supremo tribunal federal · diferença entre um verdadeiro sistema representativo e um simples ......

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Voto - MIN. ROBERTO BARROSO 18/06/2014 PLENÁRIO AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 4.947 DISTRITO FEDERAL VOTO Ementa: AÇÕES DIRETAS. LEI COMPLEMENTAR Nº 78/1993 E RESOLUÇÃO Nº 23.389/2013 DO TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL. REPRESENTAÇÃO DOS ESTADOS E DO DISTRITO FEDERAL NA CÂMARA DOS DEPUTADOS. 1. Ao exigir maioria absoluta para a aprovação de leis complementares, o art. 69 da Constituição não impõe uma técnica específica de apuração dos votos. É válida, portanto, a adoção do procedimento simbólico de votação. 2. O termo população, adotado pelo art. 45, § 1º, da Carta Federal não se refere ao conjunto de eleitores, mas ao número de habitantes de cada Estado e do Distrito Federal. 3. A Câmara dos Deputados deve ser uma expressão da diversidade e do pluralismo existentes na sociedade brasileira, aferido a partir da premissa básica da igualdade política de todos os cidadãos. A desproporcionalidade na representação estadual e distrital gera um estado de inconstitucionalidade, incompatível com o princípio democrático. 4. O art. 45, § 1º, não exige que a lei complementar defina a expressão numérica das bancadas estaduais e distrital. A definição dos espaços das minorias não pode se submeter à discricionariedade das maiorias da ocasião. Esse é um campo em que se justifica uma atuação mais intensa por parte do Poder Judiciário, particularmente da Justiça Eleitoral. Ao tratar da matéria, a LC nº 78/1993 estabeleceu todos os parâmetros necessários à atuação do TSE. 5. Não há direito adquirido à expressão numérica das bancadas estaduais: sendo flutuante a população dos Estados, também deve ser mutável a composição da Câmara, a fim de refleti-las. Já se exauriu a eficácia do art. 4º, § 2º, do ADCT. 6. Improcedência dos pedidos. Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. O documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 6770414. Supremo Tribunal Federal 18/06/2014 PLENÁRIO AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 4.947 DISTRITO FEDERAL VOTO Ementa: AÇÕES DIRETAS. LEI COMPLEMENTAR Nº 78/1993 E RESOLUÇÃO Nº 23.389/2013 DO TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL. REPRESENTAÇÃO DOS ESTADOS E DO DISTRITO FEDERAL NA CÂMARA DOS DEPUTADOS. 1. Ao exigir maioria absoluta para a aprovação de leis complementares, o art. 69 da Constituição não impõe uma técnica específica de apuração dos votos. É válida, portanto, a adoção do procedimento simbólico de votação. 2. O termo população, adotado pelo art. 45, § 1º, da Carta Federal não se refere ao conjunto de eleitores, mas ao número de habitantes de cada Estado e do Distrito Federal. 3. A Câmara dos Deputados deve ser uma expressão da diversidade e do pluralismo existentes na sociedade brasileira, aferido a partir da premissa básica da igualdade política de todos os cidadãos. A desproporcionalidade na representação estadual e distrital gera um estado de inconstitucionalidade, incompatível com o princípio democrático. 4. O art. 45, § 1º, não exige que a lei complementar defina a expressão numérica das bancadas estaduais e distrital. A definição dos espaços das minorias não pode se submeter à discricionariedade das maiorias da ocasião. Esse é um campo em que se justifica uma atuação mais intensa por parte do Poder Judiciário, particularmente da Justiça Eleitoral. Ao tratar da matéria, a LC nº 78/1993 estabeleceu todos os parâmetros necessários à atuação do TSE. 5. Não há direito adquirido à expressão numérica das bancadas estaduais: sendo flutuante a população dos Estados, também deve ser mutável a composição da Câmara, a fim de refleti-las. Já se exauriu a eficácia do art. 4º, § 2º, do ADCT. 6. Improcedência dos pedidos. Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. O documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 6770414. Inteiro Teor do Acórdão - Página 65 de 215

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Voto - MIN. ROBERTO BARROSO

18/06/2014 PLENÁRIO

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 4.947 DISTRITO FEDERAL

VOTO

Ementa: AÇÕES DIRETAS. LEI COMPLEMENTAR Nº

78/1993 E RESOLUÇÃO Nº 23.389/2013 DO TRIBUNAL

SUPERIOR ELEITORAL. REPRESENTAÇÃO DOS ESTADOS E

DO DISTRITO FEDERAL NA CÂMARA DOS DEPUTADOS.

1. Ao exigir maioria absoluta para a aprovação de leis

complementares, o art. 69 da Constituição não impõe uma

técnica específica de apuração dos votos. É válida, portanto, a

adoção do procedimento simbólico de votação.

2. O termo população, adotado pelo art. 45, § 1º, da Carta

Federal não se refere ao conjunto de eleitores, mas ao número de

habitantes de cada Estado e do Distrito Federal.

3. A Câmara dos Deputados deve ser uma expressão da

diversidade e do pluralismo existentes na sociedade brasileira,

aferido a partir da premissa básica da igualdade política de

todos os cidadãos. A desproporcionalidade na representação

estadual e distrital gera um estado de inconstitucionalidade,

incompatível com o princípio democrático.

4. O art. 45, § 1º, não exige que a lei complementar defina a

expressão numérica das bancadas estaduais e distrital. A

definição dos espaços das minorias não pode se submeter à

discricionariedade das maiorias da ocasião. Esse é um campo

em que se justifica uma atuação mais intensa por parte do

Poder Judiciário, particularmente da Justiça Eleitoral. Ao tratar

da matéria, a LC nº 78/1993 estabeleceu todos os parâmetros

necessários à atuação do TSE.

5. Não há direito adquirido à expressão numérica das

bancadas estaduais: sendo flutuante a população dos Estados,

também deve ser mutável a composição da Câmara, a fim de

refleti-las. Já se exauriu a eficácia do art. 4º, § 2º, do ADCT.

6. Improcedência dos pedidos.

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. Odocumento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 6770414.

Supremo Tribunal Federal

18/06/2014 PLENÁRIO

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 4.947 DISTRITO FEDERAL

VOTO

Ementa: AÇÕES DIRETAS. LEI COMPLEMENTAR Nº

78/1993 E RESOLUÇÃO Nº 23.389/2013 DO TRIBUNAL

SUPERIOR ELEITORAL. REPRESENTAÇÃO DOS ESTADOS E

DO DISTRITO FEDERAL NA CÂMARA DOS DEPUTADOS.

1. Ao exigir maioria absoluta para a aprovação de leis

complementares, o art. 69 da Constituição não impõe uma

técnica específica de apuração dos votos. É válida, portanto, a

adoção do procedimento simbólico de votação.

2. O termo população, adotado pelo art. 45, § 1º, da Carta

Federal não se refere ao conjunto de eleitores, mas ao número de

habitantes de cada Estado e do Distrito Federal.

3. A Câmara dos Deputados deve ser uma expressão da

diversidade e do pluralismo existentes na sociedade brasileira,

aferido a partir da premissa básica da igualdade política de

todos os cidadãos. A desproporcionalidade na representação

estadual e distrital gera um estado de inconstitucionalidade,

incompatível com o princípio democrático.

4. O art. 45, § 1º, não exige que a lei complementar defina a

expressão numérica das bancadas estaduais e distrital. A

definição dos espaços das minorias não pode se submeter à

discricionariedade das maiorias da ocasião. Esse é um campo

em que se justifica uma atuação mais intensa por parte do

Poder Judiciário, particularmente da Justiça Eleitoral. Ao tratar

da matéria, a LC nº 78/1993 estabeleceu todos os parâmetros

necessários à atuação do TSE.

5. Não há direito adquirido à expressão numérica das

bancadas estaduais: sendo flutuante a população dos Estados,

também deve ser mutável a composição da Câmara, a fim de

refleti-las. Já se exauriu a eficácia do art. 4º, § 2º, do ADCT.

6. Improcedência dos pedidos.

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. Odocumento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 6770414.

Inteiro Teor do Acórdão - Página 65 de 215

Voto - MIN. ROBERTO BARROSO

ADI 4947 / DF

O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO:

1. Senhor Presidente, geralmente sou o primeiro a votar – o

que é bem difícil –, mas hoje tive o benefício do voto da Ministra Rosa

Weber, que é diametralmente oposto ao do eminente Ministro Gilmar

Mendes, a demonstrar que a matéria não é banal.

2. Não desconheço que existem muitos interesses políticos

legítimos postos na mesa. Evidentemente, alguém ganha e alguém perde

com essa nova distribuição, e cada um dos lados tem as suas

circunstâncias e as suas razões. Penso que, nessas situações, Presidente, é

preciso buscar os valores que inspiram a democracia e os princípios

constitucionais como a bússola capaz de oferecer um direcionamento

seguro nessa matéria.

3. Por essa razão, embora o meu voto seja relativamente

breve, gastarei dois minutos estabelecendo as três premissas teóricas e

filosóficas que o inspiram. Antes de fazê-lo, porém, faço a ressalva de

que, embora a resolução oferecesse uma dificuldade – porque, a meu ver,

ela basicamente acompanha a lei complementar –, estou conhecendo das

ações, porque considero que a lei complementar e a resolução estão de tal

maneira imbricadas que fazer essa dissociação não traria proveito. Além

disso, o Supremo tem uma tradição de conhecer de ações diretas contra

resoluções do TSE. Assim, supero a preliminar e prossigo no voto.

I. PREMISSAS TEÓRICAS E FILOSÓFICAS

4. Em primeiro lugar, o que está em jogo é a representação

eleitoral, matéria que afeta o próprio núcleo do autogoverno popular e,

portanto, a concretização do princípio democrático. A Câmara dos

Deputados é a Casa Legislativa concebida para a representação do povo

no Poder Legislativo da União. A forma como se opera essa representação

2

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. Odocumento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 6770414.

Supremo Tribunal Federal

ADI 4947 / DF

O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO:

1. Senhor Presidente, geralmente sou o primeiro a votar – o

que é bem difícil –, mas hoje tive o benefício do voto da Ministra Rosa

Weber, que é diametralmente oposto ao do eminente Ministro Gilmar

Mendes, a demonstrar que a matéria não é banal.

2. Não desconheço que existem muitos interesses políticos

legítimos postos na mesa. Evidentemente, alguém ganha e alguém perde

com essa nova distribuição, e cada um dos lados tem as suas

circunstâncias e as suas razões. Penso que, nessas situações, Presidente, é

preciso buscar os valores que inspiram a democracia e os princípios

constitucionais como a bússola capaz de oferecer um direcionamento

seguro nessa matéria.

3. Por essa razão, embora o meu voto seja relativamente

breve, gastarei dois minutos estabelecendo as três premissas teóricas e

filosóficas que o inspiram. Antes de fazê-lo, porém, faço a ressalva de

que, embora a resolução oferecesse uma dificuldade – porque, a meu ver,

ela basicamente acompanha a lei complementar –, estou conhecendo das

ações, porque considero que a lei complementar e a resolução estão de tal

maneira imbricadas que fazer essa dissociação não traria proveito. Além

disso, o Supremo tem uma tradição de conhecer de ações diretas contra

resoluções do TSE. Assim, supero a preliminar e prossigo no voto.

I. PREMISSAS TEÓRICAS E FILOSÓFICAS

4. Em primeiro lugar, o que está em jogo é a representação

eleitoral, matéria que afeta o próprio núcleo do autogoverno popular e,

portanto, a concretização do princípio democrático. A Câmara dos

Deputados é a Casa Legislativa concebida para a representação do povo

no Poder Legislativo da União. A forma como se opera essa representação

2

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. Odocumento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 6770414.

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Voto - MIN. ROBERTO BARROSO

ADI 4947 / DF

não é, nem pode ser, aleatória ou arbitrária, porque dela depende a

diferença entre um verdadeiro sistema representativo e um simples

arremedo de democracia1. Tanto quanto possível, a Câmara deve ser uma

expressão da diversidade e do pluralismo existentes na sociedade

brasileira, aferido a partir da premissa básica da igualdade política de

todos os cidadãos. É isso o que dispõe o art. 14, da Constituição, ao

estabelecer que a “ soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e

pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos”. Foi esse princípio

básico, aliás, que embalou as revoluções liberais e a ascensão do

constitucionalismo, sendo sintetizado pelos norte-americanos na máxima

one man, one vote2.

5. No sistema adotado no Brasil, a composição da Câmara

dos Deputados procura refletir o pluralismo político (CF/88, art. 1º, V), tal

como verificado em cada Estado, no Distrito Federal e nos Territórios.

Idealmente, a força relativa das diferentes correntes ideológicas na

Câmara dos Deputados deve corresponder ao peso dessas mesmas

manifestações no âmbito de cada circunscrição eleitoral. A distorção na

representação desses entes leva a uma super-representação das ideologias

majoritárias em alguns Estado, distanciando a Câmara dos Deputados da

realidade política que ela deveria espelhar.

6. É bem verdade que a própria Constituição impõe limites à

satisfação desse fim. O exemplo mais evidente disso é a definição de um

1 Destacando que o “aspecto mais importante de um sistema político” é

“a qualidade da representação”, v. Scott W. Desposato, Reforma política

brasileira: o que precisa ser consertado, o que não precisa e o que fazer. In:

Jairo Nicolau e Timothy J. Power (Orgs.), Instituições representativas no Brasil:

balanço e reforma, 2007, p. 125.

2 Antônio Octávio Cintra e Marcelo Barroso Lacombe, A Câmara dos

Deputados na Nova República: a visão da Ciência Política. In: Lúcia Avelar e

Antônio Octávio Cintra (Orgs.), Sistema político brasileiro: uma introdução,

2007, p. 146.

3

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Supremo Tribunal Federal

ADI 4947 / DF

não é, nem pode ser, aleatória ou arbitrária, porque dela depende a

diferença entre um verdadeiro sistema representativo e um simples

arremedo de democracia1. Tanto quanto possível, a Câmara deve ser uma

expressão da diversidade e do pluralismo existentes na sociedade

brasileira, aferido a partir da premissa básica da igualdade política de

todos os cidadãos. É isso o que dispõe o art. 14, da Constituição, ao

estabelecer que a “ soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e

pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos”. Foi esse princípio

básico, aliás, que embalou as revoluções liberais e a ascensão do

constitucionalismo, sendo sintetizado pelos norte-americanos na máxima

one man, one vote2.

5. No sistema adotado no Brasil, a composição da Câmara

dos Deputados procura refletir o pluralismo político (CF/88, art. 1º, V), tal

como verificado em cada Estado, no Distrito Federal e nos Territórios.

Idealmente, a força relativa das diferentes correntes ideológicas na

Câmara dos Deputados deve corresponder ao peso dessas mesmas

manifestações no âmbito de cada circunscrição eleitoral. A distorção na

representação desses entes leva a uma super-representação das ideologias

majoritárias em alguns Estado, distanciando a Câmara dos Deputados da

realidade política que ela deveria espelhar.

6. É bem verdade que a própria Constituição impõe limites à

satisfação desse fim. O exemplo mais evidente disso é a definição de um

1 Destacando que o “aspecto mais importante de um sistema político” é

“a qualidade da representação”, v. Scott W. Desposato, Reforma política

brasileira: o que precisa ser consertado, o que não precisa e o que fazer. In:

Jairo Nicolau e Timothy J. Power (Orgs.), Instituições representativas no Brasil:

balanço e reforma, 2007, p. 125.

2 Antônio Octávio Cintra e Marcelo Barroso Lacombe, A Câmara dos

Deputados na Nova República: a visão da Ciência Política. In: Lúcia Avelar e

Antônio Octávio Cintra (Orgs.), Sistema político brasileiro: uma introdução,

2007, p. 146.

3

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Voto - MIN. ROBERTO BARROSO

ADI 4947 / DF

piso (elevado) e de um teto (reduzido) para as bancadas estaduais, o que

acaba contribuindo para impedir uma representação mais fiel. A título de

exemplo, nas eleições de 2010, 233,6 mil eleitores de Roraima foram às

urnas para eleger 8 Deputados Federais, enquanto, em São Paulo, 25,3

milhões de votos elegeram 70 Deputados Federais. Isso significa que o

voto de um cidadão em Roraima vale quase 12 vezes mais que o voto de

um paulista3.

7. A relevância do ponto é potencializada, ainda, pela

constatação de que a instituição do Senado foi criada justamente para

contrabalançar o poder numérico dos Estados mais populosos na Câmara

dos Deputados. A participação paritária dos Estados no Senado tem como

fim dar força às menores unidades da Federação que, deixadas apenas

com a Câmara, seriam sempre minoritárias4. Ocorre, porém, que quando

se une a combinação de piso e teto na Câmara com a composição

igualitária do Senado, o que se tem é um cenário de difícil

compatibilização com a ideia de igualdade política: as quinze unidades

federativas menos populosas do Brasil, com cerca de 18,4% dos habitantes, controlam algo em torno de 40,2% do poder do Congresso Nacional, computados os votos na Câmara e no Senado

5.

8. É bem verdade que essas aparentes distorções decorrem

do texto originário da Constituição de 1988 e, por isso, não podem ser

3 Fonte: TSE. Dados disponíveis em:

<http://www.tse.jus.br/eleicoes/eleicoes-anteriores/eleicoes-2010/estatisticas>.

Acesso em: 9 jun. 2014.

4 James Madison, The Federalist n. 62. In: Alexander Hamilton, James

Madison, and John Jay, The Federalist Papers, 2004 (ed. Pocket Books), pp. 442-

3.

5 Diante da paridade das Casas Legislativas no modelo bicameral

brasileiro, considerou-se o Senado como um equivalente da Câmara dos

Deputados. Dessa forma, cada voto na Câmara Alta corresponderia a cerca

de 6,33 votos na Câmara Baixa.

4

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Supremo Tribunal Federal

ADI 4947 / DF

piso (elevado) e de um teto (reduzido) para as bancadas estaduais, o que

acaba contribuindo para impedir uma representação mais fiel. A título de

exemplo, nas eleições de 2010, 233,6 mil eleitores de Roraima foram às

urnas para eleger 8 Deputados Federais, enquanto, em São Paulo, 25,3

milhões de votos elegeram 70 Deputados Federais. Isso significa que o

voto de um cidadão em Roraima vale quase 12 vezes mais que o voto de

um paulista3.

7. A relevância do ponto é potencializada, ainda, pela

constatação de que a instituição do Senado foi criada justamente para

contrabalançar o poder numérico dos Estados mais populosos na Câmara

dos Deputados. A participação paritária dos Estados no Senado tem como

fim dar força às menores unidades da Federação que, deixadas apenas

com a Câmara, seriam sempre minoritárias4. Ocorre, porém, que quando

se une a combinação de piso e teto na Câmara com a composição

igualitária do Senado, o que se tem é um cenário de difícil

compatibilização com a ideia de igualdade política: as quinze unidades

federativas menos populosas do Brasil, com cerca de 18,4% dos habitantes, controlam algo em torno de 40,2% do poder do Congresso Nacional, computados os votos na Câmara e no Senado

5.

8. É bem verdade que essas aparentes distorções decorrem

do texto originário da Constituição de 1988 e, por isso, não podem ser

3 Fonte: TSE. Dados disponíveis em:

<http://www.tse.jus.br/eleicoes/eleicoes-anteriores/eleicoes-2010/estatisticas>.

Acesso em: 9 jun. 2014.

4 James Madison, The Federalist n. 62. In: Alexander Hamilton, James

Madison, and John Jay, The Federalist Papers, 2004 (ed. Pocket Books), pp. 442-

3.

5 Diante da paridade das Casas Legislativas no modelo bicameral

brasileiro, considerou-se o Senado como um equivalente da Câmara dos

Deputados. Dessa forma, cada voto na Câmara Alta corresponderia a cerca

de 6,33 votos na Câmara Baixa.

4

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Voto - MIN. ROBERTO BARROSO

ADI 4947 / DF

objeto de correção jurisdicional. Sem prejuízo disso, a constatação do

quadro acima reforça a necessidade de que, ao interpretar o sistema

constitucional, o Judiciário promova a igualdade política na maior

medida possível. Apesar de não poder reescrever a Constituição, o

Supremo Tribunal Federal pode – em rigor, deve – afastar qualquer

interpretação que promova disparidades ainda maiores na representação

política. Observados os limites postos pelo poder constituinte, compete

aos juízes zelar para que o processo político-eleitoral seja tão próximo da

justiça quanto possível.

9. O que se acaba de dizer se justifica, ainda, por outra razão.

Este é o segundo ponto a ser destacado: as presentes ações dizem respeito

à funcionalidade do processo democrático. Quando se discutem os

critérios de atualização das bancadas parlamentares, o que está em jogo,

em última instância, é o poder das maiorias políticas de conservarem ou

aprofundarem o seu próprio poder, impondo limites à influência das

minorias. Essa circunstância exige uma atuação especialmente cuidadosa

por parte do Poder Judiciário, encarregado de zelar para que o peso

político de determinados atores não seja utilizado para fechar ou

direcionar os canais de representação segundo as suas conveniências.

Nesse universo, a Justiça Eleitoral e o Supremo Tribunal Federal

apresentam melhores capacidades institucionais do que o sistema

político, autointeressado nos resultados a que se pode chegar. A definição

do espaço que cada corrente ocupará no processo político não pode se

submeter ao controle absoluto ou total das maiorias parlamentares de

cada momento. Afirmar o contrário seria admitir que o grupo que hoje

está no poder tivesse em suas mãos os meios de moldar a representação

democrática, podendo, assim, impedir ou dificultar o acesso de outros

atores, partidos ou ideologias.

10. Em terceiro lugar, e por fim, a representação política não

pode ser petrificada. O Parlamento só pode atingir a sua finalidade se for

capaz de absorver e acolher as eventuais novas concepções e perspectivas

5

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. Odocumento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 6770414.

Supremo Tribunal Federal

ADI 4947 / DF

objeto de correção jurisdicional. Sem prejuízo disso, a constatação do

quadro acima reforça a necessidade de que, ao interpretar o sistema

constitucional, o Judiciário promova a igualdade política na maior

medida possível. Apesar de não poder reescrever a Constituição, o

Supremo Tribunal Federal pode – em rigor, deve – afastar qualquer

interpretação que promova disparidades ainda maiores na representação

política. Observados os limites postos pelo poder constituinte, compete

aos juízes zelar para que o processo político-eleitoral seja tão próximo da

justiça quanto possível.

9. O que se acaba de dizer se justifica, ainda, por outra razão.

Este é o segundo ponto a ser destacado: as presentes ações dizem respeito

à funcionalidade do processo democrático. Quando se discutem os

critérios de atualização das bancadas parlamentares, o que está em jogo,

em última instância, é o poder das maiorias políticas de conservarem ou

aprofundarem o seu próprio poder, impondo limites à influência das

minorias. Essa circunstância exige uma atuação especialmente cuidadosa

por parte do Poder Judiciário, encarregado de zelar para que o peso

político de determinados atores não seja utilizado para fechar ou

direcionar os canais de representação segundo as suas conveniências.

Nesse universo, a Justiça Eleitoral e o Supremo Tribunal Federal

apresentam melhores capacidades institucionais do que o sistema

político, autointeressado nos resultados a que se pode chegar. A definição

do espaço que cada corrente ocupará no processo político não pode se

submeter ao controle absoluto ou total das maiorias parlamentares de

cada momento. Afirmar o contrário seria admitir que o grupo que hoje

está no poder tivesse em suas mãos os meios de moldar a representação

democrática, podendo, assim, impedir ou dificultar o acesso de outros

atores, partidos ou ideologias.

10. Em terceiro lugar, e por fim, a representação política não

pode ser petrificada. O Parlamento só pode atingir a sua finalidade se for

capaz de absorver e acolher as eventuais novas concepções e perspectivas

5

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. Odocumento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 6770414.

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Voto - MIN. ROBERTO BARROSO

ADI 4947 / DF

que surgirem no meio social. Se a sociedade é plural – e é bom que seja

assim –, é natural e esperado que novas opiniões apareçam e alcancem

diferentes forças relativas com o passar do tempo. Maiorias de hoje

podem ser minorias amanhã, e vice-versa. Como órgão de representação

do povo por excelência, a Câmara dos Deputados deve estar igualmente

aberta, a fim de espelhar, com o máximo de fidelidade possível, a

diversidade da população brasileira. Dessa forma, defender uma espécie

de direito adquirido à representação eleitoral me parece, data venia, um

erro de partida. As bancadas são, e devem ser, flexíveis, a fim de

acomodar a diversidade do povo brasileiro.

11. Feitos esses registros, passo ao exame das alegações

formuladas nas ações.

II. MÉRITO

II.1. Inconstitucionalidade formal da Lei Complementar nº 78/1993

12. Alega-se que a Lei Complementar nº 78/1993 seria

inconstitucional por não obedecer à regra do art. 69 da Constituição, que

exige maioria absoluta para aprovação de leis complementares. Sustenta-

se que o projeto que resultou no diploma teria sido submetido a votação

simbólica na Câmara dos Deputados, onde foi aprovado pela

unanimidade dos presentes (254 Deputados Federais).

13. Com o devido respeito, o que a Constituição exige é o

número de votos, e não um procedimento particular de apuração. No

espaço deixado pela Carta, cabe às próprias Casas “elaborar seu regimento

interno” e “dispor sobre[seu] funcionamento” (CF/88, arts. 51, III e IV, e 52,

XII e XIII). Em linha de princípio, ressalvada eventual demonstração de

direcionamento das deliberações, não há violação constitucional na

adoção de mecanismos mais céleres e simples para a contagem dos votos

6

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ADI 4947 / DF

que surgirem no meio social. Se a sociedade é plural – e é bom que seja

assim –, é natural e esperado que novas opiniões apareçam e alcancem

diferentes forças relativas com o passar do tempo. Maiorias de hoje

podem ser minorias amanhã, e vice-versa. Como órgão de representação

do povo por excelência, a Câmara dos Deputados deve estar igualmente

aberta, a fim de espelhar, com o máximo de fidelidade possível, a

diversidade da população brasileira. Dessa forma, defender uma espécie

de direito adquirido à representação eleitoral me parece, data venia, um

erro de partida. As bancadas são, e devem ser, flexíveis, a fim de

acomodar a diversidade do povo brasileiro.

11. Feitos esses registros, passo ao exame das alegações

formuladas nas ações.

II. MÉRITO

II.1. Inconstitucionalidade formal da Lei Complementar nº 78/1993

12. Alega-se que a Lei Complementar nº 78/1993 seria

inconstitucional por não obedecer à regra do art. 69 da Constituição, que

exige maioria absoluta para aprovação de leis complementares. Sustenta-

se que o projeto que resultou no diploma teria sido submetido a votação

simbólica na Câmara dos Deputados, onde foi aprovado pela

unanimidade dos presentes (254 Deputados Federais).

13. Com o devido respeito, o que a Constituição exige é o

número de votos, e não um procedimento particular de apuração. No

espaço deixado pela Carta, cabe às próprias Casas “elaborar seu regimento

interno” e “dispor sobre[seu] funcionamento” (CF/88, arts. 51, III e IV, e 52,

XII e XIII). Em linha de princípio, ressalvada eventual demonstração de

direcionamento das deliberações, não há violação constitucional na

adoção de mecanismos mais céleres e simples para a contagem dos votos

6

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Voto - MIN. ROBERTO BARROSO

ADI 4947 / DF

dos parlamentares6. Seja como for, embora as normas regimentais não

sirvam de parâmetro para o controle de constitucionalidade, vale

registrar que o Regimento Interno da Câmara dos Deputados (art. 185)7

admite a substituição da votação simbólica pela nominal se assim

deliberar a Casa, por requerimento de qualquer Deputado (art. 186, II)8.

Em outras palavras: os parlamentares presentes não questionaram a

forma de votação, o que demonstra que o total apurado corresponde à

opinião dos presentes. Houve, portanto, a maioria necessária.

6 É o que registra o parecer elaborado pelo Ministro Carlos Velloso, que

já honrou este Tribunal: “O art. 69 da Constituição, ao dispor que as leis

complementares serão aprovadas por maioria absoluta, não veda a adoção da

votação simbólica, que constitui técnica do processo legislativo” (Carlos

Mário da Silva Velloso, Câmara dos Deputados. Sistema proporcional. Fixação do

número de vagas para cada unidade da Federação. Constitucionalidade da Lei

Complementar nº 78, de 1993, e da Resolução TSE nº 23.389, de 2013 (Parecer),

2013, p. 28).

7 Regimento Interno da Câmara dos Deputados, art. 185: “Pelo processo

simbólico, que será utilizado na votação das proposições em geral, o

Presidente, ao anunciar a votação de qualquer matéria, convidará os

Deputados a favor a permanecerem sentados e proclamará o resultado

manifesto dos votos.§ 1º. Havendo votação divergente, o Presidente

consultará o Plenário se há dúvida quanto ao resultado proclamado,

assegurando a oportunidade de formular-se pedido de verificação de

votação. § 2º. Nenhuma questão de ordem, reclamação ou qualquer outra

intervenção será aceita pela Mesa antes de ouvido o Plenário sobre eventual

pedido de verificação.§ 3º. Se seis centésimos dos membros da Casa ou

Líderes que representem esse número apoiarem o pedido, proceder-se-á

então à votação através do sistema nominal.§ 4º. Havendo-se procedido a

uma verificação de votação, antes do decurso de uma hora da proclamação

do resultado, só será permitida nova verificação por deliberação do Plenário,

a requerimento de um décimo dos Deputados, ou de Líderes que

7

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dos parlamentares6. Seja como for, embora as normas regimentais não

sirvam de parâmetro para o controle de constitucionalidade, vale

registrar que o Regimento Interno da Câmara dos Deputados (art. 185)7

admite a substituição da votação simbólica pela nominal se assim

deliberar a Casa, por requerimento de qualquer Deputado (art. 186, II)8.

Em outras palavras: os parlamentares presentes não questionaram a

forma de votação, o que demonstra que o total apurado corresponde à

opinião dos presentes. Houve, portanto, a maioria necessária.

6 É o que registra o parecer elaborado pelo Ministro Carlos Velloso, que

já honrou este Tribunal: “O art. 69 da Constituição, ao dispor que as leis

complementares serão aprovadas por maioria absoluta, não veda a adoção da

votação simbólica, que constitui técnica do processo legislativo” (Carlos

Mário da Silva Velloso, Câmara dos Deputados. Sistema proporcional. Fixação do

número de vagas para cada unidade da Federação. Constitucionalidade da Lei

Complementar nº 78, de 1993, e da Resolução TSE nº 23.389, de 2013 (Parecer),

2013, p. 28).

7 Regimento Interno da Câmara dos Deputados, art. 185: “Pelo processo

simbólico, que será utilizado na votação das proposições em geral, o

Presidente, ao anunciar a votação de qualquer matéria, convidará os

Deputados a favor a permanecerem sentados e proclamará o resultado

manifesto dos votos.§ 1º. Havendo votação divergente, o Presidente

consultará o Plenário se há dúvida quanto ao resultado proclamado,

assegurando a oportunidade de formular-se pedido de verificação de

votação. § 2º. Nenhuma questão de ordem, reclamação ou qualquer outra

intervenção será aceita pela Mesa antes de ouvido o Plenário sobre eventual

pedido de verificação.§ 3º. Se seis centésimos dos membros da Casa ou

Líderes que representem esse número apoiarem o pedido, proceder-se-á

então à votação através do sistema nominal.§ 4º. Havendo-se procedido a

uma verificação de votação, antes do decurso de uma hora da proclamação

do resultado, só será permitida nova verificação por deliberação do Plenário,

a requerimento de um décimo dos Deputados, ou de Líderes que

7

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Inteiro Teor do Acórdão - Página 71 de 215

Voto - MIN. ROBERTO BARROSO

ADI 4947 / DF

14. Por essas razões, rejeito essa primeira alegação.

II.2. Interpretação do art. 45, § 1º, da Constituição

15. Dispõe o art. 45, da Constituição:

“Art. 45. A Câmara dos Deputados compõe-se de

representantes do povo, eleitos, pelo sistema proporcional, em

cada Estado, em cada Território e no Distrito Federal.

§ 1º. O número total de Deputados, bem como a

representação por Estado e pelo Distrito Federal, será

estabelecido por lei complementar, proporcionalmente à

população, procedendo-se aos ajustes necessários, no ano

anterior às eleições, para que nenhuma daquelas unidades da

Federação tenha menos de oito ou mais de setenta Deputados.

§ 2º. Cada Território elegerá quatro Deputados.”

16. Em relação a esse dispositivo, são duas as questões que se

colocam: (i) como deve ser interpretado o termo população – como

conjunto de habitantes ou de eleitores; (ii) qual o alcance da reserva de lei

representem esse número.§ 5º Ocorrendo requerimento de verificação de

votação, se for notória a ausência de quórum no Plenário, o Presidente

poderá, desde logo, determinar a votação pelo processo nominal.”

8 Regimento Interno da Câmara dos Deputados, art. 186: “O processo

nominal será utilizado: I – nos casos em que seja exigido quórum especial de

votação; II – por deliberação do Plenário, a requerimento de qualquer

Deputado; III – quando houver pedido de verificação de votação, respeitado

o que prescreve o § 4º do artigo anterior; IV – nos demais casos expressos

neste Regimento. § 1º O requerimento verbal não admitirá votação nominal.

§ 2º Quando algum Deputado requerer votação nominal e a Câmara não a

conceder, será vedado requerê-la novamente para a mesma proposição, ou

para as que lhe forem acessórias.”

8

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ADI 4947 / DF

14. Por essas razões, rejeito essa primeira alegação.

II.2. Interpretação do art. 45, § 1º, da Constituição

15. Dispõe o art. 45, da Constituição:

“Art. 45. A Câmara dos Deputados compõe-se de

representantes do povo, eleitos, pelo sistema proporcional, em

cada Estado, em cada Território e no Distrito Federal.

§ 1º. O número total de Deputados, bem como a

representação por Estado e pelo Distrito Federal, será

estabelecido por lei complementar, proporcionalmente à

população, procedendo-se aos ajustes necessários, no ano

anterior às eleições, para que nenhuma daquelas unidades da

Federação tenha menos de oito ou mais de setenta Deputados.

§ 2º. Cada Território elegerá quatro Deputados.”

16. Em relação a esse dispositivo, são duas as questões que se

colocam: (i) como deve ser interpretado o termo população – como

conjunto de habitantes ou de eleitores; (ii) qual o alcance da reserva de lei

representem esse número.§ 5º Ocorrendo requerimento de verificação de

votação, se for notória a ausência de quórum no Plenário, o Presidente

poderá, desde logo, determinar a votação pelo processo nominal.”

8 Regimento Interno da Câmara dos Deputados, art. 186: “O processo

nominal será utilizado: I – nos casos em que seja exigido quórum especial de

votação; II – por deliberação do Plenário, a requerimento de qualquer

Deputado; III – quando houver pedido de verificação de votação, respeitado

o que prescreve o § 4º do artigo anterior; IV – nos demais casos expressos

neste Regimento. § 1º O requerimento verbal não admitirá votação nominal.

§ 2º Quando algum Deputado requerer votação nominal e a Câmara não a

conceder, será vedado requerê-la novamente para a mesma proposição, ou

para as que lhe forem acessórias.”

8

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Inteiro Teor do Acórdão - Página 72 de 215

Voto - MIN. ROBERTO BARROSO

ADI 4947 / DF

complementar prevista no texto. Convém examinar cada ponto

separadamente:

a) Interpretação do termo população

17. A primeira indagação diz respeito à adequada leitura do

termo população, utilizada como referência para definição das bancadas

estaduais e distrital na Câmara dos Deputados. Sustenta-se que se deveria

entender incluídos apenas os eleitores, e não os habitantes, de forma geral.

18. A afirmação não procede. O povo é formado pelo conjunto

de todos os brasileiros – i.e., de todos os membros da sociedade política –,

aqueles em cujo nome se decide. Os representados, portanto, são os

brasileiros, que excedem em número os eleitores. Como bem ressalta José

Afonso da Silva, não se pode confundir o povo – “coletivo que exprime os

membros da sociedade estatal” – com o corpo eleitoral, “que não constitui o

povo, mas simples técnica de designação de agentes governamentais por via

eleitoral”9.

19. Apesar disso, para quantificar os mandatos parlamentares,

a Constituição adota um critério ligeiramente diferente, de índole

demográfica: a população, i.e., o número de habitantes10

. Assim se passa,

e.g., na composição das Câmaras Municipais (CF/88, art. 29, IV) e da

primeira Assembleia Legislativa de um Estado recém-criado (CF/88, art.

235, I). Além de ser esse o sentido da palavra população, utilizada

textualmente pelo art. 45, § 1º, da Carta, não seria boa técnica

interpretativa extrair dois critérios diferentes para tratar do mesmo tema

(a definição do número de vagas disputadas nas eleições).

20. Dessa forma, considerando que o critério adotado pelos

diplomas impugnados não foi outro senão o populacional, também nesta

9 José Afonso da Silva, Comentário contextual à Constituição, 2007, p. 389.

10 Michel Temer, Elementos de direito constitucional, 2010, p. 128.

9

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Supremo Tribunal Federal

ADI 4947 / DF

complementar prevista no texto. Convém examinar cada ponto

separadamente:

a) Interpretação do termo população

17. A primeira indagação diz respeito à adequada leitura do

termo população, utilizada como referência para definição das bancadas

estaduais e distrital na Câmara dos Deputados. Sustenta-se que se deveria

entender incluídos apenas os eleitores, e não os habitantes, de forma geral.

18. A afirmação não procede. O povo é formado pelo conjunto

de todos os brasileiros – i.e., de todos os membros da sociedade política –,

aqueles em cujo nome se decide. Os representados, portanto, são os

brasileiros, que excedem em número os eleitores. Como bem ressalta José

Afonso da Silva, não se pode confundir o povo – “coletivo que exprime os

membros da sociedade estatal” – com o corpo eleitoral, “que não constitui o

povo, mas simples técnica de designação de agentes governamentais por via

eleitoral”9.

19. Apesar disso, para quantificar os mandatos parlamentares,

a Constituição adota um critério ligeiramente diferente, de índole

demográfica: a população, i.e., o número de habitantes10

. Assim se passa,

e.g., na composição das Câmaras Municipais (CF/88, art. 29, IV) e da

primeira Assembleia Legislativa de um Estado recém-criado (CF/88, art.

235, I). Além de ser esse o sentido da palavra população, utilizada

textualmente pelo art. 45, § 1º, da Carta, não seria boa técnica

interpretativa extrair dois critérios diferentes para tratar do mesmo tema

(a definição do número de vagas disputadas nas eleições).

20. Dessa forma, considerando que o critério adotado pelos

diplomas impugnados não foi outro senão o populacional, também nesta

9 José Afonso da Silva, Comentário contextual à Constituição, 2007, p. 389.

10 Michel Temer, Elementos de direito constitucional, 2010, p. 128.

9

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Inteiro Teor do Acórdão - Página 73 de 215

Voto - MIN. ROBERTO BARROSO

ADI 4947 / DF

parte o pedido deve ser julgado improcedente.

b) A reserva de lei complementar

21. Chegamos, então, à tese em que se contrapõem mais

claramente as posições do Ministro Gilmar Mendes e a da Ministra Rosa

Weber. Não é fora de propósito a interpretação de que somente a lei

complementar poderia fixar o número de representantes de cada Estado

na Câmara dos Deputados. Diria até que essa é a leitura mais óbvia da

textualidade do dispositivo. Apesar disso, e com todas as vênias da

eminente Ministra Rosa Weber, penso que não seja a melhor leitura.

22. Sobre a interpretação literal, Presidente, eu sempre me

lembro de uma passagem inspirada e espirituosa do Ministro Luiz

Gallotti, que honrou este Tribunal como magistrado. Remetendo a uma

famosa obra de Stendhal, La chartreuse de Parme, Sua Excelência dizia que

havia sido pela interpretação literal que Clélia, havendo feito um voto a

Nossa Senhora de que não mais veria o seu amante Fabrício, passou a

recebê-lo na mais absoluta escuridão, supondo que assim estivesse

cumprindo o compromisso. Ou seja: embora relevante, a interpretação

literal nem sempre oferece a melhor solução. É o que, a meu ver, acontece

neste caso. Afirmo isso por algumas razões.

23. Como referido, o processo democrático não permite a sua

integral submissão aos interesses do grupo dominante, como se fosse

uma questão de mera conveniência política. É isso o que justifica, aliás, a

própria existência da Justiça Eleitoral e sua competência ampla para

conduzir as eleições, desde a verificação das elegibilidades até a

verificação de eventuais abusos de poder econômico, inclusive após a

apuração final dos resultados. Essa é uma questão de princípio: é normal

que as maiorias prevaleçam razoavelmente nas deliberações legislativas

que se seguirão, mas as regras do jogo não estão à disposição das

vontades políticas ordinárias. Dessa forma, é normal, esperado e razoável

10

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Supremo Tribunal Federal

ADI 4947 / DF

parte o pedido deve ser julgado improcedente.

b) A reserva de lei complementar

21. Chegamos, então, à tese em que se contrapõem mais

claramente as posições do Ministro Gilmar Mendes e a da Ministra Rosa

Weber. Não é fora de propósito a interpretação de que somente a lei

complementar poderia fixar o número de representantes de cada Estado

na Câmara dos Deputados. Diria até que essa é a leitura mais óbvia da

textualidade do dispositivo. Apesar disso, e com todas as vênias da

eminente Ministra Rosa Weber, penso que não seja a melhor leitura.

22. Sobre a interpretação literal, Presidente, eu sempre me

lembro de uma passagem inspirada e espirituosa do Ministro Luiz

Gallotti, que honrou este Tribunal como magistrado. Remetendo a uma

famosa obra de Stendhal, La chartreuse de Parme, Sua Excelência dizia que

havia sido pela interpretação literal que Clélia, havendo feito um voto a

Nossa Senhora de que não mais veria o seu amante Fabrício, passou a

recebê-lo na mais absoluta escuridão, supondo que assim estivesse

cumprindo o compromisso. Ou seja: embora relevante, a interpretação

literal nem sempre oferece a melhor solução. É o que, a meu ver, acontece

neste caso. Afirmo isso por algumas razões.

23. Como referido, o processo democrático não permite a sua

integral submissão aos interesses do grupo dominante, como se fosse

uma questão de mera conveniência política. É isso o que justifica, aliás, a

própria existência da Justiça Eleitoral e sua competência ampla para

conduzir as eleições, desde a verificação das elegibilidades até a

verificação de eventuais abusos de poder econômico, inclusive após a

apuração final dos resultados. Essa é uma questão de princípio: é normal

que as maiorias prevaleçam razoavelmente nas deliberações legislativas

que se seguirão, mas as regras do jogo não estão à disposição das

vontades políticas ordinárias. Dessa forma, é normal, esperado e razoável

10

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Inteiro Teor do Acórdão - Página 74 de 215

Voto - MIN. ROBERTO BARROSO

ADI 4947 / DF

– para não dizer melhor – que o encarregado de distribuir as cadeiras na

Câmara não seja um órgão político-partidário, mas uma autoridade

imparcial e isenta.

24. Isso conduz a outro elemento relevante: a Constituição não

confere ao Congresso Nacional uma competência amplamente

discricionária nesta matéria. Apesar de não descer às minúcias do tema, a

Carta estabelece parâmetros objetivos a serem observados, o que transfere

a disciplina do tema do campo da pura criação jurídica para o espaço

mais limitado da aplicação dos critérios constitucionais. Com efeito, as

bancadas devem ser proporcionais à população de cada Estado e do

Distrito Federal, o que se faz por operações matemáticas, tendo em vista a

definição legislativa do total de Deputados e o mínimo de 8 (oito) e o

máximo de 70 (setenta) parlamentares por bancada. Ademais, diante da

relativa rigidez das leis complementares – que exigem maioria absoluta

para sua aprovação –, seria no mínimo estranho que a Carta demandasse

uma nova lei complementar a cada quatro anos, apenas para que se

promovessem os ajustes impostos pelas alterações demográficas11

. Essa

interpretação já foi acolhida por este Tribunal quando do julgamento do

no MI 233/DF, relatado pelo Ministro Moreira Alves, insuspeito de

qualquer ativismo excessivo. Na ocasião, afirmou o Relator:

“Portanto, desse preceito [o art. 45, § 1º, da Carta] decorre

que há necessidade da edição de uma Lei Complementar para a

fixação inicial do número total de deputados e da representação

por Estado e pelo Distrito Federal, não podendo esta ser inferior

a 8 nem superior a 70 deputados, tendo em vista o critério da

proporcionalidade em face das populações. Já quanto aos ajustes necessários à manutenção dessa proporcionalidade, far-se-ão eles, no ano anterior às eleições, segundo o

11 Carlos Mário da Silva Velloso, Câmara dos Deputados. Sistema

proporcional. Fixação do número de vagas para cada unidade da Federação.

Constitucionalidade da Lei Complementar nº 78, de 1993, e da Resolução TSE nº

23.389, de 2013 (Parecer), 2013, p. 31.

11

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– para não dizer melhor – que o encarregado de distribuir as cadeiras na

Câmara não seja um órgão político-partidário, mas uma autoridade

imparcial e isenta.

24. Isso conduz a outro elemento relevante: a Constituição não

confere ao Congresso Nacional uma competência amplamente

discricionária nesta matéria. Apesar de não descer às minúcias do tema, a

Carta estabelece parâmetros objetivos a serem observados, o que transfere

a disciplina do tema do campo da pura criação jurídica para o espaço

mais limitado da aplicação dos critérios constitucionais. Com efeito, as

bancadas devem ser proporcionais à população de cada Estado e do

Distrito Federal, o que se faz por operações matemáticas, tendo em vista a

definição legislativa do total de Deputados e o mínimo de 8 (oito) e o

máximo de 70 (setenta) parlamentares por bancada. Ademais, diante da

relativa rigidez das leis complementares – que exigem maioria absoluta

para sua aprovação –, seria no mínimo estranho que a Carta demandasse

uma nova lei complementar a cada quatro anos, apenas para que se

promovessem os ajustes impostos pelas alterações demográficas11

. Essa

interpretação já foi acolhida por este Tribunal quando do julgamento do

no MI 233/DF, relatado pelo Ministro Moreira Alves, insuspeito de

qualquer ativismo excessivo. Na ocasião, afirmou o Relator:

“Portanto, desse preceito [o art. 45, § 1º, da Carta] decorre

que há necessidade da edição de uma Lei Complementar para a

fixação inicial do número total de deputados e da representação

por Estado e pelo Distrito Federal, não podendo esta ser inferior

a 8 nem superior a 70 deputados, tendo em vista o critério da

proporcionalidade em face das populações. Já quanto aos ajustes necessários à manutenção dessa proporcionalidade, far-se-ão eles, no ano anterior às eleições, segundo o

11 Carlos Mário da Silva Velloso, Câmara dos Deputados. Sistema

proporcional. Fixação do número de vagas para cada unidade da Federação.

Constitucionalidade da Lei Complementar nº 78, de 1993, e da Resolução TSE nº

23.389, de 2013 (Parecer), 2013, p. 31.

11

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Inteiro Teor do Acórdão - Página 75 de 215

Voto - MIN. ROBERTO BARROSO

ADI 4947 / DF

procedimento a ser estabelecido nessa mesma Lei Complementar, certo como é que não é sequer razoável sustentar que o texto constitucional tenha pretendido, implicitamente, que se fizessem eles apenas por Leis Complementares sucessivas, nos anos anteriores às eleições para deputado.” (negrito acrescentado)

25. Em outras palavras: o art. 45, § 1º, da Constituição exige

que a lei complementar discipline a matéria, mas não impõe (ou reserva)

ao Congresso a promoção dos ajustes necessários antes das eleições. Por

afinidade material, essa incumbência recai sob a responsabilidade da

Justiça Eleitoral. Recorrendo novamente a José Afonso da Silva, pode-se

dizer que “[a] Constituição não fixa o número total de deputados federais,

deixando isso e a representação por Estado e pelo Distrito Federal para serem

estabelecidos por lei complementar, que terá que fazê-lo em proporção à

população, determinando reajustes pela Justiça Eleitoral, em cada ano

anterior às eleições, de modo que nenhuma daquelas unidades da Federação

tenha menos de 8 ou mais de 70 deputados”12

. Na mesma linha, vale conferir o

que afirmou a Comissão de Justiça e Redação da Câmara dos Deputados,

no parecer proferido durante a apreciação do projeto que resultou na LC

nº 78/199313

:

“Por outro lado, os ‘ajustes necessários’, no ano anterior às

eleições significam, na prática, a execução de cálculos

numéricos que garantam a satisfação do mandamento

constitucional de um número mínimo de oito e máximo de

setenta deputados para os Estados e o Distrito Federal.

Seria um absurdo jurídico supor, aqui, que uma lei

12 José Afonso da Silva, Comentário contextual à Constituição, 2012, p. 397

(negrito acrescentado).

13 Extraído do parecer, já citado, do Ministro Carlos Mário da Silva

Velloso, Câmara dos Deputados. Sistema proporcional. Fixação do número de vagas

para cada unidade da Federação. Constitucionalidade da Lei Complementar nº 78, de

1993, e da Resolução TSE nº 23.389, de 2013 (Parecer), 2013, p. 31.

12

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ADI 4947 / DF

procedimento a ser estabelecido nessa mesma Lei Complementar, certo como é que não é sequer razoável sustentar que o texto constitucional tenha pretendido, implicitamente, que se fizessem eles apenas por Leis Complementares sucessivas, nos anos anteriores às eleições para deputado.” (negrito acrescentado)

25. Em outras palavras: o art. 45, § 1º, da Constituição exige

que a lei complementar discipline a matéria, mas não impõe (ou reserva)

ao Congresso a promoção dos ajustes necessários antes das eleições. Por

afinidade material, essa incumbência recai sob a responsabilidade da

Justiça Eleitoral. Recorrendo novamente a José Afonso da Silva, pode-se

dizer que “[a] Constituição não fixa o número total de deputados federais,

deixando isso e a representação por Estado e pelo Distrito Federal para serem

estabelecidos por lei complementar, que terá que fazê-lo em proporção à

população, determinando reajustes pela Justiça Eleitoral, em cada ano

anterior às eleições, de modo que nenhuma daquelas unidades da Federação

tenha menos de 8 ou mais de 70 deputados”12

. Na mesma linha, vale conferir o

que afirmou a Comissão de Justiça e Redação da Câmara dos Deputados,

no parecer proferido durante a apreciação do projeto que resultou na LC

nº 78/199313

:

“Por outro lado, os ‘ajustes necessários’, no ano anterior às

eleições significam, na prática, a execução de cálculos

numéricos que garantam a satisfação do mandamento

constitucional de um número mínimo de oito e máximo de

setenta deputados para os Estados e o Distrito Federal.

Seria um absurdo jurídico supor, aqui, que uma lei

12 José Afonso da Silva, Comentário contextual à Constituição, 2012, p. 397

(negrito acrescentado).

13 Extraído do parecer, já citado, do Ministro Carlos Mário da Silva

Velloso, Câmara dos Deputados. Sistema proporcional. Fixação do número de vagas

para cada unidade da Federação. Constitucionalidade da Lei Complementar nº 78, de

1993, e da Resolução TSE nº 23.389, de 2013 (Parecer), 2013, p. 31.

12

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Voto - MIN. ROBERTO BARROSO

ADI 4947 / DF

complementar, a cada ano anterior às eleições, necessite ser

editada para ajustar o número de representantes por Estado e

pelo Distrito Federal, quando este ajustamento representa uma

medida rotineira, quase de natureza administrativa, e que pode

ser implementada a nível de resolução, portaria ou ato.”

26. Essa afirmação vai ao encontro da premissa desenvolvida

anteriormente quanto aos papéis do Judiciário e da política ordinária na

disciplina do tema: por envolver a própria funcionalidade da democracia,

as questões envolvendo a representação política se submetem mais

diretamente à jurisdição do que ao procedimento majoritário.

27. Como observou o Ministro Gilmar Mendes, o fato de haver

a resolução do TSE não impede que o Congresso Nacional exerça sua

competência mediante edição de lei complementar, se assim lhe aprouver,

e se processo político majoritário conseguir produzir esta norma. Não

para aumentar a desproporção interna entre os Estados – o que seria

flagrantemente inconstitucional –, mas pela modificação no total de

Deputados Federais, o que produziria efeitos sobre o tamanho das

bancadas em termos absolutos. Ainda que possível em tese, uma eventual

medida como essa teria de ser analisada com muito cuidado, sobretudo

em vista do risco de aumento das disparidades já existentes na

representação dos entes locais. De toda forma, a falta de consenso no

Congresso não pode congelar a representação política e produzir uma

desproporcionalidade que viola claramente a Constituição. Até que

sobrevenha alguma mudança legislativa, a atualização ou não das

bancadas não é uma questão de escolha política livre. Daí a competência

da Justiça Eleitoral para dar aplicação às normas constitucionais e legais

vigentes.

28. Naturalmente, a delegação legislativa pode e deve ser

questionada quando ela se faça sem parâmetros. Mas, a meu ver, a Lei

Complementar nº 78/1993 atende a todas as exigências. Além de fixar o

número total de Deputados Federais, o diploma ainda definiu uma

13

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Supremo Tribunal Federal

ADI 4947 / DF

complementar, a cada ano anterior às eleições, necessite ser

editada para ajustar o número de representantes por Estado e

pelo Distrito Federal, quando este ajustamento representa uma

medida rotineira, quase de natureza administrativa, e que pode

ser implementada a nível de resolução, portaria ou ato.”

26. Essa afirmação vai ao encontro da premissa desenvolvida

anteriormente quanto aos papéis do Judiciário e da política ordinária na

disciplina do tema: por envolver a própria funcionalidade da democracia,

as questões envolvendo a representação política se submetem mais

diretamente à jurisdição do que ao procedimento majoritário.

27. Como observou o Ministro Gilmar Mendes, o fato de haver

a resolução do TSE não impede que o Congresso Nacional exerça sua

competência mediante edição de lei complementar, se assim lhe aprouver,

e se processo político majoritário conseguir produzir esta norma. Não

para aumentar a desproporção interna entre os Estados – o que seria

flagrantemente inconstitucional –, mas pela modificação no total de

Deputados Federais, o que produziria efeitos sobre o tamanho das

bancadas em termos absolutos. Ainda que possível em tese, uma eventual

medida como essa teria de ser analisada com muito cuidado, sobretudo

em vista do risco de aumento das disparidades já existentes na

representação dos entes locais. De toda forma, a falta de consenso no

Congresso não pode congelar a representação política e produzir uma

desproporcionalidade que viola claramente a Constituição. Até que

sobrevenha alguma mudança legislativa, a atualização ou não das

bancadas não é uma questão de escolha política livre. Daí a competência

da Justiça Eleitoral para dar aplicação às normas constitucionais e legais

vigentes.

28. Naturalmente, a delegação legislativa pode e deve ser

questionada quando ela se faça sem parâmetros. Mas, a meu ver, a Lei

Complementar nº 78/1993 atende a todas as exigências. Além de fixar o

número total de Deputados Federais, o diploma ainda definiu uma

13

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Voto - MIN. ROBERTO BARROSO

ADI 4947 / DF

relação aritmética específica: o Estado mais populoso terá sempre 70

(setenta) Deputados. No momento em que foi produzida, a lei

complementar esgotou inteiramente a matéria: a representação estadual e

distrital já contava com 503 (quinhentos e três) Deputados Federais,

sendo que 60 (sessenta) deles eram de São Paulo14

; a lei aumentou o total

em dez – passou a 513 (quinhentos e treze) –, sendo que as novas vagas

foram todas atribuídas à bancada paulista. Não houve, assim, qualquer

delegação de competência normativa para o Tribunal Superior Eleitoral.

No entanto, e levando em conta o caráter dinâmico das populações

estaduais, o legislador federal – tal como previa a Constituição –

determinou que a Justiça Eleitoral promovesse os ajustes anteriores às

eleições com base nos dados passados pelo IBGE. Vale dizer: ao Tribunal

Superior Eleitoral (TSE) cabe simplesmente observar os parâmetros

constitucionais e legais na redistribuição das vagas na Câmara dos

Deputados.

29. E aqui se deve ter o cuidado de não se cair em um erro

singelo. O simples fato de haver mais de uma interpretação possível da

lei e da Constituição não transforma a atividade hermenêutica em uma

manifestação de decisionismo. Como o Poder Judiciário em geral, a

Justiça Eleitoral deve sempre justificar as suas opções interpretativas,

expondo-se à crítica pública e aos meios de impugnação eventualmente

aplicáveis. Nem o caráter sintético do diploma legal nem o debate jurídico

sobre a sua melhor interpretação conduzem à conclusão de que o

legislador teria conferido poderes excessivos ao TSE.

30. Apenas para registro, vale notar que o TSE foi bastante

prudente, do ponto de vista técnico, na interpretação dos comandos

aplicáveis. Considerando que a LC nº 78/1993 não teria esgotado o

assunto, os Ministros do TSE recorreram a outro diploma, igualmente

pertinente no caso: o Código Eleitoral (Lei nº 4.737/1965), que traz normas

bastante específicas quanto à distribuição proporcional (por partidos) dos

14 Resolução/TSE nº 16.339/1990.

14

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Supremo Tribunal Federal

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relação aritmética específica: o Estado mais populoso terá sempre 70

(setenta) Deputados. No momento em que foi produzida, a lei

complementar esgotou inteiramente a matéria: a representação estadual e

distrital já contava com 503 (quinhentos e três) Deputados Federais,

sendo que 60 (sessenta) deles eram de São Paulo14

; a lei aumentou o total

em dez – passou a 513 (quinhentos e treze) –, sendo que as novas vagas

foram todas atribuídas à bancada paulista. Não houve, assim, qualquer

delegação de competência normativa para o Tribunal Superior Eleitoral.

No entanto, e levando em conta o caráter dinâmico das populações

estaduais, o legislador federal – tal como previa a Constituição –

determinou que a Justiça Eleitoral promovesse os ajustes anteriores às

eleições com base nos dados passados pelo IBGE. Vale dizer: ao Tribunal

Superior Eleitoral (TSE) cabe simplesmente observar os parâmetros

constitucionais e legais na redistribuição das vagas na Câmara dos

Deputados.

29. E aqui se deve ter o cuidado de não se cair em um erro

singelo. O simples fato de haver mais de uma interpretação possível da

lei e da Constituição não transforma a atividade hermenêutica em uma

manifestação de decisionismo. Como o Poder Judiciário em geral, a

Justiça Eleitoral deve sempre justificar as suas opções interpretativas,

expondo-se à crítica pública e aos meios de impugnação eventualmente

aplicáveis. Nem o caráter sintético do diploma legal nem o debate jurídico

sobre a sua melhor interpretação conduzem à conclusão de que o

legislador teria conferido poderes excessivos ao TSE.

30. Apenas para registro, vale notar que o TSE foi bastante

prudente, do ponto de vista técnico, na interpretação dos comandos

aplicáveis. Considerando que a LC nº 78/1993 não teria esgotado o

assunto, os Ministros do TSE recorreram a outro diploma, igualmente

pertinente no caso: o Código Eleitoral (Lei nº 4.737/1965), que traz normas

bastante específicas quanto à distribuição proporcional (por partidos) dos

14 Resolução/TSE nº 16.339/1990.

14

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Inteiro Teor do Acórdão - Página 78 de 215

Voto - MIN. ROBERTO BARROSO

ADI 4947 / DF

assentos na Câmara dos Deputados (art. 106 e ss.). Assim, em vez de criar

critérios próprios, o Tribunal Superior Eleitoral valeu-se da integração por

analogia (LINDB, art. 4º), invocando normas muito afins ao tema que se

lhe apresentava. E tudo isso – ressalte-se – para pôr fim a uma situação

inequivocamente inconstitucional de congelamento prolongado da

representação dos Estados e do Distrito Federal. Aqui, mais do que em

outras matérias, a inércia era apenas aparente: a imutabilidade das

bancadas não preserva o status quo político. Ao revés, aprofundava a

desproporção já existente em favor daqueles entes a quem não

interessava a exigência constitucional de proporcionalidade. A

Constituição exige ajustes e a Justiça Eleitoral os promoveu. Sem inventar;

recorrendo a normas já vigentes. Trata-se de uma operação jurídica

normal e bastante simples. Sua ousadia está nos interesses a que se

contrapôs e na coragem de fazê-lo; não na técnica de decisão.

31. Diante desse quadro, não vejo qualquer

inconstitucionalidade, seja na Lei Complementar nº 78/1993, seja na

Resolução/TSE nº 23.389/2013, no que se refere à alegação de afronta ao

art. 45 da Constituição Federal. Justamente ao contrário: os diplomas

impugnados vieram restabelecer a força normativa do art. 45, § 1°,

longamente paralisada pelo congelamento das bancadas. Pelas mesmas

razões, não vejo afronta ao princípio da legalidade, delegação sem

parâmetros ou excesso de poder regulamentar.

II.3. Interpretação do art. 4º, § 2º, do ADCT

32. O último ponto a ser debatido quanto à lei complementar e

a resolução diz respeito à alegação de ofensa ao art. 4º, § 2º, do Ato das

Disposições Constitucionais Transitórias. Confira-se o teor do dispositivo:

“Art. 4º. O mandato do atual Presidente da República

terminará em 15 de março de 1990.

§ 1º. A primeira eleição para Presidente da República após

a promulgação da Constituição será realizada no dia 15 de

15

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Supremo Tribunal Federal

ADI 4947 / DF

assentos na Câmara dos Deputados (art. 106 e ss.). Assim, em vez de criar

critérios próprios, o Tribunal Superior Eleitoral valeu-se da integração por

analogia (LINDB, art. 4º), invocando normas muito afins ao tema que se

lhe apresentava. E tudo isso – ressalte-se – para pôr fim a uma situação

inequivocamente inconstitucional de congelamento prolongado da

representação dos Estados e do Distrito Federal. Aqui, mais do que em

outras matérias, a inércia era apenas aparente: a imutabilidade das

bancadas não preserva o status quo político. Ao revés, aprofundava a

desproporção já existente em favor daqueles entes a quem não

interessava a exigência constitucional de proporcionalidade. A

Constituição exige ajustes e a Justiça Eleitoral os promoveu. Sem inventar;

recorrendo a normas já vigentes. Trata-se de uma operação jurídica

normal e bastante simples. Sua ousadia está nos interesses a que se

contrapôs e na coragem de fazê-lo; não na técnica de decisão.

31. Diante desse quadro, não vejo qualquer

inconstitucionalidade, seja na Lei Complementar nº 78/1993, seja na

Resolução/TSE nº 23.389/2013, no que se refere à alegação de afronta ao

art. 45 da Constituição Federal. Justamente ao contrário: os diplomas

impugnados vieram restabelecer a força normativa do art. 45, § 1°,

longamente paralisada pelo congelamento das bancadas. Pelas mesmas

razões, não vejo afronta ao princípio da legalidade, delegação sem

parâmetros ou excesso de poder regulamentar.

II.3. Interpretação do art. 4º, § 2º, do ADCT

32. O último ponto a ser debatido quanto à lei complementar e

a resolução diz respeito à alegação de ofensa ao art. 4º, § 2º, do Ato das

Disposições Constitucionais Transitórias. Confira-se o teor do dispositivo:

“Art. 4º. O mandato do atual Presidente da República

terminará em 15 de março de 1990.

§ 1º. A primeira eleição para Presidente da República após

a promulgação da Constituição será realizada no dia 15 de

15

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Inteiro Teor do Acórdão - Página 79 de 215

Voto - MIN. ROBERTO BARROSO

ADI 4947 / DF

novembro de 1989, não se lhe aplicando o disposto no art. 16 da

Constituição.

§ 2º. É assegurada a irredutibilidade da atual representação dos Estados e do Distrito Federal na Câmara dos Deputados.

§ 3º. Os mandatos dos Governadores e dos Vice-

Governadores eleitos em 15 de novembro de 1986 terminarão

em 15 de março de 1991.

§ 4º. Os mandatos dos atuais Prefeitos, Vice-Prefeitos e

Vereadores terminarão no dia 1º de janeiro de 1989, com a posse

dos eleitos.”

33. Também aqui, há duas formas de interpretar esse

dispositivo: (i) compreendê-lo como uma norma permanente mal situada

no ADCT, garantindo a cada Estado e ao Distrito Federal o direito de

manter, para sempre, o número de Deputados que tinham em 1988; ou

(ii) vê-lo como uma norma transitória, aplicável apenas durante algum

período específico. Com o respeito devido a quem pense diferentemente,

a segunda opção é muito mais consistente com o sistema constitucional e

com a própria lógica.

34. De início, não é irrelevante o fato de o dispositivo integrar

o conjunto de disposições transitórias. Ainda que haja artigos do ADCT que

produzem efeitos de forma continuada, essa não é, certamente, a

presunção natural. Não se trata, portanto, de mero apego à topografia –

embora, neste caso, ela pareça bastante elucidativa. Aprofundando essa

primeira impressão, o exame do processo constituinte permite constatar

que a localização desse dispositivo decorreu de uma opção deliberada:

nas primeiras versões da Carta, a previsão de que se trata estava inserida

no que hoje corresponde ao art. 45, § 1º, da Constituição; a sua

transferência para o ADCT ocorreu por proposta do Relator na Comissão

de Sistematização, Constituinte Bernardo Cabral. Extrai-se do Relatório

Geral do Projeto de Constituição (B)15

:

15 Assembleia Nacional Constituinte, Comissão de Sistematização,

16

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Supremo Tribunal Federal

ADI 4947 / DF

novembro de 1989, não se lhe aplicando o disposto no art. 16 da

Constituição.

§ 2º. É assegurada a irredutibilidade da atual representação dos Estados e do Distrito Federal na Câmara dos Deputados.

§ 3º. Os mandatos dos Governadores e dos Vice-

Governadores eleitos em 15 de novembro de 1986 terminarão

em 15 de março de 1991.

§ 4º. Os mandatos dos atuais Prefeitos, Vice-Prefeitos e

Vereadores terminarão no dia 1º de janeiro de 1989, com a posse

dos eleitos.”

33. Também aqui, há duas formas de interpretar esse

dispositivo: (i) compreendê-lo como uma norma permanente mal situada

no ADCT, garantindo a cada Estado e ao Distrito Federal o direito de

manter, para sempre, o número de Deputados que tinham em 1988; ou

(ii) vê-lo como uma norma transitória, aplicável apenas durante algum

período específico. Com o respeito devido a quem pense diferentemente,

a segunda opção é muito mais consistente com o sistema constitucional e

com a própria lógica.

34. De início, não é irrelevante o fato de o dispositivo integrar

o conjunto de disposições transitórias. Ainda que haja artigos do ADCT que

produzem efeitos de forma continuada, essa não é, certamente, a

presunção natural. Não se trata, portanto, de mero apego à topografia –

embora, neste caso, ela pareça bastante elucidativa. Aprofundando essa

primeira impressão, o exame do processo constituinte permite constatar

que a localização desse dispositivo decorreu de uma opção deliberada:

nas primeiras versões da Carta, a previsão de que se trata estava inserida

no que hoje corresponde ao art. 45, § 1º, da Constituição; a sua

transferência para o ADCT ocorreu por proposta do Relator na Comissão

de Sistematização, Constituinte Bernardo Cabral. Extrai-se do Relatório

Geral do Projeto de Constituição (B)15

:

15 Assembleia Nacional Constituinte, Comissão de Sistematização,

16

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Inteiro Teor do Acórdão - Página 80 de 215

Voto - MIN. ROBERTO BARROSO

ADI 4947 / DF

“Essas regras [de técnica legislativa adotadas] são, em

resumo, as seguintes:

[...]

7. Nos artigos que exijam desdobramentos numerosos,

deve-se agrupar, tanto quanto possível, os parágrafos, incisos e

alíneas sobre assuntos correlatos.

8. Disposições transitórias não cabem entre as de caráter permanente e vice-versa.

[...]

Art. 46, § lº: Transpus para o Ato das Disposições Transitórias a parte final do dispositivo que assegura a irredutibilidade das representações dos Estados e do Distrito Federal na atual legislatura.

[...]

As normas de caráter transitório aprovadas no curso de votação dos diversos títulos do texto permanente e aquelas acolhidas quando da discussão do Ato, englobei-as neste segmento final do Projeto.

Umas e outras mereceram tratamento semelhante ao

dispensado às que integram os demais títulos, obedecidas as regras fixadas no início deste relatório.” (negrito acrescentado)

35. Como se vê, não foi por acaso ou deslize técnico que a

irredutibilidade da representação foi incluída no ADCT, em um artigo

que cuida da transição de regimes. A localização da norma atende

precisamente ao seu caráter transitório – caráter este, aliás, que já foi

reconhecido por esta Corte no já citado MI 233/DF, relatado pelo Ministro

Moreira Alves. Confira-se a ementa do julgado:

“- Mandado de Injunção. Aumento do numero de

Projeto de Constituição (B) – 2º turno. Presidente: Constituinte Ulysses

Guimarães. Relator: Constituinte Bernardo Cabral. Disponível em:

<http://www.camara.gov.br/internet/constituicao20anos/DocumentosAvulsos

/vol-299.pdf>. Acesso em: 9 jun. 2014.

17

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Supremo Tribunal Federal

ADI 4947 / DF

“Essas regras [de técnica legislativa adotadas] são, em

resumo, as seguintes:

[...]

7. Nos artigos que exijam desdobramentos numerosos,

deve-se agrupar, tanto quanto possível, os parágrafos, incisos e

alíneas sobre assuntos correlatos.

8. Disposições transitórias não cabem entre as de caráter permanente e vice-versa.

[...]

Art. 46, § lº: Transpus para o Ato das Disposições Transitórias a parte final do dispositivo que assegura a irredutibilidade das representações dos Estados e do Distrito Federal na atual legislatura.

[...]

As normas de caráter transitório aprovadas no curso de votação dos diversos títulos do texto permanente e aquelas acolhidas quando da discussão do Ato, englobei-as neste segmento final do Projeto.

Umas e outras mereceram tratamento semelhante ao

dispensado às que integram os demais títulos, obedecidas as regras fixadas no início deste relatório.” (negrito acrescentado)

35. Como se vê, não foi por acaso ou deslize técnico que a

irredutibilidade da representação foi incluída no ADCT, em um artigo

que cuida da transição de regimes. A localização da norma atende

precisamente ao seu caráter transitório – caráter este, aliás, que já foi

reconhecido por esta Corte no já citado MI 233/DF, relatado pelo Ministro

Moreira Alves. Confira-se a ementa do julgado:

“- Mandado de Injunção. Aumento do numero de

Projeto de Constituição (B) – 2º turno. Presidente: Constituinte Ulysses

Guimarães. Relator: Constituinte Bernardo Cabral. Disponível em:

<http://www.camara.gov.br/internet/constituicao20anos/DocumentosAvulsos

/vol-299.pdf>. Acesso em: 9 jun. 2014.

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Inteiro Teor do Acórdão - Página 81 de 215

Voto - MIN. ROBERTO BARROSO

ADI 4947 / DF

Deputados Federais. Auto-aplicabilidade do paragrafo 1º do

artigo 45, da Constituição. Exegese desse dispositivo e do

paragrafo 2º do artigo 4º do Ato das Disposições

Constitucionais Transitórias. Hipótese de convocação de

suplentes de Deputados Federais. Ilegitimidade ativa dos

suplentes.

- O parágrafo 1º do artigo 45 da Constituição Federal,

como resulta claramente de seu próprio texto, não é auto-

aplicável. A interposição de mandado de injunção, que visa a

compelir o Congresso Nacional a editar a lei complementar a

que se refere esse dispositivo, não se concilia, por incoerência,

com a afirmação de sua auto-aplicabilidade, a depender apenas

de atos executórios da Câmara dos Deputados.

- Por outro lado, quando o texto do parágrafo 1º do artigo

45 da Constituição manda proceder, no ano anterior as eleições,

aos reajustes necessários nos números de deputados fixados na

lei complementar de que ela cuida, não permite a conclusão de

que essa alteração inicial na composição da Câmara dos

Deputados atinja a legislatura em curso, com o preenchimento

das vagas criadas, pela convocação de suplentes. Essa exegese, que emerge clara do texto do citado dispositivo, que só tem aplicação a eleições subsequentes a edição da lei complementar, é também confirmada pelo disposto no parágrafo 2º do artigo 4º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, que prevê a irredutibilidade do numero atual de representantes das unidades federativas na Câmara Federal, na legislatura imediata.

[...]

- Ocorrência, portanto, de falta de ‘legitimatio ad causam’

dos autores. Mandado de Injunção não conhecido.” (sublinhado

no original; negrito acrescentado)

36. Em seu voto, registra o Relator:

“Com efeito, [...] esse preceito [o art. 4º, § 2º, do ADCT]

admite outras interpretações que não a de que a

18

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Supremo Tribunal Federal

ADI 4947 / DF

Deputados Federais. Auto-aplicabilidade do paragrafo 1º do

artigo 45, da Constituição. Exegese desse dispositivo e do

paragrafo 2º do artigo 4º do Ato das Disposições

Constitucionais Transitórias. Hipótese de convocação de

suplentes de Deputados Federais. Ilegitimidade ativa dos

suplentes.

- O parágrafo 1º do artigo 45 da Constituição Federal,

como resulta claramente de seu próprio texto, não é auto-

aplicável. A interposição de mandado de injunção, que visa a

compelir o Congresso Nacional a editar a lei complementar a

que se refere esse dispositivo, não se concilia, por incoerência,

com a afirmação de sua auto-aplicabilidade, a depender apenas

de atos executórios da Câmara dos Deputados.

- Por outro lado, quando o texto do parágrafo 1º do artigo

45 da Constituição manda proceder, no ano anterior as eleições,

aos reajustes necessários nos números de deputados fixados na

lei complementar de que ela cuida, não permite a conclusão de

que essa alteração inicial na composição da Câmara dos

Deputados atinja a legislatura em curso, com o preenchimento

das vagas criadas, pela convocação de suplentes. Essa exegese, que emerge clara do texto do citado dispositivo, que só tem aplicação a eleições subsequentes a edição da lei complementar, é também confirmada pelo disposto no parágrafo 2º do artigo 4º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, que prevê a irredutibilidade do numero atual de representantes das unidades federativas na Câmara Federal, na legislatura imediata.

[...]

- Ocorrência, portanto, de falta de ‘legitimatio ad causam’

dos autores. Mandado de Injunção não conhecido.” (sublinhado

no original; negrito acrescentado)

36. Em seu voto, registra o Relator:

“Com efeito, [...] esse preceito [o art. 4º, § 2º, do ADCT]

admite outras interpretações que não a de que a

18

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Inteiro Teor do Acórdão - Página 82 de 215

Voto - MIN. ROBERTO BARROSO

ADI 4947 / DF

irredutibilidade da representação atual dos Estados e do

Distrito Federal seria necessariamente apenas nesta legislatura

em curso [...]. Essa interpretação restritiva [...] reduziria o

preceito transitório a uma redundância inexplicável (proibir a

cassação legal de deputados que já estariam protegidos dela

pelo princípio constitucional do respeito ao direito adquirido

pela lei nova), o que só seria admissível se não houvesse outra

interpretação mais plausível. E, no caso, há. De feito, o preceito transitório, ao aludir à irredutibilidade da atual representação dos Estados e do Distrito Federal, torna, sem dúvida alguma, irredutível o número atual dos representantes dessas unidades federativas, mas não limita essa irredutibilidade à presente legislatura, nada impedindo – o que, aliás, resulta da interpretação sistemática, levando-se em conta o disposto no § 1º do artigo 45 – que essa irredutibilidade seja um limite transitório para a fixação inicial, pela Lei Complementar, dessas representações, a fim de que não sofram diminuição em virtude da nova proporcionalidade.” (negrito acrescentado)

37. Em outras palavras: o art. 4º, § 2º, do ADCT dizia respeito

ao regime transitório vigente até a edição da lei complementar reclamada

pelo art. 45, § 1º, da Constituição Federal. Uma vez definida a nova

proporcionalidade, nos termos da parte permanente da Carta, o preceito

transitório esgotou a sua eficácia; a relação de representatividade passou

a ser medida pelos parâmetros do mencionado art. 45, § 1º, e pelas

normas da lei complementar que ele prevê.

38. Por fim, muito mais importante do que essa incursão na

história legislativa é a constatação de que a irredutibilidade das bancadas

tornaria virtualmente impossível a manutenção da necessária

proporcionalidade entre estas e as respectivas populações – essa sim uma

exigência do sistema constitucional permanente, contida em norma

expressa e decorrente da igualdade política dos cidadãos. Considerado o

limite total de Deputados na Câmara, a única forma de fazer ajustes é

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Supremo Tribunal Federal

ADI 4947 / DF

irredutibilidade da representação atual dos Estados e do

Distrito Federal seria necessariamente apenas nesta legislatura

em curso [...]. Essa interpretação restritiva [...] reduziria o

preceito transitório a uma redundância inexplicável (proibir a

cassação legal de deputados que já estariam protegidos dela

pelo princípio constitucional do respeito ao direito adquirido

pela lei nova), o que só seria admissível se não houvesse outra

interpretação mais plausível. E, no caso, há. De feito, o preceito transitório, ao aludir à irredutibilidade da atual representação dos Estados e do Distrito Federal, torna, sem dúvida alguma, irredutível o número atual dos representantes dessas unidades federativas, mas não limita essa irredutibilidade à presente legislatura, nada impedindo – o que, aliás, resulta da interpretação sistemática, levando-se em conta o disposto no § 1º do artigo 45 – que essa irredutibilidade seja um limite transitório para a fixação inicial, pela Lei Complementar, dessas representações, a fim de que não sofram diminuição em virtude da nova proporcionalidade.” (negrito acrescentado)

37. Em outras palavras: o art. 4º, § 2º, do ADCT dizia respeito

ao regime transitório vigente até a edição da lei complementar reclamada

pelo art. 45, § 1º, da Constituição Federal. Uma vez definida a nova

proporcionalidade, nos termos da parte permanente da Carta, o preceito

transitório esgotou a sua eficácia; a relação de representatividade passou

a ser medida pelos parâmetros do mencionado art. 45, § 1º, e pelas

normas da lei complementar que ele prevê.

38. Por fim, muito mais importante do que essa incursão na

história legislativa é a constatação de que a irredutibilidade das bancadas

tornaria virtualmente impossível a manutenção da necessária

proporcionalidade entre estas e as respectivas populações – essa sim uma

exigência do sistema constitucional permanente, contida em norma

expressa e decorrente da igualdade política dos cidadãos. Considerado o

limite total de Deputados na Câmara, a única forma de fazer ajustes é

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Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. Odocumento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 6770414.

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Voto - MIN. ROBERTO BARROSO

ADI 4947 / DF

com a redução de bancadas16

. A hipótese é de “soma zero”: o que uma

bancada ganha, outra deve perder; não fosse assim – i.e., se algum Estado

ganhasse Deputados sem que outro os perdesse –, o número total de

parlamentares aumentaria, o que é vedado pela Constituição.

39. Em verdade, nem mesmo aumentos constantes seriam

capazes de resolver o problema, uma vez que a Constituição impõe a

definição das bancadas pela comparação relativa e não como grandezas

absolutas, e isso após já haver fixado a quantidade mínima e máxima.

Assim, se a diferença populacional entre entes aumenta de forma

significativa, é impreterível que haja mudanças não-lineares nas

correspondentes bancadas. O que está em causa não é a representação

dos Estados em si mesmos – realizada paritariamente no Senado Federal

– e sim das correspondentes populações. Não há fundamento

constitucional que autorize a deturpação da lógica do sistema para dar

origem a um domínio de supostos direitos estaduais adquiridos. Estamos

concretizando o princípio democrático; não julgando uma ação

possessória.

40. Em suma, afirmar a permanente irredutibilidade das

bancadas é tornar matematicamente impossível o atendimento de um

comando constitucional claro, pelo qual se exige que a dinâmica

populacional se reflita na representação política. Diante da

impossibilidade de superar o total definido por lei complementar, o único

16 Foi o que bem observou, no parecer que proferiu na ADI 4.947, o Dr.

Roberto Gurgel, então Procurador-Geral da República (item nº 27): “A

contínua aplicação da norma da irredutibilidade, engessando o número de

Deputados por unidade federativa, negaria vigência à parte do art. 45, § 1º,

da Constituição que prevê que a representação seja proporcional à

população. Afinal, é matematicamente impossível alterar periodicamente a

representação dos Estados se for preciso observar, ao mesmo tempo, o limite

máximo de membros (513) e a irredutibilidade da representação de cada

Estado-membro.”

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Supremo Tribunal Federal

ADI 4947 / DF

com a redução de bancadas16

. A hipótese é de “soma zero”: o que uma

bancada ganha, outra deve perder; não fosse assim – i.e., se algum Estado

ganhasse Deputados sem que outro os perdesse –, o número total de

parlamentares aumentaria, o que é vedado pela Constituição.

39. Em verdade, nem mesmo aumentos constantes seriam

capazes de resolver o problema, uma vez que a Constituição impõe a

definição das bancadas pela comparação relativa e não como grandezas

absolutas, e isso após já haver fixado a quantidade mínima e máxima.

Assim, se a diferença populacional entre entes aumenta de forma

significativa, é impreterível que haja mudanças não-lineares nas

correspondentes bancadas. O que está em causa não é a representação

dos Estados em si mesmos – realizada paritariamente no Senado Federal

– e sim das correspondentes populações. Não há fundamento

constitucional que autorize a deturpação da lógica do sistema para dar

origem a um domínio de supostos direitos estaduais adquiridos. Estamos

concretizando o princípio democrático; não julgando uma ação

possessória.

40. Em suma, afirmar a permanente irredutibilidade das

bancadas é tornar matematicamente impossível o atendimento de um

comando constitucional claro, pelo qual se exige que a dinâmica

populacional se reflita na representação política. Diante da

impossibilidade de superar o total definido por lei complementar, o único

16 Foi o que bem observou, no parecer que proferiu na ADI 4.947, o Dr.

Roberto Gurgel, então Procurador-Geral da República (item nº 27): “A

contínua aplicação da norma da irredutibilidade, engessando o número de

Deputados por unidade federativa, negaria vigência à parte do art. 45, § 1º,

da Constituição que prevê que a representação seja proporcional à

população. Afinal, é matematicamente impossível alterar periodicamente a

representação dos Estados se for preciso observar, ao mesmo tempo, o limite

máximo de membros (513) e a irredutibilidade da representação de cada

Estado-membro.”

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Voto - MIN. ROBERTO BARROSO

ADI 4947 / DF

meio de atender a esse comando é redistribuir as cadeiras existentes entre

as bancadas. Repetindo o que se já disse acima: as bancadas estaduais e

distrital não são objetos de direitos adquiridos por parte das respectivas

unidades federativas. A qualidade da representação política – direito

difuso dos brasileiros – não pode ser reduzida ao interesse de ter certo

número de assentos na Câmara. Ou, muito menos, à pretensão de

consolidar um estado de crônica inconstitucionalidade.

41. Por todas essas razões, também neste ponto, considero

improcedentes os pedidos formulados nas ações diretas. Passo, então, à

ação declaratória de constitucionalidade.

III. CONCLUSÃO

42. Diante do exposto, acompanhando o voto do Ministro

Gilmar Mendes, julgo improcedentes os pedidos, declarando a

constitucionalidade da Lei Complementar nº 78/1993 e da Resolução/TSE

nº 23.389/2014.

43. É como voto.

21

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Supremo Tribunal Federal

ADI 4947 / DF

meio de atender a esse comando é redistribuir as cadeiras existentes entre

as bancadas. Repetindo o que se já disse acima: as bancadas estaduais e

distrital não são objetos de direitos adquiridos por parte das respectivas

unidades federativas. A qualidade da representação política – direito

difuso dos brasileiros – não pode ser reduzida ao interesse de ter certo

número de assentos na Câmara. Ou, muito menos, à pretensão de

consolidar um estado de crônica inconstitucionalidade.

41. Por todas essas razões, também neste ponto, considero

improcedentes os pedidos formulados nas ações diretas. Passo, então, à

ação declaratória de constitucionalidade.

III. CONCLUSÃO

42. Diante do exposto, acompanhando o voto do Ministro

Gilmar Mendes, julgo improcedentes os pedidos, declarando a

constitucionalidade da Lei Complementar nº 78/1993 e da Resolução/TSE

nº 23.389/2014.

43. É como voto.

21

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