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VI DIREITO AO BOM NOME
A. Bases jurídicas
1. Direito internacional.
O direito ao bom nome está presente em todas as modernas declarações de direitos. Artigo 12º da Declaração Universal dos Direitos do Homem: “Nin-‐guém sofrerá ataques à sua honra e reputação”. Ar-‐tigo 17º do Pacto internacional sobre os Direitos Ci-‐vis e Políticos: “Ninguém será objecto de atentados ilegais à sua honra e reputação”. Artigo 10º da Con-‐venção Europeia dos Direitos do Homem: “O exercí-‐cio [da liberdade de expressão] pode ser submetido a certas formalidades, condições, restrições ou san-‐ções, previstas na lei, que constituam providência necessárias, numa sociedade democrática, para (...) a protecção da honra ou dos direitos de outrem”.
2. Constituição portuguesa.
Artigo 26º, nº 1, da Constituição: “A todos são reco-‐nhecidos os direitos (...) ao bom nome e reputação (...)”.
3. Direito criminal.
O direito ao bom nome entra frequentemente em conflito com a liberdade de expressão e o direito à informação. O exercício destes últimos direitos, quando envolva ofensa do bom nome de outra pes-‐soa, constitui uma infracção, um acto ilícito, um “abuso de liberdade de imprensa”. Esta infracção, como todas as demais que forem cometidas no uso da liberdade de expressão e informação, fica sub-‐metida, segundo o artigo 37º da Constituição, aos princípios gerais do direito criminal.
O Código Penal protege o direito ao bom nome através dos “crimes contra a honra”: difamação, in-‐júria, calúnia, ofensa da memória de pessoa falecida e ofensa de pessoa colectiva (artigos 180º a 189º). A definição destes crimes contém os critérios legais de equilíbrio entre o direito ao bom nome e a liber-‐dade de expressão e informação.
4. Direito civil.
A ofensa do direito ao bom nome pode ter outras consequências além das consequências penais. O Có-‐digo Civil regula a responsabilidade civil por afirma-‐ção ou difusão de um facto capaz de prejudicar o cré-‐dito ou o bom nome de outrem (artigo 484º). A res-‐ponsabilidade civil traduz-‐se no pagamento de uma indemnização.
5. Direito disciplinar.
A ofensa do direito ao bom nome também pode ter consequências disciplinares. Os deveres profissionais relacionados com o direito ao bom nome são o dever de não acusar sem provas e o dever de respeitar a presunção de inocência.
B. O que significa o bom nome
1. O conceito penal de honra.
As incriminações penais relacionadas com a protec-‐ção do bom nome são genericamente designadas como “crimes contra a honra”. A “honra” que o Códi-‐go Penal protege não é a auto-‐estima, a convicção que cada um tem dos seus próprios méritos e virtu-‐des. É a imagem moral que as pessoas projectam aos olhos dos outros. É a sua boa fama ou boa reputação, a “consideração” social de que usufruem.
2. Verdade e aparência.
Em princípio, a boa reputação é protegida como um facto objectivo, fundado na percepção social do méri-‐to de cada pessoa. Para o comum dos cidadãos, a protecção do bom nome não tem de ser justificada, caso a caso, com a prova de que é merecida. O direito ao bom nome não pressupõe, portanto, uma corres-‐pondência perfeita entre a imagem pública da pessoa e cada um dos seus actos. A lei parte do princípio de que a reputação reflecte, tendencialmente, os méri-‐tos reais das pessoas, ainda que elas possam ocasio-‐nalmente desviar-‐se dos padrões de conduta em que se funda a sua consideração social. Como regra, a lei faz prevalecer a paz e harmonia social sobre a trans-‐parência pública dos actos de cada pessoa.
A consequência mais importante desta concepção é a de que os crimes contra a honra (com excepção da
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ofensa a pessoa colectiva) não se destinam a punir apenas as ofensas feitas com base em factos falsos. Todas as ofensas da honra são potencialmente con-‐sideradas como crime, ou seja, como um abuso da liberdade de expressão, independentemente de os factos divulgados divulgados serem ou não verdade. A eventual falsidade desses factos, quando for co-‐nhecida e consciente por parte de quem os divulga, tem apenas o efeito de transformar o crime de di-‐famação ou injúria numa crime de calúnia, que so-‐fre penas mais graves.
3. Outros factores relevantes.
A protecção do bom nome pode afastar-‐se do me-‐recimento individual também noutras circunstân-‐cias. Assim, nomeadamente, quando a honra de uma pessoa incorpora factores de respeitabilidade decorrentes da profissão ou da participação no exercício colectivo de actividades meritórias.
O bom nome não depende da notoriedade indivi-‐dual. Qualquer pessoa pode reclamar a defesa da honra, mesmo que a sua vida não tenha projecção pública. Basta que a sua honorabilidade tenha sido posta em causa perante terceiros, ainda que em cír-‐culos sociais muito restritos.
Os factores de má reputação podem influenciar a protecção da honra, seja em consequência de com-‐portamentos individuais, seja por efeito do despres-‐tígio social de certos grupos ou actividades. Mas o princípio da dignidade da pessoa humana exige um mínimo de consideração devido a todos.
C. Como se ofende o bom nome
1. Regra geral.
A ofensa da honra através da comunicação social pode verificar-‐se por todas as formas de expressão escrita e audiovisual. A gravidade da ofensa depen-‐de do grau de difusão de cada meio de comunica-‐ção, da sua credibilidade e do destaque dado ao texto ou à imagem.
2. Juízos genéricos e suspeitas.
Além da imputação de factos concretos, o Código Penal incrimina também as ofensas através de juí-‐
zos genéricos e meras suspeitas. Muitas vezes, as suspeitas e insinuações são mais perigosas do que as afirmações peremptórias, porque tornam mais difícil a defesa da pessoa atingida. A publicação de boatos e rumores deve ser encarada com o maior cuidado no jornalismo, porque a sua difusão pode tornar-‐se uma causa autónoma da ofensa da honra. A publicação das conclusões de uma investigação mal conduzida ou prematuramente divulgada pode ter o mesmo efeito, com a consequente responsabilidade dos jor-‐nalistas e dos órgãos de comunicação.
3. Reprodução de ofensas.
Segundo os princípios gerais do Código Penal, a re-‐produção da ofensa vale também como ofensa. Tanto é difamação afirmar como repetir e divulgar. Mas es-‐te princípio coloca um problema à comunicação soci-‐al, na medida em que uma afirmação lesiva da honra pode ser, em si mesma, notícia. Daí que a Lei de Im-‐prensa tenha estabelecido uma regra especial (artigo 31º), que isenta de responsabilidade as citações das declarações feitas por terceiros, desde que o autor das declarações seja devidamente identificado e o conteúdo das declarações seja correctamente repro-‐duzido. A Lei de Imprensa põe ainda como condição que as declarações reproduzidas não instiguem à prá-‐tica de um crime, mas não exige (o que seria razoá-‐vel) que as declarações tenham um interesse infor-‐mativo legítimo.
4. Ofensas da honra e liberdade de crítica.
A protecção da honra ou bom nome não pode impe-‐dir o debate e o exercício da crítica, mesmo quando envolvam apreciações pessoais. A crítica de arte, ci-‐entífica, literária, desportiva, etc., não deve ser quali-‐ficada como ofensa da honra, ainda que diminua o prestígio e a credibilidade da pessoa criticada.
5. Princípio da proporcionalidade.
Os hábitos de linguagem e os estilos de comunicação devem ser tidos em conta para medir a existência ou a gravidade das ofensas ao bom nome. Do mesmo modo, o uso de expressões contundentes pode legi-‐timar, até certo ponto, a utilização de uma linguagem ou de um tom semelhante na resposta (princípio da proporcionalidade).
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D. A verdade legitima nalguns casos a ofensa?
1. Regra geral.
Como ficou dito acima, na difamação e na injúria (e também nas ofensas à memória de pessoa faleci-‐da), o objectivo da lei não é punir a mentira ou a falsidade, mas sim a perturbação social causada pe-‐las ofensas. Por isso, a veracidade das afirmações não afasta a responsabilidade criminal. O mesmo se passa com a responsabilidade civil por ofensa do crédito e do bom nome. A falsidade só é punida no âmbito do crime de calúnia e no âmbito do crime de ofensa à autoridade pública. Nestes dois casos, os factos imputados têm de ser, além de ofensivos da honra, também inverídicos.
2. A “exceptio veritatis” (excepção da verdade).
A veracidade factual duma afirmação pode em cer-‐tos casos afastar o crime de difamação e injúria. Se-‐gundo o artigo 180º do CP, é necessário, porém, que se preencha uma condição fundamental: que a imputação dos factos desonrosos, e tidos por ver-‐dadeiros, seja feita para realizar interesses legíti-‐mos.
Os interesses legítimos tanto podem ser de nature-‐za privada como de natureza pública. Para a comu-‐nicação social, interessa considerar o interesse pú-‐blico da informação. A divulgação de factos lesivos do direito ao bom nome fica isenta de penalização criminal se se demonstrar que ela é justificada por um legítimo interesse noticioso à luz do direito à in-‐formação. Os critérios para avaliar o interesse legí-‐timo das notícias potencialmente difamatórias têm, portanto, de ser definidos com base no direito de informar, consagrado no artigo 37º da Constituição.
3. Limites da excepção da verdade.
A justificação através da prova da verdade não pode ser invocada quando estejam em causa factos inse-‐ridos na intimidade da vida privada de qualquer pessoa. Esta regra é uma consequência lógica da protecção do direito à reserva da vida privada, também ele um direito fundamental protegido pela Constituição. Mas a regra vai um pouco mais além do que resultaria da simples aplicação das normas sobre este direito (artigo 192º do CP), porque a im-‐
putação de factos desonrosos da vida privada é proi-‐bida ainda que haja um “interesse público legítimo e relevante” na sua divulgação.
A partir da reforma do Código Penal de 1995, deixou de ser proibida a divulgação de factos criminosos até condenação judicial definitiva. Esta proibição era mui-‐to limitativa do jornalismo de investigação e do “jor-‐nalismo judiciário”. O único limite a este tipo de notí-‐cias é o respeito da presunção de inocência.
4. A convicção da verdade.
A verdade dos factos pode ser substituída pela con-‐vicção, baseada em fundamento sério (boa fé), de que os factos noticiados são verdadeiros. A boa fé dos jornalistas consiste, essencialmente, no cumpri-‐mento dos deveres de cuidado exigíveis na elabora-‐ção das notícias: investigação diligente (pesquisa, cruzamento e avaliação crítica das fontes), audição do visado.
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VII DIREITO À RESERVA DA VIDA PRIVADA
A. Princípios gerais
1. A protecção da vida privada como direito funda-‐mental.
Artigo 26º da Constituição. Artigo 12º da Declaração Universal dos Direitos do Homem. Artigo 8º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
2. Protecção criminal.
Violação de domicílio ou perturbação da vida priva-‐da e introdução em lugar vedado ao público (artigos 190º e 191º do Código Penal). Devassa da vida privada e devassa por meio de in-‐formática (artigos 192º e 193º). Violação de correspondência e de telecomunica-‐ções (artigo 194º). Violação de segredo e aproveitamente indevido de segredo (artigos 195º e 196º).
3. Tutela civil.
Artigo 80º do Código Civil: “Todos devem guardar reserva quanto à intimidade da vida privada de ou-‐trem”
4. Disciplina profissional.
Artigo 14º, nº 2, alínea h), do Estatuto do Jornalista: é dever dos jornalistas “preservar, salvo razões de incontestável interesse público, a reserva da intim-‐idade, bem como respeitar a privacidade de acordo com a natureza do caso e a condição das pessoas”.
B. Conceito de vida privada
1. A vida privada é a parte da vida de cada pessoa que os outros não têm o direito de conhecer ou dar a conhecer. São os factos que cada um tem direito de guardar para si, ou de partilhar apenas com certas pessoas por si escolhidas. Que factos são esses?
Nenhuma lei os enumera. O conceito de vida privada varia em função das épocas históricas e da cultura de cada povo.
2. O mundo moderno oferece alguns aspectos contras-‐tantes. Suprimiu as formas de coabitação alargada e de vizinhança ou proximidade comunitária próprias da sociedade rural. Deste ponto de vista, o espaço de vida individual, invisível aos olhos de outras pessoas que não sejam da família imediata (se esta existir), cresceu consideravelmente. Mas ao mesmo tempo aumentaram também os meios de comunicação à distância, os meios técnicos de devassa da vida al-‐heia, os fenómenos de exposição pessoal a públicos vastos e anónimos, a possibilidade de concentração e manipulação de dados pessoais – tudo factores que enfraquecem a fronteira da privacidade e tiram ni-‐tidez aos seus contornos.
C. Fundamento da protecção da vida privada
1. Protecção do segredo.
Que sentido tem o direito à reserva da vida privada? Para alguns, tem o sentido de permitir a cada um guardar na medida do possível o segredo da vida pes-‐soal, isolando-‐se e mantendo afastada a presença dos outros (o direito de estar só). Seria uma forma de compensar e atenuar o peso, às vezes excessivo, da sociabilidade humana, que traz consigo a necessidade de compromisso, de justificação de condutas, de preservação de aparências. Mas esta maneira de en-‐tender o direito à reserva da vida privada baseia-‐se numa distinção demasiado polarizada entre segredo e publicidade, entre solidão e sociabilidade.
2. Protecção do pudor.
Também se pode procurar o sentido do direito à reserva da vida privada no sentimento natural de pu-‐dor e embaraço que suscita, no comum das pessoas, a exposição de certos aspectos da sua vida pessoal. Esta explicação é com certeza verdadeira para os fac-‐tos da vida íntima propriamente dita, que se desen-‐rolam por detrás de portas fechadas, dentro da hab-‐itação de cada um ou noutros locais protegidos. Mas deixa de fora do conceito de vida privada outros as-‐pectos da vida pessoal e profissional que podem legi-‐timamente ser inseridos nesse conceito.
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3. Protecção da liberdade pessoal.
Uma outra forma de caracterizar o direito à reserva da vida privada consiste em ver nele uma forma de protecção da liberdade pessoal. O relacionamento social no mundo contemporâneo é cada vez mais determinado por opções individuais, que determi-‐nam graus de exposição pública muito variáveis. Desde os estilos de vida mais discretos, quase soli-‐tários, até aos casos extremos de visibilidade mediática, há um número muito grande de possi-‐bilidades que dependem, em certa medida, de decisões livremente tomadas. Cada um pode, assim, construir a sua privacidade com maior ou menor ex-‐tensão e com as gradações que entender, alargando ou restringindo o círculo das pessoas com quem quer partilhar os vários aspectos da sua vida. Desde que não estejamos no terreno dos factos que a lei deseja manter no conhecimento de todos (a iden-‐tidade, a filiação, o sexo, o estado civil, por exem-‐plo, ou em geral todos os factos sujeitos a registo público), cada um deveria poder escolher o modo, o âmbito e a intensidade dos seus laços de socia-‐bilidade, reclamando a protecção da lei para se de-‐fender da curiosidade das demais pessoas. A crítica que se poderia fazer a esta doutrina é a de que ela se apresenta como demasiado individualista.
E. Factores de redução da protecção
6. O exercício de cargos públicos.
Há várias razões que podem ser invocadas para jus-‐tificar a exposição pública de certos aspectos da vida privada dos detentores de cargos públicos. Uma é a relação de confiança com os eleitores, que pressupõe o conhecimento do carácter da pessoa a eleger. Outra é a eliminação dos riscos inerentes à existência de segredos pessoais. Outra ainda é a garantia de capacidade física de exercício do man-‐dato, nomeadamente no que se refere ao estado de saúde do seu titular.
7. A notoriedade.
O argumento da notoriedade pública deve ser uti-‐lizado com cuidado, quando se pretende legitimar a invasão da vida privada. Se a notoriedade resultar de actividades com forte componente de serviço e se dela não resultarem especiais vantagens para a
pessoa em causa, não é é razoável que esta tenha de aceitar uma exposição indesejada da sua vida privada. Se, pelo contrário, a notoriedade estiver associada ao star system próprio de outras actividades (sobretudo do entretenimento e do espectáculo), a exposição da vida privada constitui o preço da fama. Este preço deve ser pago só pelo próprio, sem se transmitir aos familiares ou a outras pessoas próximas.
8. A coerência.
Usa-‐se, por vezes, o argumento de que aqueles que defendem publicamente causas com dimensão ou na-‐tureza moral ficam sujeitos à exposição da sua vida privada, na medida em que esta eventualmente con-‐tradiga os valores proclamados. Este argumento baseia-‐se na pretendida legitimidade da denúncia das hipocrisias sociais. Mas pode objectar-‐se que o valor das doutrinas ou dos princípios não depende da co-‐erência pessoal de quem os defende.
9. A vontade do próprio.
Quando a exposição da vida privada é promovida pe-‐lo próprio em seu benefício, pode sustentar-‐se que ele perde o direito de impedir o conhecimento dos factos omitidos, se estes forem relevantes para com-‐pletar ou corrigir o retrato inicialmente transmitido ao público.
F. A vida privada e o direito à informação
5. Irrelevância da prova da verdade.
A prova da verdade dos factos divulgados não consti-‐tui uma causa de justificação nas ofensas da intim-‐idade da vida privada. Aliás, estas ofensas pres-‐supõem, por definição, que os factos sejam verdadei-‐ros.
6. Agravação das penas.
Todas as penas previstas nos artigos 190.º a 195.º do Código Penal sofrem um agravamento se a ofensa for praticada através dos meios de comunicação social. Isto significa que existe uma responsabilidade acres-‐cida dos profissionais da informação relativamente ao respeito do direito à reserva da intimidade da vida privada.
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7. Justificações de interesse público.
O artigo 192.º do CP considera justificada a divul-‐gação de factos relativos à vida privada das pessoas, incluindo doenças graves, se ela for feita como meio adequado para realizar um interesse público legítimo e relevante. Nesta expressão cabe a divul-‐gação de factos destinados a satisfazer o direito à informação em matérias especialmente relevantes para a opinião pública, mas não a que for dirigida simplesmente a satisfazer a curiosidade gratuita das pessoas.
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VIII
DIREITO À IMAGEM E À PALAVRA
A. Princípios gerais
1. Constituição portuguesa.
Artigo 26º, nº 1, da Constituição: “A todos são re-‐conhecidos os direitos (...) à imagem, à palavra (...)”.
2. Direito penal.
Artigo 199º do Código Penal:
1 — Quem, sem consentimento: a) Gravar palavras proferidas por outra pessoa e
não destinadas ao público, mesmo que lhe se-‐jam dirigidas; ou
b) Utilizar ou permitir que se utilizem as grava-‐ções referidas na alínea anterior, mesmo que licitamente produzidas;
é punido com pena de prisão até um ano ou com pena de multa até 240 dias.
2 — Na mesma pena incorre quem, contra vontade: a) Fotografar ou filmar outra pessoa, mesmo em
eventos em que tenha legitimamente partici-‐pado; ou
b) Utilizar ou permitir que se utilizem fotografias ou filmes referidos na alínea anterior, mesmo que licitamente obtidos.
3. Direito civil.
Artigo 79º do Código Civil (direito à imagem):
1 — O retrato de uma pessoa não pode ser exposto, reproduzido ou lançado no comércio sem o consen-‐timento dela; depois da morte da pessoa retratada, a autorização compete às pessoas designadas no n.º 2 do artigo 71.º, segundo a ordem nele indicada. 2 — Não é necessário o consentimento da pessoa retratada quando assim o justifiquem a sua notori-‐edade, o cargo que desempenhe, exigências de po-‐lícia ou de justiça, finalidades científicas, didácticas ou culturais, ou quando a reprodução da imagem vier enquadrada na de lugares públicos, ou na de
factos de interesse público ou que hajam decorrido publicamente.
3 — O retrato não pode, porém, ser reproduzido, ex-‐posto ou lançado no comércio, se do facto resultar prejuízo para a honra, reputação ou simples decoro da pessoa retratada.
4. Direito disciplinar.
Artigo 14º, nº 2, alínea f), do Estatuto do Jornalista:
Artigo 14º, nº 2, alínea f), do Estatuto do Jornalista: é dever dos jornalistas “não recolher imagens e sons com recurso a meios não autorizados a não ser que se verifique um estado de necessidade para a se-‐gurança das pessoas envolvidas e o interesse público o justifique”.
B. Fundamento e conteúdo
1. Razão de ser dos direitos.
O direito à imagem e o direito à palavra são tipica-‐mente direitos pessoais. Protegem um espaço de so-‐berania do indivíduo, permitindo a cada pessoa man-‐ter o controlo da sua comunicação com os outros. O seu objectivo é impedir a apropriação e a divulgação da imagem e das palavras de cada um sem o seu con-‐sentimento ou contra a sua vontade. Além de defen-‐derem a autonomia individual, estes direitos servem também para preservar o valor social da confiança na comunicação.
2. Valor da imagem e da palavra.
A imagem e a palavra, enquanto bens pessoais, po-‐dem ter um valor patrimonial. O consentimento para a sua divulgação pode, portanto, envolver a negocia-‐ção de um preço.
Mas a imagem e a palavra têm também uma dimen-‐são não patrimonial, que põe em jogo a liberdade de cada pessoa. A exposição de si própria, o modo como é feita essa exposição e a comunicação que é estabe-‐lecida visual e oralmente com os outros representam, para cada pessoa, uma escolha. Ninguém mais deve poder interferir na liberdade dessa escolha. Isto im-‐plica reconhecer que as pessoas, mesmo fora do âm-‐bito da intimidade da sua vida privada, se relacionam
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e comunicam umas com as outras de formas muito variadas. Essa diferenciação não tem nada de ilegí-‐timo, faz parte da liberdade de cada um, e não deve ser confundida com hipocrisia ou duplicidade nas relações sociais.
3. Variabilidade segundo as circunstâncias.
O direito à imagem e à palavra diminuem de inten-‐sidade quando a comunicação se estabelece em ambiente aberto e com um grande número de pes-‐soas ao mesmo tempo. Quanto menos diferenciada for a forma como nos expomos aos outros e nos re-‐lacionamos com eles, menos razão de ser tem a protecção destes direitos. Isto é verdade sobretudo em relação à imagem, que se torna mais neutra quando diluída com a imagem de outras pessoas em espaços públicos. Para distinguir e caracterizar as situações, o que é decisivo é ter em conta os contextos e o modo como eles influenciam e dão significado à imagem e às palavras de cada pessoa.
4. Limites do direito à imagem.
O que ficou dito mostra que não se deve confundir o direito à imagem com o direito ao bom nome. No direito ao bom nome protege-‐se a imagem em sen-‐tido moral (a fama ou reputação), enquanto no di-‐reito à imagem está em causa a gravação e a repro-‐dução da imagem física. Para que haja violação do direito à imagem, é necessário que a imagem seja captada directamente em filme ou fotografia, de forma que outros possam identificar e observar a pessoa em causa na sua expressão física exacta. Não está aqui incluída, portanto, a reconstituição da imagem feita através da pintura ou do desenho, que são já uma forma de descrição da imagem e não de gravação ou reprodução. Recriar uma ima-‐gem através do desenho pode ser um meio de in-‐formação, mais do que um acto artístico, mas não envolve ofensa do direito à imagem.
5. Limites do direito à palavra.
De modo semelhante, o direito à palavra não cobre a reprodução feita por meios diferentes da re-‐transmissão do som das palavras gravadas. A repro-‐dução escrita — a transcrição de uma escuta, por exemplo — não constitui ofensa do direito à pala-‐vra, embora possa ser ilícita por outros motivos
(ofensa da privacidade, violação de segredo, etc.). Em contrapartida, o direito à palavra cobre todos os sons que integram a expressão e comunicação oral das pessoas, mesmo quando não sejam palavras em sen-‐tido estrito. Um choro, por exemplo, está coberto pe-‐lo direito à palavra se for possível reconhecer o seu autor.
6. Autonomia dos actos de gravação e de reprodução.
Tanto no direito à imagem como no direito à palavra, a gravação e a reprodução devem ser vistas como ac-‐tos separados e independentes. A gravação não con-‐sentida é um acto ilícito, mesmo que não haja repro-‐dução posterior. Por sua vez, a reprodução não con-‐sentida é ilícita, ainda que a gravação não o seja (por-‐que foi consentida em benefício de uma só pessoa, por exemplo, ou porque foi ordenada pelas autorida-‐des legítimas).
7. Restrições.
Estes direitos podem sofrer restrições. A mais conhe-‐cida excepção situa-‐se na investigação criminal, no-‐meadamente no âmbito do regime das escutas tele-‐fónicas para fins de prova. Também são admissíveis excepções em situações de legítima defesa contra ameaças graves. A notoriedade pública só é funda-‐mento legítimo de restrição se as gravações tiverem alguma conexão relevante com os factores que de-‐ram origem ao estatuto de celebridade ou reconhe-‐cimento da pessoa em causa. O mesmo se diga dos cargos políticos, que podem exigir uma grande expo-‐sição pública mas não suprimem por completo o di-‐reito à imagem e à palavra.
8. Proximidade com outros direitos.
Existem áreas de sobreposição com outros direitos. É frequente que uma violação do direito à imagem seja, simultaneamente, uma violação do direito à reserva da vida privada. Ou que uma violação do direito à pa-‐lavra seja, ao mesmo tempo, uma violação do direito ao segredo da comunicação privada (artigo 34. da Constituição). Mas estes direitos são diferentes. Têm fundamentos autónomos e regimes legais que devem ser considerados separadamente, sobretudo no que se refere às excepções e causas de justificação aplicá-‐veis no âmbito da comunicação social.
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C. Relevância do consentimento
1. No direito à imagem.
A gravação ou divulgação de imagens é ilícita se for feita contra a vontade do próprio. Este não tem de dar o seu consentimento à gravação ou divulgação. Basta que não manifeste uma vontade em sentido contrário. Mas para que o seu silêncio torne possí-‐vel a gravação ou divulgação da imagem é indispen-‐sável que a pessoa em causa tenha uma oportuni-‐dade real de se opor. Este requisito pode faltar, por exemplo, por desconhecimento do acto de grava-‐ção ou divulgação, ou por incapacidade momentâ-‐nea de tomar decisões livres e conscientes, ou sim-‐plesmente (o que acontece muitas vezes com os ór-‐gãos de comunicação social) por força da rapidez dos acontecimentos e da impossibilidade de reac-‐ção do interessado em tempo útil.
2. No direito à palavra.
A gravação ou divulgação de palavras e sons é ilícita se for feita sem consentimento do próprio. A falta de oposição não basta, em princípio, para tornar lí-‐cita a gravação ou divulgação. O silêncio só tem va-‐lor de consentimento nalgumas situações, em que é possível afirmar que o interessado exprimiu a sua concordância tacitamente (não expressamente). É o que acontece quando um político fala em público, ou quando um profissional do espectáculo actua em recintos abertos à comunicação social.
3. Razão de ser da diferença.
A diferença entre os dois regimes, na prática, não é tão grande como parece, dada a admissibilidade do consentimento tácito no direito à palavra. Mas ain-‐da assim é uma diferença de princípio. A sua expli-‐cação resulta das próprias características da ima-‐gem e da palavra enquanto meios de comunicação. A imagem pode tornar-‐se eloquente, quando rela-‐cionada com um facto concreto, mas envolve um grau de escolha do seu próprio conteúdo muito in-‐ferior à palavra. A imagem é, nesse sentido, mais neutra, ou seja, menos adaptada em função do des-‐tinatário. A palavra, pelo contrário, tende a variar intensamente consoante os interlocutores e sofre um maior risco de distorção e manipulação quando retirada do contexto em que nasceu.
G. Direito à informação
10. Causas de justificação.
O artigo 199.º do Código Penal não prevê causas de justificação relacionadas com o exercício do direito à informação. Mas o artigo 14.º do Estatuto do Jornalis-‐ta contém uma ressalva por motivo de interesse pú-‐blico e de segurança das pessoas envolvidas. Mais ex-‐tensas são as ressalvas do artigo 79.º do Código Civil, relacionadas com a notoriedade das pessoas, com o cargo que exercem ou com o enquadramento da imagem em locais e acontecimentos públicos.
11. Relevância do contexto.
As ressalvas do artigo 79º do Código Civil devem con-‐siderar-‐se aplicáveis, porque reflectem a necessidade de conciliar o direito à imagem e à palavra com o di-‐reito à informação. A conciliação depende essencial-‐mente do contexto da imagem e das palavras grava-‐das ou divulgadas. A notoriedade pública ou o exercí-‐cio dum cargo público não podem justificar a divulga-‐ção de imagens sem qualquer relação com o cargo exercido ou a actividade que gerou a notoriedade da pessoa em causa. A presença num acontecimento público legitima a gravação e divulgação da imagem, mas apenas se esta não for utilizada de modo a dar à pessoa um protagonismo individual que ela não dese-‐ja ou a colocá-‐la no centro duma mensagem que ela não pretende simbolizar.
12. Deveres profissionais.
O uso de gravadores e câmaras ocultas é um proble-‐ma antigo da comunicação social. O respeito pelo di-‐reito à imagem e à palavra exige uma atitude de leal-‐dade dos profissionais em relação às pessoas envolvi-‐das em reportagens audiovisuais, sempre que elas apareçam de forma identificável e individualizada.
13. Agravação das penas.
As penas previstas no artigo 199º do Código Penal es-‐tão sujeitas a agravação por virtude da utilização dos meios de comunicação social, em termos idênticos aos aplicáveis às ofensas do direito à reserva da inti-‐midade da vida privada.
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IX
PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA
A. Em processo penal
1. Artigo 32.º da Constituição: “Todo o arguido se pre-‐sume inocente atá ao trânsito em julgado da sen-‐tença de condenação”.
2. Segundo a fórmula constitucional, a presunção de inocência é um direito do cidadão quando consti-‐tuído arguido num processo penal. É uma garantia específica do processo penal, que implica que o ci-‐dadão não pode ser tratado como autor de um cri-‐me enquanto a sua culpa não for provada em tribu-‐nal.
3. Na base deste princípio encontra-‐se, antes de mais, a ideia de que o cidadão, contra o qual foi levantada uma suspeita criminal pelas autoridades competen-‐tes, não tem de provar a sua inocência. Cabe à acu-‐sação provar a culpa do arguido, com a necessária segurança e certeza. Se as provas forem insuficien-‐tes ou inconclusivas, o arguido será absolvido — na dúvida decide-‐se a favor do réu, in dubio pro reo.
4. O princípio in dubio pro reo reflecte, por sua vez, uma escolha entre dois riscos contrapostos, o de condenar um inocente e o de absolver um culpado. A lei prefere correr este último risco, o que significa uma opção a favor da liberdade contra a segurança. Para ter a certeza de condenar todos os culpados, a Constituição e a lei não permitem que se corra o risco de condenar inocentes.
5. A presunção de inocência tem outros corolários dentro do processo penal. Exige, por exemplo, que a prisão preventiva não funcione como uma conde-‐nação antecipada, ou que a investigação não dure tempo demais prolongando excessivamente uma suspeita criminal sem o teste do julgamento.
B. No jornalismo judiciário
1. O artigo 14º, nº 2, do Estatuto do Jornalista impõe aos profissionais da informação o seguinte dever: “Abster-‐se de formular acusações sem provas e res-‐peitar a presunção de inocência”. A violação deste
dever constitui uma infracção profissional sujeita às correspondentes sanções.
2. A imposição aos jornalistas do dever de respeitar a presunção de inocência mostra que este princípio não é aplicável apenas dentro do processo penal. Projec-‐ta-‐se, também, na comunicação social, obrigando os cidadãos — e sobretudo os profissionais da informa-‐ção — a não atribuir a uma pessoa a prática de um crime pelo qual ela não foi condenada em tribunal.
3. O dever de respeitar a presunção de inocência mani-‐festa-‐se, primeiro que tudo, na cobertura noticiosa dos processos que decorrem perante as autoridades judiciárias (jornalismo judiciário). Ao contrário do que se poderia pensar, a presunção de inocência, nestes casos, não está garantida pelo facto de se transmitir apenas informação sobre um processo oficial, onde supostamente estão assegurados e protegidos os di-‐reitos do arguido. Mesmo sem atribuir abertamente ao arguido a prática de um crime pelo qual ele não foi ainda condenado, os órgãos de comunicação podem de muitas maneiras criar no público a convicção pre-‐matura da sua culpa. Dessa convicção, por sua vez, pode resultar um estigma social equivalente ao de uma condenação judicial, além do risco de a própria decisão judicial vir a ser negativamente influenciada pela pressão da opinião pública.
4. Determinar as exigências do princípio da presunção de inocência no jornalismo judiciário equivale a defi-‐nir as consequências do dever geral de rigor para este sector de informação. A primeira consequência é a “rejeição do sensacionalismo”, segundo a fórmula do artigo 14º, nº 1, do Estatuto do Jornalista. Mas esta é também, muitas vezes, a mais difícil de cumprir, dado o impacto que a divulgação de uma simples investiga-‐ção pode ter na opinião pública. Há notícias que, pela sua própria natureza, são “sensacionais”, indepen-‐dentemente do seu tratamento jornalístico. Daí que se tenham de encontrar outras cautelas e se tenha de ser mais preciso na concretização do que significa o rigor informativo nestas situações.
5. Uma típica falta de rigor é a que acontece quando um órgão de comunicação confunde, ou não distingue de forma adequada, as diversas fases e os diversos actos do processo penal e as entidades por eles responsá-‐veis. O acto de investigar e o acto de julgar são radi-‐calmente diferentes, são da competência de magis-‐
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traturas diferentes e obedecem a regras proces-‐suais também muito diferentes. A investigação cri-‐minal (ou seja, o “inquérito”) é conduzida ou dirigi-‐da pelos procuradores do Ministério Público, en-‐quanto o julgamento é feito por juízes independen-‐tes. O inquérito não decorre à vista do público nem permite a assistência aos interrogatórios, enquanto o julgamento se realiza em audiência aberta. O mo-‐tor da investigação é a suspeita, enquanto o do jul-‐gamento é a defesa do arguido. A investigação cul-‐mina num acto de acusação, enquanto o julgamen-‐to culmina numa decisão dos tribunais.
6. Se a comunicação social confundir a justiça com a investigação criminal, se confundir procuradores com juízes, suspeitas com provas, acusações com condenações, falhará no seu dever de rigor infor-‐mativo e porá seriamente em risco a presunção de inocência do arguido. O mesmo sucede quando confunde uma detenção com prisão ou quando leva a crer que a prisão preventiva se baseia na culpa do arguido. É fácil compreender como a prisão preven-‐tiva transmite ao público uma poderosa presunção de culpa. Mas ela tem na sua base apenas indícios e uma certa probabilidade de culpa (muito longe do necessário para uma condenação) e destina-‐se a acautelar riscos para o próprio processo ou para a tranquilidade pública.
7. A comunicação social deve também cultivar com lucidez a consciência crítica da sua própria falta de neutralidade e objectividade em matérias desta na-‐tureza. A notícia de uma suspeita, de uma acusação ou de uma condenação tende, na maior parte dos casos, a ter mais força do que a notícia contrária. Daí resulta, muitas vezes, que a cobertura de uma investigação arquivada, de uma absolvição, ou da simples recurso bem sucedido para um tribunal su-‐perior seja menos visível em termos de tratamento jornalístico. O mesmo se diga em relação às notícias sobre factos em segredo de justiça nas fases iniciais do processo, por comparação com as notícias dum julgamento público. O segredo descoberto é um condimento precioso da informação e um factor ir-‐resistível de atracção da curiosidade do público. Mas gera diferenças de cobertura informativa que lesam, muitas vezes, a presunção de inocência.
8. Por último, o respeito da presunção de inocência exige um cuidado especial na formulação de opini-‐
ões sobre os factos objecto de um processo-‐crime. O jornalismo judiciário deve ser tão pouco conclusivo quanto possível. Deve saber reconhecer as suas insu-‐ficiências e o papel que está reservado aos tribunais. E deve também, para isso, cultivar o rigor da sua lin-‐guagem. O melhor exemplo que se pode dar é o da designação de pessoas que estão sob suspeita com expressões que inculcam a autoria dos factos investi-‐gados. De pouco ou nada serve antepor a palavra “alegadamente” ou “indiciadamente”, se a seguir se diz “autor” ou “culpado”. Pior ainda é usar a palavra “presumível”, porque ela é frontalmente contrária à presunção de inocência. Um arguido é apenas uma pessoa sob investigação, contra a qual existe uma suspeita das autoridades, uma suspeita que não pas-‐sa disso mesmo e que tem de ser sujeita a todos os testes de contraditório e defesa que são próprios de um Estado de Direito.
C. No jornalismo de investigação
1. Até há alguns anos (1998), a imputação de factos com relevância criminal a uma pessoa que por eles não ti-‐vesse sido julgada e condenada era proibida por lei. Assim se tinha de concluir pela regime do crime de di-‐famação, quando nele se dispunha que, no caso de serem imputados a uma pessoa factos que constituís-‐sem um crime, a prova desses factos (no âmbito da chamada “excepção da verdade”, como ficou estuda-‐da no capítulo próprio) só podia ser feita com base em sentença transitada em julgado. Desta forma fica-‐va assegurado, por definição, o respeito da presunção de inocência.
2. A partir da revisão, feita em 1998, do Código Penal de 1995 (que mantivera a este respeito a regra do Códi-‐go Penal de 1982), a prova da verdade dos factos com relevância criminal já não se encontra limitada pela existência de uma prévia sentença condenatória dos tribunais. Quer dizer que um jornalista, que seja acu-‐sado, a título de difamação, por atribuir a alguém a prática de um facto qualificável como crime, pode de-‐fender-‐se, dentro dos limites da “excepção da verda-‐de”, mediante prova da verdade desses factos reali-‐zada por meio diferente de uma condenação judicial. Poderá apresentar documentos, ou testemunhas, ou qualquer outro meio de prova.
3. Da reforma de 1998 resultou a ampliação do espaço permitido ao jornalismo de investigação (esse espaço,
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de resto, já existia na prática). Em contrapartida, alargou também o campo de incidência do princípio jurídico da presunção de inocência. É certo que no jornalismo de investigação não se transmitem infor-‐mações sobre um processo judicial. Mas seria difícil de compreender que a comunicação social tivesse maior liberdade de imputação de factos criminal-‐mente relevantes a margem de um processo oficial do que em articulação com ele. A presunção de ino-‐cência deve, portanto, ser uma das regras do jorna-‐lismo de investigação.
4. Para respeitar a presunção de inocência, o critério fundamental a observar é o do respeito da função dos tribunais. Num Estado de Direito só os tribunais podem condenar um cidadão pela prática de um crime. A sala do tribunal é o local próprio para que a sociedade exerça os seus direitos em matéria cri-‐minal. Só aí, na sala do tribunal, existe o ambiente e o modo de agir que permitem fazer justiça com a menor probabilidade de erro. Tudo contribui para esse fim, mesmo aqueles elementos do funciona-‐mento dum tribunal que parecem mais injustifica-‐damente formais e rituais. Desde o local fixo até à sua organização visual e cénica e às regras meticu-‐losas com que se desenvolve o processo, sob a au-‐toridade do juiz, a preocupação é sempre a de de-‐fender o império da lei e conseguir o ambiente de serenidade e racionalidade que distingue a justiça da perseguição política ou popular.
5. Dentro deste critério, a regra deve ser a de noticiar e relatar factualmente, sem condenar. A qualifica-‐ção dos factos como crime deve ser feita no campo das hipóteses e com expressa menção de que só um tribunal poderá chegar a tal conclusão. Se um jorna-‐lista avançar as suas próprias conclusões sobre a prática de um crime, ou usar uma linguagem que implica efeito semelhante, poderá defender-‐se com a prova da verdade dos factos em que se baseou, num processo por difamação, mas terá mais dificul-‐dade em defender-‐se da acusação de violar a pre-‐sunção de inocência. Os “julgamentos de imprensa” são sempre falsos julgamentos. Além da autoridade do tribunal, falta também aos órgãos de informação o ritmo próprio da justiça, a capacidade de evitar a pressa e a precipitação e, talvez mais importante do que tudo o resto, a sujeição ao contraditório e às garantias de defesa da pessoa visada, que só podem
ser garantidas por um juiz independente e em pro-‐cesso adequado.
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IX
PROTECÇÃO DOS DIREITOS
A. Meios preventivos
1. Estes meios só podem ser exercidos através dos tribunais. De outro modo, se as autoridades admi-‐nistrativas ou policiais pudessem impedir a divulga-‐ção de informações ou outros conteúdos, haveria o risco de se cair na censura prévia.
2. As providências cautelares. Em que consistem e como funcionam. Como podem ser utilizadas para evitar a divulgação de imagens e escritos ou outras formas de comunicação.
3. Processos especiais para defesa dos direitos de per-‐sonalidade através dos tribunais comuns.
4. Intimações administrativas (isto é, contra as autori-‐dades administrativas) para defesa de direitos, li-‐berdade e garantias.
5. Todos estes meios podem ser utilizados tanto para defesa da liberdade de expressão e de imprensa, como para defesa dos direitos de outras pessoas que receiam ser atingidas pela comunicação social.
B. Direito de resposta e rectificação
1. Em que consistem estes direitos (resposta e rectifi-‐cação a cargo do próprio órgão de comunicação so-‐cial que foi autor da ofensa ou da falsidade).
2. O que é, para este efeito, uma ofensa. Como se distingue do exercício legítimo do direito de crítica.
3. O que é, para este efeito, uma falsidade. A falsidade sujeita a rectificação não depende de haver um pre-‐juízo ou uma ofensa.
4. A resposta e a rectificação são direitos pessoais que não podem ser exercidos através de representante, salvos os casos de incapacidade jurídica (menores, principalmente).
5. O princípio da igualdade de armas. Sua aplicação à dimensão da resposta e ao relevo da publicação.
6. O proporcionalidade dos termos ou da linguagem que podem ser usados na resposta. Limites a observar.
C. Direito de queixa
1. Direito de queixa para a ERC. Sequência que lhes é dada e decisão que podem ter.
2. Direito de queixa para as autoridades de investigação criminal (queixa-‐crime). Sequência da queixa. Partici-‐pação do ofendido como assistente no processo cri-‐minal.
3. Regra geral de agravação das penas nos crimes come-‐tidos através da imprensa (artigo 30.° da Lei de Im-‐prensa).
D. Direito a indemnização
1. O que é uma indemnização. É possível uma reparação natural por ofensa de direitos fundamentais de carác-‐ter pessoal?
2. Danos patrimoniais e não patrimoniais. Atendibilida-‐de destes últimos (artigo 496.° do Código Civil).
3. Indemnização em processo criminal e indemnização em acção cível.
E. Sanções disciplinares
1. O que são e quais são as infracções disciplinares no jornalismo. Distinção em relação à responsabilidade disciplinar nas relações laborais.
2. Conflito entre os deveres profissionais do jornalista e os deveres de obediência hierárquica.
3. Penas aplicáveis segundo o Estatuto do Jornalista.
4. Competência para a aplicação das sanções. Iniciativa disciplinar. Procedimento disciplinar. Direito de defe-‐sa do jornalista.
F. Determinação dos responsáveis
1. Responsabilidade da pessoa colectiva e responsabili-‐dade individual do jornalista.
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2. A responsabilidade criminal é sempre individual (os crimes de imprensa não estão incluídos no artigo 11.° do Código Penal, relativo à responsabilidade criminal das pessoas colectivas).
3. A responsabilidade civil pode ser colectiva e indivi-‐dual (artigo 500.° do Código Civil e artigo 29.° da Lei de Imprensa).
4. Regras especiais sobre autoria e comparticipação (artigo 31.° da Lei de Imprensa). Isenção de respon-‐sabilidade dos executantes e responsabilidade dos directores. Regime das entrevistas, das citações e dos artigos de opinião (a responsabilidade pertence exclusivamente aos autores das declarações ou opiniões, se estas foram reproduzidas com exacti-‐dão e com correcta identificação do seu autor).