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SUBSÍDIOS PARA UMA DIDÁCTICA COMUNICACIONAL NO ENSINO- APRENDIZAGEM DA FILOSOFIA JOAQUIM NEVES VICENTE Introdução É naturalmente com muitas dúvidas e algumas reservas que se traz a público um trabalho ainda em curso, particularmente quando o seu objecto versa uma matéria tão controversa e difícil, atravessada até por antino- mias às vezes paralizantes, como é a Didáctica da Filosofia. Talvez por isso mesmo, pouco, muito pouco mesmo, se tem investigado e escrito sobre o assunto. À dificuldade e ao carácter controverso da matéria, junta- -se o crivo crítico do auditório filosófico, sempre pronto a fazer jus às suas exigências e ao seu rigor analítico, neste como noutros domínios, ainda que nem sempre tão criador de alternativas quão destruidor de pro- jectos. A estes elementos deve acrescentar-se ainda o facto de até ao pre- sente a Didáctica da Filosofia não ter atingido, entre nós, a importância suficiente para ser considerada, de pleno direito, uma cadeira universitária. Disciplina madrasta, indigna da consideração de muitos professores uni- versitários, entregue a alguns docentes (vindos) do ensino secundário, introduzida, de fora, nos curricula das licenciaturas de Filosofia que agora se completam com a "formação educacional" das Faculdades de Letras, ou presente na componente teórica da "formação em serviço" assegurada pela Universidade Aberta, pelas Escolas Superiores de Educação e, em alguns casos, pelas próprias Faculdades de Letras, a Didáctica da Filosofia "goza" de um estatuto ambíguo e de uma situação institucional pouco dignificante. Cientes da dificuldade do tema e do rigor impiedoso da crítica, mas também convictos da irrecusabilidade da reflexão que sobre o tema se faz sentir cada vez com mais acuidade, propomos este primeiro texto de ensaio subordinado ao cauteloso título de "Subsídios para uma Didáctica Revista Filosófica de Coimbra-2 (1992) pp. 321-358

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SUBSÍDIOS PARA UMA DIDÁCTICA COMUNICACIONALNO ENSINO-APRENDIZAGEM DA FILOSOFIA

JOAQUIM NEVES VICENTE

Introdução

É naturalmente com muitas dúvidas e algumas reservas que se traz apúblico um trabalho ainda em curso, particularmente quando o seu objectoversa uma matéria tão controversa e difícil, atravessada até por antino-

mias às vezes paralizantes, como é a Didáctica da Filosofia. Talvez por

isso mesmo, pouco, muito pouco mesmo, se tem investigado e escrito

sobre o assunto. À dificuldade e ao carácter controverso da matéria, junta-

-se o crivo crítico do auditório filosófico, sempre pronto a fazer jus às

suas exigências e ao seu rigor analítico, neste como noutros domínios,

ainda que nem sempre tão criador de alternativas quão destruidor de pro-

jectos. A estes elementos deve acrescentar-se ainda o facto de até ao pre-

sente a Didáctica da Filosofia não ter atingido, entre nós, a importância

suficiente para ser considerada, de pleno direito, uma cadeira universitária.

Disciplina madrasta, indigna da consideração de muitos professores uni-

versitários, entregue a alguns docentes (vindos) do ensino secundário,

introduzida, de fora, nos curricula das licenciaturas de Filosofia que agora

se completam com a "formação educacional" das Faculdades de Letras,

ou presente na componente teórica da "formação em serviço" assegurada

pela Universidade Aberta, pelas Escolas Superiores de Educação e, em

alguns casos, pelas próprias Faculdades de Letras, a Didáctica da Filosofia

"goza" de um estatuto ambíguo e de uma situação institucional pouco

dignificante.

Cientes da dificuldade do tema e do rigor impiedoso da crítica, mas

também convictos da irrecusabilidade da reflexão que sobre o tema se faz

sentir cada vez com mais acuidade, propomos este primeiro texto de

ensaio subordinado ao cauteloso título de "Subsídios para uma Didáctica

Revista Filosófica de Coimbra-2 (1992) pp. 321-358

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Comunicacional do Ensino-Aprendizagem da Filosofia", ou do filosofar,se se preferir'.

Trata-se de um primeiro e breve ensaio que se concretiza apenas emalguns, poucos, subsídios para uma didáctica da filosofia cuja notadistintiva é a dimensão comunicacional e cujo horizonte de concretizaçãoé o ensino-aprendizagem da Filosofia na educação secundária2.

A ideia reitora a que obedeceu o presente ensaio foi esta: estabelecerde fornia coerente e sistemática as relações que necessariamente existementre Filosofia, Educação e Comunicação para, num segundo momento,desenhar o projecto de uma didáctica da Filosofia para a educação secun-dária em conformidade e na decorrência das articulações estabelecidasentre aqueles três conceitos e realidades intrinsecamente interdependentese indissociáveis que, do nosso ponto de vista, sobredeterminam o estatuto,a função, os princípios orientadores, os procedimentos e as metodologiasdo ensino-aprendizagem da Filosofia no ensino secundário.

Assim, num primeiro momento, procuraremos estabelecer as relaçõesque unem Filosofia e Educação. Insistiremos sobretudo na necessidadede uma Filosofia da Educação e na urgência de uma ideia reguladora, derecorte filosófico, de Educação e de Escola.

Num segundo momento, vamos ater-nos à relação que necessaria-mente existe entre Educação e Comunicação, defendendo o primado darelação e da comunicação na acção educativa e pedagógica. Ou seja, pro-curaremos mostrar que educar e ensinar é fundamentalmente partilhar,comunicar e dialogar.

Num terceiro momento, ousaremos articular Filosofia e Comunicaçãocom o intuito de delinear os contornos do que entendemos por "didácticacomunicacional3 para o ensino-aprendizagem da Filosofia" na educaçãosecundária. Neste terceiro momento consideraremos também alguns dosproblemas teóricos e práticos que se colocam hoje no domínio das didác-ticas, em geral, e no domínio da Didáctica da Filosofia, em particular.

1 Permita - nos o leitor mais crítico a utilização ao longo do texto da expressão, poucoexacta, "ensino -aprendizagem da Filosofia", não obstante reconhecermos as justasadvertências de E. Kant na "Informação acerca dos seus cursos no semestre de Invernode 1765-1766" de que a filosofia não é ensinável , de que ninguém pode aprender filosofiae de que o que se tem de aprender é a filosofar.

2 Apesar de uma clara orientação para a didáctica da filosofia, entendemos quemuitos dos pressupostos e fundamentos invocados neste ensaio para a definição de umadidáctica comunicacional podem também ser tomados como suportes apropriados àsdidácticas de outras disciplinas . Referimo -nos naturalmente apenas às articulações entreeducação , escola e filosofia (da educação ) e sobretudo às articulações entre educação ecomunicação.

3 O conceito de "didáctica comunicacional" será esclarecido dedutivamente no final,depois de se ter feito um percurso que lhe dará sentido.

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Terminaremos, a jeito de conclusão, com uma proposta de definiçãode "didáctica comunicacional".

1. Filosofia e (como) educação

1.1. Da necessidade de uma Filosofia da (na) Educação

Em um outro lugar (1988,pp.36-43) onde estabelecemos algumasrelações entre "Educação, Escola e Filosofia", assim como na dissertaçãode mestrado que leva o título "Educação, Diálogo e Filosofia... "(1991)defendemos já a necessidade de se re-pensar, hoje, em sede de razãofilosófica, a educação e a escola e as relações de dependência que uma eoutra guardam com a filosofia e esta com aquelas.

Educação e escola, duas ideias e duas realidades que, desde as ori-gens, carreiam a marca da filosofia e que ao longo da sua história semprese mantiveram no centro das reflexões e preocupações filosóficas, têmsido, nos últimos tempos, objecto de enorme marginalização por parte daFilosofia, enquanto outras ciências, com destaque para a Psicologia, sevêm constituindo como "ciências (donas) da educação".

Hoje, talvez mais do que nunca, impende sobre a Filosofia, sobre os"profissionais" da Filosofia, o imperativo ético de re-emprestar àEducação e à Escola uma razão crítica e emancipatória, quanto mais nãofosse para contrabalançar o predomínio da razão técnico-instrumental queparticulariza hoje, em boa parte, a intervenção das referidas "ciências daeducação".

Existem, no entanto, outras e mais bem fundadas razões para aaproximação mutuamente vantajosa entre Educação e Filosofia. Educação

e Filosofia são duas realidades que se interpenetram, sobrepõem e, em

parte, se (con)fundem.Constatamos, por um lado, que a Filosofia viveu e se desenvolveu ao

longo dos tempos fundamentalmente na educação e mais exactamente nainstituição escolar e, por outro, que a sua função, desde a Grécia atépraticamente aos nossos dias, com destaque para alguns períodos comoas Luzes, se confunde ou dificilmente se deixa distinguir da funçãoeducativa e pedagógica, em sentido lato. Perante uma tal constatação, amuito custo se compreenderá que a Filosofia deixe de considerar, comosua alteridade privilegiada e sua matéria-prima preferencial de reflexão,a educação e a escola com os problemas que uma e outra necessariamentesuscitam. Na Grécia, a filosofia nasceu na e para a educação, constituindo-se aí como sua referência suprema e sua ciência arquitectónica.

Se ultrapassarmos o nível pré-reflexivo da pura acção educadora quesempre foi e será levada a cabo, sob a forma de um rito social de

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iniciação, pelas gerações adultas relativamente às gerações mais jovens;se não confundirmos os fenómenos da enculturação e da socialização,eminentemente sociais, não intencionais e a-críticos, com a intervençãoconsciente, intencional e reflectida da educação; se distinguirmos osplanos da educação como adaptação, integração e aprendizagem social daeducação como crítica da cultura e da sociedade, é com alguma difi-culdade que distinguiremos filosofia de educação. Na Grécia, como nasLuzes, a distinção esbate-se por completo. Em Atenas, é a própria filoso-fia que nasce e se constitui sob a pressão directa dos problemas daeducação a que urgia dar uma resposta.

As estreitas relações que a filosofia guarda com a educação e a educa-ção com a filosofia ou, na versão de outros, as relações que a filosofiaguarda com a pedagogia foram já objecto de múltiplas articulações.

Enquanto alguns sobrepõem ou fazem coincidir a educação (ou apedagogia) com a filosofia, como acontece em Gentile; outros, comoDilthey e Spranger, consideram a educação (ou a pedagogia) como aculminação, a realização ou o pôr em prática da filosofia. J. Dewey vaiao ponto de definir a "filosofia como a teoria geral da educação"(DEWEY, 1971, p.389). Outros há que, não obstante a consideração deuma nítida distinção entre os dois domínios, postulam, no entanto, adependência da educação (ou da pedagogia) relativamente à filosofia, oque em muitos casos se pode interpretar como significando que cabe àfilosofia o estatuto de ciência arquitectónica da educação.

Só o cientificismo recente ousou quebrar esse vínculo secular advo-gando que a educação nada tem a ver com a filosofia, substituindo a tra-dicional designação de "pedagogia" por "ciências da educação".A pretensão de uma ciência da educação ou de um tratamento puramentecientífico da educação é, pois, uma pretensão relativamente recente e tar-dia na história, quase sempre inseparável, da educação e da filosofia.

Confrontados com o recente divórcio entre educação e filosofia,convictos de que urge, de facto, repensar um novo modo de presença dafilosofia na educação e também da educação na filosofia, procurámos, noreferido texto de 1991, precisar o sentido de uma filosofia da ou naeducação e, ao mesmo tempo, delinear os contornos de uma ideiareguladora de educação e de escola para os nossos tempos. Retomamosaqui algumas das conclusões a que fomos chegando.

Parece-nos um facto inquestionável que faz falta uma filosofia da ouna educação:

- que se constitua como uma hermenêutica crítica da acção educativae das práticas pedagógicas vigentes;

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- que contribua para uma desocultação dos sentidos, dos equívocose dos pressupostos que habitam a acção, os discursos e as práticaseducativas e até da investigação em educação;

- que intervenha de forma criteriosa na clarificação da redeconceptual da linguagem educativa e pedagógica frequentementeambígua, vaga e imprecisa, às vezes feita de "slogans";°

- que contribua também para uma vigilância apertada relativamenteàs ideologias e ao poder;

- que se assuma como esfera privilegiada da procura racionalintersubjectiva e dialógica de sentido(s) para a educação, mediantea reabertura incessante da reflexão sobre o que significa e implicaaqui e agora educar, por forma a que se encontre para o nossotempo uma ideia reguladora de educação e de escola;

- que se empenhe sobretudo na procura do ser e, mais ainda, dopoder-ser da educação.

Atribuímos a esta última tarefa uma relevância particular. Mais doque uma teoria ou uma filosofia da educação, isto é, sobre a educação,como se esta fosse um objecto; aquilo de que necessitamos é de umateoria ou de uma filosofia parti a educação. A educação não é tanto ounão deveria ser tanto um objecto constituído, sobre o qual se investiga ese faz teoria, mas antes uni projecto a definir e a realizar. O que faz faltanão é tanto uma ciência da educação que já temos, que está aí; mas an-

tes uma ideia reguladora, uma "tlieoria" da educação que ainda não é,mas que pode vir a ser. O nosso desacordo, os nossos equívocos e a nossa

ignorância situam-se sobretudo ao nível do que a educação deve ser.

Tivéramos nós uma tal ideia; meios e conhecimentos para a realizar não

nos faltariam.Contrariamente ao que muitos filósofos-pedagogos advogaram no

passado, não ousamos, no entanto, propor a filosofia como ciênciaarquitectónica e principia) da educação. Para nós ciência alguma é ciênciadona da educação. É num registo de transdisciplinaridade5, em torno de

° Sobre a necessidade da clarificação da rede conceptual dos discursos relativos à

educação e à pedagogia pode consultar-se: W. BREZINKA, Conceptos Básicos de IaCiencia de Ia Educación, Barcelona, Herder,1990; e O. REBOUL, Le Langage de

I'Éducation, Paris, PUF,1984. É a O. Reboul que se deve a aproximação de alguns

"imperativos" actuais em educação e pedagogia a "slogans". Entre outros, o autor analisa

os seguintes : "a escola na vida" ou " a vida na escola", "o ensino mata a aprendizagem",

"aprender a aprender", "a escola ao serviço da ideologia dominante" .

5 Usamos o conceito de "transdisciplinaridade" num sentido próximo do que lhe foi

dado por J. Cardinet e M. Schmitz em "Critères pour une catalogue des recherches

pédagogiques" in Pedagogica Europea, XI, 1976/1. Queremos referir-nos a uma instância

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projectos concretos e localizados , que entendemos situar o novo modo depresença da filosofia na educação . Não subscrevemos as posições datradicional filosofia metafísica da educação que definia a priori, abstracta,

dogmática e totalizadoramente as finalidades da educação que a práticaeducativa deveria realizar no processo educativo . Preferimos até usar aexpressão mais modesta de "filosofia na educação " em substituição dadesignação tradicional de "filosofia da educação " por se tratar de uma

expressão susceptível de introduzir de novo a ideia de que compete apenas

à filosofia a determinação exclusiva das finalidades da educação e odireito ao exercício de uma jurisdição e tutela sobre a pedagogia e asdemais ciências que naturalmente intervêm também na educação e decujos resultados a educação tanto precisa.

É nossa convicção , no entanto, que a pretensão recente das ciênciasda educação de fazer a economia da reflexão filosófica foi, por certo, umdos maiores equívocos no qual caíram as investigações do nosso séculoem matéria de educação e pedagogia . Com pertinência observa J.Boutaud , citado por A. D.CARVALHO ( 1988, p . 128): "a pedagogia sema filosofia da educação que abre perspectivas , que se esforça por separaro essencial do episódico , não pode senão degradar-se como sub -cultura,retalhar - se em técnicas , em ideias , em slogans: o mesmo é dizer emvulgarizações dogmáticas . Atingir a filosofia com o ostracismo conduziriaa fechar os professores e os educadores numa concepção estreita do seutrabalho e a afastá-los dos meios suplementares para uma superação dodado."

1.2. Da necessidade de urna ideia reguladora de educação e de escola

À falta de outras instituições que dêem satisfação a necessidades efunções sociais relevantes como a educação permanente, a formaçãotecnológica e profissional, a educação física e ainda a ocupação dos tem-pos livres, a animação cultural e recreativa, etc., vem-se pedindo à escolamuito, demasiado mesmo, correndo-se o risco de ela não poder dar senãomuito pouco e, pior ainda, de má qualidade; incapaz, por via de tantasexigências e pedidos das mais diversas educações (ambiental, nutricional,sexual, intercultural, etc.), de dar satisfação àquela que era tradicional-mente a sua função principal: a instrução.

Infectada por ideologias e interesses imediatos, pressionada por modaspedagógicas "à Ia carte", desagregado o corpus clássico das disciplinas

de trabalho em que, em torno de um mesmo objecto /projecto de educação , se reuniriamhomens provindos de diversas áreas disciplinares dispostos a, em comum , pensarem finse alvos, metas e objectivos , métodos e técnicas , investigação e acção.

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escolares , requisitada para prestar serviços complementares no domíniodas "novas educações"6 que lhe aumentaram e pulverizaram de mil e umadisciplinas os seus currículos já pesados, cada vez mais preocupada coma formação de funcionários e técnicos do que com a formação de homenslivres e de cidadãos, apressadamente profissionalizante, inquieta edesafiada pela sua concorrente a "escola paralela"; a escola, incerta dassuas finalidades e das suas funções específicas, vive e experiência hojeuma profunda crise de identidade.

Ora, é precisamente num tempo e num contexto em que, mais do queem quaisquer outros, parece irrecusável um debate em torno dasfinalidades da educação e da escola que, paradoxalmente, se faz aeconomia da única reflexão que poderá emprestar sentido, ordem e rumoà questão dos fins: a reflexão em sede de razão filosófica. Como se podeler no "editorial" do volume publicado pela Associação de Professoresde Filosofia - A Filosofia face à Cultura Tecnológica - "o vínculoFilosofia/Escola é uma forma talvez indispensável de a Escola não traira sua vocação mais funda".

Do nosso ponto de vista, o que faz efectivamente falta à educação eà escola, hoje, é uma ideia reguladora, de recorte filosófico, do que sejaeducar, de qual deve ser a função específica da escola, do estatuto e daimportância do conhecimento reflexivo e crítico para a formação e

6 A revista Perspectives da UNESCO, no seu número 73 (1990/1) publicou umaexcelente reflexão de G. Gozzer na qual o professor italiano dá conta das pressões quehoje se estão a fazer sobre a escola para dar sequência a novos pedidos de educação quenunca fizeram parte dos currículos tradicionais tais como : educação ambiental , educaçãoanti -droga, educação anti-tabágica, educação sexual, educação anti-racista, educação paraa televisão , educação nutricional , educação para a defesa dos animais , etc., com as quaisa escola parece estar a tornar - se uma caixa de ressonância dos problemas sociais, cujafunção seria a de terapeuta social ou ortopedia social. Para além de descrer da possibilidadede a escola poder desempenhar correctamente tais funções, o autor teme sobretudo pelasua descaracterização e pela diminuição grave daquela que foi sempre a sua primordialfunção: instruir . É com estas palavras que dão, de facto, que pensar que G.Gozzer concluio seu artigo : "A escola tem por missão ensinar , transmitir a posse dos signos através dosquais se comunica , em toda a sua diversidade : signos alfabéticos, numéricos, gráficos,informáticos . Retirar- lhe estas obrigações essenciais e indispensáveis ou subordiná - las aos

"imperativos do momento" é correr o risco de a privar do seu sentido e da sua razão de

ser; sobrecarregar os programas com conteúdos pedidos de empréstimo à quotidianeidaderelativa, mesmo socialmente importante , é correr o risco de reduzir a instituição escolar

ao papel de uma simples associação em que são restringidas as actividades e os tempos

consagrados a dotar o indivíduo dos instrumentos de análise e de expressão, técnicos e

científicos , de reflexão e de criação de que tem necessidade . E uma vez que só os grupos

sociais mais favorecidos podem adquirir algures (por exemplo em explicações; o à parte

é nosso ) os instrumentos em questão , é evidente que o abuso das actividades ditas"educativas " acaba por penalizar sobretudo os que não encontram senão na escola a

ocasião e a possibilidade de se dotarem de instrumentos intelectuais e cognitivos de base."

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realização humanas, dos valores que a educação e a escola devem perse-guir. É à falta de uma tal ideia que se devem, em boa parte, o desnor-teamento, a crise, as perplexidades, as dúvidas, as incertezas e os desviosque, nesta metade do séc. XX, têm caracterizado os sistemas e as políticaseducativas, os múltiplos e contraditórios discursos e práticas pedagógicas,os díspares desenhos curriculares e até alguma desordem na própriainvestigação em educação.

A economia da reflexão filosófica em matéria de educação e de escolafoi, sem dúvida, o grande equívoco no qual caíram os homens, mesmoos mais bem intencionados, que se têm devotado à causa da educação eda pedagogia. É a falta de uma discussão de tipo filosófico acerca daessência do educativo, do pedagógico e do escolar que constitui a falhaoriginal das recentes investigações em torno das instituições escolares eque têm provocado a sua profunda crise de identidade.

Só uma educação e uma escola concebidas à imagem e à altura dafilosofia e das suas posições relativamente ao saber, à cultura e àformação do homem evitará que continuemos precipitados nos equívocosda presente mentalidade técnico-científica, muito habilitada quanto aosmeios, mas inteiramente desapossada quanto aos fins.

Não se depreenda desta tomada de posição, repita-se, que estamosaqui a advogar que cabe tão só à filosofia, ou aos filósofos, a reflexãosobre as finalidades que a educação deve perseguir. Muito pelo contrário,entendemos que uma tal empresa só pode ser levada a bom termo com apresença de todos quantos intervêm na educação. O que pretendemosclarificar é que deverá ser num registo filosófico (hermenêutico, crítico,intersubjectivo, comunicacional, dialógico) que um tal trabalho pode edeve ser levado por diante. Avançamos já o conceito de "transdisciplina-ridade" para clarificar o âmbito no qual um tal labor deve ser realizado.Urge a (re)tomada da comunicação, da argumentação e da crítica nointerior das comunidades dos investigadores em educação em torno daquestão necessariamente controversa, mas inadiável, das finalidades.A uma razão técnica (positivista e cientificista) opomos uma razão práticaeducativa. A uma racionalidade técnico-instrumental opomos umaracionalidade prática (HABERMAS, 1976), hermenêutica, dialogicamentecrítica e interpretativa (APEL, 1985 e HABERMAS, 1987), animadatambém pelo interesse emancipatório do conhecimento (HABERMAS,1976).

A racionalidade que convém à educação, enquanto acção humana, nãoé propriamente o discurso das coisas ou dos factos, isto é, sobre as coisase sobre os factos. Pertencendo a educação ao domínio da acção, teremosde aceitar que uma coisa é a lógica na qual damos a conhecer e tornamosinteligível a acção e outra é a lógica na qual a ciência ousa explicar a

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mesma. Se é admissível que a acção e a educação podem também serobjecto de explicação (o que autoriza falar-se de ciência(s) da educação),não é menos verdade que uma e outra relevam, sobretudo, da compreen-são e da hermenêutica ( o que convoca uma filosofia, uma "theoria" paraa educação e mostra a insuficiência das ciências da educação). Da redeconceptual da acção e da educação fazem parte a decisão e a escolha, aavaliação e o julgamento, a aceitação e a rejeição, as finalidades e osmotivos, a preferência e o desejo, a utopia e o projecto; e não apenas oobservar e o ver, o medir e o quantificar, a previsão e o cálculo, osmétodos e as técnicas, os objectivos e as estratégias.

1.3. Da necessidade da superação da pressuposição pedagógica

Se é verdade que a redução da educação à instrução foi um dos limitesda escola tradicional , não é menos verdade que um dos grandes equívocosda pedagogia mais recente é julgar que pode haver educação seminstrução . A escola nunca educa se ela não instrói . E hoje bem se poderáperguntar se a escola não está a deixar de educar justamente porque nãoestá a instruir . Seria oportuno retomar aqui os Popos sur l'Éducation deAlain . Permita - se antes de mais que os mestres ensinem , transmitam osaber de que são de facto possuidores. A ideia muito difundida de quecada um pode encontrar em si ou por si só os conhecimentos, as fontese os instrumentos suficientes para aceder ao saber é um erro crasso deque L . S. Vygotsky bem se apercebeu e que o levou à defesa da relevânciada mediação do educador , do professor ou do colega mais informado eesclarecido para a ampliação da "zona de desenvolvimento potencial"

(VYGOTSKY,1979). Não é possível fazer a economia da instrução para

efeitos da educação em geral e da própria formação profissional com que

a escola parece andar tão preocupada , hoje . Vale a pena tomar justamente

a formação profissional como caso exemplar da reflexão que se quer aqui

deixar . Do nosso ponto de vista , a formação profissional será tanto mais

fácil e mais rápida de adquirir quanto maior e mais sólida for a instrução

de base e o domínio de instrumentos de análise e de expressão , técnicos

e científicos , de reflexão e de criação de que qualquer profissional precisa

cada vez mais . A pretensão de um ensino básico de cariz predominante-

mente profissionalizante e/ou tecnológico é um dos indicadores mais

expressivos dos equívocos que se formam hoje à volta da função

específica da escola . A pretensão de uma formação precoce apressada e

eminentemente prática não só esbarra hoje com a falta de condições

materiais por parte das escolas que não têm possibilidade de manter

actualizado um parque tecnológico que acompanhe as mutações rápidas

que se operam no desenvolvimento tecnológico , mas mais grave ainda é

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que a economia de uma formação geral de base deixa os formandosdesabilitados para procederem por conta própria a uma adaptação àsrápidas e sucessivas mudanças. O sucesso escolar medir-se-á amanhã (seé que não se mede já hoje) mais por uma sólida e alargada formação debase e também pela capacidade que os ex-alunos têm de se apropriarempor sua conta do saber de que vão precisando e de ir mais longe pelosseus próprios meios do que pelos conhecimentos particulares e específicosque adquiriram num determinado momento da sua formação, com vistaa uma utilização particularizante. Em nome da formação de unia mão-de--obra especializada e de uma inserção habilitada e eficiente na vida con-creta, o mais cedo possível, estão a produzir-se trabalhadores a muitocurto prazo inteiramente desadaptados. Como muito bem observouF. DAGOGNET (1984, p.50), "a verdadeira escola prepara para a oficinaquando ela a não decalca antecipadamente; de contrário, a oficina destróia escola quando a invade e absorve".

A ideia etnográfica de cultura ou a ideia tecnológica de cultura nãopoderá de forma alguma tomar o lugar da ideia filosófica ou humanistade cultura. A uma cultura de especialização, que é sempre tão só uma sub-cultura, deve antepor-se uma cultura geral e básica, da ordem do univer-sal. Só esta poderá permitir a adequada integração das culturas especia-lizadas ou sub-culturas.

Um outro equívoco que importa assinalar a propósito da acçãoeducativa escolar prende-se com o que poderíamos designar por"pedagogismo" ou por "tecnocracia pedagógica" cujo postulado básicoé o pressuposto de uma autonomia ou autosuficiência da instância peda-gógica. Em conformidade com a "pressuposição pedagógica," 7 o ensinoe a didáctica de qualquer disciplina estariam na dependência, não apenassubsidiária ou complementar, mas fundamental e determinante, de umsaber hoje autonomizado por via da constituição de um novo continentecientífico (o das ciências da educação) com direito de jurisdição e tutelasobre as demais disciplinas para efeitos do ensino-aprendizagem dos seusconteúdos. Tal pressuposição parece afirmar que os estudiosos e osinvestigadores nos domínios disciplinares específicos não saberiamensinar, transmitir ou comunicar os resultados das suas pesquisas e dosseus estudos.

A pressuposição pedagógica tem feito, no entanto, algum convenci-mento e tem obtido algum sucesso ao nível das suas pretensões.Conseguiu, por exemplo, o convencimento de muitos educadores e forma-

1 Usamos a expressão "pressuposição pedagó ica" no sentido em que foi utilizadapor G.Guest na sua comunicação ao encontro "Ëcole-Philosophie" que decorreu emSèvres, em 1984.

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dores relativamente à tese segundo a qual, a montante, ou seja, antes eacima das didácticas específicas haveria uma "pedagogia geral" ou uma"didáctica geral" que sobredeterminaria aquelas. Por outras palavras, aPedagogia seria uma ciência autónoma relativa ao como ensinar eaprender. O exercício e o sucesso da pressuposição pedagógica conduziuainda, para dar apenas alguns exemplos, a que muitos professores eformadores tivessem vindo a aceitar como legítimas e vantajosas: asubordinação dos ensinos disciplinares à tutela da interdisciplinaridade;a subordinação dos conteúdos à tutela da mestria das formas, das destrezase das metodologias; a subordinação do abstracto à tutela do concreto; asuperioridade da imagem relativamente ao conceito; a subordinação dointeresse ao interessante; a subordinação do adulto (modelo e escopo daeducação tradicional) à criança; a subordinação da orientação à nãodirectividade; a subordinação do teórico à tutela das exigências funcionaisdas práticas e das experimentações.

Trata-se naturalmente de uma posição objecto de grande contestaçãono seio das comunidades científicas e de difícil sustentação.

Em nome da sua pressuposição científico-disciplinar, os opositores dapressuposição pedagógica começam a defender hoje que a questão docomo ensinar, transmitir, comunicar ou aprender os conteúdos discipli-nares guarda, antes de mais, uma relação privilegiada com os saberes eas investigações científicas respectivas. A pressuposição pedagógica temvindo a ser ultimamente contestada e até ridicularizada porque dela sepode inferir, entre outras, a conclusão caricata de que, a ser verdadeira,alguém estaria preparado para ensinar tudo não sabendo mesmo nada.Naturalmente que a primeira, ainda que não necessariamente a única,condição para que alguém possa ensinar alguma coisa é ter efectivamenteo conhecimento dessa coisa. "É o conteúdo ensinado que é o pedagogoprimordial", dizia B. BOURGEOIS no Colloque Philosophique de Sèvres"Philosophie- école / même combat", em Março de 1984; e acrescentava:"A competência científica não basta, é certo, mas a sua ausência faznecessariamente o mau mestre. É aprendendo bem a matéria a ensinar quese aprende antes a bem ensiná-la". A luz de uma tal evidência, a instânciapedagógica, contrariamente ao que admite a sua pressuposição não gozade autonomia. Se de autonomia se pode falar, é sempre de uma autonomiamuito relativa. A determinação dos meios encontra-se sob a estreita tutelae dependência dos fins e dos conteúdos e nunca ao invés.

Importa no entanto considerar mais atentamente a pressuposição dainstância pedagógica porquanto ela se vem assumindo não só como adetentora do saber relativo ao como se ensina e aprende, mas inclusivecomo ciência arquitectónica da própria educação. A ousadia das ciênciasda educação tem chegado ao ponto de se auto-proclamarem como as

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detentoras do saber relativo ao que seja educar, ao que deve ser objectode ensino, ao que convém à formação do homem, ao que deve ser ocurriculum académico e quais são as necessidades sociais a que a escoladeve dar resposta , como se a instância pedagógica dispusesse de uma con-cepção auto-suficiente da vida, da sociedade e do homem "modernos" edo tipo de educação que a "modernidade" requer impreterivelmente(G. GUEST, 1984, p. 98).

Em última análise , a pressuposição pedagógica parece pretenderconstituir a instância e o saber pedagógicos como consciência esclarecida,justificação universal, saber último, instância de verdade no reino não sóda pedagogia, mas também da educação, da natureza humana e dasociedade moderna, à imagem das ciências sociais também elas supos-tamente ao serviço das necessidades reais da sociedade, incumbidas dafunção social de libertar e emancipar a humanidade.

Curiosamente, a contrariar a pretensão de uma justificação universale última por parte da pressuposição pedagógica, deparamo-nos comjustificações tantas vezes tão só pragmáticas, historicistas, conjunturaise imediatistas que são invocadas nos discursos pedagógicos actuais porparte das ciências da educação para justificar as suas decisões e escolhas.

2. Educação e (como) comunicação

Afirmámos nos parágrafos anteriores que a filosofia mais recente temvivido, de algum modo, de costas voltadas para a educação por nãoconstituir a educação como seu objecto específico de reflexão. Cremos,apesar disso, que a filosofia contemporânea oferece um quadro extraor-dinário de reflexões que nos permitem emprestar, hoje, à educação e àescola uma outra e renovada fundamentação antropológico-filosófica.

É, pois, em sede de razão filosófica contemporânea que iremos, nasequência, procurar alguns dos fundamentos para a construção do quedesignámos por ideia reguladora de educação e de escola. Com basenesses fundamentos, procuraremos, depois, desenvolver a pedagogia e adidáctica que convém a uma tal ideia para efeitos do ensino-aprendizagemda filosofia.

Procederemos, num primeiro momento, à consideração do primadoda relação e da comunicação; num segundo , à consideração do pri-mado da palavra/linguagem ; e, num terceiro, à consideração do primadoda reciprocidade cognoscitiva ou da estrutura dialógica do conheci-mento.

É na educação, talvez mais do que em qualquer outra actividadehumana , que se dá/pode dar concretização às dimensões antropológico--constituintes da relação, da palavra/linguagem , da comunicação e da

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estrutura dialógica do conhecimento que a filosofia, sobretudo a contem-porânea, tem vindo a pôr em destaque.

2.1. O primado da relação e da comunicação

Se é verdade que não se regista na comunidade filosófica contem-porânea uma unanimidade quanto às respostas à pergunta: - Que é ohomem?, verifica-se, no entanto, que há um quadro mais ou menos estávelde categorias e de conceitos por onde passam invariavelmente os discur-sos antropológico-filosóficos.

Relação, alteridade, encontro, comunicação, diálogo, ser-com, relacio-nabilidade, correlatividade das consciências, linguagem, palavra, inter-subjectividade, interpersonalidade, abertura, reciprocidade, troca, ... sãoalgumas dessas categorias.

E a constatação de um tal acordo quanto às categorias com que seentretece o discurso antropológico-filosófico contemporâneo que nosleva a afirmar sem reservas que o homem é antes de mais relação ecomunicação e que é na comunicação e na relação que ele se constitui,que ele se forma. Um dos corolários desta constatação, no que à edu-cação diz respeito, remete- nos assim para a consideração de que aeducação enquanto processo por excelência de humanização e perso-nalização do homem, outra coisa não poderá ser que relação e comu-nicação.

O quadro categorial oferecido pela filosofia contemporânea para dizero homem apresenta-se-nos substancialmente diferente daquele que conhe-ceu a tradição clássica, seja ela a grega, a medieval ou a moderna. Nuncacomo na actualidade a filosofia levou tão a sério a dimensão relacionale comunicativa do ser humano. Numa definição clássica de homem asnoções e a realidade da relação, da comunicação, da linguagem e daalteridade situavam-se apenas ao nível do que se designava por "aciden-tes", não assumindo, por isso, o estatuto de categorias relativas à essênciae à constituição originária do ser humano. O homem fora definido nãosó como animal racional e ser pensante (res cogitans), mas também comoindivíduo, autarquia e substância que, por definição, de nada de exteriornecessitava para a sua existência.

Estamos hoje muito longe da concepção cartesiana que colocava o eupenso autárquico e solitário como instância auto-constituinte e constitui-dora dos demais e do mundo. Ao primado e anterioridade fundante do eupenso sobrepõe a filosofia contemporânea o primado e a anterioridade deum nós pensamos, de um nós dizemos e/ou de um nós falamos. Mais, paraa concepção contemporânea, a condição de possibilidade do eu pensoreside precisamente na anterioridade de um nós pensamos. Ou, por outras

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palavras, a alteridade é a condição de possibilidade de constituição dopróprio eu.

Com Max Scheler(1926), teremos de reconhecer que a realidade dotu, do "outro", é uma das esferas do ser. Sem o outro como poderemosapreender as estruturas do nosso eu? - perguntava Scheler. O outro é umdos membros constitutivos do próprio eu. Não existe um eu sem um nósanterior. A relação entre o eu e o nós, o eu e a comunidade, não é umarelação acidental , mas substancial, sendo por isso constitutiva, quer deum ponto de vista empírico, quer de um ponto de vista genético, quer atée sobretudo de um ponto de vista ontológico. Não há um eu sem um nós,prévio, desde a convivência indiferenciada inicial (convivência instintivados primeiros momentos de vida) até à convivência socialmenteestruturada e pessoalmente assumida na vida adulta.

Com E. Mounier (1950), a partir da sua análise da existência humana,teremos de reconhecer no outro não tanto um limite e um mero objecto,mas a fonte do eu próprio. Como acontecimento primitivo da existência,a descoberta do nós processa-se ao mesmo tempo que a descoberta daexperiência pessoal. O tu é aquele em que nos descobrimos. Desseencontro primeiro (do eu com o tu) nasce pois a comunicação e aconsciência da necessidade de perpetuar a relação e a comunicação noâmbito da comunidade humana. Do berço ao túmulo o homem não estáapenas ao lado do outro homem como se cada um fosse uma substânciaauto-suficiente. Mais do que a categoria de substância que aparecia emtodas as definições clássicas de pessoa é a categoria de relação queverdadeiramente espelha o próprio do ser humano e da sua vidacomunitária.

Martin Buber(1959) que partilha esta mesma convicção ao afirmar que"no princípio foi a relação" expressou o lugar fundante do ser humanona categoria do entre como uma entidade própria - um nós essencial -,uma categoria originária, relativa à realidade humana em que o eu e o tuse encontram nela. E nessa instância originária de envergadura ontológicaque se dá o encontro entre o eu e o tu, que tem no diálogo o seu modode expressão mais característico. Explicita, no entanto, o autor doPrincípio Dialógico e de Eu e Tu que por diálogo não se deve entenderapenas o intercâmbio de palavras, mas sobretudo a mutualidade da acçãointerior. É neste contexto que cobra sentido a distinção entre a relaçãode tipo eu-tu e a relação de tipo eu-isso. Só a primeira é especificamentehumana. A segunda - a relação eu-isso - é aquela em que a pessoa não étomada na sua dignidade própria de ser livre, mas como mero objectoentre outros.

Um outro autor que importa convocar aqui e agora para o interrogaracerca daquilo a que chama os "existenciários" (termo que substitui e

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recobra de algum modo o que na linguagem tradicional filosófica sedesignava por categorias e que poderíamos traduzir pelas expressões"estruturas ontológicas da existência" ou "caracteres do ser da existência"),é Martin Heidegger. Da sua "analítica existencial" constam os existen-ciários: "ser-aí" (Dasein) - o homem é o ente que está aí, arrojado na oupara a existência(Ser e Tempo,§ 9); "ser-no-mundo" (in-der-Welt-Sein)- o homem tem aí, no ser-no-mundo, a estrutura fundamental do seucarácter de "ser-aí"(Ser e Tempo, § 12); e "ser-com" (mit-Sein) - o homemé o ente que está no mundo, mas não está só, está com os demais. Pre-cise-se, porém, o sentido, a profundidade e o alcance desta estruturaontológica da existência que é "ser-com". Por esta nota essencial daexistência quer Heidegger enfatizar que o Dasein é fundamentalmenteuma relação . O "quem " do Dasein sou eu mesmo, mas eu só sou namedida em que "sou com"; ser é, para o Dasein, Mit-Dasein (Ser eTempo, § 25 e 26).

Muitos outros autores contemporâneos poderiam ser trazidos aqui àconsideração para reconfirmar o carácter relacional e comunicativo do serhumano. G. Marcel, K. Jaspers, M. Nédoncelle e E. Levinas seriamapenas mais alguns deles.

2.2. O primado da palavra e da linguagem

Estabelecidos (pela consideração das teses de alguns dos vultos maisrepresentativos da antropologia filosófica contemporânea) o princípio eo primado ontológico da relação, consideremos agora a relevância dalinguagem e da palavra na relação e comunicação humanas por forma acaptar a sua importância para uma didáctica comunicacional.

Existe uma definição clássica da essência do homem dada porAristóteles, segundo a qual o homem é o "ser vivo que possui o logos".A tradição interpretou quase sempre esse "logos" como razão; donde adefinição que atravessou e marcou toda a filosofia ocidental do homemcomo animal racional. O homem era o ser que estava dotado de razão,v.g., de pensamento. A verdade, porém, é que o termo "logos", muitoembora possa legitimamente ser entendido como razão , significa antesde mais linguagem. Serve este apontamento para introduzir a profundamutação que se deu na época contemporânea a propósito da linguageme do seu estatuto antropológico. Adiante referir-nos-emos também ao seuestatuto gnosiológico e cognitivo.

Tradicionalmente considerada como simples instrumento ao serviço

do pensamento, a linguagem é hoje encarada como um dos lugaresfundantes do próprio homem, como dimensão constitutiva da própria"humanidade". A esta luz pode e deve interpretar-se a definição aristo-

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télica do homem como o "ser vivo que possui o logos" no sentido de que

o homem é pela linguagem, o que implica, por sua vez, que é pela

linguagem que o homem articula o mundo, não chegando a haver coisas

onde cessa a palavra . Se a linguagem entretece o diálogo dos homens

entre si, tece também a relação do homem com o mundo.

Uma rápida passagem pelos filósofos e até pelos cientistas dalinguagem do século XX permite-nos confirmar e aprofundar as teses quese acabam de enunciar de modo telegráfico.

Com L. Wittgenstein reconheceremos que "os limites da minhalinguagem significam os limites do meu mundo" (Tractatus, § 5.6).

Com H.G.Gadamer reconheceremos que é na linguagem, na palavra,que se realiza a compreensão, uma vez que a linguisticidade é o lugar darevelação do mundo ou onde se faz a experiência do mundo. A lin-guagem, lugar por excelência da experiência do mundo, outra coisa nãoé que a experiência esquematizada linguisticamente (GADAMER, 1984,p. 536).

Se retomarmos de novo o pensamento de M. Heidegger a que nosreferimos já a propósito da relação, apercebemo-nos de que, na suaanalítica existencial, a linguagem é também ela um dos existenciários,assumindo por tal facto o estatuto de modo ontológico do Dasein (Ser eTempo, § 34). Mas é sobretudo nas suas obras posteriores comoUnterwegs zur Spraclle que a linguagem, a palavra mais exactamente,assume o lugar de proeminência e relevância antropológica. Ela é "casado ser" porque o ser é dado na e pela palavra. Ela é ainda habitação dopróprio homem. Mais, o homem é habitado pela própria linguagem quese constitui assim como o mundo do homem. Mais do que falar, o homemé falado a partir da palavra. 0 falar é tão natural e tão constitutivo dohomem que, em boa verdade, não estamos apenas perante uma invençãohumana proveniente da sua vontade de falar e de se expressar, mas sobre-tudo perante aquilo (linguagem) que torna o homem capaz de ser. Nãofoi propriamente o homem que fez a linguagem, mas foi antes a lingua-gem que tornou o homem aquilo que ele é. Estas teses que alguns consi-derarão, no mínimo, controversas (Piaget, para dar apenas um exemplo,investigou a génese temporal da linguagem) foram objecto de traduçãoparticular nas afirmações aparentemente tautológicas que dizem: "a pala-vra é palavra" ou "a fala fala". Se a palavra é falante, conclui o filósofoalemão, há que chegar ao falar dela, há que encontrar habitação nela. Cfr.Die Sprache (La parole, na edição francesa, 1976, pp. 13 e segs.).

Os quatro autores que se acabam de convocar para atestar a revira-volta que se deu no estatuto da linguagem nos bastam por agora.A linguagem tornou-se um dos temas maiores (se não o maior) dareflexão filosófica contemporânea. Mais do que uma ou várias filosofias

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da linguagem, o que nós temos hoje é sobretudo uma filosofia linguística,ou seja, uma filosofia que se faz a partir da linguagem e do que nela édito.

De uma concepção adjectiva, secundária e derivada da linguagem,passámos a uma concepção substantiva, primária e originária da lingua-gem8.

2.3. 0 primado da reciprocidade cognoscitiva e da estrutura dialógica dopensamento, do conhecimento e da aprendizagem

A gnosiologia tradicional sempre considerou a relação cognoscitivacomo uma relação diádica cujos termos eram apenas um sujeito purocognoscente perante um objecto puro cognoscível, esquecendo a dimensãodialógica que sempre habitou e habita todo o acto cognoscitivo. A apreen-são do real como ficou estabelecido no apontamento anterior relativo àpalavra é sempre mediada pela linguagem que representa só por si aparticipação num mundo que não foi inventado ou instituído pelo sujeitocognoscente. Se a experiência de mundo é já e sempre esquematizada econdicionada linguisticamente, a intersubjectividade e a intercomunicaçãoestão inscritas desde a origem em todo o acto que diz o real. Não há,estritamente falando, um eu penso, mas antes um nós pensamos. É noâmbito de uma comunidade cultural, linguística e/ou científica que se

8 Esta mesma concepção ( filosófica ) da linguagem atravessa hoje as fronteiras daprópria filosofia e é assumida por linguistas proeminentes de que E. Benveniste pode sertomado como exemplo paradigmático e cujas proposições relativas à linguagem seaproximam das teses que se passaram em breve revista . Também o linguista francêscorrobora a convicção de que a linguagem tem um poder fundador, que a linguagem dáo ser. "O homem sentiu Sempre - e os poetas cantaram-no muitas vezes - o poder fundadorda linguagem , que instaura uma realidade imaginária, anima as coisas inertes, faz ver oque ainda não é, recorda hoje o que desapareceu ontem"(BENVENISTE, 1966, p. 25)."É na e pela linguagem que o homem se constitui como sujeito , porque só a linguagemfunda realmente na sua realidade, que é a do ser, o conceito de ego" (BENVENISTE,1966, p. 259). O homem é dominado e guiado pela linguagem pelo menos enquanto anão domina ; se ele é causa, ele é também efeito da linguagem ; o homem causa a linguagemque o causa; fala a linguagem que o forma. Os processos de formação e de educaçãopoderiam ser tomados como processos de entrada na linguagem ou de instalação do sujeito

numa ou várias línguas.As investigações de B. Bernstein ( 1969) são a este propósito bem esclarecedoras.

Os portadores de um "código elaborado", por oposição aos portadores de um "código

restrito", não só são detentores de uma maior competência linguística que se traduz num

léxico mais alargado, com maior recurso aos adjectivos e aos advébios, e numa sintaxe

mais complexa, pejada de orações subordinadas e formas verbais compostas; mas também

revelam mais facilidade no domínio das competências lógicas e nas habilidades e destrezas

cognitivas.

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processa toda e qualquer apreensão cognitiva do real . Homem e mundo,sujeito e objecto , encontram - se radicados numa proto -relação que alinguagem tece e significa . Daí que não passe de um equívoco grosseiroadmitir que a relação do sujeito cognoscente com o objecto cognoscívelseja a de um sujeito auto-constituído que por sua vez constituiria egolo-gicamente a realidade porque, como se anotou , a linguagem é o mediumque simultaneamente possibilita e condiciona o acto cognoscitivo . Comhe-cer é, pois, um processo que supõe unia situação dialógica.

Acresce ainda que a apreensão cognoscitiva do mundo por parte dosujeito cognoscente é sempre uma apreensão parcial e subjectiva cujoslimites só poderão ser minimizados pela intercomunicação e diálogo com

os demais sujeitos cognoscentes. À estrutura diádica da relação cognos-citiva há , pois, que opor a estrutura triádica sujeito-sujeitos cognoscentesperante o objecto cognoscível . O real não pode manifestar -se na sua plura-lidade constitutiva sem ser objecto de uma intercomunicação. Procedendode uma " reciprocidade interlocutiva " cuja estrutura é necessariamente"inter - rogativa", como diz F . Jacques (1985), o diálogo acaba por seapresentar naturalmente como condição fundacional de toda a intervençãoapropriativa do real.

Se o conhecimento se pode definir como entendimento e interpretaçãoque apenas ocorre na linguagem enquanto verificação ontológica darealidade do mundo e do homem , só no diálogo, na intercomunicação, oconhecimento adquire o seu lugar de verificação intersubjectiva . Tribu-tário em primeiro lugar da linguagem em que é construído e dito, comu-nicado e difundido , o conhecimento é ao mesmo tempo tributário dapartilha da palavra que o re-cria e o re-produz , que o acrescenta eesclarece , que o verifica e valida, que o certifica e corrige, que o confirmaou infirma.

Por experiência própria todos sabemos muito bem quantas vezescorrigimos os nossos pontos de vista a partir das observações, dascontestações ou refutações dos nossos parceiros de diálogo. Todosconhecemos também essa experiência de satisfação que nos chega quandovemos confirmados por outrem algumas das nossas intuições e convicçõessobre as quais ainda mantínhamos algumas reservas e dúvidas . Todos osprofessores conhecem também aquela experiência particular de que daruma aula é não apenas um acto reprodutivo ou transmissivo , mas acimade tudo um acto de re-criação, de re-produção e até de re-aprendizagem.A matéria que foi objecto de discurso fica não só mais sabida, maisconhecida , mais organizada , mas, inclusive, mais acrescentada. Quantasrelações , conexões , inferências , deduções, intuições, ocorrem no acto detrazer à fala os conteúdos objecto de ensino ! Quanto de saber e conhe-cimento os professores devem à sua prática docente ! O acto de trazer à

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palavra as informações depositadas no espírito e, mais ainda de as trazerà fala perante o outro, é, por certo, um dos maiores eventos de re-criaçãoe invenção que o homem conhece. Na fala perante o outro, no confrontocom o outro, às vezes sobretudo contra o outro, ocorrem fenómenos demultiplicação, sobreadição, iluminação e inteligibilidade que nuncaocorreriam na reflexão solitária.

Com o outro, para o outro, contra o ponto de vista do outro, na defesado ponto de vista próprio ou na indagação da argumentação do ponto devista do outro, aprende-se mais, aprende-se melhor, aprende-se maisprofundamente e mais duradouramente, para além de se aumentaremcompetências cognitivas particularmente relevantes: linguísticas, sócio-linguísticas, comunicacionais, argumentativas, lógicas, ...

O estudo e o trabalho em grupo, as discussões e os debates, as me-sas redondas e as discussões dirigidas que se seguem e complementam oestudo individual, a investigação pessoal ou a lição colectiva, por partedos nossos alunos são, à luz destas considerações, algumas das estratégiasque importa relançar na nossa escola.

Somos levados a crer que o aumento ou a diminuição das famigeradasaulas de recuperação e as não menos questionáveis explicações é/serádirectamente proporcional ao aumento ou à diminuição do estudo e dotrabalho em grupo entre iguais.

Refira-se, a propósito das reflexões que aqui se deixam, as relati-vamente recentes investigações levadas a cabo na Escola de Genebrasobre o conflito sócio-cognitivo (DOISE, MUGNY e PERRET-CLER-MONT, 1975; PERRET-CLERMONT, 1979) e ainda os estudos condu-zidos por D.W.Johnson e seus colaboradores sobre as controvérsiasconceptuais entre iguais (JOHNSON e JOHNSON, 1979; JOHNSON,1981). Para estes investigadores a interacção comunicativa entre iguaistem sido a grande variável negligenciada na educação e na aprendizagem.

Um outro autor não menos importante para a consideração da rele-vância da mediação, por um lado, e da linguagem, por outro, na educaçãoé esse grande desconhecido da pedagogia até há bem pouco tempo:L. S. Vygotsky.

Para este grande psicólogo e pedagogo russo os processos cognitivosaparecem duas vezes: primeiro interpessoalmente e só depois intrapes-soalmente - donde a relevância da mediação.

O seu contributo foi ainda decisivo para a clarificação das relaçõesde interdependência entre pensamento e linguagem, na sua co-génese eco-desenvolvimento.

À função comunicativa da linguagem acrescenta a importante funçãode reguladora dos processos cognitivos. É que a intenção de formular emtermos de discurso as suas próprias representações para as transmitir aos

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parceiros de comunicação, o sujeito é constrangido a reconsiderar,reanalisar e refazer o que quer expressar de forma inteligível. A lingua-gem aparece assim como pedra de toque não só para a exteriorização, mastambém para a interiorização.

Entre nós, um homem da linguística havia já chamado a atenção paraa importância da função interna da linguagem, quando todos insistiamainda e apenas nas suas funções externas de comunicação. Queremosreferir- nos a H. Carvalho (1970, pp. 26-36) para quem a linguagem temessa grande função de ser suporte do pensamento, estruturadora dosprocessos gnosiológicos e cognitivos. Não se pensa sem a mediação dapalavra. Esta é suporte natural daquele.

Numa linguagem computacional dir-se-ia, ainda que sem grande rigor,que a linguagem, a palavra, é o sistema operativo do pensamento. E nalinguagem , no discurso que o pensamento e as operações cognitivas"correm", como "corre" um determinado programa de processamento detexto no sistema operativo do computador.

Também F. Vanoye se pronuncia no mesmo sentido, ao admitir que,enquanto actividade "intra-comunicativa", a linguagem desempenha umafunção estruturante ao nível das potencialidades cognitivas (VANOYE,1983, p. 40).

À "construção social da realidade" já considerada por P. L. Berger eT. Luckman (1976) acrescentam agora estes autores, partidários de umsócio-construtivismo ou de um sócio-cognitivismo9, a construção socialdo pensamento, a construção social do conhecimento, a construção socialda linguagem, a construção social da inteligência, a construção social daaprendizagem, ...

Pela nossa parte, preferiríamos falar da contrução dia-lógica darealidade, do pensamento, do conhecimento, da linguagem, da apren-dizagem,... porque aquilo de que efectivamente se trata é da mediação edo efeito multiplicador, potenciador, do "dia" (entre sujeitos) e do"logos" (palavra, linguagem, razão, pensamento, discurso).

2.4. Rumo a unia educação dia-lógica

Feito este excurso por algumas das mais recentes posições nosdomínios da Filosofia, da Linguística e da Psicologia, sobre a relevânciaontológica, antropológica, gnosiológica e cognitiva da palavra e dalinguagem, impõe-se que nos interroguemos quanto às implicaçõesevidentes do primado da relação, da palavra e da linguagem e ainda do

9 Sobre o sócio-cognitivismo e o sócio-construtivismo pode consultar - se o excelenteartigo publicado em Pratiques, n° 63 (1989), pp. 37-62.

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primado da estrutura dialógica do pensamento, do conhecimento e daaprendizagem para a educação.

A resposta parece óbvia e enunciamo-la nos termos sábios em que foivisada pelo pedagogo filósofo brasileiro Paulo Freire. "Aprender a dizera sua palavra é toda a pedagogia, é até toda a antropologia"(Prefácio àPedagogia do Oprimido).

A afirmação freiriana é só por si um projecto e um programa educa-tivo. Não há homem sem palavra. Instrumento e, fonte de libertação, porexcelência, de emancipação, a palavra, ou antes, : a posse, o domínio e amestria da palavra há-de tornar-se pedra angular da construção educativa.

Um dos grandes deficits da educação actual é, pensamos nós, aausência do poder e do domínio da palavra por parte dos escolarizados.O sistema escolar parece cada vez menos interessado em que os alunospronunciem ou sejam capazes de pronunciar a sua palavra. O sistemaparece mais interessado em que os alunos aprendam a reproduzir a palavraalheia. Ora uma educação para a liberdade e a libertação pressupõe umacultura da palavra por oposição a uma "cultura do silêncio" ou da palavraalheia. Numa cultura do silêncio ou da palavra alheia, os alunos,particularmente os filhos das classes mais desfavorecidas, permanecemsemi-mudos ou mudos mesmo, proibidos de se expresarem autenti-camente , o mesmo é dizer de serem por si próprios e de se auto-determinarem. Perante os sistemas mediáticos, com destaque para astelevisões, interessados na venda de produtos e ideias com que diaria-mente adormecem, docilizam e empanturram os espíritos, só a escola senos apresenta em condições de cumprir o projecto de dar a palavra ecintribuir para que os alunos rompam o silêncio para que são remetidospelos canais de (in)comunicação social.

Cabe ao educador avisado, ao professor socialmente e solidariamentecomprometido dar-se como objectivo da sua prática lectiva criar espaçosde verdadeira comunicação, de autêntica partilha da palavra em torno dasgrandes questões que tecem a actualidade. A essência do Momo educanduspassará , por certo, pelo apalavrar-se, ou seja, pela aquisição da capacidadede pronunciar a palavra justa e certa sobre o mundo e a realidade em quese encontra. E porque a palavra justa e certa nunca é a tua nem a minha,mas antes a nossa, o que a escola tem de permitir é a criação de espaçosde diálogo em que mundo e homem são co-ditos, co-compreendidos,co-apalavrados.

Seria caso para perguntar se a pouca importância a que tem sidovotado o diálogo na instituição escolar e a pouca relevância que se temdado à mestria da linguagem oral e escrita não representam uma manobraideológica que bem justifica a tese de que a escola é uma instituição demera reprodução.

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A nossa convicção é a de que, de facto, é em torno da palavra quese coloca a questão pedagógica e educativa. Há que inscrever a questãoda palavra (do uso, do domínio, da mestria) no âmago da pedagogia quese deseja libertadora e emancipadora, que gere cidadãos capazes de actuaremancipadamente nas nossa sociedades. Não parece existir alternativapara uma educação libertadora.

A realização de um tal desiderato passa obviamente por uma maior

importância a conceder ao aprendizado da língua materna, ao desenvol-

vimento da competência linguística, mas não se esgota num tal programa.

Os objectivos de uma didáctica comunicacional visam, para além daaquisição de competências técnicas e instrumentais, a aquisição de umacompetência que se poderia designar, com W. Klafki, crítico-construtiva,

ou talvez melhor emancipadora como lhe chama Mollenhauer em Edu-cação e Emancipação. A função da escola, como já se insistiu pordiversas vezes, não se esgota na transmissão de uma cultura instrumen-tal, através de procedimentos de mera instrução, axiologicamente neutra.A aquisição por parte dos nossos alunos de uma racionalidade crítica eemancipada das tutelas sociais e ideológicas postula a instauração adentroda instituição escolar de espaços de diálogo, discussão e argumentação.A programação didáctica deve, pois, introduzir situações que geremconflitos cognitivos e sócio-cognitivos capazes de favorecer a formaçãode espíritos críticos, racionalmente emancipados, social e politicamentecomprometidos e responsavelmente auto-determinados. Este ideal das"Luzes" ainda não cumprido continua a apresentar-se como o grandedesafio para a educação. Só a criação de espaços dialógicos na esferaescolar, só a transformação dos espaços e tempos lectivos em espaços etempos de interacção comunicativa a propósito das matérias curricularese outras poderá dar consecução ao grande objectivo de dar a todos apossibilidade de apalavrar o mundo, a vida e o próprio homem. A nossacultura escolar parece continuar ainda - se é que não é cada vez mais -uma cultura do silêncio, do conformismo, da aceitação.

Uma didáctica comunicacional que inscreva a questão do uso, domí-nio, mestria e partilha da palavra no âmago do que fazer pedagógicocurará das condições e procedimentos didácticos que hão-de permitir ainstauração de "espaços públicos" de comunicação e argumentação nassalas de aula (e fora delas) e de instâncias de leitura crítica, responsávele partilhada da realidade social, cultural e científica.

Não concluiremos este apontamento sobre o primado da palavra, dalinguagem e da comunicação na educação escolar sem nos pronunciarmossobre uma certa tendência hoje em voga que pretende aproximar a escolados mass media. Bem sabemos que a informação veiculada pelos massmedia goza das vantagens de três princípios sedutores: máximo de

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informação, num mínimo de tempo, com um mínimo de esforço. A estasvantagens junta-se ainda o benefício sedutor e envolvente da linguagemaudiovisual. Diremos mais ainda. Reconhecemos que a linguagem audio-visual pode trazer à educação e à escola o desenvolvimento de compe-tências e mecanismos cognitivos que a palavra, o discurso não sãocapazes, por si sós, de pôr em curso. Sem pôr, pois, em causa as inegáveisvirtualidades cognitivas da linguagem audiovisual, não deixamos, noentanto, de sublinhar a irrecusável preponderância da palavra e dodiscurso para o desabrochar de competências e mecanismos cognitivostais como o espírito crítico, a reflexão, a análise, o distanciamentoavaliador ou a argumentação. Não se trata assim de uma oposiçãoinconciliável entre imagem e palavra, entre mensagem audiovisual ediscurso, mas de complementaridade. Há que ter em conta os objectivosvisados na estrutura curricular e a natureza e os objectivos específicos decada disciplina. Convenhamos que o estatuto da linguagem audiovisualnão será o mesmo numa didáctica da Educação Visual e numa didácticada Filosofia. Nesta, sobretudo, mas também na didáctica das Línguas, daLiteratura ou da História o problema é hoje bem complexo. Sabemos queé cada vez mais difícil falar às novas gerações a partir das palavras, dosdiscursos, quando elas estão marcadas por uma cultura da imagem. Comointroduzir um espírito analítico, decompositivo, dedutivo em mentesestruturadas sintética e intuitivamente?10

Não obstante a dificuldade, julgamos que a condição de possibilidade

de a escola levar por diante algumas das funções específicas que nopresente texto foram já assinaladas passa pelo recurso privilegiado àpalavra, à linguagem (oral e escrita), ao discurso e ao diálogo. A lin-

guagem audiovisual por natureza sintética e integral, sensorial e envol-

vente, dificulta, diminui e, em parte, impede o distanciamento crítico, a

decomposição e a análise.

3. Filosofia (ensino da) e (como) comunicação(Do sentido e alcance de uma Didáctica Comunicacional)

Consideradas a necessidade e as tarefas de uma Filosofia da ou naEducação ( 1.1), justificada a urgência e clarificado o sentido de uma ideiareguladora de educação e de escola na qual pode ter lugar e sentido oensino -aprendizagem da Filosofia ( 1.2), desfeitos os equívocos dapressuposição pedagógica ( 1.3); concebida a educação como relação ecomunicação ( 2.1), enunciado o primado ontológico e gnoseológico da

10 A este tema controverso dedicou a revista Perspectives (UNESCO), vol. X/1

( 1980):45-105, um rico "dossier": Mass media, Éducation et Culture.

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palavra e da linguagem (2.2), reconhecida a estrutura dialógica de todoo conhecimento humano e da própria actividade cognoscitiva (2.3);considerados o alcance e as virtualidades de uma educação dia-lógica

(2.4); passamos agora, nesta terceira parte, à articulação da relação entreFilosofia (ensino da) e (como) Comunicação.

Proceder-se-á, num primeiro momento, à explicitação da fundante edecisiva pressuposição filosófica de uma didáctica comunicacional para

o ensino-aprendizagem da Filosofia; num segundo, à consideração de

alguns problemas controversos a propósito da escolarização da filosofia;

num terceiro, à consideração das dificuldades epistemológicas próprias

das didácticas, em geral, e da didáctica da filosofia, em particular; para,já na quarta e última parte, a publicar posteriormente, se proceder àanálise das condições pedagógicas, curriculares e institucionais do ensinoda Filosofia, se fixarem alguns dos princípios orientadores do trabalhofilosófico e se definirem alguns dos objectivos da disciplina, deduzidos,uns e outros, dos pressupostos resultantes das articulações já feitas entreEducação, Filosofia e a Comunicação e da articulação a fazer das trêscom o ensino e a didáctica da Filosofia. Terminaremos com algumaspropostas de concretização do trabalho pedagógico a desenvolver nasaulas de Filosofia, tendo em consideração a LBSE, a reforma curriculare as investigações empíricas nos domínios da Linguística, da Comu-nicação e da Psicologia Cognitiva.

3.1. Da pressuposição filosófica de uma didáctica comunicacional

Como já se precisou por diversas vezes ao longo deste ensaio,qualquer proposta de uma didáctica da filosofia tem de ser prioritaria,ainda que não exclusivamente, filosófica, porque à filosofia cabe o direitoe a responsabilidade de se pronunciar, em primeira instância, sobre o seuensino e a sua própria pedagogia. É, pois, em sede de razão filosófica enão propriamente pedagógica que vamos procurar encontrar algunsfundamentos que hão-de emprestar legitimidade e inteligibilidade aoprojecto de uma didáctica comunicacional para o ensino-aprendizagem daFilosofia.!"

11 Como reconhece Manuel Carmo Ferreira , no texto que se publicou na revistaFilosofia ( vol. II, n . 0' 1 e 2, pp . 103-112) da Sociedade Portuguesa de Filosofia, " nãoabundam na tradição os tratamentos específicos acerca da justificação filosófica do ensinoda Filosofia , a tematização da sua transmissibilidade tendo por veículo a relação docência-discência . Singularizam - se nessa tradição, nomeadamente Platão, Kant, Hegel e, maispróximo de nós, Th . W. Adorno." Ao contributo destes autores dedica o professor citadoalgumas linhas e ao ensino da Filosofia em Kant dedica Leonel Ribeiro dos Santosalgumas páginas no mesmo número da revista citada (pp. 166-173). Reconhecendo muito

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Fá-lo-emos no âmbito da articulação já anunciada entre Filosofia(ensino da) e (como) Comunicação.

É na tradição filosófica que tem o seu início nos diálogos platónicose encontra hoje, em autores como H.G.Gadamer, Eric Weil, K.-O. Apelou J. Habermas, um desenvolvimento particular que encontramos osfundamentos para a pressuposição filosófica de uma didáctica comuni-cacional. Pressupondo a instalação comum dos sujeitos no logos (enten-dido simultaneamente como palavra e linguagem , razão e discurso) funda,dor das comunidades de interacção linguística e comunicativa, cognos-cente e pensante, a tradição dialógica entende e pratica a filosofia comoa intalação permanente dos sujeitos no discurso livremente compartilhadoe como conversão definitiva ao diálogo e dá-se como princípiosheurísticos e éticos do labor filosófico os seguintes:

- o amor à (procura da) verdade, ou seja, a conformação e aadequação da razão ao que é;

- a exigência de veracidade, ou seja, o reconhecimento mútuo egratuito da isenção dos intervenientes;

- a admissão da universalidade da liberdade e da vontade boa doscomunicantes;

- a vontade sincera de um acordo ou adesão livres entre sujeitosemancipados;

- a subordinação ao diálogo e à argumentação (à dialéctica) comoinstrumento de investigação da verdade;

- a subjugação à coerência lógica e à força dos argumentos;- a admissão da possibilidade da existência de uma alteridade ou

alternativa ao ponto de vista de cada um;- a aceitação do risco de ser refutado e vencido.

Estes são alguns dos princípios que configuram o que hoje se designapor "ética da discussão" ou "ética da argumentação".

Estes foram também os princípios que sempre fizeram da filosofiauma "filo-sofia e do filósofo um amante da única sabedoria que semprese soube infinitamente ignorante ou, quando muito, finitamente sábia.

A estes mesmos princípios se conforma o presente projecto de umadidáctica comunicacional para o ensino-aprendizagem da Filosofia naescola secundária.

embora a importância , para as intenções do presente trabalho, de passar por esses filósofos

que têm uma reflexão própria (ainda hoje relevante e válida) sobre o ensino da Filosofia

e também por alguns textos mais recentes de autores franceses, como J. Derrida;recorreremos antes a outros autores que guardam uma relação mais próxima com o ponto

de vista que queremos privilegiar para efeitos da definição de uma didáctica

comunicacional.

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Estes são também e ainda os mesmos princípios que hão-de orientaro espaço público de comunicação e argumentação que tem de ser a aulade Filosofia na educação secundária.

A estes mesmos princípios de comunicação ideal em Filosofia se devesubordinar a pragmática e a ética do ensino -aprendizagem da Filosofia.Poderíamos chamar-lhe o "código deontológico do (aprendiz de) filósofo".

Só quando a aula de Filosofia se constituir fundamentalmente comouma comunidade linguística de interpretação do(s) sentido(s) da exis-tência;

só quando a aula de Filosofia se aproximar de uma comunidade críticade comunicação em torno do muito que hoje dá que pensar, numasociedade que suicidamente ignora a excelência da vida com o pensa-mento;

só quando a aula de filosofia se transformar numa instância dialógicade investigação do ser como poder-ser, perante uma ciência que faz aeconomia da racionalidade prática e desconhece o interesse emancipatóriodo conhecimento;

só quando a aula de Filosofia se oferecer como espaço de discussãoe de argumentação para uma imersão crítica nos saberes e na cultura quehoje parecem conhecer uma certa derrota do pensamento;

só então a educação e a escola secundária terão a filosofia de que elasprecisam e merecem, e a filosofia terá uma educação e uma escola secun-dária que a requisitam e exigem.

3.2. A controvérsia em torno da escolarização e da pedagogizaçãoda Filosofia

Foram já escalpelizadas algumas das antinomias da disciplina filo-sófica e alguns dos mandamentos ou preceitos contraditórios relativos aoensino da Filosofia na educação secundária, pelo menos em França(DERRIDA, 1986, p. 13-16).

Todos conhecemos e reconhecemos os inconvenientes da peda-gogização da Filosofia. Os "profissionais" da Filosofia (se é lícito dizerassim ), cobriram e cobrem de suspeita a institucionalização e aescolarização da Filosofia (DERRIDA, 1986) porque, no entendimentode muitos, com a sedentarização e a institucionalização, a filosofia passoua estar domesticada e ao serviço do Estado.

Importa, no entanto, ter presente, como muito bem observa JeanLefranc no texto que redigiu recentemente para a Encyclopédie Philo-sophique Universelle, vol. 1, e que leva justamente o título "Quand phi-losopher c'est enseigner", que neste final do séc. XX (como, de resto,desde o séc. XVIII, com poucas excepções) não existe filosofia fora e sem

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o apoio das instituições escolares: universidade e secundário. É assimcurioso observar que são justamente professores aqueles que troçam da"filosofia dos professores"(D. GRISONI e outros, 1970) tal como vivemda e na universidade aqueles outros que só conseguem ver filosofia vivafora da universidade. E é ainda curioso observar que são ainda em boaparte os mesmos aqueles que, por um lado, subvalorizam e desacreditama filosofia escolarizada e, por outro, vociferaram e vociferam em corocontra os poderes políticos que em França (GREPH,1977) como em Por-tugal (A Filosofia face à Cultura Tecnológica) propuseram a sua aboliçãoou redução nos currículos do ensino secundário.

Cremos, no entanto, que o derrotismo de muitos relativamente àescolarização da Filosofia assenta num equívoco que dimana de um baixoconceito que têm da educação, da escola, do saber e talvez até da própriafilosofia. Não é correcta porque não é verdadeira a afirmação de que aescola é apenas um instrumento de domesticação, como não é tambémverdade que a filosofia escolarizada se deixa, necessariamente e sempre,domesticar. Julgamos até que a filosofia tem sabido gerir, ao longo dostempos, com certa prudência e algum sucesso, a sua incómoda situaçãode se encontrar escolarizada. Contra a opinião de muitos, pensamos quemesmo escolarizada a filosofia dificilmente alguma vez deixará de sercrítica e até preversa.

Não partilhamos inteiramente do ponto de vista das teorias socio-lógicas da reprodução que vêem na instituição escolar e naturalmentetambém na instituição filosófica instrumentos de reprodução das classesdominantes, aparelhos ideológicos de Estado, lugares de colonização,espaços de dominação e violência simbólica, ao serviço da divisão socialdo trabalho, mantenedoras das desigualdades sociais. Ao pessimismo eà linguagem de desespero que atravessa as análises sociológicas dos anos60 e 70 (P. Bourdieu, J. C. Passeron, L. Althusser e outros), opomos autopia e a esperança da mais recente "sociologia crítica", de que H. A.Giroux (1983 e 1986) é apenas um dos representantes, para quem a escolaconsegue produzir muito menos docilidade do que fazem crer aquelasanálises . Não se pode subestimar o capital de resistência ou a possi-bilidade que os autores sociais têm de interpretar de modo activo e críticoa sua própria situação e de resistir aos grupos e às forças que tentam fazerprevalecer as suas orientações. De resto, a história está cheia de exemplosque atestam a astúcia do saber, da cultura e da filosofia mesmo quandoescolarizados.

Os responsáveis pela Revolução Francesa foram educados noscolégios encarregados de conservar o "ancien régime". Os semináriosformaram alguns dos autores mais anticlericais. Já Platão voltou contraos sofistas as técnicas de argumentação que com eles aprendeu.

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Poderíamos referir também a este propósito os movimentos de contra-cultura . Os regimes políticos autoritários bem sabem quanta atenção evigilância têm de prestar às instituições de educação.

E nossa convicção que a presença da filosofia na instituição escolar,até mesmo quando o seu ensino enferma de um carácter predomi-nantemente transmissivo e doxográfico, portanto aparentemente inócuoe inofensivo , sempre contribuiu e contribuirá para potenciar o referidocarácter astucioso e perverso da educação , da cultura e do saber.

O que importa, pois, é conciliar os inconvenientes e os perigos, para

a filosofia, da sua escolarização e eventual domesticação com as vanta-

gens para a educação e a escola da sua presença e intervenção . Cabe aoprofessor manter em equilíbrio a dupla fidelidade: à filosofia e à educa-ção. É nossa convicção que a educação e a escola só têm a ganhar coma presença e intervenção da Filosofia e que esta nada tem a perder, an-tes só terá a ganhar, desde que se mantenha igual a si mesma: crítica,indomável e inconformista.

3.3. A controvérsia eni torno do estatuto epistentológico das didácticas

O estatuto científico e disciplinar das didácticas é, por certo, um dosproblemas mais incómodos e controversos no seio das ciências queguardam relação com a educação e o ensino. Não sendo um problemaespecífico da Filosofia, é talvez na Filosofia que ele adquire uma maiorrelevância e dificuldade e suscita maior controvérsia.

A empresa de erigir uma didáctica, comunicacional ou outra, não estáhoje, nunca esteve, isenta de dificuldades de índole diversa.

"Ectoplasma epistemológico", como lhe chama D. Bailly (1987), adidáctica (ou as didácticas), perspectivada do ponto de vista dos cientistas,é um híbrido que deforma e desfigura, simplificando-os, os saberes purosque toma de empréstimo. Perspectivada, no entanto, a partir do pontode vista da educação e da escola, a didáctica transforma-se num domíniorelevante e decisivo para os interesses cognitivos dos sujeitos aprendizes.

O próprio termo "didácticd' que etimologicamente nos remete paraa tarefa e a mestria do ensinar e do instruir encontra-se coberto desuspeita. Independentemente de se considerar a didáctica como uma arte,uma ciência ou uma tecnologia , o seu objecto material - a instrução ou oensino - tem vindo a ser rejeitado como uma interpretação minimalista eredutora da tarefa abrangente de uma educação integral ou global que ostermos ensinar e instruir escamoteiam. Longe vão os tempos em que osministérios, hoje ditos da educação, se diziam da instrução. O termodidáctica dificilmente deixa de continuar a ser conotado ou referidopreferencialmente ao termo ensino do processo que hoje se designa por

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processo ensino-aprendizagem. Apareceriam como um nonsense e comoum curto-circuito expressões como didáctica da educação ou até didác-tica da aprendizagem.

Para muitos a suspeita relativa à didáctica aumentou quando de arte(estatuto que muitos continuam a atribuir-lhe e que, em nossa opinião,lhe convém com propriedade) ela passou a ser considerada ciência e, piorainda, quando se transformou em tecnologia (alguns dirão engenharia)educativa. Sobretudo por via deste desenvolvimento último da didácticacomo tecnologia surgem aqueles que não só a põem em causa, mas sereclamam de uma anti-didáctica (BARCO DE SURGHI, 1975).

As dificuldades para a constituição de uma didáctica, mesmo quandoela passa a ser entendida, à revelia da sua matriz etimológica, comodomínio que se atém à mestria ou condução do processo ensino--aprendizagem, não deixam de surgir em catadupa, quando se procura,por exemplo, determinar o seu estatuto epistemológico, quando se procuraencontrar o seu lugar no quadro das chamadas ciências da educação,quando se pretende discutir a possibilidade de distinguir uma didácticageral das didácticas específicas, quando se procura saber se a didácticade uma determinada disciplina deve ou não guardar uma relação privi-legiada com a ciência de origem ou então com as ciências pedagógicas,como a Psicologia, ou até quando se discute se as cadeiras de didácticadevem ser leccionadas por graduados em ciências da educação ou nasciências de origem como Matemática, História, Filosofia, Física, etc.

Nos parágrafos anteriores já nos pronunciámos sobre algumas destasquestões. Contra o que pensam alguns autores, como G. MIALARET(1987), não consideramos as didácticas como um sub-conjunto dasciências da educação, mas antes como domínios específicos disciplinaresque guardam uma relação privilegiada com as "ciências de origem", as"ciências-mãe" ou, no dizer de CHEVALARD (1985), com os "savoirsavant".

Em conformidade com este ponto de partida fundamental e decisivo,entendemos que o didacta é responsável em primeiro lugar pelos con-teúdos, o que acarreta da sua parte uma formação académica de base nasmatérias de ensino, pelo que não deve ser visto como um "psicólogo deuma espécie particular que praticaria uma psicologia da aprendizagem dosconteúdos de ensino em situação escolar" (MARTINAND, 1987).O grande desafio para o didacta é precisamente o trabalho de "trans-posição didáctica", ou seja, a sábia articulação e o difícil processo detransformação do "savoir savant" em "savoir enseigné". Por via do pri-mado da relação privilegiada com as ciências de origem por parte dadidáctica, seria um perigo separar a didáctica da universidade, enquantolugar de ensino da disciplina-mãe. O afastamento e/ou a entrega das

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didácticas a especialistas das ciências de educação, como sublinhaA. Vergnaud ( 1981 ), comportaria o risco do isolamento sem o controlocientífico.

Pouco a pouco, como concluiu F . Rope ( 1989) nas suas investigaçõespara a elaboração da sua tese de doutoramento , assistimos à emergênciae à constituição de campos disciplinares específicos e autónomos deinvestigação no domínio das didácticas de várias disciplinas tais como:didáctica das matemáticas , didáctica da física , didáctica das línguas (ma-terna e estrangeiras). Assistimos , assim , a uma progressiva demarcaçãode uma pedagogia geral (ou de uma didáctica geral ) entendida comoestudo dos processos de transmissão dos saberes, em proveito dasdidáctiacs específicas.

Continua, no entanto , a não haver acordo quanto ao estatuto episte-mológico das didácticas ou quanto ao grau de cientificidade das mesmase das investigações respectivas . Enquanto alguns falam de ciências e decientificidade , outros preferem falar apenas de conhecimentos ou saberesqualificados de hermenêuticos , experienciais , praxiológicos , operatórios,tecnológicos ou de investigação - acção.

Não obstante a defesa do primado da relação privilegiada com asciências de origem por parte das didácticas , entendemos que, de modoalgum , elas poderão dispensar- se ou fazer a economia de algumas "ciên-cias de apoio" como a Psicologia , particularmente a Psicologia Cognitiva,a Sociologia da Educação e as Ciências da Linguagem e da Comunicação.Nos últimos tempos tem -se privilegiado , felizmente , o contributo destasúltimas ciências no âmbito das investigações em didáctica.

Uma última exigência , infelizmente pouco focada nos estudos sobredidáctica , vai para a relação que as didácticas devem necessariamenteguardar com uma teoria geral de educação e de escola ou com umafilosofia da educação . Neste texto já enfatizámos a relevância de uma talexigência e dela releva o cuidado que pusemos na necessidade de articularfilosofia e (como) educação e educação e (como ) comunicação.

Na formação de professores esta exigência continua a não ser tida nadevida conta . A par de uma sólida formação académica de base e de umaformação pedagógico-didáctica impõe-se uma reflexão profunda e críticasobre o contributo que as várias disciplinas podem dar para a formaçãoe a cultura não apenas científica e técnica , mas também cívica , cognitivae humanística dos alunos . É por esta razão que julgamos correcta adesignação de "formação educacional " que foi dada nas Faculdades deLetras ao respectivo ramo de especialização. A expressão "formaçãoeducacional " supera os limites de outras expressões como "licenciaturaem ensino" e apresenta- se-nos como uma designação mais ajustada àquiloque se espera do papel do professor nas nossas escolas.

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3.4. Didáctica da Filosofia versus Didáctica Filosófica

Como naturalmente se compreende todas as interrogações acerca doestatuto das didácticas se avolumam, agudizam e adquirem maior graude contradição quando as transpomos para o campo da (didáctica da)Filosofia.

Com Michel TOZZI (1989, p. 17) impõe-se que se pergunte:

- Uma investigação em ciências da educação será filosoficamenteautorizada em didáctica da Filosofia?

- Uma vez que a Filosofia se situa ao nível do fundamento e nãopodendo receber fundamento senão de si mesma, poder-se-á fazeruma investigação em Didáctica da Filosofia que não sejafilosófica?

- Poderá haver lugar a uma didáctica da Filosofia que não sejaprioritariamente filosófica?

- Poderá haver lugar a uma Didáctica da Filosofia que não pres-suponha uma determinada Filosofia da Educação?

- Que seria um ensino da Filosofia subordinado a uma técnica ou auma ciência senão um positivismo?

Estas e outras possíveis interrogações que claramente pressupõem aindissociabilidade de uma didáctica da Filosofia, da Filosofia mesma;levam também implícita a ideia da impossibilidade de conceber umadidáctica da Filosofia a partir da anterioridade de uma qualquer outrainstância disciplinar que pudesse ser constituída como ciência arqui-tectónica. Não admitimos a anterioridade de uma qualquer Didáctica Geral

de que a Didáctica da Filosofia seria apenas uma concretização ou espe-cificação.

Ao assumirmos esta tomada de posição não prtetendemos afirmar que

não fazem sentido as investigações sobre, por exemplo, os mecanismos

gerais implícitos em todas as aprendizagens, os diversos estilos

cognitivos, os diversos modelos de ensino, as variantes pessoais da

aprendizagem, etc. O que pretendemos dizer é que esses estudos não

configuram e por si sós não autorizam uma didáctica geral na medida em

que o ensino-aprendizagem é sempre ensino-aprendizagem de alguma

matéria e com desterminadas finalidades. Não advogamos também a

prioridade da Pedagogia ou das ciências da educação relativamente à

Filosofia para pensar o ensino da filosofia ou a aprendizagem do filosofar.

No debate actual entre os partidários das didácticas das disciplinas

(aqueles que defendem uma estreita relação entre as didácticas e as

ciências de origem) e os partidários de uma Didáctica Geral de recorte

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psico-pedagógico a partir da qual se consideraria a especificidade de cadauma das discilplinas e as respectivas didácticas, inclinamo-nos para o ladodos primeiros em detrimento dos segundos.

Em Didáctica da Filosofia não prescindimos de nos mantermos aíonde sempre devemos estar : na Filosofia.

Por quanto fica dito, é nosso entendimento que uma didáctica daFilosofia deve ser antes de mais filosófica e sobredeterminada pela Filo-sofia e só subsidiariamente tributária das investigações empíricas nosdomínios da Pedagogia , da Psicologia , da Sociologia ou das Ciências daLinguagem e da Comunicação. Pretendemos esclarecer a propósito destareferência às Ciências da Linguagem e da Comunicação que não é nelasque encontramos os primeiros fundamentos para a presente proposta deuma didáctica comunicacional. É antes a partir da própria Filosofia, comojá se esclareceu no § 3.1, que se propõe uma didáctica que leva adiferença específica de se dizer comunicacional. É na base de uma pressu-posição filosófica que inscrevemos o sentido, as práticas e os métodosdo ensino-aprendizagem da filosofia.

Mas, feita uma tal observação e assumidas as posições fixadas nosparágrafos anteriores, não se julgue que partilhamos, no entanto, daconvicção, difundida por alguns, particularmente dentro da Filosofia, deque as investigações nos domínios das ciências da educação, da Psicologiae da Sociologia e os seus resultados sejam indignos de consideraçãofilosófica para efeitos da transmissão, ensino, aprendizagem e comu-nicação da (na) Filosofia.

Aquilo de que estamos convictos é que, antes dos objectivos e dosprocedimentos, dos métodos e das técnicas, dos instrumentos e das acti-vidades de ensino- aprendizagem , se nos exige uma reflexão e funda-mentação em sede de razão filosófica que nos autorizem a utilizá-los, unsem detrimento de outros, desta e não daquela maneira, ou talvez, até anão fazer uso deles se o nosso engenho e arte igualarem ou se apro-ximarem dos de Sócrates, Kant ou Hegel. Mas, atenção, a modéstia podeser uma grande virtude nestes domínios. O mestre prescinde e superanaturalmente a pedagogia; porém, o modesto professor de Filosofia talveznão possa prescindir de, ao menos , provisoriamente , passar por ela.

3.5. Da necessidade de reflexão e investigação -acção no ensino -apren-dizagem da Filosofia

Sem menosprezarmos a justeza, a relevância e o significado da afir-mação produzida de boa fé por muitos intelectuais da Filosofia segundoa qual "os verdadeiros problemas do ensino da Filosofia não são de ordempedagógica, mas filosófica" (CARRILHO, 1987, p. 15) permitimo-nos

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retorquir que não raras vezes são sobretudo os problemas de ordempedagógica, leia-se de ordem comunicacional , que maltratam e suicidamo ensino da filosofia nas nossas escolas secundárias. Não se quer,obviamente, com uma tal afirmação minimizar a relevância da relaçãocom o saber por parte dos professores de Filosofia, como atrás já seesclareceu profusamente. Postulamos até que a relação com o saber porparte do professor é substancial e prévia. Condição essencial e necessária,ela é, no entanto, insuficiente. Importa ainda perguntar se à natureza dosaber não é consubstancial a sua transmissão e comunicação. Que seriade um saber silenciado e solipsista?

A estas razões de ordem interna acrescentaríamos outras de ordemexterna e institucional.

No contexto da nossa educação secundária , pensamos que sãonecessárias e urgentes uma investigação e uma reflexão sobre as práticasvigentes do ensino da Filosofia, entre nós. A falta de consensos nestedomínio, de reflexão, e sobretudo a proliferação de práticas tãodiversificadas, muitas delas de natureza e valor duvidosos, são tambémalguns dos argumentos sempre invocáveis para denegrir o ensino daFilosofia nas nossas escolas secundárias. Convenhamos que temos dereconhecer, neste particular, alguma razão aos nossos adversários.Diríamos mesmo que a Filosofia tem vivido entre nós num "estado degraça" cujo terminus esteve iminente quando os reformadores do nossosistema educativo, no ano de 1988, avançaram a hipótese de o ensino daFilosofia, no secundário, se circunscrever à área de Humanísticos,devendo ser substituída por esse heteróclito disciplinar que dava pelonome "História das Ideias e da Cultura".

Por quanto se vem dizendo, concluímos que existe de direito, ou sejaque nos parece teoricamente sustentável, mas que não existe, de facto,ou seja, que não se encontra elaborada conceptual e empiricamente umadidáctica específica da Filosofia. O que temos de facto são múltiplaspráticas do ensino-aprendizagem da Filosofia, a que falta uma estruturateórica de suporte e uma investigação-acção intersubjectivamente verifi-cada. Urge re-pensar, para bem da educação, da escola e naturalmentetambém da própria filosofia, uma didáctica à altura da filosofia quedignifique o seu ensino e empreste à educação a filosofia que ela merece.Uma das mais importantes conclusões que se retiram da análise dasituação actual do ensino da Filosofia na educação secundária (e naUniversidade também) é a necessidade da filosofia se pensar comoensino, sede por excelência da sua habitação e da sua intervenção naactualidade.

A disciplina de Filosofia ocupa nos curricula da educação secundáriaum lugar de grande destaque e a ela são atribuídos importantes objectivos.

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Por via da sua presença no tronco comum de todas as áreas de estudo doensino secundário, impende sobre a comunidade filosófica a granderesponsabilidade de velar pela qualidade da sua acção educativa epedagógica.

Conclusão

Percorrida esta "via longa" das articulações entre Filosofia, Educaçãoe Comunicação, assinaladas as dificuldades e as controvérsias que susci-tam as didácticas, em geral, e a didáctica da Filosofia, em particular,procuraremos clarificar, a jeito de conclusão, o sentido e o conceito deuma "didáctica comunicacional".

Por "didáctica" (uma didáctica específica) entendemos aquele saberteórico-prático resultante de um processo de reflexão-investigação-acção,transversal e transdisciplinar, que, para efeitos do ensino-aprendizagemde uma disciplina, interliga e articula: 1 - os saberes da ciência de origem,2 - com uma ideia reguladora de educação e de escola(explicitada numaLBSE e num Curriculum Base), 3 - tendo em consideração os resultadosdas investigações empíricas em ciências de educação, 4 - em conexão coma "praxis" (acção).

Uma tal definição, controversa pela natureza da matéria, contestávelcomo muitas, redutora como todas, foi a melhor formulação queencontrámos para expressar a dedução das articulações feitas até aomomento presente.

Eis alguns esclarecimentos complementares que a definição exige ealguns corolários que dela se desprendem.

Trata-se, em primeiro lugar, de uma definição que tem da didácticao conceito de um saber em permanente re-contrução, por via danecessidade de atender: - à reformulação dos paradigmas e à revisão dasteorias científicas; - por depender da necessária e permanente correcçãoda ideia de educação e da função da escola na sociedade sempre emtrânsito; - por se ter de ajustar e assimilar os resultados da investigaçãoempírica em "ciências da educação" e - por ter de reconsiderar em cadamomento a própria "praxis".

Trata-se, em segundo lugar, de uma definição que faz algum curto-circuito com a possibilidade de se admitir uma "didáctica geral" (quesobredeterminaria as didácticas específicas), por via do privilégio darelação de qualquer didáctica com as ciência de origem que aqui foiadvogado. A admissão da legitimidade de uma didáctica geral implica,do nosso ponto de vista, uma relação privilegiada com a pedagogia ouas ciências da educação e a aceitação da pressuposição pedagógica quecontestamos no § 1.3.

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Trata-se, ainda, de uma definição que impede a redução da didácticaa uma "metodologia geral ", como alguns a concebem ; ou a uma "pra-xiologia", assim entendida por outros.

Trata-se, por fim, de uma definição que concebe a didáctica comouma permanente reflexão crítica que visa consubstanciar-se numa"theoria" reguladora e configuradora das práticas de ensino-aprendizagem.

Quanto ao conceito "comunicacional", que marca a diferença especí-fica da presente proposta de uma didáctica, esclarecemos que, não forauma certa usura a que a palavra "diálogo" tem sido sujeita, que a apro-xima mais de negociação e não fora a deselegância da expressão, propo-ríamos a designação de "didáctica dialógica", porque, como ficou estabe-lecido nos §§ 2.1, 2.2 e sobretudo no § 2.3, a sede na qual há educação,se conhece e se aprende é o dia-logos, ou seja, a palavra partilhada.

É verdade que o termo "comunicacional" também se presta aequívocos e pode facilmente ser conotado com um conceito de "comu-nicação" reduzida a transmissão que tem da palavra e da linguagem umavisão de mero instrumento de expressão . Já ressalvamos uma tal inter-pretação minimalista e sobrevalorizámos as funções internas de cogniçãoe regulação do pensamento que hoje são atribuídas à linguagem. Prefe-rimos , pois , o termo "comunicacional".

O quadro que se segue procura dar expressão gráfica ao que se acabade precisar quanto às conexões da didáctica (neste caso da Filosofia) comcom as suas instâncias de referência.

Filosofia(ciência de origem)

1Teoria da educação

Ideia de EscolaDIDÁCTICA

LBSECurriculumProgramas

Ciências da educação

C/Linguagem/Comunicação/Psicologia/Psic. Cognitiva/

Sociologia da Educação/eoutras

Princípios didácticos

Finalidades e Objectivos

Propostas de concretização

Praxis/Acção

Ensino-Aprendizagem

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