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Súmula 530-STJ – Márcio André Lopes Cavalcante | 1 Súmula 530-STJ Márcio André Lopes Cavalcante DIREITO CIVIL / EMPRESARIAL CONTRATOS BANCÁRIOS Impossibilidade de se comprovar a taxa de juros efetivamente contratada e adoção da taxa média de mercado Súmula 530-STJ: Nos contratos bancários, na impossibilidade de comprovar a taxa de juros efetivamente contratada - por ausência de pactuação ou pela falta de juntada do instrumento aos autos -, aplica-se a taxa média de mercado, divulgada pelo Bacen, praticada nas operações da mesma espécie, salvo se a taxa cobrada for mais vantajosa para o devedor. STJ. 2ª Seção. Aprovada em 13/05/2015, DJe 18/05/2015. “Contrato de cheque especial” É comum que os bancos, ao oferecerem seus serviços, façam um contrato de abertura de crédito rotativo com seus clientes. Por meio deste contrato de abertura de crédito rotativo, o banco se compromete a disponibilizar determinada quantia (chamada comumente de “limite”) ao seu cliente, que poderá, ou não, utilizar-se desse valor a título de empréstimo. É vulgarmente conhecimento como “cheque especial”. Ex: a microempresa “XXX” abriu uma conta-corrente no Banco “B”. No meio de todos os papeis que o administrador da empresa assinou estava um contrato de abertura de crédito rotativo, por meio do qual, mesmo que a empresa não tivesse dinheiro em sua conta, ela teria disponível R$ 50 mil para sacar. Este valor, se sacado, constitui-se em um empréstimo, devendo ser devolvido com juros e correção monetária ao banco. Ação de revisão de contrato de cheque especial Alguns meses depois, a empresa viu-se sem dinheiro próprio em sua conta e, precisando de recursos, utilizou esse “limite”, sacando o valor a ela disponibilizado pelo banco como “cheque especial”. Ocorre que a situação financeira da empresa piorou e ela não teve como pagar o banco. O banco enviou uma notificação extrajudicial apresentando o valor total da dívida e ela estava próxima de R$ 100 mil reais. A empresa achou que os juros cobrados pelo banco estavam muito altos e, por conta disso, propôs ação de revisão de contrato de cheque especial. Na ação, a empresa alegou que, no contrato firmado entre as partes, há previsão de que o banco cobrará juros moratórios, mas em nenhum momento se diz qual é a taxa de juros que será aplicada. Desse modo, a autora sustentou que é nula a cláusula que não estabeleça expressamente a taxa de juros que incide sobre o negócio jurídico, devendo ela ser declarada inválida. Assim, a empresa defendeu que, como a cláusula de juros é inválida, deverá ser extirpada do contrato e a dívida exigida pelo banco deverá ser recalculada sem a incidência de juros remuneratórios.

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Súmula 530-STJ – Márcio André Lopes Cavalcante | 1

Súmula 530-STJ Márcio André Lopes Cavalcante

DIREITO CIVIL / EMPRESARIAL

CONTRATOS BANCÁRIOS

Impossibilidade de se comprovar a taxa de juros efetivamente contratada e adoção da taxa média de mercado

Súmula 530-STJ: Nos contratos bancários, na impossibilidade de comprovar a taxa de juros efetivamente contratada - por ausência de pactuação ou pela falta de juntada do instrumento aos autos -, aplica-se a taxa média de mercado, divulgada pelo Bacen, praticada nas operações da mesma espécie, salvo se a taxa cobrada for mais vantajosa para o devedor.

STJ. 2ª Seção. Aprovada em 13/05/2015, DJe 18/05/2015.

“Contrato de cheque especial” É comum que os bancos, ao oferecerem seus serviços, façam um contrato de abertura de crédito rotativo com seus clientes. Por meio deste contrato de abertura de crédito rotativo, o banco se compromete a disponibilizar determinada quantia (chamada comumente de “limite”) ao seu cliente, que poderá, ou não, utilizar-se desse valor a título de empréstimo. É vulgarmente conhecimento como “cheque especial”. Ex: a microempresa “XXX” abriu uma conta-corrente no Banco “B”. No meio de todos os papeis que o administrador da empresa assinou estava um contrato de abertura de crédito rotativo, por meio do qual, mesmo que a empresa não tivesse dinheiro em sua conta, ela teria disponível R$ 50 mil para sacar. Este valor, se sacado, constitui-se em um empréstimo, devendo ser devolvido com juros e correção monetária ao banco. Ação de revisão de contrato de cheque especial Alguns meses depois, a empresa viu-se sem dinheiro próprio em sua conta e, precisando de recursos, utilizou esse “limite”, sacando o valor a ela disponibilizado pelo banco como “cheque especial”. Ocorre que a situação financeira da empresa piorou e ela não teve como pagar o banco. O banco enviou uma notificação extrajudicial apresentando o valor total da dívida e ela estava próxima de R$ 100 mil reais. A empresa achou que os juros cobrados pelo banco estavam muito altos e, por conta disso, propôs ação de revisão de contrato de cheque especial. Na ação, a empresa alegou que, no contrato firmado entre as partes, há previsão de que o banco cobrará juros moratórios, mas em nenhum momento se diz qual é a taxa de juros que será aplicada. Desse modo, a autora sustentou que é nula a cláusula que não estabeleça expressamente a taxa de juros que incide sobre o negócio jurídico, devendo ela ser declarada inválida. Assim, a empresa defendeu que, como a cláusula de juros é inválida, deverá ser extirpada do contrato e a dívida exigida pelo banco deverá ser recalculada sem a incidência de juros remuneratórios.

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Primeira pergunta: essa cláusula é nula? É nula a cláusula do contrato de mútuo que preveja a cobrança de juros moratórios, mas sem que seja estipulada a taxa aplicável? SIM. Essa cláusula é nula. Se o contrato envolver um consumidor, podemos dizer que ela é nula por ser abusiva, na forma do art. 51, X, do CDC. Por outro lado, mesmo que o contrato não seja de consumo (como no caso em questão), ela também será nula por ser potestativa, ficando o cliente sujeito ao puro arbítrio do banco, que poderia, em tese, cobrar a taxa que quisesse (art. 122 do CC/2002). Desse modo, nesta primeira parte, a autora da ação estava correta. Segunda pergunta: como a cláusula é nula, o banco ficará proibido de cobrar a dívida com juros? NÃO. Mesmo a cláusula sendo nula, o banco poderá cobrar a dívida com juros. Isso porque, mesmo quando não prevista no contrato, a incidência dos juros é presumida no caso de empréstimos destinados a fins econômicos. Veja o que diz a primeira parte do art. 591 do CC/2002:

Art. 591. Destinando-se o mútuo a fins econômicos, presumem-se devidos juros, os quais, sob pena de redução, não poderão exceder a taxa a que se refere o art. 406, permitida a capitalização anual.

Terceira pergunta: qual será a taxa de juros que o banco deverá cobrar? O STJ possui o entendimento de que os juros remuneratórios cobrados pelos bancos não estão sujeitos

aos limites impostos pela Lei de Usura (Decreto n. 22.626/33), pelo Código Civil ou por qualquer outra lei. Em outras palavras, não existe lei limitando os juros que são cobrados pelos bancos (STJ. 2ª Seção. REsp 1061530/RS, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 22/10/2008). Existe também uma súmula antiga do STF que afirma isso:

Súmula 596-STF: As disposições do Decreto 22.626 de 1933 não se aplicam às taxas de juros e aos outros encargos cobrados nas operações realizadas por instituições públicas ou privadas, que integram o sistema financeiro nacional.

Diante da ausência de lei que imponha limites aos juros cobrados pelas instituições financeiras, o STJ construiu a seguinte regra: os juros cobrados pelos bancos devem utilizar como índice a taxa média de mercado, que é calculada e divulgada pelo Banco Central (BACEN) em sua página na internet. Vale ressaltar que essas taxas são divulgadas de acordo com o tipo de encargo que foi ajustado (prefixado, pós-fixado, taxas flutuantes e índices de preços), com a categoria do tomador (pessoas físicas e jurídicas) e com a modalidade de empréstimo realizada (hot money, desconto de duplicatas, desconto de notas promissórias, capital de giro, conta garantida, financiamento imobiliário, aquisição de bens, 'vendor', cheque especial, crédito pessoal etc.). Em outras palavras, para cada tipo de contrato existe uma média das taxas que estão sendo cobradas pelos bancos naquele mês. Desse modo, o correto é que o contrato bancário traga uma cláusula dizendo expressamente a taxa de juros que será aplicada. No entanto, caso o contrato bancário não preveja, o STJ determina que deverá, em regra, ser aplicada a taxa média de mercado, divulgada pelo Bacen, praticada nas operações da mesma espécie. Adotar essa taxa média é a solução mais adequada porque ela é calculada com base nas informações prestadas por todas as instituições financeiras e, por isso, representa o ponto de equilíbrio nas forças do mercado. Além disso, traz embutida em si o custo médio dos bancos e seu lucro médio, ou seja, um spread médio (REsp 1112880/PR, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 12/05/2010).

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Quarta pergunta: por que se disse acima que, em regra, deverá ser aplicada a taxa média de mercado? Existe alguma situação em que não se aplicará a taxa média de mercado? SIM. A taxa média de mercado não será aplicada se a taxa que estiver sendo cobrada pela instituição financeira for mais vantajosa para o devedor, ou seja, se ela for menor que a btaxa média de mercado. Voltando ao nosso exemplo que iniciou a explicação: A microempresa “XXX” abriu uma conta-corrente no Banco “B” e assinou um contrato de abertura de crédito rotativo (“cheque especial”). Nesse contrato, não estava previsto o índice de juros cobrado. Isso está errado porque o contrato deverá prever a taxa de juros. A empresa sacou o dinheiro do “cheque especial”, ou seja, na prática, tomou um empréstimo do banco. Como ela não pagou, a instituição está cobrando a dívida. A empresa ajuizou ação de revisão do contrato. O que o juiz deverá fazer? Analisar os juros que estão sendo cobrados pelo banco e compará-los com a taxa média de mercado:

Se os juros cobrados estiverem acima da taxa média: o magistrado deverá reconhecer que há uma abusividade e deverá reduzi-los para a taxa média.

Se os juros cobrados estiverem abaixo da taxa média: o magistrado ignora a taxa média e mantém a taxa cobrada em razão de esta ser mais vantajosa para o devedor.

Leia novamente a súmula para ver se agora ela ficou mais clara: Súmula 530-STJ: Nos contratos bancários, na impossibilidade de comprovar a taxa de juros efetivamente contratada - por ausência de pactuação ou pela falta de juntada do instrumento aos autos -, aplica-se a taxa média de mercado, divulgada pelo Bacen, praticada nas operações da mesma espécie, salvo se a taxa cobrada for mais vantajosa para o devedor.