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Sumário
Liberdade ...........................................................................................................................2
Liberdade de indiferença ...................................................................................................4
Determinismo absoluto ......................................................................................................6
Política ............................................................................................................................. 10
As filosofias políticas.................................................................................................... 17
Burguesia e iluminismo ................................................................................................... 22
Filósofos iluministas......................................................................................................... 24
As teorias socialistas ....................................................................................................... 26
Alienação e ideologia ...................................................................................................... 34
Estado e sociedade ......................................................................................................... 35
A questão democrática .................................................................................................... 44
Referências bibliográficas ............................................................................................... 56
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LIBERDADE
A liberdade consiste na ausência de qualquer coação externa, na livre
condição do homem que não é escravo ou prisioneiro. Ela qualifica a
independência do ser humano. De maneira positiva, liberdade é a autonomia e
a espontaneidade de um sujeito racional. Isto é, ela qualifica e constitui a
condição dos comportamentos humanos voluntários. Uma pessoa livre
participa ativamente do que quiser e dispõe completamente da sua pessoa.
Inicialmente, a liberdade foi um estatuto, uma condição social garantida
por um conjunto de direitos e deveres. Esse estatuto era um bem, que alguns
tinham, no caso do amo ou cidadão, e outros não tinham, no caso dos
escravos, que eram considerados utensílios privados de direitos.
Numa perspectiva filosófica, a liberdade é uma característica individual
puramente psicológica e moral. Não se trata de um conceito abstrato. É
necessário observar que filósofos como Sartre e Schopenhauer buscam, em
seus escritos, atribuir esta qualidade ao ser humano livre. Não se trata de uma
separação entre a liberdade e o homem, mas sim de uma sinergia entre ambos
para a autoafirmação do Ego e sua existência. E na equação entre Liberdade e
Vontade, observa-se que o querer ser livre torna-se a força-motriz e,
paradoxalmente, o instrumento para a liberação do homem liberdade física.
Os estoicos pensaram a liberdade meramente interior, sem pensar na sua
condição exterior. Aquele que só depende dele e não conhece o sofrimento
real ou a coação, é livre. Ou seja, a liberdade é vista como o estado ideal do
ser humano que atinge a harmonia através do domínio das paixões.
Na Filosofia clássica, com Leibniz e Espinosa, a liberdade é a
independência interior e a capacidade moral de se determinar somente através
da razão.
Para Descartes, a liberdade pode ser dividida em dois tempos: a
liberdade de indiferença , ou o poder de poder escolher e optar entre o bem e o
mal, e a liberdade iluminada e inclinada para o conhecimento do bem. Mas
Deus é a única entidade verdadeiramente livre. Descartes viu a liberdade como
espontaneidade. Uma causa espontânea é uma causa não motivada por algo
exterior e sim uma própria decisão sua, apesar de depender de algo como
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dinheiro ou bens materiais, sua decisão o torna livre. Age com mais liberdade
quem melhor compreende as alternativas em escolha. Quanto mais claramente
uma alternativa apareça como a verdadeira, mais facilmente se escolhe essa
alternativa.
Jean Paul Sartre atribui ao Homem o livre arbítrio, que concebe, ao
mesmo tempo, como absoluta responsabilidade.
Para Rousseau, o poder de autodeterminação é incompatível com a
própria existência de sociedade, já que, se cada um só fizer o que quer, pode
eventualmente ir em oposição ao outro.
Kant defende que não há liberdade sem lei; a lei limita a liberdade, mas é
condição para a existência da liberdade. A liberdade é, então, o poder de
obedecer à lei moral. A capacidade de se fazer o que se quer, sem coação, e o
direito de não se ser coagido a fazer o que não se quer. Para Kant, ser livre é
ser autônomo, isto, é dar a si mesmo as regras a serem seguidas
racionalmente. Todos entendem, mas nenhum homem sabe explicar. Uma das
obras realizadas por Kant é a Crítica da Razão Pura. Nesta, o estudo do fato
da razão torna-se pertinente, pois discorre sobre a liberdade nesse contexto. O
fato da razão citado por Kant é a consciência do indivíduo sobre as leis morais
vigentes (REALE, 1990, p.914). Mas esse fato da razão só pode ser admitido
com a existência da liberdade, esta liberdade só é admitida com uma intuição
intelectual, ou seja, conhecimento. Kant explica aqui que ter consciência das
leis morais vigentes não é apenas por vias de intuição, ou conhecimento, puro
nem intuitivo, essa consciência, ou fato da razão depende da intuição
intelectual, para que se possa ver a liberdade como positiva. Kant chama esse
aspecto positivo de autonomia. A liberdade que o homem deve aproveitar, em
Kant, diz respeito à vontade. Essa vontade não deve ser bloqueada por
nenhum tipo de heteronomia. O livre arbítrio deve ser utilizado de forma pura
para que não dependa de nada com relação à lei. Portanto a pessoa dotada de
liberdade, ou seja, sem intervenções de outrem, pode fazer uso desta, porém o
fará com maior clareza se seu conhecimento e consciência de sua liberdade
existirem.
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Para Malebranche, o Homem é livre, não no sentido de que seja capaz de
produzir alguma coisa, mas no sentido de que é capaz de suspender a ação
divina em si. Desta forma, a vontade, embora seja livre, não é causa produtora.
Para Raymond Aron, a única liberdade fundamental é a de não se ser
impedido de fazer algo. Todas as outras liberdades são direitos.
De fato, existe um desejo humano de alcançar a liberdade, entendida
como vontade. Para Nietzche, “cada qual se considera livre exatamente onde o
seu sentimento de existir é mais forte.”.
Liberdade significa o direito de ir e vir, de acordo com a própria vontade,
desde que não prejudique outra pessoa, é a sensação de estar livre e não
depender de ninguém. Liberdade é também um conjunto de ideias liberais e
dos direitos de cada cidadão.
Liberdade é classificada pela filosofia como a independência do ser
humano, o poder de ter autonomia e espontaneidade .A liberdade é um
conceito utópico, uma vez que é questionável se realmente os indivíduos têm a
liberdade que dizem ter, se com as mídias ela realmente existe, ou não.
Diversos pensadores e filósofos dissertaram sobre a liberdade, como Sartre,
Descartes, Kant, Marx e outros.
LIBERDADE DE INDIFERENÇA
Autonomia
Para Kant, ser livre é ser autônomo, isto, é dar a si mesmo as regras a
serem seguidas racionalmente. Todos entendem, mas nenhum homem sabe
explicar.
Uma das obras realizadas por Kant é a “Crítica da Razão Pura”. Nesta, o
estudo do fato da razão torna-se pertinente, pois discorre sobre a liberdade
nesse contexto. O fato da razão citado por Kant é a consciência do indivíduo
sobre as leis morais vigentes (REALE, 1990, p.914). Mas esse fato da razão só
pode ser admitido com a existência da liberdade, esta liberdade só é admitida
com uma intuição intelectual, ou seja, conhecimento. Kant explica aqui que ter
consciência das leis morais vigentes não é apenas por vias de intuição, ou
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conhecimento, puro nem intuitivo, essa consciência, ou fato da razão depende
da intuição intelectual, para que se possa ver a liberdade como positiva. Kant
chama esse aspecto positivo de autonomia. A liberdade que o homem deve
aproveitar, em Kant, diz respeito à vontade. Essa vontade não deve ser
bloqueada por nenhum tipo de heteronomia. O livre arbítrio deve ser utilizado
de forma pura para que não dependa de nada com relação à lei. Portanto a
pessoa dotada de liberdade, ou seja, sem intervenções de outrem, pode fazer
uso desta, porém o fará com maior clareza se seu conhecimento e consciência
de sua liberdade existirem.
Liberdade e Responsabilidade
Para se compreender a relação entre a liberdade e a responsabilidade é
necessário, primeiro que tudo, conhecer o que significam estas liberdades e a
sua integração no contexto filosófico.
A palavra liberdade tem uma origem latina (libertas) e significa
independência. Etimologicamente, a palavra responsabilidade também vem do
latim (respondere) e significa ser capaz de comprometer-se.
No senso comum, liberdade é uma palavra que pode ser definida em
variados sentidos (liberdade física, liberdade civil, liberdade de expressão…).
Filosoficamente, a liberdade, e mais concretamente a liberdade moral, diz
respeito a uma capacidade humana para escolher ou decidir racionalmente
quais os atos a praticar e praticá-los sem coações extremas. É de carácter
racional, pois os homens devem pensar nas causas e consequências dos seus
atos e na sua forma e conteúdo. Esta liberdade não é absoluta, é condicionada
e situada. Condicionada porque intervém no seu exercício múltiplo
condicionante (físicas, psicológicas…). Situada porque se realiza dentro da
circunstância, mundo, sociedade em que vivemos. Todas as nossas ações são
fruto das circunstâncias e das nossas próprias características. É também uma
liberdade solidária, porque cada um de nós só é livre com os outros, visto que
não vivemos sozinhos no mundo. A liberdade humana (pode chamar-se assim
porque é de carácter racional e, logo, exclusiva dos homens) reside em se
poder dizer sim ou não, quero ou não quero. Nada nos obriga a ter apenas uma
alternativa. O exercício da liberdade exige reflexão e, logo, tempo. Por isso, a
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reação é diferente da ação, visto que a primeira é imediata em face de um
estímulo.
A responsabilidade moral é, por sua vez, uma capacidade, e ao mesmo
tempo uma obrigação moral de assumirmos os nossos atos. É nos
reconhecermos nos nossos atos, compreender que são eles que nos
constroem e moldam como pessoas. A responsabilidade implica que sejamos
responsáveis antes do ato (ao escolhermos e decidirmos racionalmente,
conhecendo os motivos da nossa ação e ao tentar prever as consequências
desta), durante o ato (na forma como atuamos) e depois do ato (no assumir
das consequências que advêm dos atos praticados).
A liberdade e a responsabilidade estão tão ligadas na medida em que só
somos realmente livres de formos responsáveis, e só podemos ser
responsáveis se formos livres.
A responsabilidade implica uma escolha e decisão racional, o que vai ao
encontro à própria definição de liberdade.
Por outro lado, se não agirmos livremente, não podemos assumir
totalmente as consequências dos nossos atos, visto que as circunstâncias
atenuantes seriam muito fortes. Só o sujeito que é capaz de escolher e decidir
racionalmente, com consciência, é capaz de assumir as causas e as
consequências da sua ação.
Além disso, a liberdade e a responsabilidade são parâmetros essenciais
na construção de um indivíduo como pessoa, visto que é através da liberdade e
da responsabilidade que um sujeito é capaz de se tornar efetivamente
autônomo.
DETERMINISMO ABSOLUTO
Determinismo absoluto não implica necessariamente fatalismo.
O determinismo absoluto é o sistema infalível de conexão entre certas
causas e certos efeitos - a causa A produz sempre o efeito B, nas mesmas
circunstâncias - em todas as áreas da existência. Exemplos: “O sol nasce
sempre cada madrugada, devido à rotação da Terra”; “a paragem total de
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funcionamento dos rins conduz à morte de qualquer ser humano, sem
exceções”.
Imaginemos, no entanto, que, em cada dia, irrompe um novo mecanismo
determinista. O momento da sua irrupção pode ser um «buraco de liberdade»
imprevista, algo que escapa momentaneamente à teia de aço do sistema de
causas e efeitos porque é um começo de nova série ou lei. O começo pode ser
livre ainda que a continuação ou desenvolvimento sejam determinados,
necessários. E, no entanto, estamos no interior de um sistema de determinismo
absoluto com múltiplas roldanas, às quais se vem acrescentar em cada dia ou
em cada hora, uma nova roldana.
Liberdade em Ética
Em ética, liberdade está relacionada com responsabilidade, uma vez que
um indivíduo tem todo o direito de ter liberdade, desde que essa atitude não
desrespeite ninguém, não passe por cima de princípios éticos e legais.
Liberdade na Filosofia
Segundo a filosofia, liberdade é o conjunto de direitos de cada indivíduo,
seja ele considerado isoladamente ou em grupo, perante o governo do país em
que reside; é o poder qualquer cidadão tem de exercer a sua vontade dentro
dos limites da lei.
Liberdade pelos Filósofos
Diversos filósofos estudaram e publicaram suas obras sobre a liberdade,
como Marx, Sartre, Descartes, Kant, e outros. Para Descartes a liberdade é
motivada pela decisão do próprio indivíduo, mas muitas vezes essa vontade
depende de outros fatores, como dinheiro ou bens materiais.
Segundo Kant, liberdade está relacionada com autônomia, é o direito do
indivíduo dar suas próprias regras, que devem ser seguidas racionalmente.
Essa liberdade só ocorre realmente, através do conhecimento das leis morais e
não apenas pela própria vontade da pessoa. Kant diz que a liberdade é o livre
arbítrio e não deve ser relacionada com as leis. Para Sartre, a liberdade é a
condição de vida do ser humano, o princípio do homem é ser livre. O homem é
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livre por si mesmo, independente dos fatores do mundo, das coisas que
ocorrem, ele é livre para fazer o que tiver vontade.
Karl Marx diz que a liberdade humana é uma prática dos indivíduos, e ela
está diretamente ligada aos bens materiais. Os indivíduos manifestam sua
liberdade em grupo, e criam seu próprio mundo, com seus próprios interesses.
Três Conceitos de Liberdade
A primeira grande teoria filosófica da liberdade é exposta por Aristóteles
em sua obra Ética a Nicômaco e, com variantes, permanece através dos
séculos, chegando até o séc. XX, quando foi retomada por Sartre. Nessa
concepção, a liberdade se opõe ao que é condicionado externamente
(necessidade) e ao que acontece sem escolha deliberada (contingência). Diz
Aristóteles que é livre aquele que tem em si mesmo o princípio para agir ou não
agir, isto é, aquele que é causa interna de sua ação ou da decisão de não agir.
É a ausência de constrangimentos externos e internos. Assim, na concepção
aristotélica, a liberdade é o princípio para escolher entre alternativas possíveis,
realizando-se como decisão e ato voluntário. A inteligência inclina a vontade
numa certa direção, mas não a obriga nem a constrange. A liberdade será ética
quando o exercício da vontade estiver em harmonia com a direção apontada
pela razão. Sartre levou essa concepção ao ponto limite. Para ele, a liberdade
é a escolha incondicional que o próprio homem faz de seu ser e de seu mundo,
por isso afirma que estamos condenados à liberdade. Somos agentes livres
tanto para ter quanto para perder a felicidade.
A segunda concepção da liberdade foi desenvolvida pelo estoicismo (séc.
IV aC), ressurgindo no séc. XVII com o filósofo Espinosa e, no séc. XIX, com
Hegel e Marx. Eles conservam a ideia aristotélica de que a liberdade é a
autodeterminação ou ser causa de si. No entanto, diferentemente de Aristóteles
e Sartre, não colocam a liberdade no ato de escolha realizado pela vontade
individual, mas na atividade do todo, do qual os indivíduos são partes. O todo
ou a totalidade por ser a Natureza (como para os estoicos e Espinosa), ou a
cultura (como para Hegel), ou, enfim, uma formação historicossocial (como
para Marx). A liberdade não é um poder individual, mas é o poder do todo para
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agir em conformidade consigo mesmo. As leis da Natureza, a cultura, ou a
história, são as maneiras pelas quais a liberdade do todo se manifesta.
Além da concepção do tipo aristotélico-sartreano e da concepção de tipo
estoico-hegeliano, existe ainda uma terceira concepção que procura unir
elementos das duas anteriores. Afirma, como a segunda, que não somos um
poder incondicional de escolha de quaisquer possíveis, mas que nossas
escolhas são condicionadas pelas circunstâncias da realidade histórica em que
estamos situados. Não se trata da liberdade de querer alguma coisa e sim
fazer alguma coisa. Distinção feita por Hobbes, no séc. XVII e retomada por
Voltaire no séc. XVIII, ao dizerem que somos livres para fazer alguma coisa
quando temos o poder de fazê-la. Essa terceira concepção da liberdade
introduz a noção de possibilidade objetiva. A liberdade é a capacidade para
perceber as possibilidades e o poder para realizar aquelas ações que mudam o
curso das coisas, dando-lhe outra direção ou outro sentido.
Concepção da liberdade como possibilidade objetiva
Nascer é, simultaneamente, nascer do mundo e nascer para o mundo.
Sob o primeiro aspecto, o mundo já está constituído e somos solicitados por
ele. Sob o segundo aspecto, o mundo não está inteiramente constituído e
estamos abertos a uma infinidade de possíveis. Existimos, porém, sob os dois
aspectos ao mesmo tempo. Não há, pois, necessidade absoluta, nem escolha
absoluta, jamais sou como uma coisa e jamais sou uma pura consciência… A
situação vem em socorro da decisão e, no intercâmbio entre a situação e
aquele que a assume, é impossível delimitar a “parte que cabe à situação” e a
“parte que cabe à liberdade”.
Tortura-se um homem para fazê-lo falar. Se ele recusa dar nomes e
endereços que lhe querem arrancar, não é por sua decisão solitária e sem
apoios no mundo. É que ele se sente ainda com seus companheiros e ainda
engajado numa luta comum; ou é porque, desde há meses ou anos, tem
enfrentado essa provocação em pensamento e nela apostara toda sua vida; ou,
enfim, é porque ele quer provar, ultrapassando-a, o que ele sempre pensou e
disse sobre a liberdade.
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Tais motivações não anulam a liberdade, mas lhe dão ancoradouro no
ser. Ele não é uma consciência nua que resiste à dor, mas o prisioneiro com
seus companheiros, ou com aqueles que amam e sob cujo olhar ele vive, ou,
enfim, a consciência orgulhosamente solitária que é, ainda, um modo de estar
com os outros… Escolhemos nosso mundo e nosso mundo nos escolhe…
Concretamente tomada, a liberdade é sempre o encontro de nosso
interior com o exterior, degradando-se, sem nunca tornar-se nula, à medida
que diminui a tolerância dos dados corporais e institucionais de nossa vida. Há
um campo de liberdade e uma “liberdade condicionada”, porque tenho
possibilidades próximas e distantes…
A escolha de vida que fazemos tem sempre lugar sobre a base de
situações dadas e possibilidades abertas. Minha liberdade pode desviar minha
vida do sentido espontâneo que teria, mas o faz deslizando sobre este sentido,
esposando-o inicialmente para depois afastar-se dele, e não por uma criação
absoluta…
Sou uma estrutura psicológica e histórica. Recebi uma maneira de existir,
um estilo de existência. Todas as minhas ações e meus pensamentos estão
em relação com essa estrutura. No entanto, sou livre, não apesar disto ou
aquém dessas motivações, mas por meio delas, são elas que me fazem
comunicar com minha vida, com o mundo e com minha liberdade.
POLÍTICA
A questão pode até parecer de fácil e rápida resposta, levando à crença,
num primeiro momento, que se trata de tema de pouca complexidade, quiçá
profundidade. Há, inclusive, aqueles que dela tentem se esquivarem sob o
cômodo pretexto de se autodeclararem seres apolíticos, portanto
desinteressados no assunto. Examinado a questão de modo mais criterioso,
entretanto, logo será percebido que a política cerca de tal jeito todos os
aspectos de nossa vida, que se tornará necessário para cada um, pelo menos,
compreendê-la melhor, sob pena de um indesejável exílio social.
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Quanto à possibilidade apolítica em si, termo que insinua ausência de
Política, num sentido todo particular, ela pode ser comparada a algo
característico dos regimes onde a liberdade individual encontra-se bastante
cerceada. Porém, como isto ocorre?
Da palavra polis que significa cidade ou tudo que a ela se refere, qualquer
coisa urbana, pública, nasceu o termo politikós. Atualmente, o vocábulo Política
passou a ser comumente utilizado como referência a tudo que se relaciona
polis, mais precisamente com o Estado.
Política, no claro e objetivo dizer de João Ubaldo Ribeiro, tanto se refere
ao exercício de poder quanto às diversas consequências implicadas por esse
exercício. João Ubaldo, porém, vai além, ao caracterizar a Política como arte,
filosofia e até mesmo com ciência, sendo, em uma instância final, uma
profissão. Política é arte, visto requerer de quem a pratica, sensibilidade
especial além de talento, vocação e modos especiais, virtude às quais, quando
reunidas no mesmo indivíduo, o capacita a canalizar interesses e, ressalte-se,
tomar decisões corretas. Política, como filosofia, surge quando uma série de
questões de ordem moral e filosófica a acompanham, questões estas que têm
se mostrado de importância vital ao destino da humanidade. Por outro lado, a
Política aparece como ciência, quando se constata ser possível sistematizá-la
cientificamente, a partir da observação da relação dos homens com o poder.
Finalmente, a Política aparece como profissão daqueles que vivem a guiar ou
influenciar a coletividade a qual pertencem, seja em defesa dos interesses da
própria coletividade seja representando interesses difusos ou mesmo pessoal.
Ainda de acordo com Ubaldo, caso queiramos modificar uma situação
qualquer, no sentido de melhorá-la, devemos nos valer da Política. Deste
modo, a Política é entendida como um instrumento de ação social, que objetiva
a melhoria da sociedade, propriamente dita.
Norberto Bobbio nos fala que Política, atualmente, passou a ser usado de
modo comum indicando as atividades relacionadas ao Estado, conceito aqui já
apresentado. O conceito de Política também se encontra, segue afirmando
Bobbio, de forma estreitamente conexa ao conceito de poder. O poder político
ou o exercício da Política em si, assim caracterizada, pode ocorrer de várias
formas como numa relação entre governantes e governados, entre Estado e
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cidadãos, ou entre uma autoridade e seus subordinados. Ela estará, enfim,
sempre presente no relacionamento entre os seres humanos.
A respeito da finalidade da Política, Bobbio defende que ela não possui
fins terminantes estabelecidos e, muito menos, uma finalidade última que
compreenda todos os possíveis objetivos da Política. Estes seriam tantos
quantos sejam as metas de um grupo e ainda mais, eles variariam
circunstancialmente e de acordo com a época em que se fizessem necessários
ou não. Contudo, conforme Bobbio, é possível sugerir um fim mínimo para a
Política, fim este que assume a característica de condição imperativa para o
exercício da própria Política: a ordem pública, seja nas relações internas seja
nas externas, incluindo nesse contexto a integridade nacional, sobremodo nas
relações entre Estados.
Por sua vez, Hannah Arendt afirma que a política tem sua base na
pluralidade humana e trata da convivência entre homens diferentes. Em outras
palavras, ela é a forma que permite a organização dos homens visando à
conquista de certos objetivos comuns em meio a um caos de diversidades
pessoais. O homem, contudo, segundo a concepção de Arendt, é
essencialmente apolítico, sendo a Política um elemento que lhe é externo,
existindo tão somente no relacionamento deste com outro. A Política, assim,
aparece neste espaço que separa dois homens distintos, como uma relação.
Arendt também declara que a política é uma necessidade à vida humana, tanto
para o indivíduo quanto para a sociedade no qual ele vive.
A política ainda, conforme Arendt, possuiria um fim há muito definido: o
sentido da política é a liberdade. No entanto, essa liberdade muito mais se
aproximaria do conceito grego de liberdade do que alguma definição atual.
Desta forma, e assim o confirma Arendt, tal sentido atualmente não parece ser
mais tão óbvio. Apesar de tudo, Arendt, falando de modo geral, acredita que a
política possa ser um instrumento para um fim que, embora mutável no
decorrer dos séculos, pertencesse à esfera de algo mais elevado. Nesse
sentido, a política proporcionaria ao indivíduo as condições para que ele
demandasse seus próprios objetivos e, num sentido mais amplo, a felicidade.
Política pode ser relacionada, grosso modo, a toda atividade relacionada
à polis ou a relação existente entre um mínimo de duas pessoas.
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Complementando, ela é a ação que manipula o poder para que
determinadas decisões sejam tomadas.
Antes de concluir que a política perdeu a sua razão de existir, melhor é
entendê-la como algo que ainda merece mais reflexão e ponderação. Do
contrário, e em contrapartida a tudo visto, teremos o esvaziamento da política
e, consequentemente, o enfraquecimento e empobrecimento da capacidade de
tematização, de supressão do debate.
Tais consequências, num estado posterior, ainda podem se transformar
nos elementos que resultarão na interrupção do direito de autodeterminação.
Uma vez cessado o direito à privacidade individual, a direta interferência do
Estado se fará presente na vida pessoal, eliminado a pluralidade e, em seu
lugar, instituindo uma ideologia no lugar da política.
A Invenção da Política
Quando se afirma que os gregos e romanos inventaram a política, o que
se diz é que desfizeram aquelas características da autoridade e do poder.
Embora, nos começos, gregos e romanos tivessem conhecido a organização
economicossocial de tipo despótico ou patriarcal, um conjunto de medidas
foram tomadas pelos primeiros dirigentes – os legisladores – de modo a
impedir a concentração dos poderes e da autoridade nas mãos de um rei, A
propriedade da terra não se tornou propriedade régia ou patrimônio privado do
rei, nem se tornou propriedade comunal ou da aldeia, mas manteve-se como
propriedade de famílias independentes, cuja peculiaridade estava em não
formarem uma casta fechada sobre si mesma, porém aberta à incorporação de
novas famílias e de indivíduos ou não-proprietários enriquecidos no
comércio.senhor da terra, da justiça e das armas, representante da divindade.
Apesar das diferenças históricas na formação da Grécia e de Roma, há
três aspectos comuns a ambas, e decisivos para a invenção da política. O
primeiro, como assinalamos há pouco, é a forma da propriedade da terra; o
segundo, o fenômeno da urbanização; e o terceiro, o modo de divisão territorial
das cidades.
Como a propriedade da terra não pertencia à aldeia nem ao rei, mas às
famílias independentes, e como as guerras ampliavam o contingente de
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escravos, formou-se na Grécia e em Roma uma camada pobre de camponeses
que migraram para as aldeias, ali se estabeleceram como artesãos e
comerciantes, prosperaram, fizeram das aldeias, cidades, passaram a disputar
o direito ao poder com as grandes famílias agrárias. Uma luta de classes
perpassa a história grega e romana exigindo solução.
A urbanização significou uma complexa rede de relações econômicas e
sociais que colocava em confronto não só proprietários agrários, de um lado, e
artesãos e comerciantes, de outro, mas também a massa de assalariados da
população urbana, os nãos proprietários, genericamente chamados de “os
pobres”.
A luta de classes incluía, assim, lutas entre os ricos e lutas entre ricos e
pobres. Tais lutas eram decorrentes do fato de que todos os indivíduos
participavam das guerras externas, tanto para a expansão territorial, quanto
para a defesa de sua cidade, formando as milícias dos nativos da cidade. Essa
participação militar fazia com que todos se julgassem no direito, de algum
modo, de intervir nas decisões econômicas e legais das cidades. A luta das
classes pedia uma solução. Essa solução foi a política.
Finalmente, os primeiros chefes políticos ou legisladores introduziram
uma divisão territorial das cidades que visava a diminuir o poderio das famílias
ricas agrárias, dos artesãos e comerciantes urbanos ricos e a satisfazer a
reivindicação dos camponeses pobres e dos artesãos e assalariados urbanos
pobres. Em Atenas, por exemplo, a polis foi subdividida em unidades
sociopolíticas denominadas demos; em Roma, em tribus.
Quem nascesse num demos ou numa tribus, independentemente de sua
situação econômica, tinha assegurado o direito de participar das decisões da
cidade. No caso de Atenas, todos os naturais do demos tinham o direito de
participar diretamente do poder, donde o regime ser uma democracia. Em
Roma, os nãos proprietários ou os pobres formavam a plebe, que tinha o direito
de eleger um representante – o tribuno da plebe – para defender e garantir os
interesses plebeus junto aos interesses e privilégios dos que participavam
diretamente do poder, os patrícios, que constituíam o populus romanus. O
regime político romano era, assim, uma oligarquia.
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Diante do poder despótico, gregos e romanos inventaram o poder político
porque:
separaram a autoridade pessoal privada do chefe de família – senhorio
patriarcal e patrimonial – e o poder impessoal público, pertencente à
coletividade; separou privado e público e impediram a identificação do poder
político com a pessoa do governante. Os postos de governo eram preenchidos
por eleições entre os cidadãos, de modo que o poder deixou de ser hereditário;
separaram autoridade militar e poder civil, subordinando a primeira ao
segundo. Isso não significa que em certos casos, como em Esparta e Roma, o
poder político não fosse também um poder militar, mas sim que as missões
militares deviam ser primeiro, discutidas e aprovadas pela autoridade política e
só depois realizadas. Os chefes militares não eram vitalícios nem seus cargos
eram hereditários, mas eram eleitos periodicamente pelas assembleias dos
cidadãos;
separaram autoridade mágicorreligiosa e poder temporal laico, impedindo
a divinização dos governantes. Isso não significa que o poder político deixasse
de ter laços com a autoridade religiosa – os oráculos, na Grécia, e os augúrios,
em Roma, eram respeitados firmemente pelo poder político. Significa, porém,
que os dirigentes desejavam a aprovação e a proteção dos deuses, sem que
isso implicasse a divinização dos governantes e a submissão da política à
autoridade sacerdotal;
criaram a ideia e a prática da lei como expressão de uma vontade coletiva
e pública, definidora dos direitos e deveres para todos os cidadãos, impedindo
que fosse confundida com a vontade pessoal de um governante. Ao criarem a
lei e o direito, afirmaram a diferença entre o poder político e todos os outros
poderes e autoridades existentes na sociedade, pois conferiram a uma
instância impessoal e coletiva o direito exclusivo ao uso da força para punir
crimes, reprimir revoltas e matar para vingar, em nome da coletividade, um
delito julgado intolerável por ela. Em outras palavras, retiraram dos indivíduos o
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direito de fazer justiça com as próprias mãos e de vingar por si mesmos uma
ofensa ou um crime. O monopólio da força, da vingança e da violência passou
para o Estado, sob a lei e o direito;
criaram instituições públicas para aplicação das leis e garantia dos direitos,
isto é, os tribunais e os magistrados;
criaram a instituição do erário público ou do fundo público, isto é, dos bens
e recursos que pertencem à sociedade e são por ela administrados por meio de
taxas, impostos e tributos, impedindo a concentração da propriedade e da
riqueza nas mãos dos dirigentes;
criaram o espaço político ou espaço público – a assembleia grega e o
senado romano -, no qual os que possuem direitos iguais de cidadania
discutem suas opiniões, defendem seus interesses, deliberam em conjunto e
decidem por meio do voto, podendo, também pelo voto, revogar uma decisão
tomada. É esse o coração da invenção política. De fato, e como vimos, a marca
do poder despótico é o segredo, a deliberação e a decisão a portas fechadas.
A política, ao contrário, introduz a prática da publicidade, isto é, a exigência de
que a sociedade conheça as deliberações e participe da tomada de decisão.
Além disso, a existência do espaço público de discussão, deliberação e
decisão significa que a sociedade está aberta aos acontecimentos, que as
ações não foram fixadas de uma vez por todas por alguma vontade
transcendente, que erros de avaliação e de decisão podem ser corrigidos, que
uma ação pode gerar problemas novos, não previstos nem imaginados, que
exigirão o aparecimento de novas leis e novas instituições. Em outras palavras,
gregos e romanos tornaram a política inseparável do tempo e, como vimos no
caso da ética, ligada à noção de possível ou de possibilidade, isto é, a ideia de
uma criação contínua da realidade social.
Para responder às diferentes formas assumidas pelas lutas de classes, a
política é inventada de tal maneira que, a cada solução encontrada, um novo
conflito ou uma nova luta podem surgir, exigindo novas soluções. Em lugar de
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reprimir os conflitos pelo uso da força e da violência das armas, a política
aparece como trabalho legítimo dos conflitos, de tal modo que o fracasso nesse
trabalho é a causa do uso da força e da violência.
O que procuramos apontar não foi a criação de uma sociedade sem
classes, justa e feliz, mas a invenção da política como solução e resposta que
uma sociedade oferece para suas diferenças, seus conflitos e suas
contradições, sem escondê-los sob a sacralização do poder e sem fechar-se à
temporalidade e às mudanças.
AS FILOSOFIAS POLÍTICAS
Maquiavel e a autonomia da política
O intelectual Nicolau Maquiavel tratou principalmente sobre política na
obra “O príncipe”, descrevendo como o governante deveria agir e quais
virtudes deveriam ter a fim de se manter no poder e aumentar suas conquistas.
Nicolau Maquiavel, nascido na segunda metade do século XV, em
Florença, na Itália, trata-se de um dos principais intelectuais do período
chamado Renascimento, inaugurando o pensamento político moderno. Ao
escrever sua obra mais famosa, “O Príncipe”, o contexto político da Península
Itálica estava conturbado, marcado por uma constante instabilidade, uma vez
que eram muitas as disputas políticas pelo controle e manutenção dos
domínios territoriais das cidades e estados.
Conhecer sua trajetória como figura pública e intelectual é muito
importante para que as circunstâncias nas quais este pensador pensou e
escreveu tal obra sejam compreendidas. Maquiavel ingressou na carreira
diplomática em um período em que Florença vivia uma República após a
destituição dos Médici do poder. Contudo, com a retomada dessa dinastia,
Maquiavel foi exilado, momento em que se dedicou à produção de “O Príncipe”.
Esta sua obra seria, na verdade, uma espécie de manual político para
governantes que almejassem não apenas se manter no poder, mas ampliar
suas conquistas. Em suas páginas, o governante poderia aprender como
planejar e meditar sobre seus atos para manter a estabilidade do Estado, do
18
governo, uma vez que Maquiavel conta sucessos e fracassos de vários reis
para ilustrar seus conselhos e opiniões. Além disso, para autores
especializados em sua vida e obra, Nicolau Maquiavel teria escrito esse livro
como uma tentativa de reaproximação do governo Médici, embora não tenha
logrado êxito num primeiro momento.
Outro fator fundamental para se estudar o pensamento maquiaveliano é o
pano de fundo da Europa naquele período, do ponto de vista das ideologias e
do pensamento humano. Ao final da Idade Média, retomava-se uma visão
antropocêntrica do mundo (que considera o homem como medida de todas as
coisas) presente outrora no pensamento das civilizações mais antigas como a
Grécia, a qual permitiu o despontar de outra ideia política, que não apenas
aquela predominante no período medieval. Em outras palavras, a retomada do
humanismo iria propor na política a liberdade republicana contra o poder
teológico-político de papas e imperadores. Isso significaria a retomada do
humanismo cívico, o que pressupõe a construção de um diálogo político entre
uma burguesia em ascensão desejosa por poder e uma realeza detentora da
coroa. É preciso lembrar que a formação do Estado moderno se deu pela
convergência de interesses entre reis e a burguesia, marcando-se um
momento importante para o desenvolvimento das práticas comerciais e do
capitalismo na Europa. Assim, Maquiavel assistia em seu tempo um maior
questionamento do poder absoluto dos reis ou de alguma dinastia, como os
Médici em Florência, uma vez que nascia uma elite burguesa com seus
próprios interesses, com a exacerbação da ideia de liberdade individual.
Questionava-se o poder teocêntrico e desejava-se a existência de um príncipe
que, detentor das qualidades necessárias (virtu), poderia garantir a estabilidade
e defesa de sua cidade contra outras vizinhas.
Dessa forma, considerando esse cenário, Maquiavel produziu sua obra
com vistas à questão da legitimidade e exercício do poder pelo governante,
pelo príncipe. A legitimação do poder seria algo fundamental para a questão da
conquista e preservação do Estado, cabendo ao bom rei (ou bom príncipe) ser
dotado de virtu e fortuna, sabendo como bem articulá-las. Enquanto a virtú
dizia respeito às habilidades ou virtudes necessárias ao governante, a fortuna
tratava-se da sorte, do acaso, da condição dada pelas circunstâncias da vida.
19
Para Maquiavel “... quando um príncipe deixa tudo por conta da sorte, ele se
arruína logo que ela muda. Feliz é o príncipe que ajusta seu modo de proceder
aos tempos, e é infeliz aquele cujo proceder não se ajusta aos tempos.”
(MAQUIAVEL, 2002, p. 264).
Contudo, a forma como a virtu seria colocada em prática em nome do
bom governo deveria passar ao largo dos valores cristãos, da moral social
vigente, dada a incompatibilidade entre esses valores e a política segundo
Maquiavel. Para Maquiavel, “não cabe nesta imagem a ideia da virtude cristã
que prega uma bondade angelical alcançada pela libertação das tentações
terrenas, sempre à espera de recompensas no céu. Ao contrário, o poder, a
honra e a glória, típicas tentações mundanas, são bens perseguidos e
valorizados. Assim, essa interpretação maquiaveliana da esfera política foi que
permitiu surgir a ideia de que “os fins justificam os meios”, embora não se
possa atribuir literalmente essa frase a Maquiavel. Além disso, fez surgir no
imaginário e no senso comum a ideia de que Maquiavel seria alguém articuloso
e sem escrúpulo, dando origem à expressão “maquiavélico” para designar algo
ou alguém dotado de certa maldade, frio e calculista. Maquiavel não era imoral
(embora seu livro tenha sido proibido pela Igreja), mas colocava a ação política
(construída pela soma da virtu e da fortuna) em primeiro plano, como uma área
de ação autônoma levando a um rompimento com a moral social. A conduta
moral e a ideia de virtude como valor para bem viver na sociedade não
poderiam ser limitadores da prática política. O que se deve pensar é que o
objetivo maior da política seria manter a estabilidade social e do governo a todo
custo, uma vez que o contexto europeu era de guerras e disputas. Maquiavel é
incisivo: há vícios que são virtudes, não devendo temer o príncipe que deseje
se manter no poder, nem esconder seus defeitos, se isso for indispensável
para salvar o Estado. “Um príncipe não deve, portanto, importar-se por ser
considerado cruel se isso for necessário para manter os seus súditos unidos e
com fé. Com raras exceções, um príncipe tido como cruel é mais piedoso do
que os que por muita clemência deixam acontecer desordens que podem
resultar em assassinatos e rapinagem, porque essas consequências
prejudicam todo um povo, ao passo que as execuções que provêm desse
príncipe ofendem apenas alguns indivíduos” (MAQUIAVEL, 2002, p. 208).
20
Dessa forma, a soberania do príncipe dependeria de sua prudência e
coragem para romper com a conduta social vigente, a qual seria incapaz de
mudar a natureza dos defeitos humanos.
Assim, a originalidade de Maquiavel estaria em grande parte na forma
como lidou com essa questão moral e política, trazendo outra visão ao
exercício do poder outrora sacralizado por valores defendidos pela Igreja.
Considerado um dos pais da Ciência Política, sua obra, já no século XVI,
tratava de questões que ainda hoje se fazem importantes, a exemplo da
legitimação do poder, principalmente se considerarmos as características do
solo arenoso que é a vida política.
A teoria liberal
No pensamento político de Hobbes e Rousseau, a propriedade privada
não é um direito natural, mas civil. Em outras palavras, mesmo que no Estado
de Natureza (em Hobbes) e no Estado de Sociedade (em Rousseau) os
indivíduos se apossem de terras e bens, essa posse é o mesmo que nada, pois
não existem leis para garanti-las. A propriedade privada é, portanto, um efeito
do contrato social e um decreto do soberano. Essa teoria, porém, não era
suficiente para a burguesia em ascensão.
De fato, embora o capitalismo estivesse em vias de consolidação e o
poderio econômico da burguesia fosse inconteste, o regime político permanecia
monárquico e o poderio político e o prestígio social da nobreza também
permaneciam. Para enfrentá-los em igualdade de condições, a burguesia
precisava de uma teoria que lhe desse legitimidade tão grande ou maior do que
o sangue e a hereditariedade davam à realeza e à nobreza. Essa teoria será a
da propriedade privada como direito natural e sua primeira formulação coerente
será feita pelo filósofo inglês Locke, no final do século XVII e início do século
XVIII.
Locke parte da definição do direito natural como direito à vida, à liberdade
e aos bens necessários para a conservação de ambas. Esses bens são
conseguidos pelo trabalho.
Deus, escreve Locke, é um artífice, um obreiro, arquiteto e engenheiro
que fez uma obra: o mundo. Este, como obra do trabalhador divino, a Ele
21
pertence. É seu domínio e sua propriedade. Deus criou o homem à sua
imagem e semelhança, deu-lhe o mundo para que nele reinasse e, ao expulsá-
lo do Paraíso, não lhe retirou o domínio do mundo, mas lhe disse que o teria
com o suor de seu rosto. Por todos esses motivos, Deus instituiu, no momento
da criação do mundo e do homem, o direito à propriedade privada como fruto
legítimo do trabalho. Por isso, de origem divina, ela é um direito natural.
O Estado existe a partir do contrato social. Tem as funções que Hobbes
lhe atribui, mas sua principal finalidade é garantir o direito natural de
propriedade.
Dessa maneira, a burguesia se vê inteiramente legitimada perante a
realeza e a nobreza e, mais do que isso, surge como superior a elas, uma vez
que o burguês acredita que é proprietário graças ao seu próprio trabalho,
enquanto reis e nobres são parasitas da sociedade.
O burguês não se reconhece apenas como superior social e moralmente
aos nobres, mas também como superior aos pobres. De fato, se Deus fez
todos os homens iguais, se a todos deu a missão de trabalhar e a todos
concedeu o direito à propriedade privada, então, os pobres, isto é, os
trabalhadores que não conseguem tornarem-se proprietários privados, são
culpados por sua condição inferior. São pobres, não são proprietários e são
obrigados a trabalhar para outros seja porque são perdulários, gastando o
salário em vez de acumulá-lo para adquirir propriedades, ou são preguiçosos e
não trabalham o suficiente para conseguir uma propriedade.
Se a função do Estado não é a de criar ou instituir a propriedade privada,
mas de garanti-la e defendê-la contra a nobreza e os pobres, qual é o poder do
soberano? A teoria liberal, primeiro com Locke, depois com os realizadores da
independência norteamericana e da Revolução Francesa, e finalmente, no
século passado, com pensadores como Max Weber, dirão que a função do
Estado é tríplice:
a. Por meio das leis e do uso legal da violência (exército e polícia),
garantir o direito natural de propriedade, sem interferir na vida econômica, pois,
não tendo instituído a propriedade, o Estado não tem poder para nela interferir.
Donde a ideia de liberalismo, isto é, o Estado deve respeitar a liberdade
22
econômica dos proprietários privados, deixando que façam as regras e as
normas das atividades econômicas;
b. Visto que os proprietários privados são capazes de estabelecer as
regras e as normas da vida econômica ou do mercado, entre o Estado e o
indivíduo intercalasse uma esfera social, a sociedade civil, sobre a qual o
Estado não tem poder instituinte, mas apenas a função de garantidor e de
árbitro dos conflitos nela existentes. O Estado tem a função de arbitrar, por
meio das leis e da força, os conflitos da sociedade civil;
c. O Estado tem o direito de legislar, permitir e proibir tudo quanto
pertença à esfera da vida pública, mas não tem o direito de intervir sobre a
consciência dos governados. O Estado deve garantir a liberdade de
consciência, isto é, a liberdade de pensamento de todos os governados e só
poderá exercer censura nos casos em que se emitam opiniões sediciosas que
ponham em risco o próprio Estado.
Na Inglaterra, o liberalismo se consolida em 1688, com a chamada
Revolução Gloriosa. No restante da Europa, será preciso aguardar a
Revolução Francesa de 1789. Nos Estados Unidos, consolida-se em 1776,
com a luta pela independência.
BURGUESIA E ILUMINISMO
Ao criticar o Antigo Regime, a burguesia foi desenvolvendo sua própria
ideologia, baseando-se nos seguintes argumentos:
I. O Estado só é verdadeiramente poderoso se for rico;
II. Para enriquecer, ele precisa expandir as atividades capitalistas;
III. Para expandir as atividades capitalistas é preciso dar liberdade e poder
à burguesia.
23
Foi esse argumento burguês que, investindo implicitamente contra os
privilégios da nobreza corroeu, aos poucos, o equilíbrio de forças sociais do
Estado absolutista e do Antigo Regime. Ao mesmo tempo, propiciou o
surgimento do movimento cultural que ficou conhecido como Iluminismo
(também denominado Ilustração ou Filosofia das Luzes).
O que o Iluminismo defendia
Segundo o sociólogo Lucien Goldman, os
princípios do Iluminismo estão relacionados ao
comércio, uma das principais atividades econômicas
da burguesia.
Assim, o Iluminismo defendia:
Igualdade: no comércio, isto é, no ato de compra e venda todas as
eventuais desigualdades sociais entre compradores e vendedores não tinham
importância. Na compra e venda o que importava era a igualdade jurídica dos
participantes do ato comercial. Por isso, os iluministas defendiam que todos
deveriam ser iguais perante a lei. Ninguém teria, então, privilégios de
nascença, como os da nobreza. Entretanto, a igualdade jurídica não significava
igualdade econômica. No plano econômico, a maioria dos iluministas
acreditava que a desigualdade correspondia à ordem natural das coisas.
Tolerância religiosa ou filosófica: na realização do ato comercial, não
importavam as convicções religiosas ou filosóficas dos participantes do
negócio. Do ponto de vista econômico, a burguesia compreendeu que seria
irracional excluir compradores ou vendedores em função de suas crenças ou
convicções pessoais. Fosse mulçumano, judeu, cristão ou ateu, a capacidade
econômica das pessoas definia-se pelo ter e não pelo ser.
Liberdade pessoal e social: a atividade comercial burguesa só poderia
desenvolver-se numa economia de mercado, ou seja, era preciso que existisse
o livre jogo da oferta e da procura. Por isso, a burguesia se opôs à escravidão
24
humana e passou a defender uma sociedade livre. Afinal sem trabalhadores
livres, que recebessem salários, não podia haver mercado comercial.
Propriedade privada: comércio só era possível entre os proprietários de
bens ou de dinheiro. O proprietário podia comprar ou vender porque tinha o
direito de usar e dispor livremente de seus bens. Assim, a burguesia defendia o
direito à propriedade privada, característica essencial da sociedade capitalista.
O que o Iluminismo combatia
A nova mentalidade burguesa, expressa pelos princípios iluministas,
chocava-se com o Antigo Regime. Assim, o Iluminismo combatia:
I. O absolutismo monárquico: porque protegia a nobreza e mantinha
seus privilégios. O absolutismo era considerado injusto por impedir a
participação da burguesia nas decisões políticas, inviabilizando a realização de
seus ideais;
II. O mercantilismo: porque a intervenção do Estado na vida econômica
era considerada prejudicial ao individualismo burguês, à livre iniciativa e ao
desenvolvimento espontâneo do capitalismo;
III. A autonomia intelectual: defendida pelo individualismo e pelo
racionalismo burguês. Assim, à burguesia não interessava apenas a religião.
Ela desejava o avanço da ciência e das técnicas, que favoreciam os
transportes, as comunicações, a medicina, etc.
FILÓSOFOS ILUMINISTAS
O iluminismo foi um movimento que contou com a participação de
diversos pensadores. Mesmo partilhando de noções e princípios semelhantes,
os teóricos do iluminismo trouxeram as mais diferentes contribuições em suas
obras. Ocupando-se de assuntos diversos, seus pensadores trataram de
25
questões morais, religiosas e políticas. De forma geral, podemos realizar uma
breve amostra de seus principais personagens.
Publicando em 1721 a obra “Cartas Persas”, o barão de Montesquieu
realizou uma crítica sistemática ao autoritarismo político e aos costumes de
diversas instituições europeias. No ano de 1748, discutiu as formas de governo
fazendo uma análise da monarquia inglesa no livro “O Espírito das Leis”. Na
mesma obra pregava que os poderes deveriam ser divididos entre Executivo,
Legislativo e Judiciário. O rei deveria ser um mero executor das ações tomadas
pelos poderes a serem intuídos nessa forma de governo. Além disso,
acreditava que uma Constituição deveria ser redigida como lei máxima dos
governantes e da sociedade.
Jean-Jaques Rousseau foi outro pensador que, para a época, tinha
algumas opiniões de caráter mais radical. Contrário a uma vida luxuosa ele
afirmou que a propriedade privada originava a desigualdade entre os homens.
Em sua obra “Discurso sobre a origem e o fundamento da desigualdade entre
os homens”, Rousseau defendeu que o homem era corrompido pela sociedade
e que a soberania popular e a simplicidade deveriam ser princípios básicos na
ascensão de uma sociedade mais justa e igualitária. No texto “Contrato Social”,
defendia o princípio no qual a vontade geral dos homens promoveria
instituições mais justas.
Outro importante pensador foi Voltaire. Atacando ferozmente a Igreja e o
clero, ele acreditava que Deus não seria conhecido pelos dogmas religiosos.
Somente os homens dotados de razão e liberdade seriam capazes de
conhecer as vontades e desígnios divinos. Em seu livro “Cartas Inglesas”,
criticou as instituições religiosas e a existência de hábitos feudais ainda
presentes na sociedade europeia. Mesmo sendo um grande crítico, Voltaire
não defendia a revolução como instrumento de mudança. A seu ver, as
monarquias dotadas de princípios racionalizantes poderiam renovar suas
práticas e ações.
Diderot e D’Alembert, além de contribuírem com ideias, também se
preocuparam em difundir os valores do iluminismo pela Europa. Através de
uma grande compilação chamada “Enciclopédia”, reuniram o saber produzido
por diferentes pensadores iluministas. Subdividida em trinta e cinco volumes,
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essa obra condensava a perspectiva iluminista sobre os mais variados
assuntos. Estabelecendo um verdadeiro movimento que ganhou o nome de
enciclopedismo, o esforço de ambos conseguiu contar com a colaboração de
mais de cento e trinta diferentes autores.
AS TEORIAS SOCIALISTAS
Contexto Histórico
O poder autocrático e suas formas de ação, onde os meios de combate
tinham objetivo de deslegitimar esse poder, através de pensadores que
escreveram ideologias ou lutaram buscando um ideal de sociedade livre e uma
comunidade de iguais. No século XVIII, tais pensamentos começam a tomar
forma com a massa do povo que sustentou a Revolução Francesa, sendo
também a mesma massa que se manifestou contra a centralização de poder
que tinha como pretensão a burguesia de exercer por si só.
Com tais acontecimentos, surge na França a primeira expressão de
ideologia comunista, onde Gracchus Babeuf queria derrubar o diretório e foi
executado. O bobovismo é “o manifesto de iguais”, é a denúncia do fosso que
separa a igualdade formal das palavras de ordem da Revolução Francesa,
“Liberdade, Igualdade e Fraternidade”, na verdade uma inexistência de
igualdade.
No século XIX, teve no seu início a formação do Congresso de Viena, a
qual proporcionou o surgimento de focos conservadores para restaurar o
absolutismo que se encontrava em decomposição, começam a ameaçar a
burguesia que a partir da sua revolução, se efetivou no poder.
Nos anos de 1830 a 1848, com o crescimento dos movimentos liberais e
nacionais, o confronto dessas forças tornam-se mais presentes que
anteriormente, pois as revoluções estão em toda a Europa. Parte do
proletariado de 1848, expressa sua própria ideologia com um pensamento
liberal, onde inspira o socialismo utópico.
Com essas ideias de um socialismo utópico, a cisão entre burguês e
proletário, começa a ficar mais clara, mas as contradições surgem e são
27
explicadas pelos teóricos de crítica ao liberalismo, pois em um período
conturbado por agitações políticas, a sociedade passa por um agravo em seu
interior, decorrente da expansão econômica, e o surgimento da grande
indústria, ao capitalismo de monopólio e do nascimento das organizações do
proletariado.
Desde o século XVIII, através da implantação do maquinismo industrial,
que a Revolução Industrial proporcionou, acontece o processo de privatização
dos meios de produção, causando o confinamento dos operários nas fábricas e
seu assalariamento.
Partindo dessa compreensão, surge então a nova classe do proletariado
que se transforma exclusivamente para o trabalho sistêmico hierárquico e ao
trabalho manual, separando-lhe do trabalho intelectual. O êxodo rural torna as
cidades em um depósito de operários, onde não existe uma infraestrutura de
acomodação, baixos salários, jornada de trabalho em excesso que configura
uma exploração de mão de obra infantil, onde o que predomina é uma injustiça
social que fomenta novas mudanças dentro desse contexto.
A teoria liberal precisou mudar e se adaptar com suas ideias a essa nova
realidade exploração social, visto que as teorias socialistas e comunistas
estavam colocando à prova as convicções da burguesia, onde através das
interpretações e diferentes propostas de mudanças, os reformistas e os
revolucionários, estavam esperando a oportunidade para se manifestarem
efetivamente contra a opressão.
As críticas ao liberalismo resultaram que não se adequou ao equilíbrio
prometido, instaurando uma „ordem‟ infesta e imoral, como um liberalismo
clássico que enfatiza a liberdade do indivíduo. Essa nova teoria exige uma
igualdade real, contrapondo-se ao individualismo o „socialismo‟, dessa forma os
operários fabris se organizaram e negaram o paternalismo e mobilizam-se para
um bem comum com a formação de uma consciência de classe e emancipação
do proletariado onde surge e desencadeia o movimento de reivindicação.
Em 1864, é fundado na Inglaterra (Londres), a Associação Internacional
dos Trabalhadores (AIT), buscando realizar congressos em diversos países
visando os interesses da classe operária em uma pluralidade, que a partir da
Primeira Internacional teve a participação de intelectuais e ativistas como Marx
28
e Bakunin, Prodhon e Blanqui; em 1871, partidários de Blanqui instalam a
Comuna de Paris.
O Socialismo Utópico
Marx e Engels classificam as primeiras teorias socialistas do século XIX,
como socialismo utópico contrapondo ao socialismo científico, não negando a
importância desses movimentos precursores. Os principais representantes do
socialismo utópico na França, Saint-Simon, Fauries e Prodhon, formando
obras mais expressivas e originais, também Louis Blanc e Auguste Blanqui e
o trabalho de Robert Owen.
Os socialistas franceses escreveram em um momento que a França ainda
não está em seu processo de industrialização, que só vai o correr no segundo
império na segunda metade do século XIX. Já o socialismo britânico, estava
passando por essa fase, decorrente do processo revolucionário industrial e
onde Marx passa exilado e pode perceber a precariedade da condição de vida
dos trabalhadores.
As teorias socialistas elaboram diferentes ideias e soluções diversas, mas
não reconhecem o antagonismo existente entre burguesia e proletariado, e
afirma uma ideologia de reforma comunitária, onde todas as participações
possibilitariam uma participação de boa vontade para o bem comum.
Saint-Simon estabelece uma forma de cooperativismo de produtores,
sendo os proletários, banqueiros, empresários, sábios e artistas, formando uma
sociedade industrial cooperativista e solidária com a classe desfavorecida.
Fourier também não percebe e não destaca o antagonismo entre classes,
faz crítica ao capitalismo e a cobiça dos comerciantes, seu plano é formar uma
associação voluntária, o „falanstério‟, que forma pequenas unidades e não pode
ser constituído como uma proposta comunista, Fourier aceita a divisão de
classe e a hierarquia capitalista.
Prodhon, por nascer em família pobre, percebe a necessidade de
igualdade e tem consciência do antagonismo entre capitalistas e proletários,
tendo afirmado que: “a propriedade privada, significa a espoliação do trabalho”,
e enfatiza uma autonomia da classe operária em organização contra a
exploração capitalista, também se opõe contra o poder centralizado no Estado
29
tornando-se um crítico da centralização do poder e da burocracia, sonhando
com a sociedade anarquista, onde se extingue o Estado e subdivide o poder
político em combinações livres de trabalhadores.
Robert Owen considera o trabalho como criador de riqueza e que o
operário não usufrui dessa riqueza, pois lhe é extorquida, tenta por em prática
uma concepção de colônias cooperativas, pois a propriedade privada seria
totalmente excluída. Essas soluções não passam de uma tendência filantrópica
e paternalista.
O Marxismo
A Alemanha depois da sua unificação em 1870, pelo então ministro
Bismark, e com uma Alemanha agitada e com problemas de estruturação,
surge o Marxismo com Karl Marx e Friedrich Engels, onde escreveram
diversas obras. Buscam na realidade social os elementos para formar sua
teoria, de um lado, o avanço técnico, aumento de poder humano sobre a
natureza, o enriquecimento e progresso. Do outro lado, observam que uma
pressão estava sendo constante sobre as massas, e especificamente, sobre a
classe operária, onde o empobrecimento é o fator determinante de sua teoria.
Buscou um entendimento econômico para poder começar a formar sua
doutrina marxista, com leituras do economista Adam Smith e David Ricardo,
esse último da filosofia de Hegel, de filósofos do socialismo utópico e de
Feuerbach, sendo desse último que Marx e Engels utiliza o conceito de
„alienação‟ onde é usada em defesa da tese do ateísmo, que Feuerbach projeta
em sua tese que não foi Deus que fez o homem, mas o homem é que criou
Deus, e se aliena a essa concepção de indivíduo religioso.
Com a análise de Marx e Engels sobre a de Feuerbach, percebem que
um desprezo pelo método dialético deixa explícito uma repetição em certa
forma do materialismo mecanicista do século XVIII, onde o ser humano é
compreendido como máquina. Feuerbach, não percebe o mundo como um
processo em desenvolvimento histórico, segundo Marx, Feuerbach analisava o
ser humano abstratamente, desvinculado de sua realidade, que consiste no
conjunto das relações sociais.
30
A Dialética Marxista
Marx e Engels formularam a teoria marxista com dois fundamentos
importantes: O Materialismo Dialético e o Materialismo Histórico. Segundo os
marxistas, o grande defensor dessa teoria é Hegel, no século XIX, “a ideia não
é uma criação subjetiva do sujeito, mas é a própria realidade objetiva de onde
tudo precede”, ou seja, para Marx a matéria é o dado primário e a consciência
um dado secundário que é reflexivo à matéria.
O materialismo de Marx é dialético e o de Hegel é mecanicista, onde
parte de uma constatação de um mundo composto de coisas, ou seja,
partículas de coisas que se combinam de forma inerte. Já o materialismo
dialético parte de um fenômeno como processo, pode reagir com o espírito,
pois não é uma consciência passiva da ação, e sim possibilita uma ação sobre
o mundo, liberta o ser humano que pode se manifestar através de revolução.
O marxismo se opõe à filosofia idealista de Hegel, mas aproveita seus
elementos como concepção dialética, sendo essa a estrutura contraditória do
real, tudo um movimento construtivo em três fases: identidade (Tese),
contradição ou negação (antítese) e positividade ou negação da negação
(síntese).
Esse processo evolutivo da dialética é, na verdade, um movimento que se
constitui do „ser ao não ser‟, ou seja, passa de um momento efetivo para outro
que surge a partir de outra realidade, havendo uma contraditória onde o ser
suprimido se transforme.
Então se o ser (proletário) se rebela e chega a um estágio de melhoria
dentro do seu contexto e movimento, passa a „não ser‟, ou seja, não é mais um
proletário estático, imóvel, mas, é a partir de sua revolução outro ser, pois em
seu processo de movimento e evolução se transforma, e dessa forma uma
identidade (tese), quando nega sua condição busca uma melhora, torna-se a
(antítese) e chegando em seu cume depois dos dois elementos já construídos,
tese e antítese, constitui-se a (síntese), que é o surgimento do novo.
31
Materialismo Histórico
É a teoria que explica os princípios do materialismo dialético ao campo da
história. Ou seja, os fatores que explicam a história, elementos materiais como
econômico e técnico.
Nesse caso agora, Marx inverte o processo da construção da história e
parte de uma micro história para comprovar os movimentos do homem,
deixando de lado os grandes vultos que se destacam na história, busca na luta
de classe definir ações da consciência, linguagem, religião como um processo
evolutivo onde se caracteriza sua condição de existência.
Com essas definições Marx vê a sociedade que se formou a partir de uma
estrutura que se define em níveis, sendo o primeiro chamado de
„infraestrutura‟, onde se constitui a base econômica e é determinante, pois
engloba todo o processo de relações humanas com a natureza, onde produz a
própria existência e suas relações entre indivíduos e os meios, e o objeto de
trabalho.
O segundo nível é formado pelo político ideológico, chamado de
„superestrutura‟, é constituída pela estrutura jurídico-político, o Estado.
Segundo Marx, a exploração da classe suprimida é formada pela ação do
Estado, pois esses detêm os mecanismos econômicos e políticos que
favorecem a classe dominante.
A estrutura ideologia também faz parte da superestrutura e se manifesta
as formas de consciência sociais, como a religião, leis, educação, filosofia,
ciência, etc. A classe dominada, nesse caso, também está sujeita à ideologias
que são determinantes da classe dominante, e reflete na dominada.
A Práxis
Marx analisa o „ser social‟ e desenvolve uma nova antropologia, onde não
existe natureza humana em todos os tempos e lugares, ou seja, o ser humano
se autoproduz quando transforma a natureza pelo trabalho; onde enfoca o
trabalho como uma ação coletiva e a condição humana dependem das
relações sociais como existência de sua consciência e necessidade antecipada
à ação do pensamento, formando assim um pensar e agir, ou seja, reflexão e
ação.
32
Marx chama a práxis, à ação humana transformadora da realidade,
significa uma união dialética da teoria e da prática, ou seja, a ação humana é
projetada, refletida, consciente, isto é, filosofia da práxis.
Luta de Classe
O filósofo define as relações sociais de toda a sociedade como
fundamental às „relações de produção‟, visto que, a partir da condição de
trabalho, ou melhor, dos „meios de produção‟, define-se uma forma „forças
produtivas‟, que no processo natural se transforma com novas tecnologias e
provoca adaptações no meio social humano, tendo o individuo como ponto
central dessas relações e transformações.
O “modo de produção” é a maneira onde as “forças produtivas” se
organizam em „relações de produção‟, ou seja, o maquinário fabril do
capitalismo determina uma relação de produção a partir do dono do capital e
operários assalariados, definindo assim como „meio de produção‟ o modo
capitalista e os „modos de produção‟ assalariada, ou seja, uma relação de
produção capitalista com mão de obra assalariada.
Nessa concepção, Marx define como “divisão de classe” a partir das
relações de trabalho, onde cada forma de produção define os meios de
produção de cada período histórico, distinguindo cada processo. Sociedade
primitiva, propriedade comum, pertence a toda sociedade “comuna primitiva”,
não há sentimento de posse, pois não existe propriedade privada.
“O modo de produção patriarcal”, domesticação de animais,
desenvolvimento da agricultura com instrumentos de metal proporciona um
aumento de produção, que gera um excedente que exige um armazenamento,
cria-se o vasilhame de barro que possibilita fazer reserva.
Dentro da família com a alteração da relação de produção e modo de
produção, desse modo surge uma forma específica de propriedade, onde se
diferencia funções de classe e poder, pois agora passa para o pai ser o chefe
da família e o direito hereditário muda de uma filiação materna para uma
paterna.
“O modo de produção escravista”, decorre de um aumento de produção
além do necessário para subsistência, recurso de novas forças de trabalho que
33
geralmente era conseguida entre prisioneiros de guerra, transformados em
escravo. Com esse novo modo de produção, surge a „propriedade privada‟ dos
meios de produção, onde caracteriza a primeira forma de exploração humana.
Com essa nova forma de relação de trabalho, aparece uma separação
entre o trabalho intelectual e o trabalho manual; onde a ociosidade passa a ser
considerada a perfeição do indivíduo livre, enquanto o trabalho manual, serviço
de escravo, é desprezado. A contradição instaurada pelo regime escravista
exige que, para restaurar a economia, que entra em crise, sejam necessárias
novas relações de produção.
“O modo de produção feudal” tinha como base econômica a propriedade
como meio de produção pelo senhor feudal, o servo trabalhava para si e para o
senhor; o senhor se apropriava de uma parte da produção daquele, cobrava
imposto pelo uso do moinho e tudo que lhe pertencia.
Com a contradição de interesses das duas classes (senhor feudal e
camponês), surge uma terceira a „burguesia‟ oriunda da produção de
artesanato pelos servos, e consegue aos poucos uma liberdade pessoal e a
das cidades, que fomentaram uma nova forma de „relação de produção‟ com o
desenvolvimento de formas produtivas.
“O modo de produção capitalista” é um novo sistema (síntese), que surge
das ruínas do sistema feudal, ou seja, da contradição entre tese (senhor feudal)
e a antítese (servo). Marx observa que em toda a história, a luta pela
sobrevivência fez emergir relações de produção que se desenvolveram em
classe que definiam em momentos distintos relações de trabalho com
diferentes modos de produção, distinguindo as classes a partir da propriedade
privada e meios de produção.
Marx ainda define que: “a luta de classe é o confronto entre duas classes
antagônicas quando lutam pelos seus interesses de classe”; no modo de
produção capitalista, burgueses detém o capital, meios de produção, o
proletariado só possui a força de trabalho, ou seja, sua mercadoria que é
vendida ao burguês, e recebe em forma de pagamento assalariado.
34
A mais Valia
O sistema capitalista se sustenta pela produção de mercadorias, sendo
produzido não para uso, mas sim para a troca (venda). Como produto do
trabalho, o valor da mercadoria é determinado pelo total de trabalho
socialmente necessário para produzi-la.
O trabalhador vende sua mercadoria, a força de trabalho, por um valor
que possibilita sua sobrevivência, em um contrato entre o capitalista e o
trabalhador, que define a carga horária a ser trabalhada, isto é, o tempo que o
trabalhador vai levar para produzir a mercadoria.
Como o trabalhador fica disponível o tempo todo, e produz mais em suas
horas de trabalho que ultrapassa a meta de produção estipulada pelo
capitalista em seu contrato de trabalho, o excedente não é pago ao trabalhador
(o excedente produzido) e gera um aumento de capital. Como o capitalista
comprou a força do trabalho operário, usa-o da melhor forma possível,
provocando uma forma de exploração onde o desenvolvimento do capitalismo
supõe a exploração do trabalho do operário. Então, a Mais Valia é tudo aquilo
de excedente que é produzido pelo operário, dentro de suas horas de trabalho.
Alienação e ideologia
Com a definição de Mais Valia, Marx configura o caráter de exploração do
sistema capitalista, tendo em mente que o operário não é capaz de reverter sua
condição, pois se encontra „alienado‟, necessita do trabalho que gera uma
economia que favorece a sua subsistência, para Marx, a alienação tem como
origem a economia, pois, quando o operário vende a sua força de trabalho, o
produto que resulta dele pertence e adquire existência independente dele.
A cadência do trabalho é dada exteriormente e não obedece ao próprio
ritmo natural do seu corpo, ou seja, por estar alienado à economia, à
insatisfação do trabalho, tem no operário um mecanismo de revolta sem prazer
para sua produção, visto que, o sistema capitalista somente quer a produção e
o lucro, onde oprime e explora a força de trabalho.
A mercadoria torna-se autônoma e determinante da vida humana, com as
crises que a mercadoria provoca, tendo como ponto referencial as forças das
35
leis do mercado, arrastam o indivíduo ao enfrentamento de crises, guerras de
desemprego, ou seja, uma desumanização provocada pelo capitalismo.
Dentro desse contexto de classe dominante e dominada, a „ideologia
burguesa‟, impede que o proletariado tenha consciência de classe, pois
camufla a luta de classe quando representada de forma ilusória. As ideias,
condutos e valores que permeiam a concepção de mundo de determinada
sociedade, são os que representam os interesses da classe dominante, ao
serem generalizadas às classes dominadas, ajudam a manter a dominação. A
ideologia esconde que o Estado, longe de representar o bem comum, é
expressão dos interesses da classe dominante.
Estado e sociedade
Marx nega o Estado, entende que ele é mero manipulador da interesse da
classe dominante, entende também que não podemos viver sem a presença do
Estado, vai contra as ideias anarquistas que vê uma sociedade sem Estado e
não concorda com Hegel, que vê o estado como o “momento final do espírito
objetivo”.
Para Marx, somente através de uma revolução é que o proletariado se
desmembrará de sua alienação burguesa, pois entende que o Estado é a
contradição dos reflexos da sociedade, e só aparentemente visa o bem comum
e está a serviço da burguesia, vê o Estado como um mal a ser extirpado.
Com a organização da classe operária, pode-se criar um Estado detentor
das propriedades privadas e dos meios de produção. Para isso se solidificar, é
necessário a formação de um partido revolucionário que possibilite a destruição
do Estado burguês e forme uma igualdade de classe, dá-se o nome desse
movimento de “ditadura do proletariado”, tendo um fortalecimento contínuo da
classe operaria que é indispensável para destruir a classe burguesa no mundo
inteiro.
36
A Utopia Comunista
Primeira fase:
Com base na ditadura do proletariado, corresponde à implantação do
“socialismo”, que supõe a existência do aparelho estatal, da burocracia, do
repressivo e jurídico, continua a repressão contra a classe burguesa para evitar
a contrarrevolução.
Tem como princípio o socialismo: “de cada um, segundo sua capacidade,
a cada um, segundo seu trabalho”.
Segunda fase:
Chamada “comunismo” com princípio, “de um, segundo sua capacidade,
a cada um, segundo suas necessidades”, com isso o comunismo se define com
a supressão das lutas de classe, isto é, após o aniquilamento e
desaparecimento do Estado, “anarquia feliz”, as forças produtivas levariam a
uma „abundância‟ com uma supressão da divisão do trabalho em tarefas
„subordinadas‟ (materiais) e superiores (intelectuais). A ausência do contraste
entre cidade e campo, entre indústria e agricultura, ou seja, produziria o
necessário para sua sobrevivência, mas o ritmo histórico continuaria e não
haveria luta de classe.
Anarquismo
Principais Ideias do Anarquismo
O princípio do anarquismo são as formas alternativas de organização
voluntária contra o Estado. Em momentos ou períodos, a religião, o Estado e a
propriedade contribuíram para o desenvolvimento humano, mas
posteriormente, passaram a ser restrições a sua emancipação.
A negação do Estado vista pelos anarquistas, não é uma proposta
individualista, visto que, se funda em um cooperativismo comunitário onde não
é exercida uma organização coercitiva, pois o ser humano é capaz de viver em
paz com seus semelhantes dentro de seu processo natural. Como a natureza
se faz presente e é natural que se organize, pois instituições autoritárias
37
surgem para „deformar‟, „atrofiar‟ o cooperativismo em organização, a “ordem
na anarquia”, torna-se natural e necessária para sua manutenção como
organização comunitária.
O anarquismo vê a estrutura da sociedade estatal como artificial, onde
impõe a ordem de cima para baixo, ou seja, com a formação de sua pirâmide
social, onde a base é o proletariado e o topo, o Estado. A sociedade anarquista
não teria uma estrutura, mas uma organização que cresce e se regulamenta a
partir das leis da natureza, sendo autodisciplina e a cooperação o alicerce de
sua organização, e não pela decisão hierárquica.
Dentro da organização anarquista, não são bem vindos os partidos
políticos, pois acreditam que prejudicam a “espontaneidade de ações”, onde se
organizam e exercer em formas de poderes; como também podem surgir
corpos dogmáticos dentro de sua organização, sendo daí o anarquismo
conhecido com um movimento vivo e não uma doutrina.
A vulnerabilidade do anarquismo é a ausência de controle e poder, onde
torna o movimento naturalista, „oscilante‟ e frágil, também flexível, podendo
ficar inativo e surgir espontaneamente em momentos distintos.
O anarquismo critica a existência do Estado, e busca inverter a pirâmide
de poder que representa através do Estado, e a descentralização social que
deriva nesse contexto, busca relações diretas, contato „cara a cara‟, onde
através das relações sociais, formam núcleos vitais como no trabalho e bairros,
onde são tomadas as decisões.
Nesse contexto de crítica ao estado, onde a forma tradicional de
democracia parlamentar, que apresenta o risco de ter no poder, demagogos. O
anarquismo traz soluções que a partir de decisões mais amplas, formam e
convocam assembleias para designarem delegados „por tempo determinado‟ e
com revogação de seu mandato.
“A supressão da propriedade privada”. Essas dos meios de produção
devem ser substituídas por cooperativa, onde os corpos coletivos livres dos
indivíduos vivessem em uma comuna livre em uma direção coletiva desses
meios de produção.
Hierarquia, a repudia contra a estrutura da igreja que se faz presente,
busca no „ateísmo‟ uma libertação dos dogmas empregados pela igreja e
38
afirmação autônoma e moral do ser humano. “para afirmar o homem, é preciso
negar Deus”.
Bakunin, um representante do anarquismo mais radical e crítico sobre
assuntos de questões políticas, influenciado por Proudhon (são os mais
brilhantes anarquistas por conter suas ideias centradas em movimentos e
revoltas) tanto que participou das rebeliões em Paris e Praga em 1848-49, foi
exilado na Sibéria, em 1870 participou das revoltas de Lyon e Bolonha, crítico
de Marx, foi expulso da Primeira Internacional em 1872.
Pierre Kropótkin defendeu a ação não violenta e luta pelo respeito da vida
humana. Ao contrário de Bakunin, condena a pena de morte, tortura ou
qualquer forma coercitiva violenta, tendo as ideias anarquistas no final do
século XIX influenciado personagens importantes como o „pacifista cristão‟
Leon Tostói e Gandhi, onde com a não violência, transformou a resistência em
um elemento forte na independência da Índia em 1920.
Anarcossindicalismo no final do século XIX – Representados pelos
sindicatos que adotaram a estratégia de se transformar em agentes
transformadores da sociedade, centralizando o poder em pequenos grupos de
fábricas e ampliando contatos nos setores estatal e nacional, prevalecendo a
preservação direta do trabalho. Foi na Espanha que o movimento atingiu sua
expressividade até ser combatido pelo ditador Franco. Também com o
surgimento do „fascismo‟ na Itália, do nazismo na Alemanha, enfraqueceu o
movimento nesses países. Os defensores e simpatizantes do anarquismo eram
compostos por intelectuais, jornalistas, artistas, etc.
O anarquismo ressurgiu após a segunda guerra mundial, e recrudesce na
década de 60 com o movimento ativista de jovens europeus e americanos,
culminando como movimento estudantil de 1968 na França.
O Anarquismo no Brasil
Com a autorização de D. Pedro II, foi permitida a instalação de uma
colônia Cecília, formada por italianos no Paraná, onde a base de pensamento
dessa colônia eram as ideias anarquistas. No início do século XX, com o
implemento de uma industrialização, organiza-se aqui o „Anarcossindicalismo‟,
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era um movimento atuante não só para as greves, mas com influências de
ideias anarquistas e difusão através de jornais e escolas.
Ideologia
O verso de Cazuza - “Ideologia. Eu quero uma pra viver” - pode ser o
ponto de partida para perguntar: mas afinal, qual é o significado desse termo e
como ele surgiu?
Ideologia é um conjunto de ideias ou pensamentos de uma pessoa ou de
um grupo de indivíduos. A ideologia pode estar ligada à ações políticas,
econômicas e sociais.
O termo ideologia foi usado de forma marcante pelo fi lósofo Antoine
Destutt de Tracy.
O conceito de ideologia foi muito trabalhado pelo filósofo alemão Karl
Marx, que ligava a ideologia aos sistemas teóricos (políticos, morais e sociais)
criados pela classe social dominante. De acordo com Marx, a ideologia da
classe dominante tinha como objetivo manter os mais ricos no controle da
sociedade.
No século XX, várias ideologias se destacaram:
Ideologia fascista: implantada na Itália e Alemanha, principalmente,
nas décadas de 1930 e 1940. Possuía um caráter autoritário, expansionista e
militarista;
Ideologia comunista: implantada na Rússia e outros países
(principalmente do leste europeu), após a Revolução Russa (1917). Visava a
implantação de um sistema de igualdade social;
Ideologia democrática: surgiu em Atenas, na Grécia Antiga, e possui
como ideal a participação dos cidadãos na vida política;
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Ideologia capitalista: surgiu na Europa durante o Renascimento
Comercial e Urbano (século XV). Ligada ao desenvolvimento da burguesia,
visa o lucro e o acúmulo de riquezas;
Ideologia conservadora: ideias ligadas à manutenção dos valores
morais e sociais da sociedade;
Ideologia anarquista: defende a liberdade e a eliminação do estado e
das formas de controle de poder;
Ideologia nacionalista: exaltação e valorização da cultura do próprio
país.
Para alguns, como Karl Marx, a ideologia age mascarando a realidade.
Os pensadores adeptos da Teoria Crítica da Escola de Frankfurt consideram a
ideologia como uma ideia, discurso ou ação que mascara um objeto,
mostrando apenas sua aparência e escondendo suas demais qualidades. Já o
sociólogo contemporâneo John B. Thompson também oferece uma formulação
crítica ao termo ideologia, derivada daquela oferecida por Marx, mas que lhe
retira o caráter de ilusão (da realidade) ou de falsa consciência, e concentra-se
no aspecto das relações de dominação.
Histórico
A origem do termo ocorreu com Destutt de Tracy, que criou a palavra e
lhe deu o primeiro de seus significados: ciência das ideias. Posteriormente,
concluíram que esta palavra ganharia um sentido novo quando Napoleão
chamou De Tracy e seus seguidores de “ideólogos” no sentido de
“deformadores da realidade”. No entanto, os pensadores da Antiguidade
Clássica e da Idade Média já entendiam ideologia como o conjunto de ideias e
opiniões de uma sociedade.
Karl Marx desenvolveu uma teoria a respeito da ideologia na qual
concebe a mesma como uma consciência falsa, proveniente da divisão entre o
trabalho manual e o intelectual. Nessa divisão, surgiriam os ideólogos ou
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intelectuais que passariam a operar em favor da dominação ocorrida entre as
classes sociais, por meio de ideias capazes de deformar a compreensão sobre
o modo como se processam as relações de produção. Neste sentido, a
ideologia (enquanto falsa consciência) geraria a inversão ou a camuflagem da
realidade, para os ideais ou interesses da classe dominante.
Depois de Marx, vários outros pensadores abordaram a temática da
ideologia. Muitos mantiveram a concepção original de Marx (Karl Korsch,
Georg Lukács), outros passaram a abordar ideologia como sendo sinônimo de
“visão de mundo” (concepção neutra), inclusive alguns pensadores marxistas,
tal como Lênin. Alguns explicam isto graças ao fato do livro A Ideologia Alemã,
de Marx, onde ele expõe sua teoria da ideologia, só tenha sido publicado em
1926, dois anos depois da morte de Lênin. Vários pensadores desenvolveram
análises sobre o conceito de ideologia, tal como Karl Mannheim, Louis
Althusser, Paul Ricoeur e Nildo Viana.
Concepção crítica
O uso crítico do termo ideologia pressupõe uma diferenciação implícita
entre o que vem a ser um “conjunto qualquer de ideias sobre um determinado
assunto” (concepção neutra sinônima de ideário), e o que vem a ser o “uso de
ferramentas simbólicas voltadas à criação e/ou à manutenção de relações de
dominação” (concepção crítica). A partir deste ponto de partida comum a todos
os significados do termo ideologia que aderem à concepção crítica, o que se
tem são variações sobre a forma e o objetivo da ideologia. A principal
divergência conceitual da concepção crítica de ideologia está na necessidade
ou não de que um fenômeno, para que seja ideológico, necessariamente tenha
de ser ilusório, mascarador da realidade e produtor de falsa consciência. A
principal convergência conceitual, por outro lado, está no pré-requisito de que
para um fenômeno ser ideológico, ele necessariamente deverá colaborar na
criação e/ou na manutenção de relações de dominação. Ainda, no que se
refere às relações de dominação, há diferentes olhares sobre quais destas
relações são alvo de fenômenos ideológicos: se apenas as relações entre
classes sociais, ou também relações sociais de outras naturezas. Alguns
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questionamentos neste sentido possuiríam respostas diferentes a depender do
autor crítico:
Para que algo possa ser concebido como ideológico, deve
necessariamente haver ilusão, mascaramento da realidade e falsa
consciência? Marx responderia que sim. Thompson responderia que estas são
características possíveis, mas não necessárias, para a existência de ideologia;
A única dominação à qual se refere a ideologia é aquela que ocorre
entre classes sociais? Marx novamente diria que sim. Thompson
complementaria com uma lista de outras formas de dominação também
existentes na sociedade: entre brancos e negros, entre homens e mulheres,
entre adultos e crianças, entre pais/mães e filhos (as), entre chefes e
subordinados, entre nativos e estrangeiros.
Para aqueles que adotam o termo ideologia segundo a concepção
crítica, não faz sentido dizer: que um indivíduo ou grupo possui uma ideologia;
que existem ideologias diferentes; que cada um tem a sua própria ideologia;
que cada partido tem uma ideologia; que existe uma ideologia dos dominados.
Ideologia, pela concepção crítica, não é algo disseminável como é uma ideia ou
um conjunto de ideias; ideologia, neste sentido crítico, é algo voltado à
criação/manutenção de relações de dominação por meio de quaisquer
instrumentos simbólicos: seja uma frase, um texto, um artigo, uma notícia, uma
reportagem, uma novela, um filme, uma peça publicitária ou um discurso.
sentido: diz respeito a fenômenos simbólicos, que mobilizam a
cognição, como uma imagem, um texto, uma música, um filme, uma narrativa;
ao contrário de fenômenos materiais, que mobilizam recursos físicos, como a
violência, a agressão, a guerra;
serve para: querendo significar que fenômenos ideológicos são
fenômenos simbólicos significativos desde que (somente enquanto) eles sirvam
para estabelecer e sustentar relações de dominação;
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estabelecer: querendo significar que o sentido pode criar ativamente e
instituir relações de dominação;
sustentar: querendo significar que o sentido pode servir para manter e
reproduzir relações de dominação por meio de um contínuo processo de
produção e recepção de formas simbólicas;
dominação: fenômeno que ocorre quando relações estabelecidas de
poder são sistematicamente assimétricas, isto é, quando grupos particulares de
agentes possuem poder de uma maneira permanente, e em grau significativo,
permanecendo inacessível a outros agentes.
Discurso
O discurso tem uma dimensão ideológica que relaciona as marcas
deixadas no texto com as suas condições de produção, e que se insere na
formação ideológica. E essa dimensão ideológica do discurso pode tanto
transformar quanto reproduzir as relações de dominação. Para Marx, essa
dominação se dá pelas relações de produção que se estabelecem, e as
classes que estas relações criam numa sociedade. Por isso, a ideologia cria
uma “falsa consciência” sobre a realidade que tem como objetivo suprir,
morder, reforçar e perpetuar essa dominação. Já para Gramsci, a ideologia não
é enganosa ou negativa em si, mas constitui qualquer ideário de um grupo de
indivíduos; em outras palavras, poder-se-ia dizer que Gramsci rejeita a
concepção crítica e adere à concepção neutra de ideologia. Para Althusser,
que recupera a ótica marxista, a ideologia é materializada nas práticas das
instituições, e o discurso, como prática social, seria então “ideologia
materializada”.
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A QUESTÃO DEMOCRÁTICA
A Sociedade Democrática
Há na prática democrática e nas ideias democráticas uma profundidade e
uma verdade muito maiores e superiores ao que a ideologia democrática
percebe e deixa perceber.
As eleições, por exemplo, simbolizam o essencial da democracia: que o
poder não se identifica com os ocupantes do governo, não lhes pertence, mas
é sempre um lugar vazio que os cidadãos, periodicamente, preenchem com um
representante, e podem revogar seu mandato se não cumprir o que lhe foi
delegado para representar.
A sociedade não é uma comunidade una e indivisa voltada para o bem
comum obtida por consenso, mas, ao contrário, que está internamente dividida
e que as divisões são legítimas e devem expressar-se publicamente.
A democracia é a única forma política que considera o conflito legítimo e
legal, permitindo que ele seja trabalhado politicamente pela própria sociedade.
As ideias de igualdade e liberdade como direitos civis dos cidadãos
significam que os cidadãos são sujeitos de direitos e que, onde tais direitos não
existam nem estejam garantidos, tem-se o direito de lutar por eles e de exigi-
los. É esse o cerne da democracia.
Há uma ênfase na diferença entre necessidade e interesse e direito.
Necessidade É algo particular ou específico. Há tantas necessidades
quantos indivíduos, tantas carências quanto grupos sociais. Necessidades ou
carências podem ser conflitantes (resolver umas às vezes tendo que
abandonar a outras).
Interesse Também é algo particular e específico. Interesses também
podem ser conflitantes.
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Direito Um direito, ao contrário de necessidades, carências e interesses,
não são particulares e específicos, mas geral e universal. Ex: a carência de
água e de comida expressa algo mais profundo: o direito à vida.
Dizemos que uma sociedade – e não um simples regime de governo – é
democrática quando, além de eleições, partidos políticos, divisão dos três
poderes da república, respeito à vontade da maioria e das minorias, institui algo
mais profundo, que é a condição do próprio regime político, ou seja, quando
institui direitos.
A criação de direitos
A democracia foi criada pelos atenienses. Criou-se também a tradição
democrática como instituição de três direitos fundamentais que definiam o
cidadão: igualdade, liberdade e participação no poder.
Igualdade significava: todos os cidadãos possuem os mesmos direitos e
devem ser tratados da mesma maneira perante as leis e os costumes da polis.
Aristóteles: a primeira tarefa da justiça era igualar os desiguais.
Marx: a igualdade só se tornaria um direito concreto quando não
houvesse escravos, servos e assalariados explorados.
Marx e Aristóteles: a mera declaração de igualdade não faz existir os
iguais, mas abre o campo para a criação da igualdade.
Liberdade significava: todo cidadão tem o direito de expor em público
seus interesses e suas opiniões, vê-los debatidos pelos demais e aprovados ou
rejeitados pela maioria, e deve acatar a decisão tomada publicamente.
ampliação do direito à liberdade: Revoluções: Inglesa, 1644; Francesa,
1789.
liberdade de pensamento e de expressão, livre escolha do ofício, local
de moradia, o tipo de educação, cônjuge – recusa das hierarquias fixas,
supostamente divinas ou naturais.
Participação no poder significava: todos os cidadãos têm o direito de
participar das discussões e deliberações públicas da polis, votando ou
revogando decisões.
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todos os cidadãos têm competência para opinar e decidir, pois a política
não é uma questão técnica (eficácia administrativa e militar) nem científica
(conhecimentos especializados sobre administração e guerra), mas uma ação
coletiva, isto é, decisão coletiva sobre os interesses e direitos da própria polis.
Ampliando a participação
A democracia ateniense era direta. A moderna, porém, é representativa.
O direito à participação tornou-se indireto, por meio da escolha de
representantes. Ao contrário dos outros dois direitos, este último parece ter
sofrido diminuição mais que ampliação (afirmação verdadeira e falsa):
verdadeira: porque a república liberal tinha a tendência de limitar os
direitos políticos aos proprietários privados dos meios de produção e aos
profissionais liberais da classe média, aos homens adultos “independentes”.
falsa: porque a democracia moderna foi instituída na luta contra o Antigo
Regime, ampliando a participação dos cidadãos ainda que sob a forma de
representação.
As lutas socialistas e populares: forçaram a ampliação dos direitos
políticos com a criação do sufrágio universal (todos são cidadãos eleitores:
homens, mulheres, jovens, negros, analfabetos, trabalhadores, índios) e a
garantia da elegibilidade de qualquer um que, não estando sob suspeita de
crime, se apresente para um cargo eletivo.
As lutas por igualdade e liberdade ampliaram os direitos políticos (civis) e,
a partir destes, criaram os direitos sociais – trabalho, moradia, saúde,
transporte, educação, lazer, cultura -, os direitos das chamadas “minorias” –
mulheres, idosos, negros, homossexuais, crianças, índios – e o direito à
segurança planetária – as lutas ecológicas e contra as armas nucleares.
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Traços da democracia
A sociedade democrática institui direitos pela abertura do campo social à
criação de direitos reais à ampliação de direitos existentes e à criação de novos
direitos. Dois traços distinguem a democracia de todas as outras formas sociais
e políticas:
1. A democracia é a única sociedade e o único regime político que
considera o conflito legítimo (contra poder social – de forma direta ou indireta
limita o poder do Estado);
2. A democracia é a sociedade verdadeiramente histórica, isto é, aberta
ao tempo, ao possível, às transformações e ao novo.
Pela criação de novos direitos e pela existência de contra poderes sociais,
a sociedade democrática não está fixada numa forma para sempre
determinada, ou seja, não cessa de trabalhar suas divisões e diferenças
internas, de orientar-se pela possibilidade objetiva (a liberdade) e de alterar-se
pela própria práxis.
Obstáculos à Democracia
Liberdade, igualdade e participação conduziram à célebre formulação da
política democrática como “governo do povo, pelo povo e para o povo”.
Entretanto, o povo está dividido em classes sociais – sejam os ricos e os
pobres (Aristóteles), os grandes e o povo (Maquiavel), seja as classes sociais
antagônicas (Marx).
A sociedade democrática não esconde suas divisões, mas procura
trabalhá-las pelas instituições e pelas leis.
No capitalismo, são imensos os obstáculos: o conflito de interesses é
criado pela exploração de uma classe social por outra, mesmo que a ideologia
afirme que todos são livres e iguais.
As lutas populares nos países de capitalismo avançado ampliaram os
direitos dos cidadãos e a diminuição da exploração dos trabalhadores – Estado
do Bem-Estar Social.
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Um preço a pagar: a exploração mais violenta do trabalho pelo capital
recaiu nas costas dos trabalhadores dos países desenvolvidos – divisão
internacional do trabalho e da exploração.
Estado do Bem-Estar Social
Características da economia política que sustentava o Estado de Bem-
Estar Social:
1.O fordismo na produção – controle da organização do trabalho, da
produção de grandes estoques e dos preços mediante o planejamento e a
chamada “gerência científica”.
2.A inclusão crescente dos indivíduos no mundo trabalho, orientando-se
pela ideia de pleno emprego.
3.Monopólio e oligopólio que, embora transnacionais ou multinacionais,
tinham como referência reguladora o Estado nacional. Para que essa economia
realizasse o bem-estar foi preciso que o Estado interviesse nela como
regulador ou parceiro.
Fragilidade nos dias atuais – mudança profunda no modo de produção
capitalista a partir do momento em que o modo de produção capitalista passou
a enfrentar a crise do Estado do Bem-Estar Social recorrendo ao
neoliberalismo e à ideia liberal de autocontrole da economia pelo mercado
capitalista, afastando a presença do Estado do planejamento econômico e da
aplicação dos fundos públicos para a garantia de direitos sociais.
Neoliberalismo
É uma teoria econômico-política formulada por um grupo de economistas,
cientistas políticos e filósofos que se opunha ao surgimento do Estado de Bem-
Estar Social. Navegando contra a corrente das décadas 1950 e 1960, esse
grupo elaborou um detalhado projeto econômico e político que atacava o
Estado do Bem-Estar Social com seus encargos sociais e com a função de
regulador das atividades do mercado. Afirmava que esse tipo de experiência
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destruía a liberdade dos cidadãos e a competição, sem as quais não há
prosperidade.
Abandono das políticas sociais privatização.
Abandono do planejamento econômico desregulação.
Os direitos econômicos e sociais conquistados pelas lutas populares
correm perigo por causa da privatização, do encolhimento da esfera pública e
do alargamento da esfera dos interesses privados.
Estado liberal e Estado democrático é interdependente em dois modos:
na direção que vai do liberalismo à democracia, no sentido que são
necessárias certas liberdades para o exercício correto do poder democrático, e
na direção oposta que vai da democracia ao liberalismo, no sentido de que é
necessário o poder democrático para garantir a existência e a persistência das
liberdades fundamentais. Em outras palavras: é pouco provável que um estado
não liberal possa assegurar um correto funcionamento da democracia, e de
outra parte é pouco provável que um Estado não democrático seja capaz de
garantir as liberdades fundamentais. A prova histórica desta interdependência
está no fato de que o Estado liberal e o estado democrático, quando caem,
caem juntos.
A Democracia como Ideologia
O Estado de Bem-Estar social foi implantado nos países capitalistas
avançados do hemisfério norte com o nome de Welfare State. Surgiu durante a
Guerra Fria como defesa capitalista de prevenção ao nazifacismo e à
Revolução comunista, pois enquanto explodia uma crise mundial, os sistemas
acima criticavam acirradamente os princípios liberais (bases do capitalismo),
fazendo com que os trabalhadores encontrassem neles contrapontos para as
desigualdades do capital. Assim, o Estado de Bem-Estar social foi uma prática
política para tentar corrigir os problemas econômicos e sociais inerentes à sua
estrutura desigual. Mais à frente, tal postura foi implementada nos países do
chamado Terceiro Mundo, para que nenhuma Revolução eclodisse, como que
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uma medida apaziguadora, uma reforma no Estado prevenindo qualquer
Revolução.
O Estado passa a intervir na economia, investindo em indústrias estatais,
subsidiando empresas privadas, controlando taxas de juros, preços e salários.
Também assume um montante de encargos sociais: saúde, educação,
moradia, transporte, previdência social e seguro-desemprego, além de atender
a demandas da cidadania, como o sufrágio universal. No Brasil, quem
implantou tal modelo de prática política foi o estadista Getúlio Dorneles Vargas,
a partir da década de 1930.
O ex-presidente Getúlio Vargas e Franklin Roosevelt: a exemplo dos
Estados Unidos, o Brasil incorporou o Estado de Bem-Estar social para evitar
maiores insatisfações populares com as desigualdades sociais gritantes.
Os países mais fortes do bloco capitalista criaram outras medidas para
controlar suas “colônias”, como o Banco Mundial para o Desenvolvimento (BID)
e o Fundo Monetário Internacional (FMI), os quais fizeram enormes
empréstimos financeiros para investir em serviços sociais de seus interesses e
em empresas estatais. Por outro lado, com requintados serviços de
espionagem e uma fortíssima força bélica, ofereciam apoio e inteligência militar
para reprimir revoltas populares e Revoluções, o que estimulou a proliferação
de Ditaduras e regimes autoritários, como o caso do Brasil em 1964.
E, cinicamente, no centro do discurso político capitalista, temos a defesa
da Democracia. Na verdade, os países do bloco socialista defendiam uma
Democracia Social contra as desigualdades das Democracias Liberais, que
abandona a sociedade aos interesses dos ricos e poderosos. Enquanto isso, os
Estados capitalistas usavam do discurso da Democracia contra os
totalitarismos de discursos sociais, e se equilibrava entre a opressão e a
liberdade, a Ditadura e a Democracia. A única verdade que podemos ver entre
este joguete de bem e mal (pensamento maniqueísta) é que a Democracia se
firma como uma ferramenta ideológica que omite o que, no fundo, ela defende
nas entrelinhas, dependendo do sistema políticoeconômico.
Liberalismo e Estado de Bem-Estar social (ou socialdemocracia) se
diferem em relação aos direitos que defendem, mas se assemelham por serem
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regimes de Lei e Ordem para garantirem liberdades individuais. Isso gera
quatro condições, no mínimo, complicadas:
Liberdade e competição são positivas, tanto como competição econômica
(livre iniciativa) quanta competição política entre partidos;
A Lei serve para limitar o poder político contra a Tirania e para garantir os
governos escolhidos pela vontade da maioria;
A Ordem para conter os conflitos sociais, impedindo a luta de classes (o
interesse dos economicamente excluídos contra os interesses das elites
econômicas) seja por repressão, seja por atender demandas sociais (emprego,
educação, moradia, saúde, etc.).
Assim a Democracia torna a política um instrumento de poucos (políticos
profissionais), o que, de um lado forma uma elite de técnicos competentes à
direção do Estado (evitando que extremistas e radicais tomem a cena política),
enquanto, de outro, omite o povo de seus direitos políticos de cidadão, tendo
apenas o papel de votar a cada quatro anos (passando assim seus direitos de
escolha política às mãos de um representante).
A Democracia se torna um regime político eficaz, baseado na ideia de
cidadania política organizada em partidos políticos, manifestada no processo
eleitoral, na rotatividade de governantes e nas soluções técnicas (não políticas)
para problemas sociais. Assim, de acordo com o economista, filósofo e
sociólogo alemão Karl Marx, a Democracia é uma ideologia política, formalista
jurídica pelo direito de cidadania. Ou seja, defende tais direitos em meio a uma
sociedade estruturada de maneira que tais direitos inexistem para a maioria da
população. Democracia formal, e não concreta.
A Sociedade Democrática
Na prática democrática há uma verdade que tal ideologia deixa
transparecer. Primeiro, eleições são meramente a rotatividade de governos ou
a alternância do poder. O poder se torna um lugar vazio preenchido por
representantes periódicos, e não identificado com os ocupantes do governo.
Situação e oposição, maiorias e minorias: a sociedade é tratada como
internamente dividida (legitimamente) e essa divisão é publicamente expressa.
A democracia, assim, é a única forma política que legaliza e legitima o conflito.
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Em segundo, igualdade e liberdade como direitos civis: ao tratar o
cidadão um sujeito de direitos, se tais direitos não existem, é certo o direito (e o
dever) de lutar por eles e exigi-los. Temos aqui o cerne da Democracia. Direito
não é necessidade, carência ou interesse, características individuais que são
tantas quanto os grupos sociais representados no país. Direito não é algo
particular ou específico, mas sim geral e universal válido para todos os
indivíduos, grupos e classes sociais. Uma sociedade é realmente democrática
quando, além de eleições, partidos políticos, três poderes, respeito à vontade
da maioria e das minorias, institui direitos.
Quando a Democracia foi inventada pelos atenienses, originalmente
defendia três direitos essenciais: igualdade, liberdade e participação no poder.
Igualdade significa igualar os desiguais, seja por redistribuição de renda,
seja por garantir a participação política. Mais à frente, Karl Marx defendeu que
só haveria igualdade se extinguissem escravos, servos e assalariados
explorados. A mera declaração de igualdade não quer dizer que
automaticamente todos são iguais, mas que deve se instituir um instrumento
eficaz para aplicá-la.
Liberdade significa o direito de qualquer cidadão expor em público
interesses e opiniões, debatê-los e acatar a decisão pública da maioria (sendo
aprovado ou rejeitado). Após a Revolução Francesa, este direito se ampliou
para a independência para escolher o ofício, o local de moradia, o tipo de
educação, o cônjuge - consequentemente, a recusa das hierarquias
supostamente divinas ou naturais. Também se acrescentou o direito que todos
são inocentes até que se prove o contrário perante tribunal (e liberação ou
punição devem ser dadas perante a lei). Os movimentos sociais ampliaram a
liberdade ao direito de lutar contra todas as tiranias, censuras e torturas, contra
toda exploração e dominação, seja social, religiosa, econômica, cultural ou
política. Assim como a igualdade, o direito à liberdade é o dever de se instituir
ferramentas para aplicá-la.
Participação no poder significa que todo cidadão tem competência para
opinar e decidir, já que política não é uma questão técnica nem científica, mas
uma ação coletiva. Da Democracia ateniense direta, passamos à moderna
Democracia representativa, com o direito à participação indireta através de
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representantes. Surge o sufrágio universal e a garantia de que qualquer um
possa se candidatar para ser representante (desde que não esteja sob suspeita
de crime). Mais uma vez, temos a criação de um direito que necessita de
ferramentas para se aplicar.
A supremacia norteamericana: endividamento dos países “colonizados” e
apoio logístico e militar na resolução de mobilizações populares. Democracia?
Assim, a Democracia se distingue por ser:
A única sociedade e regime que considera o conflito legítimo, como direito
a ser reconhecido e respeitado, o que, quando organizado socialmente, limita o
poder do Estado;
Uma sociedade verdadeiramente histórica, isto é, aberta ao tempo, ao
possível, às transformações e ao novo. Logo, se transforma ao longo dos
tempos para se moldar às novas necessidades.
Assim, temos a política democrática como o governo do povo, pelo povo e
para o povo. Entretanto, existem as classes sociais que subdividem o povo em
classes sociais antagônicas (como definido por Marx). A sociedade
democrática não esconde suas divisões, mas as trabalha pelas instituições e
leis. Todavia, dentro do capitalismo, o conflito de interesses é posto pela
exploração de uma classe social por outra, mesmo que, ideologicamente, se
afirme que todos são livres e iguais. Grandes obstáculos à verdadeira
Democracia. As lutas sociais nos países de capitalismo avançado garantiram
direitos e atenuaram tais dificuldades, mas por outro lado, os encargos destas
conquistas recaíram sobre os trabalhadores dos países do Terceiro Mundo.
Coincidentemente, enquanto nos países de capitalismo avançado se
conquistavam tais direitos, nos países do Terceiro Mundo se implantavam os
Regimes Ditatoriais.
Nos dias atuais esta situação fica mais complicada, pois as mudanças
nos modos de produção capitalista contemporânea adaptam os mercados toda
vez que surge uma crise, deixando os custos da crise para a população
economicamente mais pobre: o Neoliberalismo implica no abandono do Estado
de Bem-Estar social (privatização) e o retorno da ideia de autocontrole da
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economia pelos mercados, afastando o Estado de tais decisões
(desregulação). Soma-se a isto o avanço dos meios de comunicação e de
tecnologias eletrônicas, como mudanças na automação da produção e na
distribuição dos produtos, o que acarreta em desemprego em massa,
movimentos racistas e exclusão social, política e cultural. Direitos conquistados
tornam-se frágeis, pois os trabalhadores não são mais tão necessários neste
novo cenário.
Outros obstáculos à Democracia situam-se também na questão que tange
à participação política. A partir da segunda metade do século XX, surge um
novo modelo de divisão social: dirigentes (recebem educação científica e
tecnológica) e executantes (por não possuir conhecimentos tecnológicos ou
científicos, apenas executam tarefas, sem conhecimento das finalidades de
suas ações, considerados incompetentes e destinados a obedecer). Desta
divisão, surge à capacidade contemporânea de quem manda e quem obedece,
e deste fator temos uma nova ideologia: a competência tecnocientífica, ou seja,
conhecimentos dão o poder de mando e direção. Com o fortalecimento da
mídia, tal ideologia invadiu à política, de maneira que um indivíduo, para se
candidatar a algum cargo, deve ser considerado um administrador competente.
Política, assim, deixa de ser uma ação coletiva de todo e qualquer cidadão.
Além disto, para ser “competente”, deve ter recursos financeiros para estudar e
adquirir tais conhecimentos - ou seja, “competentes” são sempre da classe
economicamente dominante (o que gera interesses de classes acima de
interesses coletivos e públicos). Por último, os meios de comunicação de
massa em sua maioria estão vinculados à grupos de interesses econômicos, o
que pode acarretar em informações transmitidas de maneira deturpada durante
e fora dos períodos eleitorais. Esta informação é a base de que quase todos os
eleitores se utilizam para se decidirem no momento do voto.
Ainda assim, deve-se lembrar de que, mesmo com todos os obstáculos
apresentados, somente em uma sociedade democrática podemos notá-los,
discuti-los e superá-los.
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Dificuldades para a Democracia no Brasil
Após o regime Militar, definiu-se que no Brasil implantou-se a
Democracia, pois, a partir de então, temos eleições, partidos políticos, divisão
da República em três poderes, liberdade de pensamento e expressão,
contrapostos ao Autoritarismo (golpe de Estado, sem eleições ou partidos
políticos, o poder Executivo domina os outros dois, há censura do pensamento
e da expressão, além da prisão de inimigos políticos). Portanto, ao contrapor as
condições do Estado brasileiro, define-se o Brasil como uma Democracia. Mas
esta visão exclui o autoritarismo social, muito presente em nosso país. Nossa
sociedade é hierárquica, entre inferiores que obedecem e superiores que
mandam. Além disso, temos um Autoritarismo violento, baseado em racismo,
machismo, discriminação religiosa, social, desigualdade econômica, exclusão
cultural e política. Deste modo, a prática da igualdade e da liberdade fica
debilitada. Desta maneira, a sociedade brasileira fica polarizada entre
carências das classes populares e os interesses das elites dominantes, sem
alcançar a esfera dos direitos, transforma esta mesma polarização entre
despossuídos e privilegiados. E tais privilegiados são os considerados
competentes para a direção da sociedade.
Entre privilégios e carências, dissipasse a questão dos Direitos Universais
do ser humano.
Outro problema é o modelo dos partidos políticos, que basicamente se
dividem em três:
Clientelistas, que mantêm relações de favores com seus eleitores;
Populistas, que tratam seus eleitores como um pai de família trata seus
filhos menores;
Vanguardistas, que substituem seus eleitores pela vontade dos
dirigentes.
Favores, paternalismo ou substituição evidenciam a indústria política, uma
criação de imagem dos representantes por meio da mídia de massa, o que
transforma eleitores em consumidores. Também a estrutura social de nosso
país alimenta um imaginário de um político autoritário, “salvador da nação”,
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quase que um messias enviado por Deus e referendado pelo voto da maioria, o
que transforma eleitores em votantes (da escolha à delegação da competência
de escolher para alguém). Uma espécie de concepção teocrática em que
governantes são quase divindades e que suas escolhas têm força de lei.
As leis brasileiras não são compreendidas por boa parte da população, o
que as transformam em algo alheio às suas vidas.
As leis, por serem um espelho de privilégios (de dominantes) ou vontades
(do governante), ficam longe de ser expressão de direitos ou decisões
coletivas. O Judiciário é quase incompreensível, algo misterioso, místico, o que
faz das leis incompreensíveis e ineficientes (daí a origem ao “jeitinho brasileiro”
de transgredir normas para obter o almejado).
De acordo com as palavras de Marilena Chauí, “a Democracia, no Brasil,
ainda está por ser inventada”.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
*CHAUÍ, Marilena. Filosofia. Ed. Ática. SP
.
*COTRIM, Gilberto. Fundamentos da Filosofia. Ed. Saraiva. SP.
*SOUZA, Sônia Maria Ribeiro de. Um Outro Olhar. FTD. SP.
*ARANHA, Maria Lúcia de Arruda & Maria Helena Pires. Temas de
Filosofia. Ed. Moderna. SP.
*SÀTIRO, Angélica & Ana Miriam Wuensch. Pensando Melhor, Iniciação
ao Filosofar. Ed. Saraiva. SP.
*ARANHA, Maria Lúcia de Arruda & Maria Helena Pires Martins.
Filosofando, Introdução à Filosofia. Ed. Moderna. SP.
Sites de Filosofia.