definidora do maior” (GODOY, 2008, p. 61).

É essa dimensão do menor que trazemos também para essa pesquisa. É esse

pensamento de múltiplas potencialidades que a sustentabilidade nos propicia tecer. Quando

trazemos a sustentabilidade para ser pensada e narrada em imagens, contadas por diferentes

sujeitos, não temos a pretensão de definir um caminho único com um fim delineado e que

todos saiam das oficinas sendo “sujeitos sustentáveis”. O desejo é pensar e vivenciar juntos

essa sustentabilidade que insiste em nos atravessar no cotidiano, seja por uma novela, pelas

redes sociais, pela horta vertical que se fez em casa, pelas sacolas retornáveis de

supermercados. É movimentar esse conceito de sustentabilidade, trazer vida e novas

possibilidades É vivenciar tudo isso através de fotografias, histórias próprias ou fictícias. Essa

foi a maneira que conseguimos de tentar criar rachaduras em uma estrutura definida pela

ecologia maior. Godoy (2008, p. 62) diz que “é na experimentação e na embriaguez do

combate que se inventam novos modos de existência, novos territórios”.

Oficinas, imagens e histórias

Como dito anteriormente, o caminho metodológico escolhido para se obter as imagens

de sustentabilidade e o encontro com os sujeitos foi produzir oficinas. A primeira oficina foi

feita com uma turma da disciplina de Didática que abrangia estudantes de licenciatura dos

cursos de Psicologia, Filosofia e Pedagogia. A segunda oficina foi realizada com uma turma

da disciplina de Instrumentação em Educação Ambiental do curso de Ciências Biológicas da

UFF, ambas as oficinas no 2º semestre de 2016.

Nesse texto daremos ênfase à primeira oficina (realizada com a turma de Didática),

enfocando uma das atividades desenvolvidas nessa oficina. No primeiro dia da oficina foi

pedido que os participantes fotografassem alguma imagem de sustentabilidade que

encontrassem no cotidiano deles. Explicamos que poderia ser qualquer imagem de

sustentabilidade, desde uma peça publicitária a rótulos de embalagens. Essas imagens foram

enviadas para um grupo de whatsapp que criamos. Assim, nós levaríamos as fotografias

impressas no segundo encontro da oficina para que cada um dos estudantes pudesse contar

uma história a partir da imagem que escolheu. Mas, nesse segundo encontro onde teríamos o

compartilhamento das imagens e suas histórias, tivemos muitos faltosos e, ao mesmo tempo,

alunos que não estavam no primeiro dia da oficina. A solução foi entregar as imagens dos

faltosos para os alunos presentes poderem participar. A ideia foi que eles inventassem uma

história para aquela imagem fotografada pelo seu colega que estava ausente.

Aqui não iremos identificar as histórias “reais” das fictícias, até porque Reigota (2003)

afirma que mesmo as narrativas que consideramos reais e verdadeiras se aproximam da

ficção. “Nenhum personagem pode ser encontrado na vida real conforme descrito, pois

nenhum é reflexo de uma única pessoa, mas sim constituído de múltiplos fragmentos

encontros nos diferentes indivíduos (...)” (REIGOTA, 2003, p. 74). As narrativas ficcionais

não significam falseamento da realidade, mas sim, produção, construção. São entrelaçamentos

dos fragmentos e estilhaços criando “colagens” baseadas em fatos reais, mas que não são lidas

como obra de ficção (REIGOTA, 2003). Então, as falas de cada aluno contando as histórias

com suas imagens são narrativas ficcionais. A seguir apresentamos algumas das imagens e as

histórias criadas.

Meu nome é Tamara. Essa foto que eu tirei na verdade é a minha mãe, né?! Minha mãe é

a louca das customizações, ela adora reutilizar tudo. E aí, no meu quarto está cheio dessas

coisinhas, porque assim, minha mãe é a louca das customizações e a minha irmã, a louca das

canetas, lápis e essas coisas. Então assim, todos os potinhos que a minha mãe acha em casa,

potes diferentes e até latas mesmo, ela sempre guarda. Ela compra na rua tecido ou algo

assim para reutilizar e enfeitar o pote e deixar em casa organizado. Tem essa coisa de

organização, de deixar tudo no seu lugar, tudo organizado. A gente usa muito. Eu já não jogo

nada fora, guardo, porque já sei que em algum momento a gente vai usar.

* *

Meu nome é Bárbara. Essa foto foi no Sana. Lá todo mundo é muito natural né, então eu

acho que eles fizeram um jardim na árvore, sabe?! Aqui atrás tem outras coisas penduradas

que são tênis, acho, de crianças. Parece o tênis do Ronald do Mc Donalds, mas eu acho que

são de criança. A foto está no zoom, né.

Outra aluna: Será que eles não se inspiraram no filme Wall-e. O do robozinho. O planeta

Terra é tomado por lixo, muito lixo. Aí ele se torna inabitável e as pessoas vão morar no

espaço e lá no espaço eles criam um robozinho bem moderno para saber se tem vida no

planeta Terra. E aí o robozinho que vive no planeta Terra coletando lixo, ele encontra uma

plantinha e coloca dentro de uma botinha assim. O filme todo é essa botinha com a plantinha.

É um sinal de vida, né. Aí com isso eles descobrem que tem vida no planeta Terra. Aí eles

voltam e voltam a plantar novamente. Esse filme é legal, mostra as pessoas não se

relacionando, ficando só na internet, consumindo...

Outra aluna: Tipo hoje, né? (Risos)

* *

Meu nome é Walcéa. A minha foto foi uma diarista que trabalha lá em casa e ela estava

organizando as minhas coisas. Aí ela falou para mim: “Walcéa, você não quer que eu faça

um organizador de gavetas para você?” E eu já estava há muito tempo querendo comprar,

mas você achar na medida é complicado e fazer também fica caro, né. Aí eu: “Ah, como é

que é essa história aí?” Aí ela: “eu uso caixa de leite e faço assim...” e foi e mostrou uma

foto do que ela fez na casa dela. Aí eu: “poxa, que legal!” Aí ela foi e fez tudo para mim. Aí

estou aprendendo e fazendo para os meus banheiros. Ela fez para os quartos, aí eu falei:

“vou aproveitar porque os banheiros também estão precisando de uma organizada básica.”

Então, a história é essa, né, que ela aprendeu a fazer, me ensinou e é muito fácil né? Vai

grampeando, cortando, mede tudo direitinho e tal, você pode usar em vários ângulos e a

história é essa. Então, foi uma aprendizagem que eu tive. E essa questão da conscientização,

né... eu jogava muito fora caixa de leite, muita criança, bebe muito leite e eu ficava

preocupada sempre com o lixo que eu estava produzindo e eu sempre tive essas preocupações

ambientais e aí eu comecei a tentar ver a sustentabilidade nos locais, eu até vi uma

propaganda de produto, mas aí eu lembrei de você falando sobre consumo e eu me recusei a

tirar porque parecia que estava fazendo propaganda da fábrica, né... “Eu, a gente faz

reflorestamento”, aí eu: “ah, desse aqui não vou tirar não”. Eu meio que filtrei mesmo e

procurei do cotidiano mesmo e aí achei essa interessante e trouxe.

* *

Eu sou a Vitória. Essa foto aqui é do play de onde eu moro. Eu sou a síndica de lá e aí eu

comecei a fazer uma coisa diferente para as crianças com material reciclado. Isso aqui são

pneus para as crianças brincarem, brincarem de amarelinha, e é isso. É uma consciência de

preservação para o prédio todo, para quando as famílias forem lá peguem a ideia e levem

para dentro de casa.

* *

Ao nos depararmos com as narrativas criadas pelos participantes, tivemos o cuidado

para não sobrepor a nossa voz, de pesquisadoras, sobre tais relatos e histórias. Essas narrativas

têm por si só potências imagéticas, imaginativas. E assim, tentamos conversar e dialogar com

essas imagens e histórias sem limitar sua inventividade.

Quando vemos somente as imagens de sustentabilidade (algumas tantas clichês) talvez

pensemos que lhes faltam lacunas, vazios, de onde poderiam brotar outros sentidos. Mas

quando consideramos as histórias, trabalhamos com recordações e sentidos singulares, como a

menção ao filme Wall-e por uma aluna ao ver a imagem trazida pela sua colega. Com isso,

entendemos que não podemos acelerar as narrativas junto ao capital, ao mercado, como

muitas vezes, acontece com as imagens de sustentabilidade. As narratividades habitam um

tempo próprio. Por isso, não é possível, nem faz sentido acelera-las. De acordo com Han

(2014), a narrativa é como um “estar a caminho”, uma condição carregada de significações. É

uma transição para um ali. Estar a caminho é ter narratividade. Ter o que preencher.

Porém, devemos dizer que também tivemos alguns lampejos a partir dessas imagens e

histórias dessa primeira oficina. Quando ouvimos a Walcéa contando que não tirou foto de

uma imagem de propaganda por conta do que tínhamos conversado no primeiro dia da oficina

- das imagens de sustentabilidade que mais vemos no cotidiano e como elas se relacionavam

com o consumo – fica ainda mais nítido a nossa presença como pesquisadoras no trabalho,

produzindo sentidos com os participantes. Ela preferiu tirar uma foto de um organizador feito

com caixas de leite dizendo que era mais do cotidiano dela e que ele fugia da questão do

consumo ligado às questões ambientais. Ficamos nos perguntando, se esse organizador é

“mais cotidiano” do que aquela imagem da peça publicitária? Para ela sim. E foi por isso que

ela quis contar que aprendeu a fazer organizadores a partir de caixas de leite, demonstrando,

em sua fala, a vontade de assumir sua responsabilidade com o ambiente por meio da

reutilização de objetos que seriam descartados.

Outro ponto que se sobressaiu com relação a essa oficina diz respeito ao quanto essa

turma enviou imagens de sustentabilidade relacionadas ao “reciclado”, ou melhor, ao “reuso”.

Pneus para brincar de amarelinha, caixa de leite para produzir organizadores de gaveta, latas

para porta-caneta, tênis para cultivar plantas. Talvez essa prevalência se deva à forma de

exposição das imagens de sustentabilidade que fizemos no primeiro dia da oficina, ou mesmo

quando a primeira imagem foi enviada para o grupo do whatsapp. Talvez, também, a noção

de sustentabilidade que seja mais demarcada para eles seja essa ligada à redução do consumo,

que aparece na mídia, em tantas aulas e oficinas de educação ambiental ou na escola. O

“reciclar” (muitas vezes no sentido de reutilizar objetos) é um dos verbos mais falados e

ouvidos quando exploramos a sustentabilidade.

Figura 2 - Um ângulo da sustentabilidade: o trio reduzir, reutilizar e reciclar. Fonte: internet.

Esse trio de verbos - reduzir, reutilizar e reciclar (figura 2) - conseguiu se propagar de

forma rápida na sociedade há algumas décadas quando se fala sobre questões ambientais.

Muitos produtos, propagandas, diferentes artefatos trazem o símbolo da reciclagem para

informar que aquele produto pode ser reciclado. A própria educação ambiental trabalha muito

com cada um deles, como itens importantes para termos, realmente, uma sociedade

sustentável. Mas, indo um pouco além, também é necessário vermos a educação ambiental

trabalhando na emergência da sustentabilidade desnaturalizando ambientes. É a educação

ambiental se colocando nas múltiplas enunciações e práticas. E, não somente, reproduzir

técnicas e discursos. É se colocar em movimento e produzir novos mundos, novas

possibilidades de falar sobre sustentabilidade.

Acreditamos, que esse movimento tenha sido feito aqui. Os participantes podem ter

trazido quase todos, imagens de artefatos reutilizados. Mas, as histórias e os relatos nos

apresentam interrupções e desnaturalizações com essas mesmas imagens. O falar sobre essas

imagens, o contar uma história movimenta outros sentidos para além de apenas observá-las

como fotografias de materiais reutilizados. Com as narrativas construímos novos mundos com

tantos outros significados para as imagens que não nos causam pausas.

Imagens e histórias que nos causam pausas, silêncios. Será esse o silêncio que Godoy

(2008) nos fala que o menor apresenta? Um silêncio, que por um momento nos cala, mas nele

há tantas coisas, tantas possibilidades que escapam de um modelo, de um padrão. Assim é a

menor das ecologias que encontramos quando lemos cada história a partir das imagens dessa

oficina. Porque o menor se dá exatamente na experimentação, no encanto da lacuna e assim,

inventamos novos modos de existência e novos territórios. É um pensamento de múltiplas

potencialidades. Foi interessante ver que praticamente todas as imagens enfocavam objetos

que transgrediam a sua utilidade inicial. A lata que vira porta-caneta. A caixa de leite que vira

organizador. E cada história contada a partir delas girou em torno do cotidiano, das relações

pessoais e do afeto. Pensar a sustentabilidade aqui foi por um caminho não das práticas de

conservação da ecologia maior, mas sim de uma sustentabilidade do cotidiano, mais

desafiadora, mais próxima. Pensar a sustentabilidade dessa forma é pensar em nós mesmos,

mas também nos ambientes que habitamos, nos objetos que utilizamos, nas histórias que esses

objetos contam. É pensar em um movimento que está “a caminho”, é um processo. A ideia de

processo de que “nunca se termina nada”, “nunca cessa de se fazer” (GODOY, 2008).

Todos os participantes experimentaram a oficina. Experimentaram procurar imagens

de sustentabilidade, fotografaram. Compartilharam suas histórias nos pilotis do prédio, em

ambiente aberto, em uma universidade ocupada. O menor desconstruiu o processo educativo.

Opôs resistência, vislumbrou potências e multiplicidades. Foi feito no coletivo, no

compartilhamento de narrativas. Se deu no prédio da Vitória, como na casa da Walcéa, como

dentro da UFF. Aconteceu. E acontecimento aqui, partindo das palavras de Larrosa (2004), é

algo que por definição não se pode fabricar. Não podem existir políticas de acontecimentos,

só se pode favorecer as condições. E ainda com Sampaio (2005), acontecimento é o que

escapa de qualquer tentativa de apreensão. Acreditamos no acontecimento dessa oficina, para

nós e para os participantes. De formas diferentes, cores diferentes, tons diferentes. Mas,

mesmo assim, as imagens de sustentabilidade aqui ganharam uma potência minoritária através

das narrativas com suas invenções, silêncios e os ruídos que proliferaram dessas

histórias/narrativas disparadas por imagens.

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