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3 a SÉRIE ENSINO MÉDIO Caderno do Professor Volume 1 FILOSOFIA Ciências Humanas

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3a SÉRIE ENSINO MÉDIOCaderno do ProfessorVolume 1

FILOSOFIACiências Humanas

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MATERIAL DE APOIO AOCURRÍCULO DO ESTADO DE SÃO PAULO

CADERNO DO PROFESSOR

FILOSOFIAENSINO MÉDIO

3a SÉRIEVOLUME 1

Nova edição

2014-2017

GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO

SECRETARIA DA EDUCAÇÃO

São Paulo

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Governo do Estado de São Paulo

Governador

Geraldo Alckmin

Vice-Governador

Guilherme Afif Domingos

Secretário da Educação

Herman Voorwald

Secretário-Adjunto

João Cardoso Palma Filho

Chefe de Gabinete

Fernando Padula Novaes

Subsecretária de Articulação Regional

Rosania Morales Morroni

Coordenadora da Escola de Formação e Aperfeiçoamento dos Professores – EFAP

Silvia Andrade da Cunha Galletta

Coordenadora de Gestão da Educação Básica

Maria Elizabete da Costa

Coordenadora de Gestão de Recursos Humanos

Cleide Bauab Eid Bochixio

Coordenadora de Informação, Monitoramento e Avaliação

Educacional

Ione Cristina Ribeiro de Assunção

Coordenadora de Infraestrutura e Serviços Escolares

Ana Leonor Sala Alonso

Coordenadora de Orçamento e Finanças

Claudia Chiaroni Afuso

Presidente da Fundação para o Desenvolvimento da Educação – FDE

Barjas Negri

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Senhoras e senhores docentes,

A Secretaria da Educação do Estado de São Paulo sente-se honrada em tê-los como colabo-

radores nesta nova edição do Caderno do Professor, realizada a partir dos estudos e análises que

permitiram consolidar a articulação do currículo proposto com aquele em ação nas salas de aula

de todo o Estado de São Paulo. Para isso, o trabalho realizado em parceria com os PCNP e com

os professores da rede de ensino tem sido basal para o aprofundamento analítico e crítico da abor-

dagem dos materiais de apoio ao currículo. Essa ação, efetivada por meio do programa Educação

— Compromisso de São Paulo, é de fundamental importância para a Pasta, que despende, neste

programa, seus maiores esforços ao intensificar ações de avaliação e monitoramento da utilização

dos diferentes materiais de apoio à implementação do currículo e ao empregar o Caderno nas ações

de formação de professores e gestores da rede de ensino. Além disso, firma seu dever com a busca

por uma educação paulista de qualidade ao promover estudos sobre os impactos gerados pelo uso

do material do São Paulo Faz Escola nos resultados da rede, por meio do Saresp e do Ideb.

Enfim, o Caderno do Professor, criado pelo programa São Paulo Faz Escola, apresenta orien-

tações didático-pedagógicas e traz como base o conteúdo do Currículo Oficial do Estado de São

Paulo, que pode ser utilizado como complemento à Matriz Curricular. Observem que as atividades

ora propostas podem ser complementadas por outras que julgarem pertinentes ou necessárias,

dependendo do seu planejamento e da adequação da proposta de ensino deste material à realidade

da sua escola e de seus alunos. O Caderno tem a proposição de apoiá-los no planejamento de suas

aulas para que explorem em seus alunos as competências e habilidades necessárias que comportam

a construção do saber e a apropriação dos conteúdos das disciplinas, além de permitir uma avalia-

ção constante, por parte dos docentes, das práticas metodológicas em sala de aula, objetivando a

diversificação do ensino e a melhoria da qualidade do fazer pedagógico.

Revigoram-se assim os esforços desta Secretaria no sentido de apoiá-los e mobilizá-los em seu

trabalho e esperamos que o Caderno, ora apresentado, contribua para valorizar o ofício de ensinar

e elevar nossos discentes à categoria de protagonistas de sua história.

Contamos com nosso Magistério para a efetiva, contínua e renovada implementação do currículo.

Bom trabalho!

Herman Voorwald

Secretário da Educação do Estado de São Paulo

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Orientação sobre os conteúdos do volume 5

Situações de Aprendizagem 9

Situação de Aprendizagem 1 – O preconceito em relação à Filosofia 9

Situação de Aprendizagem 2 – Filosofia como atividade reflexiva e sua importância para o exercício da cidadania 22

Situação de Aprendizagem 3 – A condição animal como ponto inicial no processo de compreensão sobre o homem 34

Situação de Aprendizagem 4 – A linguagem e a língua como características que identificam a espécie humana 40

Situação de Aprendizagem 5 – Filosofia e Religião 45

Situação de Aprendizagem 6 – O homem como ser político 53

Situação de Aprendizagem 7 – Platão e a justa desigualdade 59

Situação de Aprendizagem 8 – A desigualdade segundo Rousseau 70

Recursos para ampliar a perspectiva do professor e do aluno para a compreensão dos temas 84

Quadro de conteúdos do Ensino Médio 88

Gabarito 89

SUMÁRIO

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Filosofia – 3a série – Volume 1

ORIENTAÇÃO SOBRE OS CONTEÚDOS DO VOLUME

Prezado Professor,

O presente volume sofreu algumas altera-ções em relação às edições anteriores. As mu-danças foram modestas e tiveram o sentido de melhorar o diálogo entre o Caderno do Pro-fessor e o Caderno do Aluno.

De maneira geral, procuramos preser-var as Situações de Aprendizagem no seu formato original, pois não se trata de uma nova publicação, mas de nova edição. Des-sa forma, fizemos alguns acréscimos e algu-mas exclusões, sempre no sentido de melhor atender as orientações gerais para o ensino de Filosofia.

Enfatizamos que o encaminhamento pro-posto nas Situações de Aprendizagem disponí-veis no Caderno do Professor e no Caderno do Aluno tem o sentido de apresentar uma pos-sibilidade para percorrer as diretrizes dadas pelo Currículo Oficial do Estado de São Paulo. Contudo, entendemos que, para seguir o Cur-rículo, você não precisa nem deve ficar restrito apenas aos Cadernos, podendo complementar as Situações de Aprendizagem propostas com outros recursos. Você pode, ainda, adotar como referência um livro didático de sua preferência. Mas, mesmo que faça essa opção, lembre-se sempre que, ainda assim, deverá complemen-tar a proposta do livro com outros recursos e planejamento a fim de atender o Currículo. Advertimos que nenhum material é perfeito e jamais poderá ser utilizado sem planejamento e sem as indispensáveis contribuições teóricas e práticas do docente. Professor, você tem auto-nomia para planejar e preparar as suas aulas, selecionar os textos e os pensadores que me-lhor se adéquam aos temas curriculares e ao desenvolvimento das competências e habilida-des referidas no Currículo.

Entendemos que nunca é demais lembrar que o atendimento ao Currículo Oficial é in-dispensável, pois trata-se de uma política de Estado que visa a melhoria da educação pú-blica e a unificação dos processos de ensino e aprendizagem. Essa unificação pretende garantir a igualdade na formação e, assim, oportunizar aos nossos alunos trajetos mais equânimes. Ainda, o Currículo proporciona oportunidade para uma educação comprome-tida com a formação crítica, solidária e inclu-siva na medida em que também tem o senti-do de preparar os nossos alunos para a vida social e para adentrar e melhor se adaptar às demandas da esfera do mundo do trabalho, com base no desenvolvimento de habilidades e competências.

Conhecimentos priorizados

Neste volume você encontrará nas Situa-ções de Aprendizagem temas, conteúdos e propostas de reflexão que abordam a temáti-ca relativa ao mundo da prática no contexto das contribuições da Filosofia para o entendi-mento do homem como um ser de linguagem e um ser político. Nesse contexto, abordamos temas relativos à Filosofia quanto à sua uti-lidade e ao seu valor. Pensar sobre “o que é Filosofia e para que ela serve?”, com base no preconceito em relação à atividade filosófica, tem o sentido de retomar uma reflexão e uma discussão iniciada na 1a série. Isso permite ao aluno um contato mais efetivo com todas as aquisições em relação à tradição filosófica e, além disso, fornece condições para que ele verifique o quanto aprendeu e o quanto se familiarizou com a atividade filosófica. No sentido de ampliar e revelar outros aspectos da Filosofia presentes no nosso cotidiano, procuramos trazer algumas considerações sobre a sua importância para a esfera da

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cidadania. Abordamos a natureza da lingua-gem e as características do discurso filosófico em relação ao discurso religioso e em rela-ção à narrativa mitológica. Consideramos, ainda, a importância de refletir sobre o ho-mem como ser político e sobre os desafios postos para a política. A partir das Situações de Aprendizagem que compõem o presente volume, pretendemos proporcionar aos alu-nos ocasiões para que eles possam identificar situações de preconceito em relação à ativi-dade filosófica, identificar a presença da Fi-losofia no cotidiano, reconhecer aspectos do discurso filosófico, relacionar pensamento e linguagem, reconhecer a importância da de-mocracia e que vivemos em uma sociedade desigual. A prioridade foi dada, nesse senti-do, a temas e pensadores que proporcionam a reflexão e o entendimento sobre a relação entre Filosofia, linguagem e política com a finalidade de que os alunos possam se situar conscientemente como indivíduos, histórica e socialmente construídos, dentro de uma so-ciedade democrática.

Competências e habilidades

As competências e habilidades prioriza-das são aquelas referentes à atividade filo-sófica e às suas relações com a linguagem e com a política visando estimular a reflexão e a tomada de posição no tocante a questões próprias da vida democrática. Destacamos que a reflexão e a manifestação exigem o exercício da leitura, da escrita e da prática dialógica. Essas três práticas elementares são indispensáveis para a compreensão dos fenô-menos históricos, sociais, culturais, políticos, artísticos e científicos. A compreensão desses fenômenos permite a organização, a inter-pretação e a reflexão filosófica.

Metodologia e estratégias

A Filosofia no Ensino Médio tem o sentido de responder à necessidade de uma educação

integral. Ela compõe, junto com a arte e a ciên-cia, uma forma de abordar o mundo. Dessa forma, entendemos que um ensino que ignore a perspectiva filosófica de abordar o mundo não pode almejar ser integral. Se a presen-ça da Filosofia no Ensino Médio é justifica-da por uma demanda instrumental que seria a de munir os jovens de certos conhecimentos considerados necessários para o exercício da cidadania, essa demanda não lhe é exclusiva e é compartilhada por todas as disciplinas do Currículo. A demanda exclusiva da Filosofia é apresentar aos nossos jovens a reflexão do tipo filosófica e por ela ofertar aos nossos alu-nos uma formação mais abrangente, que vise a formação integral.

O Currículo e, como não poderia deixar de ser, os Cadernos de Filosofia procuram atender não apenas a demanda instrumental dada pela Lei de Diretrizes e Bases (LDB) mas também promover e valorizar a reflexão do tipo filo-sófica. Dessa forma, a organização dos temas curriculares e das Situações de Aprendizagem procura, com base em temas e conceitos rele-vantes no contexto da história da Filosofia, favorecer a reflexão filosófica para os alunos do Ensino Médio. Assim, ao trazermos para a re-flexão filosófica a atividade filosófica e as suas relações com a linguagem e com a política, pro-curamos acentuar a necessidade de se atentar para as condutas cotidianas.

Ao centrar as Situações de Aprendizagem nas questões que perpassam a recepção da atividade filosófica, a relação entre Filosofia e linguagem e entre Filosofia e política, não dis-pensamos a história da Filosofia, a retomada dos conceitos filosóficos e o exercício de orali-dade, leitura e escrita que permitem explorar o potencial filosófico de cada aluno e não cair em um ensino enciclopédico. Consideramos, na abordagem do tema, que o aporte da tra-dição filosófica só terá sentido se incentivar a elaboração de uma reflexão filosófica, se os alunos puderem experimentar o percurso do

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Filosofia – 3a série – Volume 1

pensamento organizado por meio do encontro com diferentes possibilidades de vocabulário, raciocínio, hipóteses, escolhas de premissas e consequências. Nesse sentido, incentivamos nas Situações de Aprendizagem a leitura e análise para a compreensão do texto, com base em pesquisas que visam ampliar o voca-bulário e, em especial, permitir que os alunos tenham acesso aos termos filosóficos. Há, ain-da, a indicação de questões que orientam o aluno a se remeter ao texto preferencialmen-te ou à explicação do professor. E, em menor frequência, mas não em menor importância, destacamos o papel da redação, que não es-pecificamos como dissertação, pois esta deve ser uma opção do professor, baseando-se na condição da turma de alunos que tem diante de si. Contudo, lembramos que a dissertação é ocasião privilegiada para o exercício da re-flexão filosófica. É por ela que o aluno expe-rimenta, que assume as hipóteses que deve levá-lo a certas conclusões. Neste volume, você, professor, poderá desafiar os alunos a argumentar acerca da Filosofia, da atividade filosófica, da importância da linguagem, so-bre as condições da democracia, os desafios da política e as consequências das concepções e escolhas.

Avaliação da aprendizagem

Estamos acostumados com a perspectiva de avaliação como uma régua, uma medida que permite classificar os alunos. Para reali-zar essa medição, nós, professores, geralmente, aplicamos provas, cujos resultados nos permi-tem dar notas e, assim, classificar os nossos alunos. Muitas vezes a classificação, ao final de um ano, nos permite identificar os alunos que apresentam ou não as condições para avançar no processo de escolarização. Ou seja, no processo ela nos permite decidir pela apro-vação ou reprovação dos alunos. Entendemos que essa perspectiva é apenas parcialmente vá-lida se considerarmos a atual função da esco-la. Dessa forma, procure estar sempre atento

aos processos de aprendizagens dos alunos, às necessidades, aos avanços e às dificuldades e não apenas ao que o aluno apresenta na prova bimestral. Considerando que a avaliação deve fazer parte do cotidiano escolar e não pode se reduzir a uma prova, ela deve contemplar todas as tarefas propostas, não apenas para o professor classificar, mas também para que o aluno reconheça as suas dificuldades e suas po-tencialidades. Assim, entendendo a avaliação da aprendizagem como parte de um processo formativo, o professor deve considerar todas as atividades propostas (e isso inclui as pes-quisas, a lição de casa e, sempre que possível, a redação). Não esqueça que cada atividade proposta e realizada deve receber da sua parte um retorno individualizado, preferencialmen-te, e/ou geral (nesse caso, deve-se especificar o que foi considerado um acerto da turma e no que eles precisam melhorar). No contexto deste volume, considere se os alunos, com base no tema proposto, foram capazes de identifi-car palavras centrais e seus significados dian-te do tema apresentado; se foram capazes de identificar os problemas apresentados em cada Situação de Aprendizagem; se ao ler um texto filosófico, conseguiram identificar os conceitos e a linha argumentativa do filósofo; se foram capazes de, por meio desse contato, reconhecer a relevância do problema e da contribuição da tradição filosófica; se foram capazes de identi-ficar o problema proposto como um problema atual, da sua realidade; e finalmente, até que ponto eles conseguiram avançar para uma re-flexão e argumentação do tipo filosófica.

Professor, optamos, nesta edição, por não trabalhar com a perspectiva de gabarito no sentido de stricto sensu, pois, no contex-to do ensino de Filosofia, devemos atentar, mais do que para a precisão das respostas, para o quanto o aluno reconhece os conteúdos transmitidos e, com base neles, apresenta con-dições de se aproximar da experiência filosófi-ca. Assim, reforçamos a perspectiva de que as sugestões de questões, presentes nas Situações

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de Aprendizagem, não se configuram em um receituário de perguntas em que as respostas já foram definidas. Com isso não queremos dizer que vale qualquer resposta. Lembramos que as Situações de Aprendizagem apresen-tam como referência textos e questionamentos que abordam o pensamento de determinados filósofos. Dessa forma, as respostas dos alu-nos devem se remeter ao que foi proposto e aos pensadores citados, sempre que assim for requerido. Por fim, sugerimos que você realize o exercício de responder às questões propostas em cada Situação de Aprendizagem antes de

indicá-las para os alunos e verifique se elas são pertinentes para a sua turma, se elas atendem à expectativa de aprendizagem e formação com base no tema trabalhado. Esse procedimento deve ser considerado sempre que utilizar ques-tões que não foram elaboradas por você, tais como as que estão propostas em livros didáti-cos, e as que foram formuladas para o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), provas de vestibulares e outras. Afinal, ninguém conhece melhor as turmas do que você!

Bom trabalho!

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Filosofia – 3a série – Volume 1

Esta Situação de Aprendizagem tem por ob-jetivo retomar e aprofundar a discussão, iniciada na 1a série do Ensino Médio, sobre o que é a Fi-losofia, enfatizando, neste momento, a necessida-de de combater e superar as diversas formas de preconceito em relação a ela, a exemplo dos que se expressam em ideias como: a Filosofia é uma atividade intelectual muito difícil e, por isso, restri-ta a poucas pessoas de inteligência privilegiada; a Filosofia é coisa de gente esquisita, diferente, meio excêntrica, desligada da vida concreta; a Filosofia, por não ter uma aplicação prática imediata (ga-nhar dinheiro, por exemplo), é absolutamente inú-til. Trata-se, portanto, de demonstrar que, ao con-trário do que dizem essas imagens preconcebidas e distorcidas da Filosofia, ela é uma atividade intelectual da maior importância, especialmente para o exercício crítico e consciente da cidadania, e acessível a todas as pessoas, sem distinção.

O principal referencial teórico para essas dis-cussões será a obra Cadernos do cárcere, de An-tonio Gramsci, embora neste primeiro momento ainda não apareçam citações explícitas desse au-tor. Para o encaminhamento do trabalho com os

alunos serão empregados, basicamente, o texto Apologia de Sócrates, de Platão, e alguns excer-tos de Aristóteles (A política). Começaremos com um rápido levantamento das ideias que as pessoas têm da Filosofia, a fim de explicitar a existência do preconceito já mencionado, possivelmente mesmo entre os alunos, apesar de terem estudado Filosofia nas séries anteriores. Em seguida, pas-saremos ao exame da situação específica de dois filósofos antigos, Tales de Mileto e Sócrates, com o objetivo de mostrar que esse preconceito, na re-alidade, não é recente, não é exclusivo dos tempos modernos, mas, ao contrário, remonta às origens da Filosofia. Por fim, retomaremos o caso de Só-crates, retratando particularmente o contexto de seu julgamento e condenação à morte para refle-tir sobre o caráter político que esse tipo de pre-conceito pode adquirir.

A proposta é que os alunos reflitam critica-mente sobre esses temas, de modo individual e também coletivo, e se expressem oralmente e por escrito a respeito deles de forma rigorosa, com a mediação do professor e a leitura dos textos contidos no Caderno do Aluno.

SITUAÇÃO DE APRENDIZAGEM 1O PRECONCEITO EM RELAÇÃO À FILOSOFIA

Conteúdos e temas: o preconceito em relação à Filosofia e a necessidade de combatê-lo e superá-lo; o caráter histórico desse preconceito: os exemplos de Tales de Mileto e Sócrates; a dimensão política da intolerância com a Filosofia e os filósofos.

Competências e habilidades: relacionar informações, representadas de diferentes formas, e conhecimen-tos disponíveis em diferentes situações, para construir argumentação consistente; identificar situações de preconceito, particularmente em relação à Filosofia e aos filósofos; reconhecer a dimensão política desse preconceito e posicionar-se diante dele; ler, compreender e interpretar textos teóricos e filosóficos; expressar-se por escrito e oralmente de forma sistemática; elaborar hipóteses e questões com base nas leituras e nos debates realizados.

Sugestão de estratégias: levantamento das opiniões contidas no senso comum sobre a Filosofia e os filósofos por meio de dinâmicas de grupo; pesquisa de campo e debates; leitura sistemática e proble-matizadora de textos; elaboração escrita do próprio pensamento; pesquisa bibliográfica e na internet.

Sugestão de recursos: figuras de filósofos e filósofas; internet; bibliografia complementar.

SITUAÇÕES DE APRENDIZAGEM

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Sondagem e sensibilização

Propomos que, inicialmente, você convide os alunos a participar de uma atividade de nature-za lúdica. Com o auxílio do Caderno do Aluno, apresente-lhes as figuras de filósofos e filósofa,

Figura 1 – Antonio Gramsci.

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Figura 4 – Rosa Luxemburgo.

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Figura 3 – DAVID, Jacques-Louis. A morte de Sócrates. 1787. Oléo sobre tela, 129,5 x 196,2 cm. Metropolitan Museum of Art, Nova Iorque.

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Figura 2 – Renato Janine Ribeiro.

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Sugestão de avaliação: domínio do conteúdo (conceitos, ideias, raciocínios etc.) estudado; capacidade de expressão clara, fluente, coerente, bem articulada e consistente (bem fundamentada, buscando superar o senso comum); envolvimento nas atividades propostas. Como instrumentos de avaliação, recomen-damos redações individuais; provas dissertativas e reflexivas; outros trabalhos que o professor julgar adequados e pertinentes.

sem revelar a identidade deles. Peça aos alunos que tentem descobrir a profissão dessas pes- soas, anotando as opções no Caderno do Aluno e respondendo às questões nele apresentadas.

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Filosofia – 3a série – Volume 1

1. Observe as imagens e atribua, no quadro, uma profissão a cada uma das pessoas representadas, apresentando pelo menos uma hipótese para justificar a profissão atribuída.

2. Que critérios você utilizou para atribuir a profissão a cada uma dessas pessoas?

3. Na sua opinião, quem entre essas pessoas mais se assemelha a um filósofo ou filósofa? Por quê?

4. Houve preconceito em suas respostas?

O objetivo desse questionamento é cha-mar a atenção para a possibilidade de que os próprios alunos, muitas vezes, expressam uma visão preconceituosa e estereotipada da Filo-sofia e dos filósofos.

Após a discussão, peça que se divi-dam em grupos para ler o texto “Ideias que as pessoas têm da Filo-

sofia”, que consta no Caderno do Aluno, na seção Leitura e análise de texto, e respondam às questões que o seguem. Ao terminarem, abra novamente o debate, a fim de que possam ava-liar a experiência que tiveram ao refletir sobre a própria concepção de Filosofia.

Ideias que as pessoas têm da Filosofia

Se fizermos uma rápida pesquisa com as pessoas à nossa volta, indagando o que elas pensam da Fi-losofia, muito provavelmente ouviremos opiniões diversas. Umas dirão, por exemplo, que a Filosofia é algo muito difícil e que, por isso mesmo, só pode ser praticada por pessoas de inteligência privilegiada, sendo inacessível aos “simples mortais”; outras responderão que a Filosofia é coisa de gente doida, que vive no mundo da Lua e que só se preocupa com assuntos abstratos, e que ela, a Filosofia, nada tem a ver com a vida prática; outras, ainda, concordando com estas últimas, emendarão que a Filosofia, por não ter uma aplicação prática imediata, não serve para nada. Pode ser que alguém, remando contra toda essa maré de opiniões pejorativas a respeito da Filosofia, arrisque-se a dizer que a considera uma matéria linda, já que permite o contato com o pensamento dos filósofos, expresso em frases de rara profundidade e beleza, ainda que, por vezes, incompreensíveis; por fim, certamente haverá também aquelas que confessarão, com algum sarcasmo ou menosprezo, não ter a menor ideia do que seja a Filosofia.

Todas essas opiniões, na realidade, são, pelo menos em certa medida, expressão de um preconceito em relação à Filosofia. Por que preconceito? Porque, em geral, são opiniões emitidas apressadamente, precipitadamente, sem a preocupação de se examinar com o devido cuidado o assunto sobre o qual se está opinando a fim de conhecê-lo melhor. Afinal, é justamente isso que caracteriza o preconceito. Sempre que adotamos tal postura, corremos mais seriamente o risco de nos enganar em nosso julga-mento e até de cometer injustiças com as pessoas.

Elaborado especialmente para o São Paulo faz escola.

1. Você se considera preconceituoso em rela-ção a alguma coisa? Argumente.Esta é uma questão aberta, que visa garantir um espaço

para que os alunos falem e debatam com liberdade sobre

as diferentes experiências de preconceitos por eles viven-

ciadas.

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2. E em relação à Filosofia? Justifique.Espera-se que reconheçam a existência, neles próprios, de

preconceito em relação à Filosofia e que discutam entre si,

sob a sua coordenação, as razões e as consequências de tal

preconceito. Uma delas, por exemplo, seria afastá-los do

contato com a Filosofia.

Para ampliar e aprofundar o tema, sugerimos uma pequena pesquisa, conforme orientação contida no

Caderno do Aluno, na seção Lição de casa. Cada aluno deverá entrevistar uma pessoa conhecida (pode ser alguém da própria famí-lia, amigo, vizinho, parente etc.) a fim de identificar a ideia que essa pessoa tem da Fi-losofia. Para tanto, deverá registrar no Ca-derno do Aluno a definição de Filosofia dada pelo entrevistado, a utilidade a ela atribuída, os adjetivos positivos e negativos que forem ci-tados e a opinião do entrevistado a respeito do que faz um filósofo e do que uma pessoa precisa fazer para filosofar.

Com base nos resultados obtidos com a pesquisa indicada, você poderá dividir a tur-ma em grupos, pedindo a eles que analisem, comentem e sintetizem os resultados obtidos com as entrevistas. Após alguns minutos de discussão, peça a cada grupo que relate para a sala a síntese elaborada e anote na lousa as respostas obtidas para os quatro itens da entrevista: Cite dois adjetivos que você atribui-ria à Filosofia; O que é Filosofia para você?; Na sua opinião, para que serve a Filosofia? Na sua opinião, o que faz um filósofo e o que uma pessoa precisa fazer para filosofar? Peça que deem ênfase especial aos adjetivos que apa-receram, distinguindo os positivos dos nega-tivos. Ao término do relato dos grupos, você terá construído um inventário das opiniões mais comumente associadas à Filosofia e preparado o cenário para que se inicie a dis-cussão sobre a questão do preconceito em relação a ela. Essa discussão pode ser estimu-lada por questões como:

Qual é o conceito de Filosofia que preva-leceu?

Quais tipos de adjetivo foram predominantes: positivos ou negativos?

Entre os negativos, qual é o que mais apa-receu?

Que finalidades ou utilidades as pessoas atribuem à Filosofia? Na visão da maioria, para que serve a Filosofia?

Como a maioria dos entrevistados vê a fi-gura do filósofo?

O que as pessoas acreditam ser necessário para que uma pessoa filosofe?

Qual é a sua hipótese de como as pessoas chegaram à opinião dada?

Será que as pessoas que pensam assim co-nhecem de fato o assunto do qual estão fa-lando?

As opiniões manifestadas revelam um pre-conceito em relação à Filosofia e aos filó-sofos? Justifique.

O que é, afinal, um preconceito?

Após essa motivação inicial, cabe apro-fundar um pouco mais a discussão sobre o preconceito em relação à Filosofia, de-monstrando que não se trata de algo novo ou recente, mas que, ao contrário, remonta às origens da Filosofia na Grécia Antiga. O exemplo a ser analisado, neste momento, será Tales de Mileto.

Por meio do exame de duas anedotas con-tadas sobre Tales, uma registrada por Platão e outra por Aristóteles, é possível perceber que, muitas vezes, as opiniões correntes sobre a Filosofia e os filósofos não correspondem inteiramente à verdade, revelando-se fruto de juízos precipitados ou mesmo de total desco-nhecimento do assunto.

Para empreender esse aprofunda-mento, sugerimos que oriente os

alunos a ler, ainda em grupos, o texto “Tales de Mileto: o distraído” que está reproduzido

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Filosofia – 3a série – Volume 1

no Caderno do Aluno, na seção Leitura e análise de texto. Os excertos de Platão e Aristóteles, além de cumprir o objetivo de explicitar o caráter equivocado das opiniões correntes sobre Tales de Mileto, permitem ainda o contato direto dos alunos com o tex-to filosófico clássico, mesmo que por meio de fragmentos. Seria apropriado se você

aproveitasse essa oportunidade para expor outras informações e elementos sobre esses autores e suas obras (dados biográficos, con-texto histórico em que viveram, aspectos de seu pensamento, curiosidades sobre sua vida etc.) com base em seu próprio estudo, visan-do ampliar o conhecimento e o interesse dos alunos.

Tales de Mileto: o distraído

O preconceito e a hostilidade em relação à Filosofia não são algo novo, recente, mas, ao contrário, remontam às origens da Filosofia na Grécia Antiga.

Talvez o registro mais antigo desse preconceito seja aquele de que foi vítima Tales de Mileto, que viveu no século VII a.C. e é considerado o primeiro filósofo da história. A respeito dele, contava-se a seguinte anedota, bastante difundida na Grécia Antiga e recuperada por Platão em sua obra Teeteto1: Tales era tão interessado no estudo dos astros que costumava caminhar olhando para o céu. Certo dia, absorto em seus pensamentos e raciocínios, acabou tropeçando e caindo em um poço, sendo motivo de riso e caçoada para uma escrava que ali se encontrava. Espalhou-se, então, o boato de que Tales se preocupava mais com as coisas do céu, esquecendo-se das que estavam debaixo de seus pés. “Essa pilhéria”, adverte Platão, “se aplica a todos os que vivem para a Filosofia” 2.

Essa imagem de um homem distraído e trapalhão, porém, não parece condizer com a verdade sobre Tales, que, ao que tudo indica, era uma pessoa bem esperta, viva e inteligente. É o que se conclui, por exemplo, de outra anedota contada a respeito de sua sabedoria, registrada por Aristóteles em sua obra A política:

“Como o censuravam pela pobreza e zombavam de sua inútil filosofia, o conhecimento dos astros permitiu-lhe prever que haveria abundância de olivas. Tendo juntado todo o dinheiro que podia, ele alugou, antes do fim do inverno, todas as prensas de óleo de Mileto e de Quios. Conseguiu-as a bom preço, porque ninguém oferecera melhor e ele dera algum adiantamento. Feita a colheita, muitas pes-soas apareceram ao mesmo tempo para conseguir as prensas e ele as alugou pelo preço que quis. Tendo ganhado muito dinheiro, mostrou a seus amigos que para os filósofos era muito fácil enriquecer, mas que eles não se importavam com isso. Foi assim que mostrou sua sabedoria.”3

Na verdade, Tales deve ter gozado de grande prestígio em sua época. Tanto que passou para a poste-ridade como um dos sete sábios da Grécia4: na política, empenhou-se em organizar as cidades gregas da Jônia para enfrentar a ameaça dos persas; como engenheiro, quis desviar o curso de alguns rios para fins de navegação e irrigação; como pesquisador, investigou as causas das inundações do rio Nilo, rompendo com as explicações míticas que se davam para elas; como astrônomo, previu um eclipse solar e descobriu a constelação denominada Ursa Menor; como matemático e geômetra, teria descoberto um método para medir a altura de uma pirâmide do Egito, do qual teria derivado o famoso “teorema de Tales”.

1 PLATÃO. Diálogos. Teeteto/Crátilo. Tradução Carlos Alberto Nunes. Belém: Editora Universitária UFPA, 2001. p. 83 [174a].2 Ibidem.3 ARISTÓTELES. A política. Tradução Roberto Leal Ferreira. São Paulo: Martins Fontes, 1998. p. 30.4 De fato, atribuem-se a ele inúmeros feitos importantes, como revela a professora e filósofa Marilena Chaui, em Introdução à história da Filosofia: dos pré-socráticos a Aristóteles. São Paulo: Companhia das Letras, 2003. p. 55.

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Além disso, não podemos esquecer que Tales foi, segundo Aristóteles, o primeiro a dar uma respos-ta racional, isto é, sem recorrer aos mitos, para a pergunta que mais incomodava os filósofos chamados pré-socráticos ou filósofos físicos: Qual era o elemento primordial que dava origem a todas as coisas? Para Tales esse elemento era a água, por ela estar presente nos alimentos necessários à vida, pelo fato de as coisas vivas serem úmidas, enquanto as mortas ressecam, e porque a Terra repousa sobre as águas. Daí sua conclusão de que ela deve ter sido o elemento primordial.

A hipótese que associa todos os seres a uma única matriz (substância primária), a água, é uma hi-pótese que poderia ser considerada corriqueira, mas significou uma revolução intelectual. Ao afirmar que, apesar da diversidade entre os seres, apresentamos um elemento em comum, e que tal elemento é natural (no caso a água), Tales e outros filósofos jônicos superaram a necessidade de uma explicação mitológica acerca da existência das coisas do mundo. Tales, assim como Anaxímenes (ar como ele-mento primordial) e Anaximandro (ápeiron – matéria infinita da qual todas as coisas se separam como elemento primordial) estabeleceram um critério, um modelo de compreensão que pode ser empregado para todos os seres, homens, natureza e deuses. Dessa forma, Tales, Anaximandro e Anaxímenes im-plantaram um novo modo de reflexão. “Da origem do mundo, de sua composição, de sua ordem, dos fenômenos meteorológicos, propõem explicações livres de toda a imaginária dramática das teogonias e cosmogonias antigas. [...] Nada existe que não seja natureza, physis. Os homens, a divindade, o mundo formam um universo unificado, homogêneo, todo ele no mesmo plano”5.

Vemos, portanto, que Tales, ao contrário do que sugere a primeira anedota, não tinha nada de lunático, distraído e desligado dos problemas concretos. Eis por que a tal anedota revela, de fato, um preconceito, isto é, um conceito precipitado e desprovido de fundamentação.

Elaborado especialmente para o São Paulo faz escola.

5 VERNANT, Jean-Pierre. As origens do pensamento grego. Tradução Isis Borges B. da Fonseca. Rio de Janeiro: Difel, 2002. p. 109-110.

Para expandir o significado dessa leitura, o Caderno do Aluno traz ainda um conjunto de questões que procura articular o conteúdo do texto com a questão do preconceito, as quais podem ser respondidas em grupos ou indivi-dualmente. São elas:

1. Na sua opinião, Tales foi vítima de precon-ceito? Por quê?Sim, pelo menos no que se refere à primeira anedota. Isso

porque, como ficou demonstrado pelo texto, a ideia de uma

pessoa desligada e desinteressada dos problemas concretos

do cotidiano parece não corresponder à verdade sobre Tales.

2. De acordo com o excerto de Aristóteles, e baseado nos outros dados do texto anali-sado, você consideraria a filosofia de Tales como algo sem utilidade? Justifique.Não, porque, ao filosofar, ele mostrava preocupação com

questões de astronomia e de cosmologia (por exemplo, a

pergunta sobre qual elemento dá origem a todas as coisas),

até sem dar importância se isso lhe traria lucros ou riquezas

materiais. Aliás, sendo um comerciante bem-sucedido, Tales

não precisava mesmo se preocupar muito com isso. Além

disso, a filosofia de Tales parecia inútil porque, para a maioria

das pessoas, os temas que ele investigava aparentavam não

ter nenhuma relevância.

3. E quanto a você? Já sofreu algum precon-ceito? Já presenciou alguma situação em que alguém sofreu preconceito? Relate a experiência. Resposta pessoal.

4. Você acredita que uma pessoa que passe a se interessar pela Filosofia será alvo de pre-conceito, hostilidade ou rejeição? Por quê? Teme que isso aconteça com você?

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Filosofia – 3a série – Volume 1

Resposta pessoal. Se for possível, pode-se introduzir a dis-

cussão sobre as razões políticas que podem estar por trás da

hostilidade em relação à Filosofia. Por exemplo, o receio de

que as pessoas passem a pensar mais crítica e sistematica-

mente, desenvolvendo questionamentos e argumentações

não habituais.

Finalmente, para consolidar e aprofundar o conhecimento sobre Tales e os filósofos pré-socráticos,

sugerimos, conforme proposta do Caderno do aluno, na seção Pesquisa individual, uma pe-quena pesquisa complementar, a ser feita em casa, cujos dados devem ser inseridos no qua-dro indicado. Para auxiliar os alunos, você pode sugerir fontes bibliográficas de consulta, ou mesmo sites confiáveis na internet. Alerte, porém, para que evitem o esquema do “recor-ta e cola”, mostrando que o objetivo é que produzam uma síntese pessoal a partir da compreensão que conseguirem ter do tema es-tudado. É importante, também, que você, pro-fessor, motive os alunos para essa pesquisa por meio de breves comentários e explicações pré-vias sobre esses filósofos. Cada aluno pode pesquisar individualmente todos os pré-socrá-ticos, ou você pode distribuir um filósofo para cada grupo, cuidando para que, posteriormen-te, todos tenham acesso à pesquisa desses grupos. Quanto ao prazo de devolução dos re-sultados da pesquisa, somente você, professor, por conhecer sua turma, poderá avaliar o tem-po e o grau de complexidade que ela deverá ter. Uma vez realizada a pesquisa, confira o trabalho proposto, abrindo espaço para os alunos se manifestarem sobre a experiência. Ainda no Caderno do Aluno, há a indicação de algumas questões que servem de roteiro para a pesquisa. Procure verificar se essas questões atendem a seus critérios. Caso julgue necessário, pode ampliá-las ou reformulá-las.

Professor, além dessa abordagem inicial, sugerimos que amplie o tema proposto com base no caso emblemático de Sócrates. Trata--se de um filósofo que pode chamar a atenção

da turma, seja por sua posição na História da Filosofia, seja por seu modo de abordar seus interlocutores, ou ainda pela sua história de vida. Pode ser interessante iniciar o “caso” Sócrates pela causa de sua morte, em geral associada à sua capacidade de conversar com os jovens, como nos relata Platão na obra Apologia de Sócrates. Convém, pois, aprovei-tar-se desse carisma do filósofo para motivar ainda mais os alunos a conhecer suas ideias.

Para estimular os alunos, você pode propor a eles que reflitam por alguns instantes sobre duas questões contidas no Caderno do Aluno, na seção “Sócrates: aquele que vive nas nuvens”, aparentemente muito simplórias ou inocentes:

1. Quanto mede o pulo de uma pulga? Você consegue imaginar uma forma de medir essa distância? Se consegue, exponha-a.Resposta pessoal. O objetivo não é propriamente que o alu-

no tenha uma resposta pronta, mas motivá-lo ao estudo de

Sócrates, permitindo a ele experimentar a situação vivida

pelo filósofo, ao ser ridicularizado na comédia As nuvens, de

Aristófanes, que o retrata como alguém preocupado com

questões sem a menor relevância ou utilidade.

2. Por onde é produzido o zumbido do mos-quito: pela tromba ou pelo traseiro?Resposta pessoal, com o mesmo objetivo da anterior.

Essas duas questões, na realidade, apare-cem na comédia As nuvens, de Aristófanes, cujo objetivo é ridicularizar a imagem de Só-crates. Apresentando-as de surpresa aos alu-nos, você permitirá que eles experimentem a sensação de se ocupar de assuntos banais, sem qualquer relevância prática, a exemplo do que faziam filósofos como Sócrates, segundo a visão que deles tinham seus críticos e opo-sitores. Você pode provocá-los perguntando: Essas questões são relevantes? Como você se sentiu tendo de encontrar respostas para elas? Que tipo de pessoa se ocuparia de questões como essas? Teria razão quem julgasse essas pessoas desocupadas e até meio malucas?

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Feita essa motivação inicial, o passo seguinte é solicitar aos alunos que leiam atentamente o texto reprodu-

zido a seguir e na sequência do Caderno do Aluno, na seção Leitura e análise de texto, e levantem questionamentos sobre ele.

Sócrates: aquele que vive nas nuvens

Outra célebre vítima do preconceito e da intolerância contra a Filosofia foi Sócrates. E neste caso as consequências foram muito mais sérias, visto que o levaram à morte.

Na realidade, não há uma imagem única de Sócrates. Isso porque todas as informações que temos dele nos chegaram por testemunhos indiretos, já que ele mesmo nada escreveu. Assim, enquanto seus amigos, admiradores e discípulos, como Xenofonte e Platão, o viam como sábio, patriota, respeitador das leis e da religião, piedoso, justo, valoroso como guerreiro nas batalhas etc., seus críticos o retrata-vam como uma pessoa esquisita, deslocada, excêntrica, charlatã, corruptora de jovens e ímpia.

Entre todos os críticos da figura de Sócrates destacamos Aristófanes, dramaturgo grego, conserva-dor e satírico que escreveu As nuvens1, comédia que ridicularizava a figura de Sócrates.

Neste texto, aparece um Sócrates “se movendo livremente, proclamando que caminhava no ar e dizendo uma plêiade de outras tolices” das quais não entende nada2. É um Sócrates mestre dos so-fistas, isto é, charlatão, enganador e que ensinava às pessoas a arte desse engano. Aliás, essa imagem dos sofistas também era, em boa medida, preconceituosa. Na peça de Aristófanes, ele surge em cena empoleirado em uma cesta suspensa no ar, significando que ele vivia nas alturas, preocupado com questões de cosmologia e de astronomia (movimento dos astros, origem do universo etc.), ou com assun-tos sem a menor relevância, como a medida do pulo de uma pulga, ou se o zumbido de um mosquito é produzido por sua tromba ou seu traseiro, ficando totalmente alheio aos problemas realmente importantes da vida dos cidadãos de Atenas. A certa altura, um dos discípulos conta que, certa vez, “uma lagartixa atrapalhou uma indagação transcendental” de Sócrates. Isso aconteceu, segundo o relato, quando ele “observava a Lua para estudar o curso e as evoluções dela, no momento em que ele olhava de boca aberta para o céu, do alto do teto uma lagartixa noturna, dessas pintadas, defecou na boca dele”3.

Essa imagem depreciativa e até cômica de Sócrates provavelmente revela a ideia que a maioria das pessoas tinha a respeito dele e dos filósofos em geral. No entanto, é uma imagem bastante distorcida. Na realidade, Sócrates e os sofistas inauguraram um novo período na história da Filosofia em que a reflexão filosófica se deslocou da cosmologia e da física (princípio que dá origem a todas as coisas) para as questões relativas à vida concreta na cidade (pólis), isto é, à política, à ética, ao conhecimento. Entre os temas abordados por Sócrates, podemos elencar a justiça, a beleza, a coragem, o amor, a educação, entre outros. Convém destacar que o que mais chamava atenção, para além do tema em debate, era a forma como o filósofo abordava o assunto.

Além disso, no que se refere aos sofistas, Sócrates tinha, certamente, muito mais diferenças e mesmo divergências com eles do que semelhanças. Enquanto os sofistas se apresentavam como sábios, isto é, pes-soas entendidas em diversos assuntos, especialmente na técnica da retórica, Sócrates dizia: “Sei que nada sei”; enquanto os sofistas cobravam pelos ensinamentos que ministravam, Sócrates condenava essa práti-ca e filosofava com as pessoas gratuitamente na praça (ágora) de Atenas; enquanto os sofistas eram céticos

1 ARISTÓFANES. As nuvens; Só para mulheres; Um deus chamado dinheiro. Tradução Mário da Gama Kury. 2. ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2000. p. 11-101.2 PLATÃO. Apologia de Sócrates. Diálogos socráticos III. Tradução Edson Bini. São Paulo; Bauru: Edipro, 2008. p. 139-140 [19 c].3 ARISTÓFANES. Op. cit. p. 21.

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Filosofia – 3a série – Volume 1

em relação à possibilidade de se conhecer a verdade universal, Sócrates a perseguia incansavelmente; enquanto os sofistas contentavam-se com a opinião (doxa), Sócrates exigia o saber verdadeiro (episteme).

A respeito dos sofistas, diz Sócrates ironicamente por ocasião de seu julgamento: “Cada um desses homens [...] é capaz de dirigir-se a qualquer cidade e persuadir os jovens, os quais podem se associar, segundo queiram, com qualquer de seus concidadãos sem pagar, a deixar a companhia dessa pessoa para se juntarem a ele, remunerá-lo e, além disso, mostrar-lhe gratidão”4.

Vemos, assim, que a imagem de Sócrates traçada por Aristófanes, procurando retratá-lo como al-guém que anda nas nuvens, preocupado com assuntos alheios ao cotidiano das pessoas e identificado com os sofistas, não corresponde à verdade sobre ele. Ao contrário, baseia-se em um preconceito, a exemplo do que ocorrera com a anedota sobre Tales.

É interessante observar que em seu julgamento Sócrates fez menção à comédia de Aristófanes (As nuvens) como um dos fatores que provocaram as acusações contra ele5.4 PLATÃO. Op. cit. p. 140 [19e–20a].5 Ibidem, p. 139 [19c].

Elaborado especialmente para o São Paulo faz escola.

Dessa leitura, importa destacar:

a existência de várias imagens de Sócrates, construídas de acordo com a simpatia ou antipatia que as pessoas tinham em relação a ele, lembrando que essa multiplicidade de imagens foi facilitada pelo fato de Sócrates nada ter escrito;

o retrato negativo e satírico traçado dele por Aristófanes;

as diferenças reais entre Sócrates e os so-fistas.

Você pode iniciar a atividade traçando algumas considerações sobre Aristófanes (dados biográficos e principais obras) e a im-portância da comédia na Atenas dos séculos V e IV a.C. Sobre Aristófanes, cabe destacar, entre outros aspectos, que foi o mais famo-so comediógrafo da Antiguidade grega e que escreveu cerca de 44 comédias, das quais 11 chegaram até nós, entre elas: As nuvens, As vespas, Os pássaros, As rãs, A greve do sexo (ou Lisístrata), A revolução das mulheres e Um deus chamado dinheiro (cf. KURY, Aristófanes, 2000, p. 7). Nunca é demais recomendar aos alunos a leitura dessas obras, particularmente As nuvens, depois que a discussão sobre ela for feita. Quanto às comédias, eram repre-sentações teatrais muito populares, nas quais

se criticavam e satirizavam as instituições, os costumes, os políticos e, claro, os filósofos, como no caso da obra em questão. Sobre As nuvens, você pode narrar resumidamente o enredo para a sala, a fim de contextualizar melhor os trechos citados e facilitar sua com-preensão. Vale ressaltar, no entanto, como nos lembra Marilena Chaui (2003, p. 183), que Aristófanes não nos dá uma representa-ção absolutamente fiel de Sócrates e de sua filosofia. O que ele nos revela é, sobretudo, a imagem predominantemente negativa que boa parte dos atenienses tinham de Sócrates, o que se evidencia pelo riso que esta persona-gem provocava.

Visando ajudar na compreensão e no apro-fundamento da leitura realizada, são propos-tas duas atividades no Caderno do Aluno. A primeira consiste em um conjunto de ques-tões destinadas a “apimentar” o debate. São elas:

1. A comédia e o humor podem ser formas de propagação de preconceitos? Justifique sua resposta e, se possível, dê exemplos.

2. Essas formas de manifestação artística e cultural são importantes para a democra-cia? Justifique.

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3. Você vê alguma semelhança entre o papel da comédia no tempo de Sócrates e o dos programas humorísticos atuais? Dê exem-plos e comente.

A segunda atividade é uma pesqui-sa individual, a ser feita em casa, sobre o período histórico em que

Sócrates viveu (Período Clássico). O aluno de-verá consultar obras de história da Filosofia indicadas por você, ou mesmo a internet (sites confiáveis e sem “recorta e cola”) e responder às seguintes questões:

1. O que foi a comédia e qual era sua importân-cia para a democracia ateniense? Cite alguns dos principais comediógrafos e suas obras.

Filósofos Contexto histórico Pensamento

Pré-socráticosColônias gregas da Ásia Menor e da

Magna Grécia; século VI ao IV a.C.;

Período Arcaico.

Preocupação em investigar o princípio

que dá origem a todas as coisas (physis);

constroem explicações racionais (não mí-

ticas) para essa indagação.

SócratesAtenas, século V a.C.; Período Clássico; de-

mocracia ateniense; “Século de Péricles”;

Guerra do Peloponeso.

Preocupação com a política, a ética e o

conhecimento; não se apresenta como

sábio: “Sei que nada sei”; “Conhece-te a

ti mesmo”; filosofa por meio do diálogo –

método dialético – e nada cobra por isso;

busca da verdade (episteme); amigo do

saber (philosopho).

Sofistas Contemporâneos de Sócrates.

Ensinam por discursos eloquentes e não

por diálogo; cobram por seus ensinamen-

tos; desacreditam na possibilidade de se

conhecer a verdade universal – relativistas;

preocupação em persuadir e não com a

busca da verdade; praticantes da retórica;

apresentam-se como sábios; amantes da

opinião (philodoxos).

2. Pode-se afirmar que a imagem de Sócrates construída por Aristófanes é preconceituo-sa? Por quê? Em que sentido?

3. Como era a democracia ateniense e em que ela se diferencia da democracia brasileira atual?

4. Quais são as principais diferenças entre Sócrates, os filósofos pré-socráticos e os sofistas?

Referente à última questão, o Caderno do Aluno traz um quadro para ajudar a organizar as respostas. A seguir, há um esboço de como ele pode ser preenchido. No entanto, cabe a você complementá-lo ou fazê-lo do modo que julgar mais adequado.

Quadro 1.

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Filosofia – 3a série – Volume 1

Com essas atividades, espera-se que os alu-nos consolidem aspectos essenciais do conteú-do estudado e sejam capazes de posicionar-se diante dele.

Para fechar (sem encerrar) a discussão so-bre o preconceito e a hostilidade em relação à Filosofia, propomos a abordagem da “morte de Sócrates” a fim de explicitar a natureza po-lítica muitas vezes inerente a esse preconceito e a essa hostilidade.

Inicialmente, retome as questões respondi-das em casa e peça aos alunos que exponham suas respostas, promovendo um breve debate em classe. Em seguida, para introduzir o tema

da morte de Sócrates, proponha aos alunos que conversem por alguns instantes com o colega ao lado sobre a seguinte questão, que se encontra no Caderno do Aluno: Como é possível alguém ser a pessoa mais sábia que existe e, ao mesmo tempo, ser também alguém que nada sabe? O objetivo dessa indagação é introduzir o tema que será tratado no texto sobre Sócrates.

Proponha, então, que façam a leitu-ra cuidadosa do texto a seguir, cha-mando a atenção para os trechos

transcritos da obra de Platão, Apologia de Só-crates. O texto está no item Leitura e análise de texto no Caderno do Aluno.

A morte de Sócrates

De acordo com Platão, as acusações contra Sócrates foram: “Sócrates é réu por empenhar-se com excesso de zelo, de maneira supérflua e indiscreta, na investi-

gação de coisas sob a terra e nos céus, fortalecendo o argumento mais fraco e ensinando essas mesmas coisas a outros”1.

“Sócrates é réu porque corrompe a juventude e descrê dos deuses do Estado, crendo em outras divindades novas”2.

Levado a julgamento, foi condenado à morte. Como e por que isso ocorreu? Tudo começou quando Sócrates tomou conhecimento de que o oráculo do templo de Delfos, de-

dicado ao deus Apolo, havia proclamado que ele era o homem mais sábio de Atenas. Não se conside-rando como tal, mas, ao mesmo tempo, não podendo duvidar da palavra do deus, decidiu investigar o significado de tal revelação.

Procurou, então, aqueles cidadãos mais ilustres de Atenas e que eram tidos como os mais sábios da cidade. Eles pertenciam a três categorias sociais: os políticos, os poetas (autores de tragédias, como Aristófanes – embora mais conhecido por suas comédias –, e de ditirambos – cantos religiosos em homenagem ao deus Dionísio) e os artesãos.

Interrogando esses cidadãos (por meio de seu método dialético), constatou que, na realidade, nada sabiam dos assuntos em que eram tidos como sábios. Ao término da conversa com cada uma dessas pessoas, Sócrates concluía:

“Sou mais sábio do que esse homem; nenhum de nós dois realmente conhece algo de admirável e bom, entretanto ele julga que conhece algo quando não conhece, enquanto eu, como nada conheço, não julgo tampouco que conheço. Portanto, é provável, de algum modo, que nessa modesta medida seja eu mais sábio do que esse indivíduo – no fato de não julgar que conheço o que não conheço.”3

Daí a famosa expressão atribuída a Sócrates: “Tudo o que sei, é que nada sei”.

1 PLATÃO. Apologia de Sócrates. Diálogos socráticos III. Tradução Edson Bini. São Paulo; Bauru: Edipro, 2008. p. 139 [19b-c]. 2 Ibidem, p. 146 [24c].3 Ibidem, p. 142-143 [21d].

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Para explicitar a natureza política das acu-sações contra Sócrates, você pode chamar a atenção para o contexto político, cultural e so-cial em que ele está inserido e para o perfil das pessoas que se sentem ameaçadas pelo seu jeito de abordar temas e pessoas.

Na sequência, você pode pedir que os alu-nos retomem a pesquisa realizada no início

da Situação de Aprendizagem sobre o que as pessoas em geral pensam da Filosofia e con-frontem essas posições com as afirmações que seguem. Em seguida, você poderá solicitar aos alunos a produção de um texto sobre as dife-rentes perspectivas acerca da Filosofia. Esta proposta, assim como os textos a seguir sobre a importância da Filosofia para a formação dos educandos, estão no Caderno do Aluno.

Acontece que Sócrates praticava esses diálogos em praça pública, à vista de todos. Entre os presentes havia sempre muitos jovens, filhos de famílias ricas, que dispunham de tempo livre e, por isso, podiam acompanhá-lo nessas ocasiões. Eles se divertiam vendo Sócrates “desbancar” os que se julgavam sábios e, mais tarde, punham-se a imitá-lo, interrogando outras pessoas e descobrindo muitas que supunham saber o que de fato não sabiam. Essas pessoas, que em geral eram gente importante e de prestígio na cidade, sentindo-se constrangidas, tornavam-se furiosas não contra esses jovens, mas contra aquele que consideravam responsável por tê-los ensinado tal comportamento; e passavam a propagar: “Sócrates é o mais pestilento dos indivíduos e está corrompendo a juventude”. Na verdade, quando indagadas, tais pessoas não conseguiam provar tal acusação. Mas, para esconder seu constrangimento, lançavam mão daquelas acusações que sempre são usadas contra todo “filósofo, ou seja, que [ensina] ‘as coisas no ar e as coisas sob a terra’ e ‘não crê nos deuses’, e ‘torna mais forte o argumento mais fraco’”4. Esta é a origem das “inimizades, a um tempo implacáveis e aflitivas”, do ódio, das “calúnias” e das acusações contra Sócrates5 e que acabaram por levá-lo à morte.

No fundo, Sócrates foi condenado porque, na democracia ateniense, os assuntos mais importantes da vida da cidade eram decididos em assembleias (ekklesía) nas quais cada cidadão podia expressar livremente sua opinião a favor ou contra uma determinada posição. Era, pois, um regime político sus-tentado pela crença no valor das opiniões. Ora, o que Sócrates fazia com sua dialética era justamente pôr em xeque as opiniões, mostrando que, muitas vezes, elas refletiam um conhecimento falso sobre o assunto em questão. Assim, para as pessoas importantes da cidade que costumavam discursar nessas assembleias, a “má” influência de Sócrates, sobretudo sobre os jovens, representava uma ameaça ao sistema democrático do qual se beneficiavam. Eis aí a natureza política da condenação de Sócrates. 4 Ibidem, p. 145 [23d].5 Ibidem, p. 144 [23a].

Elaborado especialmente para o São Paulo faz escola.

“[...] qual a contribuição específica da Filosofia em relação ao exercício da cidadania para essa eta-pa da formação? A resposta a essa questão destaca o papel peculiar da Filosofia no desenvolvimento da competência geral da fala, leitura e escrita – competência aqui compreendida de um modo bastante especial e ligada à natureza argumentativa da Filosofia e à sua tradição histórica.”

Orientações Curriculares para o Ensino Médio – Ciências Humanas e suas Tecnologias. Brasília: Secretaria de Educação

Básica – SEB/Ministério da Educação – MEC, 2006. p. 26. Disponível em: <http:// portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/ book_

volume_03_internet.pdf>. Acesso em: 19 jul. 2013.

“No caso do aluno de Filosofia do Ensino Médio, o grau mínimo que assinala a construção das competências previstas [...] deve poder ser medido, em último caso, através da constituição dessa au-

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Filosofia – 3a série – Volume 1

tonomia discursiva ou (o que vem a ser sinônimo) da construção de uma competência de participação democrática.”

Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio – PCNEM. Parte IV. Brasília: Ministério da Educação, 2000. p. 62. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/cienciah.pdf>. Acesso em: 19 jul. 2013.

“Que a Filosofia não seja, muitas vezes, afirmativa, pode ser muito útil, quando tudo o que se necessita, num momento de formação, é examinar criticamente as certezas e verdades, questionar os valores e deixar aberto o espaço para a invenção significativa da própria vida.”

Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio – PCNEM. Parte IV. Brasília: Ministério da Educação, 2000. p. 59. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/cienciah.pdf>. Acesso em: 19 jul. 2013.

O resultado da confrontação da pesquisa com as afirmações propostas pode apresentar diferentes aspectos. Contudo, na redação do texto os alunos devem demonstrar que enten-deram que, ao terem contato com a Filosofia, estão desenvolvendo habilidades de argumen-tação necessárias para a vida democrática.

Você pode recolher esses textos, comentá--los e devolvê-los na aula seguinte. Se desejar, esse pode ser também um instrumento de ava-liação.

Avaliação da Situação de Aprendizagem

A avaliação deve verificar se as com-petências e habilidades esperadas foram satisfatoriamente desenvolvidas. As ativi-dades sugeridas ao longo dessa Situação de Aprendizagem podem ser tomadas como instrumentos de avaliação. De todo modo, apresentamos a seguir algumas atividades de avaliação, lembrando, porém, que cabe a você, professor, que conhece de fato seus alunos, elaborar os instrumentos de avalia-ção mais adequados.

Questões para avaliação

1. Comente a afirmação: “A Filosofia é uma ciência com a qual ou sem a qual o mundo fica tal e qual”.

Espera-se que os alunos sejam capazes de criticar essa ideia,

interpretando-a como expressão de preconceito, intolerân-

cia e desconhecimento da natureza da Filosofia.

2. Com base no excerto a seguir, explique o significado político das acusações contra Sócrates.

“Sócrates é réu porque corrompe a juven-tude e descrê dos deuses do Estado, crendo em outras divindades novas.”

PLATÃO. Apologia de Sócrates. Diálogos socráticos III. Tradução Edson Bini. São Paulo; Bauru: Edipro,

2008. p. 146 [24c].

Espera-se que o aluno demonstre ter compreendido as ra-

zões políticas das acusações contra Sócrates e de sua con-

denação e que, de certo modo, essa situação pode se repetir

com a Filosofia e os filósofos nos dias de hoje.

Proposta de situação de recuperação

Com base no estudo realizado, sugerimos que você solicite aos alunos que não conse-guiram demonstrar um bom entendimento do tema que retomem os textos disponíveis para esta Situação de Aprendizagem e esco-lham um deles para reescrevê-lo na forma de um diálogo fictício. Esse diálogo deve res-peitar o tema e o desenvolvimento do texto original.

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O objetivo desta Situação de Aprendiza-gem é destacar e problematizar uma das for-mas mais comuns de preconceito contra a Filosofia, qual seja, aquela que a considera como uma atividade intelectual muito difícil e, por isso, acessível apenas a uma minoria de in-teligência privilegiada. Com base nas contri-buições de Antonio Gramsci, a ideia é mostrar que, em um certo sentido, todos somos “filó-sofos”, pois todos somos capazes de refletir, pensar, conhecer com algum grau de logicida-de e sistematização, ainda que não o façamos da mesma maneira que os filósofos profissio-nais. Na realidade, é interessante explicitar, como também faz Gramsci, a diferença entre o “filósofo” (entre aspas) que todos somos e o filósofo (sem aspas) especialista, mas não para dizer que este último é melhor ou superior ao primeiro, mas, ao contrário, para deixar claro que todos são potencialmente filósofos (sem aspas) e capazes de avançar na direção de um filosofar cada vez mais próximo daquele pra-ticado pelos filósofos especialistas.

O desafio é despertar nos alunos a cons-ciência dessa sua potencialidade e da impor-tância de que seja desenvolvida, atualizada, mostrando-lhes que esse desenvolvimento é essencial para a sua formação como cidadãos críticos e conscientes de sua condição de sujei-tos da história e que o estudo da Filosofia na escola pode ajudá-los a atingir esse objetivo. Daí a importância de que sejam motivados a se dedicar a ele com afinco.

A obra Cadernos do cárcere, de Antonio Gramsci, é a principal referência teórica desta Situação de Aprendizagem. Inicialmente, pro-curaremos demonstrar que a Filosofia, de certo modo, está presente em diversas instâncias do senso comum (na linguagem, no bom senso,

na religião etc.), ainda que a maioria das pes- soas não se dê conta disso. Tal fato é importante para demonstrar que, na realidade, a Filosofia não está assim tão distante das pessoas como comumente se imagina. Uma vez constatado isso, será preciso esclarecer que, a despeito de certa familiaridade que, de algum modo, todos temos com a Filosofia, há uma clara distinção entre o “filósofo” que todos somos e o filóso-fo especialista ou profissional. Essa distinção, no entanto, não visa a estabelecer barreiras en-tre esses dois níveis do filosofar, mas, ao con-trário, apontar caminhos para que o “filosofar” espontâneo, comum a todos os homens, avance cada vez mais na direção de um filosofar mais parecido com o dos filósofos especialistas. E a escola pode contribuir para isso na medida em que possibilita o contato dos alunos com o pensamento dos filósofos.

Retomaremos, nesta Situação de Aprendi-zagem, agora em bases um pouco diferentes, o conceito de Filosofia, já trabalhado na 1a série do Ensino Médio. A proposta é basear--se na etimologia da palavra (filosofia como amor pelo saber) para apresentar o filósofo como aquele que se reconhece como ignorante (não sábio), mas que, ao mesmo tempo, an-seia pelo saber (sofia) e que, nesse sentido, se distingue do philodoxo (amante da opinião). Neste momento, serão utilizados alguns ex-certos da obra O banquete, de Platão. E pre-tendemos, ao final desta Situação de Aprendi-zagem, apresentar a atividade filosófica como “reflexão radical, rigorosa e de conjunto so-bre os problemas da realidade”, segundo a concepção de Dermeval Saviani, exposta no texto A Filosofia na formação do educador. Concluindo, retornaremos a Gramsci para re-forçar a importância política do contato com a Filosofia para a formação da cidadania.

SITUAÇÃO DE APRENDIZAGEM 2 FILOSOFIA COMO ATIVIDADE REFLEXIVA E SUA

IMPORTÂNCIA PARA O EXERCÍCIO DA CIDADANIA

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Filosofia – 3a série – Volume 1

Aqui também a proposta é que os alunos reflitam criticamente sobre esses temas, indivi-dual e coletivamente, e se expressem oralmente

e por escrito a respeito deles de forma rigorosa, apoiados na mediação do professor e na leitura dos textos contidos no Caderno do Aluno.

Conteúdos e temas: a presença da Filosofia no cotidiano (linguagem, senso comum, bom senso, religião etc.); a distinção entre o “filósofo” que todos somos e o filósofo profissional ou especialista; a Filosofia como reflexão; a importância da Filosofia na formação da cidadania.

Competências e habilidades: relacionar informações, representadas de diferentes formas, e conhecimen-tos disponíveis em diferentes situações, para construir argumentação consistente; identificar a presença da Filosofia no cotidiano; estabelecer a distinção entre o “filosofar” espontâneo e o filosofar propria-mente dito, típico dos filósofos especialistas; entender que a Filosofia está intrinsecamente associada a uma atividade reflexiva; ler, compreender e interpretar textos teóricos e filosóficos; expressar-se por escrito e oralmente de forma sistemática; elaborar hipóteses e questões com base nas leituras e nos de-bates realizados.

Sugestão de estratégias: levantamento das noções contidas no senso comum e que têm origem em dou-trinas filosóficas por meio de dinâmicas de grupo e debates sobre expressões da linguagem comum, ditados populares e músicas; leitura sistemática e problematizadora de textos e elaboração escrita do próprio pensamento; pesquisa bibliográfica e na internet.

Sugestão de recursos: textos para leitura conforme Caderno do Professor e Caderno do Aluno e, para fins de consulta, dicionários de filosofia e sites relacionados ao tema proposto.

Sugestão de avaliação: sugere-se que os alunos sejam avaliados não apenas pelo desempenho em uma avaliação final, mas que o envolvimento dos alunos nas atividades propostas possa ter lugar na avaliação e na composição da nota final. Como instrumentos de avaliação, recomendam-se dissertações indivi-duais; provas dissertativas e reflexivas; outros trabalhos que o professor julgar adequados e pertinentes.

Sondagem e sensibilização

Propomos que, inicialmente, com os alunos distribuídos em grupos, você lhes apresente as seguintes expressões extraídas da linguagem

comum, chamando sua atenção para os ter-mos destacados em negrito.

“O essencial é invisível aos olhos.” “As aparências enganam.”

“A justiça tarda, mas não falha.” “Todos somos iguais perante a lei.”

“É preferível a democracia à ditadura.” “A liberdade exige responsabilidade.”

“A felicidade não se compra.” “O amor é lindo.”

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Você pode comentar com os alunos os conceitos filosóficos destacados e verificar se eles se recordam de ter entrado em contato, por meio de estudos, leituras ou outros meios, com algum deles. Em seguida a essa primeira abordagem, proponha aos alunos a ativida-de, conforme descrito no Caderno do Aluno. Dessa forma, sugerimos que solicite, antes da realização dos exercícios, que os alunos pes-quisem em dicionário de Filosofia os termos “senso comum” e “bom senso” e, em grupo, respondam às questões que seguem.

a) O que os termos destacados significam para você?

b) Você sabia que esses termos são, na verda-de, conceitos filosóficos que se tornaram senso comum?

c) Cite mais algumas expressões do senso comum que você acredita que contenham conceitos filosóficos.

A ideia é ajudá-los a perceber que a Filo-sofia está mais próxima de nós e presente em

nosso dia a dia do que imaginamos. Essa per-cepção tem por objetivo mostrar que a ideia de que a Filosofia é algo muito difícil e dis-tante das pessoas comuns é falsa e reflete um preconceito que, em última instância, leva à exclusão dessas pessoas do contato com o pensamento filosófico.

Após a atividade, oriente os alunos a ler o texto contido no Caderno do Aluno, na seção Leitura e análise de

texto, e reproduzido a seguir. O objetivo é que compreendam, na perspectiva gramsciana, em que sentido se pode afirmar que todos os ho-mens são “filósofos”. Trata-se de mostrar que, de certo modo, a Filosofia está presente em nos-so cotidiano (na linguagem, no senso comum, no bom senso, na religião, enfim, em todo o nos-so sistema de crenças e opiniões), influenciando nosso modo de agir e pensar, mesmo que não tenhamos consciência disso. Com esse texto, você pode, também, explorar os conceitos de “senso comum” e “bom senso”, cuja compreen-são será importante para a percepção do papel da Filosofia como meio de superação do senso comum.

Todos os homens são “filósofos”

Antonio Gramsci, um filósofo italiano do século passado, já alertava para a necessidade de se com-bater o preconceito muito difundido de que a Filosofia é uma atividade intelectual muito difícil e, por isso, restrita a uma minoria de inteligência supostamente privilegiada. Isso porque, para ele, em um certo sentido, “todos os homens são ‘filósofos’”, pois, de algum modo, todas as pessoas, sem distinção, independentemente de seu grau de escolaridade, lidam, convivem, trabalham com a Filosofia e a utili-zam no seu dia a dia, mesmo que não se apercebam disso. Afinal, a Filosofia está presente “na lingua-gem, no senso comum, no bom senso, na religião”, enfim, “em todo sistema de crenças, superstições, opiniões, modos de ser e agir” que caracteriza o que convencionalmente se denomina de “folclore”1 e do qual todos participam2.

A Filosofia está presente na linguagem porque esta não é pura e simplesmente um amontoado de “palavras gramaticalmente vazias de conteúdo”. Ao contrário, ela é um “conjunto de noções e con-ceitos determinados”3, muitos dos quais derivados da Filosofia, como vimos nas frases apresentadas. Portanto, a Filosofia está presente na linguagem que utilizamos, mesmo que não tenhamos consciência 1 Folclore: do inglês, folk = povo, nação + lore = conhecimento tradicional, instrução, educação. Portanto, o termo “folclore” pode ser traduzido genericamente como “conhecimento popular” ou “cultura popular” ou, ainda, como, “senso comum”.2 GRAMSCI, A. Caderno 11 (1932-1933). Introdução ao estudo da Filosofia. In: Cadernos do cárcere. Vol. 1. Edição Carlos Nelson Coutinho com Marco Aurélio Nogueira e Luiz Sérgio Henriques. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001. p. 93.3 Ibidem.

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Filosofia – 3a série – Volume 1

disso. Daí por que, para Gramsci: “Linguagem significa também cultura e Filosofia (ainda que no nível do senso comum)”4.

O senso comum é o conjunto de valores, crenças, opiniões, preferências, que constitui a nossa vi-são de mundo e que orienta nossas ações e escolhas cotidianas. Em geral é assimilado acriticamente, sem qualquer questionamento. A exemplo do que acontece com a linguagem, muitos desses valores e crenças têm origem na Filosofia, mas nós os assimilamos espontaneamente, sem nos darmos conta de sua origem. Simplesmente pensamos e vivemos de uma determinada maneira, acreditamos em certo grupo de valores, defendemos alguma posição política, ideológica ou religiosa, e assim por diante, sem, no entanto, nos preocuparmos em fundamentar nossas opiniões. Ao contrário, contentamo-nos com argumentos superficiais, muitas vezes até inconsistentes ou contraditórios.

O “bom senso”, por sua vez, “coincide com a Filosofia”5. Enquanto o senso comum é acrítico, espontâneo, irrefletido, o bom senso implica refletir, tomar consciência de que os acontecimentos pos-suem uma dimensão racional e que, portanto, devem ser compreendidos e enfrentados também de forma racional, a fim de se obter uma orientação consciente para a ação, evitando se deixar levar por “impulsos instintivos e violentos”6.

Esse “bom senso” é o que Gramsci chamou de “núcleo sadio do senso comum”7. Ou seja, mesmo no nível do senso comum é possível refletir, pensar de maneira crítica sobre a realidade, tomar consciência dela e agir de modo coerente com essa consciência. E isso, de certo modo, já é “filosofar”, pelo menos um filosofar ao nível do senso comum. De fato, não é raro vermos pessoas simples, às vezes com pouca ou ne-nhuma escolaridade, que revelam um entendimento aguçado e bem elaborado da realidade em que vivem.

Finalmente, a Filosofia está presente na religião porque também na experiência religiosa nos de-paramos com questões e conceitos (Deus, alma, morte etc.) que foram e continuam sendo objeto da reflexão e da elaboração dos filósofos.

Portanto, se a Filosofia está contida na linguagem, no senso comum, no bom senso e na religião, podemos dizer então que ela está presente em todas as dimensões da vida humana, sendo, portanto, fa-miliar a todas as pessoas. Afinal, toda atividade humana, mesmo aquelas que são predominantemente práticas (as diversas formas de trabalho manual, por exemplo), é sempre acompanhada de um pensar, de um saber, em suma, de um trabalho intelectual, racional, reflexivo. É nesse sentido que podemos afirmar que “todos os homens são ‘filósofos’”.

Elaborado especialmente para o São Paulo faz escola.

4 Ibidem, p. 398.5 Ibidem, p. 96.6 Ibidem, p. 98.7 Ibidem, p. 98.

Após a leitura do texto, sugerimos uma ati-vidade, que consta na seção Leitura e análise de texto do Caderno do Aluno, e que tem por objetivo fazê-los refletir sobre algumas sen-tenças: o quanto elas podem ser manifestação de um senso comum destituído de reflexão ou a expressão de sabedoria popular que mere-cem ser pensadas. Para encaminhar essa ativi-dade, você pode dividir a sala em grupos para

que discutam o que entendem acerca de cada ditado:

Se conselho fosse bom não se dava de graça. É só dormir que a dor passa. Faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço.

Quem brinca com fogo acaba se queimando. Quem espera sempre alcança.

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Pense duas vezes antes de agir. Devagar se vai ao longe. Quem semeia vento colhe tempestade.

Para continuar a atividade, apresente-lhes a música Bom conselho, de Chico Buarque, e peça que comparem os ditados em sua formu-lação original com a versão escrita por Chico Buarque na canção. Para tanto, devem usar como roteiro as questões propostas no Cader-no do Aluno:

a) O que a inversão efetuada por Chico Buar-que provoca nos ditados?

b) O que foi preciso ao compositor para che-gar ao resultado por ele obtido?

Essa atividade tem o intuito de fazer os alu-nos refletirem sobre os ditados populares pro-postos e a versão elaborada por Chico Buar-que e possam constatar em ambas as versões possibilidades de análise e problematização considerando as suas experiências de vida.

A seguir, apresentamos a letra da música de Chico Buarque. Seria interessante tocá-la para os alunos.

Bom conselho

Ouça um bom conselhoEu lhe dou de graçaInútil dormir que a dor não passaEspere sentadoOu você se cansaEstá provadoQuem espera nunca alcançaVenha meu amigoDeixe esse regaçoBrinque com meu fogoVenha se queimarFaça como eu digoFaça como eu façoAja duas vezesAntes de pensar

Corro atrás do tempoVim de não sei ondeDevagar é que não se vai longeEu semeio ventoNa minha cidadeVou pra rua e bebo a tempestade.

HOLANDA, Chico Buarque de. 1972 © Marola Edições Musicais Ltda.

A título de complementação e aprofunda-mento do estudo, você pode solicitar que, em casa, os alunos releiam o texto “Todos os ho-mens são filósofos” e respondam a uma ficha de leitura que poderá ser proposta por você. Trata-se, em suma, de um modelo simplifica-do de fichamento, cujo objetivo é familiarizar o aluno com esta técnica de estudo, de modo que ela lhe seja útil no estudo de textos filosó-ficos e também no de outras disciplinas. Suge-rimos as seguintes questões:

Qual é a tese (ideia central) do autor? Que argumentos ele utiliza para sustentar sua tese?

A que conclusão ele chega? Você concorda com a tese do autor? Justi-fique.Com essa atividade, espera-se que os alunos aprendam a

identificar a ideia central de um texto (tese) e os argumentos

que a sustentam e a se posicionarem crítica e consistente-

mente em relação ao autor. Trata-se, portanto, de exercitá-

-los na leitura e interpretação de textos teóricos, competên-

cia necessária à prática do filosofar.

Propomos, como atividade com-plementar, uma pesquisa a ser fei-ta em casa, sugerida na seção Pes-

quisa individual do Caderno do Aluno. Os alunos deverão buscar em livros ou sites o poema “O operário em construção”, de Vini-cius de Moraes, e, valendo-se dos conceitos “senso comum” e “bom senso”, analisar a tra-jetória percorrida pela consciência do operá-rio. Para essa tarefa, você pode dar a eles um

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Filosofia – 3a série – Volume 1

tempo maior, por exemplo, de uma ou duas semanas. Esta última atividade poderá tam-bém ser usada como instrumento de avalia-ção, caso você julgue pertinente.

A seguir, examinaremos a distinção entre o “filósofo” que todos somos (um filosofar espontâneo, do bom senso) e o filósofo es-pecialista, profissional. Para introduzir este tema, você pode pedir aos alunos que pen-sem por uns instantes sobre a seguinte ques-tão: “Todo brasileiro é um técnico de futebol, embora nem todos exerçam essa função profis-sionalmente”.

Após a reflexão, peça a eles que comparem essa frase com a exclamação de Gramsci de que “Todos os homens são ‘filósofos’”. Você pode chamar a atenção dos alunos para o fato de a palavra “filósofos” aparecer entre aspas e indagar, conforme propõe a atividade do Ca-derno do Aluno, o que isso significa.

O objetivo desta atividade é instigar os alunos para a leitura do texto a seguir, que pode ser acompanhado

pelo Caderno do Aluno na seção Leitura e análise de texto, bem como as questões que dizem respeito a ele.

Filósofos e “filósofos”

Se “todos os homens são ‘filósofos’”, como quer Gramsci, qual é, então, a diferença entre o filoso-far de uma pessoa comum e o de um filósofo profissional ou especialista? O próprio autor esclarece:

“O filósofo profissional ou técnico não só ‘pensa’ com maior rigor lógico, com maior coerência, com maior espírito de sistema do que os outros homens, mas conhece toda a história do pensamento, isto é, sabe as razões do desenvolvimento que o pensamento sofreu até ele e está em condições de reto-mar os problemas a partir do ponto em que eles se encontram após terem sofrido a mais alta tentativa de solução etc. Ele tem, no campo do pensamento, a mesma função que nos diversos campos científi-cos têm os especialistas”1.

Trocando em miúdos, podemos dizer que o filósofo especialista: pensa, reflete, raciocina observan-do mais cuidadosamente as regras da lógica e os procedimentos metodológicos que utiliza; conhece a história do pensamento, isto é, a história da Filosofia; é capaz de analisar os problemas de seu tempo à luz da contribuição dos filósofos do passado que já se debruçaram sobre eles.

Mas se existe essa diferença entre o filósofo especialista e o não especialista, por que então afirmar que “todos os homens são ‘filósofos’”? Justamente para combater e destruir aquele preconceito de que a Filosofia é uma atividade muito difícil e restrita a uma minoria.

É importante perceber que a propagação desse preconceito cumpre uma função política conser-vadora, na medida em que afasta a Filosofia do contato com as massas, com o povo, com as pessoas mais simples. Dessa forma, impedidas de se apropriar dos conceitos e das teorias elaboradas pelos filósofos, as pessoas ficam desprovidas dessas ferramentas intelectuais que lhes permitiriam superar mais facilmente o senso comum e adquirir um conhecimento mais crítico e elaborado da realidade em que vivem.

Além disso, cabe afirmar que todos os homens são “filósofos” para deixar claro que todas as pessoas são potencialmente capazes de avançar de um “filosofar” espontâneo, assistemático, restrito ao bom senso, para um filosofar mais elaborado e rigoroso, semelhante ao praticado pelos filósofos especialistas. 1 GRAMSCI, A. Caderno 11 (1932-1933). Introdução ao estudo da Filosofia. In: Cadernos do cárcere. Vol.1. Edição Carlos Nelson Coutinho com Marco Aurélio Nogueira e Luiz Sérgio Henriques. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001. p. 410.

Elaborado especialmente para o São Paulo faz escola.

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Para salientar as ideias principais do tex-to, o Caderno do Aluno traz um conjunto de questões que serve de roteiro para sua inter-pretação e compreensão. São elas:

a) Qual é a diferença entre o “filósofo” e o filósofo especialista, segundo Gramsci?

b) Qual é o objetivo de Gramsci ao afirmar que “todos os homens são ‘filósofos’”?

c) Explique por que a ideia de que a Filoso-fia é uma atividade muito difícil e acessível apenas a poucos privilegiados é politica-mente conservadora.

d) A partir do seu ponto de vista, você enten-

de que as aulas de Filosofia têm, no decor-rer desses anos, fornecido ferramentas inte-lectuais para conhecer melhor a realidade? De que forma?

Naturalmente, você pode substituir ou acrescentar questões de acordo com suas ex-pectativas e necessidades.

Como atividade a ser desenvolvida como Lição de casa, sugerimos a proposta do Caderno do Aluno,

que visa ao aprofundamento dessa discussão. Oriente os alunos a ler e interpretar este ex-certo de Gramsci, que sintetiza o que foi es-tudado, e a explicar o sentido das palavras do autor.

É preciso destruir o preconceito, muito difundido, de que a filosofia é algo muito difícil pelo fato de ser a atividade intelectual própria de uma determinada categoria de cientistas especializados ou de filósofos profissionais e sistemáticos. É preciso, portanto, demonstrar, preliminarmente, que todos os homens são “filósofos”, definindo os limites e as características dessa “filosofia espontânea” peculiar a “todo mundo”, isto é, da filosofia que está contida: 1) na própria linguagem, que é um conjunto de noções e de conceitos determinados e não, simplesmente, de palavras gramaticalmente vazias de conteúdo; 2) no senso comum e no bom senso; 3) na religião popular e, consequentemente, em todo o sistema de crenças, superstições, opiniões, modos de ser e de agir que se manifestam naquilo que se conhece geralmente por “folclore”.

GRAMSCI, A. Caderno 11 (1932-1933). Introdução ao estudo da Filosofia. In: Cadernos do cárcere. Vol. 1. Edição Carlos

Nelson Coutinho com Marco Aurélio Nogueira e Luiz Sérgio Henriques. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001. p. 93.

Estabelecida a diferença entre o filósofo es-pecialista e o filósofo que todos somos, trata--se, agora, de aprofundar a compreensão do conceito de Filosofia.

Para melhor encaminhar o tema desta Situação de Aprendizagem, sugerimos que

provoque os alunos a pensar sobre a atividade filosófica e sobre o filósofo. Nesse sentido, in-dicamos no Caderno do Aluno algumas ques-tões para motivar a reflexão. Contudo, você poderá indicar outras questões conforme o direcionamento e o aprofundamento que pre-tenda dar ao tema.

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Filosofia – 3a série – Volume 1

1. Interprete e escreva o que entendeu sobre a frase: O filósofo é aquele que se situa entre a ignorância e a sabedoria.

2. Qual é a diferença entre saber alguma coisa e a opinião fundamentada apenas no senso comum?

O objetivo é introduzir a ideia central que será desenvolvida a partir deste momento, qual seja, a de que a Filosofia consiste em uma atitude de amor pelo saber. Quem ama sente--se e reconhe ce-se carente do objeto amado e, por isso, vai em busca dele. Esta é uma imagem recolhida da obra O banquete, de Platão, para retratar a atitude filosófica daquele que se re-conhece como ignorante, isto é, carente de sa-

ber e, ao mesmo tempo, deseja ardentemente esse saber, pondo-se à sua procura. Mas é im-portante destacar que o saber almejado pela Filosofia não é de um tipo qualquer. Trata-se, ao contrário, de um saber que é sophia (saber verdadeiro, demonstrável, que independe de opiniões particulares), em oposição à doxa (opinião). Introduz-se, assim, a distinção feita por Platão entre o philosopho (amante do sa-ber) e o philodoxo (amante da opinião).

Após essa provocação inicial, você pode solicitar que leiam atentamente o texto a seguir, presente na seção

Leitura e análise de texto do Caderno do Aluno, no qual será abordado o tema mencionado, e que também respondam às questões sobre o texto.

O que é, afinal, a Filosofia? (a perspectiva socrático-platônica)

Comecemos pela origem da palavra. Filosofia vem do grego (philo = amigo ou amante + sophia = saber, sabedoria) e significa amor ou amizade pelo saber. Quem ama sente-se carente do objeto amado e, por isso, vai à sua procura. No caso do filósofo, como o objeto de seu desejo é o saber, o conheci-mento, é este que ele busca.

Para explicar o sentido dessa atitude de busca do saber, própria da Filosofia, Platão, em sua obra O banquete, recria, pela boca de Sócrates, o mito do nascimento do Amor.

Quando nasceu Afrodite, conta Sócrates, os deuses deram um banquete para celebrar a ocasião. Entre eles, encontrava-se também Recurso, filho de Prudência. Quando o jantar terminou, Pobreza chegou e postou-se à porta para esmolar. Recurso havia se embriagado e, dirigindo-se ao jardim de Zeus, adormeceu. Pobreza, aproveitando-se da situação, deitou-se ao seu lado e concebeu o Amor. As-sim, gerado no dia do nascimento de Afrodite, Amor tornou-se seu companheiro e servo e, ao mesmo tempo, amante do belo, pois Afrodite é bela.

Por ser filho de Pobreza e Recurso, ele é, por parte de mãe, “sempre pobre”, carente e padecedor de muitas necessidades; por parte de pai, porém, “está sempre conspirando contra o justo e o bom; é co-rajoso, empreendedor, forte, um poderoso caçador, sempre tecendo intrigas, ávido de sabedoria, fértil em recursos, um filósofo de todos os tempos, terrível mago, feiticeiro, sofista”1.

Por essa sua natureza dividida, Amor está no meio entre a sabedoria e a ignorância. A sabedoria é a condição daquele que já possui o saber e, por isso, não sente necessidade de buscá-lo. É o caso dos deuses. Por isso os deuses não filosofam. Os ignorantes, por sua vez, embora nada saibam, julgam sa-ber o suficiente e, por isso, não anseiam por saber mais. Logo, também não filosofam.

Quem então filosofa?, pergunta Sócrates. Aqueles que estão entre esses dois extremos: a sabedoria e a ignorância. Um deles é o Amor.

1 PLATÃO. O banquete. Disponível em: <http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/0131-1_eBk.pdf>. Acesso em: 19 jul. 2013. Tradução Eloisa Pires.

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“A sabedoria é uma das coisas mais belas, e o Amor é amor pelo belo; por isso, o Amor é também um filósofo ou amante da sabedoria, e ser um amante da sabedoria é estar entre o sábio e o ignorante. E a causa dessa sua condição é a sua origem: pois seu pai é rico e sábio, e sua mãe, pobre e tola.”2

Mas o saber que o filósofo almeja não é de um tipo qualquer. Não é, por exemplo, aquele do senso comum que se expressa apenas como opinião e ao qual os gregos antigos denominavam doxa. O saber buscado pelo filósofo é sophia, isto é, um saber bem fundamentado, amparado em demonstrações ra-cionais consistentes e passível de ser considerado verdadeiro, independentemente das opiniões particu-lares. O mesmo tipo de saber buscado por Sócrates por meio de seu método dialético. Não fosse assim, o termo philosopho (amante do saber) deveria ser substituído por philodoxo (amante da opinião).

Elaborado especialmente para o São Paulo faz escola.

Para ajudar a consolidar a compreensão de algumas das principais ideias do texto, você pode pedir aos alunos que respondam às ques-tões do Caderno do Aluno transcritas a seguir:

1. “Filosofia” é uma palavra de origem grega e significa amor ou amizade pela sabedo-ria. A Filosofia, conforme acabamos de tratar, deve fornecer ferramentas intelec-tuais para que possamos conhecer melhor a realidade. Procure argumentar sobre de que maneira o significado da palavra Fi-losofia (amor pela sabedoria) pode se ar-ticular com a perspectiva de nos municiar intelectualmente para conhecer melhor a nossa realidade.

2. Em que consiste a diferença entre o philosopho e o philodoxo?

3. Qual desses adjetivos se aplica melhor a você? Justifique.

Passaremos, agora, para a noção de Filoso-fia como reflexão. Inicialmente, é importante deixar claro para os alunos que esta é uma en-tre muitas outras possibilidades de definição da Filosofia e que o objetivo não é impor ar-bitrariamente a aceitação desta que será apre-

a SAVIANI, Dermeval. A Filosofia na formação do educador. In: _____. Educação: do senso comum à consciência filosófica. Campinas: Autores Associados, 2007. p. 20. <http://www.autoresassociados.com.br>.

2 Ibidem.

sentada, mas apenas de tomá-la como ponto de referência para a compreensão do papel da Filosofia na formação da cidadania.

Como motivação inicial, sugerimos aos alunos que reflitam por alguns instantes e co-mentem a seguinte afirmação de Dermeval Sa-viani, contida no Caderno do Aluno: “Se toda reflexão é pensamento, nem todo pensamento é reflexão”a.

Para complementar esta atividade, peça que observem, no Caderno do Aluno, a famosa imagem da escultura O pensador, de Auguste Rodin (1840-1917), tradicionalmente associa-da ao filósofo, e respondam: O que ela pode nos dizer sobre a atividade reflexiva?

O objetivo dessa atividade preliminar é, além de motivar os alunos para o estudo a ser em-preendido, problematizar a noção comum (de senso comum) de reflexão como atividade inte-lectual puramente abstrata, desligada da reali-dade concreta, ou como pura contemplação, ou ainda como devaneio, divagação. Ao contrário, pretende-se focalizar a reflexão filosófica como aquela que se debruça sobre problemas concre-tos e prementes da realidade, a exemplo do que fizeram os filósofos em sua época.

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Filosofia – 3a série – Volume 1

Figura 5 – RODIN, Auguste. O pensador. 1902. Bronze, Museu Rodin, Paris.

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O passo seguinte é a leitura crite-riosa do texto a seguir, reproduzi-do no Caderno do Alu no, na seção

Leitura e análise de texto, cuja finalidade é

apresentar a definição de Filosofia como uma “reflexão (radical, rigorosa e de conjun-to) sobre os problemas que a realidade apre-senta”, conforme propõe Dermeval Saviani.

A Filosofia como reflexão

Vimos que etimologicamente a palavra filosofia significa busca do conhecimento verdadeiro, ou seja, busca da verdade. A forma pela qual a Filosofia realiza essa busca da verdade é por meio da refle-xão. Mas o que é refletir?

Como nos lembra o professor Dermeval Saviani: “se toda reflexão é pensamento, nem todo pen-samento é reflexão”1. O pensamento é um ato corriqueiro, singelo, espontâneo, que realizamos des-compromissadamente a todo instante, até mesmo sem perceber. A reflexão, por sua vez, é uma atitude mais consciente, mais comprometida, que implica pensar mais profundamente sobre um determinado assunto, repensá-lo, problematizá-lo, submetendo-o à dúvida, à crítica, à análise, buscando seu verda-deiro significado.

Assim, o pensamento pode ser reflexivo ou não. Acontece que nem toda reflexão é filosófica. Segun-do Saviani, para isso ela precisa satisfazer, ao mesmo tempo, a pelo menos três exigências:

ser radical, isto é, analisar em profundidade o problema em questão, buscando chegar às suas raí-zes, aos seus fundamentos;

ser rigorosa, ou seja, proceder com coerência, de forma sistemática, segundo um método bem defi-nido para propiciar conclusões válidas e bem fundamentadas;

1 SAVIANI, Dermeval. A Filosofia na formação do educador. In: _____. Educação: do senso comum à consciência filosó-fica. Campinas: Autores Associados, 2007. p. 20. <http://www.autoresassociados.com.br>.

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Após a leitura e o esclarecimento das pos-síveis dúvidas, você pode propor que os alu-nos desenvolvam as atividades indicadas no Caderno do Aluno. Trata-se, primeiro, de ve-rificar se a definição de Filosofia apresentada foi devidamente compreendida. Para tanto, os alunos deverão explicar o significado da afir-mação de D. Saviani:

sem distinção, de modo a reforçar a tese de que “todos os homens são ‘filósofos’”. Por outro lado, embora todos possam potencialmente empreendê-la, alguns requisitos são necessá-rios para que ela se caracterize como filosófica (radicalidade, rigor e perspectiva de conjunto). Isso significa que a reflexão filosófica não pode ser praticada de forma espontânea, descompro-metida. Antes, ela requer dedicação, esforço e, muitas ve zes, trabalho árduo, cuja recompensa será um conhecimento mais elaborado e crítico do objeto dessa reflexão.

Para finalizar, propomos que você retome a questão da utilidade ver-sus inutilidade da Filosofia por

meio de dois excertos a seguir. Sugerimos que peça aos alunos que os interpretem à luz das seguintes questões, propostas no Caderno do Aluno, na seção Leitura e análise de texto.

1. Para que serve, afinal, a Filosofia?

2. É importante estudar Filosofia na escola?

A Filosofia é uma “reflexão (radical, ri-gorosa e de conjunto) sobre os problemas que a realidade apresenta”.

SAVIANI, Dermeval. A Filosofia na formação do educador. In: ______. Educação: do senso comum à

consciência filosófica. Campinas: Autores Associados, 2007. p. 24. <http://www.autores associados.com.br>.

e ser de conjunto, isto é, tomar o objeto em questão não de forma isolada e abstrata, mas em uma perspectiva de totalidade, ou seja, levando em consideração os diversos fatores que, em um dado contexto, o determinam e condicionam. Além disso, vale lembrar que filosofar implica questionar o senso comum. Para tanto, é preciso utilizar

certos conceitos e teorias necessários para a compreensão mais aprofundada dos temas e problemas sobre os quais se vai refletir. Ora, como estes conceitos e teorias estão contidos nas obras dos filósofos, é impor-tante estudar tais obras, não para memorizar mecanicamente, mas para compreendê-las e, com base nesta compreensão, questionar o senso comum e transformar nossas representações primeiras sobre diferentes temas da vida cotidiana, da vida em sociedade.

Mas, ao entrarmos em contato com a obra de um filósofo, não apreendemos apenas os conceitos por ele desenvolvidos. Apreendemos também o seu jeito de pensar, de raciocinar, de argumentar, de organizar as ideias, enfim, o seu “estilo reflexivo”2 , o que também nos ajuda a melhorar cada vez mais nosso próprio jeito de pensar.

É dessa forma, estudando o pensamento dos filósofos e nos exercitando mais e mais na prática da reflexão, que nos tornamos cada vez mais filósofos.

2 SÃO PAULO (Estado), Secretaria da Educação, Coordenadoria de Estudos e Normas Pedagógicas. Proposta Curricular para o Ensino de Filosofia: 2o Grau. São Paulo: SE/CENP, 1992 (2a versão preliminar).

Elaborado especialmente para o São Paulo faz escola.

Em segundo lugar, com base nessa definição, os alunos deverão responder à pergunta: Quem pode, afinal, filosofar? Espera-se que tenha fi-cado suficientemente claro que tal reflexão é passível de ser praticada por todas as pessoas,

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Para que serve a Filosofia? Qual é sua utilidade? Para responder a essas perguntas precisamos antes fazer algumas outras: O que entendemos por útil? Quem nos dá os critérios com base nos quais consi-deramos algumas coisas úteis e outras inúteis? Conhecemos de fato esses critérios? Paramos para pensar sobre eles? Tomamos conscientemente a decisão de aceitá-los? Por que perguntamos sobre a utilidade de certas coisas e não de outras? Haveria pessoas ou grupos interessados em mostrar algumas coisas como úteis e outras como inúteis? Quando dizemos que, para nós, uma determinada coisa não serve para nada, estamos expressando um conhecimento efetivo sobre essa coisa ou, na verdade, apenas reproduzimos a “opinião” geral ou uma visão hegemônica a respeito dela? Estamos agindo com autonomia e liberdade? Poderíamos formular ainda inúmeros outros questionamentos derivados daquele inicialmente apresenta-do. E, ao fazê-lo, já estaríamos nos situando dentro da Filosofia, isto é, já estaríamos, em um certo sentido, filosofando. Afinal, filosofar é, também, não aceitar como verdadeira qualquer ideia sem antes submetê-la à dúvida, à investigação, à reflexão crítica e rigorosa. Ora, isso significa que, para demonstrar com consis-tência a utilidade ou inutilidade da Filosofia, ou de qualquer outra coisa, já teríamos que filosofar.

Elaborado especialmente para o São Paulo faz escola.

[...] é preferível ‘pensar’ sem disto ter consciência crítica, de uma maneira desagregada e ocasional, isto é, ‘particular’ de uma concepção do mundo ‘imposta’ mecanicamente pelo ambiente exterior, ou seja, por um dos vários grupos sociais nos quais todos estão automaticamente envolvidos desde sua en-trada no mundo consciente [...] ou é preferível elaborar a própria concepção do mundo de uma maneira crítica e consciente e, portanto, em ligação com este trabalho próprio do cérebro, escolher a própria esfera de atividade, participar ativamente na produção da história do mundo, ser o guia de si mesmo e não aceitar do exterior, passiva e servilmente, a marca da própria personalidade?

GRAMSCI, A. Caderno 11 (1932-1933). Introdução ao estudo da Filosofia. In: Cadernos do cárcere. Vol. 1. Edição Carlos Nelson Coutinho com Marco Aurélio Nogueira e Luiz Sérgio Henriques. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001. p. 93-94.

Avaliação da Situação de Aprendizagem

Apresentamos a seguir algumas sugestões a título de contribuição, mas é você, profes-sor, quem tem as melhores condições de saber quando e como avaliar os alunos.

Questões para avaliação

1. Segundo Gramsci, há duas possibilidades para o pensamento. Pode-se pensar sem consciência crítica ou pode-se pensar auto-nomamente, de maneira crítica e consciente. Para Saviani a Filosofia é uma atividade re-flexiva, rigorosa e de conjunto. A partir des-sas considerações, dos textos lidos, das aulas

e das suas reflexões sobre o tema, cite alguns obstáculos para a atividade filosófica.Resposta aberta. Contudo, espera-se que os alunos, ao citar im-

pedimentos para a atividade filosófica, remetam-se ao que con-

traria, a partir da descrição dos autores estudados, o exercício da

reflexão filosófica, por exemplo: desinteresse pelo vivido, repeti-

ção e reafirmação do que está estabelecido, desinteresse pelo re-

pensar e falta de interrogação, de questionamento, entre outros.

2. Comente o significado das seguintes citações:

“Os verdadeiros filósofos são ‘amadores do espetáculo da verdade’.”

PLATÃO. A República. Tradução Anna Lia Amaral de Almeira Prado. São Paulo: Martins Fontes,

1987. p. 256 [475e].

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reconhece a própria ignorância e, ansioso pelo saber, põe-se

permanentemente à sua procura.

3. Escreva uma breve dissertação (20 a 30 li-nhas) sobre o tema: “O papel da Filosofia na formação da cidadania”. Na dissertação proposta, os alunos devem incorporar

questões já levantadas e discutidas na Situação de Apren-

dizagem 1. Espera-se que eles demonstrem capacidade

de síntese dos aspectos estudados e ressaltem a impor-

tância da Filosofia e de seu estudo para a formação de

cidadãos críticos e convictos de seu papel de sujeitos da

história.

“Mas àquele que deseja prontamente provar de todas as ciências e se atira ao estu-do com prazer e sem se saciar, a esse chama-remos com justiça filósofo [...].”

PLATÃO. A República. Tradução Anna Lia Amaral de Almeida Prado. São Paulo: Martins Fontes,

1987. p. 255 [475d].

Trata-se de compreender a Filosofia como busca e compro-

misso com a verdade e com a superação dos preconceitos

e do senso comum. Nesse sentido, o filósofo é aquele que

Esta Situação de Aprendizagem tem como objetivo dar início à reflexão sobre os seres hu-manos, destacando a importância de admitir sua condição de animal dotado de um corpo que o aproxima e o distingue dos demais seres do planeta. Admitir essa aproximação e essa distinção requer esforço típico da reflexão fi-losófica, indubitavelmente necessária para a formação ética e para a construção da con-vivência humana solidária. Afinal, uma das perguntas centrais da Filosofia, colocada na sensibilização desta Situação de Aprendiza-gem e também no Caderno do Aluno, é exa-tamente: Quem somos nós, seres humanos? E ainda: Qual é a nossa condição de transformar o mundo em que vivemos em um lugar melhor?

Iniciaremos a reflexão proposta por aquilo que nosso olhar constata de imediato quando mira um ser humano e a si mesmo, ou seja,

começaremos pela evidência de que temos um corpo. E esse corpo nos remete, antes de tudo, ao lugar dos animais. As primeiras perguntas em nossa reflexão filosófica são: Que espécie de animal nós somos? O que nos caracteriza? O que nos marca como animais da espécie humana?

Assim, desafie os alunos na perspectiva de pensar, falar, ler e escrever sobre a condição natural do ser humano, suas características cor-póreas e suas necessidades físicas, psicológicas e sociais. Com o seu auxílio e de textos filosó-ficos, os alunos serão motivados a refletir sobre a importância de se conceber aproximações e distinções entre o homem e os demais seres da natureza, a partir da sensibilização proposta a seguir. A tarefa exige que os alunos providen-ciem antecipadamente materiais ricos em ima-gens, como revistas, jornais, reproduções de obras de arte, entre outros.

SITUAÇÃO DE APRENDIZAGEM 3 A CONDIÇÃO ANIMAL COMO PONTO INICIAL

NO PROCESSO DE COMPREENSÃO SOBRE O HOMEM

Conteúdos e temas: o homem na natureza; o homem como corpo.

Competências e habilidades: relacionar informações, representadas de diferentes formas, e conhecimen-tos disponíveis em diferentes situações, para construir argumentação consistente; elaborar hipóteses e questões com base nas leituras e nos debates realizados.

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Filosofia – 3a série – Volume 1

Sugestão de estratégias: levantamento de representações dos alunos sobre os temas tratados por meio de associação de imagens (fotos, reproduções de obras de artes plásticas, desenhos, figuras de revistas e de jornais); procedimentos de leitura e escrita; pesquisa bibliográfica; debates.

Sugestão de recursos: imagens como fotos, reprodução de obra de arte, desenhos, figuras de revistas e de jornais; textos conforme bibliografia indicada.

Sugestão de avaliação: a avaliação deverá ter como referência as atividades realizadas ao longo da Situa-ção de Aprendizagem, a qualidade das intervenções orais e dos trabalhos escritos.

Sondagem e sensibilização

Para esta sondagem inicial, sugerimos uma atividade em grupo, conforme propos-ta do Caderno do Aluno. Oriente os alunos a se organizar em grupos de quatro ou cin-co participantes para conversar e selecionar imagens (fotos, reproduções de obras de arte, desenhos, figuras de revistas e de jornais), com o objetivo de expressar o que é o ser humano. A imagem selecionada deve expres-sar o entendimento do grupo sobre o ser hu-mano. A ideia é, inicialmente, que os alunos falem com a ajuda das imagens. Essa associa-ção tem como objetivo provocar um primeiro esforço de reflexão e favorecer o pensamento e a fala dos alunos sobre o tema. Com a me-diação da imagem, as palavras são encontra-das com maior facilidade.

As imagens podem ser de acervo particular ou mesmo da escola, caso nela exista uma co-leção de revistas especificamente para fins de colagens. No caso de não se contar com esse tipo de acervo, pode-se levar livros e revistas da biblioteca, para serem utilizados como re-ferência de imagem. Dessa forma, eles podem tentar reproduzir desenhando a imagem esco-lhida ou descrevendo-a.

Com base nas imagens, você terá as repre-sentações dos alunos sobre o ser humano.

Quando todos os grupos concluírem a sele-ção, deverão registrar por escrito as justificati-vas para a escolha que fizeram. Eles devem ser orientados para o registro, conforme indica-ção no Caderno do Aluno: Por que escolheram essa imagem e O que pode ser observado nela?

Esse registro é importante como memória para os grupos e permitirá uma reflexão em diálogo com as imagens e as descrições de to-dos os grupos.

Durante as apresentações dos alunos, você, professor, poderá orientar para que descre-vam cuidadosamente as imagens, evitando dispersões dos objetos e concentrando-se nos elementos que de fato aparecem. O objetivo é desenvolver uma observação atenta do que se vê, sem interpretações e associações de ideias que poderiam prejudicar a descrição e a percepção do que aparece nas imagens efeti-vamente. A interpretação traz associações de ideias significativas para quem interpreta, mas elas podem dispersar a reflexão de seu tema central, impedindo o pensamento e a fala de serem conduzidos ao tema em questão. A des-crição favorece a observação e a explicitação de palavras que compõem a reflexão. Além do cuidado com a descrição e das justificativas das imagens selecionadas, algumas perguntas que extrapolam e contextualizam o tema po-dem ajudar:

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Essas imagens podem ser associadas ao ser humano em qualquer tempo e lugar?

O ser humano foi sempre assim? O que já estudamos a respeito do ser hu-mano de diferentes momentos históricos e diferentes lugares?

Se imaginarmos o ser humano em sua exis-tência anterior à invenção das cidades ou das sociedades que hoje conhecemos, o que podemos dizer? Seriam essas as nossas imagens?

Se observarmos o ser humano despojado dos acessórios do momento atual, como roupas, corte de cabelo, cenários cotidia-nos, o que vemos?

O que encontramos, em primeiro lugar, quando observamos um ser humano?

Para responder à última pergunta, é in-teressante que os alunos sejam desafiados a olhar uns para os outros: peça a eles que olhem para o colega e respondam o que veem.

Para dialogar com as respostas dos alunos, você poderá organizá-las por semelhanças, por temas comuns, sempre perguntando de onde trazem a informação manifesta e como puderam elaborar a resposta. Esse procedi-mento exercitará a reflexão dos alunos.

Após o diálogo com as respostas dos alunos, é importante uma síntese elaborada por você, destacando o fato de que primordialmente so-mos um corpo, somos o nosso corpo, e que a Filosofia sempre se esforçou para evidenciar as diferenças entre homens e os demais seres da natureza, mas que também é importante um esforço reflexivo, típico da Filosofia, para compreendermos o que aproxima os homens dos demais animais.

Por meio desse esforço, podemos identifi-car características bastante presentes na hu-manidade e que merecem ser consideradas com cuidado na perspectiva de se criar convi-vências pacíficas e solidárias.

O olhar atento e reflexivo sobre a nossa condição animal nos remete a um cenário de disputas de alimento, de território, de machos e de fêmeas. Esse mesmo olhar nos reme-te, portanto, a um traço fundamental do ser humano, que é a possibilidade de destruição de outros seres na luta pela sobrevivência e na luta por poder e bens que, em um primei-ro momento, não estão ao seu alcance. A re-flexão filosófica não pode ignorar esse traço constitutivo de nossa realidade e não pode deixar de formular duas perguntas centrais: Como a humanidade construiu sua convivência enfrentando esta disputa? Como é possível uma educação dos homens para garantir sobrevivên-cia em cooperação e solidariedade?

Reflexão com base em leituras: o que dizem dois filósofos

Após a sondagem inicial e a síntese que você apresentou aos alunos nas duas primei-ras aulas, sugerimos um exercício de reflexão com a ajuda de dois filósofos: Pascal e Des-cartes. Dois objetivos podem ser trabalhados: a continuidade do contato com fragmentos de textos filosóficos, com indicação para que leiam o texto completo, caso assim queiram, e a reflexão sobre a importância de nos conside-rarmos animais em meio aos demais seres da natureza.

Em geral, a Filosofia e as ciências contam com uma vasta literatura que aborda a im-portância de se distinguir o ser humano dos demais seres da natureza. Já no século XVII, e com mais vigor a partir do século XIX, as ciências se afirmaram como conhecimento capaz de não apenas demonstrar a superiori-dade humana na natureza, mas de conceber a necessidade de dominar essa mesma natureza, construindo a ideia de que não somos apenas diferentes, mas superiores aos outros seres.

Essa consciência pode ter impulsiona-do todas as maravilhas técnicas e científicas

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Filosofia – 3a série – Volume 1

que a humanidade edificou. Mas responde também pela ilusão de que somos capazes de intervir e controlar a natureza sem conse-quências desastrosas para nós mesmos e para todo o planeta.

Uma ideia importante desta Situação de Aprendizagem é considerarmos a perspecti-va de não nos vermos como seres distintos e superiores, mas distintos e ocupantes de um mesmo contexto material, natural; distintos e responsáveis justamente por sermos seres de consciência, capazes de prever consequências, assumir equívocos e de rever metas contem-plando a preservação da própria vida e a de outros seres.

Descartes e Pascal nos oferecem dois textos interessantes para inspirar essa consciência sobre nossa inserção em uma natureza mate-

rial assim como a todos os seres que nos cer-cam. Ambos foram escritos no século XVII.

Destacamos dois fragmentos desses textos para a reflexão em sala de aula. Esses fragmentos estão trans-

critos no Caderno do Aluno na seção Leitura e análise de texto.

Após a leitura em silêncio dos dois frag-mentos, os alunos podem ser orientados a compará-los.

1. Quais argumentos se aproximam, isto é, nos fazem pensar ideias semelhantes ou iguais?

2. Quais são os argumentos diferentes? O que nos permite dizer que existem diferenças entre os dois textos?

Meditações

E, primeiro, não existe nenhuma dúvida que tudo o que a natureza me ensina contém algo de ver-dadeiro […].

Ora, não há nada que essa natureza me ensine mais claramente nem mais sensivelmente que o fato de eu ter um corpo que fica indisposto quando sinto dor, que tem necessidade de comer ou de beber quando tenho os sentimentos de fome ou de sede etc. E, portanto, eu não posso absolutamente duvidar que tenha alguma verdade nisso.

A natureza me ensina também por meio desses sentimentos de dor, fome, sede etc. que eu não estou apenas alojado em meu corpo como um comandante em seu navio, mas que, além disso, lhe estou mui- to intimamente conjugado e tão entrelaçado e misturado que componho um único todo com ele. [...]

Além disso, a natureza me ensina que vários outros corpos existem em volta do meu, alguns dos quais devo seguir e de outros fugir.

DESCARTES, René. Oeuvres philosophiques de Descartes. Adolphe Garnier (Org.). V. 1. Paris: Librairie Classique et

Élémentaire de L. Hacuette, 1835. Disponível em: <http://goo.gl/bG4L0F>. Acesso em: 16 out. 2013. Tradução Célia Gambini.

O homem perante a natureza

A primeira coisa que se oferece ao homem ao contemplar-se a si próprio é seu corpo, isto é, certa parcela de matéria que lhe é peculiar. Mas, para compreender o que ela representa e fixá--la dentro de seus justos limites, precisa compará-la a tudo o que se encontra acima ou abaixo dela. Não se atenha, pois, a olhar para os objetos que o cercam, simplesmente, mas contemple a

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natureza inteira na sua alta e plena majestade. Considere esta brilhante luz colocada acima dele como uma lâmpada eterna para iluminar o universo, e que a Terra lhe apareça como um ponto na órbita ampla deste astro e maravilhe-se de ver que essa amplitude não passa de um ponto insigni-ficante na rota dos outros astros que se espalham pelo firmamento. E se nossa vista aí se detém, que nossa imaginação não pare; mais rapidamente se cansará ela de conceber, que a natureza de revelar. Todo esse mundo visível é apenas um traço perceptível na amplidão da natureza, que nem sequer nos é dado a conhecer de um modo vago. Por mais que ampliemos as nossas concepções e as projetemos além de espaços imagináveis, concebemos tão somente átomos em comparação com a realidade das coisas. [...]

Afinal que é o homem dentro da natureza? Nada, em relação ao infinito; tudo, em relação ao nada; um ponto intermediário entre o tudo e o nada. Infinitamente incapaz de compreender os extremos, tanto o fim das coisas quanto o seu princípio permanecem ocultos num segredo impenetrável, e é-lhe igualmente impossível ver o nada de onde saiu e o infinito que o envolve.

PASCAL, Blaise. Parte dois. Pensamentos. Tradução Mario Laranjeira. São Paulo: Martins Fontes, 2005.

Neste instante, a sua mediação é funda-mental para ajudá-los no entendimento das informações dos textos. Caso você tenha em mãos a versão completa das obras, poderá ler para a classe trechos que considerar im-portantes para auxiliar na compreensão das ideias dos autores.

Merecem destaque: a afirmação enfática de que somos um corpo;

a imagem de que a natureza me ensina que convivo com outros corpos;

a ideia de que fujo de alguns e de outros me aproximo;

a ideia de que não vemos, não compre-endemos nossos extremos: nem fim, nem princípio;

a ideia de que somos nada em relação ao infinito, porém somos tudo em relação ao nada.

Se um texto (Descartes) traz a visão de con-flito do homem consigo mesmo, o outro (Pas-cal) traz a ideia de nossa limitação diante da natureza. Duas condições básicas da existência humana que precisam ser corajosa e filosofica-mente enfrentadas para a compreensão do ser

humano. Qualquer projeto educacional com vista à preservação da natureza, e com esta à preservação da humanidade, requer conscien-tização sobre nossos limites e nossas necessi-dades como seres corpóreos que até o presente momento nada sabem sobre seu início, seu fim e que continuam a destruir-se mutuamente.

Reflexão com base em leituras: o que elas nos fazem pensar

Com base na análise do texto, você pode orientar seus alunos a pensar sobre suas ex-periências enquanto animais que possuem um corpo com características humanas e a rela-cionar os temas destacados dos fragmentos analisados com questões de seu cotidiano e do mundo contemporâneo.

Na seção Lição de casa do Caderno do Aluno, é solicitado que eles fa-çam uma pesquisa com base na con-

dição de sermos possuidores de um corpo. Essa pesquisa inclui um questionamento sobre a nossa condição humana.

Alguns passos podem orientar a organiza-ção do trabalho em classe e em casa:

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Filosofia – 3a série – Volume 1

1. Quais são as consequências de termos um corpo humano? As ideias básicas que deverão estar presentes na reflexão des-

ta primeira questão são: a necessidade de nos alimentar, de

defecar, de promover a higiene do nosso corpo, assim como

as possibilidades de manusear e fabricar coisas, e como essas

ações, derivadas do fato de termos um corpo, afetam outros

corpos dispostos no meio ambiente.

2. Imagine o corpo humano com outras ca-racterísticas, diferentes das nossas. E nós, seres humanos, tivéssemos bico no lugar da boca? Ou quatro braços? Enfim, diante das características novas pensadas por você, quais seriam as consequências? Como vi-veríamos?Para esta segunda proposta, você pode solicitar aos alunos

que desenham que criem personagens que, à semelhança

das aves, pegam os alimentos com o bico e não com as mãos. Os

que não gostam de desenhar podem produzir colagens com

figuras de revistas ou desenhar sobre as figuras de revistas

para criar seres humanoides com corpos distintos dos nos-

sos. Os que gostam de teatro podem encenar uma apre-

sentação, expressando-se corporalmente como se fossem

aves, répteis ou insetos em tarefas humanas. Tais imagens

poderão ilustrar a necessária relação entre o nosso corpo

com mãos para pegar alimento, com boca liberada para a

fala, com capacidade de colocar-se em pé e a construção

cultural da humanidade.

Oriente os alunos a buscar textos em outras disciplinas, como História, Biologia e Sociolo-gia, sobre essa relação entre a forma do corpo humano e a construção da humanidade tal como a conhecemos atualmente. Caso não os encon-tre em seus livros e Cadernos dessas disciplinas, consulte a biblioteca ou mesmo a internet.

Para finalizar, sugerimos a seguinte questão:

Quais desafios o fato de ter um corpo me traz?

Você pode pedir aos alunos que selecio-nem letras de músicas, poesias ou filmes que tragam em suas mensagens a possibilidade de responder a essa questão.

Professor, baseando-se nas atividades que indicamos a serem realizadas em casa, você poderá propor uma atividade, agora feita em grupo. Sugerimos que os alunos promovam uma segunda seleção dos trabalhos realiza-dos, ou seja, que elejam apenas um dos filmes ou uma das poesias do grupo para apresen-tar aos outros grupos, justificando a escolha. Essas duas seleções exigem reflexão em torno de critérios para escolher entre várias possi-bilidades; exigem aproximação do tema em questão e argumentação no processo de nego-ciação para indicar a obra a ser apresentada, além, é claro, do esforço intelectual para justi-ficar a decisão. Trata-se, portanto, de ativida-de com grande potencial formativo em termos do conteúdo propriamente dito e das compe-tências a ser construídas.

Após apresentação dos trabalhos dos gru-pos e as sínteses e mediações que você julgar necessárias, apresente a próxima questão, su-gerida no Caderno do Aluno:

Como a nossa sociedade atual vem resol-vendo os desafios impostos pelo fato de sermos um corpo com possibilidades e limites?

Para responder a esta pergunta, os alunos podem considerar o contexto social brasilei-ro. Desta forma, eles podem abordar questões sobre mobilidade, saúde, trabalho, lazer e as dificuldades postas para crianças, idosos e deficientes (temporários e permanentes). Os alunos podem explorar, em seus trabalhos, os preconceitos que têm como ponto de apoio os diferentes corpos, ou mesmo a busca por um padrão ideal de corpo.

Avaliação da Situação de Aprendizagem

Sugerimos, para avaliar o desenvolvimen-to das reflexões geradas por esta Situação de Aprendizagem, que os alunos façam uma re-

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dação a partir do seguinte trecho: “O que é o homem dentro da natureza?”. Essa redação, em formato de carta, deve ter como objetivo dar uma resposta a Pascal, dialogando com as afirmações do filósofo no fragmento proposto para leitura nesta Situação de Aprendizagem.

Proposta de situação de recuperação

A recuperação dos conteúdos e das habili-dades trabalhados nesta Situação de Apren-dizagem requer a retomada da leitura dos textos de Descartes e Pascal, orientada pelas questões:

Quais são as semelhanças entre os dois textos e quais são os aspectos em que se distinguem?

O que esses dois textos nos fazem pen-sar sobre as consequências de termos um corpo para a constituição de nossa hu-manidade?

Com a ajuda dos textos, mas retomando todas as reflexões anteriores, é importante que os alunos nessa situação reflitam sobre o modo como as sociedades contemporâneas enfrentam o desafio de sermos animais entre os outros animais e os desafios de sermos seres dotados de um corpo.

Prosseguindo com o objetivo de refletir so-bre a condição dos seres humanos e suas ca-racterísticas fundamentais, esta Situação de Aprendizagem desenvolve os temas linguagem e palavra.

Linguagem é palavra associada aos proces-sos de comunicação entre os seres. Compre-endida em um sentido amplo, está presente nas práticas realizadas por todos os animais, incluindo gestos, movimentos, sinais de diver-sas naturezas, cores, sons; não é, portanto, um processo exclusivamente associado aos seres humanos.

Aristóteles, em seu livro A política, anun-ciou essa especificidade humana afirmando

que todos os animais têm vozes, mas somente o homem tem palavra.

No currículo do Ensino Médio, as aulas de Arte são espaço importante para a criação e a reflexão de diferentes linguagens da arte. Nesta Situação de Aprendizagem, focaremos a palavra e a língua como aspectos definidores do ser hu-mano e, também, como condição para a elabora-ção do discurso filosófico.

Analisaremos, então, como temas, a língua como fundadora dos saberes coletivos, a lín-gua como criadora de realidades, e a Filosofia como área privilegiada para o cuidado com as criações da língua, como lugar de reflexão e tratamento da linguagem escrita e falada.

SITUAÇÃO DE APRENDIZAGEM 4 A LINGUAGEM E A LÍNGUA COMO CARACTERÍSTICAS

QUE IDENTIFICAM A ESPÉCIE HUMANA

Conteúdos e temas: a língua como fundadora dos saberes coletivos; a língua como criadora de reali-dades; e a Filosofia como área privilegiada para o cuidado com as criações da língua, como lugar de reflexão e tratamento da linguagem escrita e falada.

Competências e habilidades: elaborar hipóteses para o enfrentamento de questões relativas aos temas deste volume; refletir sobre a distinção entre linguagem e língua; relacionar pensamento, linguagem e

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Filosofia – 3a série – Volume 1

língua; refletir sobre o papel da língua para a produção e preservação de saberes coletivos, bem como para representar o real e imaginar diferentes realidades.

Sugestão de estratégias: identificação de representações dos alunos por meio da sondagem inicial sobre o tema; leitura e escrita.

Sugestão de recursos: texto de literatura, sugestão Os sertões, de Euclides da Cunha.

Sugestão de avaliação: a avaliação deverá ter como referência as atividades realizadas ao longo da Situa-ção de Aprendizagem, a qualidade das intervenções orais e dos trabalhos escritos.

Sondagem e sensibilização

Para dar início à reflexão sobre a palavra como um traço fundamental do ser humano, su-gerimos que faça o levantamento das represen-tações dos alunos sobre o tema: O que pensam sobre essa condição humana? Já tiveram oportu-nidade de parar para considerar reflexivamente as consequências da palavra para a constituição do ser humano como se apresenta atualmente?

Para essa sondagem inicial, sugerimos, con-forme está presente no Caderno do Aluno, que desafie os alunos por meio de um exercício que exige memória e reflexão. Peça a eles que, em duplas ou grupos, apresentem oralmente exemplos de experiências nas quais puderam se comunicar sem o uso de palavras. Eles po-derão relembrar as aulas de Arte ou o universo de suas vivências cotidianas. Após as apresen-tações, faça uma síntese do que foi apresentado e acrescente uma questão que permitirá a pro-blematização ainda na sondagem: As palavras de fato estavam ausentes nestas experiências?

Caso os alunos sintam dificuldade para en-frentar esse desafio, é interessante perguntar so-bre o que pensaram durante, após e mesmo antes das experiências, caso tenham sido planejadas.

A ideia é que eles considerem o processo de pensamento como um fenômeno permiti-

do pela palavra. Ainda que não expresso, que não dito, um pensamento é produzido com a articulação de palavras.

As palavras articulam-se no contexto de uma língua. Por isto é possível afirmar que não existe pensamento sem a base, sem o su-porte de uma língua.

A língua e os saberes coletivos

A língua, por sua vez, tem seus suportes. A língua falada tem como base física os sons, ou seja, a vibração do ar, e a língua escrita tem sua base na imagem, quer dizer, em um de-senho no espaço. Ela também tem uma base física no animal que fala. A língua falada de-pende de um aparelho fonético bastante sofis-ticado, e a língua escrita depende de uma mão igualmente sofisticada. Há, ainda, a lingua-gem de sinais, que tem como base os gestos decorrentes de uma linguagem natural. Todas apresentam características exclusivas da nossa espécie.

As línguas falada, escrita e de sinais têm uma base cultural, pois são indissociavelmen-te ligadas a uma forma de vida, uma cultura determinada. Ao mesmo tempo que a cultura é gerada pela língua, ela também gera a lín-gua. Ao nomear, classificar, categorizar, regis-trar suas experiências vitais, os seres humanos

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criam palavras e sintaxes articuladoras de pa-lavras ao contarem histórias de modos parti-culares de vida.

A língua é o “saber coletivo” fundamental de um povo, de uma nação, de uma cultura. É fundamental porque, com a língua, os grupos humanos fundam sua identidade, por meio das palavras que organizam e nomeiam suas atividades para sobrevivência, suas crenças, seus valores, suas artes. Assim como é verdadei-ra a afirmação de que existem comunicações sem palavras, é verdadeira a impossibilidade de constituição de um agrupamento humano, seja uma tribo, uma cidade ou um país, sem a edificação de saberes coletivos que são pla-nejados, registrados – ainda que na memória da tradição oral – e comunicados pela língua de geração em geração. A língua é o saber coletivo mais bem repartido de um povo ou comunidade. Além disso, é um saber em con-tínua transformação e crescimento. Todos nós aprendemos a língua constantemente e todos nós ensinamos a língua constantemente.

A língua de um povo, portanto, é um ins-trumento valioso para a sua identidade. Ela é a espinha dorsal de uma sociedade ou cultu-ra. E é por isso que os antropólogos, quando se deparam com uma nação tribal em risco, imediatamente chamam os linguistas para fi-xarem a língua em uma escrita, na tentativa de não deixá-la morrer.

Após a sondagem inicial, você pode apresen-tar esse panorama sobre a relação entre pensar, dizer e fazer parte de uma cultura e solicitar aos alunos que, em grupos, respondam ao desafio proposto no Caderno do Aluno de explicar o significado da palavra “caneta” para um ser ex-traterrestre que não conhece os objetos da Terra e tampouco as línguas aqui faladas.

Algumas dificuldades podem advir dessa tentativa.

É importante questionar se usaram recursos como mostrar e descrever o objeto, transmitir por meio de gestos a finalidade do objeto, pois é muito provável que o visitante não reconheça ou não conheça nenhuma dessas representações associadas à palavra “caneta”.

Nesse caso, ainda que o extraterrestre te-nha entendido que se está tentando ensinar para ele uma palavra da nossa língua e, com muito boa vontade, se coloque à disposição para aprender, temos as seguintes possibilida-des diante das prováveis soluções para expli-car o significado de “caneta”.

Ele pode considerar que se trata de um objeto adorado pelos terráqueos. Pode achar que a palavra “caneta” seja o ato de apontar alguma coisa. Ou então, que seja o nome do material de que ela é feita, por exemplo, o plás-tico. Ou que é o nome da forma que a caneta tem, por exemplo, um cilindro. Ou ainda, que seja a maneira de designar um ponto no espa-ço. Pode achar também que o que está sendo apontado não é o que está perto do dedo, mas o que se encontra na direção oposta da ponta do dedo. Ou que “caneta” é o nome de uma dança que consiste em apontar algo e insistir em um mesmo som: “caneta”, “caneta!”, “ca--ne-ta”...

As possibilidades de interpretação do extra-terrestre são virtualmente infinitas. O certo é que, se no planeta dele houvesse um objeto como uma caneta, um instrumento que lá também serviria para escrever, nesse caso, seria mais provável que ele entendesse o significado da palavra.

Com essa hipótese, concluímos: o significado de uma palavra não é dado pela observação do objeto em termos de suas linhas, suas cores, seu material;

o significado de uma palavra depende da familiaridade que temos com certos obje-tos, conceitos, gestos e maneiras de falar;

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a língua está muito mais ligada a uma for-ma de vida do que à operação de represen-tar objetos ou experiências por meio de sons ou da escrita.

Pensamos, falamos, lemos e escrevemos as palavras que herdamos como seres nascidos em tempo e espaço determinados, em meio a saberes coletivos já consolidados. Herda-mos a língua com as palavras já enredadas em significados. É com essas palavras, com essa herança que é a língua, que abarca os saberes coletivos de nosso grupo cultural e o universo de significados por ele produzidos, que cons-truímos nossa arte, nossa expressão escrita e falada, nosso modo de ler e dizer o mundo.

A língua como criadora de realidades

Outra característica importante do ser hu-mano que é permitida pela linguagem pode ser encontrada na capacidade de sair do pre-sente e da presença do que é visto para lançar--se ao passado, ao futuro e a mundos nunca visitados.

Aliadas à faculdade da memória, a língua e a linguagem nos trazem registros do passado; e aliadas à nossa capacidade imaginativa, nos projetam para o futuro. Passado e futuro só existem por causa da linguagem e da palavra. A característica virtual da linguagem e da lín-gua permite essa fuga para lugares não exis-tentes. Tal virtualidade permite, ainda, que pensemos em objetos que não estão presentes e sobre experiências que não são nossas. Com a linguagem e a língua, representamos o mun-do, imaginamos outras formas de viver e ela-boramos saberes coletivos que herdamos e transmitimos para gerações que nos sucedem.

Para a reflexão sobre esse papel da língua, proponha o seguinte desafio aos alunos: peça que mantenham os olhos fechados durante 30 segundos. Quem será capaz de fazer isso? Durante esse tempo, leia ou fale de cor um

pequeno trecho de literatura que seja especial-mente expressivo em termos de dramaticidade ou imagens.

Como exemplo, suponha o seguinte trecho:

Eram quatro apenas: um velho, dois homens feitos e uma criança, na frente dos quais, rugiam raivosamente 5 mil soldados.

CUNHA, Euclides da. Os sertões. Disponível em: <http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/

ua00091a.pdf>. Acesso em: 19 jul. 2013.

Agora, pergunte aos alunos o que cada um imaginou quando você apresentou o texto:

Como era o velho? Ele usava chapéu? E como eram os dois homens feitos? E a criança, era menino ou menina? E os 5 mil soldados? Eram soldados da po-lícia? Do Exército? De que época?

Onde a cena imaginada se passou? Na ci-dade, no campo? Fazia calor? Fazia frio?

Alguém se perguntou por que 5 mil solda-dos para enfrentar quatro pessoas?

Alguém interpretou em que circunstâncias esse fato teria ocorrido?

Alguém ficou com pena daquelas quatro pessoas?

Alguém ficou indignado com a desproporção entre as quatro pessoas e os 5 mil soldados?

Permita que os alunos justifiquem suas in-terpretações e as discutam entre si. Tudo o que for vivido nessa atividade será possível por uma mensagem sonora de menos de 30 segundos.

Com certeza, haverá interpretações dife-rentes para a cena descrita. E isso mostra a força da imaginação pessoal na compreensão do que é descrito ou narrado, e como ela ocor-re de maneira aparentemente automática, sem identificarmos os motivos desta ou daquela associação de ideias.

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A linguagem é isto: um processo que permite a criação de fatos na mente das pessoas. Permi te a criação de imagens, de ideias, de acontecimen-tos, de emoções, de julgamentos e, até mesmo, de todos esses aspectos simultaneamente, seja na reflexão que cada um de nós faz consigo mesmo, seja no ato da expressão e comunicação entre diferentes indivíduos, em sociedade.

A Filosofia como o cuidado com as criações da palavra

Até o momento, vimos que o homem é um ser de linguagem assim como os outros animais, mas que em sua linguagem há uma especificida-de que o distingue e que se chama “palavra”. A palavra relaciona-se ao pensamento, criando-o e sendo criada por ele.

Vimos que as palavras se articulam na lín-gua de forma a descrever e nomear as coisas do mundo, mas não somente isso. A língua é um processo bastante complexo, associado às ações humanas, ao que os seres humanos fazem para sobreviver, mas, sobretudo, é um processo que permite a construção de signi-ficados ou de saberes coletivos como a ciên-cia, a religião, a técnica, a tecnologia, a arte. Vimos que linguagem e língua permitem, ainda, que o ser humano ocupe um lugar imaginário, escapando do mundo tal como se mostra.

E a Filosofia? Também resulta da capacida-de humana de criar a língua e é criada por essa capacidade reciprocamente.

Os conceitos filosóficos e os modos de sua enunciação nada mais são do que o resultado de uma depuração do uso comum de uma língua. Esse processo pode ocorrer deliberadamente e resultar na criação de um sistema filosófico, como quando, por exemplo, um filósofo se debruça sobre noções mo-rais encontradas no senso comum para examinar se estão corretamente formuladas ou não, como fez Kant em sua obra Fundamentação da metafísica dos costumes (1784). Pode ser também que um filósofo se sirva da linguagem comum para expressar concepções inusitadas, valendo-se, para tanto, do recurso a um estilo particular, como Rousseau, no Discurso sobre os fundamentos e a origem da desigualdade entre os homens (1756), obra que pretende demonstrar uma verdade que poucos perceberam, por meio de uma linguagem que todos conhecem, moldada por um estilo elevado e comovente.

Por fim, frequentemente acontece de a própria linguagem comum embutir conceitos e raciocínios filosóficos de maneira irrefletida, que ali se encontram pelo acúmulo de experiências dos diferentes usuários da língua ao longo do tempo. Encontramos exemplos abundantes disso na maneira como são utilizadas as definições de nomes, ou como são estabelecidas as relações entre sujeito e predicado, na atribuição dos gêneros, nas flexões e declinações, em praticamente todas as operações gramaticais. Toda língua tem regras, é como um sistema, e funciona como uma espécie de reflexão sobre si mesma, ou seja, sobre a sua própria capacidade de enunciação. Isso mostra que há muito em comum entre o uso de uma língua e o pensamento filosófico. É curioso notar que o sentido e o significado são trans-mitidos, nas línguas, pela expressividade dos sons, e que, portanto, o que a língua pensa, ou permite pensar, quando a falamos ou a ouvimos, é comunicado pela sensibilidade e tem efeito direto nesta.

Elaborado especialmente para o São Paulo faz escola.

Convém agora propor a atividade presente no Caderno do Aluno na seção A língua e os saberes coletivos. Retome com os alunos o de-safio de explicar o significado da palavra caneta

para um extraterrestre e as possibilidades de ele compreender o significado dessa palavra, res-saltando este último aspecto do uso das línguas. Em seguida, levante as seguintes questões:

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a) Qual foi a maior dificuldade para reali-zar essa tarefa?

b) Quais foram as conclusões elaboradas?

Avaliação da Situação de Aprendizagem

Professor, uma das propostas de ava-liação pode ser a entrega da atividade da seção Você aprendeu? do Caderno

do Aluno, que solicita que eles reflitam e regis-trem termos tecnológicos presentes em nosso cotidiano, assim como as possíveis formas de fa-miliarizar as pessoas com essa língua.

Outra proposta de avaliação são as quatro questões que versam sobre o tema desta Situa-ção de Aprendizagem, reproduzidas a seguir.

Questões para avaliação

1. Qual é a diferença entre língua e linguagem?

2. Por que é possível afirmar que a grande distinção entre os homens e os demais ani- mais é a língua e não a linguagem?

3. Quais são as experiências dos seres huma-nos cuja realização só é possível por meio da língua, da palavra?

4. Por que é possível dizer que a palavra – a língua – cria realidades, cria mundos que não existem?

Proposta de situação de recuperação

Os alunos que apresentaram dificuldades para acompanhar as reflexões ou realizar al-gumas das atividades podem ser orientados a escrever um texto argumentativo tendo como base o seguinte tema: “Linguagem e língua são senhas para entrar no mundo humano”. Essa redação deverá ter como base o texto e os exercícios propostos, além dos apontamen-tos de aula.

SITUAÇÃO DE APRENDIZAGEM 5 FILOSOFIA E RELIGIÃO

Nesta Situação de Aprendizagem, apro-funda-se a compreensão sobre as característi-cas do discurso filosófico, com destaque para a relação entre Filosofia e Mitologia ou ainda Filosofia e Religião. Com a ajuda de historia-dores da Filosofia, contextualiza-se a origem

da Filosofia como processo em diálogo e não em ruptura com a Mitologia. A partir da re-flexão sobre a experiência dos alunos com os dois discursos, amplia-se a possibilidade de desafiá-los a pensar aproximações e distancia-mentos entre Filosofia e narrativa mitológica.

Conteúdos e temas: algumas relações entre Filosofia, Mitologia e Religião.

Competências e habilidades: relacionar informações, representadas de diferentes formas, e conhecimen-tos disponíveis em diferentes situações para construir argumentação consistente; identificar marcas do discurso filosófico e do discurso mitológico; ler, compreender e interpretar textos teóricos e filosóficos; expressar-se por escrito e oralmente de forma sistemática; elaborar hipóteses e questões a partir das leituras e dos debates realizados.

Sugestão de estratégias: levantamento de hipóteses sobre aproximações e diferenças entre Filosofia e

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Religião; leitura sistemática e problematizadora de textos e elaboração escrita do próprio pensamento; pesquisa bibliográfica e na internet.

Sugestão de recursos: aulas expositivas; atividades de leitura e reflexão; sites.

Sugestão de avaliação: sugerimos que sejam avaliados a partir da iniciativa de criação e expressão dos temas apresentados pelo professor e do envolvimento dos alunos nas atividades propostas. Como ins-trumentos de avaliação, recomendamos sínteses escritas individuais e coletivas.

Sondagem e sensibilização

Para iniciar as reflexões desta Situação de Aprendizagem, propõe-se uma sondagem a partir de acontecimento destacado do noticiá-rio jornalístico brasileiro de 2006. Organizados em grupos, os alunos devem criar hipóteses so-bre possíveis comentários de um filósofo e de um religioso a respeito do acontecimento apre-sentado a seguir.

Em 29 de setembro de 2006, um Boeing da companhia aérea Gol foi atingido em ple-no voo por outro avião bem menor, modelo Legacy. Os ocupantes do Legacy nada sofre-ram e a queda do Boeing da Gol provocou a morte de 154 pessoas.

No Caderno do Aluno, há um quadro reservado para o registro dos comentários hipotéticos de cada grupo. Mas oriente que escrevam os comentários individualmente para que todos possam ter os registros em seus Cadernos.

O objetivo dessa sondagem é verificar as representações elaboradas pelos alunos a respeito dos possíveis padrões discursivos a partir das características do discurso filosófi-co e das características do discurso religioso. O diálogo sobre as diferenças entre os dois discursos servirá como introdução para o aprofundamento da natureza da Filosofia, já iniciado nas séries anteriores e retomado nes-ta Situação de Aprendizagem. Os Cadernos

das séries anteriores e os textos deste volume oferecem subsídios para os alunos caracteri-zarem a reflexão filosófica.

Com base nas hipóteses dos alunos, você poderá destacar aspectos que predominam em cada comentário, orientando-os a justifi-car suas afirmações e associações à Filosofia ou à Religião. O esforço de justificar as pró-prias respostas é importante para o exercício da reflexão.

Discurso filosófico e discurso religioso: aproximações e diferenças

Vamos considerar algumas ideias corren-tes sobre a relação entre Religião e Filosofia:

a Filosofia como ruptura com a Religião; a Filosofia como forma de pensamento su-perior ao pensamento religioso;

a Filosofia surge na Grécia em oposição ao pensamento mitológico.

Segue uma breve explicação so-bre as relações entre Filosofia, Religião e Mito, também disponí-

vel no Caderno do Aluno na seção Leitura e análise de texto. Depois de ler o texto, o aluno deve responder quais são as possíveis afinidades entre os discursos filosófico e religioso e as narrativas mitológicas. Você poderá aprofundar e enriquecer esse exercí-cio a partir do seu conhecimento teórico sobre o tema.

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Filosofia e Religião

O primeiro esforço para pensar as relações entre a Filosofia, a Mitologia e a Religião conduz à questão sobre a origem da Filosofia. É bastante divulgada a ideia de que o modo de pensar, que hoje identificamos como próprio da Filosofia, tem origem na Grécia Antiga, no final do século VII a.C. e início do século VI a.C. Atribui-se a Pitágoras (570 a.C.-496 a.C.) o emprego da palavra “filosofia” pela primeira vez, unindo dois termos: philia ou philos (amizade) e sophia ou sophos (saber), o que resultou em uma palavra que expressa amor pela sabedoria. Esse modo de pensar teria surgido com a necessidade de se responder a questões sobre o mundo natural e sobre os homens, que não haviam sido respondidas, de maneira plenamente satisfatória, pelas narrativas mitológicas.

O segundo esforço para pensar as relações entre a Filosofia, a Mitologia e a Religião é justamente de distinguir perguntas e respostas próprias a cada um desses modos de pensar.

Sobre a origem da Filosofia como necessidade grega de criar uma forma de pensamento que pudesse melhor explicar o mundo, deve-se considerar que egípcios, mesopotâmios, hindus e chineses, ou seja, o oriente e norte da África, também criaram filosofias em períodos concomitantes ou anteriores aos primei-ros filósofos gregos. Historiadores como Abel Rey – pesquisador português contemporâneo – defendem a ideia de que não se pode afirmar que a origem da Filosofia tenha se dado exclusivamente na Grécia, porque os próprios gregos exaltaram a sabedoria oriental. Dessa forma, o ideal é perguntarmos pela origem da Filosofia tanto no campo do pensamento oriental como no campo do pensamento ocidental.

Historiadores da Filosofia, entre os quais destacamos Werner Jaeger, defendem ainda que a Fi-losofia não surgiu em contraposição e como algo absolutamente diferente dos mitos, mas sim com base nesses, com base em temas e preocupações predominantes nos discursos religioso e mitológico registrados em poemas como a Ilíada e a Odisseia, de Homero, e nos poemas de Hesíodo, por exem-plo. Os historiadores destacam vários aspectos que são comuns a ambos: preocupação dos poetas por apresentar causas e motivos das ações; esforço para descrever os fatos em uma abrangência que abarca deuses, homens, terra, céu, guerra, paz, bem e mal; preocupação dos poetas por construir narrativas para ensinar a justiça como virtude fundamental. O mito, assim, já contemplaria a estrutura de apre-sentação dos fatos e os temas valorizados pela Filosofia. Se a Filosofia não é uma inovação que rompe radicalmente com o discurso próprio dos mitos, dos poemas e da Religião, deve-se perguntar, então, qual é a sua novidade, qual é a sua diferença?

Elaborado especialmente para o São Paulo faz escola.

A atividade proposta a seguir tem o objetivo de ajudar os alu-nos a pensar as diferenças entre

um discurso e outro. Para tanto, no Cader-no do Aluno, constam dois textos: um tre-cho da introdução de Crítica da razão pura, de Immanuel Kant (1781), e uma transcri-ção de nossa autoria do mito denominado Eros e Psiquê, narrado pela primeira vez por um escritor romano chamado Lucio Apuleio (século II d.C.).

Proponha que os alunos façam uma leitu-ra silenciosa de cada um dos textos. Depois, pode-se iniciar a identificação das diferenças entre eles. Algumas perguntas, presentes no

Caderno do Aluno, podem ajudar nessa direção:

1. Qual é o objetivo de cada texto e qual é o assunto tratado em cada um deles?

2. De que forma a mensagem principal e as demais mensagens são apresentadas em cada um dos textos?

3. Aponte alguma característica específica de cada um dos textos, que não possa ser en-contrada no outro.

A partir das hipóteses apresentadas pelos alunos, é possível construir um quadro na lou-sa com as descobertas sobre as diferenças.

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Crítica da razão pura, de Immanuel Kant

I. Da diferença entre o conhecimento puro e o conhecimento empírico

Não há dúvida de que todo o nosso conhecimento começa com a experiência; pois de que outro modo poderia a nossa faculdade de conhecimento ser despertada para o exercício, não fosse por meio de objetos que estimulam nossos sentidos e, em parte, produzem representações por si mesmos, em parte colocam em movimento a atividade de nosso entendimento, levando-a a compará-las, conectá--las ou separá-las e, assim, transformar a matéria bruta das impressões sensíveis em um conhecimen-to de objetos chamado experiência? No que diz respeito a um tempo, portanto, nenhum conhecimento antecede em nós à experiência, e com esta começam todos.

Ainda, porém, que todo nosso conhecimento comece com a experiência, nem por isso surge ele apenas da experiência. Pois poderia bem acontecer que mesmo o nosso conhecimento por experiência fosse um composto daquilo que recebemos por meio de impressões e daquilo que nossa própria facul-dade de conhecimento (apenas movida por impressões sensíveis) produz por si mesma; uma soma que não podemos diferenciar daquela matéria básica enquanto um longo exercício não nos tenha tornado atentos a isso e aptos a efetuar tal distinção.

Aquela expressão não é suficientemente determinada, contudo, para designar de maneira adequa-da o sentido integral da questão posta. Pois, se costuma dizer, de muitos conhecimentos derivados de fontes da experiência que nós somos capazes ou participantes deles a priori, na medida em que não os derivamos imediatamente da experiência, mas sim de uma regra universal que, no entanto, tomamos emprestada da própria experiência. Assim, diz-se de alguém que solapou os fundamentos de sua casa que ele poderia saber a priori que ela cairia, i.e., ele não precisava esperar pela experiência em que ela de fato caísse. Inteiramente a priori, contudo, ele não poderia mesmo sabê-lo. Pois teria que aprender antes, por meio da experiência, que os corpos são pesados e, por isso, caem quando lhes é retirado o suporte.

No que segue, portanto, entendermos por conhecimento a priori aqueles que se dão não indepen-dentemente desta ou daquela, mas de toda e qualquer experiência. A eles se supõe os conhecimentos empíricos ou aqueles que só são possíveis a posteriori, i.e., por meio da experiência.

KANT, Immanuel. Crítica da razão pura. Tradução Fernando Costa Mattos. 2. ed. Petrópolis: Vozes; Bragança Paulista: Editora Universitária São Francisco, 2013. p. 45-46.

Eros e Psiquê

Era uma vez um rei que tinha três filhas. A mais nova, de nome Psiquê, destacava-se por sua beleza. Dizia-se até que Afrodite – a deusa da beleza – não era tão bonita quanto Psiquê, cujo nome em grego antigo significa alma.

Os homens deixaram de cultuar a deusa Afrodite para adorar Psiquê.Afrodite ofendeu-se com esta situação e pediu a seu filho Eros, o deus do Amor, para preparar uma

vingança. Ele ficou tão maravilhado ao ver Psiquê que não conseguiu cumprir a ordem da mãe. En-quanto Eros sofria por não conseguir atender ao pedido de sua mãe, Psiquê, sem saber das intenções de Afrodite, esperava encontrar um marido. Seu pai consultou o oráculo de Apolo para ajudar Psiquê a encontrar seu marido. Eros também consultou o oráculo para conseguir realizar o pedido de sua mãe.

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Orientado pelo oráculo, o rei levou Psiquê para o alto de uma montanha na qual encontraria um monstro disposto a se casar com ela.

Também orientado pelo oráculo, Eros dirigiu-se para a mesma montanha na qual deveria se casar com Psiquê, sem permitir que ela visse seu rosto e fazendo-se passar por um monstro.

Embora Psiquê não o visse, tinha certeza de que não se tratava de nenhum monstro horroroso. A partir daquele momento, sua vida ficou assim: luxo, solidão e vozes que faziam suas vontades durante o dia e, à noite, a voz de seu amor. Mas a proibição de ver o rosto do marido a intrigava. E a inquieta-ção aumentou mais ainda quando o misterioso companheiro avisou que ela não deveria encontrar sua família nunca mais, pois, se assim fosse, coisas terríveis começariam a acontecer. Ela não se confor-mou com isso e, na noite seguinte, implorou a permissão para ver pelo menos as irmãs. Contrariado, mas com pena da esposa, ele acabou concordando. Assim, durante o dia, quando ele estava longe, as irmãs foram trazidas da montanha pela brisa e comeram um banquete no palácio. Como temia Eros, a alegria que as duas sentiram pelo reencontro logo se transformou em inveja e elas voltaram para casa pensando em um jeito de acabar com a sorte da irmã. Nessa mesma noite, no palácio, aconteceu uma discussão. O marido pediu para Psiquê não receber mais a visita das irmãs e ela, que não tinha percebido seus olhares maldosos, se rebelou. Além de estar proibida de ver o seu rosto, ele agora queria impedi-la de ver até mesmo as irmãs? Novamente, ele acabou cedendo e no dia seguinte as pérfidas foram convidadas para ir ao palácio de novo. Mas dessa vez elas apareceram com um plano já arqui-tetado. Elas a convenceram de que o marido só podia ser um monstro e aconselharam Psiquê a matá--lo. À noite ela teria que esconder uma faca e uma lamparina de óleo ao lado da cama para matá-lo durante o sono. Psiquê caiu na armadilha. E, quando acendeu a lamparina, viu que estava ao lado do próprio Eros, o deus do amor, a figura masculina mais bonita que havia existido. Ela estremeceu, a faca escorregou da sua mão, a lamparina entornou e uma gota de óleo fervente caiu no ombro dele, que despertou, sentiu-se traído, virou as costas, e foi embora dizendo: “Não há amor onde não há confiança”. Psiquê ficou desesperada e resolveu empregar todas as suas forças para recuperar o amor de Eros, que se encontrava na casa da mãe recuperando-se do ferimento no ombro. Psiquê pedia aos deuses para acalmar a fúria de Afrodite, sem obter resultado. Resolveu se oferecer à sogra como serva, dizendo que faria qualquer coisa por Eros. Ao ouvir isso, Afrodite gargalhou e respondeu que, para recuperar o amor dele, ela teria que passar por uma prova. Em seguida, pegou uma grande quanti-dade de trigo, milho, papoula e muitos outros grãos e os misturou. Até o fim do dia, Psiquê teria que separar tudo aquilo. Era uma tarefa impossível e ela já estava convencida de seu fracasso, quando centenas de formigas resolveram ajudá-la e fizeram todo o trabalho. Surpresa e nervosa por ver aque-la tarefa cumprida, a deusa fez um pedido ainda mais difícil: queria que Psiquê trouxesse um pouco de lã de ouro de umas ovelhas ferozes. Percebendo que seria trucidada, ela já estava pensando em se afogar no rio quando foi aconselhada por um caniço (uma planta parecida com um bambu) a esperar o Sol se pôr e as ovelhas partirem para recolher a lã que ficasse presa nos arbustos. Deu certo, mas no dia seguinte uma nova missão a esperava. Agora Psiquê teria que recolher em um jarro de cristal um pouco da água negra que saía de uma nascente que ficava no alto de uns penhascos. Com o jarro na mão, ela caminhou em direção aos rochedos, mas logo se deu conta de que escalar aquilo seria o seu fim. Mais uma vez, conseguiu uma ajuda inesperada: uma águia apareceu, tirou o jarro de suas mãos e logo voltou com ele bem cheio de água negra. No entanto, a pior tarefa ainda estava por vir. Afro-dite dessa vez pediu a Psiquê que fosse até o inferno e trouxesse para ela uma caixinha com a beleza imortal. Desta vez, uma torre lhe deu orientações de como deveria agir, e, assim, ela conseguiu trazer a encomenda. Tudo já estava próximo do fim quando foi dominada pela tentação de pegar um pouco da beleza imortal para tornar-se mais encantadora para Eros. Ela abriu a caixa e dali saiu um sono

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profundo, que em poucos segundos a fez tombar adormecida. A história acabaria assim se o amor não fosse correspondido. Por sorte, Eros também estava apaixonado e desesperado. Ele pedira a Zeus, o deus dos deuses, que impedisse sua mãe de separá-los. Zeus então reuniu a assembleia dos deuses (que incluía Afrodite) e anunciou que Eros e Psiquê iriam se casar no Olimpo e que a noiva deveria tornar-se imortal. Hermes a conduziu ao palácio dos deuses e Zeus lhe ofereceu um doce que a tornou uma deusa e, por isto, imortal. Afrodite não poderia opor-se a que seu filho se casasse com uma deusa. Assim, Eros – o amor – e Psiquê – a alma – viveram juntos para sempre.

APULEIO, Lucio. A metamorfose ou O asno de ouro. Disponível em: <http://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/DetalheObraForm.do?select_action=&co_obra=6681>. Acesso em: 19 jul. 2013. Tradução e adaptação Luiza Christov.

Após a análise das diferenças destaca-das pelos alunos, convém lembrar que o discurso nos mitos apresenta-se com uma narrativa marcada por analogias, metáfo-ras e parábolas, enquanto, no exemplo dado de texto filosófico, o discurso apresenta-se marcado por questionamentos sucessivos a cada afirmação, por fundamentação e críti-ca sobre o saber afirmado. Mais importante que uma distinção pretensamente definiti-va, é favorecer o contato dos alunos com os dois discursos em questão e desafiá-los a se aproximarem de uma compreensão sobre a natureza de um e de outro.

Como pesquisa a ser realizada em casa, o Caderno do Aluno, na se-ção Pesquisa individual, apresenta

orientações para que os alunos tragam para a sala de aula um exemplo de narrativa mitoló-gica e de texto filosófico, se possível, sobre o mesmo tema. São indicados endereços eletrô-nicos e livros para consulta, o que não exclui referências que você pode indicar que sejam pertinentes ao tema.

Apresentando a pesquisa

É importante que os alunos possam apre-sentar o que pesquisaram. Sugerimos que a exposição seja feita em grupo e, nesse sentido, os alunos devem poder conversar e organizar

a apresentação. Cada grupo elegerá uma nar-rativa mitológica para leitura e comentários, registrando características comuns; o mesmo deve ser feito em relação ao discurso filosó-fico. As orientações para o registro estão no Caderno do Aluno, na referida seção.

Sugerimos que os alunos elaborem uma frase que informe a diferença quanto à natu-reza dos textos mitológicos e dos textos filo-sóficos. Esse exercício consta no Caderno do Aluno e poderá ser analisado como ativida-de de avaliação que fechará esta Situação de Aprendizagem.

Mito e religião

Para finalizar esta Situação de Aprendizagem, elaboramos um texto que tem o objetivo de am-

pliar a discussão iniciada. Contudo, apesar da perspectiva de desenvolver a discussão, ainda assim, a complexidade do tema não nos per-mite colocar um ponto final no assunto. O tema que se apresenta é complexo e exige a sua intervenção complementando e amplian-do as considerações aqui expostas.

Informamos que o texto que segue, assim como a proposta de pesquisa e de apresenta-ção dos resultados, está presente no Caderno do Aluno, na seção Leitura e análise de texto.

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Ao compararmos o texto filosófico e o texto mitológico, podemos observar diferenças no que se refere ao conteúdo e à forma de abordá-lo. Mas quais seriam as relações e as diferenças entre as nar-rativas mitológicas e o discurso religioso? Podemos identificar um caminho seguro que nos permita estabelecer relações e rupturas entre o mito e a religião? Trata-se de um tema muito complexo, mas, em linhas gerais, procuramos trazer alguns elementos para o entendimento do tema e aprofundar as nossas reflexões. Partimos do entendimento de que a crescente complexidade dos mitos e a fundação de religiões têm relação com o aumento da complexidade na relação entre os homens e entre os homens e a natureza. As mudanças na produção da vida, nas relações com os outros, a crescente complexidade na relação com o mundo e com os outros refletem nas práticas produtivas, na relação com o simbólico e com as práticas relacionadas ao sagrado. Nesse sentido, podemos estabelecer uma ligação entre a produção da vida material, a narrativa mitológica e a composição do sentimento religioso. Apesar de estabelecermos essa ligação, não é possível identificar com precisão um momento específico em que o mito é relegado em prol da religião, ou em que momento o mito torna-se base para a fundação de uma crença religiosa ou até que ponto o mito proporciona a experiência religiosa. Mas, se não podemos identificar esse momento, podemos, a partir das contribuições oriundas de estudos antropológicos, reconhecer diferentes etapas mitológicas e até conjecturar sobre como a crescente complexidade das relações entre a produção da vida e dos mitos permitiram o estabelecimento de religiões.

Indicamos três etapas básicas, nas quais consideramos um trajeto em que a inquietação e o em-penho em desvendar os mistérios do mundo compõem um sentimento e um certo estabelecimento da história do sagrado.1

Primeira etapa: Recortamos como primeira etapa a relação entre os homens, seus sentimentos e anseios e as forças da natureza. Os homens reconhecem as suas necessidades e fragilidades e que estão diante de um mundo hostil, cujos eventos ainda não podem ser explicados. Os homens reconhecem que as forças naturais podem ser benéficas ou prejudiciais aos empreendimentos humanos e essa percepção é marcada pelo medo e pela alegria. A força do sagrado manifesta-se nos elementos e nos fenômenos naturais, assim como nas disposições do humano.

Segunda etapa: A segunda etapa tem relação com a presença de deuses mais personalizados, mais próximos dos homens e das suas artes; a complexidade da vida exige deuses mais personalizados e com funções específicas. Mais do que favorecimento em relação às forças da natureza, existe a perspectiva de fundamentar as regras e as normas relativas a ações mais complexas como, por exemplo, as regras para a composição e harmonia do lar ou regras para promover a fertilidade do solo, favorecer a colheita abundante, provocar as chuvas, entre outras. Pela complexidade da função dos deuses em relação às necessidades e atividades humanas, a evocação passa a ter características específicas e, assim, conver-tidas em práticas de rituais.

Terceira etapa: Os deuses compartilham dos sentimentos humanos e a complexidade de suas inter-venções fica cada vez maior. Com o desenvolvimento dessa fase representada por uma crescente com-plexidade da vida e das ações humanas, há condições para o estabelecimento de religiões monoteístas e politeístas. O entendimento do divino, nessa fase, passa por questões de ordem subjetiva e moral e, dessa forma, a divindade passa a atuar nas relações entre o bem e o mal e atua como poder de justiça, 1 As informações que seguem foram redigidas tendo como base as seguintes obras: ARANHA, Maria Lúcia de Arruda; MARTINS, Maria Helena Pires. Filosofando: introdução à Filosofia. São Paulo: Moderna, 1986. p. 25-26 e ARMSTRONG, Karen. Breve história do mito. Tradução Celso Nogueira. São Paulo: Companhia das Letras, 2005.

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cujo critério nas religiões monoteístas é revelado por um profeta e escrito em um livro sagrado e, nas religiões politeístas (gregos antigos, indígenas e alguns países do continente africano), que não são pautadas por escrituras sagradas, os acessos aos mistérios do mundo são diversos.

Essas breves considerações tiveram o sentido de mostrar possíveis aspectos da relação entre mito e religião; a partir delas, podemos pensar, num primeiro momento, que, para os homens, nas suas re-lações com os eventos da natureza e com os eventos humanos, nada é natural. Essa perspectiva está presente na narrativa mitológica, cujos eventos sempre têm uma explicação que está além da natureza, e no discurso religioso, cuja valorização da vontade em relação à adesão ao bem deve estar acima de qualquer força da natureza.

Esse tema e as possíveis reflexões e discussões que ele suscita é atual e é preciso destacar que es-ses discursos convivem. Não podemos dizer que a religião suplantou as narrativas mitológicas, assim como não podemos afirmar que o discurso religioso tem se fragilizado diante do discurso científico. O convite desta Situação de Aprendizagem tem o sentido de sensibilizar para reconhecer a especificidade de cada um desses discursos e narrativas e procurar estabelecer possibilidades de aproximações, rompi-mentos e até que ponto um não pode ser reconhecido sem o outro.

Elaborado especialmente para o São Paulo faz escola.

Professor, esse tema é muito complexo, contudo não pode-mos nos abster dessa reflexão.

Sugerimos, no Caderno do Aluno, mais uma pesquisa, agora sobre o discurso religioso. Propomos que os alunos pesquisem os signi-ficados das palavras mito e religião e em seguida procurem informações sobre as reli-giões monoteístas ou politeístas, se elas apre-sentam narrativas de origem e quais são os valores morais ou práticas enfatizadas. Suge-rimos que esse trabalho pode ser exposto como um seminário. Contudo, a definição da realização dessa atividade de pesquisa, assim como a forma de apresentação ficam a seu critério.

Avaliação da Situação de Aprendizagem

Como forma de avaliação, os alunos po-dem responder às seguintes questões:

1. Qual é o significado da palavra Filosofia?Espera-se que o aluno responda conforme o texto inicial da

Situação de Aprendizagem, ou seja, que Filosofia significa

“amizade ou amor pelo saber”.

2. Podemos afirmar, com convicção, que a Fi-losofia tem um local de origem específico? Justifique sua resposta.Espera-se que o aluno responda conforme o texto inicial da

Situação de Aprendizagem, ou seja, que é bastante divulgada

a ideia de que o modo de pensar que, hoje, identificamos

como próprio da Filosofia, tem origem na Grécia Antiga, e

que o oriente e o norte da África também criaram filosofias

em períodos concomitantes ou anteriores a esse.

3. A Filosofia surgiu em contraposição aos mitos? Justifique sua resposta.Espera-se que o aluno responda conforme o texto inicial da Si-

tuação de Aprendizagem, ou seja, que a Filosofia não surge em

contraposição aos mitos, mas com base neles. Isso porque, se-

gundo um grupo de historiadores da Filosofia, as narrativas mito-

lógicas já traziam conteúdos que seriam abordados pela Filosofia.

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Filosofia – 3a série – Volume 1

SITUAÇÃO DE APRENDIZAGEM 6 O HOMEM COMO SER POLÍTICO

Nesta Situação de Aprendizagem, vamos pensar o ser humano como um ser político. Iniciaremos essa Situação de Aprendizagem por meio do entendimento geral da palavra “política”. Propomos, para começar as re-ferências sobre o tema, um breve contato com a filosofia de Platão e Aristóteles. Te-

mas como ensinamento da política, políti-ca e bom convívio social, política e justiça e ainda política como marca da natureza humana serão abordados com o auxílio dos textos filosóficos. O Caderno do Aluno é um espaço importante para o registro das reflexões dos alunos.

4. Assinale a alternativa correta:

Sobre a relação entre Filosofia, Mitologia e Religião, podemos afirmar que:

a) o discurso filosófico rompe radicalmen-te com a Religião e com a narrativa mi-tológica.

b) as narrativas mitológicas são do tipo ló-gico-científico e, portanto, rompem com o discurso filosófico e religioso.

c) após o nascimento da Filosofia na Gré-cia, o discurso religioso perdeu a im-portância, ficando restrito às narrativas mitológicas.

d) Filosofia, Mitologia e Religião apresen-tam formas distintas de respostas para as questões do mundo natural e sobre os homens.

5. Comente a seguinte afirmação: “Trata-se de uma narrativa que relata um acontecimen-to ocorrido no início dos tempos. Narra as façanhas de entidades sobrenaturais que fi-zeram o mundo existir da forma que é”.Espera-se que o aluno identifique que a afirmação des-

creve o mito e uma de suas funções, que é responder

sobre a origem do mundo ou explicar certas relações que

se estabelecem nele. No comentário, o aluno poderá in-

dicar algum exemplo, tal como apresentado no Caderno

do Aluno, para ilustrar a sua percepção do mito como

narrativa que explica alguma coisa, pois conta a história

de entidades sobrenaturais como a origem de deuses e

deusas.

Proposta de situação de recuperação

Os alunos que apresentarem dificuldades para acompanhar as reflexões e realizar as atividades propostas podem ser orientados a reler os textos da Situação de Aprendizagem. Além dessa releitura, eles devem ser orien-tados em um trabalho individual. Os alunos devem pesquisar em dicionários de Filosofia as palavras: “Filosofia”, “magia”, “mistério”, “mito” e “Religião”, elaborando um vocabu-lário básico sobre o tema. Ele deve ser redigi-do com base no significado dos termos, con-forme estão nos dicionários, mas a redação final deve ser do aluno, é ele quem deve redigir com suas palavras esse pequeno vocabulário básico sobre o tema da Situação de Aprendi-zagem. Considerando a atividade proposta, os alunos devem atentar para uma boa redação, no sentido de que o texto deve ser legível e o significado das palavras, compreensível.

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Conteúdos e temas: política; Platão; Aristóteles.

Competências e habilidades: relacionar informações, representadas de diferentes formas, e conhecimen-tos disponíveis em diferentes situações, para construir argumentação consistente, ler, compreender e interpretar textos teóricos e filosóficos; expressar-se por escrito e oralmente de forma sistemática.

Sugestão de estratégias: levantamento de hipóteses; leitura; escrita; discussões.

Sugestão de recursos: aula expositiva; textos para leitura.

Sugestão de avaliação: como instrumentos de avaliação, recomendamos sínteses escritas individuais e coletivas e outros trabalhos que o professor julgar adequados e pertinentes.

Sondagem e sensibilização

O que pensam os alunos do Ensino Médio sobre a palavra política?

Afinal, essa é uma palavra de presença constante em nosso cotidiano. Certamente os estudantes puderam elaborar algumas representações sobre ela; e a reflexão filo-sófica proposta nesta Situação de Aprendi-zagem exige a escuta de tais representações. Essa escuta inicia o diálogo entre o saber escolar e o saber cotidiano com o objetivo de ampliar o universo cultural dos alunos e de desenvolver capacidades de leitura, es-crita e reflexão.

Para tanto, é interessante basear-se no co-tidiano propriamente e solicitar aos alunos que:

leiam com atenção as frases registradas no Caderno do Aluno.

Frase 1

O voto não deveria ser obrigatório, por-que eu nem gosto de política; por que tenho de votar?

O Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) é uma política pública que pode aju-dar na mudança dos sistemas de ingresso ao Ensino Superior.

A participação política favorece a escolha dos melhores candidatos aos cargos legislati-vos e executivos.

Frase 2

Frase 3

após a leitura, peça que discutam em grupo os diferentes significados da palavra políti-ca em cada uma das frases;

Os alunos podem registrar, por meio da elaboração de um texto, o significado da palavra política tendo como base as suas experiências individuais. Oriente--os a escrever uma história real, caso tenham vivenciado alguma experiência nesse sentido, ou sobre o que pensam a respeito. Esse registro deve ser feito em uma folha à parte para posterior análise do professor.

O movimento proposto nesta sondagem vai da reflexão nos subgrupos para a elabo-

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Filosofia – 3a série – Volume 1

ração de um registro individual, antes mesmo de um compartilhamento das discussões sobre as frases entre toda a turma. O objetivo é que a conversa sobre os diferentes significados da palavra política favoreça a recuperação da me-mória sobre política nas experiências de vida dos alunos.

Filosofia e política

Após a explicação inicial, você poderá apresentar um quadro-síntese com as pala-vras e expressões encontradas nos registros dos alunos, fundamentando a conversa sobre a origem dessas referências, o percurso his-tórico da palavra política e a recuperação de alguns significados mais originais da palavra. Como teria surgido a referência à política na história da Filosofia?

Segundo a tradição filosófica grega, pode-se destacar, mais uma vez, a contribuição de Platão e Aristóteles para pensarmos a política em uma perspectiva original, distante das conotações assumidas em nossa sociedade e na sociedade brasileira em especial. Recuperar o significado primordial da ideia de política pode ajudar a compreender a importância dessa palavra e de sua prática na história da humanidade. Elabo-ramos, assim, uma breve introdução que segue e que está disponível no Caderno do Aluno.

Como teria surgido a referência à política na história da Filosofia?

A origem etimológica da palavra localiza- -se no grego antigo polittique e politikós, sugerindo arte de governar a cidade e aque-le que é da cidade. Em Platão e Aristóteles, a palavra política está associada à vida na cidade.

Um dos diálogos de Platão (428 a.C.-347 a.C.) apresenta uma das teses mais antigas sobre a arte da política. Além de antiga, ela tornou-se um marco na história da Filosofia. O diálogo chama-se Protágoras, e a tese sobre a virtude política encontra-se no trecho que ficou conhecido como o Mito de Protágoras.

Um jovem chamado Hipócrates pede que Sócrates o apresente a Protágoras (480 a.C.-410 a.C.) na esperança de tornar-se seu dis-cípulo, por quem tem grande admiração. Sócrates leva Hipócrates a uma reunião, na qual Protágoras se exibe para uma pequena plateia de atenienses.

A seguir, fragmentos da primeira parte do diálogo, que pode ser acompanhado pelo Caderno do

Aluno na seção Leitura e Análise de texto.

Sócrates: Vou começar, Protágoras, pela finalidade da nossa visita. Hipócrates, aqui presente, dese-ja entrar para a tua escola e diz que gostaria de conhecer as vantagens que obteria com teu ensino. Eis tudo o que temos a dizer.

Protágoras: Meu jovem, a vantagem que obterás com minhas lições é que, depois de passares um dia comigo, voltarás para casa melhor do que eras; no dia seguinte a mesma coisa, e assim, todos os dias farás progressos, sempre para melhor.

Sócrates então pede que Protágoras seja mais preciso na sua resposta e este acrescenta: “Eu só en-sino a meus discípulos a ciência que eles procuram; esta ciência é a prudência, que lhes ensinará, nos negócios domésticos, a melhor forma de administrar a própria casa, e nos negócios da cidade (pólis) os tornará melhores para agir e falar por ela”.

Sócrates: Terei compreendido bem tua explicação? Referes-te então à arte política e dedicas-te a formar bons cidadãos?

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Protágoras: Isso mesmo, Sócrates; esta é a ciência à qual me dedico.Sócrates, então, passa a questionar Protágoras sobre a real possibilidade de se ensinar a virtude da

mesma forma como se ensinam outras artes, como a da medicina, ou a de tocar flauta, e desafia Protá-goras a demonstrar que ensinar a arte da política é, de fato, possível.

Protágoras: Pois bem, Sócrates. Mas, o que preferes? Que faça a minha demonstração contando uma fábula, como um avô conta histórias aos netos, ou discutindo a questão, ponto por ponto?

Como os presentes ao diálogo respondessem que Protágoras tratasse a questão como preferisse, Protágoras responde: “Parece que contar a fábula será mais agradável para todos”.

E, assim, passa a contar o que se tornou célebre como o “Mito de Protágoras”.Eis um resumo da história:[...]Os deuses haviam terminado a criação das várias criaturas (animais) do mundo. Mas ainda tinham

que dar-lhes vida. Para tanto, chamaram dois irmãos – Prometeu e Epimeteu – para realizarem a seguin-te tarefa: distribuir os dons para as diversas espécies, de maneira equitativa para que se garantisse que uma espécie não acabasse por destruir a outra. Epimeteu convence o irmão a deixá-lo fazer a distribui-ção dos dons e depois chamar Prometeu para conferir a obra. Epimeteu fez a partilha, dando a uns a força, e não a velocidade; a outros, a velocidade, mas não a força; deu recursos a alguns, e não a outros, a quem doou outros meios de sobrevivência. [...] Estes cuidados visavam evitar a extinção de cada raça.

Quando Prometeu veio examinar a distribuição dos recursos, viu as várias criaturas bem providas de tudo, enquanto o homem encontrava-se nu, descalço, sem proteção ou armas. Sem saber o que fazer, roubou dos deuses o domínio do fogo e das artes e presenteou-os ao homem. Assim, o homem ficou com as técnicas para se conservar vivo, mas sem a arte da política.

Por estes favores aos homens, parece que Prometeu foi severamente punido mais tarde. Com o que tinha, o homem articulou a linguagem, construiu casas, inventou a agricultura. Mas,

isolados, continuavam frágeis diante dos perigos da natureza. E, quando procuravam reunir-se em se-gurança, fundando cidades, faziam mal uns aos outros, pois não tinham os saberes da política, e assim, se dispersavam e acabavam por morrer.

Então, Zeus, temendo que a nossa espécie se extinguisse, encarregou Hermes de levar aos homens os dons do pudor e da justiça como norma para a convivência a ligar os homens pelos laços da civilidade.

Depois de estabelecer que o pudor e o senso da justiça fossem repartidos a todos os homens sem exceção, ordena que, em seu nome, todo homem incapaz de pudor e justiça “seja exterminado como se fosse uma peste na sociedade”.

E assim, a humanidade sobreviveu e progrediu.Em seguida, Protágoras apresenta seus argumentos, tratando a questão “ponto por ponto”. Afir-

ma que, em relação às artes, concorda que os profissionais não admitam que amadores deem palpite. “Mas, quando se delibera sobre política, que se apoia no senso da justiça e na temperança, é adequado admitir todo o tipo de gente a opinar. Pois é necessário que todos tenham parte na virtude da civilida-de. Senão, não poderia existir a cidade.”

Depois, quanto à possibilidade de se ensinar a virtude política, oferece outros argumentos:“No ensino da virtude, a tarefa dos pais começa desde os primeiros anos e estende-se até a morte

[...]. Cada ato, cada palavra serve de ocasião para uma lição: ‘Isto é justo, dizem-lhe, aquilo injusto; isto é belo, aquilo vergonhoso; isto agrada aos deuses, aquilo desagrada; faça isto, não faça aquilo’. [...] Depois, os pequenos são mandados à escola [...]. Ali conhecem as muitas normas, muitas histórias de louvor aos heróis antigos. É que se espera que a criança os imite e busque se assemelhar a eles.”

“Pelo fato de todos ensinarem a virtude, cada um na sua oportunidade, parece que ninguém a ensi-

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Filosofia – 3a série – Volume 1

na. É o mesmo que se dá ao procurar um professor específico para ensinar a falar o grego (nossa língua materna). Não existe tal professor.”

Depois da exposição da fábula e dos argumentos, Sócrates vira-se para o candidato a discípulo de Protágoras e exclama: “Hipócrates, filho de Apolodoro, como agradeço me fazeres vir a este encontro! Por nada no mundo trocaria o prazer de ter ouvido este discurso de Protágoras.”

PLATÃO. Protágoras. Disponível em: <http://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/DetalheObra Form.do?select_action=&co_obra=6705>. Acesso em: 19 jul. 2013. Tradução Luiza Christov.

No Caderno do Aluno, as perguntas apresentadas na seção Lição de casa têm a finalidade de orientar a me-

diação no contato entre os alunos e as ideias de Platão sobre política presentes no diálogo des-tacado. As perguntas implicam habilidades mais simples, como localizar informação no texto, e habilidades preparatórias para discus-são e posicionamentos a respeito de afirma-ções mais polêmicas. São elas:

1. Qual é a ciência apontada por Protágoras para bem administrar a vida doméstica e a vida nas cidades?

2. Quais são as outras condições para o exer-cício da boa convivência nas cidades?

3. De que forma essas condições se comple-mentam? Apresente exemplos cotidianos.

4. Protágoras afirma, no diálogo, que a polí-tica assim concebida é algo possível de ser ensinado. O que você pensa a respeito? As virtudes destacadas no diálogo podem ser ensinadas?

Como essas questões serão respondidas individualmente e no Caderno, os alunos po-dem realizar a atividade em casa e, em sala de aula, formar grupos para trocar as hipóte-ses elaboradas e preparar um debate sobre a possibilidade de se ensinar e aprender virtu-des, conforme proposta do Caderno do Alu-no: Os caminhos para o ensino-aprendizagem

das virtudes têm se mostrado suficientes? Todos na nossa sociedade têm contribuído para o cul-tivo das virtudes?

Professor, lembre-se de que Protágoras afirmava que todos ensinam virtude e por isso parece que ninguém ensina.

Os alunos, por meio do debate, podem ser convidados para uma breve pesquisa sobre os meios de comunicação, se eles contribuem para o ensino das virtudes e, se sim, de que forma.

O texto que segue traz um pouco da con-tribuição de Aristóteles (384 a.C.-322 a.C.) para o entendimento da importância da polí-tica. Aristóteles escreveu A política, obra or-ganizada em oito livros. Destacamos o livro primeiro para leitura, pois nele o autor defen-de a ideia de que a política integra a natureza humana, decorrente de outras característi-cas também definidoras da espécie humana: o dom da fala e a necessidade de associação para além do núcleo familiar, constituindo, assim, as vilas, as cidades e os Estados.

O trabalho com essa leitura exigirá esforço individual para a compreen-são das relações apresentadas pelo

autor entre sociedade, política e natureza humana. A troca de hipóteses em pequenos grupos e o registro individual solicitado no Caderno do Aluno podem ajudá-los a respon-der à pergunta: Por que o homem é um ser polí-tico, segundo a argumentação de Aristóteles?

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A política

Se as primeiras comunidades são um fato da natureza, também o é a cidade, porque ela é o fim daquelas comunidades, e a natureza de uma coisa é o seu fim: aquilo que cada coisa se torna quando atinge seu completo desenvolvimento, nós chamamos de natureza daquela coisa, quer se trate de um homem, de um cavalo ou de uma família. Além disso, a causa final e o fim de uma coisa é o que é o melhor para ela; ora, bastar-se a si mesma é, ao mesmo tempo, um fim e um bem por excelência.

Essas considerações tornam evidente que a cidade é uma realidade natural e que o homem é, por natureza, um animal político. E aquele que, por natureza e não por mero acidente, não faz parte de uma cidade é ou um ser degradado ou um ser superior ao homem [...] um tal homem é, por natureza, ávido de combates, e é como uma peça isolada no jogo de damas. É evidente, assim, a razão pela qual o homem é um animal político em grau maior que as abelhas ou todos os outros animais que vivem reunidos. Dizemos, de fato, que a natureza nada faz em vão, e o homem é o único entre todos os ani-mais a possuir o dom da fala. Sem dúvida os sons da voz exprimem a dor e o prazer e são encontrados nos animais em geral, pois sua natureza lhes permite experimentar esses sentimentos e comunicá-los uns aos outros. Mas quanto ao discurso, ele serve para exprimir o útil e o nocivo e, em consequência, o justo e o injusto. De fato, essa é a característica que distingue o homem de todos os outros animais: só ele sabe discernir o bem e o mal, o justo e o injusto, e os outros sentimentos da mesma ordem; ora, é precisamente a posse comum desses sentimentos que engendra a família e a cidade.

A cidade, portanto, é por natureza anterior à família e a cada homem tomado individualmente, pois o todo é necessariamente anterior à parte; assim, se o corpo é destruído, não haverá mais nem pé nem mão, a não ser por simples analogia, como quando se fala de uma mão de pedra, pois uma mão separada do corpo não será melhor que essa. Todas as coisas definem-se sempre pelas suas funções e potencialidades; por conseguinte, quando elas não têm mais suas características próprias, não se deve dizer mais que se trata das mesmas coisas, mas apenas que elas têm o mesmo nome. É evidente, nes-sas condições, que a cidade existe naturalmente e que é anterior aos indivíduos, pois cada um destes, isoladamente, não é capaz de bastar-se a si mesmo e está, em relação à cidade, na mesma situação que uma parte em relação ao todo; o homem que é incapaz de viver em comunidade, ou que disso não tem necessidade porque basta-se a si próprio, não faz parte de uma cidade e deve ser, portanto, um bruto ou um deus.

ARISTÓTELES. A política. Livro primeiro: da sociedade civil e da escravidão, da propriedade e do poder doméstico. Disponível em: <http://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/DetalheObraForm.do?select_action=&co_ obra=6486>.

Acesso em: 19 jul. 2013. Tradução Luiza Christov.

Avaliação da Situação de Aprendizagem

Duas possibilidades podem ser desenvolvi-das para avaliação:

1. As atividades sugeridas ao longo desta Situação de Aprendizagem podem ser to-

madas como instrumentos de avaliação.

2. Análise das respostas individuais para duas questões trabalhadas nesta Situação de Aprendizagem.

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Filosofia – 3a série – Volume 1

a) A política como arte de bem conduzir a vida na cidade é algo que se ensina? Justifique a resposta.

b) Justifique a afirmação aristotélica:“O homem é um animal político”.

Como referência para correção, é impor-tante a retomada dos textos e das sínteses ela-boradas por meio das discussões.

Proposta de situação de recuperação

Tendo como base o estudo realizado, su-gerimos que você solicite aos alunos que não conseguiram demonstrar um bom entendi-mento do tema que pesquisem, em dicionários de Filosofia, a palavra política e registrem seu significado no caderno. Além desse registro, os alunos devem retomar e ler novamente os textos indicados para esta Situação de Apren-dizagem, disponíveis no Caderno do Aluno, e ao final da leitura responder às seguintes questões:

1. Em Platão e Aristóteles, a palavra política está associada a alguma forma de vida? Espera-se que os alunos respondam conforme os textos

apresentados. Dessa forma, eles devem demonstrar enten-

dimento que a palavra política, nesse caso, está associada à

vida na polis (ou na cidade).

2. Segundo o mito de Protágoras, quais foram os recursos dados aos homens por Prome-teu? Esses recursos foram suficientes para que os homens pudessem viver e prosperar? Espera-se que os alunos respondam conforme os textos

apresentados. Dessa forma, eles devem entender que Pro-

meteu, ao ver os homens destituídos de recursos, deu a eles o

fogo dos deuses e, com isso, eles puderam desenvolver téc-

nicas, mas esse conhecimento mostrou-se insuficiente para

que pudessem viver e prosperar.

3. Quais são os saberes da política que permi-tem aos homens sobreviver e progredir?Espera-se que os alunos respondam conforme os textos apre-

sentados. Nesse sentido, o aluno deve demonstrar entendi-

mento da perspectiva de que o homem deve viver em uma

comunidade política. Essa perspectiva está presente no mito

de Protágoras, que já indicava a necessidade do homem viver

em comunidade: “o homem articulou a linguagem, construiu

casas, inventou a agricultura. Mas, isolados, continuavam frá-

geis diante dos perigos da natureza”. Porém, em Aristóteles, a

necessidade de homens viverem em comunidade tem como

ênfase a própria natureza humana. Segundo Aristóteles, os ho-

mens não podem viver isoladamente, pois a própria condição

humana exige a companhia de outros. Dessa forma, um ho-

mem que saia dessa condição não participa da natureza hu-

mana e, por isso, não pode viver entre homens.

SITUAÇÃO DE APRENDIZAGEM 7 PLATÃO E A JUSTA DESIGUALDADE

Esta Situação de Aprendizagem tem por objetivo encaminhar uma discussão sobre a política com base nas possibilidades e na qualidade da participação política. Além disso, propomos uma reflexão sobre a demo-cracia pautando-se pela perspectiva antide-mocrática de Platão.

Nesse sentido, deveremos atentar para como Platão explica a desigualdade de clas-

ses na sociedade ateniense em seu tempo, va-lendo-nos, para tanto, da obra A República. Abordaremos, basicamente, a concepção pla-tônica de justiça e a teoria da alma, elemen-tos importantes para a compreensão da visão platônica sobre o tema. A título de conclusão, será apresentada a posição de Platão acerca da escravidão e do papel da mulher na sociedade, procurando-se explicitar o caráter, ao mesmo tempo, avançado e limitado dessa posição.

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Para empreender esse estudo, tomamos como principal obra de referência o livro In-trodução à História da Filosofia, de Marilena Chaui, além de outras obras sobre a história da Filosofia.

Conteúdos e temas: a política; a política na filosofia platônica.

Competências e habilidades: relacionar informações, representadas de diferentes formas, e conhecimen-tos disponíveis em diferentes situações para construir argumentação consistente; reconhecer a demo-cracia como uma forma de regime político que precisa ser permanentemente aprimorado; reconhecer o caráter insatisfatório, ingênuo e até mesmo ideológico de certas explicações normalmente aceitas pelo senso comum para o problema da desigualdade; conhecer e dominar aspectos do pensamento de Platão e operar com os conceitos platônicos trabalhados; ler, compreender e interpretar textos teóricos e filo-sóficos; expressar-se por escrito e oralmente de forma sistemática; elaborar hipóteses e questões a partir das leituras e dos debates realizados.

Sugestão de estratégias: aula expositiva; leitura sistemática e problematizadora de textos e elaboração escrita do próprio pensamento; pesquisa bibliográfica complementar.

Sugestão de recursos: textos para leitura; sites.

Sugestão de avaliação: sugerimos que os alunos sejam avaliados pelo efetivo envolvimento nas atividades propostas. Como instrumentos de avaliação, recomendamos dissertações individuais, provas dissertati-vas e reflexivas; participação em sala e outros instrumentos que o professor julgar pertinentes.

Sondagem e sensibilização

Para iniciar esta Situação de Apren-dizagem, você pode orientar os alu-nos a fazerem em casa uma pequena

pesquisa sobre Platão, a fim de ampliar os co-nhecimentos sobre o autor. A atividade está pro-posta no Caderno do Aluno, na seção Pesquisa individual, e contempla os seguintes itens:

elementos do contexto histórico em que viveu;

dados biográficos, incluindo curiosidades sobre ele;

aspectos de sua filosofia; algumas de suas obras.

Em seguida, eles devem resumir os dados coletados e inseri-los no quadro reservado

A proposta é que os alunos reflitam criti-camente sobre o tema, de modo individual e também coletivo, e se expressem oralmente e por escrito a respeito dele de forma rigorosa, com a mediação do professor e da leitura dos textos contidos no Caderno do Aluno.

para esse fim, na forma de esquema. Para esta atividade, é importante que você indique fon-tes complementares de leitura, tais como: li-vros didáticos, paradidáticos, acadêmicos, ou sites da internet. Neste último caso, convém ter cuidado na escolha dos sites a fim de evi-tar a consulta a fontes pouco confiáveis. Tal-vez uma curiosidade sobre Platão que possa ser útil para despertar o interesse dos alunos seja a que se refere ao nome do filósofo. Certa-mente, entre os alunos, haverá quem conheça pessoas que ganharam apelidos por causa de alguma peculiaridade anatômica. O exemplo mais famoso talvez seja o de Narizinho, per-sonagem do Sítio do Pica-Pau Amarelo, de Monteiro Lobato, que recebeu esse nome gra-ças a seu nariz arrebitado. Mas as intenções dos que colocam apelidos nem sempre são tão elogiosas. Afinal, há também, por aí, muitos

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Filosofia – 3a série – Volume 1

“Dentinhos”, “Ratinhos”, “Bocas”, “Pezões”, “Tanajuras”, “Cabeções” etc. Platão também é um apelido desse tipo, derivado, pelo que se crê, do fato de ele possuir ombros largos. O nome verdadeiro do filósofo era Arístocles. É mesmo curioso que um filósofo da enverga-dura de Platão tenha passado para a história com um apelido jocoso.

Por meio dessa primeira contextualização, iniciaremos a leitura e a análise de dois textos sobre a democracia. Professor, propomos nessa fase que questione os alunos sobre como eles avaliam a sociedade democrática por meio das suas experiências pessoais. Quais são os pon-tos fortes e quais são as fragilidades que eles conseguem observar no cotidiano em relação à democracia brasileira? Vale, nesse momento, a sua intervenção, expondo algumas característi-cas do sistema democrático. Você pode retomar a importância da democracia para a socieda-de contemporânea e, nesse sentido, conside-rar alguns eventos históricos ou mesmo fazer observações sobre as possibilidades da demo-cracia no que se refere a mudanças com base na ampliação de direitos individuais, sociais e políticos. Pode ressaltar, ainda, que a democra-cia é um regime que permite e requer diversi-dade de opiniões, a criação de organizações, associações, movimentos e partidos e por isso é na democracia que os conflitos e disputas são uma constante e possibilitam a manutenção e a

ampliação de direitos. Ou seja, quanto mais vo-zes tiverem o direito de ser ouvidas, mais con-flitos e disputas se farão presentes na sociedade democrática e é por isso que a democracia tem o potencial de se abrir para revisões e transfor-mações da realidade.

A democracia caracteriza-se pela pluralidade de vozes e, portanto, o pior que pode acontecer com a de-

mocracia é a violência que promove o medo e tende a provocar o silêncio. Após essa primei-ra intervenção, sugerimos a leitura de dois fragmentos: o primeiro trata-se do trecho da obra de Platão, Livro VIII de A República. Nesse fragmento, Platão, pelas palavras de Sócrates, apresenta as suas considerações so-bre o sistema democrático por meio da sua experiência com a democracia ateniense. O se-gundo fragmento é um trecho da Oração fú-nebre de Péricles, da obra História da Guerra do Peloponeso, de Tucídides, que apresenta a perspectiva de Péricles sobre a cidade gover-nada de forma democrática. Por meio da lei-tura, os alunos poderão conversar sobre os dois discursos e, em seguida, redigir um diálo-go expondo a posição individual de cada um em relação à democracia. Nesse diálogo, os alunos devem procurar apoiar as suas “falas” e posições nos fragmentos apresentados. Os trechos a seguir encontram-se no Caderno do Aluno, na seção Leitura e análise de texto.

LIVRO VIII – A República1

A Filosofia Política trata da moral, dos homens e da sua vida entre os outros homens organizados na cidade. Ou seja, a Filosofia Política trata do conhecimento da realidade prática em que os homens vivem e agem.

Na obra A República, Platão exercita a Filosofia Política ao descrever os regimes políticos da sua época, o modo de existência que eles propiciam, assim como as formas de degradação desses regimes. A democracia descrita por Platão é um sistema que não considera a especificidade e a competência individual. Assim, o controle do governo pode ser reivindicado por qualquer um.

1 PLATÃO. A República. Organização e tradução J. Guinsburg. São Paulo: Perspectiva, 2010. p 301-339.

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Segundo Platão, o indivíduo que é criado e vive em uma democracia ignora a hierarquia e as prio-ridades e em sua vida não há ordem nem necessidade. Seu dinheiro e esforços são gastos sem precedên-cias e, por isso, prazeres supérfluos e necessidades encontram-se na mesma condição.2

Platão retrata o homem democrático como um homem dedicado aos prazeres, que não reconhece hierarquia e as autoridades instituídas, e essa condição permite que a democracia, ao se degradar, abra espaço para a tirania. Segundo Platão, a paixão insaciável pela riqueza e a indiferença com que é trata-da a hierarquia e os poderes instituídos promovem a passagem da democracia para a tirania.

E Platão descreve dessa forma os elementos dessa passagem:

– Mas não é o desejo insaciável do que a democracia considera como seu bem supremo que destruiu essa última?

– A que bem te referes?

– À liberdade – repliquei. – Pois, numa cidade democrática ouvirás dizer que este é o mais belo de todos os bens; daí porque um homem nascido livre não poderia habitar alhures exceto nesta cidade.

– Sim, é a linguagem que se ouve amiúde.

– Ora, e era o que eu ia dizer há pouco, não será o desejo insaciável deste bem e a indiferença por tudo o mais, que muda este governo e o compele a recorrer à tirania?

– Como? – perguntou ele.

– Quando uma cidade democrática, alterada pela liberdade, encontra em seus chefes maus escan-ções, ela se embriaga com este vinho puro, ultrapassando toda decência; então, se os que a governam não se mostram totalmente dóceis e não lhe servem larga medida de liberdade, ela os castiga, acusan-do-os de criminosos e oligarcas.

– É indubitavelmente o que faz – disse ele.

– E os que obedecem aos arcontes, ela os escarnece e os trata de homens servis e sem caráter; em troca, elogia e honra, tanto em particular como em público, os governantes que têm o ar de governados e os governados que assumem o ar de governantes. Não é inevitável que numa cidade assim o espírito de liberdade se estenda a tudo?

– Como não?

– Que ele penetre, meu caro, no recesso das famílias e que, ao fim, a anarquia ganhe até os animais?

– O que entendemos por isso? – inquiriu.

2 Ibidem, p. 327.

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Filosofia – 3a série – Volume 1

– Que o pai se acostume a tratar o filho como igual e a temer os filhos, que o filho se iguale ao pai e não dedique respeito nem temor aos pais, porque deseja ser livre [...]

– Sim, é assim mesmo – disse ele.

– Eis o que se verifica – continuei – e, como esses, outros pequenos abusos. O mestre receia os dis-cípulos e passa a adulá-los, os discípulos fazem pouco caso dos mestres e dos pedagogos. Em geral, os jovens copiam os mais velhos e lutam com eles nas palavras e nas ações; os velhos, de sua parte, rebaixam-se às maneiras dos jovens e mostram-se cheios de jovialidade e pretensão, imitando a juven-tude, de medo de passar por fastidiosos e despóticos.

[...]

– Ora, vês o resultado de todos esses abusos acumulados? Concebes, efetivamente, que tornam a alma dos cidadãos de tal modo assustadiça que, à menor aparência de coação, estes se indignam e se revoltam? E chegam por fim, bem sabes, a não mais se preocupar com leis escritas ou não escritas, a fim de não ter absolutamente nenhum senhor.

– Bem o sei – respondeu.

– Pois então!, meu amigo – continuei – este governo tão belo e tão juvenil é o que dá nascimento à tirania, pelo menos no meu pensar.3

Oração fúnebre de Péricles – História da Guerra do Peloponeso4

No curso do mesmo inverno os atenienses, seguindo um costume de seus antepassados, celebraram a expensas do tesouro os ritos fúnebres dos primeiros concidadãos vítimas desta guerra. [...]

Após o enterro dos restos mortais, um cidadão escolhido pela cidade, considerado o mais qualifi-cado em termos de inteligência e tido na mais alta estima pública, pronuncia um elogio adequado em honra dos defuntos. [...] Péricles filho de Xântipos foi escolhido para falar. No momento oportuno ele avançou para o local do mausoléu, subiu à plataforma, bastante alta para que a sua voz fosse ouvida tão longe quanto possível pela multidão, e disse o seguinte:

“[...] Mencionarei inicialmente os princípios de conduta, o regime de governo e os traços de caráter graças aos quais conseguimos chegar à nossa posição atual, e depois farei o elogio destes homens, pois penso que no momento presente esta exposição não será imprópria e que todos vós aqui reunidos, cidadãos e estrangeiros, podereis ouvi-la com proveito. [...]

Vivemos sob uma forma de governo que não se baseia nas instituições de nossos vizinhos”; ao contrário, servimos de modelo a alguns ao invés de imitar outros. Seu nome, como tudo depende não de poucos mas da maioria, é democracia. Nela, enquanto no tocante às leis todos são iguais para a

3 Ibidem, p. 328-330.4 TUCÍDIDES. História da Guerra do Peloponeso. Tradução Mário da Gama Kury. 4. ed. Brasília: Editora da Universi-dade de Brasília, Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais; São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2001. p. 107-111. Disponível em: <http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/al000234.pdf>. Acesso em: 30 jul. 2013.

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solução de suas divergências privadas, quando se trata de escolher (se é preciso distinguir em qualquer setor), não é o fato de pertencer a uma classe, mas o mérito, que dá acesso aos postos mais honrosos; inversamente, a pobreza não é razão para que alguém, sendo capaz de prestar serviços à cidade, seja impedido de fazê-lo pela obscuridade de sua condição. [...] Ao mesmo tempo que evitamos ofender os outros em nosso convívio privado, em nossa vida pública nos afastamos da ilegalidade principalmente por causa de um temor reverente, pois somos submissos às autoridades e às leis, especialmente àquelas promulgadas para socorrer os oprimidos e às que, embora não escritas, trazem aos transgressores uma desonra visível a todos.

Somos amantes da beleza sem extravagâncias e amantes da filosofia sem indolência. [...] entre nós não há vergonha na pobreza, mas a maior vergonha é não fazer o possível para evitá-la. Ver-se-á em uma mesma pessoa ao mesmo tempo o interesse em atividades privadas e públicas, e em outros entre nós que dão atenção principalmente aos negócios não se verá falta de discernimento em assuntos polí-ticos, pois olhamos o homem alheio às atividades públicas não como alguém que cuida apenas de seus próprios interesses, mas como um inútil; nós, cidadãos atenienses, decidimos as questões públicas por nós mesmos, ou pelo menos nos esforçamos por compreendê-las claramente, na crença de que não é o debate que é empecilho à ação, e sim o fato de não se estar esclarecido pelo debate antes de chegar a hora da ação. Consideramo-nos ainda superiores aos outros homens em outro ponto: somos ousados para agir, mas ao mesmo tempo gostamos de refletir sobre os riscos que pretendemos correr, para ou-tros homens, ao contrário, ousadia significa ignorância e reflexão traz a hesitação [...].”

Elaborado especialmente para o São Paulo faz escola.

O texto de Platão e o de Tucídides convi-dam o leitor a refletir sobre os méritos e os limites da forma democrática de governo, tal como ela foi inventada na Grécia no século V a.C. A crítica de Platão é explícita, sugere que a democracia tende a degenerar em tirania, pois dá espaço à demagogia; já a oração fúnebre re-latada por Tucídides dá o que pensar a respeito da relação entre a forma democrática de gover-no e as guerras.

A partir dessas considerações, proponha aos alunos, divididos em grupos, que discu-tam a pertinência e a atualidade dos textos em questão, considerando que vivemos num país democrático e que alguns dos mais importan-tes países do mundo adotam a democracia, e que exponham aos colegas, oralmente, o resul-tado da discussão, baseando-o em argumentos e em exemplos concretos.

A justiça na República Platônica

Justiça, apesar do seu uso corrente, é um conceito de difícil demarcação. Os dicioná-rios referem-se à justiça, entre outras possi-bilidades, como distribuição que permite a cada um ter o que é seu e/ou que tal distri-buição seja feita de forma imparcial. Essas possibilidades de entender a justiça parece ter relação com o que entendemos, de forma geral, por justiça. Nesse contexto, seria in-teressante perguntar aos estudantes o que é justiça para eles. Mais do que uma definição formal, peça exemplos do que eles conside-ram viver com justiça. Como a cidade po-deria funcionar de maneira mais justa? Essa pergunta poderá ajudá-los a introduzir esse conceito no contexto do pensamento platô-nico e aprofundar a perspectiva desta Situa-ção de Aprendizagem.

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Filosofia – 3a série – Volume 1

No Livro I da República, Platão introduz, pela fala de Sócrates, a discussão sobre a justiça, a par-tir do temor que a proximidade da morte causa em alguns, em especial, os castigos que podem ser infringidos por causa das injustiças cometidas no mundo dos vivos. No decorrer do Livro I da Re-pública podemos encontrar definições interessan-tes de justiça, tais como: a condição de retribuir o que se tomou ou a perspectiva de que justiça é fazer bem aos amigos e mal aos inimigos. No Li-vro II, após o debate acerca da natureza do justo e do injusto e sobre o poder da justiça e da in-justiça, Sócrates sugere uma nova estratégia para se pensar a justiça. Segundo a fala de Sócrates, o debate deveria se encaminhar, em primeiro lugar, acerca da justiça na cidade, quais as condições que revelam uma cidade justa e depois aplicar

esse critério de justiça nos indivíduos. Nesse con-texto é introduzida a análise sobre o nascimento das cidades, sobre como os homens que vivem juntos e dependem uns dos outros para prover as suas necessidades básicas de alimentação, vesti-menta e proteção. A partir dessa constatação, no Livro III da República, é introduzida a temática do que cada cidade precisa para manter-se, dos predicados que os moradores devem possuir, suas disposições naturais e o papel da educação nesse contexto.a

Em seguida, propomos que seja tra-balhado o texto Platão e a teoria da alma, transcrito a seguir e presente

também no Caderno do Aluno na seção Lei-tura e análise de texto.

Platão e a teoria da alma

A noção que Platão tem de justiça é reforçada pela sua teoria da alma. Para ele, assim como na cidade há três classes distintas, também a alma humana possui três partes, cada uma encarregada de uma função específica:

1. Parte concupiscente ou apetitiva: situada no baixo-ventre (entre o diafragma e o umbigo), é a par-te da alma responsável pela busca da bebida, da comida, do sexo, dos prazeres, enfim, de tudo quanto é necessário à conservação do corpo e à reprodução da espécie. É irracional e mortal.

2. Parte colérica ou irascível: irascível é quem se irrita ou se enraivece com facilidade. Localizada no peito, acima do diafragma, sua função é defender o corpo contra tudo o que possa ameaçar sua segurança. Também é irracional e mortal.

3. Parte racional: é a função superior da alma, o traço divino que há em nós. Situada na cabeça, é responsável pelo conhecimento. Apenas essa parte é imortal.

O homem virtuoso é aquele em que cada parte da alma realiza na medida justa (sem falta nem exces-so) a função que lhe cabe, sob a regência da parte racional. Cabe, portanto, à parte racional dominar as outras duas. O domínio da razão sobre a concupiscência resulta na virtude da temperança (modera-ção); o domínio da razão sobre a cólera produz a virtude da coragem ou da prudência. A virtude pró-pria da parte racional é o conhecimento. Por outro lado, o homem vicioso é aquele em que as partes da alma não conseguem realizar suas funções próprias, ou as realizam desmesuradamente, o que ocorre quando a parte racional perde o comando sobre as outras duas. Nesse caso, instaura-se a desordem, o conflito, a violência contra si e os demais.

Ora, o que vale para o homem individualmente vale também, de certo modo, para a cidade e as três classes sociais nela existentes. Na classe econômica, predomina a parte concupiscente da alma. Daí ela estar sempre voltada para a obtenção de riquezas e prazeres. Assim, se essa classe assumir o governo, a cidade será mergulhada em sérios problemas econômicos, aprofundando as desigualdades. Na classe dos guerrei-ros, predomina a parte colérica, razão pela qual apreciam os combates e a fama. Se governarem, a cidade

a Fonte: PLATÃO, 2010. p. 24-29, 75-78, 81-82.

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viverá em constante estado de guerra, tanto interna quanto externamente, gerando insegurança e instabili-dade. Finalmente, na classe dos magistrados, predomina a parte racional da alma, o que lhe favorece conhe-cer a ciência da política e, desse modo, governar as outras duas classes e em conformidade com a justiça.

Em suma, assim como o homem justo é aquele em que a razão governa a cólera e a concupiscên-cia, também na cidade, para haver justiça, é preciso que os magistrados governem as demais classes, dedicando-se estas às funções que lhes são próprias.

Caberá à educação preparar os indivíduos de cada classe para o exercício da função e da virtude a ela cor-respondentes. Assim, a classe econômica deve ser educada para a frugalidade e a temperança; a classe militar, para a coragem; e a classe dos magistrados, para a prudência. O resultado dessa combinação será uma quarta e principal virtude: a justiça. Assim, a cidade justa é aquela em que cada classe cumpre harmoniosamente o papel que lhe cabe: o magistrado governa, o soldado defende e a classe econômica provê a subsistência dos cidadãos, tudo na mais perfeita harmonia. Desse modo, cada um exercendo a função correspondente às inclinações de sua alma, às características de sua natureza, todos concorrerão para a realização da justiça.

Eis, portanto, como Platão legitima e justifica a desigualdade entre as classes, apresentado-a como expressão da justiça e instrumento para a realização do bem comum.

Elaborado especialmente para o São Paulo faz escola.

Por que estudar a teoria da alma, de Pla-tão? Porque ela vem complementar a discus-são feita pelo autor sobre o papel de cada classe social na constituição da cidade justa. Com efeito, Platão traça um paralelo entre o homem concebido individualmente (com as três partes de sua alma) e a cidade, composta de três classes sociais. Assim como o homem justo é aquele que tem as partes da alma em equilíbrio e harmonia, graças ao comando da razão, também a cidade justa, harmoniosa e próspera é aquela em que cada classe cum-pre com afinco sua função, sob o comando dos magistrados. Tal concepção, sem dúvi-da, contribui para legitimar a estrutura social pensada por Platão como ideal e na qual o governante governa com sabedoria, os milita-res cuidam da defesa com coragem e os produ-tores exercem a temperança na produção da subsistência da cidade.

É importante realçar que a visão de Platão sobre as classes sociais conduz a certa natura-lização da desigualdade e, nesse sentido, dife-renças justificam as desigualdades. A posição platônica, dessa forma, não considera a conven-ção (como possivelmente pensavam os sofistas,

adversários políticos de Platão), isto é, deixa de ser considerada como obra humana, e passa a ser entendida como expressão da natureza intrínseca ao homem, como fruto de uma espécie de dispo-sição inata das pessoas para exercer determinado papel na sociedade, disposição que se justifica por uma ideia de bem e justiça. A essa concep-ção será contraposta, mais adiante, a posição de Rousseau, para quem a desigualdade resulta de uma convenção.

A seguir, sugerimos duas atividades. A pri-meira, a ser desenvolvida em sala, se possível, consiste em solicitar aos alunos que preen-cham um quadro sinóptico, no Caderno do Aluno, cujo objetivo é facilitar a visualização da teoria da alma de Platão e sua articulação com as classes sociais. Trata-se, porém, de um esquema apenas didático que não prescinde do estudo do texto mencionado ou mesmo de outros complementares. Os alunos deverão preencher o quadro com as seguintes infor-mações: partes da alma, localização, função, classe social e virtudes.

A segunda atividade refere-se a ques-tões de entendimento do texto. Essas

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Filosofia – 3a série – Volume 1

questões, mencionadas a seguir, também estão disponíveis no Caderno do Aluno, na seção Li-ção de casa.

1. O que são, para Platão, o homem virtuoso e o homem vicioso?

2. Como Platão articula sua teoria da alma humana com as três classes sociais da so-ciedade ateniense de seu tempo?

3. Qual é o conceito de justiça defendido por Platão? Você concorda com ele? Justifique.

4. Que papel Platão atribui à educação na promoção da justiça? Você concorda? Jus-tifique.

Esta última questão poderá ser retomada na Situação de Aprendizagem 8, caso seja rea-lizada a atividade com o filme Pro dia nascer feliz (direção de João Jardim, 2006).

Finalizando o tema desta Situação de Aprendizagem, propomos um exame sobre a posição da mulher na sociedade ateniense com base na perspectiva da filosofia platônica.

Nesse sentido, você poderá retomar a dis-cussão inicial sobre a democracia e a deman-da por pluralidade de vozes no exercício de-mocrático.

Para instigar os alunos, propomos a se-guinte pergunta, de acordo com o Caderno do Aluno:

Você sabia que existe uma lei no Brasil (Lei no 9 504/97, art. 10, parágrafo 3o) que obriga os partidos políticos a reservar no mínimo 30% das vagas de suas candidaturas para mulheres? O que você pensa a respeito disso?

O propósito é chamar a atenção para o tema da participação da mulher na política, sobretudo nas instâncias de governo (pode-

res Executivo, Legislativo e Judiciário), e co-lher as impressões dos alunos a esse respeito. Isso porque é justamente nesse aspecto que Platão parece inovar significativamente em comparação com a mentalidade dominante de sua época. Ele considera que, no que se refere à sua natureza intrínseca, não existem diferenças entre homens e mulheres. As que existem são apenas diferenças acidentais. (Caberia, pois, esclarecer aos alunos o signi-ficado dos conceitos de essência e acidente.) Da mesma forma, nas funções administra-tivas da cidade, não há nenhuma que seja exclusiva da natureza masculina nem da na-tureza feminina, de modo que ambos os se-xos podem se ocupar das mesmas funções, desde que demonstrem preparo e aptidão para elas. Por isso, ao serem preparados para tais atividades, homens e mulheres devem re-ceber a mesma educação.

Cabe esclarecer que, a despeito do caráter inegavelmente avançado dessa posição de Platão, ele não chega a ser exatamente um fe-minista. Aliás, isso nem seria possível em uma sociedade patriarcal como a de Atenas do sé-culo V a.C., em que as mulheres nem sequer eram contadas entre os cidadãos. Daí a afir-mação aparentemente contraditória de que as mulheres são em tudo mais fracas que os ho-mens. Esse “deslize” de Platão serve para mostrar que os filósofos (como quaisquer se-res humanos) estão, em grande parte, condi-cionados pelo meio em que vivem (valores, costumes, crenças, visões de mundo, interes-ses), condicionamento esse que impõe limites ao alcance de sua visão sobre os problemas que tomam como objeto de sua reflexão. Isso, por outro lado, em nada desqualifica a contri-buição que trazem para o conhecimento e a superação desses problemas.

Apresentamos a seguir o texto refe-rente a esse tema, disponível tam-bém no Caderno do Aluno, na se-

ção Leitura e análise de texto.

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Os escravos e as mulheres na visão de Platão em A República

Se Platão não vê problemas na existência de classes sociais, resta saber o que ele pensa a respeito da escravidão e do papel das mulheres na sociedade.

No que se refere à escravidão, era costume entre os povos antigos que, nas guerras, os vencedores escravizassem os vencidos. Esse suposto direito fundamentava-se na ideia de que, a princípio, o vence-dor poderia matar o vencido, o qual, porém, poderia preservar a vida ao preço de sua liberdade.

Platão, ao que parece, não se opõe inteiramente a esse costume. No entanto, recomenda que se aplique apenas aos inimigos estrangeiros e não aos gregos. Vale lembrar que as cidades gregas frequen-temente entravam em conflito entre si.1

Com relação ao papel das mulheres, considerando que na sociedade grega antiga elas nem sequer eram cidadãs, Platão surpreende defendendo a ideia de que, no caso das mulheres dos magistrados ou guardiões, as que se mostrassem capazes poderiam exercer as mesmas funções e receber a mesma educação.

Mas como isso seria possível se homem e mulher têm naturezas diferentes e se o próprio Platão afir-mara que a cidade justa é aquela em que cada um exerce a atividade para a qual está apto por natureza? Nesse sentido, homem e mulher não poderiam exercer uma mesma atividade.

Na realidade, diz Platão, as diferenças entre homens e mulheres são apenas acidentais (como o fato de a mulher dar à luz e o homem procriar) e não essenciais. Portanto, ambos podem ocupar-se das mesmas funções. Nas palavras do autor:

“Ah! Meu amigo, entre as ocupações da administração da cidade, nenhuma cabe à mulher porque ela é mulher, nem ao homem porque ele é homem, mas as qualidades naturais estão igualmente dis-seminadas nos dois sexos e, por natureza, a mulher participa de todas ocupações e de todas também o homem, mas em todas elas a mulher é mais fraca que o homem”.2

Se homem e mulher podem desempenhar funções idênticas, é natural que recebam então a mesma educação:

“Então, para que uma mulher se torne guardiã, não haverá entre nós uma educação para os ho-mens e outra para as mulheres, principalmente porque ela irá cuidar de uma mesma natureza”.3

Mais adiante, no livro VII, ao descrever como deve ser a educação do governante da cidade, Platão reitera pela boca de Sócrates: “Não penses que o que eu disse cabe mais aos homens que às mulheres, a quantas delas por natureza forem competentes”.4

A ideia de que a mulher é mais fraca do que o homem, expressa ao final da citação apresentada, absolutamente dispensável e inaceitável aos nossos olhos contemporâneos, revela os limites do pen-samento de Platão, particularmente com relação ao papel da mulher. Afinal, como qualquer pessoa, ele também está, em grande medida, condicionado pelos valores dominantes de sua época. Tal con-dicionamento, porém, não anula o caráter relativamente avançado e inovador de suas posições a esse respeito, comparativamente a esses mesmos valores.

1 PLATÃO. A República. Tradução Anna Lia Amaral de Almeida Prado. São Paulo: Martins Fontes, 2006. p. 205-208 [469c-471c].2 Ibidem. p. 184 [455e].3 Ibidem. p. 186 [456d].4 Ibidem. p. 303 [540c].

Elaborado especialmente para o São Paulo faz escola.

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Filosofia – 3a série – Volume 1

Para complementar o estudo do tema desta etapa são propostas ainda duas ativi-dades. A primeira consiste em analisar, em grupos, o conteúdo de anúncios publicitá-rios veiculados em revistas e na televisão no que se refere ao papel da mulher. Para viabi-lizá-la, selecione previamente alguns desses anúncios (por exemplo, de margarina, de produtos de limpeza, de eletrodomésticos, de roupas, joias e bijuterias, e mesmo propa-gandas de artigos dirigidos predominante-mente ao público masculino e que utilizam mulheres, como as de cerveja e as de auto-móveis) e os leve para a classe a fim de que sejam analisados e comentados pelos alu-nos. No Caderno do Aluno, há um quadro com duas colunas, anúncio e comentário, que deverão ser preenchidas por eles. Outra possibilidade seria gravar alguns comerciais de televisão com esse tipo de conteúdo e exi-bi-los em classe, para que sejam analisados conjuntamente pelos alunos. Essa opção, porém, depende, naturalmente, de a escola possuir as condições materiais necessárias, como videocassete ou data-show. Avalie, portanto, o que é mais adequado à sua si-tuação. O objetivo é evidenciar como os meios de comunicação, a despeito das con-quistas já obtidas pelas mulheres, ainda acentuam o seu papel social de donas de casa ou de objetos sexuais e praticamente igno-ram o fato de ocuparem espaços na política. É também uma oportunidade para conhecer a posição dos alunos sobre esse assunto.

A segunda atividade, proposta como Lição de casa no Caderno do Aluno, pede aos alunos que façam

uma breve pesquisa na internet ou em outras fontes sobre o tema “A participação política das mulheres no Brasil”. O intuito é comparar a participação das mulheres (tanto como elei-toras quanto como candidatas) com a dos ho-mens e verificar se há diferenças e em que medida elas ocorrem. Assim, pretende-se arti-cular o estudo sobre Platão com aspectos da realidade atual. Uma possível forma de fazer

essa articulação é, depois de concluída a pes-quisa, propor a seguinte questão: Se, como di-zia Platão, “entre as ocupações da administra-ção da cidade, nenhuma cabe à mulher porque ela é mulher, nem ao homem porque ele é homem, mas as qualidades naturais estão igual-mente disseminadas nos dois sexos e, por natu-reza, a mulher participa de todas ocupações e de todas também o homem” (PLATÃO, 2006. p. 184 [455e]), por que, na sociedade brasilei-ra, a participação das mulheres na política ain-da é tão pequena? Entre muitas fontes para esta pesquisa, você pode indicar aos alunos os seguintes sites:

BIBLIOTECA Virtual da Mulher. Dis-ponível em: <http://mulher.ibict.br/>. Aces-so em: 19 jul. 2013.

FÓRUM de Entidades Nacionais de Direi- tos Humanos. Disponível em: <http://www.direitos.org.br/index.php?option=com_content&task=view&id=1880&Itemid=2>. Acesso em: 19 jul. 2013.

MULHERES no Poder. Disponível em: <http://www.mulheresnopoder.com.br>. Acesso em: 19 jul. 2013.

SECRETARIA de Políticas para as Mu-lheres. Disponível em: <http://www.spm.gov.br>. Acesso em: 19 jul. 2013.

COSTA, Delaine Martins. Mulher: poder e participação política. Universia. Dispo-nível em: <http://noticias.universia.com.br/destaque/noticia/2006/01/20/450835/ulher-poder-eparticiapacao-politica.html>. Acesso em: 19 jul. 2013.

Avaliação da Situação de Aprendizagem

A avaliação deve verificar se as competências e habilidades esperadas foram satisfatoriamen-te desenvolvidas. Como as atividades sugeridas ao longo desta Situação de Aprendizagem vi-savam a esse objetivo, elas mesmas podem ser tomadas como instrumentos de avaliação. De todo modo, a título de colaboração, apresenta-mos outras duas atividades. A primeira consiste

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em um conjunto de questões ao estilo de uma prova, cujo objetivo principal é verificar a apro-priação do conteúdo estudado pelos alunos. As respostas aqui apresentadas são apenas indicati-vas, cabendo a você, professor, aprofundá-las e enriquecê-las. A segunda é uma dissertação cujo propósito é estimular a reflexão crítica dos alu-nos, sem descuidar, porém, da incorporação de elementos do conteúdo estudado nessa reflexão.

Questões para avaliação

1. Com base no estudo realizado, responda:

a) Como Platão define a justiça e por que, para ele, a desigualdade de classes não é injusta? Esclareça a concepção do au-tor e posicione-se em relação a ela.

Como vimos, para Platão, a justiça consiste na medida jus-

ta, o que, no âmbito social, significa que cada pessoa deve

desempenhar na sociedade o papel correspondente à sua

própria natureza. Como as pessoas possuem naturezas diver-

sas, é natural que exerçam papéis sociais diferentes, os quais

correspondem às classes sociais. Daí porque, para Platão, a

desigualdade de classes não é injusta, desde que os integran-

tes de cada classe estejam em harmonia com sua natureza.

Espera-se que o aluno se posicione criticamente em relação

a essa concepção.

b) Em que sentido se pode dizer que a po-sição de Platão sobre a mulher é avança-da para sua época?

A teoria de Platão sobre a mulher é avançada para sua época

no sentido de que ele amplia significativamente o espaço de

participação política para a mulher, chegando a admitir que

ela ocupe cargos diretivos, em um contexto em que ela nem

sequer era considerada cidadã.

c) O que você pensa da forma como Platão explicou a desigualdade de classes? Ar-gumente fundamentando sua posição.

Espera-se que os alunos demonstrem um conhecimento

razoável do pensamento de Platão sobre a questão da desi-

gualdade e que sejam capazes de se posicionar em relação

a ele.

2. Escreva uma breve reflexão pessoal (20 a 30 linhas) sobre o tema: “A participação polí-tica da mulher na sociedade brasileira”. Espera-se que os alunos demonstrem ter incorporado em

seu repertório cultural elementos trabalhados em sala de

aula que lhes permitam superar a concepção de senso co-

mum e avançar para uma compreensão mais crítica e funda-

mentada do problema.

Proposta de situação de recuperação

Sugerimos uma atividade de recuperação para o caso de alunos que não consigam obter o rendimento esperado.

Com base no estudo realizado, os alunos devem reler os textos e exercitar a escrita redi-gindo um diálogo sobre o tema “Democracia e a cidade justa”.

Espera-se que os alunos demonstrem na redação do diálogo

a compreensão de que a justiça na democracia é possibilitar

que todos, independentemente da sua condição, possam

opinar e participar das decisões sobre a vida na cidade.

SITUAÇÃO DE APRENDIZAGEM 8 A DESIGUALDADE SEGUNDO ROUSSEAU

Esta Situação de Aprendizagem tem como objetivo apresentar a visão de Rousseau sobre a desigualdade e o caminho por ele proposto para a sua superação por meio do contrato so-cial. Assim, com base na obra Discurso sobre a origem da desigualdade entre os homens (1755),

serão abordados os seguintes aspectos: a dis-tinção entre desigualdade natural e desigual-dade moral ou política; o método empregado por Rousseau na formulação de suas consi-derações; a caracterização do ser humano no estado de natureza; a distinção entre o ser

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Filosofia – 3a série – Volume 1

Conteúdos e temas: desigualdade natural e desigualdade social segundo Rousseau; o ser humano no es-tado de natureza: aspectos físicos e morais; a propriedade como origem da desigualdade segundo Rous-seau; a recuperação da igualdade (formal) por meio do contrato social e os limites da igualdade formal.

Competências e habilidades: relacionar informações, representadas de diferentes formas, e conhecimen-tos disponíveis em diferentes situações para construir argumentação consistente; distinguir a perspectiva de Platão (natureza) da concepção de Rousseau (convenção) acerca da desigualdade social; compreender a argumentação de Rousseau acerca da origem da desigualdade e de como superá-la por meio do contra-to social; problematizar o papel social do Estado e das leis; ler, compreender e interpretar textos teóricos e filosóficos; expressar-se por escrito e oralmente de forma sistemática; elaborar hipóteses e questões a partir das leituras e dos debates realizados.

Sugestão de estratégias: aulas expositivas; levantamento das noções contidas no senso comum sobre a desigualdade social no Brasil por meio de entrevistas, pesquisas na internet e discussões em grupos sobre as explicações mais comuns para a existência de pobres e ricos; leitura sistemática e problematizadora de textos; elaboração escrita do próprio pensamento; pesquisa bibliográfica e na internet; filmes.

Sugestão de recursos: textos para leitura e sites.

Sugestão de avaliação: sugerimos que sejam avaliados o domínio pelos alunos do conteúdo (conceitos, ideias, raciocínios etc.) estudado; sua capacidade de expressão clara, fluente, coerente, bem articulada e consistente (bem fundamentada, buscando superar o senso comum); o envolvimento dos alunos nas atividades propostas. Como instrumentos de avaliação, recomendamos dissertações individuais; provas dissertativas e reflexivas; verificação das atividades do Caderno do Aluno e outros trabalhos que o pro-fessor julgar adequados e pertinentes.

humano e os outros seres; as características inatas ao ser humano: a perfectibilidade e a piedade; a propriedade privada como origem da desigualdade; as leis e o Estado como ins-tituições a serviço dos ricos; o contrato social como meio para a restauração da igualdade (formal); a conciliação entre obediência à lei e liberdade individual; os limites da igualdade formal ou jurídica.

Esperamos que os alunos confrontem as posições de Platão (natureza) e de Rousseau

(convenção), percebendo claramente as dife-renças de perspectivas entre eles, e se sintam capazes de se posicionar com consistência em relação a ambos.

Novamente, a ideia é que os alunos reflitam criticamente sobre os aspectos mencionados, de forma individual e coletiva, e se expressem oralmente e por escrito a respeito deles de for-ma rigorosa, com a mediação do professor e da leitura dos textos contidos no Caderno do Aluno.

Sondagem e sensibilização

Solicite aos alunos que, em grupos, respondam à seguinte pergunta da seção Pesquisa em grupo do Ca-

derno do Aluno: Em que consiste a desigualda-de estabelecida por convenção e a desigualdade

por natureza? Dê exemplos. O objetivo é verifi-car a ideia que os alunos possuem desses con-ceitos, problematizá-la com eles e esclarecer o seu significado a fim de salientar, desde o iní-cio, um dos principais aspectos pelos quais Platão e Rousseau se diferenciam quanto à in-terpretação da desigualdade entre os homens.

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Feita essa discussão preliminar, su-gerimos passar ao trabalho com o texto Desigualdade natural e desi-

gualdade social, disponível no Caderno do Aluno, na seção Leitura e análise de texto, e reproduzido a seguir. Antes, porém, seria aconselhável fazer uma breve introdução sobre o autor, apresentando dados relativos ao con-texto em que ele viveu, aspectos principais de seu pensamento e algumas de suas obras mais importantes. Na contextualização histórica, é fundamental retomar, ainda que sucintamente, as características do Iluminismo, lembrando que Rousseau assumiu uma posição peculiar

Desigualdade natural e desigualdade social

Em 1753, a Academia de Dijon, na França, lançou um concurso no qual os interessados deveriam discorrer sobre as seguintes questões: Qual é a origem da desigualdade entre os homens? É autorizada pela lei natural? Jean-Jacques Rousseau já havia vencido anteriormente um concurso semelhante, pro-posto pela mesma academia, sobre o tema “Se o progresso das ciências e das artes contribuiu para cor-romper ou apurar os costumes”. Ele resolveu, então, participar de novo, escrevendo seu Discurso sobre a origem da desigualdade entre os homens. Vejamos como, nesse texto, o autor explicou o surgimento da desigualdade social.

Rousseau iniciou distinguindo dois tipos de desigualdade: uma instituída pela natureza e outra pro-duzida pelos homens. Deixemos, porém, que o próprio autor, em sua obra, explique mais claramente a diferença entre elas:

“Concebo na espécie humana duas espécies de desigualdade; uma, que chamo de natural ou física, por-que é estabelecida pela natureza, e que consiste na diferença das idades, da saúde, das forças do corpo e das qualidades do espírito, ou da alma; a outra, que se pode chamar de desigualdade moral ou política, porque depende de uma espécie de convenção, e que é estabelecida ou, pelo menos, autorizada pelo consentimento dos homens. Esta consiste nos diferentes privilégios de que gozam alguns com prejuízo dos outros, como ser mais ricos, mais honrados, mais poderosos do que os outros, ou mesmo fazerem-se obedecer por eles.”1

Diz Rousseau: “Não se pode perguntar qual é a fonte da desigualdade natural, porque a resposta se encontraria enunciada na simples definição da palavra”2: ela decorre da natureza. Por isso, o autor dedicou-se a investigar as origens da desigualdade que ele chamou de “moral ou política”, isto é, da desigualdade social, procurando compreender o processo pelo qual ela foi gradualmente instituída pelos homens, desde os tempos mais remotos, até chegar ao estado em que se encontrava à época em que ele vivia (Europa do século XVIII).

Quanto ao método adotado para empreender tal investigação, Rousseau esclareceu que “Não se deve tomar as pesquisas que podemos realizar sobre este tema por verdades históricas, mas somente por raciocínios hipotéticos e condicionais”3. Ele também não levou em consideração as explicações da-

em relação a esse movimento, na medida em que, embora não desprezasse a racionalidade, concedia valor primordial aos sentimentos. Cabe lembrar, também, que se trata de um pe-ríodo de transição, às vésperas da Revolução Francesa, evento que marca o triunfo da bur-guesia e da passagem do Antigo Regime para o capitalismo. Nesse sentido, Rousseau, apesar de sua perspectiva crítica com relação a certos valores acalentados pela burguesia (como o luxo e a ostentação, por exemplo), e mesmo com relação à propriedade privada, ainda se constituiu como ideólogo da burguesia e um dos precursores do liberalismo político.

1 ROUSSEAU, Jean-Jacques. Discurso sobre a origem da desigualdade entre os homens. Disponível em: <http://gallica.bnf.fr/ark:/12148/bpt6k6240585m>. Acesso em: 30 set. 2013. Tradução Célia Gambini.2 Ibidem.3 Ibidem.

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das pela religião, segundo as quais a desigualdade resultaria da vontade de Deus, preferindo deixar de lado os dogmas da fé e, fazendo uso apenas da razão, “formar conjecturas, tiradas somente da natureza do homem e dos seres que o rodeiam”.4 Esclarece, ainda, que não se preocuparia em “considerá-lo [o homem] desde a sua origem e examiná-lo [...] no primeiro embrião da espécie”5 para entender como por meio de sucessivos desenvolvimentos ele chegou a ser o que é atualmente. Disse o autor:

“Não me deterei a buscar no sistema animal o que pode ter sido no começo para se tornar afinal o que é. Não examinarei, como pensa Aristóteles, se suas unhas alongadas não foram a princípio garras recurvadas; se não era peludo como um urso; e se, ao andar sobre quatro patas, seu olhar dirigido para a terra e limitado a um horizonte de alguns passos não marcaria ao mesmo tempo o caráter e o limite de suas ideias”.6

Na realidade, Rousseau optou por não recorrer aos conhecimentos disponíveis já naquela época sobre as possíveis mudanças na conformação física e na anatomia do homem, por se tratar de assunto sobre o qual ele apenas poderia formular “conjecturas vagas e quase imaginárias” 7. Em vez disso, pre-feriu supor o homem como ele é hoje: “andando com dois pés, servindo-se de suas mãos como fazemos com as nossas, dirigindo o olhar para toda a natureza e medindo com os olhos a vasta extensão do céu”.8 Vale lembrar que Rousseau não conheceu a teoria da evolução, de Darwin, que somente surgiria no século XIX.

4 Ibidem.5 Ibidem.6 Ibidem.7 Ibidem.8 Ibidem.

Elaborado especialmente para o São Paulo faz escola.

A nosso ver, importa destacar nesse texto as duas espécies de desigualdade definidas por Rousseau e suas considerações quanto aos procedimentos metodológicos que ele adotou. No primeiro caso, Rousseau distinguiu desi-gualdade natural de desigualdade convencional, esclarecendo que é desta última que irá tratar na obra em questão. No segundo, explicou que utilizará raciocínios hipotéticos e condi-cionais e que, por isso, suas conclusões não podem ser tomadas como verdades históricas. Acreditamos que essa informação é impor-tante para que os alunos evitem justamente tomá-las como tais e também para que entrem em contato com esse tipo de raciocínio (hipo-tético e condicional) empregado pelo autor.

Ainda sobre as considerações metodo-lógicas do autor, convém reforçar também que ele opta por deixar de lado tanto as ex-plicações religiosas para a desigualdade, pre-ferindo buscar compreender seu objeto de estudo apenas à luz da razão (e neste ponto ele

parece estar em perfeita sintonia com o movi-mento Iluminista), quanto os conhecimentos já disponíveis em sua época sobre as mudan-ças na conformação física e anatômica do ser humano. Não está preocupado, portanto, em descrever a evolução biológica do homem, mas em compreender os traços característicos de sua natureza e os caminhos pelos quais passou do estado de natureza ao estado social, culmi-nando com a instituição da desigualdade.

Para reforçar e ampliar o entendimento do texto são propostas duas atividades em grupos. A primeira solicita aos alunos que respondam à seguinte questão: Com base na distinção feita por Rousseau entre desigualda-de natural e desigualdade por convenção, como você classifica a desigualdade social no Brasil? Justifique. A segunda, associada a esta, pede que analisem diversas respostas, adaptadas de opiniões colhidas na internet, para a pergun-ta: Por que existem pobres e ricos? O objetivo é permitir que os alunos tomem contato com

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explicações do senso comum para essa ques-tão e reflitam criticamente sobre o assunto. É possível que algumas das respostas obti-das na internet coincidam com algumas das que foram dadas pelos alunos. Nesse caso, seria interessante observar a reação dos alu-nos e verificar se o posicionamento original permaneceu inalterado ou se já avançou qualitativamente.

Como estudo complementar, a exemplo do que foi proposto com relação a Platão, solicitamos, na

seção Pesquisa individual, do Caderno do Aluno, que os alunos, em casa, pesquisem so-bre Rousseau na internet e/ou em outras fon-tes, considerando os seguintes aspectos:

elementos do contexto histórico em que viveu;

dados biográficos, incluindo curiosidades sobre ele;

aspectos de sua filosofia; algumas de suas obras.

A ideia de inserir os dados coletados em um quadro especificamente destinado para este fim é habituar os alunos, pouco a pouco, ao estudo sistemático, organizado, e ao ficha-mento de textos.

Posteriormente, abordaremos o homem no estado de natureza. Como motivação inicial, propo-

mos, na seção Leitura e análise de texto e imagem, do Caderno do Aluno, a leitura de alguns trechos do documento histórico a Carta do achamento do Brasil, de Pero Vaz de Caminha, bem como a análise da pintura De-sembarque de Pedro Álvares Cabral em Porto Seguro em 1500, de 1922, de Oscar Pereira da Silva. Ambos trazem uma visão romântica e idealizada dos indígenas brasileiros que não corresponde exatamente à realidade históri-ca. Nesta atividade, os alunos devem identifi-car as características físicas e morais dos in-dígenas, as quais, mais adiante, serão comparadas com as que Rousseau atribui ao homem no estado de natureza.

Carta do achamento do Brasil – Pero Vaz de Caminha

A feição deles é serem pardos, um tanto avermelhados, de bons rostos e bons narizes, benfeitos. Andam nus, sem nenhuma cobertura. Nem estimam de cobrir ou de mostrar suas vergonhas do que de mostrar a cara.

[...] O Capitão, quando eles vieram, estava sentado em uma cadeira, bem vestido, com um colar de ouro mui grande ao pescoço, e aos pés uma alcatifa por estrado. [...] Porém, um deles pôs olho no colar do Capitão, e começou de acenar com a mão para a terra e depois para o colar, como que nos dizendo que ali havia ouro. Também olhou para um castiçal de prata e assim mesmo acenava para a terra e novamente para o castiçal, como se lá também houvesse prata. [...] Levava Nicolau Coelho cascavéis e manilhas. E a uns dava um cascavel, a outros uma manilha, de maneira que com aquele engodo quase nos queriam dar a mão. Davam-nos daqueles arcos e setas por sombreiros e carapuças de linho ou por qualquer coisa que homem lhes queria dar. [...] E uma daquelas moças era toda tin-gida, de baixo a cima daquela tintura; e certo era tão benfeita e tão redonda, e sua vergonha (que ela não tinha) tão graciosa, que a muitas mulheres da nossa terra, vendo-lhe tais feições, fizera vergonha, por não terem a sua como ela. Nenhum deles era fanado, mas, todos assim como nós. [...] Além do

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Filosofia – 3a série – Volume 1

rio, andavam muitos deles dançando e folgando, uns diante dos outros, sem se tomarem pelas mãos. E faziam-no bem. Passou-se então além do rio Diogo Dias [...]; e levou consigo um gaiteiro nosso com sua gaita. E meteu-se com eles a dançar, tomando-os pelas mãos; e eles folgavam e riam, e andavam com ele muito bem ao som da gaita. [...] Estiveram assim um pouco afastados de nós; e depois pouco a pouco misturaram-se conosco. Abraçavam-nos e folgavam. [...] Diziam que em cada casa se recolhiam trinta ou quarenta pessoas, e que assim os achavam; e que lhes davam de comer daquela vianda, que eles tinham, a saber, muito inhame e outras sementes, que na terra há e eles comem. [...] Muitos deles vinham ali estar com os carpinteiros. E creio que o faziam mais por verem a ferramenta de ferro com que a faziam, do que por verem a Cruz, porque eles não têm coisa que de ferro seja, e cortam sua madeira e paus com pedras feitas como cunhas, metidas em um pau entre duas talas, mui bem atadas e por tal maneira que andam fortes, segundo diziam os homens, que ontem a suas casas foram, por-que lhas viram lá. [...] Andavam todos tão dispostos, tão benfeitos e galantes com suas tinturas, que pareciam bem. [...] Parece-me gente de tal inocência que, se homem os entendesse e eles a nós, seriam logo cristãos, porque eles, segundo parece, não têm, nem entendem em nenhuma crença. [...] Eles não lavram, nem criam. Não há aqui boi, nem vaca, nem cabra, nem ovelha, nem galinha, nem qualquer outra alimária, que acostumada seja ao viver dos homens. Nem comem senão desse inhame, que aqui há muito, e dessa semente e frutos, que a terra e as árvores de si lançam. E com isto andam tais e tão rijos e tão nédios que o não somos nós tanto, com quanto trigo e legumes comemos. Neste dia, en-quanto ali andaram, dançaram e bailaram sempre com os nossos, ao som dum tamboril dos nossos, maneira que são muito mais nossos amigos que nós seus. [...]

CAMINHA, Pero Vaz de. Carta a El Rei D. Manuel. Fundação Biblioteca Nacional. Disponível em: <http://objdigital.bn.br/Acervo_Digital/livros_eletronicos/carta.pdf>. Acesso em: 19 jul. 2013.

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Figura 6 – SILVA, Oscar Pereira da. Desembarque de Pedro Álvares Cabral em Porto Seguro em 1500. 1922. Óleo sobre tela, 333 x 190 cm. Museu Paulista.

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O homem no estado de naturezaSegundo Rousseau (Discurso sobre a origem da desigualdade entre os homens), antes de existir no

estado social, isto é, de viver em sociedade, o homem existia no estado de natureza.Do ponto de vista físico, esse homem primitivo, embora fosse menos forte e ágil em certos aspec-

tos do que muitos animais, no conjunto levava vantagem sobre todos eles; “[...] A terra, abandonada à sua fertilidade natural e coberta de florestas imensas que o machado jamais mutilou”1 lhe permitia satisfazer todas as suas necessidades naturais (alimentação, reprodução, abrigo etc.) sem grandes difi-culdades; acostumado desde a infância às intempéries da natureza, à intensidade das estações, à fadiga, a defender, de mãos vazias e nu a si mesmo e à sua prole, de animais ferozes ou deles escapar correndo, valendo-se para isso apenas de seu próprio corpo, mostrava-se fisicamente robusto e ágil, muito mais do que qualquer homem poderia ser nos tempos atuais; graças à sua robustez, praticamente não conhe-cia doenças, exceto os ferimentos naturalmente decorrentes da velhice; visto que a conservação de sua vida era praticamente sua única preocupação, era natural que os sentidos mais desenvolvidos fossem aqueles mais diretamente voltados para esse objetivo (subjugar a presa ou escapar de tornar-se uma), como a vista, a audição e o olfato, ao passo que o tato e o paladar podiam permanecer rudes. Em suma, a exemplo do que ocorre com os animais que, uma vez domesticados, perdem força, vigor e coragem, também o homem, no estado de natureza, é muito melhor fisicamente do que no estado social.

Do ponto de vista moral, ao contrário dos animais que se limitam a seguir as regras prescritas pela natureza, o homem se constitui como agente livre2 podendo escolher ou rejeitar essas regras. Assim, enquanto “uma pomba morreria de fome perto de uma bacia cheia das melhores carnes e um gato sobre pilhas de frutas ou de grãos, conquanto ambos pudessem muito bem nutrir-se com os alimentos que desdenham se tivessem a ideia de prová-los”3, o homem, dotado de vontade, é capaz não apenas de diversificar seus alimentos, como também de continuar a comer quando sua necessidade natural já foi satisfeita, ainda que isso lhe cause prejuízo à saúde.

É justamente essa sua condição de agente livre, e a consciência que possui dessa liberdade, uma das diferenças entre o homem e os animais, segundo Rousseau.1 ROUSSEAU, Jean-Jacques. Discurso sobre a origem da desigualdade entre os homens. Disponível em: <http://gallica.bnf.fr/ark:/12148/bpt6k6240585m>. Acesso em: 30 set. 2013. Tradução Célia Gambini.2 Ibidem.3 Ibidem.

Após a leitura do texto e análise da imagem, é proposto que os alunos discutam, em grupo, sobre características físicas e morais retratadas nos documentos. Em seguida, a atividade soli-cita que os alunos passem para a leitura do tex-to de Rousseau que explica o homem no estado de natureza.

O texto de referência para este tema é O homem no estado de natureza, inserido no Caderno do Aluno, na

seção Leitura e análise de texto, e reproduzido a seguir. Nele, ao descrever esse homem, Rousseau apresentou suas características físi-cas e morais. Em ambos os casos, o homem primitivo era melhor que o homem civilizado. Rousseau distinguiu, também, duas caracte-rísticas inatas e inerentes à natureza humana:

a perfectibilidade e a piedade. A primeira é a capacidade do homem para se aperfeiçoar, o que constitui um dos atributos a diferenciá-lo dos animais. Além disso, a perfectibilidade é a grande responsável por retirar o homem do estado de natureza, permitindo que se instau-rasse a desordem e a guerra. A segunda con-siste na “repugnância inata de ver sofrer o seu semelhante”. Dessa ideia de piedade inata decorre a tese do bom selvagem atribuída a Rousseau. Consideramos pertinente e rele-vante inserir também, ainda que em nota, a distinção feita pelo autor entre “amor de si” (inato e voltado para a preservação da vida) e “amor-próprio” (socialmente adquirido e ori-gem de muitos males) por entender que ela pode inspirar a reflexão crítica sobre os valo-res que predominam na sociedade atual.

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“A natureza comanda todo animal, e o bicho obedece. O homem experimenta a mesma impressão, mas se reconhece livre para aquiescer ou resistir; e é sobretudo na consciência dessa liberdade que se mostra a espiritualidade de sua alma.”4

Outra característica distintiva do ser humano é a sua perfectibilidade, isto é, sua “faculdade de aperfeiçoar-se” 5. Ao contrário do animal que “é, ao cabo de alguns meses, o que será por toda a vida, e sua espécie, ao cabo de mil anos, o que era no primeiro ano desses mil anos”6, o homem pode, com o auxílio das circunstâncias, desenvolver suas potencialidades, as quais se encontram tanto no indivíduo quanto na espécie. Infelizmente, diz Rousseau, justamente “essa faculdade distintiva, e quase ilimitada, é a fonte de todas as infelicidades do homem; [...] é ela que o tira, por força do tempo, dessa condição originária em que ele passaria dias tranquilos e inocentes”7.

Quanto aos valores morais, Rousseau considera que, no estado de natureza, os homens não eram nem bons, nem maus, nem possuíam vícios ou virtudes, uma vez que não havia entre eles nenhum tipo de relação moral ou de deveres recíprocos. Na realidade, a única virtude natural que possuíam era a pie-dade, entendida como uma “repugnância inata ao ver sofrer seu semelhante”8. Decorre daí a ideia do bom selvagem, frequentemente associada à teoria de Rousseau. Dessa virtude natural é que resultam as virtudes sociais como a generosidade, a clemência, a humanidade, a benquerença e a comiseração. Essa piedade natural do homem opõe-se ao seu amor-próprio9 nele gerado pela razão e pela reflexão, típicas do estado de sociedade. É por causa da reflexão que o homem é capaz de pensar primeiro em si e, vendo sofrer seu semelhante, dizer: “Morre, se queres; estou em segurança”10. E complementa Rousseau: “Pode-se impunemente degolar seu semelhante debaixo de sua janela; é só tapar os ouvidos e argumentar um pouco, para impedir que a natureza, revoltando-se nele, o identifique com aquele que assassinam. O homem selvagem não tem esse admirável talento e, por falta de sabedoria e de razão, vemo-lo sempre entregar-se, perturbado, ao primeiro sentimento de humanidade.”11

A piedade é, pois, para Rousseau, um sentimento natural presente em todos os homens. Daí sua posição, de que o homem nasce bom e a sociedade o corrompe, ser contrária à de outros pensadores, como Hobbes, por exemplo.

“É ela que nos leva, sem reflexão, a socorrer aqueles que vemos sofrer; é ela que, no estado de natureza, toma o papel da lei, do costume e da virtude, com a vantagem de que ninguém é tentado a desobedecer-lhe sua doce voz; é ela que impede qualquer selvagem robusto de arrebatar de uma crian-ça fraca, ou um velho enfermo, sua subsistência adquirida com sacrifício, se ele mesmo espera poder encontrar a sua em outro lugar; é ela que, em vez desta máxima sublime de justiça raciocinada: Faze ao próximo o que queres que te façam, inspira a todos os homens esta outra máxima de bondade natural, bem menos perfeita, entretanto mais útil, talvez, do que a precedente: Faze o teu bem com o menor mal possível ao próximo.”12 Esta era, em linhas gerais, segundo Rousseau, a situação em que vivia o homem no estado de natureza, no qual a desigualdade praticamente não existia.

4 Ibidem.5 Ibidem.6 Ibidem.7 Ibidem.8 Ibidem.9 Rousseau adverte que não se pode confundir amor-próprio com amor de si mesmo. São dois sentimentos muito distintos. “O amor de si mesmo é um sentimento natural que leva todo animal a zelar por sua própria conservação, e que, dirigido no homem pela razão e modificado pela piedade, produz a humanidade e a virtude. O amor-próprio é apenas um sentimento relativo, fabricado e nascido na sociedade, que leva cada indivíduo a importar-se mais consigo do que com qualquer outro, que inspira aos homens todos os males que se fazem mutuamente e que é a verdadeira fonte da honra.” (Ibidem). Uma vez estabelecida essa distinção, o autor esclarece que, no estado de natureza, o amor-próprio não existe.10 Ibidem.11 Ibidem.12 Ibidem.

Elaborado especialmente para o São Paulo faz escola.

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Para finalizar esta etapa, propomos três questões que visam, ao mesmo tempo, verifi-car a compreensão obtida pelos alunos acerca do tema estudado e propiciar espaço para que ampliem sua reflexão sobre ele. É neste mo-mento que são solicitados a retomar os tre-chos da carta escrita por Caminha e a pintura de Oscar Pereira da Silva, a fim de compará- -los com o homem no estado de natureza, tal como o caracteriza Rousseau. As perguntas estão no Caderno do Aluno.

1. Como se caracterizava o homem no estado de natureza, segundo Rousseau, do ponto de vista físico e moral?

2. Você vê alguma semelhança entre esse ho-mem caracterizado por Rousseau e a des-crição feita por Pero Vaz de Caminha e por Oscar Pereira da Silva do indígena brasilei-ro? Justifique.

3. Qual é a diferença entre “amor de si” e “amor-próprio”, segundo Rousseau? Qual dessas formas de amor predomina na sociedade atual? Comente.

Como atividade complementar, na seção Aprendendo a aprender, suge-rimos que os alunos assistam, em

casa, ao filme O enigma de Kaspar Hauser (di-reção de Werner Herzog, 1974) tendo em men-te a seguinte questão: Como seria a vida de uma pessoa que não tivesse contato com a civiliza-ção? Você pode propor outros filmes e outras questões que julgar mais adequados aos seus objetivos. Uma possível forma de desenvolver essa atividade seria projetar o filme em um lo-cal amplo para todos os alunos do Ensino Mé-dio, ou até mesmo para um público maior, conferindo à atividade um caráter interdisci-plinar. Cabe, porém, a você avaliar a pertinên-cia, a possibilidade e a conveniência de o fazer.

Para aprofundar o tema proposto, sugerimos que os alunos discutam

em grupo os trechos da Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, re-produzida a seguir e que também se encontra no Caderno do Aluno, na seção Pesquisa em grupo.

Artigo primeiroOs homens nascem e permanecem livres

e iguais em direitos. As distinções sociais só podem fundar-se sobre a utilidade comum.

Artigo IIO objetivo de toda associação política

é a conservação dos direitos naturais e im-prescritíveis do homem. Esses direitos são a liberdade, a propriedade, a segurança e a resistência à opressão.

[...]Artigo XVIIA propriedade sendo um direito inviolá-

vel e sagrado, ninguém pode ser dela priva-do, salvo quando houver necessidade públi-ca, legalmente constatada, e sob a condição de uma justa e prévia indenização.

Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789. Disponível em: <http://www.

assemblee-nationale.fr/histoire/dudh/1789.asp>. Acesso em: 19 jul. 2013. Tradução Célia Gambini.

Na Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão, a propriedade privada aparece como direito natural e associada ao princípio da igualdade entre os homens, asso-ciação esta que passará a se constituir em um dos pilares do liberalismo político. A lógica é mais ou menos a seguinte: todos os homens são iguais em direitos. O Estado existe para de-fender esses direitos. Ora, a propriedade é um direito natural. Portanto, o Estado existe para defender também o direito à propriedade. Como todos os homens são iguais em direitos e, desse modo, também no direito à propriedade, a defesa da propriedade pelo Estado beneficia a todos. Eis, portanto, a essência da teoria liberal do Estado, no que tange ao direito à proprie-dade. Introduz-se, assim, o tema da proprieda-

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de, que será o próximo objeto de reflexão. Vale lembrar, também, que a Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, é praticamente contemporânea a Rousseau (que morreu em 1778) e que seu pensamento certa-mente influenciou a elaboração do documento.

O texto intitulado A propriedade privada como origem da desigual-dade social, da seção Leitura e

análise de texto, visa a esclarecer a perspecti-va de Rousseau acerca da origem da desi-gualdade, tema central desta Situação de Aprendizagem, que ele localizou no surgi-mento da propriedade privada. Rompida a igualdade original, seria instaurada a desor-dem e o estado de guerra, o qual se tornaria muito mais oneroso para os ricos que têm muito mais a perder que os pobres. Daí a ins-tituição do Estado e das leis que, sobretudo

durante o Antigo Regime, cumpriam a fun-ção de proteger os interesses dos ricos e im-por entraves aos pobres.

Propomos, então, que você recomende aos alunos que leiam atentamente o texto a seguir, inserido também no Caderno do Aluno e, de-pois, que respondam às questões relacionadas a fim de reforçar e ampliar o entendimento da leitura. São elas:

1. Quais foram, segundo Rousseau, os efeitos do surgimento da propriedade privada?

2. Que papel cumprem, segundo o autor, as leis e o Estado com relação à propriedade?

3. Comente o significado da frase: “Todos cor-reram para as suas cadeias de ferro, acredi-tando assegurar a própria liberdade”.

A propriedade privada como origem da desigualdade socialApós ter demonstrado a quase inexistência da desigualdade no estado de natureza, Rousseau, ain-

da raciocinando hipoteticamente, passa a descrever como ela surge e se desenvolve ao longo da histó-ria, procurando demonstrar que o momento determinante para esse surgimento foi o da invenção da propriedade privada.

“O primeiro que, tendo cercado um terreno, lembrou-se de dizer: Isto é meu, e encontrou pessoas bastante estúpidas para o acreditar, foi o verdadeiro fundador da sociedade civil. Quantos crimes, guerras, assassinatos, misérias e horrores teria poupado ao gênero humano aquele que, arrancando as estacas ou tapando os buracos, tivesse gritado aos seus semelhantes: Livrai-vos de escutar esse impostor; estareis perdidos se esquecerdes que os frutos são de todos e a terra, de ninguém!”1

Mas como a humanidade chegou a esse ponto? Segundo Rousseau, isso ocorreu graças a uma série de acasos que levaram a sucessivos progressos, ao aperfeiçoamento da razão humana e à deterioração da espécie, tornando mau um ser que era naturalmente bom ao transformá-lo em ser social2. Dentre os pro-gressos obtidos, destacam-se: o aprimoramento das habilidades físicas, proporcionado pela necessidade de sobrevivência; a descoberta das armas naturais (galhos e pedras) e a criação de outras (arco e flecha, lanças etc.); a invenção da pesca; a percepção de certas relações (grande, pequeno, forte, rápido, lento, medroso, corajoso etc.), levando a certo nível de reflexão; a consciência da superioridade em relação aos animais, gerando o sentimento de orgulho; as primeiras associações com seus semelhantes para fins de defesa mútua; o desenvolvimento dos instrumentos de produção mais eficientes (machados de pedras cortantes); o surgimento das famílias e de uma espécie de propriedade das habitações; o surgimento do amor conjugal e do amor paternal, fruto do hábito de viver junto; o estabelecimento da primeira diferença no modo de viver de cada sexo, até então inexistente: as mulheres tomando conta da cabana e os homens provendo a subsistência; o aprimoramento da linguagem; a formação das ideias de mérito e beleza, produzindo sentimentos de preferência; o surgimento do amor e do ciúme; o aparecimento do

1 ROUSSEAU, Jean-Jacques. Discurso sobre a origem da desigualdade entre os homens. Disponível em: <http://gallica.bnf.fr/ark:/12148/bpt6k6240585m>. Acesso em: 10 out. 2013. Tradução Célia Gambini.2 Ibidem.

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canto e da dança como formas de distração; o nascimento de sentimentos como a vaidade, a inveja, a vergonha e a vingança; a invenção da metalurgia e da agricultura.

Aos poucos, os mais fortes e habilidosos começaram a se destacar, aprofundando a desigualdade. Assim, o homem, que antes era livre, passou a ser escravo de seus semelhantes e a ambição devoradora que se apossou dos homens passou a inspirar em todos eles uma tendência a “se prejudicarem mutua-mente, uma inveja secreta tão mais perigosa que, para dar seu golpe com mais segurança, toma muitas vezes a máscara da benevolência”.3

Desse modo, conclui Rousseau, rompeu-se a igualdade do estado de natureza e instauraram-se “as mais terríveis desordens”:

“[...] as usurpações dos ricos, os assaltos dos pobres, as paixões desenfreadas de todos, sufocando a piedade natural e a voz ainda mais fraca da justiça, tornaram os homens avarentos, ambiciosos e maus [...]. A sociedade nascente foi palco do mais horrível estado de guerra: o gênero humano, aviltado e desolado, não podendo mais voltar atrás, nem renunciar às infelizes aquisições já feitas, e trabalhando apenas para a sua vergonha pelo abuso das faculdades que o honram, se colocou ele mesmo na véspera de sua ruína.”4

Esses são, pois, segundo Rousseau, os primeiros efeitos nocivos da instituição da propriedade. Instaurada a desigualdade e o “estado de guerra” entre os homens, os ricos precisavam criar meca-

nismos para legitimar e perpetuar sua condição. Sabiam muito bem, diz Rousseau, que suas usurpa-ções apoiavam-se em um “direito precário e abusivo” e que, tendo adquirido suas posses pelo uso da força, não poderiam reclamar caso essas lhes fossem tomadas da mesma maneira5.

“Bem podiam dizer: ‘Fui eu quem construiu este muro; ganhei este terreno com o meu trabalho’. ‘E quem vos deu o acordo?’, poder-se-ia responder-lhe, ‘e em virtude de que pretendeis ser pagos à nossa custa por um trabalho que não vos impusemos? Ignorais que uma multidão de vossos irmãos perece ou sofre da necessidade daquilo que possuis demais, e que vos seria necessário um consentimento expresso e unânime do gênero humano para vos apropriardes de tudo que da subsistência comum vai além da vossa?’”6 Assim, munido pela necessidade, o rico concebeu uma forma de transformar em aliados seus adversários, inspirando-lhes máximas e criando instituições que servissem a seus propósitos.

“‘Unamo-nos’, lhes disse, ‘para libertar os fracos da opressão, deter os ambiciosos e garantir a cada um a posse do que lhe pertence: instituamos regulamentos de justiça e de paz, aos quais todos sejam obrigados a se conformar, que não deem preferência a ninguém e que de certo modo reparem os caprichos da fortuna, submetendo igualmente o poderoso e o fraco a deveres mútuos. Em poucas palavras, em vez de voltarmos nossas forças contra nós mesmos, reunamo-las em um poder supremo que nos governe segundo leis sábias, que proteja e defenda todos os membros da associação, expulse os inimigos comuns e nos mantenha em uma eterna concórdia.’”7 Desse modo, “todos correram para as suas correntes de ferro, acreditando assegurar a própria liberdade”.8 E complementa Rousseau:

“Tal foi ou deve ter sido a origem da sociedade e das leis, que deram novos entraves ao fraco e novas forças ao rico, destruíram irremediavelmente a liberdade natural, fixaram para sempre a lei da propriedade e da desigualdade e de uma ardilosa usurpação fizeram um direito irrevogável e, para proveito de alguns ambiciosos, sujeitaram para o futuro todo o gênero humano ao trabalho, à servidão e à miséria.”9

Em suma, pode-se concluir que, para Rousseau, a desigualdade, insignificante no estado de nature-za, institui-se por obra do próprio homem, pelo desenvolvimento de nossas faculdades e pelo progresso de nosso espírito, consolidando-se finalmente pelo estabelecimento da propriedade e das leis.

3 Ibidem.4 Ibidem.5 Ibidem.6 Ibidem.7 Ibidem.8 Ibidem.9 Ibidem.

Elaborado especialmente para o São Paulo faz escola.

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Filosofia – 3a série – Volume 1

A seguir abordaremos o contrato social como caminho proposto por Rousseau para a superação da desigualdade e da injustiça, e para a recuperação da igualdade perdida do estado de natureza.

Como atividade de motivação ini-cial, proposta também no Caderno do Aluno, na seção Leitura e análi-

se de texto, sugerimos que você solicite aos alunos que, em grupos, leiam, analisem e com-parem dois excertos, reproduzidos a seguir: um deles extraído do artigo 5o da Constitui-ção Brasileira, que fixa, entre outros, o princí-pio da igualdade de todos perante a lei e o do direito à propriedade, e outro retirado do do-cumento Retrato das desigualdades de gênero e raça, de autoria de Márcio Pochmann. Para nortear essa comparação, propomos a seguin-te questão: A igualdade formal (perante a lei) é suficiente para garantir a igualdade e a justiça na sociedade?

Com isso, procuramos antecipar a atitu-de crítica e problematizadora com relação ao princípio liberal da igualdade formal que, esperamos, seja adquirida ao término desta Situação de Aprendizagem.

Depois, solicite aos alunos que leiam o texto a seguir, contido também no Caderno do Aluno.

“O Brasil é um país marcado por desi-gualdades: sociais, econômicas, regionais, etárias, educacionais. Transversalmente a es-tas, permeando e potencializando os seus me-canismos de exclusão, estão as desigualdades de gênero e de raça. A pregnância do legado cultural escravocrata e patriarcal é, ainda, de tal forma profunda que, persistentemente, homens e mulheres, brancos e negros con-tinuam a ser tratados desigualmente. Um e outro grupo têm oportunidades desiguais e acesso assimétrico aos serviços públicos, aos postos de trabalho, às instâncias de poder e decisão e às riquezas de nosso país.

Apesar da igualdade formal, presente na letra da lei e de importância inquestionável, é na vivência cotidiana que a ideologia que reforça iniquidades de gênero e raça é mais explicitamente percebida. Imiscuindo-se in-sidiosamente nas relações sociais, produz discrepâncias que redundam em exclusões. Nos bancos escolares, no interior das empre-sas, nas cidades, nas famílias, no campo, no interior dos lares, nos hospitais, nas favelas e em cada parte da nossa sociedade, negros são discriminados por sua cor/raça e mulhe-res, por seu sexo.

[...] Somente quando a igualdade formal se traduzir em igualdade real poderemos nos orgulhar da consolidação da nossa de-mocracia.”

POCHMANN, Márcio. Apresentação. In: PINHEIRO, Luana et al. Retrato das desigualdades de gênero e raça.

3. ed. Brasília: Ipea: SPM: Unifem, 2008. p. II. Disponível em: <http://www.ipea.gov.br/retrato/pdf/

terceiraedicao.pdf>. Acesso em: 19 jul. 2013.

“[...] Art. 5o Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, ga-rantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direi-to à vida, à liberdade, à igualdade, à segu-rança e à propriedade, nos termos seguintes:

I – homens e mulheres são iguais em di-reitos e obrigações, nos termos desta Cons-tituição; [...]

XXIII – a propriedade atenderá a sua função social. [...]”

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/

ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 19 jul. 2013.

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O contrato social e a igualdade formal

Apesar de sua crítica mordaz aos rumos tomados pela civilização, Rousseau não propõe o retorno da humanidade ao estado de natureza, o que, de resto, seria impossível. Uma vez instituída a sociedade civil, não há mais caminho de volta. Trata-se, agora, de encontrar uma forma de assegurar que a vida em sociedade esteja em conformidade com a justiça e a liberdade. Cabe, segundo o autor, na obra Do contrato social:

“Encontrar uma forma de associação que defenda e proteja de toda a força comum a pessoa e os bens de cada associado, e pela qual cada um, unindo-se a todos, obedeça apenas a si mesmo e permaneça tão livre quanto antes.”1

Como isso seria possível? Como conciliar obediência e liberdade? A resposta estaria no contrato social, isto é, na livre associação dos indivíduos que deliberadamente decidem constituir certo tipo de sociedade e a ela obedecer. As cláusulas desse contrato se reduziriam a uma só: “a alienação total de cada associado, com todos os seus direitos, em favor de toda a comunidade; porque, primeiramente, cada qual se entregando por completo, a condição é igual para todos, e, a condição sendo igual para todos, não interessa a ninguém torná-la onerosa aos outros” 2.

Alienar significa transferir para outrem o domínio ou a propriedade de alguma coisa, renunciar. No caso em questão, trata-se de renunciar parcialmente a si mesmo (parte de seu poder, de sua vontade, de sua liberdade) em benefício da coletividade. Como, porém, essa alienação é total, isto é, praticada por todos, cada cidadão não obedecerá a interesses particulares de determinado grupo, mas à vontade geral, que é sempre dirigida para o bem comum. Assim, a ameaça da opressão, da injustiça e da desigualdade fica afastada.

“Enfim, cada um, dando-se a todos, não se dá a ninguém, e, como não existe um associado sobre quem não se adquira o mesmo direito que lhe foi cedido, ganha-se o equivalente de tudo o que se perde e mais força para conservar o que se tem.”3 Como a vontade individual de cada cidadão participa da vontade geral, visto que a alienação foi aceita por todos com liberdade, a submissão à vontade geral conduz à liberdade: cada cidadão obedece às leis que prescreveu para si mesmo.

Na realidade, Rousseau distingue “liberdade natural, que tem por limites apenas as forças do indivíduo, da liberdade civil, que é limitada pela vontade geral”4. Com o contrato, o homem perde a primeira, mas ga-nha a segunda. E para Rousseau, essa liberdade moral adquirida com o estado civil é “a única que torna o homem verdadeiramente senhor de si, pois o impulso apenas do apetite é escravidão, e a obediência à lei a que se está prescrito é liberdade” 5. Nesse contexto, as leis ganham novo significado: sendo resultado da von-tade geral, a obediência a elas deixa de ser um mecanismo de submissão aos ricos para se tornar expressão da liberdade e da soberania do povo.

Assim, de algum modo, o contrato social compensa, com vantagem, a perda da igualdade que reinava no estado de natureza. Ele “substitui por uma igualdade moral e legítima o que a natureza pode ter criado de desigualdade física entre os homens; podendo ser desiguais em força ou em gênio, eles se tornam todos iguais por convenção e direito”.6 Trata-se, porém, como o próprio Rousseau reconhece, de uma igualdade formal, de direito, capaz de conviver perfeitamente com a desigualdade material, de fato.

1 ROUSSEAU, Jean-Jacques. Do contrato social. Disponível em: <http://gallica.bnf.fr/ark:/12148/bpt6k5564953b>. Acesso em: 15 out. 2013. Tradução Célia Gambini.2 Ibidem.3 Ibidem.4 Ibidem.5 Ibidem.6 Ibidem.

Elaborado especialmente para o São Paulo faz escola.

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Filosofia – 3a série – Volume 1

Como vemos, o próprio Rousseau colo-cou-se um problema: Como conciliar a obe-diência a uma associação, a um contrato, às leis, com a liberdade dos indivíduos? A res-posta, para ele, está na alienação total e na submissão de todos à vontade geral. Como todos participam dessa vontade geral, a obe-diência a ela significa, em última instância, obediência a si mesmo, de modo que a liber-dade ficaria preservada.

Parece-nos particularmente interessante ex-plorar com os alunos os conceitos de liberdade natural (fazer tudo o que se quer) e liberdade civil ou moral, limitada pela vontade geral. Isso por-que, para Rousseau, ao contrário do que muitos pensam, principalmente, talvez, os adolescen-tes, essa liberdade moral é, no estado atual da humanidade, a única capaz de tornar o homem verdadeiramente senhor de si mesmo. Afinal, quem busca fazer tudo o que deseja torna-se es-cravo dos próprios apetites, ao passo que aquele que se submete à lei que ele também ajudou a instituir exerce a liberdade.

Desse modo, por meio das leis entendidas como fruto da vontade geral, Rousseau solu-ciona o problema da desigualdade, instituindo uma igualdade formal, jurídica (perante a lei), em substituição à desigualdade perdida do es-tado de natureza.

Novamente, a fim de reforçar e ampliar a compreensão do texto, são propostas algumas questões a ser respondidas no Caderno do Aluno. São elas:

1. Em que consiste o “contrato social”, tal como o concebe Rousseau?

2. O que o autor entende por “alienação to-tal”?

3. Como Rousseau distingue “liberdade natu-ral” de “liberdade civil” ou “moral”?

4. Por que para Rousseau a obediência à lei não fere a liberdade dos cidadãos?

Para concluir esta Situação de Aprendizagem, propomos a ativida-de sugerida no Caderno do Aluno na seção Aprendendo a aprender, de as-

sistir ao curta-metragem Pro dia nascer feliz (direção de João Jardim, 2006), que aborda justamente o problema da desigualdade so-cial, mostrando a situação de adolescentes de seis escolas de diferentes regiões do país. Há outros inúmeros filmes que também se presta-riam a esse fim, como Central do Brasil, Cida-de de Deus, Tropa de elite. Fica a seu critério selecionar o que considera mais apropriado. Em seguida, coordene um debate com toda a sala sobre um tema pertinente ao filme e ao conteúdo estudado. Uma sugestão de questão é: O que a educação pode fazer a esse respeito?

Avaliação da Situação de Aprendizagem

É você quem tem as melhores condições de saber quando e como avaliar os alunos. De todo modo, apresentamos a seguir algumas sugestões.

1. A última atividade da aula anterior pode ser usada como instrumento de avaliação: Por que existem pobres e ricos? É impor-tante incorporar elementos do conteúdo estudado. Ao final, peça aos alunos que comparem as duas dissertações e verifi-quem se houve mudanças significativas na maneira de conceber o problema da desi-gualdade social.

2. Elabore uma dissertação sobre o tema: “A desigualdade em Platão e Rousseau”. Espera-se que os alunos sejam capazes de caracterizar o pen-

samento dos dois autores sobre a questão da desigualdade,

estabelecendo também as diferenças entre eles e se posicio-

nando em relação a ambos.

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Propostas de situação de recuperação

Caso alguns alunos não obtenham o rendi-mento esperado nesta Situação de Aprendiza-gem, propomos, como atividade de recupera-ção, as seguintes alternativas:

Proposta 1

Faça uma dissertação sobre o tema: “A con-cepção de Rousseau acerca da desigualdade”.

Exponha claramente, com suas palavras, as ideias do autor e, ao final, posicione-se em relação a elas.

Proposta 2

Confronte com a tese de Rousseau sobre o contrato social a seguinte afirmação de Márcio Pochmann, extraída do texto presente nesta Si-tuação de Aprendizagem: “Somente quando a igualdade formal se traduzir em igualdade real poderemos nos orgulhar da consolidação da nossa democracia”.

Livros

ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filoso-fia. 6. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2007. A tradução da primeira edição brasileira, de 1998, foi coordenada e revista por Alfredo Bosi, e a tradução de textos novos, acrescidos na edi-ção de 2000, foi realizada por Ivone Benedetti. Apresenta verbetes e capítulos relacionados aos temas da Situação de Aprendizagem 2.

_____. História da Filosofia. 7. ed. Vol. I. Lis-boa: Editorial Presença, 2006. Trata-se de uma coleção que merece ser analisada por profes-sores de Filosofia. O primeiro volume traz a Filosofia Antiga com capítulos sobre Platão e Aristóteles.

ALSTON, William P. Filosofia da linguagem. Rio de Janeiro: Zahar, 1972. Neste livro, o autor desenvolve as relações entre Filosofia e linguagem apresentando aspectos de interesse para o entrelaçamento das duas áreas. A me-tafísica, a lógica, a epistemologia são para ele campos que exigem reflexão sobre linguagem. É um livro que contribui para o aprofundamen-to da compreensão sobre o discurso filosófico e sobre a relação entre pensamento e linguagem.

ARISTÓFANES. As nuvens; Só para mulheres; Um deus chamado dinheiro. Tradução Mário da Gama Kury. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2000. A obra traz as três comédias indicadas no tí-tulo, antecedidas por uma introdução escrita pelo tradutor, na qual este apresenta sucinta-mente o enredo desses textos.

ARISTÓTELES. De Anima. Tradução, apre-sentação e notas Maria Cecília Gomes dos Reis. São Paulo: Editora 34, 2006. Livro fun-damental para o estudo de Aristóteles, com tradução diretamente do grego e apresentação elaboradas durante alguns anos de estudo so-bre o autor. É a primeira versão integral tradu-zida no Brasil.

_____. A política. Tradução Nestor Silveira Chaves. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2011. A passagem referente à anedota sobre Tales encontra-se no capítulo II do Livro I, dedicado à propriedade e aos meios de adquiri-la.

CHAUI, Marilena. Introdução à História da Filosofia: dos pré-socráticos a Aristóteles. Vol. 1. 2. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2003. Além de ser um livro excelente para es-tudo da Filosofia Antiga Clássica, sugere-se a leitura do capítulo 1 sobre o nascimento da

RECURSOS PARA AMPLIAR A PERSPECTIVA DO PROFESSOR E DO ALUNO PARA A COMPREENSÃO DOS TEMAS

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Filosofia – 3a série – Volume 1

Filosofia. Recomendamos também a leitura do capítulo 4, intitulado “Platão e o nascimento da razão ocidental”, e dos capítulos 2 e 3, inti-tulados, respectivamente, “Os pré-socráticos e os sofistas” e “Sócrates: o humano como tema e problema.”

_____. Convite à Filosofia. 13. ed. São Paulo: Ática, 2010. A introdução e os capítulos ini-ciais trazem uma interessante discussão sobre o que é a Filosofia e a questão da sua utilidade versus inutilidade.

ELIADE, Mircea. O sagrado e o profano: a essência das religiões. Tradução Rogério Fer-nandes. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2010. (Biblioteca do Pensamento Moderno). Livro fundamental para o estudo de ritos de inicia-ção em diversas culturas. Permite aprofundar a compreensão sobre a diferença e a aproxima-ção entre discurso mitológico e discurso filo-sófico.

DESCARTES, René. Obra escolhida. Introdu-ção Gilles-Gaston Granger e notas de Gerard Lebrun. São Paulo: Difel, 1973. Além do essen-cial registro do pensamento de Descartes em tex-tos que são referência para a Filosofia ocidental, este livro merece ser analisado também pelas notas de Gerard Lebrun. Sua leitura permite aproximação rigorosa da visão cartesiana sobre o conhecimento e sobre a natureza humana.

GRAMSCI, Antonio. Cadernos 10 e 11 (1932-1933). Introdução aos estudos da Filosofia. In: Cadernos do cárcere. Vol. 1. Edição Carlos Nel-son Coutinho com Marco Aurélio Nogueira e Luiz Sérgio Henriques. Rio de Janeiro: Civili-zação Brasileira, 2001. Indicamos, sobretudo, a primeira parte, intitulada, nesta edição, de “In-trodução ao estudo da Filosofia e do materia-lismo histórico”, na qual se encontram os tre-chos citados na Situação de Aprendizagem 2.

HAMILTON, Edith. A mitologia. Lisboa: Pu-blicações Dom Quixote, 1983. Este livro traz

as narrativas mais conhecidas no Ocidente do conjunto da mitologia grega, com informações sobre traduções e contextos das divulgações das narrativas. Apresenta ainda um capítulo sobre mitologia nórdica.

HUISMAN, Denis. Dicionário dos filósofos. Tradução Claudia Berliner et al. São Paulo: Martins Fontes, 2004. Contém informações sobre diversos filósofos, inclusive os estudados nas últimas Situações de Aprendizagem.

JAEGER, Werner. Paideia: a formação do ho-mem grego. 5. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2010. (Paideia). Referência para estudos da Fi-losofia Grega Antiga e para o aprofundamento da origem da Filosofia.

PASCAL, Blaise. Parte dois. Pensamentos. Tra-dução Mario Laranjeira. São Paulo: Martins Fontes, 2005. Os pensamentos de Pascal são fundamentais para a reflexão sobre a natureza humana, pois o autor argumenta com maes-tria a respeito dos limites e potencialidades do ser humano. Com sua ajuda, é possível pensar temas como a grandeza e a pequenez humana diante da natureza.

PISSARRA, Maria Constança Peres. Rousseau: a política como exercício pedagógico. 2. ed. São Paulo: Moderna, 2006. (Logos). Trata-se de obra paradidática com enfoque predomi-nantemente pedagógico, com boa contextuali-zação histórica do autor e de seu pensamento e, ao final, reunindo vários excertos que podem ser úteis ao preparo das aulas ou para a am-pliação do conhecimento sobre ele.

PLATÃO. Apologia de Sócrates. Diálogos socrá-ticos III. Tradução Edson Bini. São Paulo; Bau-ru: Edipro, 2008. Esta obra é fundamental para a discussão sobre o preconceito contra Sócrates e a intolerância para com ele. Você pode, ain-da, extrair dela outras passagens que considerar adequadas para aprofundar a discussão ou mes-mo estimular os alunos a lê-la por completo.

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_____. Diálogos. Teetet/Crátilo. Tradução Car-los Alberto Nunes. Belém: Editora Universitá-ria UFPA, 2001. Na sequência à passagem re-ferente à anedota sobre Tales (p. 83 ss 174a-b), encontra-se também nesta obra uma discussão sobre o preconceito em relação aos filósofos, cujo conhecimento e/ou utilização pode enri-quecer o trabalho em sala de aula.

_____. Fedro ou Do belo. Tradução, apresen-tação e notas Edson Bini. São Paulo: Edipro, 2012.

_____. A República. São Paulo: Martins Fon-tes, 2006. Nesta obra, Platão desenvolve os te-mas aqui apresentados, dos quais foram extraí-dos os excertos que reproduzimos.

ROUSSEAU, Jean-Jacques. Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens. Tradução Lourdes Santos Macha-do. São Paulo: Nova Cultural, 1983. (Os Pen-sadores).Traz o texto na íntegra, incluindo a advertência sobre as notas, a dedicatória À Re-pública de Genebra e as próprias notas do au-tor. Esta edição inclui, ainda, uma introdução ao texto do Discurso e outra às notas, ambas de Paul Arbousse-Bastide. Outra edição desta obra pode ser encontrada em: <http:// www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/DetalheObra Form.do?select_action=&co_obra=2284>. Acesso em: 18 nov. 2013.

_____. Do contrato social. Tradução Lourdes Santos Machado. São Paulo: Nova Cultural, 1983. (Os Pensadores). Este texto foi menos utilizado que o anterior, mas a sua retomada é importante para a compreensão da solução dada por Rousseau ao problema da desigualdade e às questões por ele mesmo levantadas, como a de como conciliar obediência à lei com liberdade individual. Outra edição desta obra pode ser encontrada em: <http:// www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/ DetalheObraForm.do? select_ action=&co_obra=2244>. Acesso em: 18 nov. 2013.

SAVIANI, D. A Filosofia na formação do educador. In: _____. Educação: do senso comum à consciência filosófica. Campinas: Autores Associados, 2007. <http://www.autoresassociados.com.br>. É neste texto que o autor desenvolve a concepção de Filosofia aqui apresentada. Sua leitura pode ajudar o aprofundamento da Situação de Aprendizagem 2.

WITTGENSTEIN, Ludwig. Investigações filo-sóficas. 6. ed. Tradução Marcos G. Montagnoli. 6. ed. Petrópolis: Vozes, 2009. (Pensamento Humano). Neste livro, além da possibilidade de compreender o papel da Filosofia em rela-ção à linguagem, à palavra, o autor desenvolve argumentação em torno da ideia de que a lin-guagem é um jogo por meio do qual se aprende a usar palavras. Para o autor, não aprende-mos uma palavra, mas aprendemos um jogo de linguagem, construindo compreensões sobre articulações entre palavras e sobre sig-nificados.

WOLFF, Francis. Aristóteles e a política. Tra-dução Thereza Christina Ferreira Stummer e Lygia Araújo Watanabe. 2. ed. São Paulo: Discurso Editorial, 2001. (Clássicos & Co-mentadores).

Sites

DOMÍNIO Público. Disponível em: <http://www.dominiopublico.gov.br>. Acesso em: 19 jul. 2013. Neste site, são encontrados textos filosóficos na íntegra, podendo ser buscados por autor ou pelo nome da obra.

FUNDO de Desenvolvimento das Nações Unidas para a Mulher (Unifem). Disponível em: <http://www.unifem.org.br>. Acesso em: 19 jul. 2013.

INSTITUTO de Pesquisa Econômica Aplica-da (Ipea). Disponível em: <http://www.ipea.gov.br/portal/>. Acesso em: 19 jul. 2013.

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Filosofia – 3a série – Volume 1

IPEA. Retrato das desigualdades de gênero e raça. Disponível em: <http://www.ipea.gov.br/retrato/pdf/terceiraedicao.pdf>. Acesso em: 19 jul. 2013. Trata-se de um documento sintético e rico em dados que auxiliam significativamente a visualização da desigualdade no Brasil, so-bretudo no que se refere a gênero e etnia.

JANGADA Brasil. Disponível em: <http:// www.jangadabrasil.org/>. Acesso em: 19 jul. 2013. Site para pesquisas de mitos brasileiros.

SECRETARIA de Políticas para as Mulheres (SPM). Disponível em: <http://www.spm.gov.br/>. Acesso em: 19 jul. 2013.

UOL Educação. Disponível em: <http://educa cao.uol.com.br/filosofia/index-f.jhtm>. Acesso em: 19 jul. 2013. O site apresenta três textos de Filosofia da linguagem, com contribuição de Josué Cândido da Silva sobre Wittgenstein.

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QUADRO DE CONTEÚDOS DO ENSINO MÉDIO

1a série 2a série 3a série

Vol

ume

1

Descobrindo a Filosofia

– Por que estudar Filosofia?

– As áreas da Filosofia.

– A Filosofia e outras formas de conhecimento: Mito, Religião, Arte, Ciência.

Ética e o utilitarismo ético

– Introdução à ética.

– O eu racional.

– Autonomia e liberdade.

– Introdução à Teoria do Indivíduo: John Locke, Jeremy Bentham e Stuart Mill.

– Tornar-se indivíduo: Paul Ricoeur e Michel Foucault.

– Condutas massificadas.

– Alienação moral.

Para que Filosofia?

– O que é Filosofia?

– Superação de preconceitos em relação à Filosofia e definição e importância para a cidadania.

– O homem como ser de natureza e de linguagem.

– Características do discurso filosófico.

– Comparação com o discurso religioso.

– O homem como ser político.

– A desigualdade entre os homens como desafio da política.

Vol

ume

2

Filosofia Política

– Introdução à Filosofia Política.

– Teoria do Estado: Socialismo, Anarquismo e Liberalismo.

– Democracia e cidadania: origens, conceitos e dilemas.

– Desigualdade social e ideologia.

– Democracia e justiça social.

– Os Direitos Humanos.

– Participação política.

Filosofia Política e Ética

– Filosofia Política e Ética: humilhação, velhice e racismo.

– Homens e mulheres.

– Filosofia e educação.

– Desafios éticos contemporâneos: a Ciência e a condição humana.

– Introdução à Bioética.

O discurso filosófico

– Características do discurso filosófico.

– Comparação com o discurso científico.

– Três concepções de liberdade: Liberalismo, Determinismo e Dialética.

– Comparação com o discurso da literatura.

– Valores contemporâneos que cercam o tema da felicidade e das dimensões pessoais da felicidade.

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Filosofia – 3a série – Volume 1

SITUAÇÃO DE APRENDIZAGEM 1O preconceito em relação à FilosofiaExercícios (CA, p. 5-6)1. Resposta pessoal. A resposta pode revelar as imagens que o

aluno tem das profissões.

2. Resposta pessoal. A resposta pode revelar critérios pouco ob-

jetivos, uma opinião baseada no senso comum.

3. Resposta pessoal. Caso os alunos demonstrem dificuldade,

é importante que o professor insista para que eles se po-

sicionem a fim de ter elementos para discutir os critérios

utilizados.

4. Resposta pessoal. A resposta pode revelar a perspectiva de jul-

gar pelas aparências e, nesse caso, é importante ajudar os alu-

nos a perceber que, muitas vezes, julgamos pelas aparências

sem ter efetivamente conhecimento do tema em pauta e que

essa postura é combatida pela Filosofia.

Lição de casa (CA, p. 7-8)1. Algumas respostas que podem aparecer:

interessante etc.;

-

va; monótona; complicada etc.

cada um. Cada pessoa tem a sua filosofia;

muito inteligentes;

4. Resposta pessoal. O objetivo é apresentar a ideia que se

tem da atividade profissional de um filósofo. Você pode,

depois, esclarecer quais os campos em que a pessoa

formada em Filosofia pode atuar, como a educação, a

pesquisa acadêmica, o jornalismo etc. A segunda par-

te da pergunta visa introduzir o tema da reflexão como

ingrediente necessário para filosofar. Para filosofar, por-

tanto, a pessoa precisa refletir (o tipo de reflexão que

caracteriza a Filosofia será abordado mais adiante). E

isso é algo que todas as pessoas podem fazer.

2. A síntese deverá trazer aspectos relevantes dos relatos ou da

discussão, caso ela ocorra.

Pesquisa individual (CA, p.11-13)a) É provável que muitos respondam que a denominação de

pré-socráticos se deva ao fato de estes filósofos terem vivido

antes de Sócrates. Contudo, alguns pré-socráticos são con-

temporâneos de Sócrates. Com Sócrates e os sofistas inau-

gurou-se uma nova temática na Filosofia: o homem, a ética

e a política, que não havia sido objeto da preocupação dos

pré-socráticos.

b) Porque, segundo Aristóteles, ele foi o primeiro a dar uma res-

posta racional, isto é, usou uma demonstração lógica e sem

recorrer aos mitos para a pergunta que mais incomodava os

pensadores de seu tempo: “Qual era o elemento primordial

que dava origem a todas as coisas?”. A resposta por ele en-

contrada foi a água. Alguns dos argumentos racionais empre-

gados por Tales podem ser encontrados no texto “Tales de

Mileto: o distraído”, apresentado no Caderno do Aluno.

c) O objetivo desta pergunta é estimular a ampliação do estudo

sobre os pré-socráticos, o que pode ser feito com mais tempo

e profundidade, dependendo dos objetivos do professor e do

interesse da sala. As indicações a seguir são demasiadamente

simplificadas, servindo apenas para ilustrar o caráter racional

das respostas encontradas por alguns dos pré-socráticos para

a pergunta sobre o elemento primordial e sobre a questão do

movimento versus estabilidade. Carecem, portanto, de estu-

dos complementares e aprofundamento. Respostas de outros

pré-socráticos: Anaximandro de Mileto (século VI a.C., Tur-

quia): o ápeiron; Anaxímenes de Mileto (século VI a.C., Tur-

quia): o “ar”; Pitágoras de Samos (século VI a.C., Grécia): o

número; Zenon de Eleia (século V a.C., Itália): o ser é uno e

imóvel; Xenófanes de Cólofon (séculos VI e V a.C., Turquia):

criticou o antropomorfismo da religião grega e introduziu

uma concepção de deus supremo – o Uno é Deus; Parmê-nides de Eleia (séculos VI e V a.C., Itália): o ser é uno, eterno,

imóvel; nega o movimento e a mudança; distingue verdade

(alétheia) e opinião (doxa); Heráclito de Éfeso (séculos VI e

V a.C., Turquia): tudo é movimento e transformação; o ser é

devir; a ele se atribui a afirmação: “Não podemos nos banhar

duas vezes no mesmo rio, porque tanto suas águas quanto nós

nunca somos os mesmos”; Empédocles de Agrigento (século

V a.C., Sicília): tentou sintetizar Parmênides e Heráclito, afir-

mando a existência de quatro raízes ou elementos primordiais:

fogo, terra, água e ar, que se combinariam diferentemente

GABARITO

Page 91: Spfe prof 2014_vol1_filosofia_em_3_s

90

pela ação de duas forças opostas: amor e ódio; Demócrito de

Abdera (séculos V e IV a.C., Grécia): a realidade é composta de

átomos imutáveis de cuja combinação surgem o mundo e os

diversos seres e corpos; Anaxágoras de Clazómenes (séculos

IV-III a.C., Turquia): a causa de tudo é o nóus.

d) O quadro deve ser preenchido com informações presentes

na resposta anterior. O objetivo é organizar o registro dessas

informações em um quadro, para facilitar a localização do fi-

lósofo e suas ideias.

Leitura e análise de texto (CA, p. 14-16)1. Resposta pessoal. Podem ser uma forma de propagação de

preconceitos, mas também veículos de crítica aos costumes,

às leis, às instituições etc.

2. São importantes, porque constituem canais de expressão

do pensamento e da opinião e requerem um ambiente de

liberdade. Nesse sentido, contribuem para o fortalecimento

da democracia, apesar de isso depender do uso social que se

faça dessas expressões. São importantes porque ampliam for-

mas de pensamento e de expressão.

3. Muitos desses programas, a exemplo das comédias, valem-se

do humor para criticar os costumes e as instituições atuais. Por

exemplo: Casseta & Planeta, Pânico, CQC etc. Muitas vezes a

crítica vai além dos costumes e das instituições e acaba ex-

pondo pessoas ao ridículo pelos mais diferentes motivos.

Pesquisa individual (CA, p. 17-18)1. A comédia foi uma forma de representação teatral que, ao

lado da tragédia, teve grande desenvolvimento no Período

Clássico da Grécia Antiga. Nela eram criticados e ridiculariza-

dos os costumes, as instituições, os políticos e até os filósofos,

como aconteceu com Sócrates na obra As nuvens, de Aristó-

fanes. Ao contrário da tragédia, que usa a linguagem lírica e

bem elaborada, em geral na comédia a linguagem é insolen-

te, abusada e, por vezes, rude. Alguns dos principais comedió-

grafos e algumas de suas obras:

Aristófanes: As nuvens; As vespas; A paz; Os pássaros; A greve

do sexo (ou Lisístrata); Só para mulheres (ou Tesmoforiazu-

sas); As rãs; Um deus chamado dinheiro. Cratino: A garrafa.

Êupolis: Os aduladores.

2. Em um certo sentido, sim, porque é uma imagem que em gran-

de parte não corresponde à realidade de Sócrates e de sua filoso-

fia. No entanto, essa imagem revela, também, a opinião corrente

dos atenienses sobre os filósofos em geral, opinião esta funda-

mentada em um conhecimento muito superficial da atividade

por eles desenvolvida e, portanto, igualmente preconceituosa.

3. Era uma democracia direta e escravista, na qual os cidadãos

podiam participar diretamente das decisões políticas, compa-

recendo e fazendo uso da palavra nas assembleias. Eram con-

siderados cidadãos, porém, apenas os homens adultos, livres e

nascidos em Atenas, o que correspondia a aproximadamente

10% da população. Mulheres, escravos, estrangeiros e crianças

não tinham direito à cidadania. No Brasil, temos uma demo-

cracia representativa, em que os cidadãos elegem represen-

tantes (vereadores, deputados estaduais e federais e senado-

res) para que estes tomem as decisões políticas em seu nome.

Em compensação, todos os brasileiros, sem distinção de sexo,

etnia ou classe social, são considerados cidadãos, pelo menos

perante a lei.

4. A resposta encontra-se no quadro que consta na Situação de

Aprendizagem 1.

Leitura e análise de texto (CA, p. 20)O objetivo é estimular a continuidade do estudo sobre Só-

crates, agora abordando o “Tudo o que sei, é que nada sei”.

A resposta é: “sabendo que nada se sabe”. Como os demais,

embora nada saibam, pensam saber alguma coisa, a pessoa

que sabe que não sabe é pelo menos nesse aspecto mais sábia

que as outras.

Leitura e análise de texto (CA, p. 19-21)A redação deverá apresentar elementos que mostrem que há

mais de uma expectativa acerca da Filosofia e que a sua presença

no Ensino Médio se deve ao entendimento de que a experiência

filosófica é importante para um ensino integral e que, além disso,

ela tem a perspectiva de fortalecer a experiência democrática.

SITUAÇÃO DE APRENDIZAGEM 2Filosofia como atividade reflexiva e sua importância para o exercício da cidadania Exercício (CA, p. 23)a) Resposta pessoal. O importante neste exercício é fazer uma me-

diação capaz de levar os alunos a investigar suas memórias, suas

representações, seus saberes prévios sobre os termos destacados.

b) Resposta pessoal. Trata-se de uma pergunta retórica, cuja respos-

ta é afirmativa e será aprofundada com as atividades seguintes.

c) Resposta pessoal. Por exemplo: Aquele governo é autoritário;

As medidas adotadas não trouxeram mudanças substanciais;

O homem é um animal político; É necessário haver mais ética

na política; A verdade é sempre preferível à mentira; O Estado

existe para garantir o bem comum; A função da ideologia é

manter o povo na alienação etc.

Page 92: Spfe prof 2014_vol1_filosofia_em_3_s

91

Filosofia – 3a série – Volume 1

Leitura e análise de texto (CA, p. 24-27)1. Resposta pessoal. Podem aparecer, por exemplo, respostas

que se atenham ao sentido literal dos ditados, ou que avan-

cem para uma tentativa de interpretação, procurando identi-

ficar o significado subjacente a eles. Nesse caso, é possível que

surjam ideias como as de conformismo, comodismo, ameaça,

intimidação, autoritarismo etc. É importante que os alunos

percebam que, em geral, os ditados são empregados esponta-

neamente, no senso comum, sem que as pessoas parem para

pensar sobre seu significado mais profundo, o que exigiria o

exercício do senso crítico, ou do bom senso.

2.

a) A inversão procura indicar um possível significado oculto dos

ditados ou um caráter ideológico.

b) Foi necessário a ele refletir criticamente sobre os ditados. Em

um certo sentido, foi preciso filosofar.

Pesquisa individual (CA, 27) A orientação para esta pesquisa deve incluir:

a) leitura atenta do poema, com destaque dos versos que reve-

lam pensamentos do operário sobre sua condição;

b) nestes pensamentos, identificar senso comum, ou seja, cons-

tatações sobre sua experiência;

c) identificação de expressões de bom senso que sugerem ques-

tionamento sobre a exploração vivenciada por ele.

Exercícios (CA, p. 28)1. Resposta pessoal. O objetivo é fazer um paralelo com a ideia

que será desenvolvida adiante, de que todos os homens são

“filósofos”. Espera-se que o aluno perceba que, assim como

qualquer pessoa com certo grau de conhecimento sobre o

assunto é capaz de analisar uma partida de futebol (no nível

do senso comum ou do bom senso), qualquer pessoa pode,

de algum modo, filosofar, ainda que não seja filósofo profis-

sional ou especialista.

2. Significa que o autor pretendeu dar a ela um significado par-

ticular, distinto daquele associado à palavra sem as aspas.

Leitura e análise de texto (CA, p. 28-30)a) O “filósofo”, não especialista, é aquele que pratica a Filosofia

no nível do senso comum, pois ela está presente na lingua-

gem, na religião, nas crenças, no modo de pensar e agir, en-

fim, no cotidiano das pessoas.

O filósofo especialista:

regras da lógica e os procedimentos metodológicos que utiliza;

-

losofia;

contribuição dos filósofos do passado que já se debruçaram

sobre eles.

b) Combater e destruir o preconceito de que a Filosofia é uma

atividade muito difícil e restrita a uma minoria privilegiada.

c) Porque contribui para manter as pessoas em geral afastadas

do contato com a Filosofia e com o exercício de filosofar. As-

sim, essas pessoas deixariam de ter acesso a um conjunto de

instrumentos culturais (conceitos, teorias, métodos de pensar)

que lhes seriam da maior importância para a compreensão

crítica e a transformação da realidade em que vivem.

d) Resposta pessoal. Contudo, espera-se que os alunos iden-

tifiquem as contribuições das aulas de Filosofia para apri-

morar as opiniões sobre a realidade, aprofundar as refle-

xões e superar algumas formas de preconceito, inclusive,

em relação à Filosofia. Em caso de negativa, espera-se que

os alunos justifiquem o motivo de essas aulas em nada te-

rem contribuído para conhecer a realidade. Nesse caso,

caberá a intervenção do professor no sentido de que o

aluno faça uma autocrítica acerca da sua postura no de-

correr desses anos em relação às aulas de Filosofia, a fim

de entender se não havia um certo preconceito anterior

que o impediu de dedicar-se aos temas e aos conteúdos

tratados.

Lição de casa (CA, p. 30)Esta passagem já foi detalhadamente explicada no texto “To-

dos os homens são ‘filósofos’”. O mais importante é a concepção

de que todos os homens são capazes de refletir sobre a própria

experiência.

Exercícios (CA, p. 31)1. Resposta pessoal. É importante que o aluno expresse o que

pensa sobre essa afirmação, mesmo que encontre alguma di-

ficuldade para entender seu significado. O tema será retoma-

do adiante.

2. Resposta pessoal. No entanto, o aluno deve estabelecer algu-

ma distinção entre esses dois níveis de conhecimento.

Leitura e análise de texto (CA, p. 31-33)1. Resposta aberta que depende do nível de conhecimento e

das condições que os alunos apresentam de fazer uma articu-

lação com essa complexidade. Espera-se que os alunos con-

sigam argumentar tendo como base os textos, as anotações

Page 93: Spfe prof 2014_vol1_filosofia_em_3_s

92

de aulas e as considerações feitas pelo docente responsável

pelas aulas de Filosofia. Nesse sentido, espera-se que os alu-

nos articulem o amor pela sabedoria como um amor voltado

para desvendar o real. Não se trata nesse caso de um amor

meramente contemplativo, mas um amor que reflete uma

atitude, que desencadeia uma atividade que tem o sentido de

revelar outras possibilidades para entender o cotidiano vivido.

Um amor que visa apreender a complexidade da experiência

vivida que nem sempre se revela de imediato. Um amor que

leva a pensar e repensar o vivido para aprofundar-se na sua

compreensão.

2. O philosopho é o amante do saber (sophia), enquanto o

philodoxo é o amante da opinião (doxa). Assim, o filósofo

é o que busca o saber verdadeiro, elaborado, crítico, bem

fundamentado, enquanto o filodoxo contenta-se com o

saber superficial, fundado apenas na opinião, no “achismo”.

3. Resposta pessoal. Mas o aluno deve fazer uma autocrítica so-

bre a atitude que nele predomina.

Exercícios (CA, p. 33)1. Refletir não é o mesmo que pensar. O pensamento é um ato

corriqueiro, singelo, espontâneo, que realizamos descom-

promissadamente a todo instante, até mesmo sem perceber.

A reflexão, por sua vez, é uma atitude mais consciente, mais

comprometida, que implica pensar mais profundamente

sobre determinado assunto, repensá-lo, problematizá-lo,

submetendo-o à dúvida, à crítica, à análise, buscando seu ver-

dadeiro significado.

2. Resposta pessoal. É possível que o aluno aponte para a ideia

de que refletir é devanear, contemplar, “viajar”, como se

diz popularmente, meditar descompromissadamente sobre

algo. É essa ideia de reflexão que se tentará superar mais

adiante, em uma abordagem sobre a noção de reflexão fi-

losófica.

Leitura e análise de texto (CA, p. 34-35)1. Significa que a reflexão, para ser filosófica, deve satisfazer, ao

mesmo tempo, a pelo menos três exigências:

questão, buscando chegar às suas raízes, aos seus fundamen-

tos;

-

temática, segundo um método bem definido, para propiciar

conclusões válidas e bem fundamentadas;

forma isolada e abstrata, mas sob uma perspectiva de totalida-

de, ou seja, levando em consideração os diversos fatores que,

em um dado contexto, o determinam e condicionam.

2. Espera-se que o aluno responda que todos podem filosofar,

desde que empreendam uma reflexão radical, rigorosa e de

conjunto sobre os problemas da realidade, e que todos têm

condições de aprender a fazê-lo.

Leitura e análise de texto (CA, p. 34-35)1. Espera-se que os alunos sejam capazes de criticar a noção uti-

litarista e imediatista de que a Filosofia não serve para nada e

de perceber sua importância para a formação crítica das pes-

soas e para o exercício da cidadania.

2. Resposta pessoal. No entanto, espera-se que a resposta do

aluno seja afirmativa, além de apresentar argumentos con-

sistentes em favor desta resposta. Por exemplo: é importante

estudar Filosofia na escola porque isso pode ser um meio de

democratizar o acesso ao pensamento filosófico.

SITUAÇÃO DE APRENDIZAGEM 3A condição animal como ponto inicial no processo de compreensão sobre o homemExercício (CA, p. 38)

Resposta pessoal. As respostas para as duas perguntas que

orientam a reflexão contemplam necessariamente a diversidade

dos pensamentos dos alunos. Não podem ser antecipadas, mas

o importante é que se conduza a reflexão de forma a mostrar

que toda afirmação deve ser apoiada em argumentos, ainda que

hipotéticos.

Leitura e análise de texto (CA, p. 39-40)1. Os dois autores trazem a ideia de que nossa natureza contem-

pla a existência de um corpo com o qual sofremos e nos rela-

cionamos com os demais seres da natureza.

2. A grande diferença está no fato de que Pascal acrescentou,

em sua argumentação, a ideia de que, com a consciência de

nosso corpo, deparamo-nos com a consciência de que nada

somos no conjunto da natureza. Observação: é muito impor-

tante a lembrança de que as respostas dos alunos são hipóte-

ses de conhecimento e, portanto, merecem ser consideradas

e problematizadas, sem que se assumam as respostas deste

gabarito como única forma correta.

Lição de casa (CA, p. 41)Resposta pessoal, mas o aluno deverá apresentar uma reflexão

sobre as consequências de um outro tipo de corpo como, por

exemplo, a necessidade de outros objetos, de uma nova lingua-

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93

Filosofia – 3a série – Volume 1

gem ou de outras relações interpessoais. As consequências asso-

ciadas ao fato de termos um corpo são prazerosas, e dolorosas

também. Ter um corpo exige alimentá-lo, a fome é um processo

doloroso, e vivemos uma sensação de prazer quando saciamos

a fome. Da mesma forma, várias outras necessidades de nosso

corpo implicam dor e prazer. A saúde é uma exigência para o

bem-estar de nosso corpo. A satisfação sexual e o desejo de re-

produção podem ser citados como desafios impostos pelo nosso

corpo também. Movidos por esse desafio de satisfação de nossa

sexualidade, procuramos parceiros nos quais confiar e com quem

compartilhar amorosamente.

O fato de termos um corpo nos traz ainda o desafio de com-

partilhar espaços, o que vem se tornando cada vez mais comple-

xo, sobretudo nos grandes centros urbanos.

Exercício (CA, p. 42)O fato de termos um corpo, em qualquer contexto cultural,

implica para nós necessidades em termos de espaço, em pri-

meiro lugar. Em segundo lugar, nosso corpo exige soluções em

termos de saúde que incluem garantir alimentação e moradia

adequadas para todos os habitantes do planeta.

Somente esses dois aspectos já exigem das sociedades muito

esforço para propiciar a convivência em diferentes espaços.

Nossa sociedade, quer seja em termos de Brasil, quer seja do

planeta Terra, ainda enfrenta o dilema de atender a todos da me-

lhor maneira possível. Continentes como a África representam

enorme desafio para a busca de soluções em termos de moradia,

educação e saúde.

Tecnológica e cientificamente, muito já foi feito em termos de

habitarmos desertos ou de superarmos situações adversas do cli-

ma, porém muito há por se fazer na direção de garantir condições

materiais para que os seres humanos superem extremas carências

relativas à saúde e à ocupação de espaços urbanos com dignidade.

SITUAÇÃO DE APRENDIZAGEM 4A linguagem e a língua como características que identificam a espécie humanaExercícios (CA, p. 44)1. Resposta pessoal. Mais uma vez, uma resposta aberta que exi-

ge a atenção do professor, se não para cada trabalho indivi-

dual, para sínteses em grupo.

2. Resposta pessoal. Para esta apresentação, é importante uma

mediação que organize as falas, que chame a atenção para a

necessidade de escutas atentas e para que os questionamen-

tos possam ajudar a ampliar a compreensão dos temas cen-

trais debatidos.

Exercícios (CA, p. 44)1. Resposta pessoal. Os grupos devem ser orientados a criar so-

luções para uma comunicação sem palavras. Você pode ob-

servar neste trabalho não apenas o enfrentamento da tarefa

que cada aluno deve assumir, mas também habilidades psi-

cossociais: respeito ao outro, negociação, fala oportuna.

2.

a) Resposta pessoal. É importante a autorreflexão sobre dificulda-

des. O professor pode auxiliar questionando os alunos, toman-

do por base as dificuldades por ele percebidas no processo.

b) Resposta pessoal. A mediação do professor deve pautar-se por

classificar as dificuldades, agrupando aquelas que se aproxi-

mam, para orientar a superação destas. As dificuldades que

não puderem ser agrupadas serão tratadas isoladamente, para

que os alunos possam identificar caminhos para o enfrenta-

mento das próprias dificuldades.

SITUAÇÃO DE APRENDIZAGEM 5Filosofia e religiãoExercício (CA, p. 46)

Comentários de um

religiosoComentários de um filósofo

Esta é uma resposta aber-

ta que vai depender das

hipóteses dos grupos de

alunos sobre os diferentes

discursos. O professor pode

auxiliar provocando a elabo-

ração de hipóteses, fazendo

perguntas a cada frase in-

completa, por exemplo, e

ajudando o aluno a adequar

as palavras às duas persona-

gens hipotéticas: um filósofo

e um religioso. A hipótese

central é que o religioso

fundamenta sua explicação

com afirmações sobre a

vontade de Deus.

Esta é uma resposta aberta

que vai depender das hipó-

teses dos grupos de alunos

sobre os diferentes discur-

sos. O professor pode dar

um auxílio provocando a

elaboração de hipóteses,

fazendo perguntas a cada

frase incompleta, por exem-

plo, e ajudando o aluno a

adequar as palavras às duas

personagens hipotéticas:

um filósofo e um religioso.

A hipótese central é que o

filósofo fundamenta suas

afirmações com indagações

sobre causas e contextos

que levariam ao acidente.

Leitura e análise de texto (CA, p. 47-48)Espera-se que o aluno seja capaz de pensar essas afinidades

sem, com isso, menosprezar ou ignorar as diferenças marcantes

entre tais discursos.

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94

Leitura e análise de texto (CA, p. 48-51)1. O texto de Kant tem como objetivo distinguir dois tipos de co-

nhecimento: o puro e o empírico. O texto Eros e Psiquê tem

como objetivo apresentar uma história capaz de estabelecer a

relação entre o amor e a alma.

2. No texto de Kant temos a distinção entre os dois conheci-

mentos apresentada por meio de argumentos lógicos. No

texto sobre Eros e Psiquê, temos uma narrativa descritiva de

relações entre personagens com enredo específico para ex-

plorar os vínculos entre Eros, personagem associado ao amor,

e Psiquê, personagem associado à alma.

3. No texto de Kant, temos hipóteses e questões, elementos

que não estão presentes no texto sobre Eros e Psiquê. Por

sua vez, neste último, temos personagens em relações de

conflitos e descrições de situações relacionais que envol-

vem deuses e humanos, elementos ausentes no texto de

Kant.

Pesquisa individual (CA, p. 52-53)1. Aqui é dada uma tarefa muito simples. Basta que cada aluno

apresente o título da narrativa mitológica que selecionou in-

dividualmente.

2. Aqui, o grupo de alunos vai registrar o nome da narrativa

mitológica que escolheu coletivamente para caracterizar. É

importante destacar o tema da narrativa, personagens, ensi-

namentos.

3. Aqui solicita-se outra tarefa muito simples. Basta que cada alu-

no apresente o título do texto filosófico que selecionou indi-

vidualmente.

4. O grupo deve registrar o nome do texto filosófico que decidiu

destacar coletivamente, bem como o nome do seu autor.

Exercício (CA, p. 53)Trata-se de questão aberta que depende da elaboração de

cada aluno. O empenho do professor deve ocorrer no questio-

namento da coerência com estudos realizados e orientar para

que as frases registrem hipóteses circunscritas às características

de cada um dos discursos analisados.

SITUAÇÃO DE APRENDIZAGEM 6O homem como ser políticoExercício (CA, p. 57)

Trata-se de exercício para levantar as representações dos alunos

sobre política. O professor pode orientar a interpretação das frases

e a identificação dos significados da palavra política em cada uma

delas. O mais importante é incentivar os alunos a manifestar suas hi-

póteses por meio de experiências cotidianas com a palavra política.

Lição de casa (CA, p. 60)1. Trata-se da ciência da prudência.

2. As condições são o pudor e a justiça.

3. O pudor permite que os homens não abusem do poder, não

pratiquem ações que possam ser condenadas pelos demais

cidadãos e evitem, assim, atitudes que possam causar vergo-

nha perante a cidade. A noção de justiça permite identificar

ações adequadas a cada situação e a cada cidadão, sem pre-

judicar alguém em favor de outrem, e vice-versa. Pudor e

justiça são capazes de frear atitudes de abuso do outro. Um

exemplo de nosso cotidiano: o pudor de um estudante diante

dos seus colegas ou dos mestres e pais aliado ao senso de

justiça pode impedir trotes violentos ou humilhações a cole-

gas. A ideia de que não farei ao outro o que não quero que

façam a mim pode conter medida de justiça favorável a uma

conduta ética.

4. Trata-se de questão aberta. Professor, encarregue-se da me-

diação na perspectiva de orientar uma elaboração capaz de

expressar o que pensa cada aluno sobre os temas estudados e

sobre a possibilidade de ensinar a boa convivência.

Debate (CA, p. 61)Espera-se que os alunos reflitam e discutam sobre o que se

entende por justiça e pudor na nossa sociedade e como temos

nos empenhado em estabelecer e fazer valer as normas de con-

vivência e como tem se efetivado a participação da família, da

escola, da igreja e outras instituições para o cultivo das virtudes e,

dessa forma, para melhorar a vida em comum.

Leitura e análise de texto (CA, p. 61-62)Segundo Aristóteles, o homem é um ser político por natureza,

pois as primeiras comunidades e a cidade são fatos da natureza

humana. Aqueles que por natureza não fazem parte de uma co-

munidade ou cidade não são homens: são deuses ou degrada-

dos. Todos os seres que se definem como homens pertencem a

uma comunidade, possuem o dom da palavra e não se bastam a

si mesmos, sempre necessitando de outros iguais. Essas caracte-

rísticas tornam-no um ser político, isto é, um ser que não existe

isolado, que convive e se faz entre outros homens, precisando

saber conviver entre seus semelhantes.

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95

Filosofia – 3a série – Volume 1

SITUAÇÃO DE APRENDIZAGEM 7Platão e a justa desigualdadePesquisa individual (CA, p. 64-65)1. Há inúmeras fontes bibliográficas que podem ser sugeridas aos

alunos. Professor, selecione aquelas que você considerar mais

adequadas, tendo em vista a realidade concreta de seus alunos.

Quanto ao esquema proposto, seu objetivo é ajudar o aluno

a adquirir o hábito de fazer resumos e fichamentos dos estu-

dos que realiza. Como obviamente não há uma única maneira

de fazer isso, fica a seu critério propor as alterações que julgar

convenientes. Suas sugestões de respostas, por sua vez, visarão

apenas a indicar possíveis direções, devendo ser complemen-

tadas e aprofundadas com base em seu estudo particular sobre

o tema e nos objetivos que estabeleceu para seu trabalho.

Platão

O contexto histórico:

– Atenas do século V a.C. Cidade-Estado.

– Democracia direta com participação política dos cidadãos: donos da terra que perfaziam aproximadamente 10% da população.

– Democracia escravista.

Dados biográficos:

– Nasceu em 428 a.C. e morreu em 348 a.C.

– Discípulo de Sócrates, Platão fundou a Academia, local de reflexão filosófica e formação de jovens.

Filosofia:

– Teoria das ideias: há um mundo ideal, das ideias, do qual somos apenas sombras. O mundo natural é projeção do mundo das ideias.

– Teoria da reminiscência: esquecemos o mundo das ideias em nossa experiência sensível, mas pelo método dialético e maiêutico po-

demos lembrar de ideias fundamentais como a virtude e a beleza.

Obras:

– Escreveu 35 diálogos, entre os quais se destacam A República e 13 cartas.

Leitura e análise de texto (CA, p. 70-71)O quadro proposto cumpre uma função apenas didática

de auxiliar na compreensão e na memorização da teoria da

alma de Platão. Evidentemente, dado seu caráter esquemáti-

co e simplificador, não pode prescindir do estudo rigoroso da

referida teoria.

Partes da alma Localização Função Classe social Virtudes

Concupiscente ou ape-

titiva

Baixo-ventre (entre o

diafragma e o umbigo)

Conservar o corpo e

possibilitar a reprodução

da espécie

Classe econômica: agri-

cultores, comerciantes

e artesãos

Temperança e frugali-

dade

Colérica ou irascívelNo peito, acima do dia-

fragma

Defender o corpo das

ameaças à sua segurança

Classe militar ou dos

guerreirosPrudência

Racional Na cabeça Permitir o conhecimento

Classe dos magistrados

(elaboração e cumpri-

mento das leis)

Conhecimento

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Lição de casa (CA, p. 72)1. O homem virtuoso é aquele em que cada parte da alma cum-

pre a função que lhe é própria, sob o comando da parte racio-

nal. Neste caso, ocorre a justiça, isto é, a justa medida e o per-

feito equilíbrio entre essas partes. O homem vicioso é aquele

em que esse equilíbrio, essa harmonia é quebrada, pois as

partes da alma não conseguem realizar suas funções próprias,

ou as realizam desmesuradamente. Isso ocorre quando a par-

te racional se deixa comandar pelas outras duas. Neste caso,

instauram-se a desordem, o conflito, a violência, a injustiça.

2. Simplificando, Platão transferiu para o plano social a reflexão

que fez sobre a alma humana. Assim, da mesma forma que

na alma humana há três partes distintas e o homem justo é

aquele em que cada parte cumpre a função que lhe é própria,

também a sociedade é composta por três classes sociais e a

cidade justa é aquela em que cada classe desempenha o pa-

pel que lhe cabe por natureza.

3. A justiça é entendida como justa medida, isto é, cada um

cumprindo exatamente o papel que lhe é dado por nature-

za: o governante governando, os produtores produzindo e os

soldados defendendo a cidade. A outra parte da pergunta é

aberta e visa ampliar o debate sobre o tema.

4. Se a justiça acontece quando cada um cumpre o papel social

que lhe cabe por natureza, a educação contribui para a pro-

moção da justiça, uma vez que identifica em cada um essa na-

tureza e prepara os indivíduos de cada classe para o exercício

da função e da virtude a ela correspondentes.

Exercício (CA, p. 73)Questão aberta. O objetivo é instaurar o debate sobre a

participação da mulher no poder, preparando e motivando

para o estudo do texto a seguir. A mediação, professor, deve se

dar na direção de provocar o pensamento e a expressão de to-

dos os alunos, auxiliando aqueles que ficam em silêncio. Atue

ainda como organizador das falas, aproveitando a oportunida-

de para orientar a escuta com respeito e a fala oportuna.

Leitura e análise de texto (CA, p. 73-75)Atividade aberta que visa evidenciar que os meios de co-

municação de massa, sobretudo os anúncios publicitários, em

geral, mostram a mulher como dona de casa, objeto sexual ou

mesmo como profissional inserida no mercado de trabalho,

mas nunca (ou quase nunca) como se ocupasse posições de

poder ou cargos políticos na sociedade. A ideia é que os alu-

nos percebam essa tendência e se posicionem criticamente

em relação a ela.

Lição de casa (CA, p. 75)1. O objetivo é estimular o debate sobre esta questão, a fim de

que se evidenciem os limites da democracia brasileira, parti-

cularmente no que se refere aos direitos da mulher e à neces-

sidade de conquistar novos avanços que venham a assegurar

a plena realização desses direitos.

2. Estimule os alunos a emitir sua opinião sobre a participação

ainda incipiente das mulheres na política brasileira. Possivel-

mente, eles se refiram ao fato de que a participação da mulher

nos demais setores da vida política começou a se intensificar

apenas nas últimas décadas. Há carreiras que apenas recen-

temente passaram a contar com a participação de mais mu-

lheres (como a Advocacia da União, a Procuradoria Geral da

União etc.).

Para estimular a participação das mulheres na política, a Lei

Eleitoral, no ano de 2010, propôs uma série de alterações, en-

tre as quais as seguintes: parte do Fundo Partidário deve ser

destinada à formação política das mulheres, 10% do tempo

da propaganda partidária dos partidos e 30% das vagas às elei-

ções deverão ser preenchidas por mulheres. Espera-se que,

com a aprovação e a vigência dessas emendas, aumente a

participação das mulheres na política.

SITUAÇÃO DE APRENDIZAGEM 8A desigualdade segundo RousseauPesquisa em grupo (CA, p. 77)

O objetivo é deixar que os alunos respondam espontanea-

mente, a fim de explicitar o senso comum da classe sobre es-

ses conceitos, os quais serão retomados em seguida por meio

de Rousseau. Basicamente, pode-se definir “convenção” como

aquilo que é estabelecido por meio de acordo entre as pessoas

(como as leis, os costumes, os regulamentos, os valores etc.), ao

passo que “natureza” é algo que independe da vontade ou da de-

liberação humana. Por exemplo, o mundo natural a nossa volta.

Leitura e análise de texto (CA, p. 77-79)1. Pergunta aberta. Espera-se, porém, que, a esta altura, o aluno

seja capaz de compreender a desigualdade social como uma

convenção e, portanto, como algo que depende da delibera-

ção humana e, consequentemente, pode ser mudado.

2. O importante é que cada comentário revele esforço de expli-

citação das afirmações, hipóteses fundamentadas nas leituras

deste volume e argumentação coerente.

Pesquisa individual (CA, p. 80-81)A exemplo do que foi dito em relação a Platão, também so-

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Filosofia – 3a série – Volume 1

bre Rousseau há inúmeras fontes bibliográficas que podem ser

sugeridas aos alunos. Professor, selecione as que considere mais

adequadas à realidade dos alunos e aos seus próprios objetivos.

Novamente, vale dizer que o esquema proposto cumpre o ob-

jetivo de auxiliar o aluno a adquirir o hábito de fazer resumos e

fichamentos, ficando a seu critério propor as alterações que jul-

gar convenientes. Como de costume, professor, suas respostas

sugeridas visarão indicar possíveis direções, devendo ser com-

plementadas e aprofundadas com base em seu estudo particular

sobre o tema e nos objetivos traçados para seu trabalho.

Leitura e análise de texto (CA, p. 82-83)

O objetivo desta atividade é aproximar a reflexão que será

feita, tomando-se por base Rousseau, de elementos já conhe-

cidos pelos alunos. Há também a possibilidade de um trabalho

interdisciplinar, especialmente com as disciplinas de História

e Arte.

Rousseau

O contexto histórico:

– Suíça e França – século XVIII.

– Época moderna.

– Iluminismo.

– Antecedentes da Revolução Francesa.

– Transição do feudalismo para o capitalismo.

Dados biográficos:

– Nasceu em Genebra, Suíça, em 1712.

– Família calvinista.

– Seu pai era relojoeiro (pequena burguesia); sua mãe morreu após o parto.

– Dos 10 aos 12 anos, ficou sob a tutela de tios.

– Levou uma vida instável e enfrentou grandes dificuldades.

– Ainda jovem, tentou várias profissões, sem se firmar em nenhuma.

– Mais tarde, tornou-se filósofo e escritor.

– Conheceu filósofos importantes, como Voltaire, Diderot e Hume.

– Em 1745, conheceu Thérèse Levasseur, com quem viveu 23 anos antes que se efetivasse o casamento. Com ela teve cinco filhos, todos

enviados para o asilo dos enjeitados. Sentiu-se culpado por isso e, por diversas vezes, tentou encontrar os filhos, sem sucesso. O remorso

de Rousseau pelo abandono dos filhos foi por ele registrado no Livro XII das Confissões e no Livro I do Emílio.

Filosofia:

– Relações entre natureza e sociedade.

– Moral fundada na liberdade.

– Primazia do sentimento sobre a razão.

– Teoria da bondade natural do homem.

– Doutrina do contrato social.

Obras:

– Discurso sobre as Ciências e as Artes (1750).

– Discurso sobre a origem da desigualdade entre os homens (1753).

– Carta a D’Alembert (1758).

– Júlia ou A nova Heloísa (1761).

– Emílio ou Da educação (1762).

– O contrato social (1762).

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Aspectos físicos Aspectos morais

– Pardos e avermelhados

– Bons rostos e bons narizes

– Benfeitos

– Andavam nus, sem cober-

tura alguma

– Mulheres: tingiam o cor-

po, eram benfeitas, redon-

das e graciosas (a ponto de

envergonhar as mulheres

brancas)

– Homens: também tingiam

os corpos

– Não lavravam a terra nem

criavam animais

– Não conheciam o uso do

ferro

– Não sentiam vergonha de

andar nus

– Eram inocentes e ingê-

nuos, fáceis de enganar

– Desapegados de riquezas

(ouro, prata)

– Alegres, gostavam de mú-

sica e dança

– Afetuosos, amistosos, curio-

sos

– Bem-dispostos

– Pareciam não ter nenhu-

ma crença (na realidade ti-

nham)

Leitura e análise de texto (CA, p. 83-86)1. Do ponto de vista físico: levava vantagem sobre os animais;

satisfazia suas necessidades naturais (alimentação, reprodu-

ção, abrigo etc.) sem grandes dificuldades; era mais robusto e

ágil do que qualquer homem dos tempos atuais; praticamen-

te não conhecia doenças; tinha vista, audição e olfato mais

desenvolvidos. Em suma, no estado de natureza, o homem

era fisicamente melhor do que atualmente. Do ponto de vista

moral: constituía-se como “agente livre”; possuía duas virtudes

inatas: a perfectibilidade e a piedade.

2. Questão aberta. O objetivo é reforçar o conhecimento sobre

o homem no estado de natureza e ampliar a discussão.

3. Em síntese, o “amor de si” é inato, movido pela piedade

e voltado para a preservação da vida. Já o “amor-próprio”

é socialmente adquirido e faz com que cada um se preo-

cupe mais consigo mesmo do que com os demais, sendo,

assim, responsável por muitos males. Podemos afirmar

que o “amor-próprio” é predominantemente cultivado

em nossa sociedade na perspectiva individualista e ego-

centrada que é estimulada pela competitividade presente

na lógica de mercado que, por sua vez, valoriza apenas

condições de consumo e apropriação de bens, profunda-

mente desigual.

Leitura e análise de texto (CA, p. 87-90)1. Os efeitos foram “crimes, guerras, assassínios, misérias e hor-

rores”, “usurpações dos ricos”, “assaltos dos pobres”, enfim, um

“estado de guerra”.

2. Dão “novos entraves ao fraco e novas forças ao rico”, isto é,

cumprem o papel de justificar e legitimar a propriedade em

benefício dos ricos.

3. Significa que, na verdade, embora a instituição do Estado e

das leis tenha como justificativa a garantia da liberdade, na

prática ela aboliu de vez a liberdade original, aquela que rei-

nava no estado de natureza, obrigando o gênero humano a se

sujeitar “ao trabalho, à servidão e à miséria”. Mas, como disse

Rousseau, os fracos, isto é, os pobres, são os mais prejudicados,

pois o surgimento da sociedade e das leis dá a eles “novos

entraves” ao passo que fortalece os ricos. Esse tema será reto-

mado por Rousseau na obra Do contrato social.

Exercício (CA, p. 82)1. Questão aberta. O objetivo desta atividade é introduzir e

problematizar o tema da tese que será defendida por Rous-

seau em Do contrato social: a igualdade perdida do estado

de natureza seria substituída (e com certa vantagem) por uma

igualdade formal, adquirida por meio do contrato estabeleci-

do com base nas ideias de “alienação total” e “vontade geral”.

Leitura e análise de texto (CA, p. 90-93)1. Consiste na livre associação dos indivíduos que deliberadamen-

te decidem formar certo tipo de sociedade e a ela obedecer.

Por esse contrato, cada associado aliena-se, com todos os seus

direitos, em favor de toda a comunidade (“alienação total”).

2. É a alienação praticada por todos os associados, sem exceção.

Assim, cada cidadão não obedecerá a interesses particulares

de determinado grupo, mas à “vontade geral”, que é sempre

dirigida para o bem comum.

3. Basicamente, “liberdade natural” é fazer tudo o que se deseja

e que esteja ao alcance das próprias forças, ao passo que a

“liberdade civil”, ou “liberdade moral”, é limitada pela vontade

geral. Com o contrato, o homem perde a primeira, mas ga-

nha a segunda. A liberdade moral adquirida com o estado civil

é a “única que torna o homem verdadeiramente senhor de si,

pois o impulso apenas do apetite é escravidão, e a obediência

à lei a que se está prescrito é liberdade”.

4. Porque, sendo resultado da vontade geral, a obediência a ela

deixa de ser um mecanismo de submissão aos ricos para se

tornar expressão da liberdade e da soberania do povo.

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CONCEPÇÃO E COORDENAÇÃO GERALNOVA EDIÇÃO 2014-2017

COORDENADORIA DE GESTÃO DA EDUCAÇÃO BÁSICA – CGEB

Coordenadora Maria Elizabete da Costa

Diretor do Departamento de Desenvolvimento Curricular de Gestão da Educação Básica João Freitas da Silva

Diretora do Centro de Ensino Fundamental dos Anos Finais, Ensino Médio e Educação Profissional – CEFAF Valéria Tarantello de Georgel

Coordenadora Geral do Programa São Paulo faz escolaValéria Tarantello de Georgel

Coordenação Técnica Roberto Canossa Roberto Liberato Suely Cristina de Albuquerque Bom m

EQUIPES CURRICULARES

Área de Linguagens Arte: Ana Cristina dos Santos Siqueira, Carlos Eduardo Povinha, Kátia Lucila Bueno e Roseli Ventrela.

Educação Física: Marcelo Ortega Amorim, Maria Elisa Kobs Zacarias, Mirna Leia Violin Brandt, Rosângela Aparecida de Paiva e Sergio Roberto Silveira.

Língua Estrangeira Moderna (Inglês e Espanhol): Ana Paula de Oliveira Lopes, Jucimeire de Souza Bispo, Marina Tsunokawa Shimabukuro, Neide Ferreira Gaspar e Sílvia Cristina Gomes Nogueira.

Língua Portuguesa e Literatura: Angela Maria Baltieri Souza, Claricia Akemi Eguti, Idê Moraes dos Santos, João Mário Santana, Kátia Regina Pessoa, Mara Lúcia David, Marcos Rodrigues Ferreira, Roseli Cordeiro Cardoso e Rozeli Frasca Bueno Alves.

Área de Matemática Matemática: Carlos Tadeu da Graça Barros, Ivan Castilho, João dos Santos, Otavio Yoshio Yamanaka, Rodrigo Soares de Sá, Rosana Jorge Monteiro, Sandra Maira Zen Zacarias e Vanderley Aparecido Cornatione.

Área de Ciências da Natureza Biologia: Aparecida Kida Sanches, Elizabeth Reymi Rodrigues, Juliana Pavani de Paula Bueno e Rodrigo Ponce.

Ciências: Eleuza Vania Maria Lagos Guazzelli, Gisele Nanini Mathias, Herbert Gomes da Silva e Maria da Graça de Jesus Mendes.

Física: Carolina dos Santos Batista, Fábio Bresighello Beig, Renata Cristina de Andrade

Oliveira e Tatiana Souza da Luz Stroeymeyte.

Química: Ana Joaquina Simões S. de Matos Carvalho, Jeronimo da Silva Barbosa Filho, João Batista Santos Junior e Natalina de Fátima Mateus.

Área de Ciências Humanas Filosofia: Emerson Costa, Tânia Gonçalves e Teônia de Abreu Ferreira.

Geografia: Andréia Cristina Barroso Cardoso, Débora Regina Aversan e Sérgio Luiz Damiati.

História: Cynthia Moreira Marcucci, Maria Margarete dos Santos e Walter Nicolas Otheguy Fernandez.

Sociologia: Alan Vitor Corrêa, Carlos Fernando de Almeida e Tony Shigueki Nakatani.

PROFESSORES COORDENADORES DO NÚCLEO PEDAGÓGICO

Área de Linguagens Educação Física: Ana Lucia Steidle, Eliana Cristine Budisk de Lima, Fabiana Oliveira da Silva, Isabel Cristina Albergoni, Karina Xavier, Katia Mendes e Silva, Liliane Renata Tank Gullo, Marcia Magali Rodrigues dos Santos, Mônica Antonia Cucatto da Silva, Patrícia Pinto Santiago, Regina Maria Lopes, Sandra Pereira Mendes, Sebastiana Gonçalves Ferreira Viscardi, Silvana Alves Muniz.

Língua Estrangeira Moderna (Inglês): Célia Regina Teixeira da Costa, Cleide Antunes Silva, Ednéa Boso, Edney Couto de Souza, Elana Simone Schiavo Caramano, Eliane Graciela dos Santos Santana, Elisabeth Pacheco Lomba Kozokoski, Fabiola Maciel Saldão, Isabel Cristina dos Santos Dias, Juliana Munhoz dos Santos, Kátia Vitorian Gellers, Lídia Maria Batista Bom m, Lindomar Alves de Oliveira, Lúcia Aparecida Arantes, Mauro Celso de Souza, Neusa A. Abrunhosa Tápias, Patrícia Helena Passos, Renata Motta Chicoli Belchior, Renato José de Souza, Sandra Regina Teixeira Batista de Campos e Silmara Santade Masiero.

Língua Portuguesa: Andrea Righeto, Edilene Bachega R. Viveiros, Eliane Cristina Gonçalves Ramos, Graciana B. Ignacio Cunha, Letícia M. de Barros L. Viviani, Luciana de Paula Diniz, Márcia Regina Xavier Gardenal, Maria Cristina Cunha Riondet Costa, Maria José de Miranda Nascimento, Maria Márcia Zamprônio Pedroso, Patrícia Fernanda Morande Roveri, Ronaldo Cesar Alexandre Formici, Selma Rodrigues e Sílvia Regina Peres.

Área de Matemática Matemática: Carlos Alexandre Emídio, Clóvis Antonio de Lima, Delizabeth Evanir Malavazzi, Edinei Pereira de Sousa, Eduardo Granado Garcia, Evaristo Glória, Everaldo José Machado de Lima, Fabio Augusto Trevisan, Inês Chiarelli Dias, Ivan Castilho, José Maria Sales Júnior, Luciana Moraes Funada, Luciana Vanessa de Almeida Buranello, Mário José Pagotto, Paula Pereira Guanais, Regina Helena de Oliveira Rodrigues, Robson Rossi, Rodrigo Soares de Sá, Rosana Jorge Monteiro,

Rosângela Teodoro Gonçalves, Roseli Soares Jacomini, Silvia Ignês Peruquetti Bortolatto e Zilda Meira de Aguiar Gomes.

Área de Ciências da Natureza Biologia: Aureli Martins Sartori de Toledo, Evandro Rodrigues Vargas Silvério, Fernanda Rezende Pedroza, Regiani Braguim Chioderoli e Rosimara Santana da Silva Alves.

Ciências: Davi Andrade Pacheco, Franklin Julio de Melo, Liamara P. Rocha da Silva, Marceline de Lima, Paulo Garcez Fernandes, Paulo Roberto Orlandi Valdastri, Rosimeire da Cunha e Wilson Luís Prati.

Física: Ana Claudia Cossini Martins, Ana Paula Vieira Costa, André Henrique Ghel Ru no, Cristiane Gislene Bezerra, Fabiana Hernandes M. Garcia, Leandro dos Reis Marques, Marcio Bortoletto Fessel, Marta Ferreira Mafra, Rafael Plana Simões e Rui Buosi.

Química: Armenak Bolean, Cátia Lunardi, Cirila Tacconi, Daniel B. Nascimento, Elizandra C. S. Lopes, Gerson N. Silva, Idma A. C. Ferreira, Laura C. A. Xavier, Marcos Antônio Gimenes, Massuko S. Warigoda, Roza K. Morikawa, Sílvia H. M. Fernandes, Valdir P. Berti e Willian G. Jesus.

Área de Ciências Humanas Filosofia: Álex Roberto Genelhu Soares, Anderson Gomes de Paiva, Anderson Luiz Pereira, Claudio Nitsch Medeiros e José Aparecido Vidal.

Geografia: Ana Helena Veneziani Vitor, Célio Batista da Silva, Edison Luiz Barbosa de Souza, Edivaldo Bezerra Viana, Elizete Buranello Perez, Márcio Luiz Verni, Milton Paulo dos Santos, Mônica Estevan, Regina Célia Batista, Rita de Cássia Araujo, Rosinei Aparecida Ribeiro Libório, Sandra Raquel Scassola Dias, Selma Marli Trivellato e Sonia Maria M. Romano.

História: Aparecida de Fátima dos Santos Pereira, Carla Flaitt Valentini, Claudia Elisabete Silva, Cristiane Gonçalves de Campos, Cristina de Lima Cardoso Leme, Ellen Claudia Cardoso Doretto, Ester Galesi Gryga, Karin Sant’Ana Kossling, Marcia Aparecida Ferrari Salgado de Barros, Mercia Albertina de Lima Camargo, Priscila Lourenço, Rogerio Sicchieri, Sandra Maria Fodra e Walter Garcia de Carvalho Vilas Boas.

Sociologia: Anselmo Luis Fernandes Gonçalves, Celso Francisco do Ó, Lucila Conceição Pereira e Tânia Fetchir.

Apoio:Fundação para o Desenvolvimento da Educação - FDE

CTP, Impressão e acabamento Log Print Grá ca e Logística S. A.

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Filosofia: Paulo Miceli, Luiza Christov, Adilton Luís

Martins e Renê José Trentin Silveira.

Geografia: Angela Corrêa da Silva, Jaime Tadeu

Oliva, Raul Borges Guimarães, Regina Araujo e

Sérgio Adas.

História: Paulo Miceli, Diego López Silva,

Glaydson José da Silva, Mônica Lungov Bugelli e

Raquel dos Santos Funari.

Sociologia: Heloisa Helena Teixeira de Souza

Martins, Marcelo Santos Masset Lacombe,

Melissa de Mattos Pimenta e Stella Christina

Schrijnemaekers.

Ciências da Natureza

Coordenador de área: Luis Carlos de Menezes.

Biologia: Ghisleine Trigo Silveira, Fabíola Bovo

Mendonça, Felipe Bandoni de Oliveira, Lucilene

Aparecida Esperante Limp, Maria Augusta

Querubim Rodrigues Pereira, Olga Aguilar Santana,

Paulo Roberto da Cunha, Rodrigo Venturoso

Mendes da Silveira e Solange Soares de Camargo.

Ciências: Ghisleine Trigo Silveira, Cristina Leite,

João Carlos Miguel Tomaz Micheletti Neto,

Julio Cézar Foschini Lisbôa, Lucilene Aparecida

Esperante Limp, Maíra Batistoni e Silva, Maria

Augusta Querubim Rodrigues Pereira, Paulo

Rogério Miranda Correia, Renata Alves Ribeiro,

Ricardo Rechi Aguiar, Rosana dos Santos Jordão,

Simone Jaconetti Ydi e Yassuko Hosoume.

Física: Luis Carlos de Menezes, Estevam Rouxinol,

Guilherme Brockington, Ivã Gurgel, Luís Paulo

de Carvalho Piassi, Marcelo de Carvalho Bonetti,

Maurício Pietrocola Pinto de Oliveira, Maxwell

Roger da Puri cação Siqueira, Sonia Salem e

Yassuko Hosoume.

Química: Maria Eunice Ribeiro Marcondes, Denilse

Morais Zambom, Fabio Luiz de Souza, Hebe

Ribeiro da Cruz Peixoto, Isis Valença de Sousa

Santos, Luciane Hiromi Akahoshi, Maria Fernanda

Penteado Lamas e Yvone Mussa Esperidião.

Caderno do Gestor Lino de Macedo, Maria Eliza Fini e Zuleika de

Felice Murrie.

GESTÃO DO PROCESSO DE PRODUÇÃO EDITORIAL 2014-2017

FUNDAÇÃO CARLOS ALBERTO VANZOLINI

Presidente da Diretoria Executiva Antonio Rafael Namur Muscat

Vice-presidente da Diretoria Executiva Alberto Wunderler Ramos

GESTÃO DE TECNOLOGIAS APLICADAS À EDUCAÇÃO

Direção da Área Guilherme Ary Plonski

Coordenação Executiva do Projeto Angela Sprenger e Beatriz Scavazza

Gestão Editorial Denise Blanes

Equipe de Produção

Editorial: Amarilis L. Maciel, Angélica dos Santos Angelo, Bóris Fatigati da Silva, Bruno Reis, Carina Carvalho, Carla Fernanda Nascimento, Carolina H. Mestriner, Carolina Pedro Soares, Cíntia Leitão, Eloiza Lopes, Érika Domingues do Nascimento, Flávia Medeiros, Gisele Manoel, Jean Xavier, Karinna Alessandra Carvalho Taddeo, Leandro Calbente Câmara, Leslie Sandes, Mainã Greeb Vicente, Marina Murphy, Michelangelo Russo, Natália S. Moreira, Olivia Frade Zambone, Paula Felix Palma, Priscila Risso, Regiane Monteiro Pimentel Barboza, Rodolfo Marinho, Stella Assumpção Mendes Mesquita, Tatiana F. Souza e Tiago Jonas de Almeida.

Direitos autorais e iconografia: Beatriz Fonseca Micsik, Érica Marques, José Carlos Augusto, Juliana Prado da Silva, Marcus Ecclissi, Maria Aparecida Acunzo Forli, Maria Magalhães de Alencastro e Vanessa Leite Rios.

Edição e Produção editorial: Jairo Souza Design Grá co e Occy Design projeto grá co .

* Nos Cadernos do Programa São Paulo faz escola são indicados sites para o aprofundamento de conhecimen-tos, como fonte de consulta dos conteúdos apresentados e como referências bibliográficas. Todos esses endereços eletrônicos foram checados. No entanto, como a internet é um meio dinâmico e sujeito a mudanças, a Secretaria da Educação do Estado de São Paulo não garante que os sites indicados permaneçam acessíveis ou inalterados.

* Os mapas reproduzidos no material são de autoria de terceiros e mantêm as características dos originais, no que diz respeito à grafia adotada e à inclusão e composição dos elementos cartográficos (escala, legenda e rosa dos ventos).

* Os ícones do Caderno do Aluno são reproduzidos no Caderno do Professor para apoiar na identificação das atividades.

CONCEPÇÃO DO PROGRAMA E ELABORAÇÃO DOS CONTEÚDOS ORIGINAIS

COORDENAÇÃO DO DESENVOLVIMENTO DOS CONTEÚDOS PROGRAMÁTICOS DOS CADERNOS DOS PROFESSORES E DOS CADERNOS DOS ALUNOS Ghisleine Trigo Silveira

CONCEPÇÃO Guiomar Namo de Mello, Lino de Macedo, Luis Carlos de Menezes, Maria Inês Fini coordenadora e Ruy Berger em memória .

AUTORES

Linguagens Coordenador de área: Alice Vieira. Arte: Gisa Picosque, Mirian Celeste Martins, Geraldo de Oliveira Suzigan, Jéssica Mami Makino e Sayonara Pereira.

Educação Física: Adalberto dos Santos Souza, Carla de Meira Leite, Jocimar Daolio, Luciana Venâncio, Luiz Sanches Neto, Mauro Betti, Renata Elsa Stark e Sérgio Roberto Silveira.

LEM – Inglês: Adriana Ranelli Weigel Borges, Alzira da Silva Shimoura, Lívia de Araújo Donnini Rodrigues, Priscila Mayumi Hayama e Sueli Salles Fidalgo.

LEM – Espanhol: Ana Maria López Ramírez, Isabel Gretel María Eres Fernández, Ivan Rodrigues Martin, Margareth dos Santos e Neide T. Maia González.

Língua Portuguesa: Alice Vieira, Débora Mallet Pezarim de Angelo, Eliane Aparecida de Aguiar, José Luís Marques López Landeira e João Henrique Nogueira Mateos.

Matemática Coordenador de área: Nílson José Machado. Matemática: Nílson José Machado, Carlos Eduardo de Souza Campos Granja, José Luiz Pastore Mello, Roberto Perides Moisés, Rogério Ferreira da Fonseca, Ruy César Pietropaolo e Walter Spinelli.

Ciências Humanas Coordenador de área: Paulo Miceli.

Catalogação na Fonte: Centro de Referência em Educação Mario Covas

São Paulo (Estado) Secretaria da Educação.

Material de apoio ao currículo do Estado de São Paulo: caderno do professor; filosofia, ensino

médio, 3a série / Secretaria da Educação; coordenação geral, Maria Inês Fini; equipe, Adilton Luís Martins,

Luiza Chirstov, Paulo Miceli, Renê José Trentin Silveira. - São Paulo : SE, 2014.

v. 1, 104 p.

Edição atualizada pela equipe curricular do Centro de Ensino Fundamental dos Anos Finais, Ensino

Médio e Educação Profissional – CEFAF, da Coordenadoria de Gestão da Educação Básica - CGEB.

ISBN 978-85-7849-590-9

1. Ensino médio 2. Filosofia 3. Atividade pedagógica I. Fini, Maria Inês. II. Martins, Adilton Luís. III.

Chirstov, Luiza. IV. Miceli, Paulo. V. Silveira, Renê José Trentin. VI. Título.

S2 m

CDU: 371.3:806.90

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Valid

ade: 2014 – 2017