sonho que virou realidade: ter uma terra bonita e com árvores

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SONHO QUE VIROU REALIDADE: “TER UMA TERRA BONITA E COM ÁRVORES” O casal camponês Djalma e Rosimery se casaram em 1988, época em que não tinham terra e, na condição de moradores, foram trabalhar e morar na terra dos padrinhos de Djalma, localizada na comunidade Pascácio, no município de Gurjão, no Semiárido Paraibano. Constituíram uma família e tiveram uma filha, Djailma e três filhos, Danilo, Darlan e Djavan. Quando chegaram à propriedade, a terra encontra-se desmatada, toda a mata nativa havia sido destruída para a produção de carvão. “Da antiga mata só restava os buracos de carvoeiras e mais de sessenta bocas de formigueiros, que no início foram tratadas com veneno”, explica o agricultor. Djalma, muito observador da natureza, ia percebendo que para o solo voltar a ser produtivo, tinha que haver um equilíbrio na diversidade de espécies nativas da região e viu que a “formiga não só destrói, mas ela tem sua função na Natureza de transportar e semear as sementes das plantas nativas”. Quando descobriu isso, ele observava que os formigueiros que se situavam na antiga mata semeavam pelo caminho por onde passavam e esse trabalho das formigas foi uma ajuda fundamental para recuperar e conservar a mata e a melhorar a pastagem para os animais, porque segundo ele, “as formigas levavam a semente de angico, da baraúna, do umbuzeiro, do cajá, da catingueira, do pereiro, e por aí vai ... e a mata foi se recuperando”. E foi nesta sabedoria popular herdada da avó, como ele faz questão de relembrar que sua avó era rezadeira e fabricava medicamentos caseiros, que a cada dia ele aprendia mais com a própria dinâmica da natureza. Ele explica, “onde tem galinha, nunca tem cobra nem carrapato, ciscando as folhas elas espantam as cobras e se alimentam dos carrapatos. Também onde se cria bode não há cobras, porque eles vão comendo a folhagem e isso ajuda a espantar as cobras”. Todas estas coisas, no cotidiano do seu trabalho na propriedade, Djalma ia colocando em prática e foi assim que tudo começou a mudar. Paraíba, nº1483

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Page 1: Sonho que virou realidade: Ter uma Terra Bonita e com árvores

SONHO QUE VIROU REALIDADE: “TER UMA TERRA BONITA E COM ÁRVORES”

O casal camponês Djalma e Rosimery se casaram em 1988, época em que não tinham terra e, na condição de moradores, foram trabalhar e morar na terra dos padrinhos de Djalma, localizada na comunidade Pascácio, no município de Gur jão, no Semiár ido Paraibano. Constituíram uma família e tiveram uma filha, Djailma e três filhos, Danilo, Darlan e Djavan. Quando chegaram à propriedade, a terra encontra-se desmatada, toda a mata nativa havia sido destruída para a produção de carvão. “Da antiga mata só restava os buracos de carvoeiras e mais de sessenta bocas de formigueiros, que no início foram tratadas com veneno”, explica o agricultor.

Djalma, muito observador da natureza, ia percebendo que para o solo voltar a ser produtivo, tinha que haver um equilíbrio na diversidade de espécies nativas da região e viu que a “formiga não só destrói, mas ela tem sua função na Natureza de transportar e semear as sementes das plantas nativas”. Quando descobriu isso, ele observava que os formigueiros que se situavam na antiga mata semeavam pelo caminho por onde passavam e esse trabalho das formigas foi uma ajuda fundamental para recuperar e conservar a mata e a melhorar a pastagem para os animais, porque segundo ele, “as formigas levavam a semente de angico, da baraúna, do umbuzeiro, do cajá, da catingueira, do pereiro, e por aí vai ... e a mata foi se recuperando”.

E foi nesta sabedoria popular herdada da avó, como ele faz questão de relembrar que sua avó era rezadeira e fabricava medicamentos caseiros, que a cada dia ele aprendia mais com a própria dinâmica da natureza. Ele explica, “onde tem galinha, nunca tem cobra nem carrapato, ciscando as folhas elas espantam as cobras e se alimentam dos carrapatos. Também onde se cria bode não há cobras, porque eles vão comendo a folhagem e isso ajuda a espantar as cobras”.

Todas estas coisas, no cotidiano do seu trabalho na propriedade, Djalma ia colocando em prática e foi assim que tudo começou a mudar.

Paraíba, nº1483

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Sendo o ano de 1988, ano em se casou com Rosimery, muito bom de inverno, logo que chegou a terra resolveram plantar algodão e lucraram 700Kg, em meia hectare. Nesta época, o casal trouxe para o sítio uma vaca com um bezerro que Djalma já criava antes do casamento.

Foi desta vaca que ele começou a tirar o dinheiro da feira, “ela dava três litros de leite todo dia e eu vendia um litro na usina para arrumar o dinheiro da feira”. Também nesta época, lembra, que trabalhava de alugado para o dono da terra (seu padrinho). “Trabalhei de alugado até 1993, de lá até 2006, o dono da terra deixou de pagar minha diária, chegou uma hora que o proprietário me devia mais do que a terra valia”.

Devido a falta de pagamento, ele foi fazendo tudo por conta própria, plantou palma, cercou a terra, aumentou o rebanho, das duas vacas que o dono deixou ele aumentou para dez, tudo isso já somado a um rebanho dele originado da primeira vaca que levou para o sítio.

Já neste período (2006), o proprietário lhe procurou para negociar a terra, queria lhe vender por 22 mil, 'mas quando juntou tudo o que eu já tinha feito aqui, somou 14 mil'. Depois de muita negociação e com a intermediação da sua madrinha (mulher do proprietário) que reconhecia seu trabalho e via nele o melhor comprador para aquela propriedade, o dono resolveu lhe passar a terra por 13 mil, e assim fizeram.

“Eu vendi dois porcos, por mil, sete reis por 7.200, mais três reis por 1.800 e fui depositando tudo nos Correios em Gurjão, quando completou dez mil, liguei para o dono. Os outros três mil paguei em 2007 com a venda de três bezerros”.

No decorrer da história do casal, desde a juventude atuaram nos grupos sociais de evangelização, fé e política da Igreja Católica na região do Cariri Paraibano. Foi neste período que eles se conheceram, iniciaram o namoro e depois se constituíram como família agricultora. Sobretudo, Djalma participou de encontros da juventude do meio rural, tanto no Estado da Paraíba, como em outros estados do Brasil. O camponês participou de vários eventos, onde se discutia práticas de desenvolver a produção agrícola e a criação animal sem agredir a Natureza.

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Seu engajamento nos movimentos como a Animação dos Cristãos no meio Rural (ACR) e nas Comunidades Eclesiais de Base (CEB´s) na década de 80, lhe deram base, anos mais tarde, para que conhecesse e fosse convidado a participar do trabalho desenvolvido pela ASA e no Coletivo, já como presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais, isso no ano de 2003, quando participou de uma reunião do P1MC. A participação nos movimentos sociais e nas pastorais, fortalecidos por meio de intercâmbios de experiências e oficinas na perspectiva da convivência com o Semiárido, o tornou consciente em relação ao não uso de venenos nas formigas, “agora, só uso urina de vaca e cinzas, de 98 até aqui não uso mais venenos”. Desde que parou de usar substâncias tóxicas observou que passou a lucrar mais, “mesmo que a lagarta comesse, mas o lucro era sempre melhor”.

Começou a preservar as espécies de pássaros predadores de lagartas e foi fazendo o equilíbrio, junto com eles, da plantação “o próprio passarinho faz a defesa da lavoura”. etação nativa plantando cardeiro, xique-xique, macambira e depois de conhecer a assessoria do PATAC/ASA passou também a cultivar espécies forrageiras, para enfrentar os períodos de estiagem com reserva de proteína para o gado como: Nim, Gliricídia e Moringa.

O camponês afirma “sou um agricultor que nunca gostei de queimar, fui morar numa propriedade que fazia carvão e criava gado, mas aqui não destruo um só pé de pau, porque um dos meus sonhos é manter uma propriedade bonita e com árvores”. Hoje eu tenho aqui mais de 50 espécies de plantas nativas e adaptadas (angico, aroeira, baraúna, cajá, caibeira, catingueira, feijão brabo, juazeiro, turco, umbuzeiro,

paud'arco, pereiro, etc.), e mais ou menos 20 variedades de pássaros. A minha propriedade é uma das melhores da região, a mata nativa é conservada. Aqui existe mocó, peba, preá, seriema, tacaca, tamanduá, tejo, ... No tronco das árvores são conservadas vários tipos de abelhas nativas, tais com a cupira, jandaíra, amarela, rajada e africanizadas”.

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Quando se fala em vender leite às usinas, ele diz seguramente que prefere fazer o queijo e vender e dá o soro aos porcos “no inverno chego a fabrica setenta queijos e na seca trinta, se eu entregar este leite em Gurjão tenho prejuízo, não há usina que dê mais lucro que os porcos, um porco custa R$ 700, criado só com o soro do leite”.

Já para Rosimery, o mais importante é manter o arredor de casa funcionando, com a plantação de ervas medicinais, fruteiras e hortaliças, além da criação de galinhas de capoeira, ela também cultiva plantas ornamentais.

A perspectiva de futuro para a agricultora é a construção de uma casa nova, “não quero desmanchar essa não, mas quero uma casa do jeito que sonho”, diz falando da conservação da antiga casa, onde criou os filhos. Neste sonho de casa nova ela também inclui um quintal cada vez mais produtivo, “quero um quintal bem verdinho”. Djalma quer aumentar a barragem e ver a cisterna - calçadão construída e funcionando (projeto que já está em andamento). “Quero fazer um grande pomar e expandir a água na propriedade reformando o tanque de pedra, que já cabe 10 caminhões e passará a caber 20”.

Para o casal de camponês comprar a propriedade foi uma conquista que será celebrada a vida toda e dizem “uma das maiores mudanças foi quando a terra passou a ser nossa, a pessoa com uma propriedade, sabendo trabalhar ganha mais, do que, com qualquer emprego”, finalizou.

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