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SONATA ANDINA, PARA DOIS VIOLÕES, DE JAIME M. ZENAMON:
ANÁLISE TÉCNICO-INTREPRETATIVA RESGATANDO A VISÃO DO COMPOSITOR SOBRE SUA OBRA
Luciana Elisa Lozada Tenório
Bolsista da Fundação Araucária de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico do Paraná – 2009/2010
Orientador: Orlando Cézar Fraga
Escola de Música e Belas Artes do Paraná
Palavras-chave: Análise; Interpretação; Sonata Andina; Jaime M. Zenamon.
INTRODUÇÃO
Com a presente pesquisa, pretende-se produzir um material de apoio para o
intérprete da obra Sonata Andina, de Jaime M. Zenamon. A primeira etapa da pesquisa
tratou de resgatar a visão do compositor sobre sua obra. Isto foi feito por meio de
entrevistas com ele, levantando dados importantes para a contextualização da peça,
questões interpretativas e até mesmo correções na edição da partitura. Após esta
coleta de dados, a pesquisa partiu para a segunda etapa, na qual a obra é analisada
musicalmente, tendo como elemento direcionador o grupo de informações obtido na
primeira etapa e as finalidades de compreender melhor o texto musical e apresentar,
quando necessário, soluções técnicas relevantes para uma melhor execução da obra.
JAIME M. ZENAMON
Jaime M. Zenamon é um compositor, violonista e regente que nasceu em La
Paz, Bolívia, em 1953. De 1972 a 1980, viveu em Curitiba, onde se naturalizou e fundou
o curso de Bacharelado em Violão da Escola de Música e Belas Artes do Paraná, em
1978. De 1980 a 1992, radicou-se em Berlim, onde atuou como professor de violão a
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convite da Escola Superior de Artes (Hochschule der Kunste). Atualmente, reside em
Curitiba, trabalha como compositor, regente e ministra masterclasses, seminários e
palestras em diversos países.
SONATA ANDINA
A Sonata Andina é uma obra para duo de violões, composta em 1982, por Jaime
M. Zenamon. Foi publicada em Berlim, pela Editora Margaux, em 1988. É constituída
de três movimentos: I. Vivo, II. Lento e III. Bien animado. Segundo o compositor, esta
peça foi composta quando ele residia na Alemanha, para um duo de violões que o
compositor mantinha com a violonista norte-americana Laurie Randolph. Zenamon
avalia esta obra como descritiva, pois foi feita com intenção de remeter o ouvinte à
paisagem e a características Andinas, tais como montanhas, pampas, cavalos, o povo
tipicamente andino, os churrascos, as festas tradicionais etc.
ANÁLISE DO PRIMEIRO MOVIMENTO
Andamento: Vivo (Sugestão de tempo: = 100);
Forma: A – B – A’
Neste movimento, a principal característica que remete ao universo andino é o
ritmo 6/8. Zenamon afirma ter escolhido este ritmo para fazer uma referência aos
ritmos folclóricos sul-americanos muito difundidos na região dos Andes, como o
malambo1 e a chacarera2, que apresentam como forte característica a sobreposição e
justaposição dos ritmos 6/8 e 3/4 (ESCALADA). Esta polirritmia ocorre em todo o
1 Malambo: um tipo de música do Uruguai e da Argentina. É o veículo de expressão nas payas ou
payadas (duetos vocais). De humor alegre, os textos são estruturados em forma de corrido, romance, décima ou verso, e podem estar em formato de pergunta e resposta. As melodias tendem a se apresentar em escalas descendentes e estão em ritmo binário simples, contrastando com o acompanhamento do violão em 6/8. É comum os refrãos serem harmonizados em terças paralelas (GRADANTE, William). 2 Chacarera é uma dança e música popular originária do sul da Bolívia e do noroeste da Argentina,
dançada desde o século XIX. A música é tocada geralmente com violão, violino, sanfona e bumbo "legüero". A chacarera pertence ao grupo de danças picarescas, de ritmo ágil e caráter muito alegre e festivo (Disponível em: <www.camdipsalta.gov.ar/INFSALTA/chacarera.htm>).
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primeiro movimento, como se observa em alguns compassos extraídos da peça, na
Figura 1:
Figura 1 – Compassos do 1º movimento da Sonata Andina; polirritmia.
Segundo o próprio compositor, o ponto de partida para a composição do
primeiro movimento de Sonata Andina foi o primeiro acorde da peça, executado pelo
violão 2, representado na Figura 2, que surgiu de forma intuitiva. Jaime Zenamon
gostava muito do som desse acorde e improvisava no instrumento, utilizando-se do
ligado entre a nota la e sol, cujo efeito lhe agradava:
Figura 2 – Acorde inicial da Sonata Andina.
Este acorde inicia a seção A (compassos 1 a 61) e também está presente na
seção A’ (compassos 131 a 144), ambas seções em que predomina a tonalidade de Sol
Maior e nas quais estão presentes os motivos melódicos, rítmicos e harmônicos mais
significativos da peça, muito explorados pelo recurso da imitação. A seção B
(compassos 73 a 107), por sua vez, apresenta um desenvolvimento mais livre,
predominantemente na tonalidade de Si Maior.
Na Figura 3, está destacada a frase a, em particular, por conter os elementos
motívicos que dão forma ao restante das frases da peça. Na Figura estes motivos estão
circulados:
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Figura 3 – Frase a, do 1º movimento da Sonata Andina.
ANÁLISE DO SEGUNDO MOVIMENTO
Andamento: Lento (sem sugestão de andamento)
Forma: A – B – A’
Neste movimento, a característica mais marcante é a sonoridade da escala
pentatônica. Em entrevista, Jaime Zenamon confirmou a utilização de uma escala
pentatônica menor conhecida como hirajoshi. Por meio da análise musical percebe-se
que ele também utiliza outra escala menor de cinco tons, conhecida como kumoi.3 As
duas escalas estão representadas na Figura 4:
Figura 4 – Escalas pentatônicas hirajoshi e kumoi
3 A nomenclatura das escalas foi feita segundo a que é utilizada por Vincent Persichetti.
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Segundo o compositor, a razão para a utilização dessas escalas foi a intenção de
utilizar um elemento comum na música andina que ao mesmo tempo expressasse a
melancolia dos povos andinos. O compositor afirma que a música dos Andes utiliza
recorrentemente a escala pentatônica maior, contudo, para obter o efeito expressivo
desejado ele aliou a sonoridade menor das escalas orientais citadas. A maior parte das
melodias das seções A (compassos 1 a 51) e A’ (compassos 60 a 85) são derivadas
dessas escalas. Harmonicamente, o compositor explora os acordes de quarta, que
acentuam a sonoridade peculiar das escalas. A imitação é um recurso muito explorado
neste movimento.
Foram realizadas duas pequenas correções na edição da partitura, com a
supervisão do compositor. A Figura 5 mostra que no primeiro compasso, ao invés da
nota sol, como está escrito na partitura, a nota correta seria fa sustenido; no terceiro
compasso há uma correção de articulação visto que a partitura não apresenta ligadura
entre as duas notas si que estão circuladas:
Figura 5 – Correções na edição da partitura do 2º movimento da Sonata Andina.
Na gravação do compositor com Laurie Randolph (1988) um trecho inteiro é
omitido (compassos 63 a 73). O compositor acredita que essa mudança ocorreu por
sugestão de Laurie e deixa a critério do intérprete a escolha entre as duas versões.
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Há duas observações a se fazer a respeito da técnica neste movimento. A
primeira se refere à técnica utilizada para realizar o efeito tambora, indicado nos
compassos 17 e 18, que pode ser realizado tanto com a parte lateral esquerda do
polegar direito que percute as cordas em uma região próxima à ponte do violão
(CAPRANI; CARFAGNA, 1966), ou da mesma forma com as “costas” do polegar, de
modo que o contato da unha com as cordas favorece com mais eficiência a sonoridade
plena dos harmônicos. A outra observação se refere ao arpejo executado pelo violão 1,
no compasso 18, que apresenta uma digitação sugerida pelo compositor, na partitura.
No entanto, ela apresenta uma dificuldade técnica considerável para a mão esquerda,
visto que exige uma abertura grande entre os dedos 3 e 4, posicionados na 11ª casa, e
o dedo 2, posicionado na 8ª casa. Uma sugestão de digitação tecnicamente mais fácil
para este trecho, sem que se perca o efeito de fluidez do arpejo, pode ser observada
na Figura 6:
Figura 6 – Digitação alternativa para o compasso 18 do 2º movimento da Sonata Andina.
ANÁLISE DO TERCEIRO MOVIMENTO
Andamento: Bien Animado (Sugestão de tempo: = 176);
Forma: A – B – A’ – Coda
O terceiro movimento volta a ressaltar a polirritmia, sobrepondo e intercalando
os ritmos ternário e binário. A tonalidade predominante nas seções A (compassos 1 a
72) e A’ (compassos 128 a 165) é la menor, e estas seções se caracterizam
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melodicamente por um período formado por antecedente e consequente, mostrado
na Figura 7:
Figura 7 – Antecedente e consequente do 3º movimento da Sonata Andina.
A seção B, conforme afirmação do compositor, foi baseada ritmicamente na
Zamba4. Harmonicamente, a tonalidade predominante é La Maior.
A Figura 8 apresenta uma novidade: a utilização de efeitos percussivos
utilizados como uma ponte para a seção A’ (compassos 102 a 127). As células rítmicas
realizadas neste trecho deixam clara a influência da música folclórica das regiões
andinas, citada anteriormente. Os golpes percussivos devem ser realizados em lugares
diferentes do tampo, por isso as figuras estão localizadas em lugares diferentes do
pentagrama. Os acentos indicados no primeiro compasso do trecho, devem ser
aplicados a todas as outras células rítmicas, como se vê na Figura 8:
Figura 8 – Células rítmicas da zamba, no 3º movimento da Sonata Andina.
A Coda (compassos 166 a 197) cita motivos dos três movimentos, como mostra
a Figura 9, dando unidade a toda a obra:
4 É uma dança teatral que desenvolve o tema do assedio amoroso do galã e a timidez da mulher. A
zamba é originária do Peru, mas se espalhou pelo Chile, Bolívia, Paraguai, Equador e Argentina (Disponível em: <www.oni.escuelas.edu.ar/olimpi97/Musica-Folkorica/dan_esp/zamba.htm>).
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Figura 5 – Citações dos temas dos três movimentos da Sonata Andina, na Coda.
REFERÊNCIAS CAPRANI, A.; CARFAGNA, C. Profilo storico della chitarra. Ancona Milano: Bèrben, 1966. Chacarera. Disponível em: <http://www.camdipsalta.gov.ar/INFSALTA/chacarera. htm>. ESCALADA, Oscar. Common Rhitmns in the Americas. Disponível em: <http://web. mac.com/oscarescalada/Sitio_web/Art%C3%ADculos_Esp._files/CGuastav.pdf>. GRADANTE, William. Grove dictionary of Music and Musicians. Disponível em: <http:// hemingways-studio.org/dictionary/grove_main.htm>. PERSICHETTI, Vincent. Armonia del Siglo XX. Madrid: Real Musical, 1985. RANDOLPH, Laurie; ZENAMON, Jaime. Gitarrenmusik des 20 Jahrhunderts. Encarte de LP. Berlim, 1988. Zamba. Disponível em: <http://www.oni.escuelas.edu.ar/olimpi97/Musica-Folkorica/ dan_esp/zamba.htm>. ZENAMON, Jaime M. Sonata Andina, para dois violões, 1982. Berlim: Margaux, 1988. ZENAMON, Jaime M. Entrevistas concedidas a Luciana Elisa Lozada Tenório, nos dias 29 set. 2009, 1 out. 2009 e 5 out. 2009. AGRADECIMENTOS
Agradeço ao compositor Jaime Zenamon, pela disposição e colaboração neste
trabalho, ao orientador Orlando Fraga, pelo auxílio no desenvolvimento da pesquisa, à
Fundação Araucária, pelo apoio financeiro, e à Embap, pelo apoio organizacional para
o desenvolvimento desta pesquisa.