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Page 1: Sonhos, quimeras, ficções inumeráveis, tudo é vão e ... · Se na Revolução Constitucionalista de 1932 as propagandas retomavam a figura do bandeirante, ... a de uma vila gloriosa,

MOSAICO PAULISTA: ESCRITA DA HISTÓRIA REGIONAL NO INSTITUTO

HISTORICO E GEOGRAFICO DE SÃO PAULO

Gerson Ribeiro Coppes Jr.

Karina Anhezini Araújo (Orientador)

(Mestrando do Programa de Pós-Graduação em História da UNESP, Assis)

História da Historiografia, Institutos Históricos, São Paulo

Sonhos, quimeras, ficções inumeráveis, tudo é

vão e praticamente incompreensível, e, todavia

é com isso que o mundo caminha.

Teodoro Sampaio1

Mergulhado na crise hídrica, o estado de São Paulo se vê entrincheirado pelos

seus símbolos. Como a pátria das bandeiras, a locomotiva do Brasil pôde chegar a esta

situação? Os símbolos são, nos momentos de crise, retomados para unir e conferir

sentido à sua população2. Se na Revolução Constitucionalista de 1932 as propagandas

retomavam a figura do bandeirante, a naturalização destas imagens ao longo do século

XX deslocou o foco da imagem para as suas atribuições: São Paulo como a cidade do

trabalho, da coragem, da velocidade, do progresso3. Estas são as características

utilizadas tanto na propaganda eleitoral de 2014 do candidato à reeleição Geraldo

Alckmin4, quanto pela propaganda da SABESP, Companhia de Saneamento Básico do

Estado de São Paulo, veiculada também em 2014, atentando para o racionamento de

água5. Porém, estas imagens excepcionais sobre São Paulo não surgiram recentemente.

A construção de um discurso que valorizava uma hegemonia paulista política e

econômica, mas também histórica, com a expansão territorial no período colonial, foi

construída no início do século XX pelos intelectuais e instituições científicas de São

1 SAMPAIO, Teodoro. O sertão antes da conquista. RIHGSP, São Paulo, v.5, 1899-1900, p. 94. 2 QUEIROZ, Maria Isaura Pereira de. Ufanismo paulista: vicissitudes de um imaginário. Revista USP,

São Paulo, n. 13, mai. 1992, p.83. 3 SALIBA, Elias T. Histórias, memórias, tramas e dramas da identidade paulistana. In: PORTA, Paula

(org). História da Cidade de São Paulo, vol. 3. São Paulo: Paz e Terra, 2004. 4Youtube. Horário Eleitoral - Governador SP 20/08/14 - Geraldo Alckmin (PSDB) - Primeiro programa.

Vídeo. Disponível em <https://www.youtube.com/watch?v=afkCL4ThW34> Acesso em 30 jan 2015. 5Youtube. Sabesp - Comercial "motivacional" para economia de água. Vídeo. Disponível em

<https://www.youtube.com/watch?v=He0jMMi7LjM> Acesso em 30 jan 2015.

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Paulo por meio da eleição de símbolos e imagens do estado. O presente trabalho busca

entender como este discurso foi construído no Instituto Histórico e Geográfico de São

Paulo focando na produção histórica de dois letrados: Teodoro Sampaio e Orville

Derby.

“A história de São Paulo é a própria história do Brasil”6. Esta frase que aparece

no primeiro volume da Revista do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo

(RIHGSP) não está ali por acaso. Sendo a principal força econômica da Primeira

República por causa da cultura cafeeira a intelectualidade paulista criou um discurso

para justificar “a proeminência dessa elite (paulista), sobre todo o Brasil, identificando o

Estado à Nação”7, e esta frase pode ser vista como a diretriz para uma agenda política e

historiográfica que se desenvolveria nas próximas décadas.

A cidade de São Paulo não tinha um passado colonial que fosse visível em

monumentos, em obras literárias, nem uma economia que tivesse impactado o comércio

colonial. O passado que os republicanos almejavam precisava ser criado a partir das

demandas do presente e, para tanto “criaram uma nova história: a de uma vila gloriosa,

de uma cidade muito importante, uma raça característica de São Paulo”8. A frase, citada

acima, que aparece no primeiro volume da RIHGSP indica a importância do IHGSP

nessa construção e as diretrizes de tantos outros artigos, publicados na Revista, que

retomam o progresso material e civilizacional de São Paulo, tanto o construído

historicamente, quanto o que São Paulo exerceu na Primeira República.

Katia Abud ao estudar a historiografia produzida entre 1890 e 1930 afirma que

neste processo de construção do passado, de uma nova história de São Paulo que

atendesse aos interesses de sua elite política, o bandeirante surgiu como personagem

principal. O bandeirante evocado pelos intelectuais paulistas, retomando seu papel na

expansão territorial durante a época colonial, retomava também uma historiografia

precedente desenvolvida no século XVIII que havia definido certas características ao

bandeirante: “nobreza, valor, coragem, superioridade racial”9. A retomada do

bandeirante transpunha estes valores dos sertanejos do século XVII para a elite paulista

6 Ao leitor. RIHGSP, São Paulo, v 1, 1895; nas citações da RIHGSP as escritas foram atualizadas. 7 ABUD, Katia. O sangue intimorato e as nobilíssimas tradições. 1985. Tese (Doutorado em História) –

Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo. p.132-133. 8 GLEZER, Raquel. Chão de terra e outros ensaios sobre São Paulo. São Paulo: Alameda, 2007, p.179. 9 ABUD, Op. cit., p.132.

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do século XX, justificando seu projeto histórico e político no quadro da Primeira

República, a criação de uma hegemonia paulista sob a nação10.

Além disso, neste período os letrados, motivados pelas ideias que circulavam no

período11, viam na educação um meio de atingir o progresso social e superar o atraso.

Desta forma, a reorganização da instrução pública nos níveis médio e superior no fim do

século XIX foi acompanhada pela criação de diversas instituições, tais como: a

Comissão Geográfica e Geológica (CGG), em 1886, o Museu Paulista (MP) e o

Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo (IHGSP), ambos em 1894. Estas

instituições serviam como locais de divulgação científica, das ideias modernizadoras,

mas também como locais de construção do discurso hegemônico sobre São Paulo. Os

intelectuais que participaram destes institutos compartilhavam uma crença na ciência

como uma possibilidade de promover o desenvolvimento de São Paulo, algo que fica

muito claro na atuação da CGG12, e também para “fincar as tradições de uma região e

um porto seguro na avalanche modernizadora”13.

Neste trabalho o foco se direciona para a formação do Instituto Histórico e

Geográfico de São Paulo (IHGSP). Inserido neste contexto ele estava profundamente

ligado à elite política e, consequentemente, ao poder executivo estadual. O Instituto foi

um local de produção, divulgação e discussão desta nova história de São Paulo centrada

na ocupação do interior do país. Sua composição social, sua relação com o estado, sua

organização e objetivos seguiam o modelo traçado pelo Instituto Histórico e Geográfico

Brasileiro (IHGB) que se constituiu no século XIX:

Havia, nesse novo estabelecimento, a intenção de imprimir uma marca

ao mesmo tempo comum ao modelo ilustrado e civilizado idealizado

pelo IHGB, e por outro lado bastante diversa da forma original, já que

se buscava destacar primordialmente uma suposta especificidade

paulista.14

10 LOVE, Joseph. A Locomotiva: São Paulo na federação brasileira 1889-1937. Rio de Janeiro: Paz e

Terra, 1982. p. 297 11 Esta discussão se encontra em: DIEHL, Astor Antonio. A cultura historiográfica brasileira: do IHGB

aos anos 1930. Passo Fundo: Ediupf, 1998; FERREIRA, Antônio Celso. A Epopeia bandeirante. São

Paulo: Editora UNESP, 2002. 12 Cf. FIGUEIRÔA, Silvia F. de Mendonça. As ciências geológicas no Brasil: uma história social e

institucional, 1875-1934. São Paulo: Hucitec, 1997. 13 FERREIRA, op. cit., p.97 14 FERREIRA, op. cit., p. 109; A discussão acerca da produção histórica do IHGB também pode ser

encontrada em: GUIMARÃES, Manoel Luís Salgado. Nação e Civilização nos Trópicos: o Instituto

Histórico Geográfico Brasileiro e o projeto de uma história nacional. Estudos Históricos, Rio de Janeiro,

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A criação do IHGB em 1838 norteou a produção histórica oitocentista para a

construção da nação brasileira recém independente criando símbolos e imagens, um

discurso nacional, tendo como base as noções de civilização e progresso do

iluminismo15. O Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo inaugurado 60 anos

depois se colocou contra o projeto histórico centralizado no IHGB ambicionando

reescrever a história do Brasil escrita até então elegendo novos heróis e símbolos

pertencentes à epopeia bandeirante16. Desta forma, os sócios da agremiação se

colocaram na tarefa de reescrever a história de São Paulo centrada na expansão e

povoamento do interior do país durante a época colonial construído uma história onde a

parte sobrepunha o todo.

Porém, se este discurso bandeirante é amplamente estudado, buscamos

questionar quais outros discursos poderiam surgir em outras categorias de textos que

escapassem da construção deste discurso. Desta forma, a análise dos textos que por hora

chamamos de “histórias regionais”, buscou determinar novas formações discursivas,

investigando singularidades e repetições entre estes textos e o discurso bandeirante. O

exame dos trabalhos de Orville Derby e Theodoro Sampaio poderiam apontar os

primeiros caminhos tomados por estes textos que englobam história de cidades,

acidentes geográficos, relatos de viagem, etc.

Orville Derby (1851-1815) e Theodoro Sampaio (1855-1937) foram figuras

atuantes na primeira década de existência do IHGSP. Danilo Ferreti enquadra estes dois

historiadores em uma corrente denominada de territorialismo paulista. Este

territorialismo seria um componente básico do projeto nacional paulista voltado para a

colonização e povoamento do interior do estado motivado pela cultura do café17. Derby

e Sampaio também eram membros da Comissão Geográfica e Geológica de São Paulo.

Vol. 1, No. 1, 1988; DIEHL, op. cit., 1998; CEZAR, Temístocles. Lições sobre a escrita da história: as

primeiras escolhas do IHGB. A historiografia brasileira entre os antigos e os modernos. In:

GUIMARÃES, Lucia Maria Paschoal. (Org.) et al. Estudos de Historiografia brasileira. Rio de Janeiro:

FGV, 2011; GUIMARÃES, Lucia Maria Paschoal. Da escola palatina ao silogeu: Instituto Histórico e

Geográfico Brasileiro (1889-1938). Rio de Janeiro: Museu da República, 2007; GUIMARÃES, Lucia

Maria Paschoal. Debaixo da imediata proteção imperial: o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro

(1838-1889). Revista do Instituto Histórico e Geográfico, Jul./Set. 1995. 15 GUIMARÃES, 1988, op. cit. 16 FERREIRA, op. cit., p.110 17 FERRETI, op. cit., p.224.

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Tal Comissão era uma opção científica para resolver os problemas de disponibilidade de

mão-de-obra, de terras e eficiência do transporte e escoamento da produção cafeeira18.

Tais problemas existiam desde o início da exploração cafeeira paulista em meados do

século XIX e estavam na base da criação da comissão em 1886. O sertão visto como o

outro, como o que não somos ou não queremos ser, era o local à ser transformado pela

modernidade, pela civilização19. Desta forma, a produção histórica de Derby e Sampaio,

dois “batedores da ciência”, demonstram a relação entre prática territorialista e as

representações simbólicas que elaboraram20.

Orville Derby publicou, entre 1895 e 1901, 5 trabalhos dedicados à questão de

divisas com Minas Gerais e Paraná. A questão da divisa com Minas Gerais estava

centrada na Serra da Mantiqueira, que era utilizada como demarcação para a divisa dos

dois estados. No primeiro artigo dessa série, A Denominação “Serra da Mantiqueira”21,

Derby utiliza da história e geografia para determinar quais eram os limites entre São

Paulo e Minas Gerais, tendo em vista que ainda existiam áreas contestadas ainda no

início do século XX. A centralidade da serra para responder a esta questão estava no

fato da utilização desde a época colonial da cadeia de montanhas para determinar esta

divisão. Porém, Derby afirma que os limites exatos da cadeia montanhosa eram incertos

e motivos políticos sobrepunham o conhecimento geográfico em certos momentos da

contenda. Estes motivos políticos quase sempre recai num oportunismo das autoridades

mineiras, algo retomado por Derby no artigo de Autoridade Coloniais na raia de São

Paulo e Minas Gerais Durante o Século XVIII22, de 1900, no qual, ao tratar da figura de

Francisco Martins Lustosa afirma que ele teria evitado o avanço de Minas Gerais sobre

São Paulo pois se opôs com armas a relocação da vila da qual era delegado, que seria

movida do território paulista para o mineiro:

É possível que sem esse movimento não se tivesse dado esta

supressão, mas neste caso os mineiros, obtendo pacificamente a

desejada posse deste distrito, não teriam encontrado barreira alguma

18 FIGUERÔA, op. cit., 163-165. 19 FIGUEIRÔA, Silvia F. de Mendonça. “Batedores da ciência” em território paulista: expedições de

exploração e a ocupação do “sertão” de São Paulo na transição para o século XX. História, Ciências,

Saúde-Manguinhos, v. 15, 2008. p.764. 20 FERRETI, op. cit., p.225. 21 DERBY, Orville. A denominação Serra da Mantiqueira. RIHGSP, v.1, São Paulo, 1895. 22 DERBY, Orville. Autoridade coloniais na raia de São Paulo e Minas Gerais durante o século XVIII.

RIHGSP, v.5, São Paulo, 1899/1900.

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para a sua expansão no sertão que é hoje a parte mais rica do Estado

de São Paulo, e na redistribuição das capitanias, que era inevitável,

São Paulo teria sido, talvez, ainda mais sacrificado do que foi em

favor das capitanias auríferas de Minas Gerais, Goiás e Mato Grosso,

ficando, como Rio de Janeiro, limitado a uma estreita faixa junto ao

litoral23

Neste excerto Derby afirma que a oposição armada de Lustosa possa ter

influenciado a supressão da capitania de São Paulo em 1749 e que se estende até 1765.

Porém, aqui também é visível a visão territorialista de Derby, da construção do território

paulista. O impedimento da expansão de Minas Gerais não é sobre qualquer área de São

Paulo, mas sim do oeste paulista, região em que a cultura cafeeira avançava na virada

do século XIX e que também havia sido explorada pela Comissão Geográfica de São

Paulo em fins do século XIX em busca das possibilidades de exploração econômica.

Desta forma, Lustosa pode ser visto como um herói ao ter evitado que São Paulo fosse

separado do espaço que, no momento em que Derby escreve, era responsável pelo

dinamismo e predomínio da economia paulista no quadro nacional.

Este conjunto de textos de Orville Derby além de expor de forma mais direta a

questão do territorialismo, também apresenta marcas da produção histórica desta época:

a descoberta de novos documentos e a crítica histórica destes documentos24. No mesmo

período de Derby, a questão de divisa havia sido analisada por Antônio de Toledo Piza.

Tendo publicado em 1898 Questões de Divisas entre São Paulo e Minas Gerais, Piza

também era membro do IHGSP e diretor da Repartição de Estatística e Arquivo do

Estado de São Paulo desde 1893. Neste posto Piza organizou a série “Documentos

interessantes para a história e costumes de São Paulo”, iniciada em 1894, que era

sintomático deste fazer história que valorizava a descoberta de novos documentos25.

Derby cita esta série em seus trabalhos26 e ele próprio colaborou com Piza na elaboração

do volume XI que trazia os documentos relativos a questão de limites entre os estados.

23 DERBY, op. cit. p. 228. 24 ANHEZINI, Karina. Um metódico a brasileira. São Paulo: Editora UNESP, 2011. p. 38-41. 25 A atuação de Piza como diretor da Repartição de Estatística e Arquivo, além da produção da série

“Documentos interessantes...” foi problematizada por MENDES, André Oliva Teixeira. Os Documentos

interessantes para a história e costumes de São Paulo: subsídios para a construção de representações.

2010. Dissertação (Mestrado em História Social) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas,

Universidade de São Paulo, São Paulo. 26 DERBY, Orville. Primeira phase da questão de limites entre São Paulo e Minas Geraes no século

XVIII. RIHGSP, v.5, São Paulo, 1899/1900.

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A participação de Derby na Comissão Geográfica de São Paulo só reforça a importância

dada a descoberta e sistematização de fontes pois expõe um pensamento cientificista

presente nas instituições da época.

Assim como Derby, nos trabalhos de Theodoro Sampaio O Sertão Antes da

Conquista27 de 1900, e S. Paulo no século XIX28 de 1901, também podemos visualizar

uma visão territorialista da história paulista. O primeiro trabalho expõe a explicação de

Sampaio para a gênese do bandeirantismo: o bandeirante como mestiço, união do

português e do índio, e um ambiente mais suscetível ao povoamento, principalmente

pela Serra do Mar, que propiciava um clima mais ameno que nas províncias do norte.

Construindo uma narrativa da colonização no século XVII, Sampaio retomava a ideia de

uma nação fragmentada, Norte versus Sul, marcado pelo determinismo do meio que

teria favorecido a emergência das bandeiras29 e conclui que “o paulista pelo seu habitat,

tinha de ser o bandeirante por excelência. A conquista dos sertões estava no seu destino

histórico”30.

Em S. Paulo no século XIX, ele continua essa análise da história de São Paulo:

Pode-se dizer que um progresso efetivo, sólido em todos os ramos da

atividade humana, assinalou a marcha do povo paulista através do

século XIX, século que, alias como o dissemos, não despontara para

São Paulo sob os auspícios da prosperidade e da fortuna.31

Descrevendo a expansão e povoamento do oeste paulista Sampaio nomeia as

cidades mais importantes como “estações da conquista civilizadora”, pois serviam como

impulso para o avanço da fronteira. São Paulo continuava progredindo graças a cultura

do café, a estrada de ferro, a imigração e a autonomia da república. Apesar de ter vindo

de uma época de decadência, o potencial econômico do território estadual assegurava

um futuro grandioso.

O cientificismo almejado pela história no início do século XX não justificava

somente a importância dada à crítica documental. Sampaio ao construir uma história de

São Paulo que descreve como ambiente diferenciado para o desenvolvimento de um

novo tipo racial, o bandeirante, expõe também as teorias deterministas do fim do século

27 SAMPAIO, op. cit. 1899/1900. 28 SAMPAIO, Teodoro. S. Paulo no século XIX. RIHGSP, v.6, São Paulo, 1900-1901. 29 FERRETTI, op. cit., p.241-242. 30 SAMPAIO, op. cit., 1899/1900, p.87. 31 SAMPAIO, op. cit., 1900-1901, p.161.

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XIX. A geração de intelectuais de 1870 ao se questionar sobre como modernizar o

Brasil se voltou para essas teorias para averiguar que o país era atrasado pela sua

população mestiça, mas também que havia possibilidade da nação progredir e se

modernizar se o homem vencesse o meio, o sertão32. No âmbito da historia o principal

nome que buscou conciliar estas teorias com a realidade brasileira foi Capistrano de

Abreu33. O neo-indianismo, o territorialismo renovado, a visão fragmentada do Brasil34

presentes na obra de Theodoro Sampaio, e em parte, na obra de Orville Derby, fazem

parte desta perspectiva histórica fundada por Capistrano de Abreu e que teve grande

recepção no meio paulista, tanto pelas trocas sociais entre estes historiadores e

Capistrano, quanto pela defesa do estudo de novos temas pela historiografia brasileira: a

expansão e povoamento do interior do Brasil. O resultado desta união foi a invenção

deste tipo racial único, mestiço, mas que tinha as características para vencer o meio em

que ele estava inserido.

Ao analisar os trabalhos publicados por Orville Derby e Theodoro Sampaio

pensamos na figura do mosaico paulista, pequenas peças de pedra compondo o desenho

do estado como nas calçadas espalhadas pela capital paulista35. As peças deste

mosaico36 seriam os trabalhos publicados na Revista do IHGSP. Enquanto os trabalhos

de Derby delineariam os limites deste mosaico, Sampaio povoaria este espaço, cabendo

as monografias locais, as histórias de cidades, preencher os últimos espaços vazios. De

uma forma mais objetiva, questionamos como os discursos presentes nestes trabalhos

recriaram e determinaram os limites deste espaço, o estado de São Paulo, determinando

o limite de atuação de sua dizibilidade, o que e onde pode ser dito e o que não pode ser

dito37. Se há um esforço de confundir a história de São Paulo com a própria história do

Brasil, como é exposto na frase que inaugura o primeiro tomo da revista, ou de criar

32 FERRETI, op. cit., p.133. 33 Está discussão pode ser encontrada em DIEHL, op. cit., 1998. 34 FERRETI, op. cit., p.240. 35 HOMEM DE MELO, Chico. Crônica de um ícone paulista. Minha Cidade, São Paulo, ano 07, n.

075.02, Vitruvius, out. 2006. Disponível em:

<http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/minhacidade/07.075/1937>. Acesso 30 jan 2015. 36 A própria idéia de mosaico estava presente no período Cf. ANHEZINI, op. cit., p.40-41. 37 Em sua tese Durval Muniz Albuquerque Jr. estudou a invenção do nordeste, a formação do espaço

físico através de uma formação discursiva sobre o nordeste no início do século XX cf. ALBUQUERQUE

JR., Durval Muniz de. A invenção do Nordeste e outras artes. São Paulo: Cortez, 2009.

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uma hegemonia paulista tanto econômica e política na Primeira República, mas também

histórica, como estes discursos lidam com os limites físicos do estado?

Desta forma, este artigo buscou explorar a historiografia produzida no IHGSP

focando na produção de Orville Derby e Teodoro Sampaio. A escolha do bandeirante

como símbolo para uma nova história de São Paulo que buscasse justificar sua

hegemonia na Primeira República contempla somente um aspecto do vasto leque de

trabalhos publicados na Revista do IHGSP. Orville Derby e Teodoro Sampaio

participando desde a fundação do Instituto Histórico foram os primeiros a historicizar as

bandeiras e a província pavimentando uma trilha que seria seguida pelas gerações

seguintes no Instituto. A ideia de mosaico expõe a possibilidade de buscar as relações

entre estes vários discursos presentes na Revista do IHGSP, em particular, o que aqui

chamamos de “histórias regionais” como possibilidade de problematizar a formação de

um ou mais discursos sobre a história e o espaço físico do estado de São Paulo.

BIBLIOGRAFIA

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