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Superior Tribunal de Justiça RECURSO ESPECIAL 984.106 - SC (2007/0207915-3) RELATOR : MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO RECORRENTE : SPERANDIO MÁQUINAS E EQUIPAMENTOS LTDA ADVOGADO : FERDINANDO DAMO E OUTRO(S) RECORRIDO : FRANCISCO SCHLAGER ADVOGADA : ANA PAULA FONTES DE ANDRADE EMENTA DIREITO DO CONSUMIDOR E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO E RECONVENÇÃO. JULGAMENTO REALIZADO POR UMA ÚNICA SENTENÇA. RECURSO DE APELAÇÃO NÃO CONHECIDO EM PARTE. EXIGÊNCIA DE DUPLO PREPARO. LEGISLAÇÃO LOCAL. INCIDÊNCIA DA SÚMULA N. 280/STF. AÇÃO DE COBRANÇA AJUIZADA PELO FORNECEDOR. VÍCIO DO PRODUTO. MANIFESTAÇÃO FORA DO PRAZO DE GARANTIA. VÍCIO OCULTO RELATIVO À FABRICAÇÃO. CONSTATAÇÃO PELAS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS. RESPONSABILIDADE DO FORNECEDOR. DOUTRINA E JURISPRUDÊNCIA. EXEGESE DO ART. 26, § 3º, DO CDC. 1. Muito embora tenha o art. 511 do CPC disciplinado em linhas gerais o preparo de recursos, o próprio dispositivo remete à "legislação pertinente" a forma pela qual será cobrada a mencionada custa dos litigantes que interpuserem seus recursos. Nesse passo, é a legislação local que disciplina as especificidades do preparo dos recursos cujo julgamento se dá nas instâncias ordinárias. 2. Portanto, a adequação do preparo ao recurso de apelação interposto é matéria própria de legislação local, não cabendo ao STJ aferir a regularidade do seu pagamento, ou se é necessário ou não o recolhimento para cada ação no bojo da qual foi manejada a insurgência. Inviável, no ponto, o recurso especial porquanto demandaria apreciação de legislação local, providência vedada, mutatis mutandis , pela Súmula n. 280/STF: "Por ofensa a direito local não cabe recurso extraordinário". Ademais, eventual confronto entre a legislação local e a federal é matéria a ser resolvida pela via do recurso extraordinário, nos termos do art. 102, inciso III, alínea "d", da Constituição Federal, com a redação que lhe foi conferida pela E.C. n. 45/04. 3. No mérito da causa, cuida-se de ação de cobrança ajuizada por vendedor de máquina agrícola, pleiteando os custos com o reparo do produto vendido. O Tribunal a quo manteve a sentença de improcedência do pedido deduzido pelo ora recorrente, porquanto reconheceu sua responsabilidade pelo vício que inquinava o produto adquirido pelo recorrido, tendo sido comprovado que se tratava de Documento: 1182088 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 20/11/2012 Página 1 de 23

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Superior Tribunal de Justiça

RECURSO ESPECIAL Nº 984.106 - SC (2007/0207915-3)

RELATOR : MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃORECORRENTE : SPERANDIO MÁQUINAS E EQUIPAMENTOS LTDA ADVOGADO : FERDINANDO DAMO E OUTRO(S)RECORRIDO : FRANCISCO SCHLAGER ADVOGADA : ANA PAULA FONTES DE ANDRADE

EMENTA

DIREITO DO CONSUMIDOR E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO E RECONVENÇÃO. JULGAMENTO REALIZADO POR UMA ÚNICA SENTENÇA. RECURSO DE APELAÇÃO NÃO CONHECIDO EM PARTE. EXIGÊNCIA DE DUPLO PREPARO. LEGISLAÇÃO LOCAL. INCIDÊNCIA DA SÚMULA N. 280/STF. AÇÃO DE COBRANÇA AJUIZADA PELO FORNECEDOR. VÍCIO DO PRODUTO. MANIFESTAÇÃO FORA DO PRAZO DE GARANTIA. VÍCIO OCULTO RELATIVO À FABRICAÇÃO. CONSTATAÇÃO PELAS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS. RESPONSABILIDADE DO FORNECEDOR. DOUTRINA E JURISPRUDÊNCIA. EXEGESE DO ART. 26, § 3º, DO CDC.

1. Muito embora tenha o art. 511 do CPC disciplinado em linhas gerais o preparo de recursos, o próprio dispositivo remete à "legislação pertinente" a forma pela qual será cobrada a mencionada custa dos litigantes que interpuserem seus recursos. Nesse passo, é a legislação local que disciplina as especificidades do preparo dos recursos cujo julgamento se dá nas instâncias ordinárias.

2. Portanto, a adequação do preparo ao recurso de apelação interposto é matéria própria de legislação local, não cabendo ao STJ aferir a regularidade do seu pagamento, ou se é necessário ou não o recolhimento para cada ação no bojo da qual foi manejada a insurgência. Inviável, no ponto, o recurso especial porquanto demandaria apreciação de legislação local, providência vedada, mutatis mutandis , pela Súmula n. 280/STF: "Por ofensa a direito local não cabe recurso extraordinário". Ademais, eventual confronto entre a legislação local e a federal é matéria a ser resolvida pela via do recurso extraordinário, nos termos do art. 102, inciso III, alínea "d", da Constituição Federal, com a redação que lhe foi conferida pela E.C. n. 45/04.

3. No mérito da causa, cuida-se de ação de cobrança ajuizada por vendedor de máquina agrícola, pleiteando os custos com o reparo do produto vendido. O Tribunal a quo manteve a sentença de improcedência do pedido deduzido pelo ora recorrente, porquanto reconheceu sua responsabilidade pelo vício que inquinava o produto adquirido pelo recorrido, tendo sido comprovado que se tratava de

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defeito de fabricação e que era ele oculto. Com efeito, a conclusão a que chegou o acórdão, sobre se tratar de vício oculto de fabricação, não se desfaz sem a reapreciação do conjunto fático-probatório, providência vedada pela Súmula 7/STJ. Não fosse por isso, o ônus da prova quanto à natureza do vício era mesmo do ora recorrente, seja porque é autor da demanda (art. 333, inciso I, do CPC) seja porque se trata de relação de consumo, militando em benefício do consumidor eventual déficit em matéria probatória.

4. O prazo de decadência para a reclamação de defeitos surgidos no produto não se confunde com o prazo de garantia pela qualidade do produto - a qual pode ser convencional ou, em algumas situações, legal. O Código de Defesa do Consumidor não traz, exatamente, no art. 26, um prazo de garantia legal para o fornecedor responder pelos vícios do produto. Há apenas um prazo para que, tornando-se aparente o defeito, possa o consumidor reclamar a reparação, de modo que, se este realizar tal providência dentro do prazo legal de decadência, ainda é preciso saber se o fornecedor é ou não responsável pela reparação do vício.

5. Por óbvio, o fornecedor não está, ad aeternum , responsável pelos produtos colocados em circulação, mas sua responsabilidade não se limita pura e simplesmente ao prazo contratual de garantia, o qual é estipulado unilateralmente por ele próprio. Deve ser considerada para a aferição da responsabilidade do fornecedor a natureza do vício que inquinou o produto, mesmo que tenha ele se manifestado somente ao término da garantia.

6. Os prazos de garantia, sejam eles legais ou contratuais, visam a acautelar o adquirente de produtos contra defeitos relacionados ao desgaste natural da coisa, como sendo um intervalo mínimo de tempo no qual não se espera que haja deterioração do objeto. Depois desse prazo, tolera-se que, em virtude do uso ordinário do produto, algum desgaste possa mesmo surgir. Coisa diversa é o vício intrínseco do produto existente desde sempre, mas que somente veio a se manifestar depois de expirada a garantia. Nessa categoria de vício intrínseco certamente se inserem os defeitos de fabricação relativos a projeto, cálculo estrutural, resistência de materiais, entre outros, os quais, em não raras vezes, somente se tornam conhecidos depois de algum tempo de uso, mas que, todavia, não decorrem diretamente da fruição do bem, e sim de uma característica oculta que esteve latente até então.

7. Cuidando-se de vício aparente, é certo que o consumidor deve exigir a reparação no prazo de noventa dias, em se tratando de produtos duráveis, iniciando a contagem a partir da entrega efetiva do bem e não fluindo o citado prazo durante a garantia contratual. Porém, conforme assevera a doutrina consumerista, o Código de Defesa do Consumidor, no § 3º do art. 26, no que concerne à disciplina do vício oculto, adotou o critério da vida útil do bem, e não o critério da garantia, podendo o fornecedor se responsabilizar pelo vício em um

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espaço largo de tempo, mesmo depois de expirada a garantia contratual.

8. Com efeito, em se tratando de vício oculto não decorrente do desgaste natural gerado pela fruição ordinária do produto, mas da própria fabricação, e relativo a projeto, cálculo estrutural, resistência de materiais, entre outros, o prazo para reclamar pela reparação se inicia no momento em que ficar evidenciado o defeito, não obstante tenha isso ocorrido depois de expirado o prazo contratual de garantia, devendo ter-se sempre em vista o critério da vida útil do bem.

9. Ademais, independentemente de prazo contratual de garantia, a venda de um bem tido por durável com vida útil inferior àquela que legitimamente se esperava, além de configurar um defeito de adequação (art. 18 do CDC), evidencia uma quebra da boa-fé objetiva, que deve nortear as relações contratuais, sejam de consumo, sejam de direito comum. Constitui, em outras palavras, descumprimento do dever de informação e a não realização do próprio objeto do contrato, que era a compra de um bem cujo ciclo vital se esperava, de forma legítima e razoável, fosse mais longo.

10. Recurso especial conhecido em parte e, na extensão, não provido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, os Ministros da QUARTA TURMA do Superior Tribunal de Justiça acordam, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, conhecer parcialmente do recurso e, nesta parte, negar-lhe provimento, nos termos do voto do Senhor Ministro Relator. Os Srs. Ministros Raul Araújo, Maria Isabel Gallotti, Antonio Carlos Ferreira e Marco Buzzi votaram com o Sr. Ministro Relator.

Brasília (DF), 04 de outubro de 2012(Data do Julgamento)

MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO

Relator

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RECURSO ESPECIAL Nº 984.106 - SC (2007/0207915-3) RECORRENTE : SPERANDIO MÁQUINAS E EQUIPAMENTOS LTDA ADVOGADO : FERDINANDO DAMO E OUTRO(S)RECORRIDO : FRANCISCO SCHLAGER ADVOGADA : ANA PAULA FONTES DE ANDRADE

RELATÓRIO

O SENHOR MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO (Relator):

1. Sperandio Máquinas e Veículos Ltda. ajuizou ação de cobrança em face

de Francisco Schlager, noticiando ter vendido ao réu, em 17.6.1997, um trator agrícola

novo no valor de R$ 43.962,74 (quarenta e três mil, novecentos e sessenta e dois reais e

setenta e quatro centavos). Informa que, em outubro de 2000, três anos e quatro meses

depois da aquisição, observou-se um defeito na máquina, tendo a autora realizado os

serviços necessários para o reparo do trator, trocando uma peça que estava defeituosa.

Argumentou que a garantia contratual era de 8 (oito) meses ou 1.000 (mil) horas de uso -

a que implementasse primeiro -, razão por que pleiteia o ressarcimento pelos serviços

prestados, os quais totalizam R$ 6.811,97 (seis mil, oitocentos e onze reais e noventa e

sete centavos).

O réu contestou o pedido aduzindo que o defeito da máquina não era

decorrência de desgaste natural ou de mau uso, mas consistia em defeito de projeto,

tratando-se, assim, de vício oculto, por cujo reparo deveria responder o fornecedor.

Manejou também reconvenção, pleiteando a condenação do autor ao ressarcimento dos

lucros cessantes gerados pelo tempo em que a máquina permaneceu indisponível

durante a manutenção (trinta dias).

O Juízo de Direito da 2ª Vara da Comarca de Campos Novos/SC,

reconhecendo que se tratava de vício redibitório, julgou improcedente o pedido do autor

na ação principal e procedente o pedido reconvencional (fls. 187-198).

Em grau de recurso, o TJSC conheceu parcialmente da apelação interposta

pelo autor-reconvindo e lhe negou provimento, nos termos da seguinte ementa:

APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE COBRANÇA – RECONVENÇÃO – TEMÁTICA NÃO CONHECIDA – PREPARO – REVENDEDORA DE IMPLEMENTOS AGRÍCOLAS – AQUISIÇÃO DE TRATOR – PEÇA DEFEITUOSA – DEFEITO DE FABRICAÇÃO – APLICAÇÃO DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR – VÍCIO OCULTO – PROVA TESTEMUNHAL – RESPONSABILIDADE DO VENDEDOR – SENTENÇA

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MANTIDA – RECURSO DESPROVIDOPor ser a ação reconvencional autônoma e conexa com a ação principal, torna-se indispensável o recolhimento de preparo individualizado independentemente de a sentença ter sido uma.Comprovado que o defeito na peça do trator agrícola é de fábrica, não contribuindo o comprador para o seu desgaste, inafastável o dever da revendedora em arcar com a reparação dos danos, a teor do art. 18 do CDC (fl. 238).

Opostos embargos de declaração, foram eles rejeitados (fls. 262-265).

Sobreveio recurso especial apoiado nas alíneas "a" e "c" do permissivo

constitucional, no qual se alega, além de dissídio jurisprudencial, ofensa aos arts. 333,

incisos I e II, e 867 do Código de Processo Civil; arts. 18 e 26, inciso II, do Código de

Defesa do Consumidor; arts. 178, § 2º, 955, 956 e 957 do Código Civil de 1916.

Insurge-se, inicialmente, contra a exigência de que o preparo do recurso de

apelação seja efetuado duplamente quando interposto em face de sentença que julgou a

ação principal e a reconvenção.

No mais, impugna o reconhecimento de sua responsabilidade pelo vício do

produto, além de questionar a natureza desse vício e a ocorrência da decadência do

direito de reclamá-lo.

Aduz que o defeito apresentado no maquinário surgiu quando já havia

expirado o prazo de garantia conferido ao produto. Ademais, o recorrido não teria

demonstrado que o citado defeito, na verdade um vício oculto, devendo ser considerado

desgaste natural decorrente do uso por mais de três anos, sendo certo que o recorrido

usou o trator sem nenhum defeito durante todo esse período.

Finalmente, pleiteia o provimento do recurso também quanto ao pedido de

lucros cessantes deduzido na reconvenção, uma vez que o réu-reconvinte não fez prova

da ocorrência de nenhum prejuízo.

Contra-arrazoado (fls. 364-373), o especial foi admitido (fls. 377-378).

É o relatório.

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RECURSO ESPECIAL Nº 984.106 - SC (2007/0207915-3) RELATOR : MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃORECORRENTE : SPERANDIO MÁQUINAS E EQUIPAMENTOS LTDA ADVOGADO : FERDINANDO DAMO E OUTRO(S)RECORRIDO : FRANCISCO SCHLAGER ADVOGADA : ANA PAULA FONTES DE ANDRADE

EMENTA

DIREITO DO CONSUMIDOR E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO E RECONVENÇÃO. JULGAMENTO REALIZADO POR UMA ÚNICA SENTENÇA. RECURSO DE APELAÇÃO NÃO CONHECIDO EM PARTE. EXIGÊNCIA DE DUPLO PREPARO. LEGISLAÇÃO LOCAL. INCIDÊNCIA DA SÚMULA N. 280/STF. AÇÃO DE COBRANÇA AJUIZADA PELO FORNECEDOR. VÍCIO DO PRODUTO. MANIFESTAÇÃO FORA DO PRAZO DE GARANTIA. VÍCIO OCULTO RELATIVO À FABRICAÇÃO. CONSTATAÇÃO PELAS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS. RESPONSABILIDADE DO FORNECEDOR. DOUTRINA E JURISPRUDÊNCIA. EXEGESE DO ART. 26, § 3º, DO CDC.

1. Muito embora tenha o art. 511 do CPC disciplinado em linhas gerais o preparo de recursos, o próprio dispositivo remete à "legislação pertinente" a forma pela qual será cobrada a mencionada custa dos litigantes que interpuserem seus recursos. Nesse passo, é a legislação local que disciplina as especificidades do preparo dos recursos cujo julgamento se dá nas instâncias ordinárias.

2. Portanto, a adequação do preparo ao recurso de apelação interposto é matéria própria de legislação local, não cabendo ao STJ aferir a regularidade do seu pagamento, ou se é necessário ou não o recolhimento para cada ação no bojo da qual foi manejada a insurgência. Inviável, no ponto, o recurso especial porquanto demandaria apreciação de legislação local, providência vedada, mutatis mutandis , pela Súmula n. 280/STF: "Por ofensa a direito local não cabe recurso extraordinário". Ademais, eventual confronto entre a legislação local e a federal é matéria a ser resolvida pela via do recurso extraordinário, nos termos do art. 102, inciso III, alínea "d", da Constituição Federal, com a redação que lhe foi conferida pela E.C. n. 45/04.

3. No mérito da causa, cuida-se de ação de cobrança ajuizada por vendedor de máquina agrícola, pleiteando os custos com o reparo do produto vendido. O Tribunal a quo manteve a sentença de improcedência do pedido deduzido pelo ora recorrente, porquanto reconheceu sua responsabilidade pelo vício que inquinava o produto

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adquirido pelo recorrido, tendo sido comprovado que se tratava de defeito de fabricação e que era ele oculto. Com efeito, a conclusão a que chegou o acórdão, sobre se tratar de vício oculto de fabricação, não se desfaz sem a reapreciação do conjunto fático-probatório, providência vedada pela Súmula 7/STJ. Não fosse por isso, o ônus da prova quanto à natureza do vício era mesmo do ora recorrente, seja porque é autor da demanda (art. 333, inciso I, do CPC) seja porque se trata de relação de consumo, militando em benefício do consumidor eventual déficit em matéria probatória.

4. O prazo de decadência para a reclamação de defeitos surgidos no produto não se confunde com o prazo de garantia pela qualidade do produto - a qual pode ser convencional ou, em algumas situações, legal. O Código de Defesa do Consumidor não traz, exatamente, no art. 26, um prazo de garantia legal para o fornecedor responder pelos vícios do produto. Há apenas um prazo para que, tornando-se aparente o defeito, possa o consumidor reclamar a reparação, de modo que, se este realizar tal providência dentro do prazo legal de decadência, ainda é preciso saber se o fornecedor é ou não responsável pela reparação do vício.

5. Por óbvio, o fornecedor não está, ad aeternum , responsável pelos produtos colocados em circulação, mas sua responsabilidade não se limita pura e simplesmente ao prazo contratual de garantia, o qual é estipulado unilateralmente por ele próprio. Deve ser considerada para a aferição da responsabilidade do fornecedor a natureza do vício que inquinou o produto, mesmo que tenha ele se manifestado somente ao término da garantia.

6. Os prazos de garantia, sejam eles legais ou contratuais, visam a acautelar o adquirente de produtos contra defeitos relacionados ao desgaste natural da coisa, como sendo um intervalo mínimo de tempo no qual não se espera que haja deterioração do objeto. Depois desse prazo, tolera-se que, em virtude do uso ordinário do produto, algum desgaste possa mesmo surgir. Coisa diversa é o vício intrínseco do produto existente desde sempre, mas que somente veio a se manifestar depois de expirada a garantia. Nessa categoria de vício intrínseco certamente se inserem os defeitos de fabricação relativos a projeto, cálculo estrutural, resistência de materiais, entre outros, os quais, em não raras vezes, somente se tornam conhecidos depois de algum tempo de uso, mas que, todavia, não decorrem diretamente da fruição do bem, e sim de uma característica oculta que esteve latente até então.

7. Cuidando-se de vício aparente, é certo que o consumidor deve exigir a reparação no prazo de noventa dias, em se tratando de produtos duráveis, iniciando a contagem a partir da entrega efetiva do bem e não fluindo o citado prazo durante a garantia contratual. Porém, conforme assevera a doutrina consumerista, o Código de Defesa do Consumidor, no § 3º do art. 26, no que concerne à disciplina do vício oculto, adotou o critério da vida útil do bem, e não o critério da

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garantia, podendo o fornecedor se responsabilizar pelo vício em um espaço largo de tempo, mesmo depois de expirada a garantia contratual.

8. Com efeito, em se tratando de vício oculto não decorrente do desgaste natural gerado pela fruição ordinária do produto, mas da própria fabricação, e relativo a projeto, cálculo estrutural, resistência de materiais, entre outros, o prazo para reclamar pela reparação se inicia no momento em que ficar evidenciado o defeito, não obstante tenha isso ocorrido depois de expirado o prazo contratual de garantia, devendo ter-se sempre em vista o critério da vida útil do bem.

9. Ademais, independentemente de prazo contratual de garantia, a venda de um bem tido por durável com vida útil inferior àquela que legitimamente se esperava, além de configurar um defeito de adequação (art. 18 do CDC), evidencia uma quebra da boa-fé objetiva, que deve nortear as relações contratuais, sejam de consumo, sejam de direito comum. Constitui, em outras palavras, descumprimento do dever de informação e a não realização do próprio objeto do contrato, que era a compra de um bem cujo ciclo vital se esperava, de forma legítima e razoável, fosse mais longo.

10. Recurso especial conhecido em parte e, na extensão, não provido.

VOTO

O SENHOR MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO (Relator):

2. Primeiramente, cumpre ressaltar que os arts. arts. 178, § 2º, 955, 956 e

957, todos do Código Civil de 1916, assim também o art. 867 do Código de Processo

Civil, não foram objeto de prequestionamento, circunstância que atrai a incidência da

Súmula n. 211/STJ: "Inadmissível recurso especial quanto à questão que, a despeito da

oposição de embargos declaratórios, não foi apreciada pelo Tribunal a quo".

3. Analiso a questão relativa ao não conhecimento parcial da apelação, por

ausência de preparo.

O Tribunal a quo entendeu que seria necessário duplo preparo, uma vez

que, muito embora fosse um recurso apenas, eram duas as lides (a principal e a

reconvenção).

Os fundamentos foram os seguintes:

Inicialmente, cumpre salientar que não se conhece da insurgência quanto aos fundamentos que levaram à procedência da reconvenção, porquanto a

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apelante não recolheu o devido preparo.Tratando-se de ações conexas julgadas em uma única sentença (ação de cobrança e reconvenção), o preparo do recurso deve cor- responder, em separado, a cada um dos feitos recorridos.Colhe-se da jurisprudência:

O julgamento de ações conexas ou de reconvenção na mesma sentença não dispensa o recorrente de efetuar o preparo de forma individualizada (TJSC, AC n. 2003.021116-0, de Cu- ritibanos, rei. Des. Alcides. Aguiar, j. em 11-5-2006).

Nesse sentido, particularmente em ações com reconvenção, ver: AC n. 2001.013184-6, de Rio do Sul, rei. Des. Alcides Aguiar, j. em 23-6-2005; AC n. 2003.026961-4, de ltaiópolis, rei. Des. Gastaldi Buzzi, j. em 16-6-2005.Por conseguinte, interposto o recurso e feito um único preparo contra a sentença que decidiu tanto a ação principal quanto à reconvenção, inviável o acolhimento da inconformação quanto à última, porquanto deserta, a teor do art. 511 do Código de Processo Civil.É justamente o caso sub judice, no qual a apelante, con- forme se pode constatar à fi. 182, recolheu um único preparo para atacar tanto a ação de cobrança como a reconvenção.Desse modo, não se conhece da alegação da apelante em relação ao pedido de lucros cessantes formulado em reconvenção por Franscisco, Schlager (fl. 241).

Há antigo precedente da Terceira Turma que, em alguma medida, contradiz

a posição adotada pelo acórdão ora recorrido.

Confira-se:

PROCESSO CIVIL. PREPARO. APELAÇÃO. Se considerou só o valor da ação, e não o da reconvenção, o preparo da apelação é insuficiente, mas pode ser complementado porque a hipótese não se assimila à falta de pagamento das custas; o recurso é um só, embora as demandas sejam duas. Embargos de declaração rejeitados.(EDcl nos EDcl no REsp 276.156/SP, Rel. Ministro ARI PARGENDLER, TERCEIRA TURMA, julgado em 17/05/2001)

Não obstante, no caso concreto, proponho entendimento diverso para a

solução da controvérsia.

A norma federal que rege, de forma genérica, o preparo do recurso é o art.

511 do CPC, assim redigido:

Art. 511. No ato de interposição do recurso, o recorrente comprovará, quando exigido pela legislação pertinente, o respectivo preparo, inclusive porte de remessa e de retorno, sob pena de deserção. ________________________

Com efeito, muito embora tenha o art. 511, do CPC, disciplinado em linhas

gerais o preparo de recursos, o próprio dispositivo remete à "legislação pertinente" a

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forma pela qual será cobrada a mencionada custa dos litigantes que interpuserem seus

recursos.

Como bem analisado por Araken de Assis, "o preparo consiste no prévio

pagamento das despesas relativas ao processamento do recurso. O valor é fixado pela

lei de organização judiciária para cada recurso e, de ordinário, emprega-se um

percentual ad valorem " (Manual dos recursos . 2 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,

2008, p. 207).

E, deveras, nem poderia ser diferente, tendo em vista que - com exceção do

porte de remessa e de retorno, que tem natureza jurídica de remuneração do serviço

postal (RE 571.978 AgR, Relator(a): Min. CEZAR PELUSO, Segunda Turma, julgado em

12/8/2008) - as custas judiciais, nas quais se insere o preparo recursal, têm natureza

tributária de taxa, cuja instituição fica a cargo do ente prestador do "serviço público

específico e divisível", nos termos do que dispõem os arts. 77 e 80 do Código Tributário

Nacional:

Art. 77. As taxas cobradas pela União, pelos Estados, pelo Distrito Federal ou pelos Municípios, no âmbito de suas respectivas atribuições, têm como fato gerador o exercício regular do poder de polícia, ou a utilização, efetiva ou potencial, de serviço público específico e divisível, prestado ao contribuinte ou posto à sua disposição.[...]Art. 80. Para efeito de instituição e cobrança de taxas, consideram-se compreendidas no âmbito das atribuições da União, dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios, aquelas que, segundo a Constituição Federal, as Constituições dos Estados, as Leis Orgânicas do Distrito Federal e dos Municípios e a legislação com elas compatível, competem a cada uma dessas pessoas de direito público.

Nesse sentido, são os seguintes precedentes do STF: ADI 3694, Relator(a):

Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, Tribunal Pleno, julgado em 20/09/2006, DJ 06-11-2006;

ADI 1772 MC, Relator(a): Min. CARLOS VELLOSO, Tribunal Pleno, julgado em

15/04/1998, DJ 08-09-2000.

Portanto, a adequação do preparo ao recurso de apelação interposto é

matéria própria de legislação local, não cabendo ao STJ aferir a regularidade do seu

pagamento, ou se é necessário ou não o recolhimento para cada ação no bojo da qual foi

manejada a insurgência.

Inviável, no ponto, o recurso especial, porquanto demandaria apreciação de

legislação local, providência vedada, mutatis mutandis , pela Súmula n. 280/STF: "Por

ofensa a direito local não cabe recurso extraordinário".

Ademais, eventual confronto entre a legislação local e a federal é matéria a

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ser resolvida pela via do recurso extraordinário, nos termos do art. 102, inciso III, alínea

"d", da Constituição Federal, com a redação que lhe foi conferida pela E.C. n. 45/04.

Nesse sentido, confiram-se os seguintes precedentes:

ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. SERVIDOR PÚBLICO. MATÉRIA LOCAL. SÚMULA 280/STF. LEI LOCAL CONTESTADA EM FACE DE LEI FEDERAL. COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. AGRAVO NÃO PROVIDO.1. O Tribunal de origem, no presente caso, considerou deserto o agravo interno interposto pelo ora agravante sob o fundamento de que não foi realizado o preparo previsto no seu regimento interno e na Lei Estadual 4.847/93.2. Nos termos do art. 102, III, "d", da Constituição Federal, compete ao Supremo Tribunal Federal examinar teses envolvendo lei local (Regimento Interno do Tribunal de origem e Lei Estadual 4.847/93) contestada em face de lei federal (arts. 511 e 557, § 1º, do CPC).3. Agravo regimental não provido.(AgRg no Ag 1344973/ES, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 15/05/2012, DJe 18/05/2012)________________________

AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. INOCORRÊNCIA. PREPARO. CRIAÇÃO POR LEI ESTADUAL. POSSIBILIDADE. RECURSO ESPECIAL QUE ATACADA DECISÃO FUNDADA EM DIREITO LOCAL. INVIABILIDADE. SÚMULA 280/STF.[...]2. Nos termos do artigo 145, II, da Constituição Federal, a lei local pode estabelecer os recursos sobre os quais incidirá a necessidade de realização do preparo, obrigando o jurisdicionado a sua observância, porquanto, preenchido o requisito "legislação pertinente" contido no artigo 511, caput, do Código de Processo Civil.3. Inviável o prosseguimento de recurso especial contra decisão proferida com base em legislação local (Súmula 280/STF).4. Decisão agravada mantida pelos seus próprios fundamentos.5. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.(AgRg nos EDcl no Ag 1226835/RJ, Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, TERCEIRA TURMA, julgado em 15/09/2011, DJe 21/09/2011)________________________

Processual civil. Agravo no agravo de instrumento. Fundamentação.Ausente. Deficiente. Súmula 284/STF. Dissídio jurisprudencial. Cotejo analítico e similitude fática. Ausência. Preparo recursal. Lei estadual paulista nº 11.608/2003. Questão de direito local. Recurso especial inadmissível. violação indireta do art. 511 do CPC. Impossibilidade.[...]- A controvérsia relativa à necessidade de preparo para a oposição de embargos infringentes na Justiça do Estado de São Paulo demanda análise de direito local (Lei Estadual 11.608/2003) e, nesse sentido, não enseja a interposição do Recurso Especial.

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Agravo não provido.(AgRg no Ag 1078498/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 01/10/2009, DJe 16/10/2009)________________________

4. Quanto ao mais, o Tribunal a quo manteve a sentença de improcedência

do pedido deduzido pelo ora recorrente, porquanto reconheceu sua responsabilidade pelo

vício que inquinava o produto adquirido pelo recorrido, tendo sido comprovado que se

tratava de defeito de fabricação e que era ele oculto.

A sentença, no particular, chegou a essa conclusão depois de várias

testemunhas - incluindo o preposto da sociedade ora recorrente e o mecânico que

efetuou os reparos da máquina - confirmar que muitos outros tratores iguais ao adquirido

apresentou o mesmo problema depois de certo tempo de uso, conforme se depreende

dos seguintes trechos:

As testemunhas inquiridas durante a instrução do processo foram unânimes em ratificar as alegações do requerido-reconvinte, no sentido de afirmarem que o problema constatado no trator adquirido do autor-reconvindo é de fabricação e que foi reconhecido em diversos tratores da mesma linha e ano de fabricação.Oportuno transcrever o depoimento de João Marcos Fagundes, gerente de peças e serviços da empresa requerente-reconvinda (fls. 131/132):

"(...) Que o depoente se recorda quando o requerido levou o trator para consertar. Que havia um problema na transmissão. Que o requerido comprou o trator novo na empresa em que o depoente trabalha. (...) Que o trator deve ter ficado cerca de trinta dias na empresa para o conserto. (...) Que realmente tiveram o mesmo problema em outros tratores naquela época, assim como alguns tratores nunca deram problema. (...) Que o período de vida útil de um trator é cerca de 8.000 horas, ou cerca de 8 (oito) anos. Que entende como vida útil, o desgaste normal de uma peça que é utilizada com mais freqüência. (...) Que realmente alguns outros tratores apresentavam o mesmo defeito daquele do requerido. Que da série do trato do requerido, mais tratores apresentaram o mesmo defeito, sendo que o número que não apresentou foi bem menor. (...)"

No mesmo sentido, traz-se à colação o depoimento de Evandro Parenti, que exerce a profissão de mecânico e que efetuou o conserto do trator do requerido- reconvinte (fl. 134):

"(...) Que não tem bem certeza, mas acha que há cerca de três anos atrás foi feito o conserto do câmbio do trator do requerido na oficina que o depoente trabalha. Que pode afirmar que vários tratores da séria do requerido apresentaram defeito de fabricação.Que o problema era na transmissão. Que consertou apenas o trator do requerido. Que há quatro ou cinco tratores da mesma série na cidade que o depoente ouviu os proprietários reclamarem do mesmo problema. Que tais são clientes do depoente na oficina. (...) Que o trator deveria ter uma vida útil de aproximadamente 10.000 horas, que em anos vai depender do uso, mas

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ficaria em torno de 10 a 12 anos. (...)"

Ainda, têm-se as declarações de Valter Zanchet (fl. 133):

"(...) Que conhece outras pessoas que tem o mesmo trator e que igualmente apresentaram o mesmo problema, como Ivo Tessaro, Oilson Wagner. Que o ano dos tratores é o mesmo. (...)"

Diante destas afirmações, resta incontroversa a efetiva existência de vício redibitório no bem negociado entre as partes e, uma vez reconhecida a existência deste, não há que se discutir a respeito do prazo de garantia fornecido pela empresa revendedora e/ou fabricante, eis que, como antes analisado, trata-se de defeito oculto, ao menos para o adquirente, quando da aquisição, sendo dever do fornecedor responsabilizar-se pela sua existência e prejuízos daí decorrentes (fls. 193-195).

O acórdão manteve a sentença, adotando a mesma linha de raciocínio.

Com efeito, a conclusão a que chegou o acórdão, sobre se tratar de vício

oculto de fabricação, não se desfaz sem a reapreciação do conjunto fático-probatório,

providência vedada pela Súmula 7/STJ.

Não fosse por isso, o ônus da prova quanto à natureza do vício era mesmo

do ora recorrente, seja porque é autor da demanda (art. 333, inciso I, do CPC), seja

porque se trata de relação de consumo, militando em benefício do consumidor eventual

déficit em matéria probatória.

5. Com efeito, parte-se da premissa de que o defeito que ensejou a lide

tratava-se de vício oculto de fabricação, devendo, por isso, ser aplicado o prazo

decadencial previsto no CDC, art. 26, inciso II, mas se iniciando conforme o § 3º:

Art. 26. O direito de reclamar pelos vícios aparentes ou de fácil constatação caduca em:II - noventa dias, tratando-se de fornecimento de serviço e de produtos duráveis.§ 3° Tratando-se de vício oculto, o prazo decadencial inicia-se no momento em que ficar evidenciado o defeito.

Importante registrar, porém, que o prazo de decadência para que se

reclame pelos defeitos surgidos no produto não se confunde com o prazo de garantia

pela qualidade do produto - que pode ser convencional ou, em algumas situações, legal.

Há prazo legal de garantia, por exemplo, no contrato de empreitada,

disciplinado pelo caput, do art. 618 do Código Civil de 2002 nos seguintes termos:

Art. 618. Nos contratos de empreitada de edifícios ou outras construções consideráveis, o empreiteiro de materiais e execução responderá, durante o prazo irredutível de cinco anos, pela solidez e segurança do trabalho, assim em razão dos materiais, como do solo.

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O parágrafo único do citado artigo, à sua vez, traz o prazo decadencial para

que o contratante reclame pelos vícios do empreendimento:

Parágrafo único. Decairá do direito assegurado neste artigo o dono da obra que não propuser a ação contra o empreiteiro, nos cento e oitenta dias seguintes ao aparecimento do vício ou defeito.

Daí já ter decidido esta Turma, analisando controvérsia nascida quando

ainda vigente o CC/16, que não previa prazo expresso para o pleito dessa natureza, que

"o prazo de cinco anos a que alude o art. 1.245 do CC/16 refere-se à garantia do

construtor pela solidez e segurança da obra executada. Uma vez apresentado qualquer

defeito de tal natureza dentro desse quinquênio, o construtor poderá ser acionado no

prazo de 20 anos a que alude o art. 177 do CC/16" (AgRg nos EDcl no REsp

773.977/MG, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 07/04/2011).

Tal entendimento é consentâneo com o que dispõe a Súmula n. 194/STJ:

"Prescreve em vinte anos a ação para obter, do construtor, indenização por defeitos da

obra".

Porém, os precedentes não resolvem explicitamente questões particulares

se ocorrentes duas situações: a) quando não existir prazo legal de garantia para

determinado contrato; ou b) quando o vício se tornar aparente somente depois de

expirado o prazo de garantia (legal ou contratual).

Deveras, há de se ponderar que o Código de Defesa do Consumidor não

traz, exatamente, no mencionado artigo 26, um prazo de garantia legal para que o

fornecedor responda pelos vícios do produto.

Há apenas um prazo para que, tornando-se aparente o defeito, possa o

consumidor reclamar a reparação, de modo que, se este realizar tal providência dentro do

prazo legal de decadência, ainda é preciso saber se o fornecedor é ou não responsável

pela reparação do vício.

Se o defeito surgiu dentro da garantia contratual, certamente o fornecedor

por ele responderá, mesmo porque nem corre o prazo decadencial nesse período (REsp

547.794/PR, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, julgado em

15/02/2011).

Porém, a questão não é tão singela quando o defeito se fizer evidente

depois de expirado o prazo da garantia contratualmente estabelecida.

Vale dizer, a indagação que deve ser respondida é até quando o fornecedor

permanece responsável pelos vícios do produto vendido, uma vez que o CDC, como

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antes afirmado, não prevê o mencionado prazo de garantia legal, como o fez o art. 618

do Código Civil de 2002, por exemplo, para o contrato de empreitada.

6. Inicio por salientar que não cabe aqui a distinção terminológica entre

"vício" e "defeito", tal como realizado pelo CDC, porquanto se me afigura inócua para o

deslinde da questão.

A doutrina consumerista, de um modo geral, tem conceituado "vício" como o

característico que torna o produto inadequado para aos fins a que se destina, ou lhe

reduza o valor, ao passo que "defeito" seria o característico que, além de tornar o produto

inadequado, gera um risco de segurança para o consumidor, podendo-lhe acarretar

danos.

Como visto, a diferenciação não é ontológica, não reside na essência de

cada conceito. Diz respeito apenas à gravidade ou às possíveis consequências da

característica do produto, não se me afigurando necessário proceder a tal distinção.

Aliás, o próprio Código Civil de 2002 confere o mesmo tratamento jurídico

ao "vício" e ao "defeito", proclamando que "[a] coisa recebida em virtude de contrato

comutativo pode ser enjeitada por vícios ou defeitos ocultos, que a tornem imprópria ao

uso a que é destinada, ou lhe diminuam o valor" (art. 441, caput ).

6.1. Quanto ao tema ora tratado, noticio - até por honestidade argumentativa

- que existe doutrina consumerista a propugnar a tese segundo a qual se o vício no

produto se manifestar depois do prazo de garantia - legal ou contratual -, não teria o

consumidor direito de pleitear nenhuma das providências previstas nos art. 18 do CDC,

quais sejam: o reparo do defeito, a substituição do produto por outro da mesma espécie,

a restituição da quantia paga ou o abatimento proporcional do preço.

Nesse sentido é o magistério de Zelmo Danari:

Quid juris se o vício somente se exteriorizar na fase mais avançada do consumo, após o término do prazo de garantia contratual?Para responder a essa indagação, é preciso ter presente que o consumo de produto ou serviço passa por uma fase de preservação , em que se busca manter sua indenidade, ou seja, a incolumidade do bem ou do serviço colocado no mercado de consumo. Esse período de tempo costuma ser mensurado pelo prazo contratual de garantia. Portanto, é o próprio fornecedor quem determina o tempo de duração do termo de garantia, variável segundo a natureza do bem ou serviço.A fase subsequente é de conservação do produto ou serviço, pois, em função de sua degradação, passa a ser consumido sem garantia contratual do respectivo fornecedor, cumprindo ao consumidor arcar com os respectivos custos.[...]Significa dizer que a data-limite para efeito de exoneração da responsabilidade do fornecedor coincide com a data-limite da garantia legal

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ou contratual, e isso tem uma explicação muito simples: não se pode eternizar a responsabilidade do fornecedor por vícios ocultos dos produtos ou serviços (DANARI, Zelmo. Código brasileiro de defesa do consumido: comentado pelos autores do anteprojeto . Ada Pellegrini Grinover [et. al.]. 9 ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2007, fls. 237-238).

De fato, o fornecedor não está, ad aeternum , responsável pelos produtos

colocados em circulação, mas, a meu juízo, sua responsabilidade não se limita pura e

simplesmente ao prazo contratual de garantia, o qual é estipulado unilateralmente por ele

próprio.

Cumpre ressaltar que, mesmo na hipótese de existência de prazo legal de

garantia, causaria estranheza afirmar que o fornecedor estaria sempre e sempre isento

de responsabilidade em relação aos vícios que se tornaram evidentes depois desse

interregno.

Basta dizer, por exemplo, que, muito embora o construtor responda pela

solidez e segurança da obra pelo prazo legal de 5 (cinco) anos, nos termos do art. 618 do

CC/02, não seria admissível que o empreendimento pudesse desabar no sexto ano e por

nada respondesse o construtor.

Com mais razão, o mesmo raciocínio pode ser utilizado para a hipótese de

garantia contratual, na medida em que nem a legal constitui-se em um prazo fatal a partir

do qual o fornecedor se exime de toda e qualquer responsabilidade sobre o produto.

Deve ser considerada para a aferição da responsabilidade do fornecedor a

natureza do vício que inquinou o produto, mesmo que tenha ele se manifestado somente

ao término da garantia.

Nesse passo, os prazos de garantia, sejam eles legais ou contratuais, visam

a acautelar o adquirente de produtos contra defeitos relacionados ao desgaste natural da

coisa, como sendo um intervalo mínimo de tempo no qual não se espera que haja

deterioração do objeto. Depois desse prazo, tolera-se que, em virtude do uso ordinário

do produto, algum desgaste possa mesmo surgir.

Coisa diversa é o vício intrínseco do produto existente desde sempre, mas

que somente veio a se manifestar depois de expirada a garantia, como é o caso de

edifícios de estruturas frágeis que ruínam a partir de certo tempo de uso, mas muito antes

do que normalmente se esperaria de um empreendimento imobiliário, de modo a ficar

contrariada a própria essência do que seja um "bem durável".

Nessa categoria de vício intrínseco certamente se inserem os defeitos de

fabricação relativos a projeto, cálculo estrutural, resistência de materiais, entre outros, os

quais, em não raras vezes, somente se tornam conhecidos depois de algum tempo de

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uso, mas que, todavia, não decorrem diretamente da fruição do bem, e sim de uma

característica oculta que esteve latente até então.

Um eletroeletrônico, por exemplo, mesmo depois do seu prazo contratual de

garantia, não é feito para explodir, de modo que se tal acidente ocorrer por um erro de

concepção nascido ainda na fabricação do produto - e não em razão do desgaste natural

decorrente do uso -, é ele defeituoso, independentemente do término do prazo de

garantia.

Relembro, ainda, um episódio que ficou nacionalmente conhecido: entre os

anos de 2007 e 2008 foi noticiado na imprensa que determinado modelo de veículo

popular apresentava um possível defeito que punha em risco a integridade física do

usuário. Ao tentar rebater o banco traseiro para que o espaço do porta-malas fosse

ampliado, era comum que o assento retornasse abruptamente contra a mão da pessoa,

tendo sido noticiado diversos casos em que os proprietários tiveram dedos decepados,

outros mutilados.

Confira-se: http://quatrorodas.abril.com.br/autoservico/autodefesa/conteudo_182940.shtml

e http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EDG81441-6014-507,00.html, acesso em

24.9.2012.

No caso ora mencionado, tivesse sido constatado que o defeito não era

decorrente do desgaste causado pelo uso comum do produto, mas sim um vício de

fabricação consistente em um erro de projeto, como poderia o fornecedor opor o término

do prazo de garantia para afastar sua responsabilidade pelo defeito?

6.2. Ressalte-se, também, que desde a década de 20 - e hoje, mais do que

nunca, em razão de uma sociedade massificada e consumista -, tem-se falado em

obsolescência programada , consistente na redução artificial da durabilidade de produtos

ou do ciclo de vida de seus componentes, para que seja forçada a recompra prematura.

Como se faz evidente, em se tratando de bens duráveis, a demanda por

determinado produto está viceralmente relacionada com a quantidade desse mesmo

produto já presente no mercado, adquirida no passado. Com efeito, a maior durabilidade

de um bem impõe ao produtor que aguarde mais tempo para que seja realizada nova

venda ao consumidor, de modo que, a certo prazo, o número total de vendas deve cair na

proporção inversa em que a durabilidade do produto aumenta.

Nessas circunstâncias, é até intuitivo imaginar que haverá grande estímulo

para que o produtor eleja estratégias aptas a que os consumidores se antecipem na

compra de um novo produto, sobretudo em um ambiente em que a eficiência

mercadológica não é ideal, dada a imperfeita concorrência e o abuso do poder

econômico, e é exatamente esse o cenário propício para a chamada obsolescência Documento: 1182088 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 20/11/2012 Página 1 7 de 23

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programada (a propósito, confira-se: CABRAL, Hildeliza Lacerda Tinoco Boechat;

RODRIGUES, Maria Madalena de Oliveira. A obsolescência programada na perspectiva

da prática abusiva e a tutela do consumidor . in. Revista Magister de Direito Empresarial,

Concorrencial e do Consumidor . vol. 1. Porto Alegre: Magister (fev./mar. 2005 e vol 42,

dez./jan. 2012).

São exemplos desse fenômeno: a reduzida vida útil de componentes

eletrônicos (como baterias de telefones celulares), com o posterior e estratégico

inflacionamento do preço do mencionado componente, para que seja mais vantajoso a

recompra do conjunto; a incompatibilidade entre componentes antigos e novos, de modo

a obrigar o consumidor a atualizar por completo o produto (por exemplo, softwares ); o

produtor que lança uma linha nova de produtos, fazendo cessar açodadamente a

fabricação de insumos ou peças necessárias à antiga.

Registro, por exemplo, da jurisprudência do TJRJ, caso em que um televisor

apresentou defeito um ano e doze dias depois da venda (doze dias após o término da

garantia), e tendo o consumidor procurado a assistência técnica, constatou ele que não

existiam mais peças de reposição para solucionar o vício, de modo que, em boa verdade,

o produto - bem durável - tornou-se imprestável em brevíssimo espaço de tempo (AC

0006196-91.2008.8.19.0004, 4a Câmara Cível do TJRJ, ReI. Des. Sérgio Jerônimo A.

Silveira,j. 19.10.2011).

Certamente, práticas abusivas como algumas das citadas devem ser

combatidas pelo Judiciário, visto que contraria a Política Nacional das Relações de

Consumo, de cujos princípios se extrai a "garantia dos produtos e serviços com padrões

adequados de qualidade, segurança, durabilidade e desempenho" (art. 4º, inciso II, alínea

"d", do CDC), além de gerar inegável impacto ambiental decorrente do descarte

crescente de materiais (como lixo eletrônico) na natureza.

6.3. Com efeito, retomando o raciocínio para o caso em apreço, é com os

olhos atentos ao cenário atual - e até com boa dose de malícia, dada a massificação do

consumo - que deve o Judiciário analisar a questão do vício ou defeito do produto.

Cuidando-se de vício aparente, é certo que o consumidor deve exigir a

reparação no prazo de noventa dias, em se tratando de produtos duráveis, iniciando a

contagem a partir da entrega efetiva do bem e não fluindo o citado prazo durante a

garantia contratual.

Porém, em se tratando de vício oculto não decorrente do desgaste natural

gerado pela fruição ordinária do produto, mas da própria fabricação, e relativo a projeto,

cálculo estrutural, resistência de materiais, entre outros, o prazo para reclamar pela

reparação se inicia no momento em que ficar evidenciado o defeito, não obstante tenha

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isso ocorrido depois de expirado o prazo contratual de garantia, devendo ter-se sempre

em vista o critério da vida útil do bem, que se pretende seja ele "durável".

A doutrina consumerista - sem desconsiderar a existência de entendimento

contrário, como antes citado - tem entendido que o Código de Defesa do Consumidor, no

§ 3º do art. 26, no que concerne à disciplina do vício oculto, adotou o critério da vida útil

do bem, e não o critério da garantia, podendo o fornecedor se responsabilizar pelo vício

em um espaço largo de tempo, mesmo depois de expirada a garantia contratual.

Confira-se:

Um dos maiores avanços concedidos pelo CDC em relação ao CC/1916 - e nem sempre percebido pela doutrina - foi conferido pelo disposto no § 3º do art. 26 da Lei 8.078/1990, ao estabelecer, sem fixar previamente um limite temporal, que, "tratando-se de vício oculto, o prazo decadencial inicia-se no momento em que ficar evidenciado o defeito".O dispositivo possibilita que a garantia legal se estenda, conforme o caso, a três, quatro ou cinco anos após a aquisição. Isso é possível porque não há - propositalmente - expressa indicação do prazo máximo para aparecimento do vício oculto, a exemplo da disciplina do Código Civil (§ 1º do art. 445).Desse modo, o critério para delimitação do prazo máximo de aparecimento do vício oculto passa a ser o da vida útil do bem, o que, além de conferir ampla flexibilidade ao julgador, revela a importância da análise do caso concreto em que o fator tempo é apenas um dos elementos a ser apreciado. Autorizada doutrina sustenta a aplicação do critério da vida útil como limite temporal para o surgimento do vício oculto.

A propósito, Cláudia Lima Marques observa: "Se o vício é oculto, porque se manifestou somente com o uso, experimentação do produto ou porque se evidenciará muito tempo após a tradição, o limite temporal da garantia legal está em aberto, seu termo inicial, segundo o § 3º do art. 26, é a descoberta do vício. Somente a partir da descoberta do vício (talvez meses ou anos após o contrato) é que passarão a correr os 30 ou 90 dias. Será, então, a nova garantia eterna? Não, os bens de consumo possuem uma durabilidade determinada. É a chamada vida útil do produto" (Contratos , p. 1196-1197). Na mesma linha é a posição de Herman Benjamin, que sintetiza: "Diante de um vício oculto qualquer juiz vai sempre atuar causidicamente. Aliás, como faz em outros sistemas legislativos. A vida útil do produto ou serviço será um dado relevante na apreciação da garantia" (Comentários , p. 134-135). Antes de concluir, observa, com propriedade: "O legislador, na disciplina desta matéria, não tinha, de fato, muitas opções. De um lado, poderia estabelecer um prazo totalmente arbitrário para a garantia, abrangendo todo e qualquer produto ou serviço. Por exemplo, seis meses (e por que não dez anos?) a contar da entrega do bem. De outro lado, poderia deixar - como deixou - que o prazo (trinta ou noventa dias) passasse a correr somente no momento em que o vício se manifestasse. Esta última hipótese, a adotada pelo legislador, tem prós e contras. Fala-lhe objetividade e pode dar ensejo a abusos. E estes podem encarecer desnecessariamente os produtos e serviços. Mas é ela a única realista, reconhecendo que muito pouco é uniforme entre os incontáveis produtos e serviços oferecidos no mercado" (Comentários , p. 134).

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[...]

Portanto, embora os prazos decadenciais para reclamar de vícios redibitórios em imóveis, tanto no CC/1916 (180 dias) como no CC/2002 (1 ano), sejam mais amplos do que o prazo previsto no CDC (90 dias), a disciplina do CDC analisada de maneira integral é mais vantajosa.O critério da vida útil confere coerência ao ordenamento jurídico e prestigia o projeto constitucional de defesa do consumidor, considerando sua vulnerabilidade no mercado de consumo (BESSA, Leonardo Roscoe. BENJAMIN, Antônio Herman V. [et. al.]. Manual de direito do consumidor . 4 ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012, pp. 203-205).

Nessa linha, já decidiu a Segunda Turma, julgando recurso interposto em

uma ação civil pública:

RECURSO ESPECIAL. CONSUMIDOR. VÍCIO OCULTO. PRODUTO DURÁVEL. RECLAMAÇÃO. TERMO INICIAL.1. Na origem, a ora recorrente ajuizou ação anulatória em face do PROCON/DF - Instituto de Defesa do Consumidor do Distrito Federal, com o fim de anular a penalidade administrativa imposta em razão de reclamação formulada por consumidor por vício de produto durável.[...]3. De fato, conforme premissa de fato fixada pela corte de origem, o vício do produto era oculto. Nesse sentido, o dies a quo do prazo decadencial de que trata o art. 26, §6º [rectius, 3º] do Código de Defesa do Consumidor é a data em ficar evidenciado o aludido vício, ainda que haja uma garantia contratual, sem abandonar, contudo, o critério da vida útil do bem durável, a fim de que o fornecedor não fique responsável por solucionar o vício eternamente. A propósito, esta Corte já apontou nesse sentido.4. Recurso especial conhecido e provido.(REsp 1.123.004/DF, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 1/12/2011, DJe 9/12/2011)________________________

Na mesma direção, o Ministro Sidnei Beneti proferiu judicioso voto-vista no

julgamento do REsp 903.771/SE, Rel. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, Terceira

Turma, julgado em 12/4/2011:

Certos danos nada têm que ver com garantia. E somente podem ser constatados mediante a utilização efetiva do imóvel, que tem de ser produto de durabilidade superior a cinco anos. Por exemplo: defeitos decorrentes de falhas estruturais, somente podem ser descobertos com o tempo, como é o caso de falhas de fundações, de cálculo de equilíbrio do prédio, de célere deterioração decorrente de uso de materiais inadequados ou de qualidade inferior somente podem ser descobertos em tempo superior ao curto espaço de cinco anos. Correta, pois, a regra vintenária, a partir do conhecimento do defeito, de que muitas vezes não se tem como saber antes de surgirem exteriorizações como as que emergem das profundezas das fundações em que fixada a obra, entre outras.

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________________________

6.4. Deveras, independentemente de prazo contratual de garantia, a venda

de um bem tido por durável com vida útil inferior àquela que legitimamente se esperava,

além de configurar um defeito de adequação (art. 18 do CDC), evidencia uma quebra da

boa-fé objetiva, que deve nortear as relações contratuais, sejam elas de consumo, sejam

elas regidas pelo direito comum. Constitui, em outras palavras, descumprimento do dever

de informação e a não realização do próprio objeto do contrato, que era a compra de um

bem cujo ciclo vital se esperava, de forma legítima e razoável, fosse mais longo.

Nesse particular, a existência dos chamados deveres anexos, como o de

informação, revela-se como uma das faces de atuação ou operatividade do princípio da

boa-fé objetiva, mostrando-se evidente que o perecimento ou a danificação de bem

durável de forma prematura e causada por vício de fabricação denota a quebra dos

mencionados deveres.

6.5. No caso concreto, o vício que ensejou a lide foi reconhecido pelas

instâncias ordinárias como sendo defeito oculto de fabricação, razão pela qual o prazo

decadencial previsto no art. 26, inciso II, do CDC iniciou-se no momento em que ficou

evidenciado o vício (§ 3º), pouco importando tenha ele se exteriorizado somente depois

de esgotado o prazo de garantia contratual, desde que dentro do que se esperava ser a

vida útil do bem durável.

Neste ponto, é de se registrar que o bem adquirido pelo autor apresentou o

mencionado vício - gravíssimo, ao que parece - com cerca de 3 (três) anos de uso, mas

que, conforme apurado nas instâncias ordinárias, "o trator deveria ter uma vida útil de

aproximadamente 10.000 horas, que em anos vai depender do uso, mas ficaria em torno

de 10 a 12 anos".

Portanto, era mesmo de responsabilidade do fornecedor o reparo reclamado

pelo autor.

7. Diante do exposto, conheço parcialmente do recurso especial, mas

nego-lhe provimento.

É como voto.

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Superior Tribunal de Justiça

RECURSO ESPECIAL Nº 984.106 - SC (2007/0207915-3)

VOTO

O EXMO. SR. MINISTRO MARCO BUZZI:

Sr. Presidente, da mesma forma, cumprimentando pelo minucioso e belíssimo voto, acompanho V. Exa. para negar provimento ao recurso especial.

MINISTRO MARCO BUZZIMINISTRO

PRESIDENTE O SR. MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO

RELATOR O SR. MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO

QUARTA TURMA - SESSÃO DE JULGAMENTO 04/10/2012

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Superior Tribunal de Justiça

CERTIDÃO DE JULGAMENTOQUARTA TURMA

Número Registro: 2007/0207915-3 PROCESSO ELETRÔNICO REsp 984.106 / SC

Números Origem: 14010029919 20060270227000200

PAUTA: 02/10/2012 JULGADO: 04/10/2012

RelatorExmo. Sr. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO

Presidente da SessãoExmo. Sr. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO

Subprocurador-Geral da RepúblicaExmo. Sr. Dr. EDILSON ALVES DE FRANÇA

SecretáriaBela. TERESA HELENA DA ROCHA BASEVI

AUTUAÇÃO

RECORRENTE : SPERANDIO MÁQUINAS E EQUIPAMENTOS LTDAADVOGADO : FERDINANDO DAMO E OUTRO(S)RECORRIDO : FRANCISCO SCHLAGERADVOGADA : ANA PAULA FONTES DE ANDRADE

ASSUNTO: DIREITO CIVIL - Obrigações - Espécies de Contratos - Prestação de Serviços

CERTIDÃO

Certifico que a egrégia QUARTA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

A Quarta Turma, por unanimidade, conheceu parcialmente do recurso e, nesta parte, negou-lhe provimento, nos termos do voto do Senhor Ministro Relator.

Os Srs. Ministros Raul Araújo, Maria Isabel Gallotti, Antonio Carlos Ferreira e Marco Buzzi votaram com o Sr. Ministro Relator.

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