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Sondagem de opinião: um novo elemento do jornalismo político Antonio Brotas * Índice 1 Metamorfose da noção de opinião pública ............... 2 2 Opinião pública na era dos meios . 3 3 Sondagens: de elemento a síntese . 4 4 Jornalismo e a opinião pública .. 6 5 Sondagens de opinião e cobertura das eleições de 1998 ........ 6 6 Crise de credibilidade: momento de reflexão ............. 10 7 Sondagem e notícia: debatendo a problemática ............ 10 8 Considerações Finais ....... 14 9 Bibliografia ............ 15 O debate que surgiu em ralação aos nú- meros da sondagem e da tendência de queda na confiança do governo do presidente Luís Inácio Lula da Silva integra um script dese- nhado pelos atores políticos e pelos meios de comunicação que têm a divulgação das sondagens de opinião uma boa oportunidade para gerar fatos políticos, com altas doses de previsibilidade. Esta tentativa de legiti- mação do governo através do uso regular de * Mestre em Comunicação e Cultura Contemporâ- neas pela Faculdade de Comunicação da UFBA e pro- fessor de Teorias do Jornalismo e Comunicação e Po- lítica. sondagem ainda é recente no Brasil, apesar desta prática ser difundida nos Estados Uni- dos desde os anos de 1960. É óbvio que os elevados índices de popularidade de um go- vernante não podem ser desconsiderados por qualquer um que conheça a lógica do sistema democrático, mesmo que isso não signifique, como lembrou o jornalista Clóvis Rossi, a garantia de um lugar na história política, que o diga Carlos Menem e Alberto Fujimori, que conseguiram a re-eleição, mas, pouco tempo depois, foram sumariamente descar- tados pelos argentinos e peruanos, respecti- vamente. A efemeridade das sondagens, entretanto, não as retiram dos noticiários. Jornais e re- vistas pautam e são pautados pelos institu- tos de pesquisas, por suas notas explicati- vas e percentagens. Materiais iconográficos completam o arsenal que leva o leitor a pen- sar a política através de dados, da competi- ção entre os candidatos e de um suposto es- tado de opinião pública. O modelo de jor- nalismo que abraça as sondagens, sem qual- quer restrição ou avaliação, revela a dificul- dade dos veículos e dos jornalistas em per- ceberem as diferentes, e por vezes, contradi- tórias, noções da opinião pública e o lugar dos meios de comunicação na constituição do espaço público no mundo contemporâ-

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Sondagem de opinião: um novo elemento dojornalismo político

Antonio Brotas∗

Índice

1 Metamorfose da noção de opiniãopública. . . . . . . . . . . . . . . 2

2 Opinião pública na era dos meios. 33 Sondagens: de elemento a síntese. 44 Jornalismo e a opinião pública. . 65 Sondagens de opinião e cobertura

das eleições de 1998. . . . . . . . 66 Crise de credibilidade: momento

de reflexão. . . . . . . . . . . . . 107 Sondagem e notícia: debatendo a

problemática. . . . . . . . . . . . 108 Considerações Finais. . . . . . . 149 Bibliografia . . . . . . . . . . . . 15

O debate que surgiu em ralação aos nú-meros da sondagem e da tendência de quedana confiança do governo do presidente LuísInácio Lula da Silva integra um script dese-nhado pelos atores políticos e pelos meiosde comunicação que têm a divulgação dassondagens de opinião uma boa oportunidadepara gerar fatos políticos, com altas dosesde previsibilidade. Esta tentativa de legiti-mação do governo através do uso regular de

∗Mestre em Comunicação e Cultura Contemporâ-neas pela Faculdade de Comunicação da UFBA e pro-fessor de Teorias do Jornalismo e Comunicação e Po-lítica.

sondagem ainda é recente no Brasil, apesardesta prática ser difundida nos Estados Uni-dos desde os anos de 1960. É óbvio que oselevados índices de popularidade de um go-vernante não podem ser desconsiderados porqualquer um que conheça a lógica do sistemademocrático, mesmo que isso não signifique,como lembrou o jornalista Clóvis Rossi, agarantia de um lugar na história política, queo diga Carlos Menem e Alberto Fujimori,que conseguiram a re-eleição, mas, poucotempo depois, foram sumariamente descar-tados pelos argentinos e peruanos, respecti-vamente.

A efemeridade das sondagens, entretanto,não as retiram dos noticiários. Jornais e re-vistas pautam e são pautados pelos institu-tos de pesquisas, por suas notas explicati-vas e percentagens. Materiais iconográficoscompletam o arsenal que leva o leitor a pen-sar a política através de dados, da competi-ção entre os candidatos e de um suposto es-tado de opinião pública. O modelo de jor-nalismo que abraça as sondagens, sem qual-quer restrição ou avaliação, revela a dificul-dade dos veículos e dos jornalistas em per-ceberem as diferentes, e por vezes, contradi-tórias, noções da opinião pública e o lugardos meios de comunicação na constituiçãodo espaço público no mundo contemporâ-

2 Antonio Brotas

neo. Neste artigo pretendo levantar algumasquestões sobre esta problemática fundamen-tal à política do início do milênio, bem comoapontar como as distorções reduzem o papeldos meios enquanto instituições sociais, embusca de um sociedade mais democrática.

1 Metamorfose da noção deopinião pública

A tentativa, por parte de políticos, partidos,cientistas políticos, marketeiros, jornalistas erelações públicas, de imprimir um governobaseado nas sondagens, umasondacracia,demonstra, na realidade, uma luta, por horaganha por esta corrente de força, que tor-nar o conceito de opinião pública sinônimodas sondagens de opinião. Estes atores tra-balham com a perspectiva de que a opiniãopública pode ser reduzida a modelos quanti-tativos que apreendem uma opinião, atravésde respostas á questionários de uma determi-nada população. Uma perspectiva, ampla-mente difundida a partir dos anos de 1930,que é bastante criticada pelos teóricos daárea - ao mesmo tempo, que consegue umaampla difusão nos meios profissionais - porse impor como opinião pública, um conceitocom várias vertentes, sem definição precisa,mas essencial para compreender a democra-cia na contemporaneidade.

Existe um paradoxo que está estreitamenteligado aos termos que compõem a expres-são opinião pública. Opinião (opinion emlatim e doxaem grego) refere-se ao indivi-dual, particular, subjetivo, enquanto públicoapóia-se na idéia do corpo coletivo especí-fico ligado e caracterizado pelo uso da ra-zão. Estes dois conceitos mantiveram-se iso-lados por muitos séculos. Somente no iní-

cio do século XVIII, há uma junção dos ter-mos, como artifício para caracterizar um su-jeito coletivo, o público, tão caro à burguesiada época. Mas somente no final do mesmoséculo é que se forma uma entidade que seopõe ao segredo, fingimento ou dissimula-ção. Opinião pública expressa, em síntese,a opinião dos meios parlamentares porquetornam públicas suas opiniões a respeito dasquestões do reino, opõe-se à política do rei,rodeada de mistérios. A opinião é mais oumenos a dos letrados, que julgam em nomede uma suposta razão.

A história do conceito coincide, portanto,com a formação do Estado moderno. A de-fesa quase unânime dos pesquisadores é deque a opinião pública foi um modo de se con-trapor ao segredo de Estado e por isso podeser considerada uma “espécie de máquina deguerra ideológica ‘improvisada’ pelas elitesintelectuais e pela burguesia, durante o sé-culo XVIII, a fim de legitimar suas reivin-dicações no campo político e enfraquecer oabsolutismo”. (Champagne, 1998).

Tema espinhoso e amplamente discutido,a Opinião pública já foi objeto de análisedos maiores pensadores do mundo contem-porâneo. Utilizando ‘publicidade’ ao invésde ‘público’, Emmanuel Kant foi o autor quemelhor sistematizou a função da opinião pú-blica no Estado liberal. Kant defende que ouso público da razão possui duas funções:

“Por um lado se dirige aopovo, para que se torne cada vezmais capaz de liberdade de agir,enquanto da comunicação própriase tem a confirmação da sua ver-dade pelo consenso dos demais ho-mens. Por outro lado, se dirige aoEstado absoluto, para lhe mostrar

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que é vantajoso tratar o homem,não como a máquina de acordocom as regras do Estado de polí-cia, mas segundo sua dignidade”(Matteucci, p.843).

Kant propôs a institucionalização e a le-galização de um espaço organizado entre Es-tado e sociedade onde o indivíduo autônomoe racional agisse, através do debate público,em busca da autocompreensão e entendi-mento. Em outras palavras, Kant faz destaesfera pública, ou melhor, deste espaço depublicidade, uma instância crítica, que se re-aliza pelo uso público da razão.

Outros pensadores liberais como Burke eBentham, Constant, Guizot dão continuidadeao debate sobre opinião pública. A novidade,de acordo com Matteucci (1999), é que estesliberais ampliam a função política da opiniãopública como instância intermediária entre oeleitorado e o poder legislativo, permitindoaos cidadãos uma participação política ativa.A opinião pública permitiria assim que osindivíduos discutissem em público questõesreferentes ao interesse geral, estendendo asabedoria política para além dos governan-tes, o que decerto beneficiaria as discussõesdo Parlamento, que se coloca como represen-tante das discussões do público.

2 Opinião pública na era dosmeios

Gabriel Tarde indicara, desde o início do sé-culo, uma posição que nos aproxima da pro-blemática da contemporaneidade quando as-socia Opinião pública aos meios. Em oposi-ção às multidões, o autor afasta-se dos crí-ticos da opinião pública e defende que “o

agrupamento social em públicos é o que ofe-rece aos caracteres individuais mais marca-dos as melhores possibilidades de se impo-rem, e às opiniões individuais originais asmaiores facilidades de se difundirem” (Tardeapud Esteves, 2003). A defesa deve-se, deacordo com Tarde, à possibilidade do pú-blico gerar atores sociais coletivos, racional-mente orientados, tendo a imprensa comoagente agregador, pois permite a troca de in-formações que alimenta o tecido social.

Tönnies, de acordo com a leitura de Sil-veirinha (2002), influenciado por Tarde, es-tabelece três categorias de opinião pública: apublicada, referente à opinião publicamenteexpressa de um indivíduo; apública, que seconcretiza quando a opinião publicada vira aopinião de muitos; edo público, concebidaenquanto uma concepção puramente teórica.A partir desta relação, o autor defende que adisputa política dar-se, sobretudo, pela opi-nião do público, para que este abrace a opi-nião expressa ou publica como opinião pró-pria. Neste caso, os jornais são fundamen-tais como expressão de idéia e veículos decomunicação, mas somente se constituiriaenquanto tal, quando fossem separados dospartidos e da publicidade. Uma posição,mesmo que guardando certa distância, rei-vindica que os meios de comunicação, en-quanto lócus da esfera pública, também es-tejam abertos à livre participação de todosos interessados, permitam a livre discussãode temas e assuntos e ofereçam igualdade deestatuto dos participantes.

Na atualidade, pensar em fazer política(pelo menos para os cargos majoritários) semas assessorias de comunicação, sem o mar-keting, sem a publicidade, sem os programasde TV/Rádio é diminuir drasticamente a pos-

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sibilidade de estabelecer-se no cenário polí-tico.

“A constituição e automizaçãodo campo dos mídias, em verdade,configura o ponto de inflexão apartir do qual as conexões en-tre comunicação e política aban-donam suas modalidades tradici-onais, inclusive aquelas adstritasa uma dimensão instrumental, ese redefinem em termos de inter-locução de campos sociais parti-cularmente conformados”(Rubim,1997, p.5).

A apresentação/exposição da política edos políticos na televisão, rádio, internet enos jornais para produzir eventos, por vezes,espetaculares, que possibilitem a criação deimagens e cenários no espaço virtual provo-cou mais discordância do que se podia ima-ginar.

Habermas (1984), que situara a esfera pú-blica burguesa como distinta do Estado, daeconomia e da intimidade, destaca que a en-trada dos trabalhadores na cena política, pro-movida pela ampliação do sufrágio, forçamudanças na estrutura da esfera pública,com conseqüente diluição das fronteiras en-tre as esferas e relegando seu aspecto argu-mentativo e racional, fator essencial à produ-ção de opinião pública, a um plano inferior.No fundo, acredita Habermas, as discussõesno Parlamento são uma encenação já que asposições foram firmadas com antecedência eos discursos não seriam capazes de demovê-las. Seria uma pseudo-esfera-pública. Im-porta muito mais manipular, formar esta opi-nião para um público1.

1 “Ao invés de uma opinião pública, o que se con-

No processo de declínio da esfera públicaa imprensa tem papel de destaque. A im-prensa era concebida como instrumento pri-vilegiado da esfera pública por permitir o de-bate aberto e racional de variados temas. Asua independência frente ao poder estatal lhegarantia ainda a liberdade crítica. Habermasavalia que com os novos meios de comunica-ção, a exemplo do rádio, cinema e televisão,ampliam a esfera pública, mas a descaracte-riza posto que a publicidade está muito maispreocupada em construir consenso, de bus-car adesão, através de métodos sedutores, doque ser um espaço para o exercício públicoda razão.

Oposta a visão de Habermas, que influen-ciou uma geração de autores, mesmo após arevisão dos seus escritos, Dominique Wolton(1995) vê possibilidade de formação de opi-niões num espaço público midiatizado. Suaanálise pressupõe que a comunicação é umacondição estrutural do funcionamento da de-mocracia e para o alargamento da esfera pú-blica.

3 Sondagens: de elemento asíntese

Os chamados institutos ou empresas de son-dagem de opinião não poupam esforços parase firmarem socialmente como os legítimos,por agregarem valor científico as técnicas deaferição, medidores da opinião pública. Elesgarantem que das porcentagens que emer-gem das aferições saem certamente um re-sultado preciso da opinião de um determi-nado público num determinado momento davida social. Na realidade, os institutos fazem

figura na esfera pública manipulada é um clima deopinião”. (Habermas,p.254.)

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acreditar que a opinião pública é aquela me-dida pelas sondagens, as quais passam a ser,num processo de mutação constante, a pró-pria opinião pública. Esta posição, querendoou não os estudiosos do tema, cria, para osestudos da opinião pública, um novo marco,que se faz passar pelo próprio objeto de es-tudo, mesmo que tenha surgido séculos de-pois do nascimento do conceito.

A primeira iniciativa sistematizada de son-dagem de opinião foi realizada pela revistaamericana The Literary Digest, em 1932.Em 1935, George Gallup funda o AmericanInstitute of Public Opinion introduzindo mé-todos estatísticos nos modelos de sondagens.Blanco (2000) lembra que já em 1940 Gallupe Ray afirmaram que:

“la opinión pública es tangibley dinámica. Surge de muchas fu-entes de la experiência diária delos indivíduos que formam el pú-blico político y formulan sus opi-nionnes como guía de trabajo parasus representantes. Esta opiniónpública escucha muchas propagan-das, la mayoría contradictorias. In-tenta contrastar y enfrentar argu-mentos y debates para separar ala verdad de la mentira (...) Creeen el valor de la contribuición decada indivíduo a la vida política”.(p.92).

Os institutos seriam, neste caso, os tec-nicamente habilitados a medir esta opiniãopública tangível, sendo necessário fazer issovárias vezes por ser esta também dinâmica.Por trabalharem com idéia de opinião pú-blica centrada apenas na participação dos in-divíduos, desconsiderando a importância dos

atores coletivos como os partidos, movimen-tos sociais, partidos políticos e mídia, elesligavam as sondagens a o princípio democrá-tico do voto. Na verdade, a lógica para queuma amostra estatisticamente definida pu-desse possibilitar a medição da opinião pú-blica estaria na oportunidade dada a todos oscidadãos de expressar sua opinião já que eleseram escolhidos por meio de sorteio a partirdo pertencimento a grupos classificados porsexo, idade, escolaridade, renda, etc.

Mesmo sobre um bombardeio de críticascontundentes como as elaborados por Bour-dieu2 , as sondagens, apesar de levar em con-sideração que o conceito de opinião públicaadvém de uma determinação histórica ligadaà prática política, vingaram e ganharam umaliado precioso: os meios de comunicação,que tiveram a capacidade de ampliar e acele-rar sua aceitação no mundo político-social.

Champagne chama atenção de que nosanos de 1960, na França, as sondagens co-meçam a disputar o lugar, antes tomado pe-las manifestações e pelos jornais, na disputapela expressão da opinião. Posteriormente,esta disputa vira parceria. Jornais e políti-cos assumem a técnica porque a metodologiadas sondagens se aproxima dos procedimen-tos eleitorais tradicionais, permitindo a pro-dução de uma vontade geral abstrata e apa-rentemente consensual. Para Champagne, assondagens transformaram o que antes eram

2 Bourdieu vai ao âmago da problemática ao ques-tionar, o que ele considera, os três postulados básicosde qualquer sondagem de opinião:a) a suposição deque todos podem ter uma opinião, ou seja, de que to-das pessoas são capazes de produzir uma opinião so-bre determinado assunto;b) de que estas opiniões seequivalem;c) de que existe um consenso sobre os pro-blemas relevantes e perguntas que devem ser feitas.

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definições concorrentes numa definição uní-voca e universal.

4 Jornalismo e a opinião pública

O uso de sondagens de opinião pelo jorna-lismo brasileiro foi iniciado, com a publica-ção de uma sondagem do Ibope, no jornalDiário da Noite, na edição de 17 de maiode 1945. Nesta sondagem histórica, reali-zada cinco meses antes da deposição de Ge-túlio Vargas, com amostra de mil pessoas,em São Paulo, Brigadeiro Eduardo Gomes,candidato da UDN aparece como franco fa-vorito. O resultado, entretanto, não se confir-mou. General Eurico Gaspar Dutra, do PSDe apoiado pelo então presidente-ditador Ge-túlio Vargas acabou ganhando com 20% dediferença. Fonte de informação indispensá-vel para a organização e execução de cam-panhas políticas e para monitoramento deimagem pública de políticos e candidatos, assondagens somente ganham lugar de desta-que no mundo político, quando esta impor-tância é reconhecida também pelos meios,espaço que rapidamente transforma as son-dagens em armas políticas. A divulgação dospercentuais, que atinge o ápice nos períodoseleitorais, segue com avaliação dos governose aprovação dos governantes.

Os jornalistas, profissionais que semprefalam em nome da opinião pública, poucoa pouco, combinam acontecimentos dos es-paços tradicionais da política, como o Parla-mento, com a abordagem das sondagens, tor-nando os veículos clientes permanentes dosinstitutos, como os partidos políticos. Sejapor considerar a informação das sondagenscomo síntese da opinião pública ou pensa-la enquanto elemento que permite a vendade jornais, os profissionais têm também nas

sondagens a possibilidade de diálogo maisautônomo no diálogo com o campo político.

5 Sondagens de opinião ecobertura das eleições de 1998

A fragilidade das sondagens como únicaforma de conhecimento de realidade para ojornalismo e síntese da opinião pública de-monstrou seu limite, por exemplo, nas elei-ções presidenciais de 1998. Com esfria-mento da campanha e esvaziamento do de-bate, num movimento articulado pelo go-verno de Fernando Henrique Cardoso, a mí-dia passa a tratar a campanha apenas comouma corrida presidencial. Se as sondagens jáeram utilizadas como peças fundamentais nacobertura eleitoral3, em 1998, elas ditarampraticamente o ritmo da campanha, mesmo

3 “A cobertura do Jornal Nacional, por exemplo,praticamente se limitou aos números das pesquisas deintenção de voto, enquanto que os dois jornais (O Es-tado de São Pauloe Folha de São Paulo) transforma-ram as sondagens eleitorais nas grandes vedetes desuas coberturas” (Azevedo, 2000, p.31). O jornalistaBob Fernandes (editor da revista Carta Capital) afir-mou que o silencio em relação à campanha eleitoralfoi orquestrada pelos principais meios em conformi-dade com o governo em função dos interesses que en-volviam a privatização do Sistema Telebrás. A denún-cia: “Houve, de fato, uma sofisticação, mas eu temoque o papel das emissoras de televisão e da imprensatenha sido talvez até pior do que em 1989, porque aconspiração do silêncio é pior porque ela nada pro-voca. É pior porque em 1989 você teve reação. Aspessoas perceberam claramente. A ordem agora é nãodá nada. Tem um documento interno, assinado peloRoberto Marinho, que é uma piada. Diz o seguinte:como existem vários candidatos a governadores quesão candidatos à reeleição e o presidente também àreeleição, então vamos nos limitar a cobrir as obras enão as pessoas. Aí eu pergunto: oposição tem obra?(...) O que eu ouvi de reclamação de colegas em todosos jornais, revistas sobre a pressão e censura é algo

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antes do seu começo oficial. Observando assondagens publicadas nas revistas Veja e IstoÉ, além do acompanhamento do jornal Fo-lha de São Paulo, podemos perceber que, aocontrário do que aconteceu em 1994, quandoelas foram instrumentos para apresentar oscandidatos anti-Lula, as sondagens, ou a di-vulgação dos seus resultados, foram utiliza-das para barrar a entrada de novos concorren-tes na corrida presidencial de modo a mantero cenário eleitoral elaborado pela equipe dogoverno que preferia a repetição da disputaFHC X Lula.

A matéria da revista Veja (PALANQUEencantado. Veja. No 1511, p.35, 08.out.97) ébastante esclarecedora neste sentido. Depoisde apresentar um Ciro Gomes como “maisperdido que a cabra-cega” por ter entradono PPS, “herdeiro do PCB stalinista de LuísCarlos Prestes” e um Itamar Franco comoum político “adormecido profundamente”,que “fez chapa com Fernando Collor em1989”, a matéria adianta a um ano da eleiçãoque “boa parte das candidaturas de hoje irábater em retirada antes de a disputa começarpara valer”. E para legitimar este discurso,utiliza uma sondagem do Ibope que garantea FHC 33% das intenções de votos, contra15% do seu adversário preferido, Lula.

Pouco meses depois, Veja repete a dose.Desta vez, para descredenciar Itamar Franco.Na matéria Você acredita que este senhor écandidato a PRESIDENTE? (Veja. No 1532,p.34, 11.fev.98) os jornalistas Daniela Pi-nheiro e Expedito Filho tentam convencero leitor (eleitor) que Itamar deveria desistirdesta idéia intempestiva e concorrer mesmoao governo de Minas. A fonte é uma sonda-

que eu não tinha visto, ao longo desses vinte anos”depoimento registrado em Rubim, 2000, p.307.

gem que apontava Itamar, com 10%, comoo terceiro colocado na disputa, atrás de FHC(37%), Lula (22%) e à frente de Ciro Gomes(6%). Enquanto em Minas, ele ficaria com31% da preferência dos entrevistados, tecni-camente empatado com o então governadorEduardo Azeredo, com 32%.

As sondagens que ofereciam elementospara a montagem de discursos desqualifi-cando a entrada de novos atores na disputatambém ajudaram a construir a imagem deum presidente/candidato imbatível, princi-palmente pela Veja. Talvez o melhor exem-plo dessa operação pode ser identificado namatéria Um começo diferente (Veja. No

1527, p.23-25, 07.jan.98). Para Veja, FHCentra na disputa “com robustos índices depopularidade, bem diferente do que aconte-ceu com Collor, Sarney”. E para que nin-guém tenha dúvida da vantagem, um gráficode barra baseada numa sondagem do Vox Po-puli estampa que FHC tem 36% das inten-ções de voto, contra 22% de Lula e 14% deJosé Sarney.

Além de conceder autoridade para a for-mulação das proposições, as sondagens pas-sam a ser elemento balizador, que tenta apre-sentar um presidente/candidato forte, prepa-rado para vencer uma eleição sem muito es-forço. Com os outros atores “impedidos” departicipar do pleito, as sondagens passarama demonstrar que o outro candidato aceito,Lula, estava condenado a perder. O “eternopresidenciável do PT” - como destaca a re-pórter Thaís Oyama (ENTRE o ser e o nãoser. Veja. No 1536, p.21-23, 11.mar.98) - es-tava desanimado com a candidatura, reflexodo baixo de intenção de votos revelado nassondagens eleitorais.

As sondagens, portanto, foram utilizadasno período pré-eleitoral tanto para afirmar a

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invencibilidade de FHC, quanto para desqua-lificar a entrada de novos adversários, evi-denciando a fraqueza da candidatura Lula.Ao mesmo tempo, elas ofereceram aos jor-nalistas a possibilidade da previsão, garan-tem as projeções futuristas, e legitimam umdiscurso que não poderia ser feito pelo jor-nalismo de forma tão contundente, caso nãoexistisse este procedimento de aferição.

Mas a entrada de temas sociais na agendada campanha como a seca do Nordeste, quefoi manchete da Veja, Isto É, Jornal Nacio-nal, Folha de São Paulo geraram críticas degrande parte da imprensa ao governo pelalentidão em oferecer respostas aos proble-mas nacionais. O novo momento na co-bertura é ensaiado por Veja. A matériaProcura-se um candidato (Veja. 1547, p.44-47, 20.mai.98) sugere que o eleitor brasileirogostaria de votar num candidato de oposi-ção para Presidência da República, de acordocom as sondagens de opinião. A matériase refere às sondagens do Vox Populi queidentificou que 66% dos entrevistados prefe-riam um candidato que traga mudanças, con-tra 44% que optaram pela manutenção da es-tabilidade. Na semana seguinte, entretanto,é publicada a matéria Fogo em Gêmeos (IstoÉ. No 1495, p.28-33, 27.mai.98) feita a par-tir de uma sondagem também do Vox Populi,sobre a rejeição de FHC, que ultrapassou ade Lula (17% x 15%). Isto É repete a doseao trazer uma reportagem sobre o assunto naedição seguinte (DE CRISTA baixa. Isto É.No 1496, p.30-35 03.jun.98) que anuncia adesvantagem de FHC em nove estados brasi-leiros, o aumento da sua rejeição e a quedada diferença dele para Lula reduzida a 6,6pontos.

Uma semana depois, Veja se convence deque Lula estava crescendo nas sondagens de

opinião e lança, talvez, a capa mais emble-mática da eleição. A revista reforça a re-portagem de Isto É exibindo a manchete emsua capa: Lula entra no jogo: mas será queele tem chances de vencer a eleição? Nocorpo do semanário, nas páginas dedicadasà política, temos o título Cabeça a Cabeça(Veja. No 1550, p.42-48, 10.jun.98). Re-pleta de gráficos, com resultados anteriores ecurvas de desempenho, a matéria, de acordocom Vox Populi, aponta o empate técnicoentre FHC e Lula (31% X 30%). A maté-ria de Veja demarca também uma mudançade comportamento da imprensa em relação àLula. De eterno presidencial fadado a maisuma derrota, Lula passa a ser tratado comocandidato que tem uma estratégia para ven-cer o pleito. A equipe do petista é apresen-tada, assim como os acordos políticos esta-belecidos. A sondagem foca a atenção emLula, que deixa de ser apenas um apêndice,um elemento garantidor da vitória de FHC,mesmo que isso, de acordo com a matéria,não seja por mérito da oposição. Era muitomais conseqüência dos erros do presidente.

Mas o que permitiu Veja chegar a esta con-clusão de que Lula entrara na disputa na-quele momento? Pelo que se anunciou, acampanha de Lula ainda não havia decolado4

de fato. Sabia-se apenas que havia um malestar na sociedade em função dos erros co-metidos pelo presidente/candidato em fun-ção da seca do Nordeste, por exemplo. Isto,no entanto, não leva a concluir, de antemão,que Lula estava no páreo novamente, ou deque já não estivesse de fato competindo. A

4 A própria matéria de Veja revela que os resulta-dos pegaram os oposicionistas de surpresa. “O PT foiapanhado de surpresa tanto quanto o Palácio do Pla-nalto”, diz os repórteres para algo que, pelo que dizos institutos de opinião, já é publico.

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única fonte que legitima as afirmações dosjornalistas é as sondagens.

No dia 24 de junho, (LEONEL e o poste.Veja. No 1552, p.40-44, 24.jun.98) uma son-dagem do Vox Populi é publicada para anun-ciar a recuperação de FHC, que sobe de 31%para 36%, enquanto Lula cai de 30% para29%. A diferença, desta forma, sobe de1% para 7%, excluindo votos brancos, nulos,indecisos e candidatos com menos de 1%.Logo no início de julho os números do Ibopeindicaram novo crescimento de FHC, que re-cupera terreno ao subir três pontos, atingir36% e se distanciar oito pontos de Lula, quepermanecia com 28%.

Depois de passar a impressão de que aeleição estava mesmo liquidada no primeiroturno, com FHC contabilizando mais de 6%acima da soma dos outros candidatos, se-gundo todas as sondagens de opinião, umfato novo toma conta da campanha e tornasseassunto obrigatório em todos os jornais e re-vistas: a crise econômica5, deflagrada com amoratória na Rússia, no dia 17 de agosto de1998, passou pela Venezuela e desembarcouno Brasil, no dia 21, quando a Bolsa de Valo-res de São Paulo registrou queda de 10,4%,provocando a interrupção do pregão. A pu-blicação de uma sondagem sobre FHC e acrise, no caderno Eleições da Folha de SãoPaulo no dia 06 de setembro encerrou a dis-cussão sobre a possibilidade de mudança na“corrida eleitoral”, posto que os desdobra-

5 Num levantamento sobre os dez principais temase sub-temas que aparecem nos principais jornais, re-vistas, através das manchetes de primeira página, cha-madas iniciais e títulos, editoriais e colunas, a crisefinanceira fica em terceiro lugar mesmo só ganhandodestaque no final de agosto de 98. Azevedo (2000)também percebe que é neste momento que a cober-tura do presidente/candidato cresce.

mentos apenas sacramentaram as tendênciasapresentadas: Medo da crise favorece FHC éa manchete do caderno.

Talvez os jornalistas nem dêem conta dainfluência que as sondagens de opinião pas-saram a ter na cobertura jornalística da polí-tica. Além de oferecerem um farto materialde trabalho para o jornalista potencializadoseu poder enquanto enunciador, elas tendema influenciar a seleção dos acontecimentospolíticos, organização interna da notícia e hi-erarquização dos candidatos.

Certamente, os jornalistas tinham osmeios de fazer a seleção dos candidatos antesdas sondagens, quer através das alianças po-líticas que sustentavam as candidaturas, dasmanifestações de apoio de setores represen-tativos da sociedade como movimentos so-ciais e empresariais. A participação popularnos comícios também era um dos fatores deseleção dos candidatos que teriam destaquena mídia.

Em 1998, observou-se que a apresentaçãodos candidatos no jogo sucessório obedeceuà hierarquia indicada nas sondagens. Istopode ser percebido na estrutura interna dasnotícias, como na própria organização dasmatérias na diagramação dos jornais. O queé mais importante, mais relevante foi indi-cado pelas sondagens.

Até maio, as matérias e a diagramação dosjornais e revista, seguiam sempre esta ordem– FHC, Lula e raramente incluía Ciro Go-mes. Nesta época, as sondagens indicavamque FHC venceria facilmente no primeiroturno, com ampla vantagem de votos. Emjunho, quando as sondagens identificam umaascensão de Lula, o candidato começa a apa-recer com mais freqüência nos jornais. Vejae a Isto É, por exemplo, dão capa ao candi-dato petista que também passa a ter matérias

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sobre a sua candidatura publicada com maiorfreqüência.

Sem conflito, a cobertura da sucessão pre-sidencial não apresentou publicamente as di-ferenças políticas entre os postulantes aocargo. As divergências, críticas, contesta-ções e foram sufocadas pelas sondagens queconseguiram transformar a sucessão apenasnuma “corrida presidencial”. As polêmicastambém foram sufocadas e talvez seja porisso que os erros cometidos pelos institutostiveram uma repercussão tão forte nos pró-prios meios, pois eles não foram capazes (ounão quiseram) de ouvir outras expressões daopinião pública. Entidades não governamen-tais, partidos políticos, o cidadão comum, to-das estas forças foram reduzidas a uma só:sondagens de opinião

6 Crise de credibilidade:momento de reflexão

A total harmonia que existia entre estes asempresas de comunicação, políticos e insti-tutos de opinião em torno dos resultados dassondagens foi rompida. Denuncias de mani-pulação dos resultados das sondagens não éalgo novo novas, mas em momento algum seviu surgirem vozes contrárias às formas deutilização e divulgação das sondagens. Maisdo que a denuncia, a eleição precipitou umacrise de credibilidade dos institutos que fo-ram forçados a admitir erros e, numa posturainédita, lançar campanhas publicitárias parainformar à sociedade que falavam a verdade,algo impensado há 10 anos. O problema ga-nhou as páginas dos jornais e revistas, alémdo noticiário da televisão.

De elemento balizador dos textos jornalís-ticos, as sondagens se transformam em no-

tícia justamente pela suspeita que se levan-taram contra seus resultados, contra a meto-dologia aplicada pelos institutos de opiniãoe contra ao modelo de comercialização. Adesconfiança generalizada e inédita uniu jor-nalistas e políticos de direita, centro e deesquerda. As dúvidas em relação ao traba-lho dos institutos de opinião e as disparida-des dos resultados obtidos nas sondagens emcontraposição aos revelados pelas urnas cul-minou com uma proposta de criação de umaComissão Parlamentar de Inquérito Mista,que mesmo sendo arquivada, demonstrou ograu de insatisfação dos seus usuários.

Na realidade, o agendamento do tema “er-ros das pesquisas de opinião” aponta para vá-rias polêmicas que emergiram e ou se conso-lidaram nas eleições 98. A saber: a relaçãodos institutos de pesquisas com os políticose meios de comunicação, a divulgação dassondagens pela mídia e a metodologia em-pregada por estas empresas a fim de identifi-car uma tendência de opinião na sociedade.

7 Sondagem e notícia:debatendo a problemática

O debate travado após os sucessivos erros co-metidos pelos institutos de opinião nas elei-ções de 1998 pôs em cheque justamente estarelação com os meios de comunicação. De-nunciado por jornalistas, políticos e repre-sentantes da sociedade civil, este episódiosingular da política contemporânea midiá-tica fez com que nos deparemos com umaquestão básica: os resultados das sonda-gens podem realmente ser aceitos pelos jor-nais como um acontecimento político? Anossa posição aqui vai de encontro aquelesque são contra a divulgação das sondagens

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nos meios. Na realidade, como outros se-tores da sociedade, os institutos de opiniãoadaptaram-se perfeitamente à mídia e con-seguiram fazer com que seus produtos (assondagens de opinião) fossem previamentepreparadas para se transformar em aconteci-mento político-midiático.

Esta manobra pode ser percebido, comclareza, na eleição presidencial de 1998.Apesar da cobertura de Veja ser, na maio-ria das vezes, tendenciosa é preciso ponde-rar a relevância do paradigma da manipula-ção deliberada dos meios enquanto modeloexplicativo desta tendência do jornalismo.Sair desta perspectiva nos permitiria enten-der melhor o papel das sondagens na co-bertura da política nas eleições presidenciaisde 1998, já que nos oferece a possibilidadede indicar porque foi possível optar esta enão por outras formas de trabalho. Obser-vando as particularidades das sondagens deopinião, podemos identificar alguns elemen-tos que permitiram sua adoção pelos mídia,mesmo que isto cause alguns constrangimen-tos e alterações na cobertura política.

O acontecimento seria então o princípioda cobertura jornalística. Mas o que dirigea transformação do acontecimento em notí-cia? Quais os critérios que regulam esta se-leção? Que características o acontecimentoteria de demonstrar para ser alçado à con-dição de notícia. Geralmente, os aconteci-mentos que indicam desvios das normas e decomportamentos de pessoas alcançam a con-dição de notícia. È o que Adriano DuarteRodrigues (1993) chama de “ponto zero dasignificação”. Oposto à racionalidade, queé da “ordem do previsível, da sucessão mo-nótona das causas”, o acontecimento jorna-lístico é identificado pelo excesso, falha ouinversão, por Rodrigues. Certamente, estes

critérios não justificam a totalidade da con-versão das sondagens em acontecimento jor-nalístico.

Nas eleições de 1998 e nos pleitos de1994 e 1989, a divulgação das sondagensnão estava simplesmente atrelada a rupturasde regularidades. Pelo contrário, percebe-se uma continuidade de conversão que obe-deceu, praticamente, a própria realização dasondagem para fins de divulgação. A dife-rença é que nos momentos em que são reve-ladas novidades como o súbito crescimentode Lula nos meses de maio e junho, as son-dagens ganham mais destaques nas páginasdos jornais e revistas atendendo ao critérioda novidade, do inusitado, posto que a pró-pria imprensa criou e também passou a acre-ditar que FHC seria invencível.

Na sua versão atual, pelo menos, asque são divulgadas na mídia, as sonda-gens podem ser classificadas como meta-acontecimento, em que o real é um referentevago, ganhando forma apenas ao ser enunci-ado. Desta forma, o meta-acontecimento nãoé regido pelas regras do estado das coisas, eleacontece ao serem e pelo fato de serem enun-ciados. Realizam aquilo que anunciam pelofato de enunciar.

Não que as percentagens publicadas nãoestabeleçam relação com a realidade, afinal,as sondagens representam uma tentativa desíntese das opiniões disponíveis na socie-dade num determinado período. Queremosdestacar, entretanto, que as sondagens, nestaperspectiva, acontecem realmente na mídia,neste âmbito da sociabilidade contemporâ-nea. Acontecem porque ganham significadona mídia, produzem significados no campopolítico, além de produzirem outros aconte-cimentos a partir da sua enunciação.

Parece-nos que os jornalistas encontraram

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nas sondagens alguns elementos que permiti-ram a sua adoção sem grandes controvérsias.As sondagens teriam em si alguns valoresque os profissionais deste campo social pro-curam nos acontecimentos que pretendem ousão levados a converter em notícia. Ou seja,nas eleições de 1998, o uso das sondagenscomo acontecimento político por excelênciasó foi possível porque, além de um possí-vel direcionamento político, fruto de uma fieladesão dos meios de comunicação à lógicaneoliberal do governo FHC, elas puderam,de alguma forma, sustentar o discurso legiti-mador dos meios: o da visibilidade pública,posição que surge do equívoco de tomar assondagens enquanto a forma de representa-ção da opinião pública.

A atualidade do acontecimento sondagemseria reconhecida pela função dos meios emcriar um “presente social” contínuo que ser-viria de referência para a coletividade. Ga-mes (1991) aponta a utilização de previsõescomo uma estratégia dos meios para am-pliar o presente social. A este presente am-plo, no qual são desenvolvidas várias açõesem simultaneidade, está agregado um futuroenquanto capacidade de previsão efetivadatanto pelos experts quanto pelos políticosatravés das suas promessas. A possibilidadede prevê um resultado futuro, de anteciparfatos e conseqüências é um dos motivos quetorna as sondagens extremamente atraentespara os jornalistas. Ao autorizar (legitimar)discursos que previam a vitória de FHC hávários meses da eleição, amplamente difun-didos na imprensa, as sondagens eleitoraisdão poder aos profissionais de, na prática, se-dimentarem opiniões momentâneas como sefossem certezas, daí o abalo provocado peloserros dos institutos. Se jornais, revistas e te-lejornais não elegessem as sondagens como a

fonte política nas eleições, eliminando o po-tencial informativo das demais, a “surpresa”não seria tão grande.

Discursos que levam a pensar que sabe-mos o que ocorrerá e, portanto, nos preparapara o que vai ocorrer para que não fique-mos desprevenidos. As sondagens de al-guma forma ajudam os meios a criar estepresente contínuo já que eles “actúan me-nos como historiadores que como presenta-dores, cuando no profetas” (p.32). Nesta ta-refa de mediar/presentificar o passado e o fu-turo, convertendo todos os tempos em pre-sente, aberto ao porvir, a notícia das sonda-gens admitem comentários futuristas que fo-ram articulados politicamente, posto que

“el público que sigue los mé-dios de comunicación de uma zonadispone de uma referencia comum,el presente que los médios comu-nican y explican y esse presentese compone basicamente de he-chos pasados, sucesos de um pa-sado inmediato que impresionamlas imaginaciones de los lectoresy oyentes como si fueran el pre-sente” (p.33).

A novidade talvez seja a forma de repre-sentação do presente, de atualidade, maismarcante. No caso das sondagens, o va-lor notícia novidade não se caracteriza pelaruptura radical. Sua característica principalé um singular estatisticamente, esperado se-melhante ao ato de um governante ou a deci-são econômica. Nas eleições de 98, elas aju-daram a compor o cenário político-midiáticode uma vitória tranqüila e inevitável de FHC.A rigor a divulgação da sondagem e sua co-nexão com os temas do presente, que ocu-pam a agenda pública, é que determinam sua

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atualidade. Sondagens realizadas há uma se-mana, ou um mês, foram divulgadas e pron-tamente aceitas pela mídia como se o “mo-vimento de opinião” registrado naquele mo-mento ainda estivesse presente tal qual foraregistrado antes. Veja, Isto É e Folha de SãoPaulo utilizaram estes expedientes como ro-tina. Na revista devido à periodicidade, adivulgação das sondagens ocorre com atrasode, pelo menos, cinco dias. E mesmo em edi-ções posteriores, até a divulgação de outrosresultados, eles são utilizados como se nãopudessem mudar porque o jornalista atualizaestes resultados todas as vezes que divulganotícias que foram desdobramentos destassondagens no campo político. Foi o queocorreu durante o período de ascensão dosnúmeros percentuais de Lula em junho, le-vando a reação governista.

A segurança conclusiva das matérias so-bre as eleições e sobre o embate políticodurante a crise financeira demonstra tam-bém que as sondagens foram utilizadas pe-los jornalistas como informação provenientede uma fonte aparentemente neutra, impar-cial e segura, e por isso, com credibilidade.Foi um acontecimento selecionado em fun-ção da sua aparente ausência de ambigüida-des e pela redução dos embates políticos emfrias percentagens (Galtung e Ruge apud Al-sina, 1996, p.111). Melhor, uma “opiniãodo público para o próprio público”, comopropagam os institutos de opinião, portanto,uma opinião supostamente legitima e repre-sentativa. E como conclui Alsina (1996),“quanto más factores noticiosos están asoci-ados a um acontecimiento más propabilida-des tienen de ser noticia” (p.112).

Portanto, a adoção das sondagens pelosmeios não representava uma agressão aos pa-drões que norteiam a seleção dos aconteci-

mentos que seriam transformados em notíciano jornalismo contemporâneo. Podemos su-por que as sondagens pela facilidade, apesardo alto custo, se adequaram perfeitamenteas rotinas produtivas dos jornais e revistas.Como acontecimento previamente definido,com data e hora marcada para existir, elasnão alteram a rotina dos meios e ainda tra-zem a vantagem de gerar notícias difíceis derebater e fáceis de compreender, sendo muitomais simples e econômico.

O grande problema então das eleições de1998, não foi a adoção das sondagens en-quanto acontecimento, mas como o majori-tário e hegemônico, sem levar em considera-ção outras forças expressivas da sociedade.Em harmonia com a estratégia de silenciara eleição, as sondagens cumpriram um pa-pel fundamental para que a população ficassecom a impressão de que havia uma coberturapolítica. Parece-nos que o debate em tornodas sondagens, depois da perda da aura deinfalível, pode dar à sociedade brasileira apossibilidade de avaliar melhor a relação vi-tal que os institutos mantém com os meiosde comunicação.

A eleição de 1998 expôs todo as facetasda relação entre os institutos de opinião e osmídias. Ficou evidente que as sondagens po-dem sim ser admitidas como uma das fontesde informações do campo político, pois elas,além de oferecerem um conhecimento singu-lar de realidade, possuem características quepermitem a sua adoção tanto pelos meios decomunicação quanto pelos políticos. Ora, seesta posição é passível de entendimento, ficaclaro também que a eliminação das outrasexpressões dos sentimentos e desejos de umapopulação causa prejuízos irreparáveis parao jornalismo e para a sociedade.

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8 Considerações Finais

Uma cobertura jornalística guiada pelas son-dagens de opinião tem como resultado aredução drástica da discussão dos proble-mas políticos existentes num dado momento.Numa eleição, por exemplo, a frieza dosnúmeros transforma o processo sucessório,numa corrida presidencial, cuja preocupaçãoúltima é saber quem está ganhando, quemavançou nas pesquisas. Nesta disputa, ojornal pode ajudar a acelerar a construçãode candidaturas, ofuscando oponentes ou atémesmo indicar para a população que a elei-ção findou-se muito antes votação. Posicio-namento, que não corrobora com a participa-ção dos cidadão nas atividades e discussõespúblicas.

Não estamos falando em manipulaçõesdeliberadas, ainda que sejam possíveis e fa-cilitadas pela falta de uma legislação mais rí-gida e eficaz. A preocupação que trazemosdiz respeito muito mais à relação que o jor-nalismo deve ter com a sociedade e a demo-cracia, tendo a opinião pública como um dosfatores de mediação. Discutimos ao longodeste artigo à problemática que cerca o con-ceito, suas variações, interpretações. Mos-tramos como as sondagens aparecem comum dos elementos deste processo e a im-portância de incluir os meios de comunica-ção, em especial o jornalismo, nesta discus-são. Apontamos, entretanto, que a reduçãoda opinião pública à estatística dos institutosde opinião pelos meios de comunicação nãocontribui para melhor conhecimento da rea-lidade. Serviu muito mais aos interesses doscandidatos, partidos. As sondagens, comoocorreu nas eleições presidenciais de 1998,foram armas políticas, que os jornais brasi-leiros ajudaram a potencializar.

O uso indiscriminado das sondagens deopinião, a ostentação de seus números comosímbolos da verdade e o silenciamento deoutras expressões da opinião pública pelosmeios noticiosos oferece a impressão que vi-vemos numa sociedade com conflitos apazi-guados, uma sociedade com consensos ex-tensos, sem tensões já que as preferênciassão vagas e simplificadas. Algo muito dis-tante da realidade, principalmente duranteuma sucessão presidencial.

Esta adequação, que distorce as normasbásicas do jornalismo, ao ser efetivada pro-voca mudanças na forma da mídia percebera política, uma mudança com prejuízos paraoutros acontecimentos políticos. O jorna-lismo moderno pressupõe relativa autonomiaem relação ao sistema político e outros auto-res sociais poderoso. A utilização, sem mai-ores critérios, e a fé cega nos números difi-cultam a perspectiva, nascida na sua origem,de que o jornalismo é fundamental à vida pú-blica em qualquer sociedade, oferecendo ele-mentos para a discussão pública dos acon-tecimentos que atingem os seus membrosconcernidos. Parece-nos que é completa-mente descabida de sentido qualquer propo-sição que tenha por objeto a proibição da di-vulgação das sondagens de opinião. Mesmopartindo do pressuposto de que as opiniõesem disputa no espaço público são individuaise estão dispostas em pé de igualdade, des-considerando a presença dos atores coleti-vos, a metodologia das sondagens de opiniãoacaba formulando uma voz coletiva legítimaa partir de opiniões dispersas, juízos de valore predisposições racionais e emotivas, quepodem estar latentes na população.

Evidenciamos nas eleições de 1998, queesta “voz coletiva” foi privatizada inúme-ras vezes, atendendo muito mais aos inte-

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resses dos atores que encomendam as son-dagens, dos próprios institutos de opinião,enquanto lucrativas empresas, dos profissio-nais do marketing e das empresas de comu-nicação. As sondagens, neste aspecto, de-vem ser pensadas e trabalhadas pelos jorna-listas num quadro em que a sociedade civile suas instituições sejam consideradas fun-damentais para uma progressiva democrati-zação da sociedade. O reducionismo da opi-nião pública a este novo elemento da políticacontemporânea aceita pelos jornalistas crioua falsa ilusão de que os representantes da po-pulação estão sendo permanentemente vigi-ados e avaliados, elevou as possibilidades demanipulação e dificultou o surgimento de no-vas propostas para o uso da metodologia afim de elevar a participação dos cidadãos.

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