súmulas 500-502 stj

9
www.dizerodireito.com.br Página1 SÚMULAS comentadas SÚMULAS 500 a 502 do STJ Márcio André Lopes Cavalcante DIREITO PENAL CORRUPÇÃO DE MENORES (ART. 244-B DO ECA): CRIME FORMAL SÚMULA 500-STJ: A configuração do crime previsto no artigo 244-B do Estatuto da Criança e do Adolescente independe da prova da efetiva corrupção do menor, por se tratar de delito formal. Obs: aprovada pela 3ª Seção do STJ em 23/10/2013. O crime de corrupção de menores era previsto no art. 1º da Lei n. 2.252/54: Art. 1º Constitui crime, punido com a pena de reclusão de 1 (um) a 4 (quatro) anos e multa de Cr$1.000,00 (mil cruzeiros) a Cr$10.000,00 (dez mil cruzeiros), corromper ou facilitar a corrupção de pessoa menor de 18 (dezoito) anos, com ela praticando, infração penal ou induzindo-a a praticá-la. Em 2009, esse art. 1º da Lei n. 2.252/54 foi revogado pela Lei n. 12.015/2009. Houve abolitio criminis? NÃO, não houve abolitio criminis, mas sim continuidade normativo-típica, considerando que a Lei n. 12.015/2009, ao revogar o referido art. 1º, inseriu o mesmo crime no Estatuto da Criança e do Adolescente (art. 244-B). Houve, então, apenas uma mudança no local onde o delito era previsto, mantendo-se, contudo, a previsão de que essa conduta se trata de crime. Segundo o STJ, “o princípio da continuidade normativa típica ocorre quando uma norma penal é revogada, mas a mesma conduta continua sendo crime no tipo penal revogador, ou seja, a infração penal continua tipificada em outro dispositivo, ainda que topologicamente ou normativamente diverso do originário.” (HC 204.416/SP, Rel. Min. Gilson Dipp, Quinta Turma, julgado em 17/05/2012). Desse modo, o art. 1º da Lei n. 2.252/54 foi revogado, mas a conduta de corromper menores, fazendo com que estes pratiquem, crimes continua sendo tipificada, no entanto, agora no art. 244-B do ECA: Art. 244-B. Corromper ou facilitar a corrupção de menor de 18 (dezoito) anos, com ele praticando infração penal ou induzindo-o a praticá-la: Pena - reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos. Página1

Upload: lascavalcante

Post on 20-Oct-2015

46 views

Category:

Documents


5 download

TRANSCRIPT

Page 1: Súmulas 500-502 STJ

www.dizerodireito.com.br

Pág

ina1

SÚMULAS comentadas

SÚMULAS 500 a 502 do STJ

Márcio André Lopes Cavalcante

DIREITO PENAL

CORRUPÇÃO DE MENORES (ART. 244-B DO ECA): CRIME FORMAL

SÚMULA 500-STJ: A configuração do crime previsto no artigo 244-B do Estatuto da Criança e do Adolescente independe da prova da efetiva corrupção do menor, por se tratar de delito formal.

Obs: aprovada pela 3ª Seção do STJ em 23/10/2013.

O crime de corrupção de menores era previsto no art. 1º da Lei n. 2.252/54:

Art. 1º Constitui crime, punido com a pena de reclusão de 1 (um) a 4 (quatro) anos e multa de Cr$1.000,00 (mil cruzeiros) a Cr$10.000,00 (dez mil cruzeiros), corromper ou facilitar a corrupção de pessoa menor de 18 (dezoito) anos, com ela praticando, infração penal ou induzindo-a a praticá-la.

Em 2009, esse art. 1º da Lei n. 2.252/54 foi revogado pela Lei n. 12.015/2009. Houve abolitio criminis?

NÃO, não houve abolitio criminis, mas sim continuidade normativo-típica, considerando que a Lei n. 12.015/2009, ao revogar o referido art. 1º, inseriu o mesmo crime no Estatuto da Criança e do Adolescente (art. 244-B). Houve, então, apenas uma mudança no local onde o delito era previsto, mantendo-se, contudo, a previsão de que essa conduta se trata de crime. Segundo o STJ, “o princípio da continuidade normativa típica ocorre quando uma norma penal é revogada, mas a mesma conduta continua sendo crime no tipo penal revogador, ou seja, a infração penal continua tipificada em outro dispositivo, ainda que topologicamente ou normativamente diverso do originário.” (HC 204.416/SP, Rel. Min. Gilson Dipp, Quinta Turma, julgado em 17/05/2012).

Desse modo, o art. 1º da Lei n. 2.252/54 foi revogado, mas a conduta de corromper menores, fazendo com que estes pratiquem, crimes continua sendo tipificada, no entanto, agora no art. 244-B do ECA:

Art. 244-B. Corromper ou facilitar a corrupção de menor de 18 (dezoito) anos, com ele praticando infração penal ou induzindo-o a praticá-la: Pena - reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos.

Pág

ina1

Page 2: Súmulas 500-502 STJ

SÚMULAS comentadas

Pág

ina2

§ 1º Incorre nas penas previstas no caput deste artigo quem pratica as condutas ali tipificadas utilizando-se de quaisquer meios eletrônicos, inclusive salas de bate-papo da internet. § 2º As penas previstas no caput deste artigo são aumentadas de um terço no caso de a infração cometida

ou induzida estar incluída no rol do art. 1º da Lei n. 8.072, de 25 de julho de 1990.

O crime de corrupção de menores (art. 244-B do ECA) é FORMAL ou MATERIAL? Para que este delito se consuma, exige-se a prova de que o menor foi corrompido? Trata-se de crime FORMAL. Assim, NÃO se exige prova de que o menor tenha sido corrompido (obs: no crime formal, não é necessária a ocorrência de um resultado naturalístico). Desse modo, a simples participação de menor de 18 anos em infração penal cometida por agente imputável é suficiente à consumação do crime de corrupção de menores (art. 244-B do ECA), sendo dispensada, para sua configuração, prova de que o menor tenha sido efetivamente corrompido. Vale ressaltar que este é também o entendimento do STF:

(...) O crime de corrupção de menores é formal, não havendo necessidade de prova efetiva da corrupção ou da idoneidade moral anterior da vítima, bastando indicativos do envolvimento de menor na companhia do agente imputável. Precedentes. (...) (RHC 111434, Rel. Min. Cármen Lúcia, Primeira Turma, julgado em 03/04/2012)

A súmula 500 foi editada justamente para deixar expresso e mais conhecido esse entendimento do STJ. Na prática, qual é a diferença entre a corrupção de menores ser formal ou material? Veja o seguinte exemplo hipotético e você irá entender: João (com 20 anos de idade) e Maikon (com 16 anos), mediante grave ameaça, subtraem a carteira da vítima. Vale ressaltar que, antes desse evento, Maikon já respondia a cinco ações socioeducativas pela participação em outros atos infracionais equiparados a roubo. João foi denunciado pela prática de dois crimes em concurso: • Roubo circunstanciado (art. 157, § 2º, II, do CP); e • Corrupção de menores (art. 244-B do ECA). A defesa de João pediu a sua absolvição quanto ao delito do art. 244-B do ECA, argumentando que o tipo penal fala em “corromper” menor de 18 anos. No entanto, no caso concreto, o adolescente já estaria “corrompido”, considerando que tinha participado de outros atos infracionais equiparados a crime (era infrator contumaz). Logo, disse o advogado, não foi o réu (João) quem corrompeu o menor. A tese defensiva poderá ser aceita segundo a jurisprudência? NÃO. A configuração do crime previsto no artigo 244-B do Estatuto da Criança e do Adolescente independe da prova da efetiva corrupção do menor, por se tratar de delito formal (súmula 500 do STJ). Assim, pouco importa se houve ou não a corrupção efetiva do menor. Basta que o Ministério Público comprove a participação do inimputável na prática delituosa na companhia do maior de 18 anos. Qual é a justificativa para esse entendimento?

Page 3: Súmulas 500-502 STJ

SÚMULAS comentadas

Pág

ina3

Segundo o Min. Sebastião Reis Júnior, a simples participação do menor no ato delitivo é suficiente para a sua consumação, sendo irrelevante seu grau prévio de corrupção, “já que cada nova prática criminosa na qual é inserido contribui para aumentar sua degradação” (HC 164.359/DF). Dessa feita, a cada nova participação a moralidade do menor (bem jurídico protegido) é novamente violada. Em suma, se o art. 244-B ECA fosse material, João seria absolvido; como é formal, será condenado. Alguns precedentes do STJ no sentido da súmula: AgRg no REsp 1342923/PR, Rel. Min. Jorge Mussi, Quinta Turma, julgado em 05/02/2013. HC 182.805/DF, Rel. Min. Laurita Vaz, Quinta Turma, julgado em 18/12/2012. HC 164.359/DF, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, julgado em 10/04/2012. Cuidado Vale chamar a atenção para o fato de que existem dois crimes chamados de “corrupção de menores”:

Art. 244-B do ECA Art. 218 do CP

Trata-se do crime que analisamos acima. É um crime contra a dignidade sexual do menor de 14 anos (considerado vulnerável).

Ocorre quando o agente corrompe ou facilita a corrupção de uma pessoa menor de 18 anos, com ele praticando infração penal ou induzindo-o a praticá-la.

Ocorre quando o agente induz uma pessoa menor de 14 anos a satisfazer a lascívia de outrem. Obs: lascívia significa luxúria (desejo sexual).

Sujeito passivo: menor de 18 anos. Sujeito passivo: menor de 14 anos.

Pena de 1 a 4 anos. Pena de 2 a 5 anos.

Trata-se de crime formal. Trata-se de crime material.

Page 4: Súmulas 500-502 STJ

SÚMULAS comentadas

Pág

ina4

DIREITO PENAL

LEI DE DROGAS: VEDAÇÃO À COMBINAÇÃO DE LEIS NO TEMPO

SÚMULA 501-STJ: É cabível a aplicação retroativa da Lei 11.343/06, desde que o resultado da incidência das suas disposições, na íntegra, seja mais favorável ao réu do que o advindo da aplicação da Lei 6.368/76, sendo vedada a combinação de leis.

Obs: aprovada pela 3ª Seção do STJ em 23/10/2013.

Lei n. 11.343/2006

Atualmente, os crimes envolvendo drogas encontram-se previstos na Lei n. 11.343/2006, que entrou em vigor no dia 08/10/2006.

Lei n. 6.368/76

Antes da lei atual, os delitos relacionados com entorpecentes estavam tipificados na Lei n. 6.368/76.

A Lei n. 11.343/2006, em seu art. 75, revogou expressamente a Lei n. 6.368/76. Preceito secundário do art. 33, caput, é mais gravoso aos réus A pena mínima do crime de tráfico de drogas foi aumentada. Comparemos:

Pena do tráfico de drogas na lei anterior

(art. 12, caput, da Lei n. 6.368/76)

Pena do tráfico de drogas na lei atual

(art. 33, caput, da Lei n. 11.343/2006)

3 a 15 anos 5 a 15 anos

O art. 33, caput, da Lei n. 11.343/2006 é retroativo? Deve ser aplicado aos fatos ocorridos antes de 08/10/2006? NÃO. Trata-se de novatio legis in pejus, ou seja, uma inovação legislativa que agravou a situação dos réus. Logo, é irretroativo. § 4º do art. 33 é mais benéfico aos réus

A Lei n. 11.343/2006 trouxe uma nova causa de diminuição de pena aplicável ao tráfico de drogas (caput do art. 33) e às figuras equiparadas. Trata-se do § 4º do art. 33, denominado de tráfico privilegiado. Vejamos o que ele preconiza:

Art. 12, caput, da Lei n. 6.368/76 Lei n. 11.343/2006

Não existia causa de diminuição de pena para o pequeno traficante. Logo, mesmo que o agente fosse primário, de bons antecedentes e não integrasse organização criminosa, ainda assim não teria direito a qualquer causa de redução da pena.

Passou a prever a figura do pequeno traficante:

§ 4º Nos delitos definidos no caput e no § 1º deste artigo, as penas poderão ser reduzidas de um sexto a dois terços, vedada a conversão em penas restritivas de direitos, desde que o agente seja primário, de bons antecedentes, não se dedique às atividades criminosas nem integre organização criminosa.

Perceba, portanto, que o § 4º do art. 33 da Lei n. 11.343/2006 constitui-se em uma novatio legis in mellius, ou seja, uma inovação legislativa benéfica aos acusados.

Page 5: Súmulas 500-502 STJ

SÚMULAS comentadas

Pág

ina5

Tese defensiva pela combinação das duas leis: Diante desse panorama, foi idealizada a seguinte tese:

Se o réu praticou tráfico de drogas antes da vigência da Lei n. 11.343/2006, a ele deverá ser aplicada a

pena prevista no art. 12, caput, da Lei n. 6.368/76, incidindo, no entanto, a causa de diminuição de pena

do § 4º do art. 33 da Lei n. 11.343/2006. Exemplo: João, 18 anos, primário e de bons antecedentes, nunca havia se envolvido com qualquer fato criminoso. Em determinado dia, por conta de dificuldades financeiras, decidiu aceitar proposta para transportar droga de uma “boca-de-fumo” para outra. No meio do caminho, foi parado pela polícia e preso em flagrante pela prática de tráfico de drogas. Esse fato ocorreu em 07/10/2006.

João foi denunciado pela prática do crime previsto no art. 12, da Lei n. 6.368/76. Réu confesso, nas alegações finais, a Defensoria Pública pediu que João recebesse a pena mínima do art. 12

da Lei n. 6.368/76 (3 anos) e que fosse reconhecida sua condição de “pequeno traficante”, aplicando-se a

ele a redução prevista no § 4º do art. 33 da Lei n. 11.343/2006. Em suma, o que pediu a Defensoria: Pena do art. 12 da Lei 6.368/76 (3 anos) + diminuição do § 4º do art. 33 da Lei 11.343/2006 (2/3) = 1 ano.

Perceba que essa tese utiliza a combinação de duas partes de leis diferentes: a Lei n. 6.368/76 e a Lei n. 11.343/2006. Essa tese foi aceita pelo STJ? NÃO. Segundo decidiu a 3ª Seção do STJ (que reúne a 5ª e 6ª Turmas), não é possível fazer incidir a causa

de diminuição prevista no § 4º do art. 33 da Lei n. 11.343/06 na pena do art. 12 da Lei n. 6.368/76, sob pena de se estar criando uma terceira norma (lex tertia), não elaborada e jamais prevista pelo legislador. Se fosse admitida essa tese, o Poder Judiciário atuaria como verdadeiro legislador positivo, o que viola a separação dos poderes (art. 2º, da CF/88).

O art. 33, § 4º da Lei n. 11.343/06 inovou no ordenamento jurídico pátrio ao prever uma causa de diminuição de pena explicitamente vinculada ao novo apenamento previsto no caput do art. 33 da nova Lei. Dessa forma, a aplicação da referida minorante deve incidir tão somente em relação à pena prevista no caput e no § 1º do art. 33 da Lei nº 11.343/2006. (EREsp 1094499/MG, Rel. Min. Felix Fischer, Terceira Seção, julgado em 12/05/2010). Em suma, não é permitida, nem mesmo para beneficiar o réu, a combinação de dispositivos de leis diversas, criando uma terceira norma (lex tertia) não estabelecida pelo legislador, sob pena de violação aos princípios da legalidade, da anterioridade da lei penal (art. 1º do Código Penal) e da separação de poderes.

Mas o § 4º do art. 33 da Lei n. 11.343/2006 pode ser aplicado a fatos ocorridos antes da sua vigência? SIM, é possível se, diante do caso concreto, isso se mostrar vantajoso ao réu, mas desde que a redução

incida sobre a pena prevista na Lei n. 11.343/2006. Assim, a minorante do § 4º do art. 33 pode ter aplicação retroativa, mas desde que a pena a ser considerada como parâmetro seja a prevista no caput do art. 33 da Lei nº 11.343/2006.

Page 6: Súmulas 500-502 STJ

SÚMULAS comentadas

Pág

ina6

O grande Min. Félix Fischer pontua que: “a retroatividade deve ser total, mas jamais parcial, fruto da combinação de leis, pois no caso em exame, reitere-se, a causa de diminuição somente possui razão de ser se analisada em conjunto à nova faixa de apenamento trazida pelo novo diploma legal. (...) deve-se, caso a caso, verificar qual a situação mais vantajosa ao condenado: se a aplicação das penas insertas na antiga lei - em que a pena mínima é mais baixa - ou a aplicação da nova lei na qual, muito embora contemple penas mais altas, prevê a possibilidade de incidência da causa de diminuição. Contudo, de forma alguma admitir-se-á a combinação dos textos legais.” (EREsp 1094499/MG).

Em palavras simples, se o réu praticou o tráfico de drogas antes da Lei n. 11.343/2006, deve-se analisar,

no caso concreto, se para ele é mais vantajoso aplicar a Lei n. 6.368/76 ou a Lei n. 11.343/2006. A aplicação tem que ser de uma ou de outra, na integralidade. Não pode utilizar a pena de uma com a diminuição da outra. Vejamos com base em um exemplo hipotético: Carlos, primário, bons antecedentes e sem envolvimento com organização criminosa, praticou tráfico de

drogas antes da Lei n. 11.343/2006.

O juiz reconhece que ele era um “pequeno traficante” e decide aplicar o § 4º do art. 33 da Lei n. 11.343/2006. O referido § 4º permite que o juiz reduza a pena de 1/3 a 2/3. Qual é o critério utilizado pelo juiz para escolher o percentual de redução que será aplicado? O magistrado deverá levar em consideração a natureza e a quantidade da droga, a personalidade e a

conduta social do agente, nos termos do art. 42 da Lei n. 11.343/2006. Hipótese 1: Se o juiz entender que os critérios do art. 42 são negativos e que, portanto, deverá aplicar a causa de

diminuição do § 4º do art. 33 no mínimo (1/6): nesse caso, é mais benéfico ao réu que seja aplicada a Lei n. 6.368/76. Isso porque se o juiz aplica o redutor em 1/6: ele irá reduzir 1/6 de 5 anos (pena mínima do art. 33 da Lei

n. 11.343/2006), alcançando a pena de 4 anos e 2 meses.

Logo, é melhor deixar de lado a causa de diminuição do § 4º do art. 33 e aplicar somente a Lei n. 6.368/76, que tem pena mínima de 3 anos. Obs: no exemplo dado acima, como o art. 42 era desfavorável, a pena-base (art. 59 do CP) não seria a pena mínima. No entanto, mantive a pena no mínimo apenas para facilitar a demonstração dos cálculos. Hipótese 2: Se o juiz entender que os critérios do art. 42 são favoráveis e que, portanto, deverá aplicar a causa de diminuição do § 4º do art. 33 no máximo (2/3): nesse caso, é mais benéfico ao réu que seja aplicada a nova

Lei n. 11.343/2006.

Isso porque se o juiz aplica o redutor em 2/3: ele irá reduzir 2/3 de 5 anos (pena mínima da Lei n. 11.343/2006), alcançando a pena de 1 ano e 8 meses.

Logo, é melhor deixar de lado a Lei n. 6.368/76 e aplicar a causa de diminuição do § 4º do art. 33, que

deverá incidir, conforme já explicado, sobre a pena da Lei n. 11.343/2006.

Page 7: Súmulas 500-502 STJ

SÚMULAS comentadas

Pág

ina7

Resumindo:

• A causa de diminuição de pena prevista no § 4º do art. 33 da Lei n. 11.343/2006 não pode ser aplicada

incidindo sobre a pena do art. 12 da Lei n. 6.368/76. Ao fazer isso, o Judiciário estaria fazendo a combinação de duas leis e criando uma terceira (lex tertia), o que é vedado pelo ordenamento jurídico.

• Assim, a redução prevista no § 4º do art. 33 da Lei n. 11.343/2006 deverá sempre incidir sobre a pena prevista no caput do art. 33 (de 5 a 15 anos);

• A causa de diminuição de pena prevista no § 4º do art. 33 da Lei n. 11.343/2006 pode ser aplicada a fatos ocorridos antes da sua vigência. No entanto, para isso, é necessário que, no caso concreto, se verifique qual o percentual de redução que seria aplicado ao réu e, então, se compare se para ele será

mais vantajoso receber a pena do art. 33, caput c/c o § 4º, da Lei n. 11.343/2006 ou se será melhor

ficar com a pena do art. 12 da Lei n. 6.368/76. Súmula contrária ao entendimento prevalecente no STF As súmulas constituem-se em um importantíssimo instrumento para conferir racionalidade ao sistema judiciário, contribuir para a isonomia entre os jurisdicionados e transmitir uma sensação de segurança jurídica. No entanto, para que tais objetivos sejam atingidos é necessário que as súmulas do STJ estejam em harmonia com o entendimento do STF, o que parece não ser o caso deste enunciado. Sendo mais claro: a recém editada súmula 501 do STJ está em confronto com precedentes atuais do STF

que têm aplicado o § 4º do art. 33 da Lei nº 11.343/06 sobre a pena do art. 12 da Lei n. 6.368/76. Assim, o enunciado já surja enfraquecido. Confira-se:

(...) A pretendida aplicação retroativa do § 4º do art. 33 da Lei nº 11.343/06 sobre a pena cominada com base na Lei nº 6.368/76 encontra amparo em julgado proferido pelo Tribunal Pleno no RE nº 596.152/SP, Relator para acórdão o Ministro Ayres Britto. 2. Ordem concedida de ofício para determinar ao Juízo de origem que, considerando as circunstâncias do caso, analise a possibilidade de aplicação retroativa do § 4º do art. 33 da Lei nº 11.343/06 sobre a pena cominada ao paciente com base na Lei nº 6.368/76. (HC 110046, Relator p/ Acórdão Min. Dias Toffoli, Primeira Turma, julgado em 21/05/2013)

Vale ressaltar que o Plenário do STF já apreciou o tema no julgamento RE nº 596.152/SP, tendo havido um empate no resultado (5x5) considerando que a composição da Corte estava incompleta. Na oportunidade, diante do empate, aplicou-se a solução mais favorável ao réu. A questão, portanto, deverá ser novamente submetida ao Pleno do STF quando, então, será dirimido o tema. Vale ressaltar que nesse período houve o ingresso de novos Ministros, sendo impossível prever qual será o desfecho. Talvez tivesse sido mais oportuno, o STJ ter aguardado o novo posicionamento do Pretório para, então, editar a súmula. Por enquanto, para fins de concurso público, penso ser mais seguro seguir o entendimento exposto na súmula.

Page 8: Súmulas 500-502 STJ

SÚMULAS comentadas

Pág

ina8

DIREITO PENAL

VENDA DE CDs E DVDs FALSIFICADOS (VIOLAÇÃO DE DIREITO AUTORAL – ART. 184 DO CP)

SÚMULA 502-STJ: Presentes a materialidade e a autoria, afigura-se típica, em relação ao crime previsto no artigo 184, parágrafo 2º, do Código Penal, a conduta de expor à venda CDs e DVDs piratas.

Obs: aprovada pela 3ª Seção do STJ em 23/10/2013. A pessoa que vende CD ou DVD “pirata” pratica qual fato típico? Essa conduta amolda-se ao § 2º do art. 184 do CP:

Violação de direito autoral Art. 184. Violar direitos de autor e os que lhe são conexos: Pena – detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, ou multa. (...) § 2º Na mesma pena do § 1º incorre quem, com o intuito de lucro direto ou indireto, distribui, vende, expõe à venda, aluga, introduz no País, adquire, oculta, tem em depósito, original ou cópia de obra intelectual ou fonograma reproduzido com violação do direito de autor, do direito de artista intérprete ou executante ou do direito do produtor de fonograma, ou, ainda, aluga original ou cópia de obra intelectual ou fonograma, sem a expressa autorização dos titulares dos direitos ou de quem os represente.

Não se pode invocar o princípio da adequação social Como essa prática é cada vez mais comum, havendo, inclusive, “feiras” fiscalizadas pelo Poder Público onde esse comércio ocorre livremente, é possível afirmar que não haveria crime com base no princípio da adequação social? NÃO, não é possível afirmar isso. Tanto o STF como o STJ entendem que é típica, formal e materialmente, a conduta de expor à venda CDs e DVDs falsificados. Em suma, é crime. O fato de, muitas vezes, haver tolerância das autoridades públicas em relação a tal prática não significa que a conduta não seja mais tida como típica, ou que haja exclusão de culpabilidade, razão pela qual, pelo menos até que advenha modificação legislativa, incide o tipo penal, mesmo porque o próprio Estado tutela o direito autoral. Não se pode considerar socialmente tolerável uma conduta que causa sérios prejuízos à indústria fonográfica brasileira e aos comerciantes legalmente instituídos, bem como ao Fisco pelo não pagamento de impostos. Nesse sentido: STF HC 98898, julgado em 20/04/2010. O tema já foi, inclusive, apreciado pela Terceira Seção do STJ em recurso submetido ao regime do art. 543-C do CPC, ocasião em que se confirmou que pratica o crime previsto no § 2º do art. 184 do CP aquele que comercializa fonogramas falsificados ou "pirateados" (REsp 1.193.196-MG, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 26/9/2012). Trata-se, portanto, de matéria pacífica, razão pela qual foi editada, corretamente, a súmula 502. O que é o princípio da adequação social? O princípio da adequação social, desenvolvido por Hanz Welzel, afasta a tipicidade dos comportamentos que são aceitos e considerados adequados ao convívio social. De acordo com o referido princípio, os costumes aceitos por toda a sociedade afastam a tipicidade material de determinados fatos que, embora possam se subsumir a algum tipo penal, não caracterizam crime justamente por estarem de acordo com a ordem social em um determinado momento histórico (Min. Jorge Mussi).

Page 9: Súmulas 500-502 STJ

SÚMULAS comentadas

Pág

ina9

A adequação social é um princípio dirigido tanto ao legislador quanto ao intérprete da norma. Quanto ao legislador, esse princípio serve como norte para que as leis a serem editadas não punam como crime condutas que estão de acordo com os valores atuais da sociedade. Quanto ao intérprete, esse princípio tem a função de restringir a interpretação do tipo penal para excluir condutas consideradas socialmente adequadas. Com isso, impede-se que a interpretação literal de determinados tipos penais conduza a punições de situações que a sociedade não mais recrimina.

Vale ressaltar, no entanto, que o princípio da adequação social não pode ser utilizado pelo intérprete para “revogar” (ignorar) a existência de tipos penais incriminadores. Ex: a contravenção do jogo do bicho talvez seja tolerada pela maioria da população, mas nem por isso deixa de ser infração penal. Isso porque a lei terá vigor até que outra a modifique ou revogue (art. 2º da LINDB). Pena A pena prevista para esse crime é de 2 a 4 anos. Trata-se de reprimenda desproporcional para esse tipo de conduta? NÃO. Segundo o STJ, não há desproporcionalidade da pena prevista, pois o próprio legislador, atento aos reclamos da sociedade que representa, entendeu merecer tal conduta pena considerável, especialmente pelos graves e extensos danos que acarreta, estando geralmente relacionada a outras práticas criminosas, como a sonegação fiscal e a formação de quadrilha (HC 191568/SP, Rel. Min. Jorge Mussi, Quinta Turma, julgado em 07/02/2013). Ação penal Qual é a ação penal nos crimes previstos no art. 184 do CP? • Art. 184, caput: ação penal privada. • Art. 184, §§ 1º e 2º (ex: venda de DVD pirata): ação pública incondicionada. • Art. 184, § 3º: ação penal pública condicionada.

EXERCÍCIOS DE FIXAÇÃO

Julgue os itens a seguir: 1) (DPDF 2013 CESPE) Conforme jurisprudência consolidada do STF e do STJ, para a configuração do crime

de corrupção de menores, previsto na Lei n.º 8.069/1990, são necessárias provas de que a participação na prática do crime efetivamente corrompeu o menor de dezoito anos de idade. ( )

2) (Juiz TJPI 2012 CESPE) Segundo entendimento do STJ, após a Lei n. 12.015/2009, o crime de corrupção de menores passou a ser material, ou seja, é exigida prova do efetivo corrompimento do menor. ( )

3) (Juiz TJPB 2011 CESPE) O objeto jurídico tutelado pelo tipo que prevê o delito de corrupção de menores é a proteção concreta da moralidade do menor, cuidando-se, assim, de crime material. ( )

4) (DPE/ES 2009 CESPE) Há dois delitos sob a rubrica corrupção de menores no ordenamento jurídico brasileiro, um previsto no CP, que busca evitar que o menor de 18 e maior de 14 anos de idade seja submetido à vida sexual depravada, e outro, em lei especial, tutela a boa formação da personalidade do menor de 18 anos de idade, evitando que ele ingresse no contexto da criminalidade. ( )

5) (DPE/RO 2012 CESPE) Pratica crime de corrupção de menores, previsto no art. 218 do CP, aquele que induz menor de dezesseis anos a satisfazer a lascívia de outrem. ( )

6) (DPE/MA 2011 CESPE) A jurisprudência do STJ considera, para fins penais, socialmente adequada a venda de CDs e DVDs piratas, devendo a punição contra o agente limitar-se à esfera cível. ( )

7) (Juiz Federal TRF5 2011 CESPE) O comércio de cópias grosseiras de CDs e DVDs em centros urbanos, para o sustento próprio do agente e de sua família, impõe a aplicação dos princípios da insignificância e da adequação social e conduz à atipicidade da conduta, em tese violadora de tipo penal protetivo da propriedade imaterial. ( )

Gabarito

1. E 2. E 3. E 4. E 5. E 6. E 7. E