suplemento do jornal publico "fugas" dedicada à ilha de santa maria

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P?blico Açores No mar de Santa Maria à procura de jamantas Estremadura Singapura Quinta do Cão Vinum Hidden Xiringuito BMW 320d NELSON GARRIDO ESTE SUPLEMENTO FAZ PARTE INTEGRANTE DA EDIÇÃO Nº 8543 DO PÚBLICO, E NÃO PODE SER VENDIDO SEPARADAMENTE FUGAS | Público | Sábado 31 Agosto 2013

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NELSON GARRIDO ESTE SUPLEMENTO FAZ PARTE INTEGRANTE DA EDIÇÃO Nº 8543 DO PÚBLICO, E NÃO PODE SER VENDIDO SEPARADAMENTE

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Page 2: Suplemento do jornal Publico "Fugas" dedicada à ilha de Santa Maria

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COLECÇÃO SUPER-HERÓIS DC COMICS. QUINTA-FEIRA. UM DIA TRISTE PARA TODOS OS VILÕES.

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Page 3: Suplemento do jornal Publico "Fugas" dedicada à ilha de Santa Maria

FUGAS | Público | Sábado 31 Agosto 2013 | 3

Na ponta da línguaMiguel Esteves Cardoso

A beterraba

é uma beleza e uma delícia que

ganha muito em ser comida ao

sol. Uma salada de beterraba,

temperada só com cebola, azeite

e vinagre de vinho, é um dos

melhores acompanhamentos que

há para o peixe frito ou grelhado.

Conheci-a graças às mãos

mágicas e doces da dona Ana,

no Restaurante O Sacas, na

Zambujeira do Mar. As minhas

fi lhas cresceram mais uns

centímetros graças a essas saladas

de beterraba, literalmente

irresistíveis.

Não compreendo porque é

tão difícil encontrar saladas de

beterraba nos restaurantes. É

mais uma ausência inexplicável

para acrescentar às outras.

As beterrabas são baratas e

fáceis de cozer (35 minutos).

Nem precisam de ser preparadas.

São fácílimas de descascar:

basta segurá-las enquanto estão

quentes para elas soltarem a pele.

Depois aguentam-se lindamente

uns cinco dias no frigorífi co. Dão

menos trabalho do que as alfaces

e os tomates, rendem mais e

são mais nutritivas. Que velho

preconceito pode haver contra as

pobres das beterrabas?

Comprando um molho de seis

beterrabas por um euro e meio,

aproveita-se tudo. As folhas são

grandes e bonitas. Cozidas são

parecidas com espinafres dos

mais fi nos: melhores ainda. Até

há pouco tempo, igualmente

tiranizados pelo fascismo

anti-beterrábico, também nós

deitávamos fora as folhas. Que

desperdício de fofura verdinha!

Agora não queremos outra coisa.

A Maria João cozeu as

beterrabas, cozeu as folhas e

salteou os caules, depois de um

breve refogado. Almoçámos os

três petiscos, cada um com a sua

personalidade, textura e encanto.

Os caules são estaladiços e

suculentos, com um sabor

diferente da beterraba em si.

Só a pele das beterrabas é

que não marchou — mas fi cou a

desconfi ança que também não

há-de ser má. Tudo na beterraba

é bom: é magnífi ca. Nem valerá

a pena falar da versatilidade da

beterraba: assadas no forno, por

exemplo, tornam-se mais doces.

A beterraba não é bem doce.

Tem um sabor telúrico. Este

sabor a terra desconvence muita

gente a experimentá-la. Mas o

sabor a terra é leve e sensual,

como o sabor umami de míscaros

selvagens, crus ou grelhados.

No Verão, quando saímos para

almoçar, levamos um tupperware

com umas beterrabas lá dentro.

Dispomos a salada numa travessa

emprestada (o restaurante tem

de ser simpático e conivente) e o

efeito, gastronómico e estético, é

deslumbrante.

Convém avisar que a

beterraba pode dar uma cor

avermelhada ao xixi e ao cocó

até 24 horas depois de comida:

se isto acontecer, não é preciso

ir a correr aterrorizado para as

urgências. Prepare-se de antemão

para não se alarmar. Ou vá já

colar um Post-it na parede da sua

casa-de-banho.

No mundo das ramas, as

folhas das beterrabas serão as

mais apetitosas de todas, não

sendo preciso fazer mais do que

cozê-las. São boas mesmo sem

tempero, como acontece com os

melhores grelos: o sabor do azeite

tira-lhes o viço e sobrepôe-se,

alterando a textura.

Segundo consegui apurar,

as folhas tendem a ser usadas

mais em sopas, como a rama

da cenoura e do nabo. Devem

fi car maravilhosas nas sopas que

usam espinafres (temos planeada

uma sopa de grão com rama de

beterraba para o primeiro dia

fresco de Outono) mas, antes

de as atirar para uma sopa, faça

o favor de prová-las singelas,

só cozidas durante sete ou oito

minutos.

Seja como for, não compre

beterrabas ou nabos que não

tenham rama — ou que tenham

uma rama seca e velha. Também

não ligue muito ao tamanho: as

beterrabas pequenas, tal como

os nabos, até podem ser um

bocadinho mais deliciosas do que

as variedades maiores.

A beterraba é um prazer que

dura o ano inteiro. Em Portugal

é raro o mês em que não se

encontra. Antes de começar a

cozinhá-la de todas as maneiras, é

bom conhecê-la primeiro tal qual

ela é.

Nem faço ideia como há quem

consiga passar sem ela.

Passeando pelas feiras é que se percebe o papel que a beterraba tem na alimenta-ção portuguesa. Esgota quase sempre. Já nos restauran-tes é como se não existisse

FICHA TÉCNICA Di rec ção Bárbara Reis Edição Sandra Silva Costa e Luís J. Santos (Online) Edição fotográfica Miguel Madeira e Manuel Roberto (adjunto) Design Mark Porter, Simon Esterson Directora de Arte Sónia Matos Designers Daniela Graça, Joana Lima e José Soares Infografia Cátia Mendonça, Célia Rodrigues, Joaquim Guerreiro e José Alves Secretariado Lucinda Vasconcelos Fugas Praça Coronel Pacheco, 2, 4050-453 Porto. Tel.: 226151000. E-mail: fugas@pu bli co.pt . fugas.publico.pt Fugas n.º 693

A bela da beterraba que não tem nada para deitar fora

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Passeando pelas feiras e pelos

mercados é que se percebe o

papel importante que a beterraba

tem na alimentação portuguesa.

Esgota quase sempre. Já nos

restaurantes é como se não

existisse. Quando há, é servida

como se fosse uma novidade,

uma ousadia.

Page 4: Suplemento do jornal Publico "Fugas" dedicada à ilha de Santa Maria

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Chamam-lhes peixe-diabo injustamente. As jamantas são, afi nal, anjos que voam pelo oceano Atlântico, companheiras dos golfi nhos e dos meros curiosos. A Fugas pegou no equipamento de mergulho e foi conhecer estes e outros tesouros escondidos no mar de Santa Maria. Só nos esquecemos dos comprimidos para o enjoo.

CapaAçores

Em voo livre no azul eléctrico do Atlântico

E stivemos

quase a perder a esperança. En-

quanto o barco baloiçava, embalado

por ondas pequeninas, e nos prepa-

rávamos para o terceiro mergulho,

já pensávamos que as jamantas não

iam aparecer. Não é que tivéssemos

encontro marcado — e também não

estávamos ali só para isso — mas ir a

Santa Maria e não ver jamantas era

como ir a Roma e não ver o Papa. Te-

ríamos sorte à terceira tentativa?

Antes de partirmos de Lisboa

rumo a Vila do Porto, o único con-

celho da ilha, fi zemos uma pesqui-

sa rápida na Internet. As notícias

mais recentes eram animadoras:

“Concentração invulgar de jaman-

tas atrai turistas a Santa Maria”. Di-

zem os empresários com centros de

mergulho na ilha que esta espécie

de manta da família das raias tem

aparecido em maior número nos úl-

timos anos. Garantem que aquele é

o melhor sítio da Europa para mer-

gulhar com estes enormes peixes e

parecem ter convencido sobretudo

os turistas estrangeiros, que ali têm

chegado em romaria.

Tínhamos de confi rmar. E para isso

fomos munidos de armas e bagagens.

Na mala da jornalista, 20 quilos de

equipamento de mergulho habitua-

do a estas andanças. Na do fotojor-

nalista, uma caixa estanque para a

máquina fotográfi ca e um curso de

mergulhador tirado mesmo a tempo

da viagem. Tudo a postos para ir co-

nhecer os segredos subaquáticos da

ilha mais continental dos Açores.

Comprimidos para o enjooSomos oito ao todo no barco do cen-

tro Paralelo 37, fora o skipper, que

conduz o semi-rígido carregado de

coletes agarrados às garrafas de ar,

máquinas fotográfi cas e de fi lmar,

barbatanas e mochilas com o lanche.

É sábado, saímos cedo do porto da

vila, cerca das 9h30, e só contamos

regressar a terra por volta das 17h.

Rui, um dos guias, tinha avisado

na noite anterior: levem roupa quen-

te, a viagem é longa. Até ao ilhéu das

Formigas, um aglomerado de oito

pequenos rochedos situado a cer-

ca de 24 milhas náuticas a nordeste

de Santa Maria, demora-se cerca de

duas horas. Isto se não encontrar-

mos golfi nhos ou tubarões-baleia no

Marisa Soares (texto) e Nelson Garrido ( fotos)

caminho, avisou Rui. Se os encon-

trássemos, até podíamos demorar o

dia inteiro, pensámos nós.

Tubarões-baleia não vimos. Um

grupo de mergulhadores avistou um

poucos dias antes de chegarmos à

ilha, mas não tivemos a mesma sor-

te. Tivemos outra. Quando vimos

um bando de cagarros alvoraçado

percebemos que não estavam sozi-

nhos: estas aves, muito caracterís-

ticas dos Açores, caçam em parce-

ria com os golfi nhos. É como uma

coligação que resiste ao passar do

tempo: os golfi nhos atacam os car-

dumes de peixes debaixo de água

e os cagarros aproveitam os peixes

que fogem para a superfície, mer-

gulhando num voo picado para os

apanharem.

À medida que nos aproximamos,

os cagarros afastam-se e os golfi nhos

pulam, calorosos, em volta do semi-

rígido, com as barbatanas dorsais a

rasgar a superfície da água, e não

nos largam durante uns dez minu-

tos. Parecem estar em êxtase, quase

tanto como nós, por os vermos. Pelo

caminho, à ida e à volta, encontra-

mos quase uma dezena de grupos de

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FUGAS | Público | Sábado 31 Agosto 2013 | 5

golfi nhos comuns e riscados, com o

mesmo entusiasmo.

Avistamos ao longe o pequeno

farol das Formigas, com a espu-

ma das ondas a rebentar contra

os rochedos. Não é tão mau como

parece. No mergulho que fi zemos

no dia anterior, junto à costa Sul

da ilha, na Baixa da Pedrinha, o

mar estava tranquilo. Mas em mar

aberto o caso muda de fi gura. O se-

gredo é cair logo na água e descer,

para fugir da corrente à superfície,

mas quando o estômago começa

às voltas não há como voltar atrás.

Nota mental para a jornalista: para

a próxima, levar comprimidos para

o enjoo.

Os primeiros mergulhadores caem

na água, que ronda os 21 graus. Nada

mau para quem está habituado a

mergulhar no continente, em Se-

simbra, com temperaturas médias

de 15 graus. Equipados a rigor — fato

de neoprene, cinto de chumbo à cin-

tura, barbatanas, colete com garrafa

às costas, máscara e regulador —,

deixamo-nos cair também.

É como se entrássemos num

aquário gigante, sem paredes, onde

quase não se vê o chão. Cardumes

de encharéus, lírios, bicudas, aqui

e ali um peixe-porco, peixes-rainha

e outros peixes coloridos tropicais,

ou não fosse esta a única ilha dos

Açores que repousa na placa geo-

lógica africana. À entrada de uma

gruta, um enorme ratão, primo

das raias, com a sua grande cauda

apontada para fora. Mas de jaman-

tas, nem sinal.

Encontros imediatosVoltamos a bordo e preparamo-nos

para um segundo mergulho. O semi-

rígido “estaciona” a poucos metros

do ilhéu, sobre a Baixa do Sul. As

baixas, elevações do fundo marinho

que chegam por vezes a escassos

metros da superfície, são frequen-

tes nos Açores. Estendemos o olhar

sobre a água cristalina à procura de

um sinal do peixe-diabo (outro nome

dado à jamanta), que muitas vezes

nada junto à superfície. Nada.

Outra vez a corrente — e outra vez

o enjoo. Descemos o mais rápido que

podemos agarrados ao cabo que se-

gura o barco ao fundo do mar, e se-

guimos atrás dos guias. A visibilidade

de 20 a 30 metros torna tudo mais fá-

cil. Avistamos logo um grande mero,

como que a levitar sobre as algas que

forram o fundo, entre duas rochas.

Aproximamo-nos para o ver de perto

e ele continua ali, quieto, com os seus

grossos “lábios” e os olhos salientes,

que parecem observar-nos, curiosos.

Mais à frente, outro mero sai de um

buraco na rocha e vem pedir atenção.

E enquanto agita as barbatanas num

jeito desalinhado, deixa-se tocar.

Os meros são uma das fortes atrac-

ções dos Açores. Por se manterem

quase sempre no mesmo sítio e te-

rem um comportamento amistoso

com os mergulhadores, são fáceis

de encontrar e deixam qualquer um

enternecido.

À nossa volta, novamente cardu-

mes prateados de lírios, bicudas e

encharéus. Encontramos moreias es-

condidas nas rochas, vejas (peixes de

escamas largas e com um bico que

parece de papagaio) e corais.

As jamantas têm aparecido em maior número nos últimos anos na ilha de Santa Maria

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CapaAçores

De repente, ouvimos o som metá-

lico das maracas que o guia usa para

chamar o grupo. É como música

para os nossos ouvidos. Como que

saídas do nada, surgem ao longe

duas jamantas — as tão esperadas

Mobula tarapacana — que rasgam

o azul num voo livre, uma atrás da

outra, a 20 metros da superfície.

Tentamos nadar até elas mas a

injecção de adrenalina é tanta que,

no meio de uma cãibra, mal saímos

do lugar. Nada do que nos ensinam

no curso de mergulho sobre como ti-

rar uma cãibra resulta quando mais

precisamos...

Desistimos e fi camos ali a pairar,

inebriados. E em menos de nada, as

jamantas, que nadam em círculo à

volta do grupo de mergulhadores,

passam mesmo aos nossos pés, de-

vagar (pelo menos, aquele minuto

parece demorar uma eternidade).

Nunca o ditado “se Maomé não vai

à montanha, a montanha vai a Ma-

omé” fez tanto sentido.

Graciosas, parecem bailarinas

que agitam os braços suavemente,

num enorme palco onde são as úni-

cas estrelas. Isto apesar do mero e

da raia que aparecem a pedinchar

atenção, enquanto elas passam.

Mas os olhos dos mergulhadores

estão todos postos nas jamantas

que, imponentes, batem as “asas”

pontiagudas — têm pelo menos três

metros de envergadura. No dorso

verde dão boleia às rémoras. Estes

pequenos peixes parasitas viajam

junto aos “cornos” que as jamantas

têm nas laterais da cabeça (daí o

nome peixe-diabo) para ajudar a

direccionar o fl uxo de água para a

boca. As jamantas comem plâncton

e as rémoras apanham os restos, en-

quanto desfrutam de uma espécie

de voo de asa delta submarino.

Mergulho no azulO espectáculo dura talvez dez mi-

nutos. Quando deixamos de as ver,

percebemos que o mergulho aca-

bou. Estamos quase há 40 minutos

debaixo de água, o ponteiro do ma-

nómetro do ar marca quase na re-

serva, é tempo de subir. O ideal seria

fazê-lo pelo cabo, mas à medida que

avançamos a corrente é tanta que

nem sequer conseguimos lá chegar.

Deixamo-nos levar. Por sorte, saímos

mesmo junto ao barco e consegui-

mos desequipar-nos sem problemas.

E em poucos minutos o grupo está

pronto para regressar a terra.

Se fomos afortunados à terceira

tentativa, à quarta saiu-nos a sorte

grande. No domingo fi zemos nova

viagem, desta vez mais curta, em di-

recção a um dos principais spots de

mergulho em Santa Maria: a Baixa

do Ambrósio, a três milhas da costa

Norte. O mar está ainda mais picado

do que no sábado, mas mais uma

vez descemos pelo cabo do barco.

Fazemos o verdadeiro mergulho

no azul: é como se caíssemos num

poço sem fundo (o chão está a cerca

de 50 metros de profundidade, não

o conseguimos ver), uma sensação

quase vertiginosa.

Paramos, agarrados ao cabo, en-

tre os dez e os 15 metros. Não pre-

cisamos de descer mais. Ouvimos

novamente as maracas do guia.

Num círculo perfeito à volta do

grupo de mergulhadores, oito pares

de “asas” batem energicamente, a

poucos metros da superfície, como

atletas de natação sincronizada. A

dada altura, algumas desaparecem

no azul, voltam em grupos de duas,

ou de três, em fi la indiana quase per-

feita. De onde estamos, consegui-

mos ver-lhes o ventre branco, em

contra-luz, e as rémoras coladas à

barriga. Ficamos ali quase uma hora

a vê-las passar.

Nem imaginamos o que estará

aos nossos pés, que segredos guar-

da aquele fundo em mar alto. Os

olhos, já habituados ao azul, detec-

tam algures uma espécie de parede

prateada, que parece formada por

bicudas (ou serão anchovas?), às de-

zenas. Não conseguimos distingui-

las a esta distância mas também

não importa. O ar está no fi m e

subimos.

Paramos antes de um último

mergulho numa zona abrigada do

vento, junto à costa, e fi camos ali a

baloiçar devagar, a fazer o intervalo

de superfície. Não voltamos a ver as

jamantas mas é como se fechásse-

mos os olhos e elas passassem, ou-

tra vez, a voar na nossa direcção. A

bordo trocam-se experiências, mais

difícil é descrever as sensações. Da

nossa parte, há uma inesquecível:

pela primeira vez, tivemos vonta-

de de chorar de alegria debaixo de

água. E isso não se explica.

A Fugas viajou a convite do Clube Naval de Santa Maria

Por trás de uma grande

pescadora, há sempre um grande

skipper. Podia ser este o slogan do

corrico feminino de barco, que se

realiza há 11 anos na ilha de Santa

Maria. É que nesta prova as protago-

nistas são elas mas em quase todos

os barcos segue um homem ao leme.

E o segredo para uma boa pescaria

está, em parte, na perícia da condu-

ção. O resto é sorte, dizem. Mas este

ano não houve muita.

Não é fácil juntar tantas mulhe-

res no mar. A maioria das 66 parti-

cipantes no torneio deste ano nem

costuma pescar, ou fá-lo apenas ao

fi m-de-semana para passar o tempo.

Mas o primeiro fi m-de-semana de

Agosto era delas. “É a nossa vez”, di-

zia, fi rme, Isabel Andrade, enquanto

ouvia as regras do concurso, defi ni-

das pelo Clube Naval de Santa Maria

(CNSM). Isabel, que vai a bordo do

Kosmos, nunca falhou uma prova de

corrico feminino — a única do géne-

ro no país. O clube organiza também

o corrico geral, que é para todos,

embora atraia mais homens.

O corrico é uma pescaria lenta,

feita à linha, na ponta da qual se

prende a corrica, uma espécie de

isco em forma de peixe, feito em

materiais como metal ou plástico.

Leva ainda um anzol e uma placa

que brilha e faz atrito na água. Os

peixes predadores sentem-se atraí-

Elas pescam, eles fi cam ao leme

Page 7: Suplemento do jornal Publico "Fugas" dedicada à ilha de Santa Maria

FUGAS | Público | Sábado 31 Agosto 2013 | 7

Helena participa no corrico femi-

nino pela “quinta ou sexta vez”. Tal

como as outras participantes, mora

em Vila do Porto. Segue a bordo do

Zenite. A melhor classifi cação que já

conseguiu foi um quarto lugar, gra-

ças a uma anchova e muitas bicudas.

É pescadora de fi m-de-semana mas

fá-lo com paixão. Gosta de lançar a

linha e “sentir a batida do peixe”. A

ansiedade é tanta que na noite ante-

rior à prova nem consegue dormir.

O torneio decorre no sábado e no

domingo. Os barcos deixam o porto

dos rasto deixado pela corrica.

A corrica é lançada na água de

modo a fi car a 20 a 30 metros do

barco, e este tem de seguir lenta-

mente. Não pode parar, nem quan-

do o peixe pica. É aqui que entra a

perícia do skipper — das 18 embar-

cações a concurso, 16 tinham um

homem ao leme. “Ele tem de levar

o barco devagar, a uma velocidade

constante. E tem de saber voltar ao

sítio onde o peixe picou, para ver

se apanhamos mais”, diz Helena

Cabral, outra concorrente.

À esquerda, a paisagem do lado nordeste da ilha, pontuada por diversas vinhas em socalcos. À direita (em cima), as pescadoras de corrico lançam a cana, à espera que o peixe pique. Em baixo, avista--se o farol do ilhéu das Formigas

às 17h e podem regressar até às 23h.

São seis horas que “passam num

instante”, garante Helena Cabral. É

nesse período que os peixes preda-

dores, maiores, costumam caçar.

Quem sai para o mar previne-se

em terra. No barco, as concorrentes

(três no máximo) levam todos os in-

gredientes para um fi m de tarde de

festa. É que enquanto o peixe pica

e não pica, há tempo para tudo —

beber umas cervejas, comer uns

petiscos, ou dar música aos peixes

tocando uns acordes.

À procura do atumOs barcos podem dar a volta à ilha

e afastar-se até 15 milhas da costa.

Naquele fi m-de-semana o mar não

estava para grandes aventuras —

aliás, o vento forte e o aumento da

vaga levou a organização a cancelar

o segundo dia de prova, por ques-

tões de segurança. Os resultados

fi nais seriam os de sábado, dia de

pouco peixe. “Logo hoje que íamos

apanhar o atum”, lamentava uma

concorrente no domingo. O mar

trocou-lhe as voltas.

As mulheres de Vila do Porto foram para o mar tentar a sorte no corrico. Não tiveram muita, mas nem por isso desistiram

Page 8: Suplemento do jornal Publico "Fugas" dedicada à ilha de Santa Maria

8 | FUGAS | Público | Sábado 31 Agosto 2013

CapaAçores

O corrico feminino é só mais uma

das muitas festas que animam Santa

Maria durante o Verão — e no Inver-

no os marienses (cerca de 5000 resi-

dentes) também não se aborrecem.

Apesar de na outra ponta da ilha se

festejar o Sagrado Coração de Jesus,

na freguesia de Santa Bárbara, mais

de uma centena de pessoas foi ao

porto ver a chegada das pescadoras,

no sábado à noite.

O primeiro barco chegou às 22h.

“Normalmente os primeiros não

trazem quase nada”, avisara João

Batista, presidente do CNSM. Os

recipientes de plástico entregues

aos concorrentes para depositarem

o peixe foram chegando com bicu-

das. Duas, três, oito. Aqui e ali um

peixe-porco. Peixes-serra. Muitos

chegaram vazios. Algumas caras

pouco animadas, outras enjoadas à

custa dos balanços do barco, outras

ainda em festa. A anchova de Sandra

Tavares era a única.

A pesagem do peixe é feita à vista

de todos. O resultado, que era provi-

sório, passou a fi nal quando foi can-

celada a prova de domingo. Mesmo

assim, não foi mau: no total, as pes-

cadoras de Santa Maria apanharam

53 quilos de peixe. Ficaram longe

do máximo de 197 quilos apanhados

em 2011, mas “este ano há pouco

peixe”, aventava João Batista ainda

antes de a prova começar. Não se

enganou. Seja como for, pelo menos

para a equipa do Swordfi sh valeu a

pena. A anchova, da última vez que

falámos, ainda estava “na friza”, o

termo mariense para congelador,

herdado dos norte-americanos (em

inglês, diz-se freezer) que estiveram

na ilha a construir o aeroporto, na

década de 1940. Entretanto, já deve

ter dado para um bom jantar.

Nem tudo o que vem à rede é pei-

xe. Ou melhor, nem todos os peixes

que picam a corrica contam para o

concurso. Apanhar um peixe-porco,

por exemplo, pode compensar no

prato (no fi m, os concorrentes le-

vam o peixe para comer em casa)

mas não no da balança, onde o

resultado da pescaria é pesado ao

fi nal da noite. Para a prova contam

a bicuda, a anchova, o peixe-serra, o

lírio, o encharéu, o bonito, o wahoo

e o atum. Este último é, na verdade,

o primeiro na lista de desejos das

pescadoras. Mas em 11 anos de pro-

va, nenhum mordeu o isco.

“Apanhar um atum à linha pode

dar duas ou três horas de trabalho,

até conseguir trazê-lo para o barco,

mas compensa”, diz Isabel Andrade,

que este ano chegou a terra sem pei-

xe. O atum pode signifi car o primeiro

prémio — normalmente é o peixe mais

pesado, e quem tiver mais peso ganha

— ou o prémio de melhor exemplar.

O recorde pertence a um atum de

92 quilos, apanhado há uns anos no

corrico que é mais para os homens.

Apesar do mar bravo, quem sabe

da poda arrisca. E para as concor-

rentes do barco Swordfi sh valeu a

pena arriscar. O skipper, Eduardo

Soares, levou-as até à costa Norte

da ilha, mais desabrigada do ven-

to. A seu favor tinha a experiência:

é armador e tem 52 anos de mar,

conhece-o como ninguém. “Andei

dois anos na caça à baleia [a ilha tem

uma forte tradição baleeira, que en-

trou em declínio nos anos de 1960],

cheguei a caçar quatro num só dia.”

Talvez até tenha caçado mais, mas a

memória já não recua tanto. Tinha

15 anos. Hoje tem 66, a pele quei-

mada pelo sol e um jeito sereno que

contagia.

Santa Maria em festaA contrastar com a experiência do

comandante, está o amadorismo da

tripulação. Mas, já o dissemos, uma

boa pescaria também se faz de sorte.

E Sandra Tavares teve muita quan-

do uma anchova de 7,710 quilos (o

segundo maior peixe capturado des-

de sempre na prova) mordeu a sua

corrica. “A cana até se ia partindo”,

conta esta empregada de limpezas

que participa pela segunda vez no

torneio. Demorou “cinco ou dez

minutos” a puxar a anchova para

bordo. Mal sabia que tinha acabado

de ganhar a prova.

Guia prático

COMO IR

A companhia aérea Sata (www.sata.pt) voa para Santa Maria durante todo o ano, a partir do continente ou de outras ilhas do arquipélago. A partir de São Miguel, pode-se chegar à ilha também de barco entre Maio e Outubro, usando os barcos da Atlânticoline, onde pode transportar veículo próprio.

ONDE FICAR

A ilha é pequena (menos de cem quilómetros quadrados) e a oferta hoteleira é proporcional. Ficámos alojados no Hotel Santa Maria, a um quilómetro do aeroporto e a cerca de dez minutos do centro da vila, de carro. Para quem quiser ficar mais perto da povoação, a mesma cadeia tem o Hotel Praia de Lobos. Ou então pode optar pelo Hotel Colombo, situado na zona das Pedras de São Pedro, a cinco minutos do centro de Vila do Porto, bom para famílias com filhos, por exemplo, já que tem apartamentos onde é possível cozinhar. Para mergulhadores, o Hotel Colombo é uma boa opção, uma vez que tem dois centros de mergulho “residentes”, o Paralelo 37 e o Haliotis. A Pousada de Juventude de Santa Maria, mais perto do porto, é outra opção a considerar, mais em conta. Em Junho do próximo ano deverá abrir o hotel Charming Blue, com centro de mergulho, a dois minutos do porto. Não faltam também casas de turismo rural.

ONDE COMER

Durante a nossa estadia comemos quase sempre no restaurante do Clube Naval de Santa Maria, que tem um bom polvo frito com batatas e um excelente naco de atum. Também provámos as deliciosas lapas. Incontornável é o caldo de nabos que comemos na Festa do Sagrado Coração

Page 9: Suplemento do jornal Publico "Fugas" dedicada à ilha de Santa Maria

FUGAS | Público | Sábado 31 Agosto 2013 | 9

de Jesus, na freguesia de Santa Bárbara, e a carne de vaca assada em panela de ferro — e no Verão não faltam festas como esta um pouco por toda a ilha. Com sorte (que nós não tivemos), quem visitar a ilha entre Junho e Setembro pode participar nas Festas do Divino Espírito Santo e comer o pão embebido numa sopa de carne distribuída de forma gratuita a quem quiser, nos vários impérios espalhados pela ilha. A lasanha de albacora que comemos ao almoço no Restaurante Garrouchada, aberto das 9h à meia-noite na rua principal de Vila do Porto, também não desiludiu. Ficámos curiosos com as pizzas do Central

Pub (na mesma rua) que não conseguimos provar, embora nos tenham garantido que são “as melhores do mundo e arredores”. Para petiscar com vista para o pôr do sol, a esplanada do Bar dos Anjos, na freguesia dos Anjos, que fica no Norte da ilha, é tentadora. O bar O Paquete, mesmo junto à praia Formosa, também merece uma visita ao fim da tarde.

seis centros de mergulho (no próximo ano serão sete), com dez embarcações no total. Além do Paralelo 37, há o Haliotis, o Manta Maria, o Wahoo, o Dollabarat Sub e o CNSM. É só escolher. Quem não mergulha, tem outras opções. A ilha tem pelo menos dois trilhos pedestres assinalados, um na costa Norte e outro na costa Sul, muito procurados por quem aprecia birdwatching. Existe informação disponível em www.trails-azores.com. Existe ainda Rota dos Corsários, que se estende um pouco por toda a ilha com paragens obrigatórias em sete locais, onde painéis contam a história de Santa Maria, recheada de saques e invasões.

O QUE FAZER

Entre Junho e Setembro, o mergulho é uma das principais atracções da ilha de Santa Maria. A ilha é pequena mas tem

Outra rota, mas dos fósseis, é imperdível para quem se interessa por paleontologia, e não só. Existem cerca de 20 jazidas de fósseis marinhos visitáveis, a maioria por terra. Apenas o trilho que inclui a Pedra-que-Pica é feito integralmente por mar, e para isso pode dirigir-se ao Clube Naval de Santa Maria. O Centro de Interpretação Ambiental Dalberto Pombo, no centro da vila, também disponibiliza informações aos visitantes. Além disso, há as festas tradicionais que animam o Verão, e em Agosto realiza-se o mais antigo e mais importante festival da região, o Maré de Agosto, na praia Formosa.

Este concurso é uma iniciativa de: Organização:

Depois dos Chefs Brás, Zé do Pipo e Gomes de Sá, chegou a hora

de juntar o seu nome à história da gastronomia nacional.

Manifeste-se com uma receita original de bacalhau seco da Noruega

e uma boa dose de criatividade. Participe na 9ª edição da Revolta

do Bacalhau e mostre toda a indignação perante os paladares

mais conservadores.

Os resultados desta Revolta serão avaliados pelo conceituado júri presidido

pelo Chef Hélio Loureiro. O vencedor ganha um Curso Intensivo

no Gastronomic Institute na Noruega.

Inscreva-se até dia 15 de Setembro.

Saiba mais em revoltadobacalhau.com ou facebook.com/revoltadobacalhau

INSCRIÇÕES

ABERTAS

AGORA TAMBÉM PARA ESTUDANTES*

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uês.

Page 10: Suplemento do jornal Publico "Fugas" dedicada à ilha de Santa Maria

10 | FUGAS | Público | Sábado 31 Agosto 2013

CapaAçores

T ínhamos ruma-

do a sul naquela manhã de sexta-fei-

ra ensolarada, encoberta a espaços

por nuvens cor de algodão, para um

primeiro mergulho. Saídos do fun-

do do mar, seguimos na direcção

da Ponta do Castelo, no extremo

sudeste da ilha. Vemos ao fundo o

farol de Gonçalo Velho (herdou o

nome do navegador que descobriu

a ilha) mas o semi-rígido do Clube

Naval de Santa Maria (CNSM) come-

ça a abrandar o passo. Chegamos

ao destino.

A cerca de 500 metros do farol,

aos pés de uma enorme falésia que

se precipita sobre as águas cristali-

nas do Atlântico, parece uma língua

de areia branca vista de longe. Mas

não é. Se dúvidas houver, atentem

no nome: Pedra-que-Pica. O barco

aproxima-se e percebemos que ali

não há areia macia, que o chão que

pisamos é pontiagudo e que as bo-

tas de mergulho não são o calçado

ideal. Fica o aviso.

Para onde quer que olhemos

num raio de cerca de 20 metros,

só vemos fósseis. E mais fósseis. E

um rasto da actividade vulcânica

na ilha, com rochas rugosas de cor

negra. Temos os pés sobre milhões

de conchas desarticuladas de bival-

ves marinhos, algumas com mais

de 20 centímetros de diâmetro,

restos fossilizados de ouriços-de-

areia, e sabe-se lá mais o quê. Diz-

nos o guia, Paulo Ramalho, vice-

presidente do CNSM e antropólogo,

que aquela jazida fóssil tem cerca

de cinco milhões de anos. É uma

das mais antigas de Santa Maria, a

única ilha dos Açores com fósseis

marinhos.

Procuramos a explicação científi -

ca para o que parece ser um aciden-

te geológico feliz. Depois de muito

tempo sem actividade vulcânica, a

ilha — que é a mais antiga do arqui-

pélago, com sete a oito milhões de

anos — fi cou submersa, formando

um gigantesco monte submarino.

“Terá sido nesta altura, há cerca de

cinco a seis milhões de anos, que os

animais marinhos que nessa altura

existiam se depositaram em gran-

A pedra-que-pica (mesmo)

des quantidades nos sedimentos

marinhos”, no topo daquele mon-

te, explica Sérgio Ávila, biólogo e

paleontólogo da Universidade dos

Açores, um dos vários investiga-

dores que têm estudado as jazidas

fósseis de Santa Maria.

Muitos daqueles animais fossi-

lizaram. Com o ressurgimento da

actividade vulcânica, há cerca de

dois milhões de anos, a ilha emer-

giu novamente e elevou-se pelo

menos 200 metros. “Talvez ainda

o esteja a fazer.” Isto fez com que

muitas jazidas estejam agora fora

de água, sobretudo quando a maré

baixa.

A Pedra-que-Pica formou-se a

cerca de 50 metros de profun-

didade e terá resultado de uma

grande tempestade, que fez acu-

mular numa cova natural milhões

de conchas, arrastadas para aquele

local pela força das ondas. Além de

conchas, os investigadores encon-

traram invertebrados de pequenas

dimensões, dentes de peixes e de

tubarões (não detectámos nenhum

naquele puzzle desordenado).

Mas o que vemos agora pode

ser apenas a ponta do icebergue.

Segundo Sérgio Ávila, a jazida tem

2000 metros quadrados, “seis ve-

zes menos do que a sua provável

extensão inicial que rondaria, pelo

menos, os 12 mil metros quadra-

dos”. Não é fácil de imaginar. Mas

uma coisa parece certa: se houver

um paraíso na terra para os pale-

ontólogos, deve ser algo parecido

com a Pedra-que-Pica.

Na jazida repousam milhões de fósseis de conchas, ouriços-do--mar e outros invertebrados, que se depositaram ali há cinco a seis milhões de anos. Na ilha há cerca de 20 locais do género, que integram a Rota dos Fósseis

Page 11: Suplemento do jornal Publico "Fugas" dedicada à ilha de Santa Maria
Page 12: Suplemento do jornal Publico "Fugas" dedicada à ilha de Santa Maria

12 | FUGAS | Público | Sábado 31 Agosto 2013

PasseioSérie Fugas em Portugal IX: Estremadura

O mar e as serras

São territórios de agricultores e de aristocratas, de religiosos e poetas. Balançando entre o oceano e montes, quintas nobres e barcos de pescadores, praias e campos de cultivo, retiros religiosos e centros profanos, fomos de Setúbal a Sintra para acabarmos surpreendidos pela natureza — que é, afi nal, quem mais ordena nestas paragens.

“Sintra é um

belo lugar para morrer”. Glauber Ro-

cha, cineasta brasileiro, acabou por

não morrer em Sintra, mas lá viveu

os seus últimos dias. “Aqui é bonito.

Escrevo diante de uma panavisão so-

bre o Atlântico camoniano e sebastia-

nista do alto de uma montanha antes

habitada por Byron numa linda casa

onde viveu Ferreira de Castro...”.

Se num dia de Verão um viajante

chega a Sintra com estas ideias ro-

mânticas na cabeça, a realidade pode

encarregar-se de as desfazer (depara-

mo-nos com uma espécie de parque

de diversões com lotação esgotada)

se não acreditarmos que, mais cedo

ou mais tarde, Sintra vai fazer o que

sempre faz: surpreender-nos irreme-

diavelmente. Nós insistimos, para

desvendar o mistério que horas an-

tes víamos encoberto pelas famosas

brumas, que, insidiosas, jogam às es-

condidas revelando apenas pequenas

porções do glorious eden de Byron.

A vila adivinha-se, então, entre as

neblinas, enquanto percorremos os

caminhos em volta — aldeias, cam-

pos, aldeias, o outro rosto desta zona

que foi refúgio da nobreza; aproxi-

mamo-nos da costa e novamente um

manto de nevoeiro “aqui onde a ter-

ra acaba e o mar começa”, escreveu

Camões. Estamos no Cabo da Roca,

o ponto mais ocidental da Europa

continental e de repente voltámos

ao primeiro dia da viagem. Pode

ser uma coincidência notável ou

uma banalidade — para nós foi uma

surpresa: dois cabos, duas sessões

fotográfi cas de noivos.

Do marMas comecemos por aquele dia

inicial, em que as cegonhas descan-

sam nos postes de electricidade. A

Comporta está deserta — vive-se nas

praias para lá das dunas. Na Carras-

queira o sol derrama inclemente so-

bre o cais palafítico, um dédalo de

passadiços periclitantes que, sobre

estacas, conquista os sapais do Sado.

Para trás fi caram alguns palheiros e o

largo com relva com o nicho da Nossa

Senhora dos Navegantes, inaugurado

este ano. “Fui eu e a minha cunhada

que o fi zemos”, conta Maria de Lur-

des Carvalho, a pintar o Carvalhinho,

o barco que é o ganha-pão dela e do

marido — quando o tempo o permi-

Andreia Marques Pereira (texto) e Bruno Simões Castanheira ( fotos)

Page 13: Suplemento do jornal Publico "Fugas" dedicada à ilha de Santa Maria

FUGAS | Público | Sábado 31 Agosto 2013 | 13

te; quando não, é a batata-doce que

os ocupa. Sempre ela e o marido:

“Aqui na aldeia anda tudo atrás do

marido”, diz entre risos. Conhece

a rotina, ou não fosse ela fi lha de

pescador — “apenas de amêijoas e

ostras”; “eu sou tuti-frutti”.

Maria de Lurdes está habituada às

camionetas que despejam visitantes

nos meses de Verão. Vêm percorrer

as centenas de metros de estrados

que partem de um “tronco” principal

e seguem por “ramos”, onde anco-

ram os barcos. “Vai até lá ao fundo”,

aponta com as mãos pintada de azul.

Lá ao fundo passa para uma ilhota,

entre barcos, redes cujas bóias pare-

cem cogumelos na água e casinhas

de madeira que são arrecadações. “Já

fomos 60 barcos. Agora talvez 20. Os

antigos estão a reformar-se, a mor-

rer… Os novos não estão para isto…”.

Que o diga Cesário Matias, que aca-

ba por sair aos caranguejos sem o

fi lho, depois de discussão. Já teve

mais barcos, dois semi-rígidos que

faziam passeios para ver golfi nhos no

Sado — ainda não desistiu de voltar.

Há uma pequena baía aqui ao lado,

onde uns poucos fazem praia. Mas o

habitual é descer a costa, até Sines,

diz Maria de Lurdes. Ela, de rosto

tisnado, não gosta de praia: “A mi-

nha vida é sempre dentro de água.”

Em Sesimbra, as praias e a pesca

andam lado a lado, mas não dão as

mãos. Encontram-se nas mesas dos

restaurantes que povoam as ruelas

íngremes da vila e a avenida que se

estende junto ao mar, dividida pela

Fortaleza de Santiago — à porta, ar-

cas mostram o peixe à espera de ser

cozinhado, nas brasas, sobretudo. O

castelo está escondido quando visto

cá de baixo, das praias da Califórnia

e do Ouro, que partilham a mesma

faixa de areia e estão a abarrotar. Pa-

rece-nos impossível circular entre to-

alhas e guarda-sóis com vista para os

insufl áveis no mar. O movimento só

abranda na altura do jantar, para de-

pois as ruas começarem novamente

a encher-se, no típico ritmo balnear.

No porto de pesca o ritmo é outro

e invariável. Sérgio Pinto explica-nos

o seu, o do barco onde trabalha. Está

na esplanada do café da doca à espe-

ra das 20h, altura em que sai para o

mar. É assim de segunda a quinta-

feira; ao domingo sai às dez da noite;

sexta e sábado é fi m-de-semana. “Só

temos hora certa para sair, para vol-

tar…”. Voltar é quando o mar deseja

— pode ser às dez, ao meio-dia ou

às 15h, como hoje. Nem conseguiu

dormir e por isso toma umas cerve-

jas enquanto nos explica as artes da

pesca que sobrevivem em Sesimbra

(como a do cerco ou emalhar), nos

fala dos barcos típicos (aiolas) e nos

conta como chegou ao mar. Fez um

curso profi ssional entre os 14 e os 17

anos — fi cou com equivalência ao 9.º

ano e um apego inabalável às lides

marítimas. Desde os 16 anos, este-

ve longe delas apenas os dois anos

em que trabalhou na restauração.

Experimentou o trabalho do avô e o

trabalho do pai — o do avô ganhou.

“Era uma vida presa [na restaura-

ção], não nasci para aquilo. Gosto

muito desta vida.”

A maior parte do peixe pescado

em Sesimbra tem direcção certa: Lis-

boa. Em alternativa, vai para Setú-

bal, onde o Mercado do Livramento

é incontornável. Às primeiras horas

da manhã, muitos disparam má-

À esquerda, o Cabo Espichel, de onde se tem uma vista assombrosa sobre a costa recortada; à direita, a praia do Portinho da Arrábida, um dos cartões-de-visita da região

Esta série tem o patrocínio

Page 14: Suplemento do jornal Publico "Fugas" dedicada à ilha de Santa Maria

14 | FUGAS | Público | Sábado 31 Agosto 2013

quinas no espaço recentemente res-

taurado; muitos mais os que andam

às compras. António “da Glória” (o

nome da mulher e sócia) é conheci-

do pela enguia, que está a 20€. Só

ele e um colega as vendem: “Se não

tenho num dia, arranjo no seguinte.”

Alice Manete tem fartura de peixe e

uma banca em frente do painel de

azulejos azuis e brancos, um dos ex-

líbris do mercado. “Já não é igual”,

diz-nos, “era a parede toda, não tinha

estes recortes de puzzle”. “Quando

a parede ruiu, parte foi destruída.”

Continua, contudo, a retratar o modo

de vida dos setubalenses há algumas

décadas: a pesca, a agricultura, o co-

mércio.

Da serraÉ um deslumbramento percorrer a

serra da Arrábida, que acompanha

a costa de Setúbal até Sesimbra, na

estrada desenhada sobre o seu relevo

sinuoso — e algumas rectas: estamos

no topo, entre vegetação rasteira e

afl oramentos rochosos. As brumas

omnipresentes neste nosso périplo

pregam-nos partidas, mas quando se

abrem somos recompensados pelo

mar verde a encontrar o mar azul:

serra e oceano inseparáveis. Nos mi-

radouros à beira da estrada, há en-

garrafamentos, carros invadem a es-

trada estreita, pessoas acotovelam-se

pela melhor fotografi a. O Convento

da Arrábida vemo-lo aninhado, bran-

co em moldura esmeralda, edifícios

em cascata — em Agosto encerra para

visitas; para cima, restos do convento

velho: capelas, guaritas, cruzes con-

tra o horizonte e, por momentos, o

cenário é místico.

Descemos ao encontro do mar

com o verde a ganhar altura em

carvalhos, medronheiros e murta;

e novamente engarrafamento para

chegar ao Portinho da Arrábida, o

cartão-de-visita desta costa que se

recorta em praias e baías serenas.

Os carros acumulam-se na beira da

estrada estreita e íngreme, que passa

o Museu Oceanográfi co e já come-

çamos a ver a serra a entrar no mar

(ou vice-versa). Pedro e Iva acabam

de chegar de Palmela, vieram mais

tarde com esperança de encontrar

estacionamento perto. “Tivemos

azar. Mas vale bem a caminhada.”

Há algumas casas (com quartos

para alugar) e restaurantes, dois de-

les sobre a água: observamos o mo-

vimento do barco de um dos restau-

rantes, que traz e leva clientes até às

embarcações ancoradas na enseada.

No centro — praça minúscula apinha-

da de carros — um grupo de franceses

pesca no muro de cimento: a água é

transparente, os peixes presa fácil.

Deste núcleo ao areal são alguns

minutos de terra batida, seguindo a

linha da costa feita seixos e recan-

tos rochosos. A praia é uma meia-

lua pequena, a areia em contraste

com o verde atrás e o azul à frente.

“Depois do início pedregoso é muito

boa”, diz Carlos Melo, que veio de

Camarate com a família. “Disseram-

nos que era giro e viemos conhecer.”

André, o fi lho mais velho, é o mais

entusiasmado: “Quem está na água

olha e parece que está no Rio de Ja-

neiro”, diz, mostrando as fotos. A sua

única pena foi não ter ido até à ilhota

rochosa que se avista. “Tem grutas

muito bonitas. E há um barco a re-

mos que leva muita gente.”

Estamos no Parque Natural da Ar-

rábida, onde as paisagens e a ocu-

pação humana se unem em área

protegida. Passamos aldeias, quin-

tas, herdades; avistamos ofi cinas de

azulejos, produções de queijo (de

Azeitão) e as placas castanhas da

Rota dos Vinhos surgem a recordar

que este é território dos vinhos da Pe-

nínsula de Setúbal. É o vinho que nos

conduz à sede da Bacalhôa, em Vila

Nogueira de Azeitão – mas não só:

aqui, este caminha lado a lado com

a arte. E tal é mais evidente na cave

onde as barricas dos vinhos premium

(Palácio e Quintas) repousam entre a

colecção de azulejos do século XVI ao

XX — a experiência é quase religiosa

quando entramos na sala de luz rare-

feita e música clássica a soar.

Este espaço é o núcleo, diríamos,

de um grande edifício onde a arte e

o vinho convivem, nem sempre tão

directamente. Duas salas pertencem

à arte: a exposição Out of Africa, em

homenagem a Nelson Mandela, um

mergulho (sobretudo) na escultura

africana; What a wonderful world,

um passeio por Paris à boleia da Art

Noveau e Art Deco, aqui exibidas em

mobiliário e ao som de Edith Piaf —

com um salto ao portuguesíssimo

Rafael Bordalo Pinheiro. Nas tra-

seiras, é o Moscatel de Setúbal que

envelhece.

“As pessoas ou vêm pela parte víni-

ca ou pela arte”, explica-nos Ricardo

Gomes, director de enoturismo do

grupo, enquanto nos vai mostran-

PasseioSérie Fugas em Portugal IX: Estremadura

do os cantos à casa. A adega está à

espera das vindimas, as vinhas estão

na “fase de pintor” (o verde que ve-

mos em breve será preto), os jardins

pontuam-se de mais obras de arte —

incluindo naturais, como as oliveiras

milenares trazidas do Alqueva (entre

as quais se avistam arcos de pedra:

restos de uma antiga cervejaria vin-

dos de Lisboa) ou a Kaki, descen-

dente da única árvore sobrevivente

ao bombardeamento de Nagasaki.

Não natural é a Wall of Sound, obra

de William Furlong: duas paredes de

aço que se atravessam como se fora

uma selva — os sons estão todos lá. “É

muito assustador”, ouviremos a uma

miúda de um grupo escolar. “Tem

um som estranho”, completa outro.

Uma visita à Bacalhôa nesta região

não fi ca completa sem uma passa-

gem pela quinta homónima, em Vila

Fresca de Azeitão. Foi propriedade

da família real no século XV e talvez

tenha sido essa ligação que atraiu a

nobreza, que aqui instalou casas de

recreio, escondidas por detrás de

Page 15: Suplemento do jornal Publico "Fugas" dedicada à ilha de Santa Maria

FUGAS | Público | Sábado 31 Agosto 2013 | 15

muros altos, algumas degradadas

(como o Paço dos Duques de Aveiro).

No interior do palácio, mais peças da

colecção de arte de Joe Berardo (pro-

prietário da Bacalhôa), incluindo um

raro piano contraforte; no exterior,

os jardins franceses contrastam com

o edifício de traça italiana, destacan-

do-se a loggia, onde o olhar vagueia

até ao tanque e junto ao qual se ergue

a “casa dos prazeres”, a casa do lago,

onde se encontram os azulejos mais

antigos da propriedade. As vinhas ro-

deiam o palácio — Cabernet e Merlot.

Na sede, a loja organiza provas de vi-

nho, com vista para o jardim japonês.

De cabo a caboDe Azeitão para a praia da Foz (Meco)

veio Pedro Martins e a família. A tar-

de já vai bem alta quando se prepara

para entrar na água, para duas ho-

ras de caça submarina. “Normal-

mente fi co três, quatro horas”, diz,

enquanto veste o fato de mergulho

na enorme plataforma rochosa que

antecede o areal, numa reentrância

entre arribas altas. “Eu e o meu ir-

mão fomos os primeiros a fazer surf

na praia das Bicas, aqui ao lado. Te-

mos fi lmes dos anos 1980. Descobri-

mos isto, tem vento sul, ondas boas.

Agora vem muita gente.” Estas são

as duas praias mais “escondidas” da

zona, onde o Meco e Alfarim atraem

as grandes multidões. Também por

isso gosta de caçar aqui, “há menos

gente” atrás dos “sargos, robalos,

safi o, um ou outro polvo”.

Mais a sul, o Cabo Espichel. Antes

dele, fazemos um desvio na estrada

solitária da serra da Azóia para se-

guirmos o percurso pedestre “Ma-

ravilhas do Cabo”. Damos por nós

num promontório a norte do cabo

num cenário primordial e belo: os

recortes da costa, a silhueta do san-

tuário, das hospedarias, da ermida

mesmo no topo da falésia (Pedra da

Mua) — e o trilho de dinossauros (que

não temos a certeza de descortinar)

na arriba, no fundo da qual se escon-

de uma praia de seixos e o esquele-

to queimado de um carro. Em volta

do santuário, mistura de línguas em

busca de fotografi as de cortar a res-

piração — excepto Ivo Pólvora e Cátia

Mestra, que posam calmamente nas

galerias da hospedaria (entaipada)

com o traje do casamento, que foi

um mês antes. “É um sítio fora do

normal”, dizem simplesmente, e

eles são de perto, do Barreiro. O fa-

rol está noutro promontório a sul e

está deserto.

Regressamos ao Cabo da Roca.

“Está sempre tanto frio”, comenta-

se com o vento a soprar de todos os

lados. O farol é secundário face aos

precipícios que rodeiam o cenário

onde a serra de Sintra encontra o

fi m do território europeu. As fotos

em torno do padrão exigem espera,

o que não sucede no penhasco que

parece possivelmente estreito, mas

onde um casal de noivos tira fotos

— são ingleses, vivem na Holanda e

casaram-se dias antes em Portugal.

“No fear”, afi rma o noivo. E se a noiva

nos parece hesitante, do alto das suas

sandálias brancas, vê-la-emos mais

tarde a tomar as vezes do fotógrafo,

saltando desempoeiradamente as

protecções de madeira. Todos con-

templam a cena e, por momentos,

as máquinas afastam-se da paisagem

para pousarem sobre o casal.

Menos radical é Rita Teixeira, que

encontramos na piscina oceânica das

Azenhas do Mar calmamente a ler

Esta série tem o patrocínio

No sentido dos ponteiros do relógio: a praia da Califórnia, em Sesimbra; o Cabo da Roca; os jardins da Bacalhôa; e o Palácio de Monserrate, em Sintra. Na página seguinte, o Castelo dos Mouros, também em Sintra

Estar no Alentejo com conforto e requinte.Lugar para descansar e fazer umas férias.Usufrua de uma boa gastronomia.

Casa dos CastelejosCASA DE CAMPO

[email protected]

São Marcos da Atabueira. +351 969 489 844

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Page 16: Suplemento do jornal Publico "Fugas" dedicada à ilha de Santa Maria

16 | FUGAS | Público | Sábado 31 Agosto 2013

PasseioSérie Fugas em Portugal IX: Estremadura

Guia prático

ONDE DORMIR

Hotel do Sado Rua Irene Lisboa, 1Setúbal Tel.: 265 542 800Email: [email protected]/hoteldosado

Hotel dos Zimbros Facho de Azóia, Cabo Espichel SesimbraTel.: 210 405 470Email: [email protected]

Pestana Sintra Quinta da BelouraRua Mato da Mina, 19Sintra Tel.: 210 424 300 Email: [email protected]

Lisboa

10 km

Rio Tejo

OCEANO ATLÂNTICO

Cabo da Roca

Sintra

Cabo Espichel

Sesimbra

SetúbalAzeitão

ONDE COMERDaisy Miller, de Henry James. Antes

de descermos a garganta até à beira-

mar, o miradouro dá-nos a melhor

vista sobre a aldeia que se desenvolve

em crescendo para terminar mesmo

em cima da falésia, povoada de casas

brancas (“impressionante” e “espec-

tacular”, repete um grupo de espa-

nhóis). O mar está bravo, o tempo

fechado — no mar, um body-boarder;

na piscina são mais os que fi cam nas

beiras. Uma família do Magoito que

sai para almoçar diz que “infelizmen-

te é muitas vezes assim [o tempo]”

; Rita é “do Norte”, está habituada.

Veio conhecer Sintra e já percorreu

a vila; agora são as praias.

Na estrada do sonhoEntre a vila e a costa, uma região que

já foi eminentemente agrícola, saloia.

Sucedem-se aldeias, pinheiros, moi-

nhos de vento, campos abandonados

entre muros de pedras arruinados.

Mas já quase ninguém trabalha na

agricultura, dizem-nos por todo o

lado. Susana Vicente, no Café Ma-

tias, em São João das Lampas, explica

como o pai, que foi cabouqueiro e

agora está reformado, passou a de-

dicar-se à terra. “Aprendeu com os

pais, viviam disso.” Como ele, muitos

com quem nos cruzamos em busca

da ponte romana da Catribana — o

último, José Tafulo, que vive em As-

safora, a algumas centenas de metros

dela. Não trabalha nos campos por-

que a saúde não permite, mas passou

muitos anos a trabalhar nas pedreiras

em volta, antes de arranjar trabalho

na câmara. Reformado, está sempre

disponível para conversas. “Quando

vim para cá, há 45 anos, a ponte es-

tava melhor. A terra começou a cres-

cer e os resguardos vieram abaixo.”

Quando, fi nalmente, encontramos

a ponte, é uma ruína que vemos.

“Monumento de interesse público,

em risco de colapso; projecto de

conservação e valorização”, lemos

numa placa.

Fechamos o círculo em Sintra. Na

vila velha abrimos caminho entre

hordas de turistas que ocupam as

ruelas principais, se sentam à som-

bra do Palácio da Vila (em obras), fa-

zem fi la em restaurantes e lojas, de

artesanato, de doces (a Periquita I e II

não pára), de vinhos. “Nestes dias, de

muita gente, não corre bem. Só vêm

passear”, nota Adriano, no umbral

da sua Porta 12, galeria e loja. Está no

átrio a pintar a Tina Turner — “Não

está a correr muito bem”, diz, entre

sorrisos. São os desenhos dos músi-

cos que têm mais saída — “o que tam-

bém é a minha praia, sou músico” —,

mas é a iconografi a portuguesa que

nos atrai a atenção, como Camões a

indagar “Has anyone seen my nymph”.Nas ruas passam coches a caminho

da serra, as bicicletas continuam dis-

poníveis para alugar. Pelas estradas

que abrem caminho sobre o manto

luxuriante de verde, são muitos os

caminhantes à conquista da serra

da Lua — mas são os carros que lhe

dominam as entranhas, despejando

visitantes para o Palácio da Pena e

Castelo dos Mouros. Há quem faça

desportos radicais e de slide dê a vol-

ta ao parque, mas as multidões cami-

nham compactas pelos dois monu-

mentos emblemáticos. Encontramos

um pouco de paz em Monserrate;

porém, há que confessá-lo, só con-

seguimos chegar quando o palácio

estava quase a fechar (os jardins fe-

cham mais tarde). Conseguimos visi-

tá-lo calmamente, percorrendo salas

preservadas e outras desgastadas,

fotografando os corredores em ar-

cos até à exaustão mas foi no parque

que nos demorámos, espreitando as

falsas ruínas da capela, desiludindo-

nos com a pouca água na cascata.

Mas, deitados no fundo do relvado,

entre árvores gigantescas e olhando

o lago de nenúfares, percebemos que

Sintra já nos havia surpreendido. “Na

estrada de Sintra, ou na estrada do

sonho, ou na estrada da vida...”, es-

creveu Pessoa — nós nem precisamos

do Chevrolet para o perceber.

Poço das FontainhasRua das Fontainhas, 98SetúbalTel.: 265 534 807www.pocodasfontainhas.com

O RodinhasRua Marques de Pombal 25SesimbraTel.: 212 231 557http://marisqueiraorodinhas.pt.vu

Colares Velho Largo Doutor Carlos França, 1/4 Colares, SintraTel.: 219 292 727Email: [email protected]/RestauranteColaresVelho

O QUE FAZER

Ver roazes no SadoNão se sabe há quanto tempo esta espécie de golfinhos vive no Sado, mas estão para ficar e são uma das fontes da atracção da cidade de Setúbal e arredores — podem ser vistos também na costa da Arrábida e Tróia. Há empresas que organizam passeios.

Quinta do LapidárioEm Vila Nogueira de Azeitão, é fábrica de azulejos e casa de chá em parque luxuriante — para desfrutar da doçaria local, desde do queijo às tortas de Azeitão, sem esquecer o moscatel de Setúbal.

Rota dos Vinhos de SetúbalDas Caves José Maria da Fonseca à Quinta de Catralvos, o enoturismo oferece-se na órbita de Azeitão.

SintraA Quinta da Regaleira, o Palácio de Seteais e o Convento dos Capuchos fazem parte do roteiro obrigatório.

Page 17: Suplemento do jornal Publico "Fugas" dedicada à ilha de Santa Maria

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Page 18: Suplemento do jornal Publico "Fugas" dedicada à ilha de Santa Maria

18 | FUGAS | Público | Sábado 31 Agosto 2013

ViagemSingapura

A cabeça do leão que pensa como um tigre O microestado, com os seus 700 km2 e a segunda maior densidade populacional do mundo, celebra hoje 50 anos de independência do Império Britânico, um período de prosperidade que conduziu esta ilha na senda do progresso económico e para um patamar de excelência de fazer inveja a muitos dos vizinhos do sudeste asiático.

Sabe o que signifi ca Singapura?

Eu conhecia a resposta mas, adi-

vinhando a fome de conversa do

homem que, sentado ao meu lado,

no confortável Airbus da Singapore

Airlines, sorvia com prazer o seu se-

gundo whisky, deixei passar a men-

sagem de ignorância e fi tei-o interro-

gativo na esperança de, ainda assim,

ampliar os meus conhecimentos

sobre a cidade que é uma ilha e, ao

mesmo tempo, um estado.

- Singapura quer dizer…

As palavras foram entrecortadas

pela voz do comandante que anun-

ciava, para daí a 40 minutos, a ater-

ragem no aeroporto internacional

de Chanji. O homem bebeu mais

um gole, lançou um olhar através

da moldura da janela e, fi nalmente,

retomou a explicação:

- Quer dizer… cidade do leão.

Ele observou a minha expressão

admirativa em silêncio e, pensava

já eu que a conversa se fi caria por

ali, quando, subitamente, come-

çou a dissertar sobre a etimologia

da palavra:

- Singapura deriva do sânscrito,

não se sabe ao certo se de Simhapu-

ra ou Singhapura. Mas não o abor-

reço mais. Desfrute o seu tempo e

não se deixe infl uenciar pela ideia

generalizada de que Singapura não

é mais do que um paraíso para com-

pras. Vai fi car por muito tempo?

Respondi, com um sorriso, que

planeava permanecer três dias e,

depois de viajar pela Malásia e o

Brunei, outros três.

- É o ideal. Terá oportunidade de

conhecer numerosos recantos que

escapam ao turista apressado. Cami-

nhe serenamente pela Little India,

pela China Town e por Kampong

Glam. São os lugares mais genuínos,

mais coloridos, mais ricos em histó-

ria, lugares que conheceram poucas

alterações ao longo dos anos e que

são o espelho de uma cidade que

abriga distintas culturas e etnias.

De uma forma suave, o avião faz-se

à pista e, à minha esquerda, pers-

cruto um trecho do céu azul, como

o prenúncio de um dia radioso. Des-

peço-me com um aperto de mão e,

uns minutos depois, bem desperto,

caminho sobre alcatifa, dando por

mim a pensar que, se a primeira ima-

gem de um país, por mais errónea

que possa ser, é a do aeroporto, o

de Chanji, por onde passam, anual-

mente, mais de 40 milhões de pas-

sageiros, foi construído à medida da

importância de Singapura. A organi-

zação raia a perfeição, a celeridade

de processos, desde a recolha de ba-

gagens às burocracias alfandegárias,

conduz-me rapidamente para uma

porta que se abre deixando entrar o

ar impregnado de calor e humidade,

como uma bofetada violenta a dar as

boas-vindas ao viajante. De autocar-

ro, cruzo as ruas limpas da cidade,

vejo passar árvores e jardins viçosos,

casas coloniais que se encolhem pe-

rante arranha-céus e, à distância, o

mar que rebrilha e cujas águas são

sulcadas por cargueiros e pequenas

embarcações sobre as quais incidem

os primeiros e pálidos raios matinais.

Selva e pesca“É impossível conceber um lugar

que combine mais vantagens… É o

Sousa Ribeiro

Page 19: Suplemento do jornal Publico "Fugas" dedicada à ilha de Santa Maria

FUGAS | Público | Sábado 31 Agosto 2013 | 19

mentais em redor de Forbidden

Hill (hoje designada Fort Canning

Hill). Para dar corpo à visão futura

de “um lugar de considerável mag-

nitude e importância”, Raffl es foi o

mentor de um projecto urbanístico

que englobava ruas largas bordeja-

das de lojas de comércio e passeios

cobertos, estaleiros navais, igrejas

e até um jardim botânico, obras

que transformaram radicalmente

a paisagem de Singapura.

O diagrama de Raffl es abrangia

igualmente a prática colonialista de

administrar a população de acordo

com a categoria racial, com euro-

peus, indianos, chineses e malaios

a viver e a trabalhar nos seus dife-

rentes bairros, um ordenamento

que foi posto em causa na sequên-

cia dos graves acontecimentos que

mancharam de sangue o território

em 1964, um ano antes de aban-

donar a Federação da Malásia. Os

tumultos mortais que opuseram

chineses a malaios, em parte pro-

vocados pela recusa de Singapura

em alargar privilégios constitucio-

nais aos malaios residentes na ilha,

marcaram profundamente o tecido

social e tiveram eco nos vinte anos

que se seguiram, com manifesta-

ções esporádicas de um certo his-

terismo colectivo.

centro dos países malaios”, escre-

veu, maravilhado, Sir Thomas Sta-

mford Raffl es em 1819, poucos dias

após ter posto pela primeira vez os

pés na lama, obcecado com a ideia

de transformar a ilha num dos bas-

tiões do Império Britânico. Com a

morte, por esses dias, do sultão de

Johor, cujo império integrava o ter-

ritório de Singapura, foi o fi lho mais

novo que, aproveitando a ausência

do irmão mais velho, assumiu o po-

der, estabelecendo um pacto com

os holandeses. Raffl es, desejoso

de garantir direitos de exploração

aos ingleses, transformando a ilha

num entreposto avançado de co-

mércio, apoiou o regresso do fi lho

mais velho do sultão, elevando-o

a esse estatuto e obtendo, em tro-

ca, a assinatura de um tratado que

conferia ao Império Britânico total

soberania sobre os negócios que já

se perspectivam no horizonte dos

colonizadores.

Nesses primeiros anos do século

XIX, Singapura, com um enorme

potencial devido à sua posição

geográfi ca, no extremo sul do es-

treito de Malaca, não era mais do

que um pântano inóspito rodeado

de selva densa e habitado apenas

por 150 pescadores e um ainda

mais reduzido número de agricul-

tores chineses. De regresso ao seu

entreposto, em Bencoolen, na ilha

de Sumatra (Indonésia), Raffles

deixou instruções precisas para

transformar Singapura em porto

livre, tarefa da qual se encarregou

com sucesso o novo Residente Bri-

tânico, Coronel William Farquhar.

Três anos mais tarde, em 1822, Ra-

ffl es estava de volta a Singapura,

assumindo a governação da ilha e

traçando um plano da cidade que

compreendia o nivelamento de

uma colina de modo a criar um

distrito comercial (presentemen-

te conhecido por Raffl es Place) e

a construção de edifícios governa-

Marina Bay (foto à esquerda) é uma das zonas mais procuradas pelos turistas; à direita, Little India, espaço privilegiado de negócios da comunidade indiana e um mundo à parte em Singapura

AVANTIKA GANJOO / REUTERSEDGAR SU / REUTERS

Page 20: Suplemento do jornal Publico "Fugas" dedicada à ilha de Santa Maria

20 | FUGAS | Público | Sábado 31 Agosto 2013

A vida em blocosHoje, os ânimos estão apaziguados

num país que se pode considerar,

sem qualquer ponta de exagero,

um paraíso do conformismo e onde

reina uma democracia autoritária

(a título de exemplo, a tentativa de

suicídio implica o cumprimento de

uma pena de prisão). Ainda assim, no

meio desta serenidade, as clivagens

permanecem intactas: a população

da ilha, aproximadamente cinco mi-

lhões, divide-se entre chineses (77%),

malaios (14%), indianos (8%) e expa-

triados e mão-de-obra proveniente

do sudeste asiático (1%). No sentido

de garantir a paz social, o Estado,

que controla em grande escala o

liberalismo económico, ordenou a

construção de imóveis (é importan-

te não esquecer a difi culdade que

consiste em abrigar cinco milhões

em 700 km2 e que Singapura tem a

segunda maior densidade populacio-

nal do mundo, apenas superada pelo

Mónaco), os famosos HDB, acrónimo

de Housing & Development Board, e

cujos residentes são divididos atra-

vés de um sistema de quotas étnicas

tendo em conta a média nacional,

uma medida que fomenta a interac-

ção social e atenua a possibilidade

de segregação racial ou de criação

de enclaves ou guetos, tão comum

noutros países.

Cada bloco funciona de forma in-

dependente, com um espaço para

a prática do desporto, jardim-de-

infância, ginásio, supermercado,

restaurante, um conjunto de facili-

dades (em contraste com os inestéti-

cos prédios construídos na década de

1960) que serve de base para o epí-

teto de “Cidade Radiosa”. Se o con-

vívio social é uma regra importante,

exaltando valores como respeito mú-

tuo, afecto, piedade, solidariedade

e responsabilidade, a mistura do

ponto de vista cultural é, aos olhos

do Estado, uma situação a evitar – e

não é por acaso que os lugares de

culto são proibidos (tal como o véu

muçulmano nas escolas públicas)

e os cemitérios comuns a todas as

religiões nestes grupos de imóveis

onde nem sequer falta um espaço

para a celebração de matrimónios e

organizações de caridade que assis-

tem os desfavorecidos e substituem

o Estado em matéria de protecção so-

cial. Dentro de casa – tanto pode ser

um estúdio como um apartamento

de cinco assoalhadas, comprado ou

arrendado – cada um tem o direito

de expressar livremente a sua fé e

de viver como bem entender; uma

vez transposta a porta, as inúmeras

câmaras de vigilância nos extensos

corredores (e até nos elevadores)

estão ali para confi rmar que a lista

de proibições é religiosamente cum-

prida (e dela constam fumar, comer,

atirar lixo para o chão, cães, gatos,

bicicletas, skates, etc).

Contendo este modo de vida aspec-

tos positivos e negativos, a verdade é

que mais de 80% da população recor-

re a este serviço público e, por para-

doxal que possa parecer, são muito

poucos, mesmo muito poucos, os que

vivem abaixo do limiar da pobreza.

Grande Little IndiaPerante uma tal febre de constru-

ção, poucos foram os bairros que re-

sistiram à megalomania dos agentes

imobiliários. As excepções, como

oásis em desertos, com as suas ca-

sas baixas, são China Town, Raffl es,

Kampong Glam e Little India. A meio

da manhã, já sob um sol inclemente

ávido de incendiar a Terra, vagueio

pelas ruas desta última, tão cheias de

alma e de tonalidades, deliciando-

me com os aromas que remetem a

minha memória para lugares menos

cosmopolitas mas mais exóticos. O

espaço privilegiado de negócios da

comunidade indiana, originalmente

um enclave europeu, é um mundo

aparte de Singapura, o lugar para

onde converge a mão-de-obra barata

vinda não só da Índia como do Ban-

gladesh e do Sri Lanka para executar

trabalhos de construção que os ci-

dadãos locais se recusam a aceitar.

Little India, com os seus templos

multicoloridos – como o Sri Veera-

makaliamman, dedicado a Kali, o Sri

Srinivasa Perumal, de onde parte o

desfi le para o Chettiar Hindu Tem-

ple durante o festival Thaipusam, e

o Sakaya Muni Buddha Gaya, mais

conhecido como o templo das mil

luzes e onde pontifi ca um buda com

15 metros de altura e o impressionan-

te peso de 300 toneladas –, os seus

restaurantes, o incessante formiguei-

ro humano e as suas lojas cheias de

identidade é o lugar, em toda a ci-

dade, onde a vida dá ares de correr

mais devagar, o lugar que mais des-

perta os sentidos do viandante, como

se, de repente, deixando para trás

os prédios que se erguem nos céus,

um passado intangível o envolves-

ViagemSingapura

Page 21: Suplemento do jornal Publico "Fugas" dedicada à ilha de Santa Maria

FUGAS | Público | Sábado 31 Agosto 2013 | 21

rista pode sempre fl anquear as por-

tas de templos, igrejas e mesquitas –

e por ali permanecer, contemplando,

meditando. É o que faço a meio da

tarde na Mesquita do Sultão, erran-

do por este espaço onde cabem três

mil fi éis e cuja construção remonta a

1825 (cem anos mais tarde haveria de

ser substituída por uma outra) antes

de sair para a rua e, sentado num

café, olhar a cúpula dourada con-

tra o céu azul. A Arab Street, com as

suas palmeiras e casas de cores gar-

ridas, estendendo-se de um lado e

se, matizando-o de uma melancolia

nostálgica.

Um raio de luz é fi ltrado pela ja-

nela e incide sobre o homem que,

totalmente compenetrado, deixa os

olhos correr pelas páginas do Corão.

Se Little India é o coração dos hin-

dus e dos sikhs, Kampong Glam é

terreno fértil para os muçulmanos

nesta ilha onde as diferentes religi-

ões (budismo, hinduísmo, islamismo

e cristianismo) convivem em perfeita

harmonia. Desde que essa seja a sua

vontade e o faça com respeito, o tu-

do outro, é uma das zonas que mais

singularidade expressa em toda a ci-

dade; se, durante o dia, nos invade

com a sua paz apaziguadora, à noite,

mal o crepúsculo se anuncia, pulsa

plena de vibração, com os seus bares

e restaurantes turcos e egípcios, as

suas lojas e as suas gentes tão distin-

tas, caminhando para cá e para lá.

A cidade da arteA manhã desperta sob um céu plúm-

beo e as águas do rio Singapura, que

divide o Distrito Colonial do Central

Business District e é, ainda hoje, mais

de um século depois, a principal via

de comércio da cidade-estado, reve-

lam um brilho triste que os barcos

coloridos atenuam, conferindo ao

Boat Quay uma puerilidade que re-

sulta da comparação com as torres

assustadoramente gigantes que se

erguem como pano de fundo. Até

1960 o principal centro de comércio

de Singapura, vinte anos mais tarde

pouco mais restava do que as ruínas

de uma época de esplendor, levando

o governo a avançar com um plano

de restauração e a declarar o Boat

Quay como área protegida. Bares e

restaurantes, com fachadas de cores

fortes, atraem actualmente, mal os

escritórios da CBD encerram as suas

portas, sequiosos homens de negó-

cios em busca de um momento de

descontracção, escutando o suave

murmúrio da corrente na antecâma-

ra de uma paz crepuscular.

As nuvens são varridas e, mal po-

nho o pé em Clarke Quay, já os raios

de sol fustigam tudo à sua volta. As-

sim designado em homenagem a Sir

Andrew Clarke, o segundo gover-

nador colonial de Singapura, este

cais tem sofrido várias mudanças

nos últimos 50 anos, ora como meca

de compras, ora como, de há sete

anos a esta parte, área de entreteni-

mento, onde a sede de beber é mais

forte do que a sede de comprar. Mas

Clarke Quay distingue-se ainda por

ser o espaço onde excêntricos de-

signers têm carta branca para dar

corpo aos seus projectos mais ex-

travagantes. Famosa por ser uma

cidade que apela ao consumo (ao

turista que chega ao aeroporto não é

imposto qualquer limite de dinheiro

para entrar no país) Singapura tem-

se destacado, nos últimos anos, no

âmbito das artes. O governo incen-

tiva a criatividade e multiplica os lo-

cais de difusão cultural, recorrendo

às enormes infraestruturas públicas

para proporcionar exposições, fi l-

mes, espectáculos de dança, desfi les

de moda e peças de teatro, todos

eles com entrada gratuita.

Inaugurada em 2002 e com um

custo total de 350 milhões de euros,

a Esplanade-Theatres on the Bay é o

melhor exemplo da Singapura con-

temporânea, embora concorrendo

com o recentemente inaugurado

Marina Bay Sands SkyPark, com os

seus duzentos metros de altura em

forma de barco. No início alvo de

Se Little India é o coração dos hindus e dos sikhs, Kampong Glam é terreno fértil para os muçulmanos nesta ilha onde as diferentes religiões convivem em perfeita harmonia

No sentido dos ponteiros do relógio: a ponte sobre o rio, aqui palco da celebração do Ano Novo chinês; a piscina panorâmica do Sands Skypark; um dos edifícios construídos ao abrigo do programa HDB; e Boat Quay, que até aos anos 1960 foi o principal centro de comércio de Singapura

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REUTERS/RINA OTA

VIVEK PRAKASH / REUTERS

Page 22: Suplemento do jornal Publico "Fugas" dedicada à ilha de Santa Maria

22 | FUGAS | Público | Sábado 31 Agosto 2013

forte controvérsia, o edifício que pri-

vilegia a maximização de luz natural

e se assemelha a um enorme durian,

considerado o rei dos frutos tropi-

cais no sudeste asiático, abriga sob

as suas cúpulas um teatro italiano

com capacidade para duas mil pes-

soas, um auditório com 1600 lugares

e outras duas salas onde cabem 500

espectadores, espaços com perfor-mances nacionais e internacionais

permanentes (algumas no exterior)

e vizinhos de alguns dos melhores

restaurantes de Singapura.

Na verdade, foram necessários al-

guns anos para os locais aceitarem

o gigante durian como parte da pai-

sagem da cidade e hoje, mais de dez

anos decorridos sobre a abertura

ofi cial, é o palco por onde uma gran-

de maioria, especialmente casais de

namorados, gosta de se passear, des-

frutando dos amplos terraços para

deitar um olhar ao Mar da China,

onde agora o sol mergulha e acelera

a minha vontade de me sentar tran-

quilamente no bar do Raffl es Hotel

com uma ideia na mente:

- A Singapore Sling, please!

A força do tigreSe recuarmos menos de 70 anos,

quando a bandeira inglesa ainda

drapejava ao vento, Singapura, com

uma população que não ultrapas-

sava os 700 mil habitantes, não era

mais do que uma pequena metrópo-

le portuária, com as suas sampanas,

mercados ambulantes e uma vasta

área insalubre. Colónia inglesa até

1959, tornou-se autónoma nesse

mesmo ano, cabendo ao Partido de

Acção Popular (PAP) – partido úni-

co e ainda hoje no poder – dotar o

território de uma nova constituição.

Conquistada a independência de In-

glaterra, faz hoje, dia 31 de Agosto,

precisamente 50 anos, deu início,

pela mão do Grande Timoneiro, Lee

Kwan Yew, primeiro-ministro até

1990 que foi substituído pelo fi lho,

Lee Hsien Loon, ao milagre socioe-

conómico que faz da cidade-estado

uma referência na Ásia e no mundo.

Exceptuando alguns altos e bai-

xos, como a invasão japonesa du-

rante a II Guerra Mundial, a ilha tem

prosperado como o mais importante

eixo do comércio livre no sudeste

asiático (nenhum porto se equipa-

ra ao de Singapura). Embora tenha

sentido os efeitos da crise económi-

ca mundial, em 2009, o forte estí-

mulo proporcionado pelo governo

relançou de novo a economia e,

actualmente, Singapura ostenta o

estatuto de um dos PIB per capita

mais elevados do mundo, o país é

sinónimo de riqueza e de progresso,

de ausência de corrupção e de emi-

ViagemSingapura

Guia prático

TAILÂNDIA

OCEANOÍNDICO

INDONÉSIA

CAMBOJA

LAOS

MALÁSIA

VIETNAME

SINGAPURA

QUANDO IR

O calor e a humidade dominam o dia-a-dia de Singapura, situado a apenas 90 quilómetros da linha do Equador. Ao longo do ano, a temperatura nunca se situa abaixo dos 20 graus e são poucos os dias em que não atinge os 30. Tão rapidamente o turista é envolvido por uma chuva torrencial, como, poucos minutos depois, por um sol radioso. Durante a época das chuvas, entre Novembro e Janeiro, a precipitação ocorre diariamente e a temporada mais seca vai de Maio a Julho.

COMO IR

A melhor tarifa entre Lisboa e Singapura, tendo como referência a segunda quinzena de Setembro, é oferecida pela Lufthansa. A companhia aérea alemã liga as duas cidades, com uma curta escala em Frankfurt, por 778 euros, valor idêntico ao que é proporcionado pela KLM, com a agravante de obrigar a uma escala de nove horas em Amesterdão e seis em Paris (o voo de regresso é operado pela Air France). É também possível utilizar, partindo da capital portuguesa, os serviços da Emirates ou da Qatar Airways, se bem que esta última tem o inconveniente de efectuar duas escalas antes de atingir o destino (em Madrid ou Barcelona e em Doha), enquanto a primeira permite ligar Lisboa ao Dubai e, após uma breve paragem de duas horas, cumprir a última etapa do percurso. A Emirates cobra pouco mais de 820 euros, ao passo que a Qatar Airways não ultrapassa os 790.

O QUE FAZER

Singapura é uma cidade que, não obstante a sua reduzida área, oferece ao turista múltiplas opções. Tornar-se-ia exaustivo fazer referência a todos os lugares de interesse mas alguns são absolutamente imperdíveis. É o caso, por exemplo, do Museu das Civilizações Asiáticas (1 Empress Place), uma viagem ao longo de dez galerias temáticas que focam aspectos tradicionais da cultura pan-asiática, religião e civilização, com delicados artefactos do sudeste asiático, do Sri Lanka, da China, da Índia e até da Turquia, bem como uma mostra do Islamismo e da sua influência na região.

Se tiver roupa apropriada (não pense em ir de calções e havaianas), recomenda-se uma visita ao Raff les Hotel, uma instituição e um ícone da arquitectura colonial que, graças aos irmãos Sarkies, oriundos da Arménia, abriu as suas portas em 1887. Nesses anos longínquos resumia-se a um modesto bungalow com dez quartos; doze anos mais tarde era já sinónimo de opulência oriental, atraindo a elite inglesa e figuras da literatura como Somerset Maugham. No Raff les nasceu o famoso Singapore Sling, cocktail inventado pelo empregado de bar Ngiam Tong Boon; sob a sala

gração selectiva, de um desenvolvi-

mento sustentável. Caminhando pe-

las ruas, conversando aqui e acolá,

percebe-se facilmente que os cida-

dãos locais sentem orgulho por tudo

o que foi conseguido em tão poucos

anos de existência. Trabalhadores

laboriosos, os singapurenses pro-

jectam uma imagem de afabilidade

e de educação, uma das prioridades

do estado, e ao mesmo tempo uma

vontade enorme de participar no

desenvolvimento do país, com a

criação de indústrias pioneiras em

áreas como a biologia, a medicina

e o estudo do genoma humano (na

Biopolis, centro de pesquisa e desen-

volvimento, trabalham mais de dois

mil investigadores), mas também no

campo das telecomunicações.

A tarde, como o país, avança ra-

pidamente. Sento-me à espera que

o sol se ponha e as luzes se acen-

dam, espalhando o seu refl exo pe-

las águas. E, em voz baixa, divago,

tentando encontrar ainda mais ex-

plicações para a pujança económica

deste microestado que se conver-

teu num dos cinco tigres da Ásia.

Ao meu lado, está o Merlion, uma

estátua híbrida, com cauda de sereia

e uma cabeça de leão que jorra água

pela boca.

Em que fi camos? É a cidade do

leão ou a cidade do tigre?

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RAKE

Page 23: Suplemento do jornal Publico "Fugas" dedicada à ilha de Santa Maria

FUGAS | Público | Sábado 31 Agosto 2013 | 23

Mais viagens emfugas.publico.pt/

de bilhar foi abatido, em 1902, o último tigre de Singapura. Após um período de decadência, entre 1970 e 1990, reabriu as suas portas de cara lavada – o que quer dizer após obras com um custo global de aproximadamente cem milhões de euros. Antes ou depois de um copo, vale a pena dar uma espreitadela no Raff les Museum, aberto das 10h às 22h e com entrada livre.

Mais recente (inaugurado em 2008), e não menos interessante, é o Museu Peranakan (39 Armenian Street), um testamento da cultura Peranakan (chineses nascidos no estreito), mescla de objectos e de exibições interactivas, incluindo um diorama de uma casa tradicional suportado por uma montagem de vídeo em que dois idosos discutem até que ponto os seus descendentes irão ou não preservar cultura e tradições. Para uma visão mais próxima e real do modo de vida desta comunidade ligada à história das origens de Singapura, o melhor mesmo é perder-se pelo Katong District, admirando as suas casas com terraços, decoradas com requintados colunas em estuque, dragões, pássaros e soberbos ladrilhos vítreos. Esta área permite também ao viajante provar alguma da gastronomia típica e ver de perto como se fazem as bonitas blusas ao estilo Nonya.

Crianças – mas também adultos – ficarão deleitados com uma experiência em Sentosa Island, a apenas 500 metros da costa sul de Singapura, um resort de luxo (Parque Temático da Universal Studios, Underwater World, cujo preço de entrada inclui a admissão à baía dos golfinhos, e uma extraordinária panorâmica desde o Merlion, uma estátua com quase 40 metros de altura) utilizado pelos ingleses como fortaleza militar no final do século XIX; para os admiradores de pássaros, recomenda-se o Jurong Bird Park (2 Jurong Hill), com mais de 600 espécies, 30 das quais em vias de extinção; para os amantes da natureza, os Jardins Botânicos (que acolhe também o Jardim Nacional das Orquídeas, planta

Road Food Centre, entre outros), onde a qualidade do que se come vale bem a pena o preço (muito em conta) que paga. Em Kampong Glam, é impensável não visitar o Zam Zam (699 North Bridge Road), uma verdadeira instituição aqui instalada desde 1908 e onde os martabaks (pão achatado com carneiro, frango ou legumes) são uma permanente tentação. Na Little India, perante a enorme oferta, a dificuldade reside na escolha mas o viajante não se irá arrepender quando, depois de ser recebido calorosamente, provar as delícias do Spice Queen (caril de cabeça de peixe, entre tantas outras), com a assinatura da chef Devagi Sammugam, a cozinhar há mais de 30 anos. O restaurante fica situado na 24/26 Race Course Road e é possível adquirir um livro de receitas ou participar, mediante inscrição, num curso

simbólica da cidade-estado, com mais de 60 mil exemplares) e o Jardim Zoológico, com 26 hectares e sem uma única jaula (há mais de dois mil animais e todos parecem felizes), um exemplo para muitas cidades do mundo. Para quem gosta de aventura, um dos pontos altos em Singapura é um safari nocturno. Se apostar numa panorâmica de 360 graus, o Marina Bay Sands SkyPark ou o Singapore Flyer são as opções a ter conta. A visita não ficará completa sem uma subida ao Monte Faber e, para quem não resiste ao consumismo, à Orchard Road, com os seus megalómanos centros comerciais. Se esse não é um dos seus desportos preferidos, interne-se pela encantadora Emerald Hill, com as suas casas majestosas, e sinta o pulsar sereno desta artéria.

fernloft.com), em China Town e na Little India, oferece camas em dormitórios por apenas 12 euros ou um duplo por menos de 40 euros. Situado a apenas 50 metros do Bugis MRT (1628 Rochor Road), o Bugis Backpackers Hostel também pratica preços acessíveis (entre 15 e 40 euros) e um conjunto de facilidades, a começar pela localização. O Bugis, a funcionar desde 2006, aceita reserva exclusivamente através do site oficial (www.bugisbackpackers.com).

ONDE COMER

de culinária. Em China Town, os apreciadores da gastronomia de Sichuan não se sentirão defraudados com o banquete que lhes é oferecido no Chuan Jiang Hao Zi (12 Smith Street), especializado em comida a vapor (na prática dois recipientes com um caldo, um deles picante, onde deverá colocar o que mais lhe agradar, carne, peixe, marisco e legumes.

Singapura é uma das melhores cidades do mundo para saciar o apetite e não é por acaso que comer (a par das compras) é um dos desportos preferidos dos locais. Do mais barato ao mais caro, do mais básico ao mais sofisticado, são poucas as gastronomias mundiais que não estão representadas nesta ilha. Ainda assim, a melhor e mais deliciosa experiência passa por uma visita a um centro de vendedores ambulantes (China Town Complex, Chomp Chomp, Lavender Food Center e Adam

ONDE DORMIR

O Raff les Hotel (www.raff leshotel.com, em baixo, na foto), um grande palácio em estilo colonial, é a primeira opção para quem procura viver uma experiência única num espaço repleto de história – e talvez o preço pago por uma noite (entre 580 e 4650 euros) também fique para a história do turista.

Mas, a despeito de encontrar um quarto vago ser, por vezes, uma tarefa complicada, Singapura tem alternativas para todas as carteiras e uma das mais credíveis, pela relação preço-qualidade (entre 90 e 120 euros), passa pelo antigo Perak Lodge, agora pomposamente designado Perak Hotel (www.perakhotelsingapore.com), situado no coração da Little India. Também por cerca de 120 euros pode instalar-se no cómodo Duxton (www.theduxton.sg), localizado em Tanjong Pagar, próximo do CBD. Entre as opções mais em conta, o Fern Loft (www.

INFORMAÇÕES

Para visitar Singapura é necessário apenas um passaporte com validade de seis meses. O visto, sem qualquer encargo, pode ser obtido no aeroporto, à chegada, ou em qualquer fronteira, garantindo uma permanência de 30 dias na ilha (em alguns casos, mas somente nas fronteiras terrestres, pode não exceder as duas semanas, uma situação facilmente contornável com uma breve visita à vizinha Malásia e o posterior regresso a Singapura).

É importante notar que a lei é extremamente dura e que a posse de droga é punida com uma longa pena de prisão. Num país com fracos índices de corrupção, o tráfico de estupefacientes equivale à pena de morte. Fumar em locais públicos é expressamente proibido (a multa pode ascender a 300 euros), bem como atravessar a menos de 50 metros da passadeira (30 euros) ou atirar lixo para o chão (600 euros). Estas e outras regras, por norma respeitadas por turistas e locais, fazem de Singapura um dos países mais seguros e mais limpos do mundo.

Um dólar de Singapura equivale a aproximadamente 60 cêntimos e é preferível recorrer às casas de câmbio, uma vez que a maior parte dos bancos cobra uma taxa de três euros por cada operação efectuada. A diferença horária entre Portugal e Singapura é de sete horas no Verão e de oito no Inverno.

REUTERS/VIVEK PRAKASH

REUTERS/TIM CHONG

Page 24: Suplemento do jornal Publico "Fugas" dedicada à ilha de Santa Maria

24 | FUGAS | Público | Sábado 31 Agosto 2013

DormirQuinta do Cão

Com os pés no Douro,

a gozar o silêncioNão é fácil chegar à Quinta do

Cão, mas depois de lá estar não vai querer sair. O silêncio, a piscina, o rio, os terraços ou

os campos de jogos ajudam--no a gastar energias ou a

prolongar a preguiça. Dormir, então, é um sossego.

Chegamos ao fi nal da

tarde, quando o sol ainda não se es-

condeu por trás das encostas (mas es-

tá quase, quase a fazê-lo) e os barcos

já não passam pelo Douro, rio acima,

rio abaixo. Mas é ele que nos atrai,

de imediato. Deixamos a casa para

depois e descemos até ao rio, para

molhar os pés. A água é escura, pro-

funda e está morna, morninha. Respi-

ramos fundo e escutamos o silêncio.

Aqui é possível esquecer o mundo.

Chegar à Quinta do Cão dá algum

trabalho. A página da Internet do es-

paço dá instruções precisas para não

nos perdermos, no caminho do Porto

até à freguesia de São Lourenço do

Douro, no Marco de Canaveses, mas,

mesmo depois da última placa azul

que indica a presença da quinta, se-

guimos com algumas dúvidas. A es-

trada é estreita (não se cruzam dois

carros, apesar de ter dois sentidos) e

parece estar sempre a terminar logo

ali à frente, deixando-nos num ca-

minho sem saída. Assim que o carro

avança mais um pouco, percebemos

que afi nal o caminho continua, sem-

pre a descer, até ao portão largo que

indica que, agora sim, chegamos.

Pedro Pinto e a esposa compraram

a Quinta do Cão em 1995, para uso

familiar. Na altura, a quinta era “só

quase um terreno, com algumas me-

mórias de casas”, recorda o empre-

sário. Tudo foi, por isso, construído

de novo, reutilizando a pedra local,

organizando os socalcos para que al-

bergassem, em cada um dos seus pa-

tamares, mais um espaço dedicado

ao lazer, abrindo caminho à piscina

com vista sobre o rio. Pedro, a mu-

lher e os dois fi lhos gozavam da casa

quando podiam, mas perceberam

rapidamente que “não fazia sentido

não a partilhar com outros”. Foram

convidados amigos e familiares e o

projecto de criar uma unidade de Tu-

rismo em Espaço Rural ganhou força

com a proximidade do Euro 2004.

“Percebemos que havia alguma es-

cassez de alojamento e desafi aram-

nos a abrir as portas. As primeiras

pessoas que recebemos acabaram

por ser pessoas que andavam pelo

Porto, Aveiro e Guimarães, a ver os

Patrícia Carvalho

FOTOS DR

Page 25: Suplemento do jornal Publico "Fugas" dedicada à ilha de Santa Maria

FUGAS | Público | Sábado 31 Agosto 2013 | 25

jogos dos seus países”, diz.

À quinta chega-se pela estrada,

mas também pelo rio. Lá em baixo,

há um pequeno ancoradouro em

frente ao qual desfi lam, ao longo do

dia, os cruzeiros do Douro, em direc-

ção à Régua, pequenas embarcações

de recreio, algumas canoas e até um

barco rabelo. Exceptuando o ruído

dos motores desses barcos, parece

que não há som que chegue ali para

perturbar quem procura o descanso.

E ele pode ser gozado de diferentes

maneiras. Nos quartos, sem televi-

são (embora isto seja um desperdí-

cio, porque lá fora é muito melhor).

Nas espreguiçadeiras junto à piscina.

Na piscina, a olhar o Douro. Na sala

de estar, a ver televisão, a jogar xa-

drez, ler uma revista ou a jogar às

cartas. No terraço amplo, sentados

num pouff , a ler um livro. Nos bancos

junto à gaiola gigante, com pássaros

esvoaçantes e coloridos por perto e

uma fonte por companhia. A subtrair

uns morangos doces e vermelhos dos

vasos gigantes junto à esplanada da

sala de refeições. A ver se as maçãs

já estão boas para comer ou a pen-

sar que no Outono também há-de ser

bom vir até aqui e poder apanhar as

castanhas que já se desenham dentro

dos ouriços ainda verdes.

Mas se tanto descanso já o cansa,

não faz mal. Pode descer ao último

piso da casa principal — que, graças

aos socalcos, também tem diferentes

andares e saídas — e jogar snooker.

Ou procurar, perto da piscina, o re-

canto abrigado com mesa de matra-

quilhos ou pingue-pongue. Ou im-

provisar uma partida de bowling com

os pinos de madeira arrumados a um

canto. Ou subir a encosta e utilizar o

court de ténis, que também tem um

cesto de basquetebol e balizas para

improvisar outros jogos. Ou, fi nal-

mente, subir um pouco mais e deixar

as crianças gastarem as energias no

parque infantil da quinta.

Chegar ali pode não ser demasiado

fácil, mas a verdade é que também

não terá muitas razões para querer

sair. As refeições são confeccionadas

no local, mediante marcação, ou, se

preferir, há um churrasco à dispo-

sição, perto da piscina. Ao almoço,

sugerem-se refeições leves (para que

se possa regressar à piscina o mais

depressa possível) e Cristina, que

toma conta da casa, pergunta-nos o

que preferimos, porque vai sair para

as compras e pode assim “orientar-

se”. Uma salada e uma baguete de

atum, com tomate vermelhinho, ovo

e alface, deixam-nos satisfeitos. O ba-

calhau com puré e salada, à noite,

seguidos de fi gos, mousse de man-

ga ou gelado com bolacha pedia um

passeio nocturno, que acabamos por

não dar, prolongando a conversa à

volta da mesa de madeira.

Não foi difícil adormecer. O silên-

cio foi, quase sempre, total. É certo

que um galo cantou cedo, cumprindo

a tradição de anunciar que o dia es-

tava a nascer, mas não fez mal. Cães

a ladrar também não havia. Aliás,

na Quinta do Cão, o que mais vimos

foram gatos, pachorrentos e silen-

ciosos, estendidos à sombra. Acor-

damos devagar, preguiçosamente. Se

tivéssemos uma semana e livros por

companhia, não custaria nada deixar

que o mundo se esquecesse de nós,

neste recanto do Douro. Nós de cer-

teza que nos esqueceríamos dele.

A Fugas esteve alojada a convite da Quinta do Cão

COMO IR

QUINTA DO CÃO

Rua da Foz, 648São Lourenço do Douro4624-531 Marco de CanavesesTel.: 255 582 703Email: [email protected]: 41.09402; -8.188505

A Quinta do Cão tem três quartos duplos e dois quartos familiares. Estes últimos ficam fora da casa principal e podem albergar quatro pessoas cada. O preço, com pequeno-almoço, é de 110 euros por quarto duplo e 160 por

quarto familiar. Uma cama extra custa 25 euros. A Quinta do Cão fecha as portas de Novembro a Janeiro, mas abre, para os interessados, para o Natal e Ano Novo. Os preços, nestes casos, são sob consulta.

Siga pela A4 e abandone a auto-estrada na saída que indica Penafiel Sul/Entre-os-Rios. O caminho segue depois pela EN106, sempre em direcção a Entre-os-Rios e, depois, Alpendurada. A seguir, há-de aparecer uma indicação para a Régua (EN 198) e é por aí que quer aí. Ao quilómetro 51, depois da freguesia de Magrelos, encontra as placas azuis que indicam a quinta. Siga-as, é sempre a descer, até ao portão largo que indica o fim da viagem.

Construída para ser uma casa de família, a Quinta do Cão está decorada para o mesmo efeito. Nenhum espaço é igual ao outro, há peças de arte espalhadas por toda a casa, que os donos trouxeram, em parte, de uma galeria a que estiveram associados; se quiser, pode levar para casa a tampa da lata de conserva que acompanha a chave do seu quarto. Ficámos no quarto Barco Rabelo e ele lá estava, minúsculo mas carregado, na lata de conserva colada junto à porta, criada por Isabel Ribeiro (hobbyir.blogspot.pt). A tampa tinha todas as explicações sobre a embarcação. No quarto, a roupa de cama e de casa-de-banho é Ralph Lauren e, em breve, entrará em vigor uma parceria com a Ach Brito, que permitirá à quinta ter os famosos sabonetes nacionais espalhados pela casa. “As pessoas podem pegar e levar para casa, para experimentar”, garante Pedro Pinto, que gostaria ainda de ter uma parceria, assente na troca de serviços, com produtores da região de vinhos, azeites e compotas. “A ideia era deixar o euro de fora. Nós servíamos de montra para os produtos deles e eles podiam usar a quinta para receber convidados ou eventos.” Esta parceria não passa, para já, de uma ideia, assim como a vontade de Pedro de ter instalado na quinta, em permanência, um casal que assuma todo o serviço e acompanhamento aos turistas. “Gostávamos de ter caseiros que pudessem tratar das limpezas e da cozinha, mas também do jardim, criar uma horta biológica, prestar informações, ensinar a pescar… Mas não é fácil, ainda não encontramos ninguém”, diz.

PARCERIAS

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26 | FUGAS | Público | Sábado 31 Agosto 2013

RestauranteVinum

Paisagem fabulosa e uma cozinha a condizerProdutos regionais e pratos da melhor cozinha tradicional em contexto elegante e descontraído. No restaurante das Caves Graham’s é das coisas simples e puras que resulta a diferença da experiência gastronómica. É claro que há mais barato, só que não é tão bom!

A ideia original

terá sido a de criar um palco para

a história e os vinhos da casa mas

o recital está longe de se fi car por

aqui. Além da parte museológica e

dos armazéns onde estagiam pre-

ciosos vinhos do Porto, as Caves

Graham’s oferecem agora também

o serviço de um atraente restauran-

te e bar vínico propondo “uma ex-

periência gastronómica singular”.

Associada ao vinho, claro, mas

também com o propósito de “tra-

zer para a mesa a cozinha tradicio-

nal do Douro, de Trás-os-Montes,

do Minho e do Oceano Atlântico”.

Uma gastronomia que se anuncia

como assente nos produtos locais,

com “pratos tradicionais confeccio-

nados de forma simples e franca”

e enriquecida com “um toque de

inovação inspirado nas mais im-

portantes referências da cozinha

internacional”, tal como se apre-

senta o Vinum – Restaurante & Wi-

ne bar, na sua designação ofi cial.

Propósito que, diga-se desde já, se

vê efi cazmente correspondido sobre

a mesa, com base numa carta con-

cisa, mas criteriosa, e um serviço

que parece ainda à procura do ritmo

adequado.

Para lá da qualidade e critério

gastronómico, o recital completa-se

com um ambiente de refi nado bom

gosto e simplicidade e um cenário

absolutamente único, com vistas

fabulosas sobre o Douro e a zona

histórica do Porto e de Gaia.

Apetece mesmo dizer que só para

poder desfrutar do cenário já a visita

estaria mais que justifi cada, o que

seria extremamente redutor face

à importância e interesse da parte

museológica, a qualidade das caves

e dos vinhos e o excelente trabalho

de restauro conjunto. Tudo é de vi-

sita obrigatória e nada obriga a que

seja feita em conjunto. Há que des-

frutar, portanto.

Por agora, o que nos interessa é o

restaurante, que experimentámos

em dois momentos distintos num

dos últimos fi ns-de-semana, sem-

pre ao almoço. Também o espaço

se desdobra em duas áreas comple-

mentares: uma interior e com o ali-

ciante do “convívio” com a cozinha

e com as caves de barricas, que se

insinuam através de transparentes

paredes de vidro; outra exterior e

com as deslumbrantes vistas para o

Douro, que parece atrair a preferên-

cia generalizada. Trata-se de uma

espécie de jardim de Inverno mon-

tado no enorme pátio exterior das

caves e debaixo da ramada aí exis-

tente. Madeiras brancas, telhados e

fachadas em vidro e uma decoração

minimalista que destaca pormeno-

res de elegância e bom gosto e a pro-

porcionar um confortável ambien-

te, informal e descontraído.

Sobre as mesas, em folha de ma-

deira de carvalho, apenas os toalhe-

tes de linho e os copos. E ao centro

três lascas de xisto lembrando as

quintas do Douro e os solos donde

são extraídos os preciosos vinhos.

Aqueles que são produzidos pela

Graham’s e a outras companhias

do grupo Symington (que lidera o

sector do vinho do Porto) e que inte-

gram a carta do restaurante, à qual

se juntam os de “outros produtores

amigos” espalhados pelo país. A car-

ta é larga e abrangente oferecendo

as melhores opções

À colher e na brasaJá no que respeita a sólidos, a car-

ta oferece mais de uma dezena de

“entradas”, pratos “para comer à

colher”, “peixes” e “carnes”, com

opções para a “brasa” em ambas as

secções, e ainda uma lista de onze

sobremesas, com a particularidade

de para cada uma delas ser sugerido

José Augusto Moreira (texto) e Adriano Miranda ( fotos)

Page 27: Suplemento do jornal Publico "Fugas" dedicada à ilha de Santa Maria

FUGAS | Público | Sábado 31 Agosto 2013 | 27

um específi co vinho do Porto.

Das entradas provaram-se a “sa-

lada de alface e cebolinha tenra”

(8€), fresca, macia, quase a cheirar

a horta e a justifi car em pleno a ad-

jectivação; a “salada de bacalhau,

tomate e azeitonas” (15€); e o “ros-

bife e parmesano com vinagreta de

mostarda” (16€). E se o bacalhau,

elegantemente cortado em cubos e

com cebola, cebolinho e as azeitonas

em harmonioso picadinho, pareceu

demasiado marcado pelo vinagre, já

as lâminas de robisfe, escondendo

alfaces, escarolas, cebolinho, nozes

e pinhões sobre uma base de tosta

com cebola confi tada, estavam de-

liciosas na combinação com queijo

e o molho de mostarda. Diga-se que

em ambos os casos as doses são mais

do que generosas e só por si já bas-

tam como refeição.

Da lista constam também pre-

sunto e lombo de porco, de origem

espanhola, salada de queijo de ca-

bra, foie-gras mi-cuit de pato, amê-

ijoas com molho verde, chamuças

de moura e maçã, alheira na grelha

com pimentos, ovos mexidos com

alheira, e uma torta de sardinhas e

pimento verde assado, que solicitá-

mos mas não estava disponível.

Para comer à colher, optou-se

pela “sopa de peixe, à moda dos

pescadores da Póvoa de Varzim”

(16€). Uma generosa terrina com um

caldo de peixe, rico e saboroso, e

igualmente sufi ciente para saciar os

estômagos mais exigentes. Sabores

fortes resultantes da base apurada

do lento refogado de cebola que

fornece a calda acastanhada onde

amaciam os peixes e mariscos que

compõem o atraente bouquet fi nal.

Um belo exemplo do tal propósito

de pratos tradicionais com elegância

e inovação.

Para a colher são também propos-

tos milhos de vieira, arroz de pol-

vo, arroz cremoso de camarões do

Atlântico e um guisado de orelha e

chispe de porco com feijão branco.

No capítulo dos peixes há uma

“raia recheada de ratatouille”, da

qual ouvimos já entusiasmados

comentários, o “bife tártaro de

atum com tomate confi tado” (17€)

e a “pescada de anzol com pencas”

(17€), que saboreámos. Correcto e

previsível o tártaro, enquanto a pes-

cada se apresentou quase sublime

na sua simplicidade. Posta genero-

sa (mais uma vez) do alvo lombo

espécime. Fresca, a saber a mar e

a desmanchar-se em lascas ao sim-

ples toque. Confeccionado de forma

“simples e franca”, tal como anun-

ciado, na companhia das pencas e

duas rodelas de batata cozida.

Para a “brasa”, são duas as pro-

postas da lista: “lombo de bacalhau

premium com molho de pimentos

secos”; e “peixe do mercado de Ma-

tosinhos”, em dose para duas pesso-

as e consoante o mercado.

Vaca velha e frango do campoNas carnes, há apelativas propos-

tas, como “vaca velha de Trás-os-

Montes”, que se decompõe nas

versões de bife tártaro e costeletão

ou fi let mignon na brasa. Da grelha

do carvão, que se insinua à vista do

cliente na sala interior, saem ainda

o coelho do campo com pimentão

“La Vera”, e entrecosto ou presas

de porco, mas a nossa preferência

foi para o “frango do campo com

tabaco culinário e chalotas” (22€).

Dose generosa com coxa e sobreco-

xa de galináceo de boa envergadura

e origem garantidamente rural, de

qualidade culinária e sabor irre-

preensíveis. “Mesmo bom”, como

comentou um dos convencidos co-

mensais. A oferta cárnica estende-se

ainda ao “rabo de boi estufado” e ao

“leitão confi tado e estaladiço com

puré de almofariz”.

Com doses sempre generosas, a

escolha das sobremesas apresentou-

se já como uma espécie de “sacrifí-

cio” extra, tendo as opções recaído

sobre a “tarte fi na de maçã” e a “pê-

ra e vinho e gelado de nata fresca”

(7€ cada), ambos de fi no sabor e

confecção apurada. Para a primei-

ra é proposto o Graham’s 20 anos,

enquanto o Graham’s The Tawny é

sugerido para acompanhar a pêra,

se bem que tenhamos optado antes

pelo complemento do café, dado o

avanço da hora.

E a questão do tempo acabou por

ser mesmo a parte mais complica-

da de uma experiência, ou melhor,

duas, em que o apuro e satisfação

gastronómicas acabaram perturba-

das pela questão do ritmo. O serviço

parece também vaguear ainda entre

o formalismo dos movimentos e a

informalidade do discurso. Da mes-

ma forma, ambígua parece a opção

pela generosidade das porções em

que são servidas as entradas que,

assim, acabam por funcionar como

pratos de substância. Ou restringem

a experiência, se fi camos por aí, ou

são excessivos e tornam a refeição

demasiado cara, e avançamos na

carta. Despropositado mesmo pare-

ce o facto de os acompanhamentos

(batatas, puré de batata, legumes ou

arroz de legumes) serem pedidos (e

pagos) à parte.

Pormenores que em nada fazem

sobra à satisfação resultante da

qualidade do trato culinário, a que

se junta também a evidente mais-

valia da genuinidade dos produtos.

Apenas acabam por ter o efeito de

encarecer uma refeição que, não

sendo barata, acaba por ter o cus-

to plenamente justifi cado. É claro

que há mais barato, só que não é

tão bom!

VINUM - RESTAURANT & WINE BAR

Rua do Agro, 141 ou Rua Rei Ramiro, 5144440-281 GaiaTel.: 220 930 417www.vinumatgrahams.comEstacionamento: simCartões: sim (crédito e débito)Aberto todos os dias

O azeite sabe e

faz melhor comido cru, mas pode

ser ainda mais saboroso se for aro-

matizado com produtos naturais do

nosso agrado. Com umas poucas go-

tas, podemos levar a natureza para

a mesa e dar um toque especial a

sopas, saladas, carnes, peixes e até

sobremesas.

Aromatizar azeites não é uma

excentricidade gourmet. Os povos

do Mediterrâneo sempre o fi zeram

e muitos chefs consagrados não os

dispensam nas suas cozinhas. Há so-

luções requintadas e caras, como o

azeite com sabor (e cheiro) a trufas,

mas é possível obter combinações

mais simples, baratas e igualmente

saborosas. Pimenta, orégãos, alho,

alecrim, anis, hortelã, laranja, manje-

ricão, cogumelos, canela, gengibre…

A lista de ingredientes que podem

ser utilizados na aromatização de

azeites é interminável. O essencial

é que os produtos sejam naturais e

frescos e os azeites de qualidade, de

preferência virgem extra.

É possível aromatizar azeites

em casa. Basta colocar o produ-

to pretendido num recipiente

bem lavado e submergi-lo total-

mente de azeite. Ao fi m de três

a quatro semanas, retiram-se

as folhas do ingrediente usado

e muda-se o azeite para uma

garrafa limpa. E está pronto a

ser consumido.

Mas estas são soluções

básicas. Se procurarmos

requinte e sofi sticação, o

melhor é recorrer a azeites

preparados por empresas

especializadas.

Uma das empresas que

comercializa azeites aroma-

tizados é a 9º Sentido, se-

diada no Bombarral (www.

nonosentido.com). Criada

em 2010, dedica-se ao desen-

volvimento e comercialização

de produtos alimentares des-

tinados ao mercado gourmet.

Além de aromatizados, alguns

dos seus azeites são também

enriquecidos com antioxidan-

tes de origem marinha. Todos

AzeiteProva

A deliciosa alquimia dos azeites aromatizados

estão classifi cados como produtos

100% naturais.

Os azeites 9º Sentido provêm de

olivais de Vila Flor, um dos concelhos

transmontanos com mais tradição

oleícola, e são virgem extra – os me-

lhores. Provámos quatro amostras:

um virgem extra “especial reserva”

sem adição de qualquer aroma ex-

terno, combinação das variedades

Madural e Cobrançosa; um “especial

peixe”, aromatizado com endro e

gengibre e enriquecido com chon-drus crispus, um antioxidante natural

de origem marinha proveniente da

costa portuguesa; um “especial sala-

das”, aromatizado com manjericão

e limão e enriquecido com o antioxi-

dante marinho unnaria pinnatifi da;

e um “especial al funghi”, aromati-

zado com boletus edulis, importado

da Umbria, Itália (este cogumelo

também existe em Portugal).

Com as suas diferenças, são quatro

azeites magnífi cos. O primeiro é um

virgem extra típico de Trás-os-Mon-

tes, “gordo”, intenso e estruturado.

Ressuma a verde e a algum vegetal

seco e termina com um picante de

grande categoria (9,95 euros cada

garrafa de 500ml). O “especial pei-

xe” (9,95 euros) é muito saboroso

e ainda fresco, por infl uência do

gengibre. Serve não só para tem-

perar peixe cozido e grelhado

mas também sopas, massadas

de peixe e até algumas carnes

mais delicadas. O “especial sa-

ladas” (9,95 euros) e o “especial

al funghi” (12,45 euros) são dois

clássicos. O primeiro é indicado

para temperar saladas e pratos

frios. Experimentámos numa

salada de tomate coração

de boi e fi cámos adeptos.

O segundo vai bem com

massas e risotos. A presen-

ça do cogumelo não é tão

óbvia como a dos outros

produtos, mas é um azeite

mais delicado e igualmente

muito saboroso.

A 9º Sentido comercializa

também um paté de azeito-

nas com ervas aromáticas

e enriquecido com algas

marinhas (6,50). Um feliz

encontro entre o campo

mediterrânico e o Atlântico.

De sabor intenso, é perfeito

como entrada de refeição.

Pedro Garcias

Page 28: Suplemento do jornal Publico "Fugas" dedicada à ilha de Santa Maria

28 | FUGAS | Público | Sábado 31 Agosto 2013

Vinhos que contam históriasRui Falcão

Num passado já

muito distante, antes do advento

e popularização da produção de

vidro, o vinho era comercializado

em barricas, tonéis, ânforas,

jarros de cerâmica, garrafões ou

quaisquer outros recipientes que

se adaptassem às culturas locais

e aos materiais mais abundantes

no país ou região. Só com a

industrialização da produção,

quando o segredo e técnica

da produção de vidro foram

roubados à preponderância de

Veneza e quando se iniciou a

revolução industrial inglesa, o

vidro passou a ser um material

disponível e relativamente

barato, um bem acessível e

prático e, portanto, idóneo

para preencher o espaço de

comercialização dos vinhos ditos

“fi nos”.

Uma pequena evolução técnica

que consagrou uma revolução

extraordinária na vivência do

vinho e sua comercialização,

uma convulsão que transformou

o mundo do vinho para sempre.

De uma só assentada mudou-se

para sempre, ou pelo menos

até ao presente, o paradigma

em que assenta todo o sistema

de comercialização do vinho.

Por um lado, o vinho passou

a poder ser engarrafado

directamente pelo produtor,

sem intermediários, permitindo

que as vendas a granel se

transformassem paulatinamente

em circunstância do passado

e que a confi ança na marca e a

segurança na origem do vinho

aumentassem.

Por outro, passou a poder

ser guardado directamente na

garrafa, revolucionando o papel

do consumidor. A restauração

ganhou uma nova dimensão,

aumentando de forma generosa

a diversidade de oferta aos seus

clientes, e o consumidor passou

a poder eleger em casa os seus

vinhos de eleição, optando por

os beber ou guardar, passando

a poder consumir os vinhos da

sua garrafeira quando bem lhe

aprouvesse. O vinho passou a

poder ser guardado por estar

num recipiente fechado de

pequena capacidade.

Por outro lado, o transporte

do vinho passou a ser muito mais

fácil graças ao formato cilíndrico

da garrafa, que permitia o seu

empilhamento e acomodação

em pequenas ou grandes

caixas, contentores e/ou pilhas

artesanais. Foi também graças à

aparição da garrafa de vidro que

a indústria da cortiça cresceu e

se desenvolveu, acrescentando

riqueza a Portugal e sustentando

a manutenção da fl oresta de

montado, com a consequente

conservação da biodiversidade

que o montado salvaguarda.

Sabe-se muito sobre as

garrafas, sobre os volumes

permitidos e os nomes assumidos

por cada uma destas capacidades

padronizadas, sobre os

diferentes formatos que algumas

regiões popularizaram, sobre

as cores do vidro que mantêm

tradições locais e que zelam

pela conservação do precioso

vinho. Persiste, no entanto, uma

particularidade nas garrafas de

vinho que continuamos a ignorar

e a desprezar — a pequena ou

por vezes grande depressão

existente no fundo da garrafa —

que muitos continuam a ignorar

a utilidade ou razão de ser. Na

verdade, ninguém tem certezas

sólidas sobre a razão de ser para

a presença dessa depressão

no fundo da garrafa, aquela

concavidade que está patente no

fundo da quase totalidade das

garrafas de vinho produzidas e

que é especialmente perceptível

nas garrafas de espumante.

As estimativas e presunções

dividem-se entre numerosas

e aparentemente fundadas

teorias mas no fundo, no fundo,

ninguém parece saber com

exactidão a utilidade desta

depressão no vidro. A maioria

argumenta que esta concavidade

é uma reminiscência do passado,

da época em que as garrafas

de vidro eram produzidas à

mão por métodos artesanais,

fabricadas a partir de uma massa

incandescente soprada através

numa superfície lisa. Segundo

a mesma teoria, a técnica

continuaria a fazer sentido por

esta depressão permitir corrigir

ou atenuar qualquer imperfeição

da superfície onde a garrafa seja

poisada.

Uma teoria mais convincente,

embora ajustada unicamente

às necessidades dos vinhos

espumantes, garante que essa

depressão existe para aumentar

a resistência natural da garrafa,

reforçando um dos pontos mais

fracos de qualquer garrafa, a

junção do fundo com os lados.

Uma teoria aparentemente lógica

tendo em conta a pressão elevada

a que os vinhos espumantes

sujeitam a garrafa e que é

evidenciada pelas depressões

muito profundas das garrafas de

espumante. Outros defendem

que a principal fi nalidade desta

concavidade é concentrar os

sedimentos no fundo da garrafa,

juntar o depósito natural dos

vinhos tintos no fundo da

garrafa, separando-os do vinho.

Há ainda quem garanta que a

maior vantagem está no serviço

galante, permitindo que o vinho

seja servido segurando a garrafa

pela base.

Outros, menos emocionais e

talvez mais desassombrados,

garantem que esta concavidade

se mantém pela imagem, pela

convicção que a garrafa se

apresenta mais impressionante e,

consequentemente, o vinho pode

ser vendido a preços superiores.

Um expediente técnico que

permite criar a ilusão de uma

garrafa mais alta, com uma

volumetria superior, um truque

de marketing a que muitos

produtores recorrem nos vinhos

mais exclusivos. O preceito é

tão utilizado no mundo que um

cientista inglês da universidade

de Cambridge desenvolveu

uma fórmula matemática bem-

humorada para defi nir o preço

de qualquer vinho em função

da depressão no fundo da

garrafa. Segundo a sua fórmula,

basta medir em milímetros

a concavidade, somar 3,49 e

dividir por 4,3144 para obter uma

estimativa do preço do vinho.

Nada como o humor inglês!

Garrafas e rótulos

de um longo tubo oco. Ora, essa

massa de vidro soprada fi cava

apoiada num molde saliente

que produzia essa mesma

concavidade no fundo da garrafa

de forma natural, criando assim

a famosa depressão presente na

quase totalidade das primeiras

garrafas de vidro ainda manuais

mas produzidas em escalas

consideráveis. Um resquício do

passado que deixou de fazer

sentido a partir do momento em

que a produção foi mecanizada

mas que se terá mantido em

homenagem ao passado.

Outras refl exões apontam

para razões menos poéticas,

apostando em deliberações

mais práticas. Uma das teorias

mais interessantes sustenta que

esta depressão se mantém por

permitir um melhor equilíbrio

da garrafa, tornando-a mais

estável quando colocada de

pé em cima de uma mesa. No

passado, na época em que o

vidro ainda era soprado, seria

impossível fabricar garrafas

absolutamente lisas e que

permanecessem bem assentes

PAU

LO P

IMEN

TA

Page 29: Suplemento do jornal Publico "Fugas" dedicada à ilha de Santa Maria

FUGAS | Público | Sábado 31 Agosto 2013 | 29

VinhosProvas

ADEGAMÃE VILARINHO 2012

Adegamãe, Torres VedrasCastas: AlvarinhoGraduação: 13,5% volRegião: LisboaPreço: 7€

mmmmm

Um Alvarinho de Lisboa com a mesma frescura atlântica do Minho

A Adegamãe, pro-

dutor neófi to mas de grande dimen-

são da zona de Torres Vedras, come-

çou a vender vinho em 2011 e desde

então não tem parado de crescer e

de acrescentar novas referências ao

seu portefólio, sob a orientação eno-

lógica de Anselmo Mendes e Diogo

Lopes. Este ano lançou meia-dúzia

de novos vinhos, quatro dos quais

são brancos monovarietais: dois

de castas francesas (Chardonnay

e Viognier) e dois de castas nacio-

nais (Alvarinho e Viosinho). Todos

têm origem na mesma propriedade,

uma quinta com cerca de 40 hec-

tares de vinha dominada por solos

argilo-calcários.

Se há zona do país onde a aposta

em castas internacionais tem sido

prolixa e, diga-se, bem-sucedida é

a de Lisboa, cujos vinhos têm vindo

a ganhar notoriedade (e qualidade)

nos últimos anos. As novas referên-

cias da Adegamãe são um bom tes-

temunho do dinamismo da região

e do acerto da aposta em castas de

outras latitudes que podem benefi -

ciar muito com a proximidade do

Atlântico.

A tinta Syrah e as brancas Viog-

nier e Chardonnay são algumas

das variedades que têm mostrado

bons resultados. No entanto, e sem

qualquer chauvinismo, no caso dos

quatro brancos monovarietais da

Adegamãe, os que mais prazer nos

proporcionaram foram os dois bran-

cos de variedades nacionais. O Viog-

nier ainda está muito marcado pela

madeira e o Chardonnay mostra-se

demasiado maduro, apesar da sucu-

lência da fruta e da excelente acidez

que possui. O Viosinho também tem

um pouco de álcool a mais, mas a

sua magnífi ca mineralidade e acidez

equilibram-no melhor, tornando a

prova mais viva e rica. Ainda assim,

não consegue superar o Alvarinho,

que parece benefi ciar na zona de

Torres Vedras da mesma frescura

atlântica que tem na zona de Monção

e Melgaço. Branco de bom volume e

complexidade, seduz pela sua imen-

sa frescura e pureza de sabor.

Proposta da semana

a Mau mmmmm Razoável

mmmmm Bom mmmmm Bom Mais

mmmmm Muito Bom mmmmm Excelente

BURMESTER BRANCO 2012

mmmmm

Sogevinus, Vila Nova de GaiaCastas: Malvasia Fina, Gouveio, RabigatoGraduação: 13,5% volRegião: DouroPreço: 4,50€ (na domvinho.com)

Aroma cítrico, boa intensidade, sugestivo e apelativo. Boa presença no palato, com um conjunto bem balanceado entre a fruta e alguma secura no final de prova, que lhe conferem frescura e boa aptidão para a mesa. Um branco fácil, directo e competente, como aliás o são os brancos da Sogevinus. M.C.

COLECÇÃO PRIVADA DSF SYRAH E TOURIGA FRANCESA 2011

mmmmm

José Maria da Fonseca, AzeitãoCastas: Syrah e Touriga FrancaGraduação: 13,2% volRegião: SetúbalPreço: 12,49€

Domingos Soares Franco não pára de fazer experiências, testando associações de castas portugueses com outras estrangeiras. Alguns vinhos chegam a ser extravagantes, mas este é muito bem conseguido. Surge como um tinto de duas castas, mas, na verdade, podia ser declarado como um varietal de Syrah, uma vez que o contributo da Touriga Franca é de apenas 5%. Se há vinhos de Verão, este é um deles. Não tem o peso da madeira e apresenta uma jovialidade de aroma admirável, a remeter para os frutos do bosque e as violetas, embora também sobressaiam algumas sensações achocolatadas. Na boca mostra-se igualmente muito saboroso e polido, revelando grande nervo final. P.G.

OLHO DE MOCHO ROSÉ 2012

mmmmm

Herdade do Rocim, VidigueiraCastas: Touriga Nacional, Syrah e AragonezGraduação: 13% volRegião: AlentejoPreço: 8€

Um dos bons rosés portugueses, embora não atinja a excelência do 2011 — mas anda lá perto. Mais próximo de um tinto na estrutura que apresenta, é um rosado que alia músculo à delicadeza própria de um vinho deste tipo. Ou seja, tem um bom volume, mas é muito elegante e viçoso de aroma e sabor. Seco como deve ser, termina de forma muito fresca e vibrante. Um rosé mais gastronómico do que social. P.G.

DUAS QUINTAS BRANCO 2012

mmmmm

Ramos Pinto, Vila Nova de Foz CôaCastas: Viosinho, Rabigato e ArintoGraduação: 13,5% volRegião: DouroPreço: 8,85€

Um branco feito com as três castas que melhores resultados dão no Douro Superior. Muito bom na harmonia que revela, aliando madureza de fruta (de polpa no aroma e mais cítrica na boca), volume e grande frescura. Da quinta de Ervamoira vem o calor e a doçura da fruta. A quinta dos Bons Ares contribui com a pureza e a frescura do granito e da altitude. Uma combinação perfeita que faz do Duas Quintas um dos melhores brancos do Douro. P.G.

Os vinhos aqui apresentados são, na sua maioria, novidades que chegaram recentemente ao mercado. A Fugas recebeu amostras dos produtores e provou-as de acordo com os seus critérios editoriais. As amostras podem ser enviadas para a seguinte morada: Fugas - Vinhos em Prova, Praça Coronel Pacheco, n.º 2, 3.º 4050-453 PortoPedro Garcias

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30 | FUGAS | Público | Sábado 31 Agosto 2013

Vinhos

O vinho do Porto já tem um dicionário ilustrado mas só existe no BrasilEm 2005, o brasileiro Carlos Cabral e o português Manuel Poças Pintão lançaram-se na tarefa de escrever um dicionário do vinho do Porto, um livro que resumisse e sistematizasse a história do mais famoso vinho português. Seis anos depois, o dicionário foi publicado no Brasil. Em Portugal, nenhuma editora se mostrou interessada.

O vinho do Por-

to possui uma espessura histórica e

cultural tão grande e arrebatadora

que o tornam objecto permanente

de estudo e de divulgação. Poucos

vinhos no mundo, ou talvez ne-

nhum, têm despertado tanto inte-

resse junto de prosadores, poetas,

historiadores, ensaístas, economis-

tas, pintores, jornalistas, críticos e

muita outra gente da escrita. Há mi-

lhares de livros publicados sobre o

assunto e, no entanto, continuava

a faltar um dicionário que pudesse

sistematizar toda a informação rele-

vante relacionada com o intrincado

e fascinante universo em que se mo-

ve o mais famoso vinho português

desde há quase 400 anos. Continu-

ava: em 2011, foi lançado o primei-

ro dicionário ilustrado do Vinho do

Porto, obra de duas relevantíssimas

personalidades do sector, o brasilei-

ro Carlos Cabral, autor de dois livros

sobre o vinho do Porto, de que é o

maior embaixador no Brasil há mais

de três décadas; e o português Ma-

nuel Poças Pintão, uma das mais es-

timáveis fi guras do vinho do Porto,

responsável comercial na empresa

do, juntaram mais de 3 mil verbetes

e 600 imagens.

Um dicionário, seja ele do que for,

é um livro sempre inacabado. Ver-

sando sobre o vinho do Porto, ainda

o é mais. “O vinho do Porto é um as-

sunto muito sério e vivo”, sublinha

Manuel Poças Pintão. Há sempre

empresas a mudar de mãos, mer-

cados que perdem fulgor e outros

que ganham protagonismo, esta-

tísticas em constante mudança

e, acima de tudo, muitas histó-

rias que vão sendo resgatadas

do esquecimento.

A construção do Douro vi-

nhateiro e do vinho que ga-

nhou nome no Porto é uma

obra colossal, cujos “ver-

dadeiros heróis” não têm

nome. São “os Lusíadas

sem Camões”, dizia Guer-

ra Junqueiro. “A grande

lição deste trabalho foi

perceber melhor a ri-

queza fantástica de um

vinho que se deve so-

bretudo a gente anóni-

ma”, realça Poças Pin-

tão. É também desses

heróis anónimos que

trata este dicionário, em-

bora a sua principal função

seja resumir a história do

vinho do Porto e abrir pistas pa-

ra novas pesquisas e novos livros.

O dicionário é muito rico em de-

talhes e histórias que demonstram

bem a dimensão universal do vinho

do Porto. Uma das mais curiosas é

relacionada com o “Clube do último

homem”, criado na cidade belga de

Gent no século passado. A história foi

contada na edição de 3 de Dezembro

de 1962 do Diário do Norte. Sessenta

belgas criaram um clube fúnebre e

fechado cujas vagas não podiam ser

preenchidas pela morte de algum

dos associados. Em lugar de desta-

que do clube foi colocada uma garra-

fa de vinho do Porto que só podia ser

bebida pelo associado sobrevivente

a todos os outros e no mesmo dia

em que tivesse participado do fune-

ral do último companheiro. Quando

só restavam dois sobreviventes, um

deles atirou: “E se a bebêssemos ago-

ra?”. Estavam a infringir os estatutos,

mas os dois puseram-se de acordo e

beberam a garrafa com sofreguidão,

brindando à “felicidade dos seus de-

funtos amigos”.

A FILOXERA CHEGOU A PORTUGAL HÁ 150 ANOS

Poças Júnior durante 51 anos. O livro

foi editado apenas no Brasil, pela

editora Cultura, e contou com o pa-

trocínio do Governo Federal e de

empresas como o Pão de Açúcar.

Em Portugal, onde a sua publicação

seria obrigatória, nenhuma editora

se mostrou interessada, por falta de

patrocinadores, e nem sequer uma

edição institucional foi feita. Quem

quiser ter acesso ao dicionário, ou

o manda vir do Brasil ou passa pelo

Porto Wine Fest, que irá decorrer na

zona ribeirinha de Gaia e onde, no

próximo dia 5 de Setembro, a Poças

Júnior vai apresentar publicamente

o livro e colocar alguns exemplares

à venda. A apresentação estará a

cargo do historiador Gaspar Mar-

tins Pereira.

A ideia de fazer um dicionário

de vinho do Porto partiu de Car-

los Cabral, ele que possui uma das

maiores colecções de livros sobre o

tema. Em 2005, o brasileiro lançou

o desafi o a Manuel Poças Pintão,

que tinha acabado de se reformar

da Poças Júnior. Poças Pintão ainda

hesitou, mas acabou por aceitar o

repto e passar os seis anos seguin-

tes embrenhado em bibliotecas e

arquivos. Embora separados pelo

Atlântico — Carlos Cabral vive em

São Paulo e Poças Pintão no Porto

—, os dois foram dividindo tarefas e

conciliando a escrita do livro. Ao to-

O Dicionário Ilustrado do Vinho do Porto dedica, como não podia deixar de ser, uma entrada à filoxera, a praga que quase arrasou os vinhedos do Douro. Foi há precisamente 150 anos que se detectou o primeiro foco da doença, na Quinta dos Montes, na freguesia de Gouvinhas, concelho de Sabrosa. A devastação que se seguiu levou milhares de famílias à miséria e mergulhou a

região duriense numa gravíssima crise social. Em 1883, vinte anos depois de a doença ter chegado ao Douro, tinham sido destruídos cerca de 15 mil hectares de vinha. Por se tratar de um dos acontecimentos mais marcantes da história do Douro e do vinho do Porto, Manuel Poças Pintão lamenta que a efeméride não esteja a ser recordada. No mínimo, defende que seja colocada uma placa evocativa na Quinta dos Montes, em homenagem “aos que sofreram com a tragédia e também aos que persistiram em continuar”.

Pedro Garcias

Page 31: Suplemento do jornal Publico "Fugas" dedicada à ilha de Santa Maria

FUGAS | Público | Sábado 31 Agosto 2013 | 31

Bar abertoHidden Xiringuito

Descubra o novo Xiringuito, o velho esconderijo da Galé

O Xiringuito, na

Galé, Albufeira, é uma incógnita todos

os verões. Nunca se sabe bem como

estará decorado, sequer se vai abrir.

Depois de dois anos fechado, o bar

de praia voltou às falésias e está total-

mente renovado. Deixou para trás o

encantamento dos brancos e das ve-

las, o estilo lounge e os almofadões e

assumiu-se como um sítio não óbvio,

camufl ado, escondido e à espera de

ser descoberto.

O bar existe há nove anos, com três

de interregno. Em verões mais anti-

gos, cobria-se de almofadas e velas,

mas agora, quando inúmeros bares

de praia adoptaram o mesmo estilo

lounge, informal e cool, o Xiringuito,

que gosta de espanto e transforma-

ção, tinha de se pôr diferente. Este

ano chama-se Xiringuito Escondido

(Hidden Xiringuito) e está decorado

com objectos quotidianos camufl ados.

Para além de sofás, cadeiras e me-

sas, há, entre outros, um carro, tábu-

as de passar a ferro, uma banheira,

molduras para enquadrar o cenário

de diversas formas. E há a Floresta dos

Pensamentos Escondidos: pequenas

tábuas de madeira nas quais as pes-

soas desenham ou escrevem mensa-

gens que são depois penduradas nas

árvores: “Foi inspirado nos templos

japoneses onde as pessoas põem os

desejos nas árvores”, diz a responsá-

vel pelo espaço, Joy Jung.

Quando se chega, a primeira im-

pressão é de estranheza: o camufl ado

remete-nos para uma temática militar,

algo bélico, mas depois achamos que

num sítio tão sossegado essa leitura

não bate certo. Este é o primeiro des-

conforto que se quer provocar nos vi-

sitantes: incitar a ler o espaço de outra

forma, a olhar duas ou mais vezes, a

descobrir novos signifi cados no que

nos rodeia. “Temos de dar à mente

um pouco de tempo para ver além do

óbvio. O camufl ado não precisa de ser

a guerra, aqui é para estar de acordo

com a natureza”, diz Joy Jung. Ao co-

locar objectos quotidianos no meio da

natureza, a percepção que temos de-

les muda e a ideia é precisamente essa:

explorar a relação entre o ser humano,

a natureza e os objectos do dia-a-dia. Maria João Lopes

Mais bares emfugas.publico.pt

formações, há elementos que se

mantêm, são aqueles que fazem do

cenário natural: “Este lugar tem uma

energia própria”, reconhece Joy Jung.

Ainda que este ano se chame mesmo

Xiringuito Escondido, o sítio sempre

foi um esconderijo. O acesso continua

a ser feito pelas arribas, num caminho

que por si só já alimenta a ideia da

descoberta de um refúgio.

Beber um mojito, com o barulho das

ondas e o som das cigarras, continua

a ser um bom programa. Com sorte,

ainda é convidado a ver o pôr do sol:

“Ao fi m da tarde, o Xiringuito fecha 10

a 15 minutos. Desafi amos os clientes a

ver o pôr do sol numa rocha. Alguns

vão, outros não, mas não há serviço

de bar”, explica Joy Jung, que gosta

da ideia de ciclos, um dia que acaba,

outro que começa.

Por isso também há as festas da lua

nova e as da lua cheia — naquela em

que estivemos, havia pequenas luzes

azuis nas arribas, no areal e no mar,

parecia que o céu tinha trocado de lu-

gar com a praia. A última celebração

deste ano será a 20 de Outubro. No

dia seguinte, a instalação camufl ada é

removida e, depois, só lá para Maio de

2014 é que haverá outra vez novo Xirin-

guito, o velho esconderijo da Galé. Co-

mo estará nessa altura, é um mistério.

HIDDEN XIRINGUITO - CAMOUFLAGE GASTRO-ARTISTIC BEACH INSTALLATIONAtrás do hotel Vila Joya, na Galé, Albufeira, Algarve (acesso pelas arribas)Reservas: 919888816https://www.facebook.com/HiddenXiringuito | www.facebook.com/groups/xiringuitoAberto de Maio a Outubro das 11h à 1h (nas festas fica aberto até mais tarde)Preços: um mojito, por exemplo, custa 7 euros, uma cerveja 2,5; quanto à comida, um prato de sashimi pode custar 13 euros, uma sobremesa 4.Próximas festas5 de Setembro (lua nova); 19 de Setembro (lua cheia); 4 de Outubro (lua nova); 20 de Outubro (lua cheia)

STILLS

O Xiringuito não é, assim, só um

bar, onde se bebe e come (embora

também recomendemos esta parte),

mas uma instalação gastro-artística,

concebida pela empresa portuguesa

Ivity brand corp de Carlos Coelho e

por Joy Jung, do Vila Joya. Joy Jung,

alemã, 36 anos, vive e trabalha no Vila

Joya, hotel conhecido pela exclusivi-

dade e requinte e também pelo res-

taurante do chef Dieter Koschina com

duas estrelas no Guia Michelin. A casa

onde hoje fi ca o Vila Joya (situada ao

lado do Xiringuito) foi comprada pelo

pai de Joy Jung, na altura apenas para

uso familiar. Mas a mãe achou o espa-

ço demasiado grande e, aproveitando

a formação em decorações de interio-

res, resolveu criar o hotel. A fi lha gos-

tava de ter seguido artes, mas depois

da morte da mãe optou por hotelaria

para dar continuidade ao projecto.

Nos últimos dois anos, porém,

Joy Jung andou pela Índia, país que

a fascina, pelo Japão… “Precisava de

descansar a cabeça e com 34 anos

ainda podes ter esta liberdade”, diz.

No regresso dessas andanças, deitou

mãos à obra e reabriu o Xiringuito,

“o bebé dos seus olhos”: “Este ano,

a frase com a qual tudo começou foi

‘ver o que está escondido atrás do

óbvio’. Não queria fazer uma coisa

como tinha feito antes. Queria algo

novo. Não queria mais velas na praia,

queria leds [pequenas luzes que são

espalhadas pela praia nas festas de

lua cheia]”, explica. Com a ajuda da

Ivity, criou um espaço que está um

passo à frente da moda e que é um sta-tement: “Antilounge e anticool”, diz.

O menu foi especialmente criado

pelo chef Stefan Langmann — era sub-

chef no Vila Joya, mas agora está dedi-

cado apenas ao Xiringuito — e inclui

petiscos leves, mas criativos, confec-

cionados à base de sashimi, pargo, sal-

mão, entre outros peixes. Também

há carne, pregos, pratos com salsicha

alemã, queijos, pimentos padrón, co-

mida vegetariana, doces, tudo servido

com o toque da escola do Vila Joya.

Apesar, porém, de todas as trans-

VASCO CELIO/STILLS

VASC

O C

ELIO

/STI

LLS

Page 32: Suplemento do jornal Publico "Fugas" dedicada à ilha de Santa Maria

32 | FUGAS | Público | Sábado 31 Agosto 2013

Zoom

“Óscares” do turismo europeu são revelados hoje na Turquia

A cidade de An-

talya, um dos grandes destinos me-

diterrânicos da Turquia, é esta noite

cenário da cerimónia de atribuição

dos World Travel Awards para os

melhores do turismo europeu. Já

falta pouco para saber se Portugal

consegue repetir (ou aumentar…) o

leque de galardões conquistados na

edição de 2012, cuja gala decorreu

no Algarve (no então recém-inaugu-

rado Conrad) e deixou no país seis

grandes prémios (mais um extra a

nível mediterrânico).

Agora, a Antalya, o turismo por-

tuguês chega com 36 nomeações

em dezenas de categorias. Em des-

taque: Portugal concorre a melhor

destino de golfe, o Turismo de Por-

tugal a melhor organismo ofi cial e o

Algarve a melhor destino de praia.

Lisboa volta a marcar pontos: con-

corre a melhor destino global da

Europa, de escapadas urbanas e de

cruzeiros, para além de melhores

aeroporto e porto de cruzeiros. Na

hotelaria, Algarve e Madeira são

quem mais ordena, com unidades

destas regiões a congregarem a

quase totalidade das restantes no-

meações. A TAP bisa: está nomea-

da para melhor companhia e para

melhor classe económica.

Em 2012, os “turióscares” euro-

peus celebraram a sua gala no Al-

garve e a sorte sorriu ao anfi trião,

declarado o melhor destino de praia

da Europa. Já Portugal venceu como

melhor destino de golfe e quatro ho-

téis algarvios foram também distin-

guidos nas suas categorias (o “im-

batível” boutique resort Vila Joya,

Martinhal Beach de Sagres, Dunas

Douradas Beach Club e o então an-

fi trião da gala, o Conrad Algarve).

Além de prémios a nível exclusi-

vamente nacional, o turismo por-

tuguês celebrou ainda um “óscar”

extra para o Hotel Quinta do Lago,

distinguido como o melhor da área

(geocultural) do Mediterrâneo.

Os WTA, organizados desde

1993, dividem-se por dez regiões

mundiais com as galas de cada

O Algarve venceu o “óscar” em 2012 para melhor destino de praia da Europa

Soares Franco e Vítor Matos, estrelas do Douro Film Harvest

O “palácio árabe” abre como bazar deluxe

O Douro Film Harvest 2013 volta a cobrir de cinema as paisagens durienses (de 14 a 21 de Setembro) mas, além da 7.ª, há mais artes nesta 5.ª edição do certame, entre “o melhor do cinema, da gastronomia e do vinho”. O festival homenageia o enólogo José Maria Soares Franco, “arquitecto de vinhos do Douro’”, e o chef Vítor Matos (Casa da Calçada, Amarante). A sessão de abertura, dia 14, além de episódio especial de Mondovino, inclui tertúlia sobre “O vinho na Dieta Mediterrânica no Douro” com a presença do realizador, Jonathan Nossiter, da realizadora de Vinho de Chinelos (sobre produção de vinho na Serra Gaúcha brasileira) e o nutricionista Pedro Graça; na mesma noite, Vítor Matos faz o jantar e é homenageado no “Chef’s Table”, na Quinta do Portal. Já dia 19, numa “Cinema

Portugal conquistou o prémio “Outstanding International Showcase for Art & Culture”, atribuído por uma das mais relevantes publicações de viagens da Índia, a Today’s Traveller. “Esta distinção reconhece o trabalho de projecção do destino desenvolvido pelo Turismo de Portugal nos últimos meses na Índia”, lê-se no comunicado sobre esta atribuição. A contribuir para a promoção do país, também terá contado, e muito, que Lisboa e o Algarve tenham sido usados como cenários para o filme Balupu, megaprodução com estrelas indianas que contou com “o apoio logístico do Turismo de Portugal”. www.todaystraveller.com

É conhecido como “o palácio árabe” e vai voltar a encher o olho a lisboetas e visitantes: dia 6, abre portas como Embaixada, centro comercial exclusivo anunciado como “projecto de lifestyle” e promete, segundo a promotora, a Eastbanc, “dinamizar o Príncipe Real”. O Palacete Ribeiro da Cunha foi construído em 1877, em estilo neo-árabe – obra do arquitecto Henrique Carlos Afonso, também autor da Casa Estúdio do Fotógrafo Carlos Relvas na Golegã — e é envolvido por um hectare de jardim com vista sobre o Jardim Botânico. Abre com 14 lojas (incluindo Moleskine ou Storytailors ) das 12h às 20h e também um restaurante, o Le Jardin (aberto até 2h), além de espaço para artes e expos. www.eastbanc.pt

Esta semana na Fugas onlineAs férias a nuUns dias sem roupas à vista no Centre Helio-Marin, campo de férias para naturistas em França com muita experiência no tema: em 1950, tornou-se o primeiro campo do género a abrir na Europa.

Mosela, um rio de vinhosUm novo episódio de uma série de viagens de André Ribeirinho sob o mote Comer e beber na Alemanha, entre vinhas, enólogos e boas mesas. Vamos pela região do Mosela.

Experience”, assiste-se a Red Obsession (o vinho “red” de Bordéus é o mote) e há jantar no restaurante Clérigos, seguindo-se tertúlia com o realizador, Warwick Ross, David Eley (“curador dos wine and food films e autor do mais recente mapa do Douro”) e Soares Franco. Pelo meio, outra “Cinema Experience”, dia 17, com o filme Jiro Dreams of Sushi (sobre o sushi master Jiro Ono) e jantar no Clérigos, com tertúlia participada pela Associação Portuguesa de Nutricionistas e Ricardo Campos Costa, proprietário do restaurante anfitrião e do Shis. www.dourofilmharvest.co

Índia premeia Portugal como melhor destino de arte

divisão a decorrerem ao longo do

ano. Os prémios são votados online

e toda a gente pode votar, sendo

que os votos dos profi ssionais de

turismo valem por dois. Após a

gala europeia de hoje, seguem-se

as rondas das Caraíbas e América

do Norte, Ásia e Australásia e, por

fi m, África. Depois, contagem de-

crescente para a grande batalha:

a dos melhores do mundo, com

cerimónia marcada para Novem-

bro em local ainda por anunciar.

www.worldtravelawards.com

Siga a actualização dos WTA na Fugas online

MIG

UEL

MA

NSO

Mais notícias emfugas.publico.pt/

Page 33: Suplemento do jornal Publico "Fugas" dedicada à ilha de Santa Maria

FUGAS | Público | Sábado 31 Agosto 2013 | 33

As fugas dos leitores

Os textos, acompanhados preferencialmente por uma foto, devem ser enviados para [email protected]. Os relatos devem ter cerca de 2500 caracteres e as dicas de viagem cerca de 1000. A Fugas reserva-se o direito de seleccionar e eventualmente reduzir os textos, bem como adaptá-los às suas regras estilísticas. Os melhores textos, publicados nesta página, são premiados. Esta semana com um exemplar da colecção Lucky Luke. Mais informações em fugas.publico.pt

Mata Nacional dos Medos, o prazer da viagem

Pode uma simples caminhada

pela natureza ser algo divertido

e apaixonante? Acredito

sinceramente que sim.

1 de Maio de 2009. 8h40m de

uma bela e clara manhã de um dia

soalheiro. De olhos bem abertos,

entramos no carro e fazemo-nos

à estrada. Vinte minutos depois,

chegamos à Fonte da Telha. A

minha irmã Tina e o meu cunhado

Zé, companheiros do mesmo

destino, recebem-nos jovialmente.

Descemos em busca do único bar

aberto àquela hora para a “bica da

manhã”.

Entramos nos carros e um par de

minutos depois chegamos ao ponto

de partida da nossa caminhada,

situado num parque no meio do

pinhal junto ao portão da Apostiça.

Mochilas às costas, cantis à cintura,

máquinas fotográfi cas a tiracolo,

roupa adequada e aí vamos nós

para uma caminhada através do

grande pulmão do concelho de

Almada: a Mata dos Medos.

Conta a História que El-Rey

D. João V mandou plantar este

imenso pinhal na actual Paisagem

Protegida da Arriba Fóssil da

Costa de Caparica, com o intuito

de fi xar as areias provenientes

das dunas da orla marítima que

invadiam os terrenos agrícolas do

interior existentes na altura. Daí

que a zona também seja conhecida

como Pinhal do Rei. Transposto o

portão da Apostiça, em fi la indiana

começamos a nossa caminhada

mata adentro pelo meio de três

centenas de hectares de arvoredo

composto maioritariamente por

pinheiros mansos. Borboletas

amarelas e castanhas dão as boas-

vindas. Damos os primeiros passos

por entre clareiras planas, relvadas

de diferentes tons de verde, e

nalguns casos protegidas por

zonas densamente arborizadas.

Chega-nos o perfume de pinheiros

mansos que abrigam, aqui e ali,

pequenos arbustos, como as

sabinas das praias.

Raios de luz rompem entre as

sombras dos altos pinheiros, cuja

voz silenciosa nos transmite calma

e serenidade. Peneireiros grasnam

árias em clave de sol. Ao longe o

piar de um mocho solta-nos um

sorriso. Abruptamente, o roncar

dos motores de algumas motos

que passam por nós e teimam

em estragar esta beleza natural.

Depois, no fi m, surge apenas o

apaziguador sussurro do vento lá

bem no alto da copa das árvores.

Para diante deparamos com

pequenas dunas de areia fi na e

branca da praia, com tufos de

alecrim ou rosmaninho. Por vezes

o olfacto traz às nossas narinas

o cheiro de salva misturada com

hortelã-pimenta brava. Nos médios

arbustos de tojo que orlam as

ladeiras aparecem nos seus braços

grandes cachos de pequeninas

bolinhas de sabão entrançadas

umas nas outras. O Zé diz que estas

bolinhas sinalizam os locais onde

os cucos cantaram ontem à noite.

Deixo-me levar pela lírica

melodia do Atlântico, que entoa

à minha direita. Fecho os olhos

e, como que por magia, sinto

deslocar-se por todo o bosque

uma espécie de mantra. Dando

uma paz e tranquilidade ímpar ao

momento. Um besouro voa por

cima das nossas cabeças. Faz-se

sentir o suave abraço da canícula.

O terreno vai fi cando mais

macio a cada passo que damos

em virtude da enorme quantidade

agulhas de pinheiro misturadas

no chão. Paisagem Protegida da

Arriba Fóssil, lembra um cartaz,

indicando o valor de coimas para

quem infringir a lei. Damos mais

meia dúzia de alegres passos, até

depararmos com aquilo que resta

de uma nocturna fogueira. Moscas

voam sobre restos de comida e

bebida. Piquenique? Ou o que

restava de algum culto secreto,

como contam algumas lendas?

10h45m. Prosseguimos em

estado hipnótico rodeando aquilo

que nos parece ser a toca de um

texugo. Eis a lagoa de Albufeira. E

a seguir a ela, e por uma acentuada

descida, entre pinheiros altos

que se cruzam entre si, aparece

o mar. Até lá chegar o chão está

polvilhado de cactos. Ao perto e

ao longe avistam-se pescadores.

À beira-mar, milhentas conchas

vazias espalham-se pelo areal.

Meio-dia. A fome aperta. É

tempo de degustar sem pressas

as “sandochas”. O silêncio faz-

nos companhia. Aos nossos pés

apenas se ouve o testemunho do

borbulhar das águas na lagoa,

onde o tempo passa devagar.

Deito-me de barriga para cima

até o meu olhar se perder pela

janela que se destapa sobre o céu.

Hoje aprendi que todos queremos

viver no topo mais alto de uma

montanha — mas toda a felicidade

está durante a subida.

José Alberto Santos

As 5 coisas

São Paulo

1A Avenida PaulistaÉ o cartão-de-visita de São Paulo. É indiscutível. Prédios enormes, sem que consigamos perceber quando terminam. O fluxo de helicópteros é tão grande como o fluxo de carros nas ruas. Milhões de pessoas, a qualquer hora do dia, sempre com pressa. Há ainda teatros, cinemas, livrarias para perder a cabeça.

3

Rita Dantas Ferreira, jornalista, vive e trabalha há 11 meses em São Paulo.

de que eu mais gosto...

...em

2O Parque IbirapueraÉ dos poucos espaços verdes perdido na cidade de betão. Ideal para passar uma manhã ou uma tarde tranquila, andar de bicicleta e ler um livro. É melhor durante a semana porque aos fins-de semana transforma-se numa cidade, com milhares de pessoas. Lá dentro, há o Museu de Arte Moderna, o Museu Afro Brasil, o prédio que abriga a Bienal de Arte, o Pavilhão Japonês, o Planetário e o auditório Ibirapuera, projetado por Oscar Niemeyer.

LiberdadeA seguir ao Japão, São Paulo tem a maior comunidade de japoneses. Fixaram-se na capital paulista e tornaram o bairro da Liberdade, no centro da cidade, o seu endereço. Todos os fins-de semana há barraquinhas de comida japonesa, artesanato e bonsais à venda. Gosto especialmente da hiperloja Ikesaki (quatro pisos de produtos cosméticos ao preço da chuva).

4Restaurante Dona FlorindaQuando as saudades de casa apertam, recorro à Rua António Pereira Souza, 227, no bairro Santana. No restaurante Dona Florinda, encontro bacalhau à Zé do Pipo, polvo à lagareiro, leitão assado... A boa-disposição do senhor Bernardo Tavares, natural de Espinho, e da família torna a refeição ainda mais saborosa. É como voltar a casa por umas horas. É tipicamente português, tipicamente delicioso. Com direito a broa, vinho verde tinto em tigela e o carinho da terrinha.

5O VelosoDizem os especialistas que a melhor coxinha de frango com catupiry é feita no Veloso. Eu acredito. Já comi várias, mas aqui é divinal.A s caipirinhas do barman Souza também são imperdíveis. Aconselho a de pimenta dedo-de-moça ou a de maracujá. Acompanhar com uma, duas, três coxinhas... Também adoro o restaurante/bar Skye na cobertura do Hotel Unique. Tem uma vista incrível. O ideal é ao chegar ao fim do dia, pedir um mojito à beira da piscina e ver o pôr do sol.

Page 34: Suplemento do jornal Publico "Fugas" dedicada à ilha de Santa Maria

34 | FUGAS | Público | Sábado 31 Agosto 2013

Motores

damente no dia-a-dia, essa diferença

não se nota. O que se poderá notar

será talvez um ligeiro aumento nos

consumos face às outras carroçarias

da gama, mas ainda assim, apesar

de o veículo que conduzimos vir

equipado com jantes de 19’’ em vez

das de 17’’ de série (o que penaliza os

consumos), obtivemos uma média de

6,2 l/100km – muito aceitável para

um carro com quase 5 metros e 1,6

toneladas de peso.

O maior problema deste 320d GT

é sofrer de “opcionismo”, a “doença

infantil” dos veículos premium, que,

com maior ou menor intensidade,

ataca todos os modelos do grupo

BMW (Mini incluídos): o veículo que

conduzimos tinha um preço-base de

46.800€; no entanto, o equipamento

opcional que trazia aumentava-lhe

Uma berlina em formato de coupé mais espaçosa que a carrinha da mesma gama? Sim: o série 3 GT supera a série 3 Touring em espaço interior e mala. Face ao série 5 GT, o 3 GT tem argumentos para ter o sucesso que o irmão maior não teve.

As opiniões va-

lem o que valem, mas, para quem

escreveu estas linhas, o 320d GT,

com motor 2.0 a gasóleo de 184cv

acoplado a uma excelente caixa au-

tomática Steptronic de 8 relações, é

talvez o melhor modelo da BMW que

já conduziu. Este veículo conjuga o

visual elegante de um coupé com a

funcionalidade de uma carrinha, tem

mais espaço interior para cinco pes-

soas que a carrinha série 3 Touring e

uma mala que supera em 25 litros a

da carrinha. A cereja no topo do bolo

é a economia de consumos.

É claro que não há milagres, e este

3 GT tem mais 200mm de compri-

mento, 79mm de altura e 17mm de

largura que a carrinha. Mas se não

há milagres, há soluções engenhosas

e as maiores dimensões estão muito

bem aproveitadas. Acresce que a dis-

tância entre eixos também aumenta

de 2810mm para 2920mm, o que, a

somar à primeira asa retráctil em

modelos da BMW (ver pormeno-

res), confere maior estabilidade e

compensa a maior altura do série 3

Gran Turismo.

Para um condutor experimenta-

do, o aumento de peso e as maiores

dimensões do GT face aos outros

série 3 podem originar um compor-

tamento menos dinâmico em curva

se se conduzir nos limites, mas para

a grande maioria de nós, e nomea-

Uma carrinha em formato de coupé. O melhor dos BMW?

Teste BMW 320d Gran Turismo

João Palma (texto)e Vítor Cid ( fotos)

Page 35: Suplemento do jornal Publico "Fugas" dedicada à ilha de Santa Maria

FUGAS | Público | Sábado 31 Agosto 2013 | 35

s Design, espaço interior, qualidade percebida,

conforto na condução, economia de consumos

t Preço inflacionado pelo equipamento que é

importante mas é pago à parte

BARÓMETRO

FICHA TÉCNICA

MecânicaCilindrada: 1995ccPotência: 184cv às 4000rpmBinário: 380 Nm às 1500-2750rpmCilindros: 4 em linhaVálvulas: 4 por cilindroCombustível: GasóleoAlimentação: Injecção directa por rampa comum. Turbo de geometria variável. IntercoolerTracção: TraseiraCaixa: Automática de 8 velocidadesSuspensão: Tipo McPherson com braços inferiores, molas helicoidais e barra estabilizadora, à frente; independente multibraços, com molas helicoidais e barra estabilizadora, atrásDirecção: Pinhão e cremalheira, com assistência eléctricaDiâmetro de viragem: 11,8mPneus: 225/45 R19 à frente; 255/40 R19 atrás (opção, 1002€; 225/50 R17 de série). RunflatTravões: Discos ventilados à frente e atrásDimensõesComprimento: 4824mmLargura: 1828mmAltura: 1508mmPeso: 1575kgCapac. depósito: 57 litrosCapac. mala: 520 litros (1600 litros com bancos traseiros rebatidos)Prestações*Velocidade máxima: 226 km/hAceleração 0 a 100 km/h: 7,9sConsumo misto: 4,9 litros/100 km (com jantes de 17’’)Emissões de CO2: 129 g/km* Dados do construtorPreço46.800€ (viatura ensaiada, 64.157€)

Aviso de colocação dos cintos de segurança: SimControlo electrónico de estabilidade (ESP): Sim Assistência ao arranque em subida: SimIndicador pressão dos pneus: SimTravão de estacionamento eléctrico: NãoVida a bordoVidros eléctricos: SimVidros escurecidos com protecção solar: Opção (369€) Fecho central: SimComando à distância: SimRetrovisores rebatíveis electricamente: NãoAr condicionado: Sim, automático (opção, bizona, incluída no pack Conforto Interior, 908€)Abertura depósito no interior: NãoAbertura da mala no interior: Sim, com o comandoBancos e estofos em pele: Opção (1276€)Bancos dianteiros desportivos: Opção (579€)Função Start/Stop: SimFixações Isofix: SimJantes em liga leve: Sim, 17’’ (opção, 19’’, 1002€)Rádio/CD com MP3: Sim (em opção, hi-fi, 622€)Conexão Bluetooth: Opção (incluída no pack Conforto Condução, 1346€)Conexões iPod/iPhone: Opção (incluída no pack Conforto Condução)Comandos no volante: SimVolante em pele: SimVolante regulável em altura: Sim Volante regulável em profundidade: SimComputador de bordo: Sim Alarme: Opção (507€) Navegação GPS: Opção (2520€)Regulador/limitador de velocidade: Sim, com função de travagem, opção (incluída no pack Conforto de Condução)Sensores de luz e de chuva: Opção (incluída no pack Conforto)Sensores de estacionamento traseiros: Opção (incluída no pack Conforto Condução)Câmara de visão traseira: Opção, incluída no pack Parqueamento, Faróis de nevoeiro dianteiros: SimFaróis de bixénon: Opção (incluída no pack Iluminação, 1306€)Tecto de abrir eléctrico: Opção (1160€)

EQUIPAMENTO

SegurançaABS: SimAirbags dianteiros: SimAirbags laterais: Sim, à frenteAirbags de cortina: SimAirbag de joelhos para o condutor: Não

o valor fi nal para 64.157€! Mais de

17.000€, o sufi ciente para comprar

outro carro… É certo que algum des-

te equipamento opcional é mesmo

não essencial, como a Modern Line,

uma das três linhas de design para

embelezar o carro, sendo as outras

Luxury e Sport e qualquer delas cus-

tando 1887€. Mas serem opção a de-

sactivação do airbag do passageiro ou

sensores de estacionamento traseiro,

que muitos utilitários baratinhos tra-

zem de série, é esticar a corda. Por

isso, quem quiser adquirir um 320

GT pode contar com uns dez mil eu-

ros a somar ao preço-base para ter

um carro minimamente equipado.

E há mesmo equipamento opcio-

nal que é essencial, como o pack Parqueamento (1479€), que engloba

sensores de estacionamento diantei-

ros e traseiros, assistente de estacio-

namento e câmara de visão traseira,

indispensável para manobrar este

“porta-aviões” por ruelas estreitas,

na medida em que, mesmo em mar-

cha para a frente a velocidades redu-

zidas, avisa da proximidade de obstá-

culos, por sinais sonoros e indicação

gráfi ca, no ecrã central da consola.

Não tão fundamental mas muito

útil é a excelente caixa automática

de 8 relações, um item que, neste

caso, é justifi cável ser opção, cus-

tando 2478€, que contribui para o

conforto na condução. Para além

da suavidade de funcionamento e

rapidez de resposta, é um descanso

em situações de pára-arranca — pre-

mindo-se o travão, pára o motor, que

volta a arrancar se se solta o travão

(o Start/Stop é um pouco sensível

demais, basta levantar ligeiramente

o pé do travão para o motor recome-

çar a trabalhar) e, mesmo em subi-

das íngremes, o carro nunca descai.

Quanto a economia de consumos,

eles são idênticos aos obtidos com a

caixa manual.

Bonito, espaçoso, confortável

(notoriamente em longas viagens,

graças a uma boa suspensão), com

estabilidade tanto em recta como em

curva e boas performances mesmo no

modo Eco Pro (o ideal para uma con-

dução económica e racional), o 320d

GT, como todos os modelos da BMW,

benefi cia de série do BMW Service

Inclusive por 5 anos ou 100.000km,

que compreende inspecção da viatu-

ra mudanças de óleo, fi ltros, velas e

líquido dos travões.

MAIOR QUE A CARRINHA

Para quem prefere as carrinhas, sob pretexto de serem mais práticas, a outros tipos de carroçaria, este GT desfaz esse argumento: é mais espaçoso por dentro que qualquer dos outros série 3, com mais 25 litros de mala que a carrinha. Sob o fundo da bagageira com formato regular, proporcionando boa arrumação dos volumes, não há pneu sobresselente mas um espaço para arrumar objectos. Traz pneus run flat, que, mesmo com pressão nula (por furo ou perda de ar), possibilitam a circulação do carro a uma velocidade máxima de 80 km/h durante 80 quilómetros. E apesar de os run flat serem mais rígidos e desconfortáveis que os pneus normais e originarem consumos superiores, a marca conseguiu contornar esses problemas, sendo o 320d GT confortável e comedido nos consumos.

ESTÉTICA ALIADA A FUNCIONALIDADE…Para que a traseira tivesse a linha descente dos coupés e o carro tivesse estabilidade direcional acrescida, estreia-se a primeira asa traseira activa em modelos da BMW. A 110 km/h eleva-se automaticamente, descendo abaixo dos 70 km/h. Também é possível elevá-la e baixá-la mesmo com o carro parado por meio de um comando na porta do lado do condutor. Outros elementos que aliam estética à funcionalidade são os Air Curtains, entradas de ar nos spoilers dianteiros complementadas com saídas atrás das rodas para diminuir a turbulência nas cavas das rodas.

… MAS NÃO HÁ CARROS PERFEITOS Pois é… embora este série 3 GT consiga um feliz casamento entre a elegância e a harmonia de linhas interiores e exteriores com a facilidade e comodidade de utilização, há, no meio deste paraíso, uma pequena serpente: o pequeno visor rectangular entre o velocímetro e o conta-quilómetros, com várias indicações (odómetro, orientações de navegação, temperatura, etc.), fica tapado em certas posições do volante. A sua consulta seria muito mais fácil se estivesse colocado em cima em vez de na parte inferior do painel de instrumentos.

O MODO IDEAL DE CONDUÇÃOEste 320d GT tem quatro modos de condução: Comfort (o modo standard sempre que se põe o carro a trabalhar), Eco Pro (para economia de consumos, com conselhos para uma condução mais racional), Sport e Sport + (condução mais desportiva). Se com os modos desportivos se nota uma resposta mais rápida e nervosa do motor, as diferenças entre os modos Comfort e Eco Pro, em termos de condução, não são tão evidentes. Já para economia de consumos, o modo Eco Pro é o mais aconselhável — aliás, este deveria ser o modo standard. Mesmo neste modo, em caso de necessidade em recuperações e ultrapassagens, a resposta é rápida e eficiente.

Page 36: Suplemento do jornal Publico "Fugas" dedicada à ilha de Santa Maria

36 | FUGAS | Público | Sábado 31 Agosto 2013

MotoresTeste Peugeot 508 RXH 2.0 HDi Hybrid4

Uma jóia tecnológica da marca do leãoO emblema no capot não diz tudo: o topo de gama da Peugeot alia potência e economia de consumos a um equipamento bastante completo de nível superior. Nesta versão carrinha, a 508 RXH equipara-se a modelos premium do mesmo segmento.

A Peugeot 508

RXH é a versão mais sofi sticada da

carrinha topo de gama da Peugeot,

ombreando com veículos de outras

marcas do subsegmento D premium.

A motorização é a Full Hybrid Die-

sel do grupo PSA, estreada no SUV

(sport utility vehicle) Peugeot 3008:

um propulsor 2.0 de 163cv a gasó-

leo impulsiona as rodas dianteiras e

um motor eléctrico de 37cv acoplado

ao trem traseiro, o que lhe confere

tracção integral. Há ainda um tercei-

ro motor, de 11cv, para o arranque,

que é sempre efectuado em modo

eléctrico.

A maior altura ao solo face às ou-

tras variantes do Peugeot 508 e a

tracção 4x4 confere-lhe em teoria

aptidões para circular fora de estra-

da. Mas a colocação das baterias do

sistema híbrido sob o fundo da mala

não só reduziu a capacidade desta

de 518 para 400 litros, como levou

a Peugeot, para ganhar volume de

bagageira, a optar por equipar esta

carrinha com um kit de “reparação”

(ou melhor, de “estragação”) de

pneus em vez de um pneu sobresse-

lente – uma solução muito discutível

no caso de se querer sair do asfalto

para terrenos irregulares, onde au-

menta o risco de danos maiores nos

pneus que um pequeno furo. Aliás,

os pneus de alta performance que

equipavam o veículo que conduzi-

mos, Michelin Pilot Sport 3 245/45

R18 V, são de asfalto. A vantagem da

maior altura ao solo é a redução do

risco de se raspar o fundo do carro

em pisos mais degradados.

A Peugeot não segue a política de

alguns fabricantes de modelos de

luxo, cujo custo real, sobrecarregado

por equipamento opcional que deve-

ria ser de série, é bastante superior

ao preço-base anunciado – as mar-

cas argumentam que assim o cliente

pode personalizar o seu veículo, mas,

na realidade, o que se torna “perso-

nalizável” é o preço fi nal. Custando

perto de 44.000€, a carrinha Peugeot

508 RXH não é nem pretende ser um

meio de transporte acessível – nessa

área, a marca do leão propõe vários

modelos. Porém, em comparação

com veículos premium equivalentes,

não só o preço-base é inferior, como

o equipamento de série é muito mais

completo, podendo-se dispensar as

opções e ter à mesma um carro bem

equipado.

No veículo que conduzimos, os

extras totalizavam 2000€: pintura

metalizada (520€), abertura eléctri-

ca do portão traseiro (490€), faróis

bixénon com assistente de máximos

(900€) e pinças de travões em preto

(90€). Entre o equipamento de série,

referência para os sensores de chu-

va, luminosidade e de estacionamen-

to (com apresentação gráfi ca no ecrã

central da proximidade de obstácu-

los), o head-up display (projecção de

informações sobre uma pequena lâ-

mina transparente sobre o tablier em

frente ao posto de condução), o sis-

tema de auxílio ao estacionamento,

o climatizador quadrizona, a entrada

sem chave e arranque por botão, o

travão de estacionamento automá-

tico, o alarme, os bancos dianteiros

eléctricos e aquecidos, o sistema de

info-entretenimento e de navegação,

os vidros escurecidos, o cruise con-

trol ou o tecto panorâmico eléctrico.

Em muitos veículos premium, muito

disto seria considerado opção com

a consequente sobrecarga no custo

inicial…

Quanto à segurança, a Peugeot 508

foi testada em 2011 pelo Euro NCAP,

tendo então obtido o máximo de 5

estrelas, com 90% na protecção dos

ocupantes, 87% nas crianças, 41% nos

peões (com este valor, abaixo do ac-

tual mínimo de 60%, a Peugeot 508

já não obteria as 5 estrelas) e 97% nos

dispositivos auxiliares de segurança.

No interior, com espaço sufi ciente

para alojar cinco pessoas e uma boa

posição de condução, ressalta pela

positiva a qualidade dos materiais

usados e o cuidado nos acabamentos

e pela negativa a inexistência de com-

partimentos abertos na consola para

guardar pequenos objectos (carteira,

telemóvel, etc.). Em termos de con-

dução, nota-se o peso do veículo no

arranque, mas, uma vez em marcha,

a potência da motorização está pre-

sente e para este veículo não há su-

bidas íngremes – é sempre a acelerar.

O sistema HYBrid4 tem quatro mo-

dos de condução: Auto (escolha do

próprio sistema por defeito), Sport,

4WD e ZEV (modo eléctrico). Os dois

motores podem funcionar de forma

complementar, com o propulsor

diesel como principal e o eléctrico

a apoiar, por exemplo, nas acelera-

ções a fundo), conjunta (modos 4WD

e Sport, com ambos a funcionarem

ao mesmo tempo) ou no modo ZEV,

em que apenas funciona o motor

eléctrico, por um máximo de 4km e

João Palma

FICHA TÉCNICA*

Motor de combustão 4 cil., 16v, 1997cc, gasóleo Potência 163cv às 3850 rpmBinário máximo 300 Nm às 1750 rpmMotor eléctr. de arranque Síncrono de magneto permanentePotência 11cv às 6000 rpmBinário máximo 150 NmMotor eléctrico traseiro Síncrono de magneto permanentePotência 27cv (regime normal) ou 37cv (em pico) Binário máximo 200 Nm às 1290 rpm Bateria Hidretos metálicos de níquelCapac. útil da bateria 1,1 kWhPotência total combinada 200cvBinário máx. combinado 450 NmVeloc. máxima 213 km/hAceleração 0/100 km/h 8,8s Consumo médio 4,1 l/100 km (urbano, 4,0 l/100km)Emissões de CO2 107 g/km Preço 43.930€ (veículo ensaiado, 45.930€)*Dados do construtor

Page 37: Suplemento do jornal Publico "Fugas" dedicada à ilha de Santa Maria

FUGAS | Público | Sábado 31 Agosto 2013 | 37

a velocidades até 60 km/h. No modo

Auto, a velocidades reduzidas e em

percursos relativamente planos,

pode entrar em funcionamento auto-

maticamente o modo eléctrico desde

que haja carga na bateria.

Muito silenciosa e com uma sus-

pensão confortável na boa tradição

francesa (por vezes, demasiado, o

que pode originar uma certa adorna-

gem em curva), os consumos podem

ser vistos de forma negativa ou posi-

tiva: negativa, porque os 6,2 l/100km

que obtivemos estão longe dos 4,1

l/100km anunciados pela marca;

positiva, porque este é um veículo

que pesa 1,9 toneladas. Mesmo as-

sim, para se conseguir essa média

houve que fazer uma boa gestão do

pedal do acelerador e ter atenção

para evitar ao máximo ultrapassar

a zona verde do conta-rotações.

Ainda um reparo para a caixa

manual robotizada de seis relações:

apesar de o “poço” nas mudanças de

velocidade estar parcialmente suavi-

zado pelo auxílio do motor eléctrico,

o funcionamento desta caixa está

longe de se equipar a, por exemplo,

caixas de dupla embraiagem usadas

por outros fabricantes. Já o compor-

tamento do sistema de Start & Stop

é irrepreensível.

O regresso do minimonstro do todo-o-terreno

Trinta aninhos (fei-

tos em Junho) é razão mais do que

sufi ciente para celebrar. E não há

melhor maneira de festejar um mo-

delo do que o lançamento do mes-

mo, mas renascido. A versão 4x4 do

Fiat Panda chegou no fi m de 2012,

quase um ano após a chegada da

nova e terceira geração do Fiat Pan-

da, no início desse ano. E veio para

confi rmar o espírito todo-o-terreno

do pequeno modelo da marca ita-

liana, que continua a surpreender

pela versatilidade e capacidade de

enfrentar um grande número de

adversidades.

Mas tirem-se desde já as dúvidas:

não é por ser um 4x4 que se torna

menos apto para palmilhar a cida-

de. O Panda, seja em que versão

for, é sempre um citadino simpá-

tico de se conduzir (e de estacio-

nar: pelo espaço, com 3686mm de

comprimento, mas também pela

opção City, que torna o carro muito

fácil de manusear). Além de diver-

tido, tem um bom nível de equi-

pamento, em que se incluem um

efi ciente ar condicionado manual

ou o rádio com leitor de CD/MP3.

Como opção, pode ter o sistema

de info-entretenimento Blue&Me

TomTom2 Live ou o sistema City

Brake Control, que, até 30 km/h,

reconhece obstáculos à frente da

viatura e trava caso o condutor não

o faça em tempo útil.

Mas é quando se sai da cidade,

quer por asfalto quer por caminhos

menos direitinhos, que ele mostra

bem do que é capaz, tirando pro-

veito da tracção integral mas tam-

bém dos ângulos de ataque, saída

e ventral, de, respectivamente, 21º,

36º e 20º. É certo que não é um

grande monstro do todo-o-terreno

(nem o seu preço é tão assustador

como o daqueles), nem sequer tem

altura ao solo para isso, por isso o

melhor é poupá-lo a incursões mais

árduas. Mas este monstrinho tam-

bém não se acanha em brincadeiras

off -road muito por causa do sistema

de transmissão Torque On Demand

(binário a pedido, numa tradução

literal). Isto é, quando necessário o

Panda transforma-se para ultrapas-

sar os obstáculos.

Com o renovado esquema de sus-

pensões, assim como com pneus

175/65 R15 84T M+S, o Panda 4x4

consegue adaptar-se a vários tipos

de piso: neve ou gelo, lama ou terra

batida. O sistema de controlo elec-

trónico de estabilidade com diferen-

cial autoblocante electromecânico

apoia o arranque em pisos com fra-

ca aderência e, abaixo de 50 km/h,

bloqueia as rodas sem aderência,

transferindo a força destas para as

que continuam “agarradas”.

Dessa forma, não é pelo seu pe-

queno tamanho que se pode calcu-

lar o obstáculo a enfrentar. Sobe,

FIAT PANDA 1.3 MULTIJET 16V 75CV S&S 4X4

Motor: 1248cc, 4 cil., turbodieselPotência: 75cv às 4000 rpmBinário: 190 Nm às 1500 rpmTransmissão: caixa manual de cinco velocidadesVeloc. máxima: 159 km/hAceleração 0 a 100 km/h: 14,5sConsumo médio (100 km): 4,7 litrosEmissões de CO2: 125 g/kmÂngulos (ataque/saída/ventral): 21/36/20Preço: 19.500€

desce, afunda-se e desafunda-se

sem que em nenhum momento

provoque qualquer tipo de ânsia a

quem segue lá dentro. Até porque,

para lá das pequenas alterações no

desenho exterior face à versão 4x2,

mais evidentes nas protecções late-

rais (lamentavelmente em plástico),

o Panda 4x4 mostra-se bem prote-

gido: sob a carroçaria, protecções

rígidas em alumínio dão confi ança

q.b. para se enveredar por empe-

drados e caminhos tortuosos.

Como motorização diesel (tão

apreciada no mercado português),

1.3 Multijet de 75cv, a Fiat conse-

gue aliar diversão off -road a baixos

consumos – embora superiores

aos da versão normal do Panda,

até porque para se conseguir um

binário capaz de enfrentar certos

terrenos o ideal é desligar o sistema

Start&Stop (que, diga-se, nem sem-

pre cumpre os requisitos na cidade;

não são poucas as vezes que no sinal

vermelho o carro se “esquece” de

desligar). Por isso, aos 5,0 l/100km

calculados pela Fiat para os percur-

sos urbanos o melhor é somar mais

um ou dois de cada vez que se sai

do alcatrão.

O pequenino Fiat Panda 4x4 revela mais aptidões para circular fora de estrada que veículos maiores e teoricamente mais credenciados.

Teste Fiat Panda 4x4

Carla B. Ribeiro

NUNO FERREIRA SANTOS

Page 38: Suplemento do jornal Publico "Fugas" dedicada à ilha de Santa Maria

38 | FUGAS | Público | Sábado 31 Agosto 2013

Plano de viagem

Viagem de 10 dias por dois países de grande beleza e com um rico passado histórico-monumental. Bulgária, espelho de várias civilizações, e Roménia, país dos Cárpatos, da Transilvânia, dos mosteiros de Bucovina e do conde Drácula. Preço: desde 1395€, com avião, taxas, circuito em autocarro, estadia com pensão completa e visitas com guia. Partida a 27 Setembro. www.pintolopesviagens.com

Ar livre

Cá dentro

Lá fora

Festa das bruxas em Montalegre

Passeio de barco às Berlengas

Cruzeiro pelo rio Volga

Preço: 125€/pessoa. A Festa das Bruxas de Montalegre, que se realiza há 10 anos, proporciona oportunidades particulares para fotografar. Quando o dia 13 coincide com uma sexta-feira, a vila transforma-se para esconjurar o mau-olhado, as bruxas e seus bruxedos. A Fotoadrenalina sugere para o fim-de-semana de 13 de Setembro uma experiência fotográfica que inclui duas noites em hotel com pequeno-almoço, acompanhamento de fotógrafo profissional, material de apoio sobre os percursos e “Jantar das Bruxas Encantadas”. www.fotoadrenalina.com

Durante meio-dia desfrute, num passeio em barco semi-rígido, da paisagem do arquipélago das Berlengas (Berlenga, Estrela e Farilhões), onde a abundância de peixes, o rendilhado das falésias e as inúmeras grutas constituem as maiores atracções. Preço: 50€/adulto e 35€/crianças até aos 12 anos. A experiência é acompanhada por profissionais. www.adventurebyyou.pt

Preço: desde 1480€/pessoa em cabine dupla. De Moscovo a São Petersburgo, a bordo de um cruzeiro, navegando por canais, rios e lagos. Inclui passagem aérea, taxas, 10 noites de alojamento com pensão completa, visitas e excursões em autocarro de turismo com guia. Partida a 18 de Setembro. www.jadetravel/

Leiria

Preço: desde 75€ em quarto duplo. Construída há mais de 500 anos e agora cuidadosamente restaurada, a Casa da Quinta Alves de Matos fica situada na aldeia de Conqueiros, a cerca de 12 quilómetros de Leiria, excelente localização para visitar as praias de Vieira de Leiria, as termas de Monte Real, Pedrógão, São Pedro de Moel, Figueira da Foz e Nazaré. Este empreendimento de turismo rural dispõe de spa, banheira de hidromassagem, solário natural, piscina exterior e jardim. http://quintaalvesmatos.pt

Escalada desportiva

O Clube de Actividades de Ar Livre (CAAL) organiza uma acção de formação em escalada desportiva, nível 1, composta por várias sessões teóricas e práticas nos dias 7, no Penedo da Amizade (Sintra); 14 em Cascais; 22 na Costa da Caparica e 28 e 29 de Setembro em Salir. Preço: 120€. Tel.: 217788372. www.clubearlivre.org

Buenos Aires

Preço: a partir de 1299€ por pessoa em quarto duplo. Viagem de cinco dias para conhecer a rica história de Buenos Aires e os seus principais atractivos: tango, gastronomia, vinhos, Museu de Eva Perón, Caminito (colorido de casas de lata e madeira), Palácio Barolo, Teatro Colon e Café Tortoni. Inclui passagem aérea, taxas, estadia e city tour. www.clubeviajar.pt

MANUEL ROBERTO

NUNO FERREIRA SANTOS

Page 39: Suplemento do jornal Publico "Fugas" dedicada à ilha de Santa Maria

DA

GER

AÇÃ

O E

STRUMPFE, PARA A GERAÇÃO SMURF

Page 40: Suplemento do jornal Publico "Fugas" dedicada à ilha de Santa Maria

QUEM ASSINA,TEM MAIS PÚBLICO.

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