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Somos Maus Amantes

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Tom Coelho

Somos Maus Amantes

Reflexões sobre Carreira, Liderança e Comportamento

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Tom Coelho 3

Tom Coelho

Somos Maus Amantes

Reflexões sobre Carreira, Liderança e Comportamento

2ª Edição

Flor de Liz 2013

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FICHA CATALOGRÁFICA

Dados Internacionais de Catalogação na Fonte (CIP) Coelho, Tom Somos maus Amantes / Tom Coelho Flor de Lis / São Paulo, 2013 136f. 650 – Administração e organização do conhecimento

ISBN 978-85-64597-19-8 l. Título CDU 00.001 AL-34

FICHA TÉCNICA

Autoria e Supervisão: Tom Coelho

Direção Editorial: Hiago Rodrigues

Diagramação: Lucilaine Granelli

Selo Editorial Flor de Lis – 2013

www.tomcoelho.com.br

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Tom Coelho

Sumário

Agradecimentos ...................................................................... 9 Prefácio (Margareth Arruda) ................................................. 11

Carreira Somos maus amantes ........................................................ 15 Tempo de escolher ............................................................ 18 Desemprego zero .............................................................. 21 A escolha da profissão ....................................................... 24 O peso do QI na recolocação profissional ......................... 28 Problemas pessoais no trabalho ........................................ 32 Sinais de desmotivação ..................................................... 36 Como pedir aumento ........................................................ 39 O sexto homem ................................................................. 43 Portas abertas .................................................................... 46 O exercício da perda .......................................................... 50

Liderança Liderança e poder .............................................................. 55 Paternalismo corporativo .................................................. 59 Liderando com visão e energia .......................................... 62 É preciso liderar com o coração ........................................ 67 Na arena ............................................................................ 69 Liderança questionada ...................................................... 73 A arte da possibilidade ...................................................... 76 A incompetência das lideranças ........................................ 80 No topo do mundo ............................................................ 83 Um domingo qualquer ...................................................... 87 A visão do futuro ............................................................... 90

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Comportamento Apesar de vocês .................................................................. 97 Passos de bebê ................................................................. 101 Cultura do curto prazo ..................................................... 104 Stop and go ....................................................................... 107 Uma nova vida em dois anos ............................................ 111 Como se fosse a primeira vez ........................................... 114 Basta de informação! ....................................................... 117 Resiliência ......................................................................... 120 A vida com instruções ...................................................... 124 O mundo perfeito ............................................................. 127 Chega de angústia ............................................................ 130

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À minha família, que constantemente me ensina a ser um bom amante.

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Agradecimentos

Um livro não é trabalho solitário de seu autor. Ele é fruto do apoio de alguns, das indagações de muitos, do trabalho operacional de outros. Por isso, jamais abro mão de registrar algumas palavras de gratidão.

Entretanto, por ser bastante pessoal, este tópico normalmente sequer é alvo de sua atenção, leitor, porque relaciona uma série de nomes que não lhe dizem respeito. Mas aceite meu convite para continuar esta leitura.

Há duas maneiras de você redigir agradecimen- tos, seja em um livro, em um trabalho acadêmico ou em um pedaço de guardanapo em uma mesa de bar.

A primeira é de caráter persuasivo. Você escreve para agradar aos outros. Por este motivo, também é a ma- neira mais fácil de cumprir esta tarefa, porque basta relacio- nar durante alguns dias nomes que você gostaria de agradar, homenagear e, sobretudo, bajular. Não importa o tamanho da lista, mas sim que não se esqueça de ninguém importante e influente, de forma que tal pessoa sinta-se prestigiada e, por conseguinte, recompense você, seja sendo mais dócil na banca de defesa de sua dissertação ou tese, seja conceden- do-lhe espaço na mídia ou contratando seus préstimos assim que possível.

A segunda é de caráter propositivo. Você escreve para aquietar seu espírito. Escreve para declamar ao mundo que não está só, posto que cercado de pessoas que lhe aju- dam e impulsionam com o intuito de ser alguém melhor. E é preciso tornar público este sentimento como uma ofe- renda a estes heróis quase sempre incógnitos.

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Por isso, começo agradecendo à minha querida amiga Margaret Arruda, que gentilmente aceitou prefaciar esta obra, não apenas por suas palavras, mas em especial por ter atendido ao meu chamado em tempo recorde.

À minha esposa Renata que diuturnamente me incentiva a escrever, o que me permite cumprir com meu propósito de vida compartilhando ideias e permanecendo presente no coração e na mente das pessoas.

Por fim, um agradecimento mais do que justo a todos que publicam meus artigos, desde um jornal de bairro a uma grande revista, passando por um blog pessoal até um grande portal na internet, nos mais diversos países por todo o globo.

Em um já distante ano de 2002, mais precisamen- te no mês de abril, redigi o primeiro artigo intitulado “A visão do futuro”, que você poderá acompanhar mais adiante, em uma versão revisada. Ele foi inspirado nas ideias de algumas personalidades de tal forma que não era possível citar a todos no decorrer do texto, motivo pelo qual fiz referência a estes mentores em uma nota de rodapé. Este estilo de escri- ta se repetiria por apenas mais três artigos – que levaram meses para serem produzidos – até que eu criasse uma iden- tidade própria que se perpetua até hoje.

A você que já acompanha e aprecia meu trabalho, receba com carinho mais esta obra. A você que desfruta desta leitura pela primeira vez, seja bem-vindo! Espero ser digno de receber seu bem mais precioso: seu tempo...

Um grande abraço!

Tom Coelho

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Prefácio

Ao longo dos meus 20 anos de atuação na área de Recursos Humanos, aprendi que a carreira é produto do comportamento e da forma como cada um lidera a si pró- prio. Quanto mais a pessoa se conhece, mais facilmente toma suas decisões. Esse “mergulho dentro de si mesmo” é muito importante para saber o que se deseja, aonde se pre- tende chegar, quais recursos utilizar para atingir um resulta- do e, principalmente, como planejá-lo.

Receber o convite para prefaciar a mais recente obra do meu querido Tom foi uma gratíssima surpresa, que, há muito tempo, eu não experimentava. Mais do que feliz, sinto-me verdadeiramente honrada, ao poder falar sobre esse ser humano e profissional admirável por sua capacidade de contagiar a todos com suas desenvolvedoras experiências. Generoso, ele compartilha conosco o seu conhecimento e nos presenteia com este livro.

Textos extremamente ricos, repletos de vivências e sentimentos saltam aos olhos não somente daqueles que se interessam pelo comportamento humano, mas também aos que buscam uma leitura que propicie uma reflexão sobre carreira, liderança e conduta profissional.

A obra discorre sobre os temas em diferentes perspectivas, mas, sem dúvida, estabelece uma conexão muito forte entre eles. Tanto no cenário corporativo como no cotidiano, é preciso buscar “ser único” e construir uma marca pessoal forte, de modo a preparar-se para a concorrência ou para o sucesso particular.

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Recomendo este livro como uma referência. É um conjunto de reflexões que poderão ajudar a decifrar algumas das equações da vida relacionadas ao tema. Aproveite a série de táticas, histórias, exemplos e dicas preciosas cedidas pelo autor, para adaptar as estratégias à sua própria situação.

Parafraseando Tom, digo-lhes: “O tempo certo para agir é agora. Amanhã é sempre o dia mais ocupado da semana”. Pense nisso e comece a trilhar os passos da sua caminhada.

Margaret Arruda HR Manager – GlaxoSmithKline do Brasil

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Carreira

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Somos maus amantes

“Começamos juntos, terminamos juntos.” (Dom Paulo Evaristo Arns)

Primeiro, é a agradável surpresa pelo convite a participar do chamado processo seletivo.

Cuidadosamente, você se prepara para a entrevista inaugural. Busca informações sobre a empresa (sua história, valores, produtos e serviços comercializados) e sobre seu mercado de atuação (a conjuntura vigente, os cenários, as ações da concorrência).

No dia da conferência, você coloca sua melhor roupa e procura chegar antes do horário agendado. No local marcado, outras pessoas, também vestindo seus melhores trajes e talvez igualmente preparadas, aguardam com similar ansiedade.

É possível que uma atividade denominada “dinâmica de grupo” seja imposta a você e aos demais postulantes ao cargo, divididos entre os descontraídos, os nervosos e os armados com respostas prontas e pasteurizadas. Uma ou mais entrevistas individuais posteriores elevam o nível de tensão. Nelas, você é sabatinado e também testemunha grandes planos para o desenvolvimento da corporação – e de sua carreira.

Eis que, após trilhar este percurso, você recebe um telegrama ou e-mail, em um final de tarde, possivelmente de uma sexta-feira, comunicando-lhe sobre sua admissão naquela companhia. Quanta alegria!

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O final de semana é eletrizante e dormir no domingo à noite é missão quase impossível. O sol precisa raiar...

Seu primeiro dia é movimentado. Você recebe senha e crachá, conhece seu local de trabalho e as instalações da empresa, sendo apresentado a umas poucas pessoas. E termina o expediente ainda muito entusiasmado, porém com a impressão de que sobrou objetividade e faltou atenção, receptividade, hospitalidade.

Trabalhamos muito, chegamos mesmo a lutar para auferir determinadas conquistas, porém somos incompetentes para mantê-las e desenvolvê-las.

Os meses se sucedem e em seu decorrer as novidades se convertem em rotina; as expectativas, em frustração; a dedicação em desânimo. Você passa a questionar onde está a empresa daquele disputado processo seletivo e o que se perdeu pelo caminho. Os dias tornam-se longos, o horário de partir custa a chegar.

Analogamente, a companhia passa a indagar sobre seu comportamento, suas ações e, em especial, os resultados decorrentes de seu trabalho. Nos bastidores, você pode ser qualificado como negligente, omisso e até desinteressado.

As empresas investem recursos e tempo de pessoas altamente qualificadas para selecionar um pro- fissional, contudo deixam de promover sua integração efetiva ao grupo. Carecem de pós-venda, dificuldade que talvez se manifeste na prestação de seus próprios serviços.

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Já os profissionais deixam-se abater pelos eventos e transferem às corporações a culpabilidade pela sua perda de motivação, esquecendo-se de que esse é um processo endógeno, sendo uma responsabilidade pessoal a perda do incentivo de outrora, do brilho no olhar e da razão de ali ser e estar.

É por isso que costumo dizer que somos maus amantes. Trabalhamos muito, chegamos a lutar para auferir determinadas conquistas, no entanto somos incompetentes para mantê-las e desenvolvê-las. Perdemos a capacidade de nos apaixonar pelas coisas que fazemos – e pelas pessoas que conhecemos. Entregamo-nos aos hábitos, regras, normas e convenções. E, dessa forma, permitimos que os relacionamentos despeçam-se da emoção, as refeições declinem do aroma e do sabor, a vida seja vivida sem cor.

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Somos Maus Amantes

Tempo de escolher

“Um homem não é grande pelo que faz, mas pelo que renuncia.”

(Albert Schweitzer)

Muitos amigos leitores solicitam minha opinião acerca de qual rumo dar às suas carreiras. Alguns apreciam seu trabalho, mas não a empresa onde estão. Outros admi- ram a harmonia conquistada, porém sem qualquer prazer no exercício de suas atividades. Uns recebem propostas para mudar de emprego, financeiramente desfavoráveis, porém desafiadoras. Outros têm diante de si várias opções, muitas coisas por fazer, mas não conseguem abraçar tudo.

Todas estas pessoas guardam algo em comum: a necessidade premente de escolhas. Lembro-me de Cla- rice Lispector: “Entre o sim e o não, só existe um caminho: escolher”.

Acredito que quase todas as pessoas passam ao longo de sua trajetória por um “dilema da virada”. Um momento especial em que uma decisão específica e irre- vogável tem que ser tomada apenas porque a vida não pode continuar como está. Algumas pessoas passam por isso aos 15 anos, outras, aos 50. Algumas talvez nunca tomem esta decisão, e outras o façam várias vezes no decorrer de sua existência.

Fazer escolhas implica renunciar a alguns desejos para viabilizar outros. Você troca segurança por desafio, dinheiro por satisfação, o pouco certo ao muito duvidoso.

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Assim, uma companhia que lhe oferece estabi- lidade com apatia pode dar lugar a uma dotada de ins- tabilidade com ousadia. Da mesma forma, a aventura de uma vida de solteiro pode ceder espaço ao conforto de um ca- samento.

Os anos ensinaram-me algumas lições. A primeira delas vem de Leonardo da Vinci que dizia: “A sabedoria da vida não está em fazer aquilo que se gosta, mas em gostar daquilo que se faz”. Sempre imaginei que fosse o contrário. Contudo, refletindo, passei a compreender que quando estimamos aquilo que fazemos, podemos nos sentir comple- tos, satisfeitos e plenos, enquanto que se apenas procurar- mos fazer o que gostamos, sempre estaremos em uma busca insaciável, porque o que gostamos hoje não será o mesmo que prezaremos amanhã.

Todavia, é indiscutível a importância de alinhar o prazer às nossas aptidões. Encontrar o talento que reside dentro de cada um de nós ao que chamamos vocação. Ori- unda do latim vocatione, e traduzida literalmente por “cha- mado”, simboliza uma espécie de predestinação imanente a cada pessoa, algo revestido de certa magia e divindade. Uma voz imaginária que soa latente, capaz de converter advoga- dos em músicos, fazer engenheiros virarem suco. É um lugar no tempo e no espaço onde a felicidade tem sua morada.

Escolhas são feitas com base em nossas pre- ferências. Então, torno a recorrer à etimologia para descobrir que o verbo “preferir” vem do latim praeferere e significa “levar à frente”. Parece-me uma indicação clara de que nos- sas escolhas devem ser feitas com os olhos no futuro, no uso de nosso livre-arbítrio.

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O mundo corporativo nos reserva muitas ar- madilhas. Trocar de empresa ou mudar de atribuição, por exemplo, são convites permanentes. O problema de recusá- -los é passar o resto da vida se perguntando: “O que teria acontecido se eu tivesse aceitado?”

Prefiro não carregar comigo o benefício da dú iv- da. Por isso, opto por assumir riscos calculados e seguir adiante. Somos livres para escolher, porém prisioneiros das consequências.

Os gregos não escreviam obituários.

Quando um homem morria, faziam uma pergunta: “Ele viveu com paixão?”

Para aqueles insatisfeitos com seu ambiente de trabalho, uma alternativa à mudança de empresa é postular a melhoria do ambiente interno atual. Dialogar e apresentar propostas são um bom caminho. De nada adianta assumir uma postura defensiva e crítica. Lembre-se de que as pessoas não estão contra você, mas a favor delas.

Por fim, combata a mediocridade em todas as su- as vertentes. A mediocridade de trabalhos desconectados com sua vocação, de empresas que não lhe valorizam, de relacionamentos falidos. Sob este aspecto, como diria Tols- toi, “Não se pode ser bom pela metade”. Meias-palavras, meias-verdades, mentiras inteiras, meio caminho para o fim.

Os gregos não escreviam obituários. Quando um homem morria, faziam uma pergunta: “Ele viveu com paixão?”.

Qual seria a resposta para você?

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Desemprego zero

“O desemprego do homem deve ser tratado como tragédia e não como estatística econômica.”

(Papa João Paulo II)

No início dos anos 1990, experimentei o sabor amargo do desemprego. Por opção, eu deixava um cargo de gerência de filial em uma empresa exportadora de café, onde desenvolvera ao longo de apenas dez meses um trabalho que a alçou da 45ª para a 21ª posição no ranking das maiores exportadoras brasileiras em seu segmento.

Era o fim de um ciclo. Não havia mais espaço para crescimento dentro daquela estrutura. Foi quando cunhei a expressão “bater com a cabeça no teto”.

Tomada a decisão, fui enfrentar a frialdade do mer- cado de trabalho. As expectativas de uma rápida recolocação eram elevadas. Afinal, eu era jovem, impetuoso, determinado e carregava na bagagem uma série de realizações concretas.

O mundo real, no entanto, ensinou-me outras verdades. A tenra idade não era um aspecto positivo, mas uma fragilidade, pois “garotos” de 21 anos de idade não podiam ter a experiência exigida para cargos de supervisão e gerência – assim como “velhos” de 45 anos simbolizavam arcaísmo e retrocesso.

Descobri também a existência de algumas regras para entrar no jogo. A formação acadêmica sólida era a primeira delas. Isso significava uma faculdade de renome e algo óbvio: o curso superior concluído. E eu abandonara

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meus estudos para assumir o cargo que me fora ofertado, pois seria exercido em outro Estado.

Aprendi, ainda, a irrelevância de dominar o idioma pátrio, na linguagem falada e escrita, ante a fluência em inglês de outro candidato, o qual estaria sempre anos-luz à frente, mesmo escrevendo exceção com dois ou quatro “s” ou pronunciando “poblema” (sic) a cada duas frases.

Em meio a tantas outras descobertas sobre como funciona o “sistema”, observei sete longos meses passarem diante de meus olhos. Ao longo deste período, retomei os estu- dos, fiz uma série de cursos práticos complementares, reduzi minha pretensão salarial. Contudo, ao término deste período, sem uma proposta concreta de trabalho, minhas reservas finan- ceiras tinham se exaurido e a autoestima entrado em colapso.

Dentro deste contexto, parti para a chamada “carreira solo”. Era preciso fazer algo com o pouco de orgu- lho próprio que me restava. Era preciso que eu me colocasse à prova. Foi desta forma que abracei o empreendedorismo como opção de vida. Mais do que uma necessidade, foi mi- nha tábua de salvação.

Duas décadas se passaram desde então e o mer- cado de trabalho continua muito próximo da realidade que experienciei.

As restrições quanto à idade persistem. A forma- ção acadêmica demanda, nos dias atuais, além do curso superior completo, uma pós-graduação qualquer. O espanhol tem que acompanhar o inglês, permanecendo o português em segundo plano.

O desemprego é um acontecimento medo- nho. Quanto mais se prolonga, mais afeta negativamente o

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profissional. Quando atinge um pai ou um arrimo de famí- lia, então, assume conotação sádica e perniciosa. Somente quem vivenciou isso consegue entender o porquê do olhar opaco e dos ombros arqueados daquele sem a possibilidade de dizer ao mundo a que veio.

O desemprego é um acontecimento medonho. Quanto mais se prolonga, mais afeta

negativamente o profissional.

Por isso, procuro convocar a todos em favor de uma campanha pelo desemprego zero. Não se trata de uma moção de âmbito governamental. Trata-se de uma atitude, de um lema, de uma profissão de fé. Trata-se de cada um de nós firmarmos compromisso pessoal para buscarmos e per- manecermos dignamente empregados, seja em um negócio próprio ou de terceiros. Trata-se de você descobrir com a máxima urgência qual sua vocação. E segui-la.

Isso inclui os “empregados-desempregados”, uma categoria de pessoas que vendem barato seus sonhos, exer- cendo atividades que não correspondem ao que seus cora- ções mandam, vagando pelo mundo corporativo como almas errantes.

Espero ver estas pessoas agraciadas pela au- toconsciência, para despertarem para quem são; presenteadas pela coragem, para fazerem o que desejam; estimuladas pela ousadia, para empreenderem por oportunidade; e sensibiliza- das pela emoção, para levarem este princípio adiante, ofertan- do, sempre que possível, um novo posto de trabalho, industria- lizando a esperança.

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A escolha da profissão

“Antigamente publicitário era aquele que tinha largado o curso de jornalismo. Hoje, publicitário é o cara

que largou o curso de publicidade.” (Eugênio Mohallem)

Uma análise do Censo de 2000 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) feita pelo Observatório Universitário indicou a correlação entre a profissão exercida e o curso superior realizado pelos profissionais. Enquanto 70% dos dentistas, 75% dos médicos e 84% dos enfermeiros trabalham na mesma área em que se formaram, somente 10% dos economistas e biólogos e 1% dos geógrafos segue pelo mesmo caminho.

Exame atento de outras profissões nos indicará que apenas um em cada quatro publicitários, um em cada três engenheiros e um em cada dois administradores faz carreira a partir do título que escolheu e perseguiu.

É evidente que faltam vagas no mercado de trabalho. O emprego formal acabou. Nas décadas de 1960 e 1970 o paradigma apontava como colocação dos sonhos um cargo em uma grande empresa pública. Nos anos de 1980 experimentamos o boom das multinacionais e empresas de consultoria e auditoria que recrutavam os universitários diretamente nos bancos escolares. Já na década de 1990 o domínio de um segundo idioma, da microinformática e a posse de um MBA eram garantia plena de uma posição de destaque. Entretanto, nada disso se aplica hoje.

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As grandes empresas têm diminuído o número de vagas disponíveis e são as pequenas companhias as provedoras do mercado de trabalho atual. Ainda assim, a oferta de trabalho é infinitamente inferior à demanda – e, paradoxalmente, muitas posições deixam de ser preenchidas devido à baixa qualificação dos candidatos.

Da mesma forma que produtos e serviços concorrem pela preferência do consumidor, os profissionais igualmente disputam as mesmas oportunidades. Engenheiros que gerenciam empresas, administradores que coordenam departamentos jurídicos, advogados que fazem estudos de viabilidade, economistas que se tornam gourmets. Uma autêntica dança das cadeiras que leva à insegurança os jovens em fase pré-vestibular.

Há quem defenda a tese de que adolescentes são muito imaturos para optar por uma determinada carreira. Isso me remete a reis e monarcas que com idade igual ou inferior ocupavam o trono de suas nações à frente de grandes responsabilidades, diante de uma expectativa de vida da ordem de apenas 30 anos...

O que falta aos nossos jovens é preparo. Um aparelhamento que deveria ser ministrado desde o ensino fundamental por meio de disciplinas e experiências alinhadas com a realidade, promovendo um aprendizado prazeroso e útil, despertando talentos e desenvolvendo competências. Um ensino capaz de inspirar e despertar vocações. Ensino possível, porém distante, graças à falta de infraestrutura das instituições, programas curriculares anacrônicos e, em especial, desqualificação dos professores.

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Em vez disso, assistimos a estudantes com 17 anos de idade, 11 deles ou mais na escola, que às vésperas de ingressar no ensino superior sequer conseguem escolher entre psicologia e comunicação social, entre arquitetura e educação física, entre veterinária e direito.

A escola e a família devem propiciar ao aluno caminhos para o autoconhecimento e descoberta da pró- pria identidade. Fornecer informações qualificadas e estimular a reflexão, exercendo o mínimo de influência possível.

Precisamos voltar a perguntar aos nossos filhos:

“O que você vai ser quando crescer?”

Muitos são os que direcionam suas carreiras para atender às expectativas dos pais, aos apelos da mídia e da moda, à busca do status e do sucesso financeiro, em detrimento da autorrealização pessoal e profissional. Desta maneira, acabam por investir tempo e grandes somas de dinheiro em uma formação que não trará retorno para si ou para a sociedade.

Orientação vocacional não se resume aos testes de aptidão e questionários. Envolve conhecer as diversas profissões na teoria e na prática. Permitir aos estudantes visitarem ambientes de trabalho e ouvirem relatos de profissionais sobre os objetivos, riscos, desafios e recompensas das diversas carreiras. Tomar contato com acertos e erros, pessoas bem sucedidas e que fracassaram. Provocar o interesse e, depois, a paixão por um ofício.

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Precisamos voltar a perguntar aos nossos filhos: “O que você vai ser quando crescer?” A magia desta indagação é que dentro dela residem os sonhos e a capacidade de vislumbrar o futuro. Aliás, talvez também devamos colocar esta questão para nós mesmos, pais e educadores.

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O peso do QI na recolocação profissional

“Você é quem você conhece, não o que você faz.”

(Azalba)

Já engordei as estatísticas do desemprego há alguns anos. Eram tempos em que atuava como executivo, ocasião na qual conheci o trabalho das empresas de recolocação profissional.

Foi quando aprendi a preencher adequadamente um currículo, além de ser orientado sobre como me portar em entrevistas. Também passei horas analisando companhias diversas, escolhendo aquelas nas quais gostaria de trabalhar para, ato contínuo, enviar-lhes meu precioso portfólio, agora maquiado e vitaminado, na expectativa de ser convocado.

No entanto, isso foi insuficiente. Já naqueles tempos, início dos anos 1990, os processos de recrutamento estavam mudando. Um currículo bem elaborado e com con- teúdo vistoso, associado a uma boa prospecção de empresas, não representava garantia de sucesso.

Pesquisa realizada em abril de 2011 pela Catho Online, junto a 46.607 profissionais, indicou que 59,4% dos cargos foram preenchidos com base no QI do candidato. Não estamos falando do famigerado “quociente de inteligência”, mas, sim, do “quem indicou”. Networking, relacionamento, estas são as palavras de ordem. Há até quem opte por mudar de emprego graças à confiança depositada em quem lhe fez a indicação. Esses fatos levam-nos a algumas reflexões.

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Sempre recebo mensagens de leitores co- mentando sobre sua insatisfação com a empresa em que trabalham. As queixas vão da falta de reconhecimento e au- sência de desafios à baixa remuneração e inexistência de plano de carreira, passando inexoravelmente por problemas de relacionamento interpessoal, seja junto à direção, seja com os próprios colegas.

Estes profissionais vislumbram como única so- lução pedir demissão e buscar novos horizontes, como se o ambiente fosse a origem de todos os males, acreditando que em outra corporação iguais dissabores não acontece- rão. Pior, há aqueles que optam pelo desligamento sumá- rio da companhia, passando por uma semana de regozijo até caírem em si e na realidade de que nos assuntos rela- cionados ao dinheiro, como diria Victor Hugo, é preciso pragmatismo.

Diante dos fatos, alguns cuidados devem ser to- mados para que uma proposta pretensamente interessante não se apresente como uma armadilha:

1. Cheque a oportunidade de trabalho. Verifique se a mes- ma é concreta e permanente. Pode tratar-se de uma posição temporária e que não lhe garantirá estabilidade.

2. Pesquise a empresa. A internet é fonte inesgotável de informações. Acesse o site da empresa e, depois, os buscado- res, para obter mais informações sobre o perfil da companhia e sua posição relativa no mercado. Dê especial atenção aos valores declarados pela organização a fim de observar se estão alinhados com os seus.

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3. Dissocie relações afetivas e profissionais. Se a indicação dada foi positiva, ótimo. E fim da história! Não convém asso- ciar o nome da pessoa que recomendou você ou lhe sugeriu a vaga durante o processo seletivo ou mesmo após o término deste. Seja grato, porém independente.

4. Prefira o pouco certo ao muito duvidoso. A menos que você disponha de uma boa herança ou alguém que lhe sus- tente, abdicar de uma remuneração lhe trará mais preocupa- ção, angú stia e ansiedade. Peça demissão somente após ter firmado sua recolocação.

Neste mundo regido pela conectividade, não são dados ou informaçõ se,

máquinas e tecnologia, que fazem a diferença. São relacionamentos.

5. Busque o apoio de uma boa consultoria em recolocação. Uma companhia especializada em outplacement poderá orientar e instruir você durante este processo, fornecendo preparo instrumental e psicológico para uma adequada tomada de decisão. Contudo, opte por empresas conceitua- das, com tradição no mercado e reputação a zelar.

6. Caia fora na hora certa. Isso não é um jogo de pôquer, mas é um jogo. Se a proposta de trabalho não correspon- der às promessas feitas ou atender aos seus anseios, pre- pare sua saída o quanto antes evitando prolongar sua insatisfação.

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7. Recorde-se sempre da importância do networking. Na Era da Integração, em um mundo sem fronteiras e regido pela conectividade, não são dados ou informações, máquinas e tecnologia, que fazem a diferença. São pessoas. E mais do que isso, relacionamentos. Prova disso é que a mesma pes- quisa mencionada no início do texto indica que mais de 70% dos desempregados utilizam sua rede de contatos como meio de procura de emprego. Analogamente, 75% das em- presas utilizam como instrumento para divulgação de vaga a indicação de pessoas de dentro e de fora da corporação.

Por isso, cultive o hábito de conversar com estra- nhos, pessoas que lhe avizinham em um saguão de aeroporto ou em uma simples fila no cinema ou no banco. Frequente outros ambientes, seja um restaurante, um bar ou um mu- seu, e converse com quem lhe rodeia. E lembre-se sempre de portar cartões de visita. Destas relações fortuitas, pode surgir um novo curso em sua vida.

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Problemas pessoais no trabalho

“Enfrente os problemas ou será destruído por eles.”

(Rimpoche)

O relógio toca as oito badaladas matinais, você registra sua presença no livro ou ponto eletrônico e automaticamente todos os seus dilemas pessoais são trancafiados no armário do vestiário. Agora você pode trabalhar com toda energia e foco em suas tarefas, as quais serão desenvolvidas com elevada produtividade. Contas vencidas, parentes enfermos e desilusões amorosas voltarão a habitar seus pensamentos somente ao final do expediente.

O quadro acima é tão surreal quanto alguns empregadores gostariam que espelhasse a realidade. A publicitária alemã Judith Mair publicou em 2003 um livro intitulado Chega de diversão, depois rebatizado de Chega de oba-oba!, no qual sentencia que trabalho não tem que ser sinônimo de prazer, o ambiente profissional não é lugar para amizades e a jornada deve terminar na empresa, sendo proibido levar serviço para casa.

O fato é que colocar uma linha divisória entre a vida pessoal e a profissional pode ser possível em um mundo prussiano, todavia impraticável na cultura latina. Razão e emoção coexistem em nosso ser, a cada instante, onde quer que estejamos. Assim, o que podemos fazer é minimizar o impacto de nossos problemas no espaço corporativo, buscando conciliar os interesses pessoais e os da empresa.

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Quando este equilíbrio deixa de ser atingido, as consequências são imediatas. Primeiro, o estresse, que em grau mais acentuado pode levar ao burnout.

Em paralelo, surge o presenteísmo, a síndrome de estar presente no ambiente de trabalho, porém abso- lutamente desconectado das atividades profissionais, afe- tando drasticamente a produtividade. Mais adiante, vem o absenteísmo, a ausência física da empresa motivada seja por desestímulo, seja por doenças clinicamente identificadas.

Então, como lidar com estes infortúnios do co- tidiano pessoal sem comprometer a posição na empresa? Algumas sugestões:

1. Siga pelo caminho do meio. Evite o isolamento, deixando de compartilhar seus problemas com as pessoas mais próximas. Passamos ao menos oito horas envolvidos diretamente com o trabalho. Se você não conversar com alguém, sua cabeça pode virar uma panela de pressão prestes a explodir! Entretanto, evite a exposição demasiada. Você não precisa dividir seus anseios com todos ao redor, até porque no ardiloso ambiente corporativo há muitas pessoas à espera de descobrir suas fraquezas para lhe atacar. Seja seletivo.

2. Comunique. Seu superior hierárquico não tem bola de cristal para saber o que está se passando e pode avaliar sua apatia como desinteresse ou até desleixo. Informe-o, ainda que superficialmente, estar passando por uma fase difícil e em busca da superação.

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3. Seja discreto. A menos que seu espaço seja delimitado por uma sala privada, com boa vedação acú stica, onde seja possível trancar a porta, cuide para que seus assuntos pessoais sejam tratados reservadamente. Assim, afaste-se para falar ao telefone ou travar aquela batalha verbal comum a muitas discussões. Se o embate for pelo computador, certifique-se de fechar a janela que contém o diálogo ao sair do ambiente. E jamais, jamais chore em pú blico. Alguns serão solícitos e lhe oferecerão carinho e apoio. Contudo, outros não se esquecerão deste seu momento de fragilidade e usarão isso contra você no futuro.

O desequilí brio conduz ao estresse, ao presenteí smo e ao absenteí smo.

4. Peça ajuda. Se o problema é de ordem financeira, procure obter um adiantamento ou um crédito consignado para solucionar o problema. Se for uma questão de saú de, busque tratamento. Se enfermo, evite a automedicação e agende um médico. Se diante de dependência química, comece uma terapia. E tenha no RH ou departamento de saú de ocupacional de sua empresa um aliado.

5. Afaste-se para cuidar dos problemas. Se seu desempenho está sendo prejudicado e seus problemas não estão sendo resolvidos, o melhor é se licenciar. Antecipe parte das férias para direcionar toda a atenção na solução do que lhe aflige. Em ú tlima instância, vale até considerar um pedido voluntário de demissão, negociando as condições da saída.

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Se com você está tudo bem, porém seu colega de trabalho notadamente está passando por um período turvo, use da empatia e coloque-se por um instante no lugar dele, procurando ajudá-lo. Aconselhamento e orientação podem fazer toda a diferença. Afinal, lembre-se de que um dia os papéis poderão estar invertidos.

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Sinais de desmotivação

“As pessoas que vencem neste mundo são as que procuram as circunstâncias de que precisam e,

quando não as encontram, as criam.” (George Bernard Shaw)

O entardecer do domingo oferece uma sensação de angústia diante do início de mais uma semana de trabalho que se avizinha. Você logo imagina o desconforto de levantar- -se cedo e encarar um pesado trânsito – ou transporte público lotado – até a empresa, onde reencontrará colegas com os quais mantém um relacionamento superficial, caixa de entrada cheia e reuniões intermináveis que parecem não levar a ações concretas.

Um almoço insípido, alguns telefonemas e eventual discussão podem completar uma rotina que se estenderá até a sexta-feira ou o sábado, quando finalmente a alegria se manifestará com uma pausa em suas atividades profissionais.

Se você se identifica com o cenário acima é porque sinais de desmotivação bateram à sua porta. Você se sente desanimado com tudo, sem notar que animus representa o princípio espiritual da vida, do latim anima, ou o sopro de vida. Assim, estar desanimado é estar sem alma, sem espírito, sem vida...

Basicamente, esta situação pode decorrer de um aspecto interno, a falta de entusiasmo, ou externo, a falta de reconhecimento.

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A perda de entusiasmo é um processo endógeno, ou seja, inerente a você. Ela parte de dentro para fora e pode ser consequência de diversos fatores.

Primeiro, de um trabalho desalinhado com seus propósitos, em especial missão e visão. Se a sua atividade não guarda sinergia com os objetivos que você determina para seu futuro, é natural que gradualmente o interesse se desvaneça, porque você não enxerga sentido no que faz.

Há que considerar também a influência do ambiente de trabalho – coisas e pessoas. Uma infraestru- tura inadequada, formada por equipamentos ultrapassados, que comprometem um bom desempenho profissional, associada a um clima de trabalho tenso em virtude de desarmonia com os colegas, certamente prejudicam seu estado emocional.

Outra variante possível é o que denomino de “síndrome da cabeça no teto”. Isso acontece quando mesmo dispondo de boa infraestrutura, clima organizacional favo- rável e atividade sintonizada com seus objetivos pessoais, a empresa mostra-se pequena para seu potencial. Neste contexto, você se sente maior do que a estrutura que lhe é oferecida e percebe que seu crescimento está ou ficará limitado.

Todas estas circunstâncias conduzem a um crescente desestímulo. A apatia floresce, o desalento toma conta de seu ser e o entusiasmo se despede. E quando remetemos à raiz grega da palavra entusiasmo, que significa literalmente “ter Deus dentro de si”, compreendemos a importância de cultivá-lo para alcançar o sucesso pessoal e profissional.

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Já a falta de reconhecimento é uma vertente exógena, ou seja, dada de fora para dentro. Em maior ou menor grau, todas as pessoas precisam de doses de reconhecimento. Aqueles dotados de uma autoestima mais elevada conseguem saciar esta necessidade individualmente. Entretanto, em especial no mundo corporativo, espera-se que nossos pares, e mais ainda, os superiores hierárquicos, demonstrem reconhecimento por nossos feitos, seja como identificação ou por gratidão.

Aplacar os sinais de desmotivação depende exclusivamente de você .sso pode significar

até mesmo mudar de organização.

Este reconhecimento pode vir travestido por um sorriso ou um abraço fraterno, congratulações pú blicas ou privadas, recompensa financeira ou promoção de cargo. No entanto, é fundamental que se demonstre, pois funciona como combustível a nos mover em direção a novas realizações, maior empenho e satisfação.

Note que aplacar os sinais de desmotivação depende exclusivamente de você. Em princípio, esteja atento para identificar estes sinais. Depois, procure agir para combatê-los. Isso pode significar mudar ou melhorar o ambiente de trabalho, buscar relações mais amistosas com seus colegas, alterar sempre que possível sua rotina, perseguir novos desafios, estreitar o diálogo com seus supervisores. E, em um extremo, até mudar de organização se preciso for, planejando sua saída com consciência e racionalidade.

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Como pedir aumento

“Se você pensa que pode, você pode. E se você pensa que não pode, você está certo.”

(Mary Kay Ash)

O mundo corporativo coloca em polos opostos o empregado, acreditando-se injustiçado porque ganha menos do que julga merecer, e o empregador, convencido de que paga mais do que deveria pela produção gerada.

Para vencer a batalha de conseguir um aumento salarial, informação e astúcia são os ingredientes básicos, aplicados conforme as dicas a seguir.

1. Faça uma autoavaliação criteriosa. Aumentos devem ser obtidos por mérito antes mesmo de serem desejados. Por isso, pondere sobre sua performance. Acompanhe seus relatórios de avaliação de desempenho e competências e o feedback de seu supervisor e colegas de trabalho.

2. Pesquise o mercado. Analise a média salarial do seu cargo no mercado comparando-a com a média paga por sua empresa. Lembre-se de considerar o porte da companhia. Impossível esperar de uma pequena corporação a mesma capacidade de remuneração de uma multinacional.

3. Conheça a política salarial de sua empresa. Uma companhia com plano de cargos e salários bem estruturado apresenta regras para promoção, premiação e remuneração.

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Pode haver critérios que considerem questões qualitativas, vinculadas a resultados, associadas a ciclos cronológicos relacionados às faixas salariais. As normas podem até li- mitar a autonomia do gestor na concessão de aumentos, impedindo-o de atender à sua demanda.

4. Estude o ambiente. Observe o desenvolvimento de seus colegas de trabalho. Procure identificar um padrão de comportamento que possa ter conduzido alguns profissionais a uma posição superior. Examine o mercado e a posição relativa de sua empresa para descobrir como anda sua saúde financeira no momento. Faça uma leitura do perfil e das reações de seu gestor a fim de notar a melhor ocasião para abordá-lo.

5. Prepare o terreno. Faça um levantamento de suas atividades buscando mensurar os resultados alcançados. Elabore uma relação dos benefícios que você traz para a corporação e como pode potencializá-los. Prepare uma proposta de solicitação de elevação salarial atrelada às metas da empresa, com um planejamento detalhado para um horizonte de 12 meses, por exemplo, com gatilhos de incremento em seus proventos a cada fase concluída do projeto.

6. Dê o bote. O melhor local: na própria empresa, em uma reunião a portas fechadas para minimizar o risco de interrupções. O momento certo: logo após a realização de um projeto bem sucedido e em um dia em que o gestor esteja de bom humor. A abordagem recomendada: clareza e

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objetividade na exposição, porém sem denotar agressividade. Iniciar enaltecendo com autenticidade a companhia, o cargo exercido, a liderança e a equipe. Explicitar o trabalho rea- lizado, os pontos positivos e as perspectivas futuras, confor- me o planejamento traçado anteriormente.

Separe a pessoa do problema. Justificativas de cunho emocional podem até funcionar,

porém uma ú nica vez.

7. Quanto negociar. Não há uma regra para isso. Primeiro, porque depende da política da empresa. Os dissídios coletivos anuais são da ordem de 5%. Já os aumentos vinculados ao tempo de serviço ou mudança de função dentro do plano de cargos e salários giram em torno de 10%. Maiores índices podem ser obtidos quando acoplados aos resultados da companhia.

8. Esteja pronto para barganhar. Evidentemente, sua proposta pode ser total ou parcialmente recusada. Neste caso, negocie benefícios, objetivando ganhar mais no longo prazo com base em seu desenvolvimento pessoal. Desta forma, um curso de idiomas ou um MBA podem representar uma transferência de despesa pessoal que você teria e que será assumido pela empresa.

9. Esqueça os apelos emocionais. A corporação não está preocupada com o fato de sua família aguardar a chegada de trigêmeos, o filho mais velho ter ingressado em uma universidade privada ou seu avô exigir um caríssimo

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tratamento médico. Separe a pessoa do problema. Justificativas de cunho emocional podem até funcionar uma primeira vez, mas o risco maior é causar constrangimento e denunciar que você é um mau administrador de suas finanças pessoais – e, por conseguinte, um péssimo exemplo de gerenciamento para a própria companhia. O foco deve estar em seu desempenho e o nome do jogo é meritocracia.

10. Mantenha a confiança e a autoestima. Uma postura determinada e segura compõe uma imagem adequada ao seu marketing pessoal. Além disso, calcule os riscos de sua iniciativa. Cuidado também com a opção de flertar com oferta de trabalho de outra empresa. Poderá receber um “até logo” quando imaginava que a proposta seria coberta.

Você avaliou seu desempenho, estudou o mercado e sua companhia, planejou uma argumentação sólida e coerente para respaldar seu pedido de aumento salarial e negociou. Se, mesmo assim, a empresa tem sucessivamente negado um reconhecimento efetivo pelo trabalho, é hora de considerar a possibilidade de mudar de emprego. Afinal, tapinha nas costas não paga contas.

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O sexto homem

“Se não puder se destacar pelo talento, vença pelo esforço.”

(Dave Weinbaum)

Leandro Barbosa, ou apenas Leandrinho, foi um dos brasileiros a brilhar na liga norte-americana de basquetebol, a NBA. O armador foi eleito o melhor sexto jogador da temporada 2006/2007 e o segundo melhor na temporada 2007/2008. Eu disse “sexto jogador”. Isso significa que ele era considerado um dos melhores reservas do mundo. Iniciava os jogos no banco, sendo chamado a participar no decorrer das partidas quando entrava e decidia: muitos pontos convertidos e ótimas assistências realizadas.

O arqueiro do São Paulo, Rogério Ceni, era apenas o terceiro goleiro do Sinop Futebol Clube nos idos de 1990. Durante o campeonato estadual, o goleiro titular e o primeiro reserva se lesionaram. Ceni assumiu a posição e já na partida inaugural defendeu um pênalti. Sua equipe sagrou-se campeã naquele ano e logo depois ele principiaria uma carreira vitoriosa em sua atual equipe.

Os dois exemplos relatados demonstram que não ser o primeiro pode ser uma condição temporária. A lição é perfeitamente aplicável ao mundo corporativo.

A maioria dos profissionais que inicia uma carreira almeja alcançar o topo da pirâmide com a maior velocidade possível. Subir na hierarquia, acumulando dinheiro, poder e realizações.

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Entretanto, sendo este o desejo de muitos, é evidente que o funil de oportunidades é rigoroso. Poucos têm êxito e mesmo os bem-sucedidos descobrem com rapidez que mais difícil do que chegar ao cume é permanecer por lá.

Se você está no banco de reservas, o que simbolicamente equivale a integrar o segundo ou terceiro escalão em sua empresa, aproveite o momento para preparar sua ascensão futura.

1. Aprenda. Enquanto subalterno, seguramente você está vinculado a atividades operacionais. Em lugar de reclamar desta condição, aproveite para aprender tudo sobre o seu trabalho – e sobre o trabalho dos outros. Lembre-se de que os fundamentos são essenciais. Não se pode calcular uma integral de uma função sem compreender as quatro operações matemáticas básicas.

2. Observe. Como você é pouco notado, pode transitar com liberdade pela companhia e compreender sua estrutura de poder. Pesquise e observe quem é quem, como funcionam as relações interpessoais. Olhos abertos e boca fechada. Não é por acaso que ascensoristas e office-boys são tão bem informados.

3. Melhore. Pratique o kaizen, ou seja, o aprimoramento contínuo. Exercite suas habilidades, eleve sua destreza no exercício das tarefas. Faça mais com menos. Gaste menos tempo executando para sobrar mais tempo para pensar e planejar. Desta maneira você começará a se destacar.

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4. Conheça. Procure estabelecer relações interpessoais verdadeiras. Neste estágio você será avaliado por seus pares pelo que você de fato é e não pela posição que ocupa, podendo construir uma teia de amizades que lhe dará suporte quando estiver lá em cima. Seja solícito com todos, mas evite entrar em “panelas”!

Alguns atletas descobrem que jamais serão craques,

porém podem ser ó timos técnicos.

5. Prepare-se. Se trabalhar com afinco, esteja certo: sua hora chegará. Por isso, aproveite o distanciamento que sua posição atual lhe confere para lapidar suas competências. Projete a “pessoa ideal”, aquela que vislumbra ser, planejando sua escalada.

No decorrer deste processo, você poderá atirar no que viu e acertar no que não viu. Talvez opte por mudar de empresa. Talvez decida, por exemplo, redirecionar sua carreira para a forma consultiva ao invés de executiva. Alguns atletas descobrem que jamais serão craques, porém podem ser ótimos técnicos. Ou que podem ser apenas o sexto homem e ainda assim fazer toda a diferença.

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Portas abertas

“Antes de entrar, pense na saída.” (Provérbio Italiano)

Diante do dinamismo do mercado de trabalho atual que estimula a mobilidade em todos os níveis hierárquicos, é muito provável que você passe pela experiência de trocar de emprego. Ao fazê-lo, é altamente recomendável adotar uma postura que mantenha abertas as portas da companhia da qual está se retirando.

Os motivos são muitos. Primeiro por uma questão de marketing pessoal, valorizando sua própria imagem como profissional dentro da empresa e perante o mercado. Segundo porque o mundo é pequeno e dá voltas, como se diz por aí. Empresas estão constantemente passando por fusões e incorporações e os executivos estão sempre migrando de uma corporação para outra. Assim, é grande a probabilidade de você voltar a atuar sob a tutela de um mesmo chefe ou conglomerado. E terceiro porque você pode não ser bem sucedido no novo emprego e tentar o retorno ao antigo posto.

Compreendido isso, reflita sobre as sugestões a seguir em um eventual processo de transição de emprego.

1. Seja transparente. Ao surgir uma nova oportunidade e após analisá-la, na medida em que as negociações avançarem de forma consistente, reúna-se com o empre- gador para informá-lo de sua decisão. Jogue aberto e não

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deixe para comunicar seus passos na ú ltima hora – a informação pode chegar por outras fontes e comprometer sua imagem e credibilidade. Lembre-se de avisar sua equipe de sua saída, procurando tranquilizá-los.

Lembre-se de que seu antigo empregador será uma referê ncia permnaente

em seu currí culo.

2. Apresente seus motivos. Se a mudança estiver vinculada a uma grande oportunidade de crescimento pessoal, explique que deseja aproveitá-la, mesmo ciente dos riscos. Se o motivo for um melhor pacote de remuneração, co- munique isso com clareza. Todavia, esteja preparado para receber uma eventual contraproposta, podendo aceitá-la ou recusá-la, porém sem jamais entrar em um leilão com os empregadores atuais e potenciais sob o risco de ficar sem nenhum dos dois empregos. Agora, se a mudança deve-se a uma insatisfação com a estrutura da empresa ou com a liderança a que está submetido, prefira argumentar que há uma “incompatibilidade de ideias”, ou seja, use de eufemismos para cair fora com elegância.

3. Prepare a transição. Em verdade, o trabalho de preparar um sucessor é atribuição de todo bom profissional e deve ser iniciado logo ao ingressar na empresa. Afinal, você se torna insubstituível quando se torna substituível. No entanto, se conduziu seu cargo com mão de ferro, com estilo centralizador, deverá se desdobrar para selecionar em sua equipe a pessoa que julgar mais qualificada e instruí-la para

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assumir suas responsabilidades. É uma questão primordial e de respeito para com a companhia sair deixando-a em condições de prosseguir com sua rotina.

4. Elabore um manual. Faça um manual de procedimentos gerenciais contemplando aspectos que julgue fundamentais à luz de sua experiência diante da organização. Encare o documento, de algumas páginas, como um último relatório de suas atividades, procurando orientar seu substituto e aproveitando para registrar as conquistas auferidas durante sua gestão.

5. Dê assistência. A rigor, a legislação brasileira pede um aviso prévio de 30 dias. Se for possível, permaneça à frente dos negócios por este período ou, no mínimo, por 15 dias, a fim de contribuir com o processo de transição. Contudo, se o início na outra empresa for imediato, coloque-se à disposição para esclarecer dúvidas por telefone ou e-mail dentro do mesmo prazo em que cumpriria o aviso prévio. Evidentemente, esta colaboração deve ser feita sem interferir em sua nova atividade.

6. Negocie a rescisão. Suas verbas rescisórias são direitos adquiridos. Faça uma negociação justa, evitando cair na armadilha de empresas que procuram se esquivar de suas obrigações sob o pretexto de deixarem as portas abertas. Considere até nomear um procurador para representá-lo.

Estas dicas foram postuladas sob a ótica do profissional que pede seu desligamento da empresa. É óbvio

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que no caso de uma demissão sumária, inclusive aquelas com aviso prévio indenizado, o quadro é outro. Entretanto, mesmo nesta situação, vale o alerta de que demonstrar amargura ou reclamar em nada ajudará. Sempre, sempre demonstre apreço por ter trabalhado na companhia, ainda que tenha abominado a experiência. Inclusive esta deve ser sua conduta quando entrevistado por outra organização.

No caso de a transição em curso ser para uma empresa concorrente, é evidente que não haverá a possibilidade de cumprir aviso ou dar assistência nos moldes propostos. Nesta circunstância, a transparência ganha relevância suprema, estando associada à ética e ao profissionalismo no que tange ao respeito ao sigilo dos dados estratégicos da companhia demissionária.

Por fim, lembre-se de que seu antigo empregador será uma referência permanente em seu currículo, acompanhando-o por toda a vida. Cultive uma boa imagem. É um patrimônio que vale preservar.

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O exercício da perda

“Enquanto o poço não seca, não sabemos dar valor à água.”

(Thomas Fuller)

Um dia você depara com a identidade visual de sua empresa estampada em uma página de revista, uma folha de jornal ou um outdoor. E seu rosto ganha contornos de um breve sorriso.

Passando em frente à companhia, você admira a imponência das instalações. A grade que delimita sua divisa, as amplas janelas envidraçadas, o uniforme do segurança que guarda a entrada.

Caminhando pelos corredores, você cruza com seus colegas, cumprimentando-os efusivamente. O cafezinho servido na copa tem aroma e sabor agradáveis. Você avista sua área de trabalho, contemplando desde o grampeador até o monitor que descansa sobre a mesa, passando pela cadeira com rodízios.

Todas estas imagens o remetem a bons momentos e a uma sensação de orgulho e prazer – mas também de tristeza, porque você não trabalha mais lá...

Em uma manhã ensolarada de domingo, você resolve organizar seus pertences. Malas, bolsas e armários são o alvo principal. Entre o abrir e fechar de gavetas e o remexer em caixas e envelopes amarelados pela ação do tempo, você encontra cartas e fotos da pessoa amada. Você relê as cartas, observa as fotos e um filme de sua vida

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passa diante de seus olhos. Tomado pela emoção, seus olhos podem marejar.

Como se não bastasse, você pode ouvir uma can- ção. Mú sica ao longe que não passa de mais uma composição entre tantas outras para a maioria das pessoas, mas que para você representa a ancoragem de um momento ú nico, espe- cial. Pode simbolizar o primeiro beijo, a primeira declaração de amor, a primeira noite juntos.

Todos estes objetos e sons fazem você viajar para dentro de si e sentir a graça da alegria e da felicidade. Uma sensação que somente o amor pleno pode nos proporcionar. Porém, emoções vividas outrora, porque você não está mais ao lado daquela pessoa amada.

Uma alegria destró i cem tristezas e a gratidão assegura a felicidade.

Temos o hábito de praticar o que se poderia defi- nir como “elogio à ingratidão”. Lutamos com tenacidade para alcançar nossas metas. Aceitamos privações, enfrentamos discórdias, declinamos de nossas mais fortes convicções, tudo para satisfazer a um desejo.

Agimos assim, seja para adentrar uma organi- zação, seja para conquistar um coração. E vibramos muito com nosso êxito. No início, a empresa em que trabalhamos é a melhor dentre todas as demais. O ambiente é o mais favorável, as atividades são as mais adequadas, as oportu- nidades são as mais promissoras.

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Analogamente, os amores que principiam são perfeitos. A atração é permanente e acolhedora, o diálogo é constante e engrandecedor.

Todavia, a rotina fermenta o açúcar das relações. E transforma iniciativa em apatia, companheirismo em des- prezo, generosidade em mesquinhez. Tanto fazemos que conseguimos o objetivo oposto ao que antes nos movia. Perdemos o emprego. Somos deixados pela pessoa amada.

Henri Becque dizia: “A liberdade e a saúde se as- semelham: o verdadeiro valor só é dado quando as perde- mos”. Acredito que este princípio seja ainda mais amplo...

Por isso, quero fazer-lhe um convite para praticar um novo tipo de exercício. Eu o chamo de “exercício da perda”. Trata-se de uma ginástica mental através da qual você passa a vislumbrar cenários, como quem estivesse em uma partida de xadrez, imaginando o impacto de seus próxi- mos movimentos em decorrência de suas escolhas, de suas decisões pessoais.

Não pretendo, com isso, incentivar a manutenção de relações medíocres. Há empresas nas quais não cabemos mais, pois se tornam pequenas para nossos propósitos. Há amores que se esgotam. Tornam-se protocolares, habituais, dispensáveis. Em ambos os casos, o melhor é um resoluto adeus.

Contudo, não se permita concluir deliberada- mente que o fim chegou somente porque o estímulo e o entusiasmo do início foram ofuscados pelas adversidades. Lembre-se sempre de que uma alegria destrói cem tristezas e de que a gratidão assegura a felicidade.

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Liderança

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Liderança e poder

“O poder, em si, não constitui uma garantia moral: o poderoso pode ter a espada na mão,

mas nem por isso é dono do bem.” (Contardo Calligaris)

A liderança é uma competência de caráter relacional, isto é, pressupõe uma relação entre duas ou mais pessoas fundamentada no exercício da influência. A regra é despertar o desejo, o interesse e o entusiasmo no outro a fim de que adote comportamentos ou cumpra tarefas. Além de relacional, a liderança também pode ser situacional, ou seja, determinada pelas circunstâncias.

O poder é o exercício da liderança. Em verdade, inexiste isoladamente, pois o que encontramos são relações de poder. Assim, é notório que se questione: como o poder é exercido por um líder?

Muitos são os estudos acerca dos tipos, bases e fontes de poder. Fazendo uma compilação destes ensaios, identificamos as seguintes formas de poder:

1. Poder por coerção. Baseia-se na exploração do medo. O líder demonstra que poderá punir o subordinado que não cooperar com suas decisões ou que adotar uma postura de confronto ou indolência. As sanções podem ser desde a delegação de tarefas indesejáveis, passando pela supres- são de privilégios, até a obstrução do desenvolvimento do

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profissional dentro da organização. Pode ser exercido por meio de ameaças verbais ou não verbais. No entanto, devido ao risco de as atitudes do líder serem qualificadas como assédio moral, o mais comum é retaliar o empregado, afastando-o de reuniões e eventos importantes, avalian- do seu desempenho desfavoravelmente ou simplesmente demitindo-o.

2. Poder por recompensa. Baseia-se na exploração de interesses. A natureza humana é individualista e, quase sempre, ambiciosa. Ao propor incentivos, prêmios e favo- res, o líder eleva o comprometimento da equipe, fazendo-a trabalhar mesmo sem supervisão. A recompensa pode ser pecuniária, ou seja, em dinheiro, ou mediante reconhe- cimento e felicitações públicas. O risco de se usar este expediente como principal artifício para exercício do poder é vincular a motivação das pessoas e sua eficiência a algum tipo de retorno palpável e de curto prazo, inclusive enfra- quecendo a autoridade do líder.

3. Poder por competência. Baseia-se no respeito. O líder demonstra possuir preparo adequado ao cargo que ocupa, bem como comportamentos dignos e assertivos. Os subor- dinados reconhecem esta competência e a respeitam vela- damente. Um exemplo fora do mundo corporativo é a acei- tação de uma prescrição médica, porque respeitamos o título do médico e seguimos seu receituário mesmo sem conhecer o profissional previamente ou o princípio ativo do medicamento.

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4. Poder por legitimidade. Baseia-se na hierarquia. A posi- ção organizacional confere ao líder maior poder quanto mais elevada sua colocação no organograma. É uma auto- ridade legal e tradicionalmente aceita, porém não necessa- riamente respeitada. Um exemplo típico é o poder que emana do “filho do dono” que pode ser questionado, embora raramente contestado, se sua inexperiência for evidenciada.

5. Poder por informação. Baseia-se no conhecimento. O líder, por deter a posse ou o acesso a dados e informações privilegiadas, exerce poder sobre pessoas que necessitam destas informações para realizar seus trabalhos. Note-se que o mero acesso a informações valiosas é suficiente para conferir poder a estas pessoas. É o caso das secretárias de altos executivos.

O poder é o exercí cio da liderança. Em verdade, inexiste isoladamente,

pois o que encontramos são relaçõ es de poder.

6. Poder por persuasão. Baseia-se na capacidade de sedu- ção. O líder usa de argumentos racionais e/ou emocionais para envolver e convencer seus interlocutores da necessi- dade ou conveniência de realizarem certas tarefas, aceita- rem decisões ou acreditarem em determinados projetos. Trabalha com base em aspectos comportamentais buscando ora inspirar, ora dissuadir os subordinados, de acordo com os objetivos pretendidos.

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58 Somos Maus Amantes 7. Poder por ligação. Baseia-se em relações. O líder apropria- se de sua rede de relacionamentos para alcançar favores ou evitar desfavores de pessoas influentes. Em tempos de redes sociais on-line, ampliar e usar relações interpessoais constitui vantagem comparativa significativa.

8. Poder por carisma. Baseia-se na exploração da admiração. O líder adota um estilo envolvente, enérgico e positivo e alcança a obediência porque seus liderados simplesmente gostariam de ser como ele. As pessoas imitam-no, copiam-no, admiram-no com a finalidade de identificação.

Dentre todas as categorias apresentadas, não devemos idealizar uma forma de poder específica. Não há certo ou errado. Há o adequado. Em verdade, o mais indicado é que um líder saiba como, onde e quando exercer seu poder de acordo com o perfil dos subordinados, das circunstâncias e de seus objetivos. Desta forma, o poder carismático ou por recompensa podem proporcionar maior adesão e atração por suas ideias, da mesma maneira que o poder legítimo ou por coerção podem acarretar resistência por parte dos subordinados.

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Paternalismo corporativo

“Onde quer que você veja um negócio de sucesso, pode acreditar que ali houve, um dia, uma decisão corajosa.”

(Peter Drucker)

O fenômeno é observado geralmente em pequenas empresas. Um funcionário recém-admitido, ao término de sua primeira semana de trabalho, vai ao encontro do diretor. Adentra a sala meio cabisbaixo, trazendo nas mãos contas de luz e água atrasadas, e a notícia: o corte no fornecimento ocorrerá no dia seguinte.

Desempregado que esteve nos últimos meses, sente-se hoje feliz com a oportunidade de trabalhar. Contudo, como as despesas familiares não dão trégua e dinheiro emprestado é mercadoria cara, vê como alternativa solicitar ao patrão um adiantamento salarial.

O empresário recebe as tais contas, acessa a internet, faz o pagamento e imprime os comprovantes. Aquela agonia acabou. Um motivo a menos para angústia.

Todavia, o que denota uma ação admirável e até socialmente responsável, pode simbolizar um preocupante padrão de conduta na gestão dos negócios: o paternalismo corporativo.

O empresário ou executivo que faz da exceção uma regra, atendendo a todas as demandas de sua equipe, coloca em risco a perenidade e o sucesso do próprio negócio.

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Nesse processo, cargos e funções atribuídos deixam de ser respeitados, metas carecem de ser cumpridas, resultados ficam comprometidos. Decorre um natural rela- xamento e acomodação, redução de responsabilidades, perda de produtividade, ausência de empenho.

A postura assemelha-se a de um pai superprotetor, que acolhe os filhos, enlaçando-os e reconfortando-os diante das dificuldades, tomando-lhes a frente em todas as decisões. Acreditam estar, dessa forma, contribuindo com sua formação, sem perceber que os está privando do aprendizado necessário, da experiência que precisa ser vivida, da dor que pede enfrentamento para fortalecer e elevar.

O empresário ou executivo que faz da exceção uma regra,

coloca em risco o sucesso do pró prio negó cio.

Este paternalismo pode representar metas de vendas não atingidas por sucessivos meses, sob a alegação de que o mercado está em momento adverso ou porque a conjuntura econômica é desfavorável, quando o problema pode ser a equipe ou a liderança que deveriam ser substituí- das. Pode significar problemas de qualidade no processo produ-tivo justificados pela procedência das matérias-primas ou por mau uso pelos clientes, quando os padrões e pro- cedimentos deveriam apenas ser seguidos. Pode expressar colaboradores desmotivados justificando insatisfação com a remuneração ou a política de benefícios, quando há carência de profissionais com orgulho de pertencer.

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Aos gestores que se identificam dentro desse perfil, vale meditar sobre o porquê de tal comportamento. Pode ser fruto de insegurança, sinalizando o imperativo da aceitação e do reconhecimento, ou reflexo de arrogância, característica dos orgulhosos que se acreditam donos da palavra. Para os primeiros, falta-lhes a iniciativa; aos últimos, a humildade. Para todos, recomenda-se tomar decisões com coragem, sem confundir apoio com subserviência, pois as consequências podem ser a paralisia, o atraso e a falência da atividade empresarial.

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Liderando com visão e energia

"Não caminhe atrás de mim; eu posso não liderar. Não caminhe na minha frente; eu posso não seguir.

Simplesmente caminhe ao meu lado e seja meu amigo." (Albert Camus)

Robert Cooper é um especialista em inteligência emocional e neurociência da liderança, autor da interessante obra Get out of your own way (Caia fora de seu próprio caminho, em tradução livre) na qual ele apresenta cinco chaves para exceder expectativas às quais acrescentei outras duas, totalizando sete aspectos essenciais no processo de liderança. Vamos a eles:

Chave 1 – Lidere pelo exemplo

Uma meta é resultado de inteligência integrada

aplicada. Suas decisões devem decorrer da união de três cérebros localizados na cabeça, no coração e nas vísceras. Liderar só com a cabeça limita a criatividade. Você deve ouvir seu coração, mas igualmente dar atenção ao seu feeling – aquele frio na barriga que sentimos em algumas ocasiões.

Chave 2 – Administre a direção, não o movimento

As estatísticas anuais relacionando as maiores

empresas globais comprovam que a inovação aplicada gera lucro. Tanto que as companhias mais inovadoras conseguem auferir ganhos superiores a cada novo exercício.

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A ciência para ativar a inovação não está no autocontrole, através do qual a motivação torna-se efêmera e o comprometimento se esvai diante da agitação ou do estresse. O êxito está na autorregulação, vinculando metas ao melhor resultado emocional.

Um ótimo mecanismo de liderança consiste em comprimir o tempo destinado a uma determinada tarefa ou meta. Assim, selecione metas programadas para o período de um ano, por exemplo, e estude como realizá-las em somente um semestre, um trimestre ou um ú nico mês.

Todos os dias os melhores lí deres desistem de tudo o que conquistaram para se reinventar na

busca pela excelê ncia.

Lembre-se de que o cérebro adora jogar com a segurança. Por isso é tão confortável falar em metas para cinco, dez ou mais anos, pois nada será feito de imediato. Desafie-se! Torne possível o que, à primeira vista, possa parecer impossível.

Chave 3 – Administre a concentração, não apenas o tempo

A neurociência confirma que somos maus admi-

nistradores de nosso tempo e com forte tendência a perder o foco.

Algumas provocações para sua reflexão: Em suas reuniões regulares, como você poderia reduzir

em 50% ou mais o tempo gasto, mantendo ou melhorando os resultados?

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Suas reuniões são agendadas para o início do expedien- te, por volta das 9hs, ou logo após o almoço, às 14hs, prolongando-se por todo aquele meio turno de trabalho? E se você iniciasse os encontros às 11hs ou 17hs?

Quanto tempo você desperdiça diariamente em de- corrência de interrupções, distrações, desorganização ou falta de planejamento?

Um feedback é importante, entretanto ele atua sobre um evento passado, aprisionando o cérebro e colocando-o na defensiva. Trabalhe com feedforward, ou seja, um impulso emocional positivo para influenciar e mudar de agora em diante;

Estabeleça uma hora por dia sem interrupções para você e neste intervalo trabalhe concentradamente em três objetivos específicos, reservando 20 minutos para cada um deles.

Chave 4 – Administre a energia, não o esforço

Faça pausas estratégicas de apenas 30 segundos

a cada meia hora, e pausas essenciais de dois a cinco minutos no meio da manhã e à tarde para aumentar sua energia e concentração. Você pode fazê-lo realinhando sua postura, respirando profundamente, bebendo água gelada, movi- mentando-se em direção a uma luz mais forte, entrando em contato com paisagens naturais, situações bem humoradas e expondo-se a mudanças visuais ou mentais. Estas ações podem garantir um incremento de até 50% no seu nível de energia, elevando a produtividade em até 10%. Seja rápido sem se apressar. Mantenha a flexibilidade.

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Além disso, administre a transição de seu ambiente profissional para o familiar. Ao chegar em casa, estabeleça uma zona intermediária de até 15 minutos, período no qual deverá apenas cumprimentar carinhosamente seus familiares com no máximo 25 palavras. Procure desacelerar. Tome um banho, troque suas roupas, beba algo. Está comprovado que situações de conflito e argumentos pre- judiciais começam ou se intensificam nos primeiros minutos após o regresso ao lar.

Chave 5 – Administre o impacto, não as intenções

O objetivo é reduzir o tempo pela metade e

dobrar os resultados. Para monitorar, faça medições semanais – elas aumentam significativamente a iniciativa e a responsabilidade pessoais no cumprimento das metas estabelecidas.

Procure avaliar como andam os níveis de energia e concentração da equipe. Observe as economias de tempo e reduções de custo possíveis, onde foram obtidas e qual sua magnitude. Acompanhe a evolução da eficácia da equipe e o redirecionamento das metas com base no critério da prioridade.

Chave 6 – Compartilhe o propósito

Associado às metas, também é imprescindível

compartilhar missão, visão e valores com toda a equipe. As pessoas necessitam de um senso de finalidade para seu trabalho, compreendendo sua real contribuição para a organização.

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Contudo, o fato é que muitos sequer sabem qual o produto ou serviço que oferecem ao mercado, quem são seus concorrentes, o que o consumidor espera da corporação e qual a posição estratégica que esta deseja ocupar no mercado.

Chave 7 – Lidere com base nas três óticas

Há um objetivo fundamental de caráter cor-

porativo. Independentemente de se tratar de uma empresa pública ou privada, os esforços de todos os profissionais devem estar a serviço de um resultado positivo capaz de apoiar, sustentar e conferir reconhecimento à organização.

Todavia, para alcançar este resultado, o líder deve centrar foco na equipe, pois é o trabalho conjunto e multidisciplinar o instrumento catalizador do alto desem- penho. Um líder deve questionar sua equipe sobre seu aprendizado buscando contribuição em lugar de julgamento.

Porém, equipes são compostas por pessoas e este é o último e essencial ponto de vista: o elemento humano. O desafio é conhecer, compreender e auxiliar cada colaborador a alcançar seus objetivos pessoais, enxer- gando-os como projetos de vida individuais.

Todos os dias os melhores líderes desistem de tudo o que conquistaram para se reinventar na busca pela excelência.

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É preciso liderar com o coração

“Conte-me e eu esqueço. Mostre-me e eu apenas me lembro.

Envolva-me e eu compreendo.” (Confúcio)

Dale Moss foi executivo da British Airways por mais de 20 anos liderando cerca de 12 mil colaboradores. Sua experiência o ensinou que construir uma boa equipe é responsabilidade do líder que deve inspirar as pessoas – mas inspirando-se primeiro. Além disso, o desempenho é uma atribuição direta da liderança organizacional. Por isso, se uma empresa não estiver se saindo bem, vá direto ao topo!

Sua concepção de liderança envolve cinco atri- butos básicos:

1. Caráter. Contempla integridade, coragem e confiabilidade. A expressão-chave é: liderar pelo exemplo.

2. Compromisso. Compreende desejo, foco e impulso. Trata-se de comprometimento com as metas estabelecidas.

3. Competência. Baseia-se no conhecimento e, mais do que isso, na habilidade de processá-lo alcançando a sabedoria. O desejo de aprender deve transformar líderes em eternos estudantes da vida.

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4. Comunicação. Deve ser frequente, ou seja, é preferível pecar pelo excesso. Também precisa ser verdadeira, trans- parente e sensível com as pessoas e as circunstâncias.

5. Interesse. Resumindo em uma ú nica palavra: empatia. Seja duro nas questões, ao lidar com problemas, porém brando e flexível ao lidar com as pessoas.

Adicionado a estes aspectos, Moss alerta os líderes para a importância da cultura e dos valores cor- porativos. Transparência, responsabilidade e confiança são bens supremos, assim como a integridade e a honra.

O mau hábito de usar da honestidade somente quando se acredita que alguém esteja olhando produziu empresas dignas de um “hall da vergonha”, como Enron e WorldCom.

Liderança é um jogo de estilo. Não é o que você faz que conta,

mas como você faz.

Deve-se jogar para ganhar. Ir até onde for possível usando todos os recursos de que se dispõe. Contudo, liderança é um jogo de estilo. Não é o que você faz que conta, mas como você faz.

Antes que você possa realmente liderar, tenha um código capaz de orientá-lo pela vida. E lembre-se de que as pessoas não estarão lá para atender você, mas você deverá estar a postos para atendê-las. Afinal, liderar é servir.

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Na arena

“Um homem perfeito não deve ser muito bom.” (Cristina Paiva)

Kaizen. Os japoneses introduziram esta palavra no vocabulário corporativo em meados do século XX por ocasião de sua revolução industrial pós-guerra.

Traduzida literalmente por “melhoria contínua”, consiste em uma filosofia aplicável tanto na vida pro- fissional quanto pessoal. É como um mantra a nos guiar, dizendo: “Faça hoje melhor do que ontem; e amanhã, melhor do que hoje”.

Baseados nisso, buscamos em nosso trabalho estabelecer indicadores de performance capazes de nos sinalizar sobre a qualidade de nossos comportamentos e ações. Os instrumentos utilizados vão de um mero diálogo com os colegas até avaliações formais, as chamadas avalia- ções 360 graus, associadas às pesquisas de clima orga- nizacional. Há quem faça isso com critério e responsabilidade. No entanto, há ainda quem as realize e nem sequer apresente aos seus funcionários o resultado adequadamente tabulado.

No fundo, o que todos buscamos é aceitação. Queremos ser referendados socialmente por nossos pares (reconhecimento) e por nós mesmos (autoestima). É da natureza humana.

Quem atua com treinamento, por exemplo, cos- tuma ter o bom hábito de finalizar os eventos solicitando o preenchimento de um questionário de avaliação.

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70 Somos Maus Amantes

O formulário procura identificar o nível de satisfação dos participantes com relação a aspectos diversos como organização, atendimento, infraestrutura, conteú do programático e, obviamente, desempenho do facilitador.

Tenho colecionado algumas experiências inte- ressantes a esse respeito. Toda pesquisa realizada apresenta uma maioria a manifestar alegria e entusiasmo com o trabalho presenciado. Fazem depoimentos grandiosos que nos enaltecem. A estes, somos muito gratos, porque nos afagam o ego.

Quem faz uma pergunta deve estar preparado para receber uma resposta,

qualquer seja ela.

Há ainda quem demonstre descontentamento, desfilando de maneira pontual seus motivos. Podemos acatar suas alegações, dependendo da solidez de seus argumentos, e diante disso melhorar e crescer. Ou podemos discordar, descartando o dito. A esses, também somos muito gratos, porque nos fazem refletir.

Entretanto, quase sempre há uns poucos pernósticos que optam apenas por avaliar negativamente, deliciando-se em denegrir ambiente, pessoas, forma e conteú do. Não dizem o porquê, ou, quando o fazem, não apontam o como. Têm por objetivo não construir, mas sim destruir.

Quem faz uma pergunta deve estar preparado para receber uma resposta, qualquer seja ela. Pessoalmente,

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ao lançar mão de um levantamento estatístico, estou em busca do meu kaizen. Não espero respostas que me agradem, mas que me possibilitem tornar-me melhor. Também não anseio – e não desejo – atingir a nota máxi- ma, a burra unanimidade anunciada por Nelson Rodrigues. Afinal, se um dia atingi-la, haverá uma única direção a seguir: a da decadência. Um homem perfeito não pode ser bom...

Todavia, é inaceitável a crítica pura que desdenha e apequena. O comentário sórdido e jocoso de quem não teve a coragem de fazê-lo em público e se recolhe no anonimato para semear destemperança. A estes, não podemos ser gratos. A eles, cito Theodore Roosevelt, em discurso proferido em Paris, em 23 de abril de 1910, na Universidade Sorbonne:

“Não é o crítico que conta: o crédito pertence ao homem que está realmente na arena, cujo rosto está sujo de poeira, suor e sangue; que se esforça corajosamente; que fracassa repetidas vezes, porque não há esforço sem obstáculos, mas que realmente se empenha para realizar as tarefas; que sabe o que é ter grande entusiasmo e grande devoção e que exaure suas forças em uma causa digna; que no final descobre o triunfo das grandes realizações e, caso venha a fracassar, ao menos fracassa ousando muito, de forma que seu lugar nunca será junto às almas frias e tímidas que não conhecem nem a vitória nem a derrota”.

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72 Somos Maus Amantes

Por isso, esteja atento às críticas e aos comentários, por vezes fortuitos, desferidos como sem pretensão alguma de lhe atingir. Eles podem guardar consigo a semente da discórdia, regados por aqueles que se apresentam como se fossem amigos, mas que tencionam, na verdade, tomar seu lugar no púlpito. E que não medirão esforços para fazê-lo.

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Liderança questionada

"Lidere, siga ou saia do caminho." (Ted Turner)

A cada dois anos, o mês de outubro é marcado em nosso país pela ocorrência de eleições. Já dentro dos muros das empresas, as eleições não têm data agendada. Elas acontecem constantemente, em campanhas não de- claradas de candidatos a cargos hierarquicamente mais elevados. Chefes que querem se tornar supervisores, que desejam assumir gerências, que sonham com diretorias, que pensam estar preparados para a presidência da com- panhia. Acredite, seu cargo pode, neste momento, estar sendo alvejado por terceiros, provenientes do seio da empresa ou de fora dela. Afinal, toda liderança é situacio- nal e transitória.

É da natureza humana postular sempre o “mais”. Se você tem um carro popular, trabalha para adquirir um mais completo. Se reside em um imóvel alugado, quer comprar sua casa própria. Se ocupa um cargo operacio- nal, tenciona uma posição estratégica e de maior remu- neração.

Analogamente, as empresas esperam maior par- ticipação de mercado (market share), maior reputação de marca (share of mind), maior lucratividade e rentabilidade (Ebitda). Assim, para potencializar os resultados, acredita-se que o caminho ideal seja promover mudanças. Neste caso, invariavelmente o atalho é trocar a liderança.

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Uma pesquisa sobre os motivos das demissões, realizada em maio de 2000 pela H2R e Right Management, a pedido da revista Você S/A, apontou que 61% dos profissio- nais acreditavam que poderiam perder seus empregos por problemas de atualização, conhecimento e habilidade técnica ou por falta de experiência.

Entretanto, 87% das organizações declararam, naquela ocasião, demitir profissionais por causa de suas atitudes, temperamento, falta de garra ou por problemas de relacionamento interpessoal.

Quando um time de futebol não vai bem, o técnico é demitido e não todo o elenco.

Em junho de 2007 pesquisa similar voltou a ser realizada. Desta vez, somente 32% das organizações in- formaram demitir profissionais devido às suas atitudes; contudo, 29% apontaram como principal motivo os re- sultados gerenciais não alcançados. De fato, o nome do jogo é “fazer acontecer”.

Quando um time de futebol vai mal, o técnico é demitido e não todo o elenco. Se em uma sala de aula o rendimento da maioria dos alunos em uma disciplina é insa- tisfatório, o professor é modificado. Quando cai o nú mero de fiéis em uma igreja, o pastor é substituído. Se a empresa não atinge suas metas, são os líderes que pagam o pato!

A esta altura, você deve estar se questionando so- bre o que deve ser feito para defender sua posição. A respos- ta está em reinventar-se. Seu maior risco é a acomodação.

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Acreditar que o bom é suficiente onde o ótimo é esperado. Contentar-se com o azul da última linha do balanço, quando a expectativa era cravar indicadores com crescimento relativo de dois dígitos.

O segredo do sucesso está em demonstrar real interesse pelas pessoas, descobrindo o valor e potencial individual de cada membro de sua equipe, inspirando-os e despertando-lhes a vontade de fazer, em lugar de cumprir ordens.

O mais difícil não é alcançar a liderança. É perma- necer no topo. O alto da montanha é de acesso restrito, normalmente de trajeto íngreme, repleto de armadilhas e emboscadas. Mas lembre-se: nunca há lugar para sentar!

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A arte da possibilidade

“Para gerenciar uma equipe, você utiliza os músculos e a razão.

Para liderar de verdade, use também o coração.” (Abraham Shashamovitz)

É inegável que podemos encontrar no desporto grandes metáforas para a realidade de empresas e profissionais. Assim, temos em Ayrton Senna exemplo de excelência; Neymar, sinônimo de ousadia; Oscar Schmidt, ícone da obstinação; Pelé, referência em marketing pessoal. As corporações também podem alcançar inspiração nas lições de gerenciamento e liderança legadas por Vince Lombardi (ex-técnico de futebol americano) ou, mais recentemente, Bernardinho, coach da vitoriosa equipe de vôlei masculino do Brasil, dentre tantos outros exemplos.

Embevecidos que ficamos com as fascinantes conquistas perpetradas pelos atletas, diante de sua superação e espírito de cooperação que envolve e transforma uma equipe, deixamos de notar que a realidade do universo empresarial é evidentemente distinta, muito mais complexa, de modo que muitas lições sequer são aplicáveis.

Nos esportes, há regras claras e um ou mais juízes preparados para emitir um parecer instantâneo, ainda que por vezes inidôneo. Já o mercado insiste em burlar leis, romper contratos, ignorar regras. E a justiça, por sua vez, tem braços largos, porém lentos; olhos abertos, porém vendados.

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Foi dentro deste contexto que encontrei uma metáfora mais adequada para arguir sobre liderança empresarial. Ela advém de outra arte: a música.

Observe uma orquestra. Seja ela uma orquestra de câmara (formada por poucos membros), sinfônica (mantida por uma instituição pública) ou filarmônica (sustentada por recursos privados), é sempre constituída por diversos músicos e variados instrumentos, divididos em qua- tro grandes grupos: cordas, madeiras, metais e percussão, cada qual produzindo isoladamente um som característico.

Enquanto em um esporte coletivo a equipe pode alcançar a vitória graças a um lampejo de genialidade ou sorte de um único atleta, mesmo com uma atuação medíocre no decorrer de toda a partida, em uma orquestra todos contribuem com o êxito do resultado final. Por isso, o produto que entregam é uma “sinfonia”, ou seja, todos emitindo um único som.

Este objetivo é alcançado através da mediação de um personagem em particular. Trata-se do maestro, aquele que permanece em destaque durante a apresentação, tem sua foto estampada na mídia, profere palestras e concede entrevistas, mas que curiosamente é o único músico que não emite som algum.

Aprendi com Benjamin Zander, regente da Orquestra Filarmônica de Boston desde sua fundação, em 1979, que o papel do líder não é conquistar poder, e sim tornar os outros poderosos. Permitir aos seus cola- boradores que se transformem em um novo tipo de ser, migrando do individual para o coletivo, de um ser isolado para um ser conectado.

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Zander nos ensina que um regente é um arquiteto das possibilidades do grupo. Sua missão é explorar estas possibilidades, mergulhando no âmago de cada membro de sua orquestra com o intuito de desvendá-los, ou seja, remover-lhes a venda que encobre o talento e o potencial de cada mú sico.

Costumo dizer que o líder é aquele capaz de conduzir as pessoas juntas e em direção a uma mesma visão, levando-as até onde não iriam se estivessem sozinhas. Ele vislumbra qualidades extraordinárias em pessoas comuns, potencializando-as, permitindo-lhes oferecer ao mundo o que têm de melhor. Não se trata de persuasão, mas de inspiração. Inspiração que nutre o entusiasmo, estimula a criatividade e promove a excelência.

Liderar não é verbo intransitivo.

Se o lí der está sozinho, ele não está liderando ninguém.

Seguro de que todos podem fazer a diferença, Ben Zander estabeleceu um interessante critério para motivar seus pares. Ele sempre confere a nota máxima em uma audição preliminar, exatamente quando o mú sico está mais sensível e inseguro. Depois, solicita a cada mú sico que lhe escreva uma carta justificando como fará para merecer tal avaliação ao fi- nal de um semestre. O propósito é dar ao profissional uma dimensão de suas possibilidades de realizar em vez da mera expectativa de alcançar. Afinal, é preciso fazer silenciar aquela voz interna que em situações críticas procura nos constran- ger e apequenar, sentenciando: “Você não vai conseguir!”.

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Analogamente, muitas são as oportunidades no cotidiano das empresas para valorizar e elevar seus colaboradores. Todavia, não raro continuamos a testemunhar líderes que criticam em público e elogiam em particular, quando deveriam fazer o inverso. Líderes que ocultam os acertos e expõem os erros – jamais os próprios. Cultivam o “não”, afastando o “sim” do mapa de possibilidades.

Entre uma orquestra e outra, os instrumentos são os mesmos, mas os músicos não. Por isso algumas melodias falam mais alto ao coração.

É preciso compartilhar a visão, cultivar o brilho nos olhos, promover o relacionamento. Liderar não é verbo intransitivo. Se o líder está sozinho, ele não está liderando ninguém.

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A incompetência das lideranças

“Um líder é, antes de tudo, um bom ouvinte e um ótimo observador.”

(Rodrigo Rocha Loures)

Chego de viagem, após quase uma semana fora de casa, e encontro meu telefone inoperante – mudo, como se costuma dizer. Além da linha, o serviço de conexão à internet por banda larga está igualmente indisponível.

Ligo para o suporte da operadora de telefonia e sou atendido por um “inovador sistema de reconhecimento de voz”, em verdade, uma invencionice irritante e pouco pragmática.

Após alguns minutos, consigo chegar ao “aten- dimento humano”, quando sou informado de que o reparo será efetuado “em até 48 horas”, como se este prazo fosse desprezível para quem tem na internet um instrumento de trabalho.

Resignado, aguardo as tais 48 horas. E nada. A partir daí, e ao longo de mais uma semana, o que se sucede é um conjunto de eventos lamentáveis. Um verdadeiro elogio à omissão, negligência, inépcia e incompetência. Outros três protocolos de atendimento são abertos. Um quarto chamado é feito à ouvidoria, um departamento com a suposta missão de atuar como uma corregedoria, mitigando as tantas falhas de atendimento processadas nos estágios anteriores.

A Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) também é acionada. Por duas vezes um técnico chega a

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comparecer em minha residência, porém abandona o local sem concluir o conserto ou prestar qualquer satisfação convincente. A solução que encontrei foi cancelar o serviço.

Este relato é apenas mais um em meio a esta selva de desatendimento que assola as organizações. Os produtos estão comoditizados, a tecnologia está acessível e os sistemas de gestão de assemelham. No entanto, as companhias continuam pecando naquele que é o ú nico e sustentável diferencial competitivo: a qualidade do aten- dimento.

Telefone periodicamente

para sua pró pria empresa para checar a qualidade do atendimento.

Ao contrário do que se costuma postular, o problema não está nos indivíduos que fazem o primeiro atendimento, profissionais de telemarketing, em geral mal remunerados, carentes de preparo, que trabalham sob extrema pressão e em condições laborais estressantes. Falam seguindo um script padronizado, usam do famoso gerundismo para se comunicar. Anotam as ocorrências em um sistema informatizado e, sobretudo, raramente gostam do trabalho que exercem. A partir daí, o que temos é uma legião de coordenadores, supervisores e gerentes que, em sua maioria, escondem-se covardemente atrás destes atendentes, negando-se a falar com os clientes mesmo quando solicitados.

De que adiantam palestras, cursos e trei- namentos de capacitação e desenvolvimento gerencial

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quando as lideranças não se mostram dignas de respeito? A lição básica consiste em liderar pelo exemplo. Entretanto, o que vemos é a falta de bom senso, profissionalismo e ética.

O pior é constatar que algumas decisões são meramente atuariais. Investir em infraestrutura para evitar problemas sistêmicos e ampliar o quadro de funcionários para agilizar o atendimento são expedientes mais custosos do que lidar com clientes descontentes, em especial quando são poucos os que levam suas reclamações às vias de fato.

É por isso que gostaria de lhe sugerir que telefone periodicamente para sua própria empresa ou departamento sob sua responsabilidade para checar a qualidade do atendimento. Disfarce a voz, assuma o papel de consumidor e simule um problema que precisa ser resolvido. Observe como age sua recepcionista e, em especial, como atuam as lideranças para a solução do caso. Talvez você se surpreenda. E negativamente...

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No topo do mundo

“Nenhum homem é uma ilha.” (Thomas Morus)

Muitos foram os esportes que já pratiquei. De futebol e basquete à natação e canoagem, passando por tae kwon-do, esgrima e até paraquedismo. No entanto, uma modalidade, em especial, não ousei exercer: o alpinismo.

Vejo cenas de expedições à Cordilheira do Himalaia e fico imaginando a sensação sublime de autorrealização daqueles que chegam ao cume do monte Everest, ou seja, literalmente ao topo do mundo.

Tive a oportunidade de assistir ao relato de um jovem montanhista canadense, Jamie Clarke, reproduzido em um filme intitulado exatamente No topo do mundo, distribuído com exclusividade no Brasil pela Siamar. E gostaria de compartilhar algumas lições que pude extrair desta experiência.

1. Não há êxito sem preparação. Um alpinista enfrenta, por meses e até anos, um longo processo de preparação, do corpo e da mente. Tudo isso para desfrutar a glória de chegar ao cume e lá permanecer por não mais do que breves – embora fantasticamente intermináveis – dez minutos.

2. Escolhas envolvem lucidez e visão de futuro. O filme apresenta um momento no qual um alpinista encontra-se a apenas uma hora de escalada do topo. Contudo, se prosseguir,

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não terá tempo (o anoitecer se aproxima) e forças para voltar. Neste momento, ele decide retornar, preservando sua vida. Um passo atrás que, com olhos voltados para o futuro, simboliza um avanço, e não um retrocesso. Nossas ambições devem estar sempre à altura de nossa capacidade.

3. Siga suas paixões sem obsessão. A persistência e a obstinação são ingredientes para o sucesso. Quando nos apaixonamos por uma ideia, nutrimos uma capacidade ímpar de envolvimento e comprometimento. Mas a obsessão cega os olhos, subtrai a racionalidade, gera compulsão que conduz ao conflito e à derrota.

4. O foco deve estar no caminho. Embora haja um objetivo maior, é a soma de cada passo, a transposição de cada adversidade, que nos direciona à meta. É o que chamo de “passos de bebê”. Após o engatinhar, a criança descobre que há um novo mundo para ser visto a partir de outra perspectiva. E, entre uma queda e outra, a busca pelo equilíbrio sobre suas pernas é premiada com o cumprimento do objetivo traçado: andar.

5. Reconhecer os erros leva ao aprendizado. Precisamos ser honestos diante de situações adversas. O apresentador conta que, durante uma expedição, o papel higiênico acabou antes do previsto, tornando-se fonte de conflitos e discórdias. Na verdade, tratava-se de um subterfúgio, uma forma de mascarar questões maiores que eram negligenciadas. Temos o hábito de evitar os problemas reais e tornar pessoais temas que precisam ser debatidos em busca de soluções.

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6. Ou você enfrenta o medo ou o medo vence você. O maior desafio de um alpinista é o medo. O medo da mudança, o medo da insegurança, o medo das circunstâncias. O medo de tomar uma decisão, de dar um passo adiante, causa paralisia e mata o progresso. Você faz o que lhe amedronta e ganha coragem depois. Não antes.

Você faz o que lhe amedronta e ganha coragem depois.

Não antes.

7. Um forte propósito é a melhor fonte de motivação que podemos ter. John, o alpinista que preferiu trilhar o caminho de volta a poucos metros do topo, é vencido pelo cansaço e pela fragilidade do corpo em sua jornada. Recostado em uma rocha, com a neve encobrindo suas pernas e minando o restante de suas forças, a morte o espreita quando sua equi- pe decide fazer uma ligação via satélite para sua casa. O telefonema providencial, conectado ao rádio de comunicação, encontra sua esposa e filhas pequenas que, com palavras de amor, fazem-no relembrar do compromisso assumido de voltar para sua família com vida. São estas palavras e memórias que, como combustível, incendeiam suas células, possibilitando-lhe retornar à base. O que importa na vida não são as promessas que fazemos, mas as que cumprimos.

8. Nunca escalamos sozinhos. Este não é um esporte individual. A vitória é fruto de um trabalho de equipe. Dos guias e estrategistas, dos colegas que acampam nas bases.

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Da mão que prepara um café para acalentar o frio e das vozes que calam o silêncio da noite com frases de incentivo. Tal qual no mundo corporativo, é preciso olhar para baixo e agradecer. Sempre.

Ao término do filme, sinto-me transformado. Continuo sem o preparo físico e as vivências de um alpinista. Porém, em minha mente, passo a compreender que também tenho meu próprio topo para escalar.

Minhas montanhas são outras. Nem melhores, nem piores. Nem mais altas, nem mais baixas. Apenas são as minhas, aguardando-me por desafiá-las, agora mais consciente sobre como fazê-lo.

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Um domingo qualquer

“Sou uma pessoa privilegiada. Nasci rico em um país pobre.

Vencer é uma obrigação para mim.” (Ayrton Senna)

Um domingo qualquer é o título de um filme dirigido por Oliver Stone em 1999. O roteiro contempla os bastidores do futebol americano, uma febre no país de Tio Sam comparável ao nosso futebol, transitando pela vida de jogadores e treinadores, donos de equipes e suas relações políticas, a mídia e o marketing.

O mundo dos esportes sempre guarda ampla sinergia com o universo corporativo. O maior exemplo está na relação entre o treinador e os líderes empresariais.

Vencer não é tudo na vida.

Querer vencer, é.

No filme, uma passagem chama a atenção. Al Pacino, mais uma vez magistral em sua representação, no papel do coach Tony D’Amato, faz uma preleção no vestiário para seus atletas que definirá o destino de uma partida decisiva. Transcrevo a seguir parte significativa deste discurso:

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“Três minutos para a maior batalha da nossa vida profissional. Tudo depende de hoje. Ou nos curamos como equipe ou vamos nos desintegrar. Nos dois jogos, na vida ou no futebol, a margem de erro é tão pequena... Meio passo antes, ou depois, e você não consegue. Meio segundo antes, ou depois, e você não agarra. As polegadas de que precisamos estão ao nosso redor. Estão em cada brecha do jogo, em cada minuto, em cada segundo. Neste time, nós lutamos por esta polegada. Porque sabemos que, quando juntarmos todas as polegadas, isso fará toda a diferença entre vencer ou perder! Entre viver ou morrer! Não posso obrigá-los a nada. Olhem para o cara ao seu lado, olhem nos olhos dele! Você verá um cara que lutará por essas polegadas com você! Você verá um cara que vai se sacrificar pelo seu time. Porque ele sabe que, quando chegar a hora, você fará o mesmo por ele! Isso é uma equipe, cavalheiros. Ou nos curamos, agora, como uma equipe, ou morreremos como indivíduos. Agora, o que vocês vão fazer?”

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No esporte, nas empresas e na vida, muitas vezes não são o preparo, a estratégia ou as táticas que fazem a diferença. Porque é comum que todos estejam adequadamente preparados. É provável que todos tenham estratégias similares e apenas nuances de táticas dife- renciadas. Afinal, coisas e pessoas estão cada vez mais semelhantes, mais comoditizadas.

O que realmente faz a diferença são a emoção, o entusiasmo e a vontade de fazer acontecer. Vencer não é tudo na vida. Querer vencer, é.

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A visão do futuro

“Uma visão sem ação não passa de um sonho. Ação sem visão é só um passatempo.

Mas uma visão com ação pode mudar o mundo.” (Joel Barker)

O futuro não é o lugar para onde estamos indo. É o lugar que estamos construindo e que dependerá daqui- lo que fizermos no presente. Por isso, como nos ensinou o mestre Peter Drucker, a melhor maneira de prever o futu- ro é criá-lo.

Aqueles que constroem o próprio futuro cons- troem o futuro dos outros e a capacidade de empreender este futuro está se tornando uma questão de sobrevivência.

Administrar bem um negócio é administrar seu futuro. E administrar seu futuro é administrar informações. O futuro, diferentemente do que presenciamos no decorrer do século passado, não é mais sobre tecnologia, mas sim sobre informação processada como conhecimento. Se a história testemunhou a triste divisão entre nações ricas e pobres, o futuro certamente nos reserva a separação entre as que sabem e as que não sabem. Educação já é palavra-chave neste contexto.

Nenhuma empresa sobreviverá se depender de gênios para administrá-la. Ela precisa ser capaz de ser con- duzida por seres humanos medianos. E, se lidar com gente já é difícil, levar gente a enxergar o futuro é ainda mais difícil...

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Jack Welch pontuou com propriedade que os ge- rentes fracos acabam com as empresas, acabam com os empregos. De fato, a melhor pessoa do mundo no negócio ou no cargo errado tem alguma chance. Já o melhor negócio ou cargo do mundo com a pessoa errada não tem chance nenhuma.

Profissionais com espírito empreendedor são di- ferentes, pois onde todos veem problemas, estes enxergam oportunidades. Viajam em um carro chamado imaginação, tendo a criatividade como copiloto, a meta como motor e a persistência como combustível. Sabem que só o melhor é suficiente e controlam direta ou indiretamente o destino de muitas pessoas.

Toda gló ria é fruto da ousadia. A ousadia de buscar ser melhor.

Fazê-las vibrar com a mesma intensidade com o intangível futuro criado em nossas mentes é missão suprema alcançável por meio da liderança. E o verdadeiro líder é aquele que consegue capilarizar esse sentimento nos grupos por onde passa.

Parafraseando Victor Hugo, não há nada como um sonho para criar o futuro. Tudo isso pode parecer piegas, mas você deve monitorar seus passos em relação aos seus sonhos e nunca se afastar deles. Se preferir ser mais técnico e menos filosófico substitua a palavra “sonhos” por “metas”. Mas siga sempre confiante em direção ao cumprimento de seus planos, reto como uma flecha, pois o que torna um

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sonho irrealizável é a inércia de quem o sonha. O homem nunca pode parar de sonhar. O sonho é o alimento da alma, como a comida é o alimento do corpo.

A maioria das pessoas toma os limites de seu próprio campo de visão como os limites do mundo. Elas veem as coisas e perguntam o porquê delas. Já os vencedo- res respondem: “Por que não?”

Poucos aceitam o fardo da própria vitória; a mai- oria desiste dos sonhos quando eles se tornam possíveis. O primeiro sintoma de que estamos matando nossos sonhos é a falta de tempo. As pessoas mais ocupadas têm tempo para tudo. As que nada fazem estão habitualmente cansadas. Nunca temos tempo para fazer direito. Mas sempre temos tempo para fazer de novo...

Não precisamos saber nem “como”, nem “onde”, mas existe uma pergunta que todos nós devemos fazer quando começamos qualquer coisa: “Para que tenho que fazer isso?” Assim, você é do tipo que conduz ou é conduzido? Escolheu ou foi escolhido por sua profissão, por sua empresa, para o cargo de liderança que ocupa?

Entre o certo e o errado há sempre espaço para erros maiores. A vida nem sempre é baseada nas respostas que recebemos, mas em especial pelas perguntas que fazemos. Eu, particularmente, ao repassar minha vida, sinto que estive numa corrida de obstáculos, sendo eu, o maior de todos. Segundo Tom Morris, “A grande chave para a satisfação é algo que costumeiramente nos escapa. Não é conseguir o que queremos, mas sim querer aquilo que conseguimos”.

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Toda glória é fruto da ousadia. A ousadia de buscar ser melhor. Não é tarefa fácil, pois há sempre uma casca de banana à espreita de uma tragédia. E sombras são sempre negras, mesmo sendo de um cisne. Mas espero ver você reflita sobre seus sonhos e metas, corrigindo sua rota e banhando-se nas águas permanentes da mudança.

Feliz de quem entende que é preciso mudar mui- to para ser sempre o mesmo.

PS: O texto utiliza, ainda, frases de Amyr Klink, Arthur Schopenhauer, Christr Carter Koski, Gandhi, Jack Parr, Marion Harper Jr., Octavio Pereira Lopes, Paulo Coelho, Pedro Mandelli, Peter Drucker, Ronaldo Mota Sardenberg, Tancredo Neves, Vargas Vila.

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Comportamento

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Apesar de vocês

“Quem tem um porquê suporta qualquer como.”

(Viktor Frankl)

Emmanuelle Garrido tem formação em Direito e ocupa cargo de chefia. Apesar de ser deficiente visual desde os seis meses de idade.

Monique Romano é gerente comercial e con- seguiu superar uma grave crise financeira em sua empresa. Apesar da queda expressiva nas vendas ocorrida em deter- minado período.

Giselle Dellatorre trabalha para melhorar a quali- dade de vida de crianças com doenças reumáticas. Apesar da falta de incentivo governamental.

Rodney Santos celebra todos os anos sua maior conquista pessoal: a vitória pela vida, após superar um cân- cer. Apesar do pessimismo de muitos, anos atrás.

Todos os nomes mencionados são de leitores, ho- je amigos, com os quais me correspondo. Não são celebrida- des, participantes de reality shows ou receberam heranças ou facilidades. São pessoas diferentes porque decidiram enfrentar a mediocridade, o pessimismo, a negligência.

É comum nos abatermos diante das dificulda- des. E superdimensioná-las. Nossos problemas são sempre mais relevantes do que os dos outros. Contratempos re- vestem-se de tragédias. Sentimo-nos incapazes, impoten- tes, injustiçados.

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A frase que introduz este texto é do psiquiatra e psicólogo austríaco Viktor Frankl, criador da logoterapia, segundo a qual o desejo de encontrar um significado para a vida é a motivação básica do comportamento de um indiví- duo. Estabelecer e perseguir um objetivo trilhando o próprio destino é aspecto mais relevante do que satisfazer instintos e aliviar tensões, como sustenta a psicanálise convencional.

Frankl pertencia à corrente judaica socialista marxista, a classe de judeus mais odiados por Hitler. Pas- sando por quatro campos de concentração entre 1942 e 1945, perdeu os pais, a esposa e um irmão, sofrendo com os maus tratos e a fome. Contudo, sobreviveu, por seus princí- pios e por seus propósitos.

Teorizando a partir de suas observações e sua própria experiência, Frankl observou que um indivíduo pode encontrar um sentido para sua vida a partir de três vias (com base nos escritos do filósofo Rubem Queiroz Cobra):

1. Criando um trabalho, realizando um feito no- tável ou sentindo-se responsável por terminar um trabalho que depende fundamentalmente de seus conhecimentos ou de sua ação. Aqui poderíamos relacionar as contribuições de personalidades como Pasteur, Einstein e Bohr, entre outros.

2. Experimentando um valor, algo novo, ou es- tabelecendo um novo relacionamento pessoal. Esse é o caso de uma pessoa que está consciente da responsabilidade que tem em relação a alguém que a ama e espera por ela. O amor incondicional de uma mãe por um filho exemplifica essa tese.

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3. Pelo sofrimento, suportando as amarguras ine- vitáveis diante da consciência de que a vida ainda espera muito de sua contribuição em relação às demais pessoas, como aconteceu com o próprio Frankl.

O desejo de encontrar um significado para a vida é a motivação básica do comportamento

de um indiví duo.

Nestes três casos, a resposta do indivíduo deixa de ser a perda de tempo em conversas e meditação, e se torna a ação correta e a conduta moral objetiva.

Tenho visto empresas que produzem e geram empregos, apesar dos juros elevados, da carga tributária indecente, da carestia das linhas de crédito.

Tenho visto profissionais que são promovidos, apesar de uma formação acadêmica deficitária, da ausência de um MBA ou da fluência em outro idioma.

Tenho visto pessoas que praticam ações filan- trópicas, levando consigo o carinho do olhar, o calor do abraço e o conforto da palavra, apesar de pessoalmente não necessitarem disso.

Tenho visto casais que se reconciliam e aman- tes que se saciam, apesar das divergências e da eventual discórdia.

Aprecio muito o conceito de resiliência, a ca- pacidade de superar adversidades. E meu amigo Roberto Ambrósio presenteou-me com uma metáfora sobre o boxe, um esporte duro e violento que nos lega de forma muito especial o conceito de assimilação.

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Um boxeador toma um direto de direita e as- simila, bem ou mal, o choque sofrido. Assimilar é tornar-se semelhante a. Como se o golpe passasse a ser uma parte da própria pessoa, modificando-a externa e internamente. O boxeador sofre, baqueia, devolve a energia potencial em forma de persistência (permanecer em pé), ou em forma de contragolpes defensivos, mas acima de tudo aprende en- quanto assimila. Aprende que a guarda deveria estar mais alta, que a esquiva deveria ocorrer um décimo de segundo antes. Aprende com a dor e aprende sozinho.

Também tenho aprendido a oferecer menos re- sistência aos sacrifícios impostos, a suportar melhor as difi- culdades, a ser mais tolerante. E a encontrar um sentido para a vida. Apesar dos que a tudo isso se opõem.

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Passos de bebê

“Transportai um punhado de terra todos os dias

e farás uma montanha.” (Confúcio)

Muitas foram as profissões que desejei exercer. Do sonho pueril de me tornar jogador de futebol à pretensão de, como astrônomo, colocar a cabeça onde não raro ela costumava estar, ou seja, no mundo da lua.

Acabei por seguir caminhos mais triviais, estu- dando Economia e Comunicação Social. No entanto, um recôndito desejo recorrentemente me abraça: o de ser um cientista, daqueles estereotipados com avental branco, tran- cafiado em um laboratório, cercado não por tubos de ensaio, mas por computadores e máquinas de aceleração de partícu- las de toda espécie.

Explico-me. Quando contabilizo ao final do dia o tempo desperdiçado com deslocamento, seja no trânsito, ônibus ou metrô, fico imaginando a revolução que seria para a humanidade a viabilização do teletransporte quânti- co, tal como preconizado por George Langelaan e reprodu- zido no filme A mosca, refilmado em 1986 pelo cineasta canadense David Cronemberg.

Então, percebo que minha busca é pelo tempo – sua otimização, seu melhor aproveitamento.

Queremos o tempo por inteiro, utilizado ao limi- te. E nos tornamos ansiosos. Passamos a incentivar a cultura

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102 Somos Maus Amantes

do “fast”. O fast food das refeições, o fast track das decisões, o fast love dos relacionamentos.

Esta ansiedade se manifesta em nossas ações co- tidianas. Tornamo-nos impacientes, queremos resultados imediatos. Praticamos duas horas de exercícios físicos e pretendemos estar em forma logo em seguida. E para toda a vida. Começamos a ler um livro e já gostaríamos de saber qual o seu desfecho. Elaboramos uma proposta comercial e desejamos que o cliente nos responda com brevidade. E de forma positiva.

Nesta toada, migramos para a angústia, con- vidando inconscientemente a frustração, a tristeza e a me- lancolia a nos visitar. Iniciativas admiráveis perdem-se por falta de empenho. Começamos, porém não terminamos. Falta-nos a acabativa.

Bebês nada sabem sobre ansiedade e angústia. Ainda não tiveram a oportunidade de aprender estes concei- tos, perdendo parcialmente sua autenticidade. Hedonistas por natureza, vivem o momento presente. Quando desco- brem que é possível equilibrar-se somente com as pernas, enxergando o mundo sob outra perspectiva, alcançando objetos antes inatingíveis pelo engatinhar, colocam-se com teimosia a praticar. Insistem, persistem, não desistem. Entre uma queda e outra, a obstinação pelo objetivo traçado. E a certeza da meta a ser cumprida: andar.

Passos de bebê. Está é a lição que devemos a- prender. Com eles e com suas mães. Porque as mulheres sabem como dosar a ponderação. Talvez os nove meses de espera as tenham ensinado a virtude da paciência. Talvez as dores do parto as tenham ensinado o poder da resignação.

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Talvez a responsabilidade da amamentação na calada da noite as tenha ensinado o significado da tolerância.

Os relacionamentos mais estáveis e os senti- mentos mais verdadeiros são cultivados e conquistados. São como uma semente que necessita de água para florescer e frutificar. Assim são o respeito, a admiração e a confiança.

Passos de bebê para cuidar da saú de e paula- tinamente reduzir o fumo, melhorar a alimentação e praticar atividades físicas.

Queremos o tempo por inteiro, utilizado ao limite.

E nos tornamos ansiosos.

Passos de bebê para o autodesenvolvimento, a- prendendo uma nova palavra em um novo idioma a cada dia, lendo um capítulo de um livro a cada noite, instruindo-se para instruir. Como diria Sêneca: “Goste de aprender porque lhe capacitará a ensinar”.

Passos de bebê na vida profissional, executando as tarefas rotineiras, mas implementando gradualmente novos projetos, compartilhando decisões, promovendo pe- quenas mudanças reais que contemplem um planejamento maior e de longo prazo.

Passos de bebê para a vida pessoal e espiritual, porque o amor e a fé são ainda mais apreciáveis quando desenvolvidos em vez de apenas impostos, quando construí- dos em vez de meramente herdados e quando sentidos em vez de simplesmente compreendidos.

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Cultura do curto prazo

“Os anos ensinam muitas coisas que os dias jamais chegam a conhecer.”

(Ralph Waldo Emerson)

Um maço de cigarros, uma latinha de refrige- rante, uns minutos a mais no celular. Pequenos gastos cotidianos de relevância nula em nosso orçamento pes- soal. Por apresentarem baixo valor adicionado, são rele- gados à categoria das despesas fantasmas, que não con- trolamos e não contabilizamos.

Longe da pretensão de cultuar a privação aos pe- quenos prazeres e indulgências, o que nos chama a atenção é o caráter imediatista de nossa cultura, o desestímulo à pou- pança e a visão de curto prazo.

Estes pequenos dispêndios diários perfazem, ao final de um ano, valor suficiente para se realizar uma viagem, um curso de aprimoramento ou adquirir algum objeto de consumo desejado.

Ao analisarmos as oportunidades de trabalho em países como os Estados Unidos, observamos que o salário nominal ofertado é expresso em milhares de dólares por ano. Analogamente, o faturamento das empresas é informado sempre correspondendo ao ano fiscal anterior ou aos últimos 12 meses. As taxas de juros são apresentadas em um percen- tual ao ano. Enfim, tudo conspira em favor de uma consciên- cia de longo prazo.

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Quando você raciocina com base em um período de um ano, fica palpável planejar ao menos outros cinco. Você educa seu cérebro a pensar em “pacotes de tempo” maiores. Isso simplifica a tarefa de imaginar e redigir metas, colocando-as em prática, elevando sua probabilidade de êxito.

Por outro lado, quando adotamos um padrão de tempo diário ou mensal, planejamento passa a ser uma atividade inoportuna: o mero período de um ano transforma- se em longo prazo, distante e intangível.

Quando você raciocina com base em um perí odo de um ano,

fica palpável planejar ao menos outros cinco.

O conceito de planejamento estratégico, seja na vida pessoal ou no mundo corporativo, guarda uma associação intrínseca entre as palavras negócio, missão, valores e visão.

Somos movidos por visões, ou seja, desejos e ex- pectativas de onde e como queremos estar em um futuro próximo ou distante. Entretanto, uma visão só é exequível se alinhada com uma percepção adequada de seu negócio de atuação. Qual é o seu negócio? Qual o maior benefício espe- rado pelas pessoas naquilo que você se propõe a realizar? Uma companhia aérea, por exemplo, não vende passagens, serviço de bordo ou conforto. Ela vende tempo. Um profes- sor não vende aulas, conhecimento ou expectativa de diplo- ma. Ele vende educação.

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Dotado de visão e de senso de propósito, você pode construir uma missão, sua própria razão de existência, tendo seus valores pessoais como norteadores de sua con- duta. E, desta maneira, planejar seu futuro, quebrando o paradigma do curto prazo, que nos amordaça, nos turva e nos apequena.

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Stop and go

“O prazer é único, não se repete. A alegria repete-se sempre.

Basta lembrar.” (Rubem Alves)

Eu morava em uma casa que tinha uma ampla área envidraçada na sala de estar. Não havia momento mais agradável na semana do que os sábados pela manhã, fosse verão ou inverno, quando o sol invadia o ambiente trazendo luz e calor.

Em uma das empresas nas quais militei, uma da- quelas onde se dedica grande parte da vida, vicissitudes levaram ao encerramento das atividades depois de quase uma década de trabalho.

Após dez anos de relacionamento, entre os altos e baixos que permeiam a união de um casal, meu casamento sucumbiu.

Eu não desejava ficar distante daquela casa, mas tive que desocupá-la. Eu não me imaginava “apagando a luz” daquela empresa, mas tive que fazê-lo. Eu não apre- ciava a ideia da separação, mas os sentimentos mudaram.

Cultivamos um hábito pernicioso, ainda que in- conscientemente. Costumamos nos apegar a objetos, pes- soas e eventos. Ao agirmos assim, supervalorizamos estes aspectos. Damos a eles uma dimensão irreal, passando a viver em função – e por causa deles. Isso nos anuvia a men- te, bloqueia-nos a criatividade, ceifa-nos a flexibilidade.

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Perdemos a capacidade de nos adaptar, de mudar e de crescer. Nesta toada, morremos lentamente...

A palavra é: desprendimento. Uma habilidade ímpar de racionalmente avaliar a relevância de coisas, pesso- as e situações, ponderando objetivamente sobre seus prós e contras, renunciando se recomendável for.

Não se trata de uma mera desistência, fruto da ausência de persistência. Trata-se de encerrar um ciclo, muito prazeroso outrora, porém agora somente fonte de ressentimentos e inquietudes. E abrir a porta para permitir ao futuro entrar.

Shakespeare dizia que guardar ressentimento de alguém é o mesmo que tomar veneno esperando que o outro morra. Por falta de humildade ou por inflexibili- dade, muitas vezes julgamos mal as pessoas e avaliamos inadequadamente uma situação. Criamos nossas próprias soluções e a elas ficamos presos, como se fossem unas e imutáveis, instransponíveis para sugestões e aprimoramen- tos propostos por outrem.

Aprendi que as pessoas, em regra, não estão con- tra mim, mas a favor delas. E na defesa de seus próprios interesses acabam por agir inadvertidamente, ferindo e magoando com a aspereza da palavra ou com a dureza das atitudes. Aprendi que também sou assim, porque sou para as outras pessoas o que as outras pessoas são para mim.

Erros e fracassos são recorrentes. Persistir no erro não é exemplo de perseverança, mas de sua face nefasta representada pela teimosia. Tempo desperdiçado, recursos malbaratados, talentos vilipendiados. Há pessoas que colocam seu futuro e sua vida nas mãos de outra pessoa

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ou de uma organização, transferindo-lhes uma responsabili- dade absolutamente unipessoal. Há tanto por se viver...

Há rotinas de trabalho que necessitam ser subs- tituídas ou abandonadas. Há produtos dentro do mix das companhias que precisam ser retirados de linha. Há em- presas que devem ser fechadas. Há relacionamentos que clamam serem desfeitos.

Quando você se mantém preparado para as mudanças que certamente ocorrerão em sua vida, o des- prendimento torna-se fácil e até agradável. Na vida pro- fissional, você pode fazê-lo buscando constante atualiza- ção técnica e cultural, participando de cursos, palestras, seminários e encontros diversos, cultivando o hábito da leitura, monitorando o mercado de trabalho, mostrando-se aberto a novos aprendizados, conhecendo outras rea- lidades, outras empresas de outros segmentos, outras pessoas de fora de seu círculo de relacionamentos con- vencional.

Aprendi que as pessoas não estão contra mim, mas a favor delas.

Em outras casas morei, com áreas mais ou menos envidraçadas, todavia com o sol igualmente iluminando e aquecendo minhas manhãs de sábado.

Em outras empresas atuei, nas quais pude im- primir minha marca, colocando minha experiência a serviço, fosse para estimulá-las a continuar sua caminhada, fosse para sugerir-lhes findar o percurso.

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Outros amores experimentei, dotados de um pra- zer único em suas peculiaridades, cultivados sem prazo de validade, fonte eterna de alegria através do exercício da lembrança.

A vida pessoal e corporativa muitas vezes sugere parar, recuar ou interromper. Não pela estática, mas pela dinâmica de seguir adiante.

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Uma nova vida em dois anos

“Semeia um pensamento, colhe um ato; semeia um ato, colhe um hábito;

semeia um hábito, colhe um caráter; semeia um caráter, colhe um destino.”

(Marion Lawense)

A vida me tem sido um constante exercício do aprendizado. E, parafraseando o Talmude, tenho aprendido muito com meus mestres, mais com meus amigos e mais ainda com meus alunos. Estes personagens surgem a todo instante, vêm e vão, deixando sempre um pouco de si e levando um pouco de mim também. Assumem formas variadas, humanas ou inanimadas, eternizadas em uma palavra, um gesto, uma canção ou uma imagem.

Aprendi com o filósofo dinamarquês Sören Kier- kegaard que “a vida só pode ser compreendida olhando-se para trás, mas só pode ser vivida olhando-se para frente”. Assim, embora com a visão sempre voltada ao futuro, próximo e distante, não raro coloco-me a espreitar meu passado, como quem investiga o porquê das escolhas feitas e dos caminhos trilhados. E tenho observado que minha vida, hoje, é reflexo das decisões tomadas há não mais do que apenas dois anos.

Minhas alegrias ou desalentos, realizações ou frustrações, companheiros ou adversários, enfim, os frutos que tenho colhido, sejam saborosos ou insípidos, foram cultivados por mim mesmo, ora em terreno fértil, de onde

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viceja a prosperidade, ora em terreno arenoso, de onde grassa a inutilidade.

Fui felicitado com a possibilidade de assistir a um filme singular, “O Clube do Imperador”, protagonizado por Kevin Kline, no papel do professor William Hundert, responsável pelo ensino de História Greco-Romana aos alunos secundaristas de uma tradicional escola norte- americana cujo lema associado à sua insígnia é finis origine pendet, ou seja, “o fim depende do início”.

Para o polí tico que ganhauma eleição,

o profissional que se completa na realização, o amor que se revigora na paixão,

o fim depende do iní cio.

Na mesma proporção em que nossa condição vigente é resultado do que fizemos no passado, as portas do futuro se abrirão como consequência daquilo que fizermos no presente. Olhe ao seu redor. São as atividades que você realiza hoje e as pessoas com as quais convive neste momento que determinarão quem você será e onde aportará ao cabo de um par de anos.

Se um determinado empreendimento vai mal, esteja certo de que isso decorre de decisões equivocadas, de estratégias inadvertidas ou de projetos não imple- mentados no decorrer dos ú ltimos dois anos. Lembr-ese de que uma empresa quebra de duas maneiras: aos poucos e de repente. Relacionamentos também são assim...

Iniciar um novo curso ou uma pós-graduação fará de você um profissional mais conceituado e requisitado em

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dois anos. Mudar sua postura e suas atitudes na empresa em que trabalha atualmente ensejará ganhos que poderão ser premiados com uma grande promoção em até dois anos. Considerar a possibilidade de empreender em um negócio próprio, estruturando sua saída do mercado de trabalho formal e preparando-se estrategicamente para alçar voos maiores, com certeza lhe permitirá ter sucesso em breves dois anos.

Alterar hábitos alimentares e adotar uma rotina de exercícios físicos prazerosos e regulares tornará seu corpo mais saudável em menos de dois anos. Transformar um relacionamento pessoal superficial e despretensioso em algo nobre e edificante, uma vez vislumbrado que corações e mentes se completam, poderá implicar uma união duradoura em meros dois anos.

Espero que você se conscientize da importância de fazer escolhas e de suas consequências em um horizonte próximo. Simplifique sua vida, abdicando de atividades e relações que não lhe acrescentam paixão e bem-estar. É fácil identificar isso, pois são fontes de ressentimento e angústia. Pessoas que você não quer ver, telefonemas que não deseja atender. Você não está obrigado a manter tais relações. Talvez não as possa romper de imediato, contudo poderá planejar sua saída com a maior brevidade.

Para o político que ganha uma eleição, o atleta que se consagra na competição, o profissional que se completa na realização, o amor que se revigora na paixão, o fim depende do início. Depende dos propósitos de nossas ideias, dos princípios que norteiam nossas ações e do caráter, nosso e dos que nos cercam.

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Como se fosse a primeira vez

“Se disser algo errado, poderá dizê-lo de novo. Se escrever algo errado, poderá reescrevê-lo.

Se fizer algo errado, o erro ficará com você para sempre.” (Choochat Watanaruangchai)

Lembro-me quando adolescente de acompanhar admirado pelos jornais que determinado espetáculo teatral completava cinco anos em cartaz. Então, questionava-me como poderiam aqueles atores literalmente suportar a mesma interpretação por duas ou três sessões seguidas, ao longo de três ou quatro dias consecutivos, ao cabo de tantos anos. Como tolerar os mesmos procedimentos de bastidores, a rotina de um script idêntico, piadas e cenas melancóli- cas igualmente dramatizadas, além de plateias similares, variando da animação à apatia ao longo da apresentação?

Anos depois comecei a utilizar o transporte aéreo com certa regularidade. E aquela mesma pergunta tornou a me avizinhar o pensamento. Como podem pilotos, copilotos e equipe de comissários extraírem prazer de tarefas tão rotineiras? Da recepção dos passageiros à checagem das normas de segurança, passando pelo serviço de bordo, tudo transcorre religiosamente de igual maneira a cada decolagem e pouso...

A vida me reservou surpresas, mudando de forma radical o curso de minha história. De economista para publicitário, de empresário para consultor, de executivo para escritor. E palestrante. De repente, vi-me em um palco,

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microfone na mão, olhos voltados à plateia, por vezes tão reduzida que torna possível saber o nome de cada um dos participantes, e por vezes tão ampla que os olhos não ousam alcançar o ú ltimo dos presentes.

Neste ofício, descobri que não há rotina, que inexiste a mera repetição. Cada apresentação é singular, porque os participantes são diferentes, porque o ambiente conspira de forma diversificada, porque meu estado de espírito é incomparável.

O tempo passa e só nos damos conta de nossas predas depois que elas ocorreram.

Lembro-me de Saint-Exupéry: “Cada um que passa em nossa vida passa sozinho, pois cada pessoa é única e nenhuma substitui a outra. Cada um que passa em nossa vida passa sozinho, mas quando parte nunca vai só nem nos deixa a sós. Leva um pouco de nós, deixa um pouco de si mesmo. Há os que levam muito, mas não há os que não levam nada”.

Tenho amor verdadeiro pelo trabalho que desenvolvo. Tal qual o ator ama o palco e o piloto, sua aeronave. Cada peça apresentada é ú nica; cada voo, ímpar. Porque as plateias de todos nós são invariavelmente distintas.

O tempo passa e a idade aplaca-se sobre nós. Amadurecemos, porém também perdemos coisas. E só nos damos conta de nossas perdas depois que elas ocorreram. A cada final de ano colocamo-nos a refletir sobre o que fizemos, o que conquistamos, o que faremos e para onde iremos.

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A rigor, podemos qualificar nossas vidas como absolutamente rotineiras. Uma repetição constante de tarefas e experiências em favor da sobrevivência, da subsistência. Apenas passamos. Podemos nos imaginar humanamente medíocres, vivendo vidas previsíveis e medianas. Mas podemos tornar esses eventos únicos, pois, de fato, são. Basta fazer tudo como se fosse pela primeira vez. E pela última vez.

A virada do ano, dizia Drummond, industrializa a esperança. No entanto, pouco adianta acreditar que esse fato isolado será suficiente para fazer você mudar de vida. Fazemos isso a cada dia, a cada momento, a cada atitude.

Que assim seja com um abraço terno, um beijo afetuoso, um olhar reluzente desferido a quem se despede. No despertar para ir ao trabalho, em uma reunião de negócios, no almoço com os amigos ou no retorno ao lar a cada dia de seu ano.

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Basta de informação!

“Hoje joguei tanta coisa fora Vi o meu passado passar por mim

Cartas e fotografias, gente que foi embora A casa fica bem melhor assim.”

(Herbert Vianna)

Feriados têm sido para mim verdadeiras férias para reflexão. Enquanto muitos trilham para as montanhas ou singram para o litoral, enfrentando o trânsito e as filas que parecem migrar das capitais, opto pelo retiro pessoal singularmente vivido em minha própria casa.

Oportunidade para reorganizar o que a velo- cidade do cotidiano deixou para trás, descubro pilhas de jornais e revistas não lidos.

Diz o adágio popular que não há nada mais velho do que jornal do dia anterior. Entretanto, o fato é que me acostumei a jamais descartar uma página que seja sem antes ao menos folheá-la. É evidente que as notícias de caráter conjuntural, aquelas do dia a dia, já nascem velhas, posto que retratam eventos ocorridos. Todavia, vasculho jornais e revistas em busca de temas estruturais, aqueles sem prazo de validade, e que me trazem conhecimento, conteúdo, base para argumentação.

O problema é que eles se avolumaram. E ganha- ram status de estorvo. A necessidade autoimposta de mirar cada uma daquelas centenas de páginas passou a me causar desconforto.

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De repente, vi-me acorrentado. As horas se passando, o Sol se pondo, dia após dia, e eu não aproveitara o frescor da relva, o azul límpido do céu, a companhia de meus filhos. Nem sequer produzira um texto, criara uma ideia, concebera um projeto, relaxara à beira de uma piscina.

Padeço da doença do ecletismo. É complicado quando você aprecia de Economia a Psicologia, de Finan- ças a Recursos Humanos, de Matemática a Filosofia, de Astronomia a Biologia. Sob esta ótica, feliz é uma de minhas irmãs que sempre se contentou em ler a programação dos cinemas e usar os demais cadernos para forrar gaiola de passarinho...

O mundo produz anualmente o mesmo volume de informações que a humanidade levou 40 mil anos para acumular. Diariamente, quantos jornais podemos ler? Quantas revistas podemos consultar? Quantas newsletters podemos receber? Quantos canais de TV podemos assistir? Qual o custo de acessar informações nesta magnitude, muitas delas em duplicidade? E qual sua aplicação prática?

Pode parecer supersticioso, cabalístico ou poé- tico, mas em uma manhã de um sete de setembro declarei minha independência. Abdiquei da intenção de adquirir TV por assinatura só para ter acesso a canais e programas exclusivos. Cancelei o recurso de confirmação automática de recebi- mento de e-mails, deixando para utilizá-lo somente quando imprescindível. Descartei recortes, guias e tablóides, guar- dados há tempos sob a expectativa de que seriam, um dia, úteis. E dei de presente ao lixo jornais e revistas não lidos.

Estamos próximos de uma situação limite. Um bombardeio frenético de informações diante do qual agimos

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como buracos negros, absorvendo tudo, porém assimilando pouco. Uma overdose que gera conhecimento superficial e sabedoria reduzida.

Olhando para aquela pilha de revistas, percebi que ela representa muito mais. Simboliza a famigerada caixa de entrada de tarefas de nosso cotidiano, em especial no âmbito profissional, que nunca, jamais se esvaziará. Re- presenta a tendência que temos à burocracia, a inclinação por aspectos operacionais. Fazer, fazer, fazer. Não há espaço para o pensar, o planejar e, até mesmo, o sentir.

Quantas revistas e jornais podemos ler? Quantos canais de TV podemos assistir?

Neste embalo, revisei roupas e calçados, se- parando peças negligenciadas no fundo de gavetas e armários e que, agora, ganharão vida no corpo de quem precisa. Reorganizei meus livros encontrando obras pre- ciosas adquiridas por impulso e até hoje não saboreadas. Classifiquei meus CDs e revisitei com prazer canções que nem lembrava mais de que as tinha.

Assim, senti-me mais leve. É como se eu passasse de tartaruga a águia. Da lentidão à agilidade. Do confor- mismo à vivacidade.

A missão, agora, é evitar a recaída. Continuar livre, sobrevoando ao alto, decidindo quando voltar à terra, ou seja, qual informação capturar – aquela que me alimentar.

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120 Somos Maus Amantes

Resiliência

“O problema não é o problema. O problema é sua atitude com relação ao problema.”

(Kelly Young)

Hoje, a tristeza me visitou. Tocou a campainha, subiu as escadas, bateu à porta e entrou. Não ofereci resis- tência. Houve um tempo em que eu fazia o impossível para evitá-la adentrar os meus domínios. Quando isso acontecia, discutíamos demoradamente. Era uma experiência desgas- tante. Aprendi que o melhor a fazer é deixá-la seguir seu curso. Agora, sequer dialogamos. Ela entra, senta-se na sala de estar, sirvo-lhe uma bebida qualquer, apresento-lhe a televisão e a esqueço! Quando me dou por conta, o recinto está vazio. Ela partiu, sem arroubos e sem deixar rastros. Cumpriu sua missão sem afetar minha vida.

Hoje, a doença também me visitou. No entanto, esta tem outros métodos – e outros propósitos. Chegou sem pedir licença, invadindo o ambiente. Instalou-se em minha garganta e foi ter com minhas amígdalas. A prescrição é sempre a mesma: amoxicilina e paracetamol. Faço uso destes medicamentos e sinto-me absolutamente prostrado! Acho que é por isso que os chamam de antibióticos. Porque são contra a vida. Não somente a vida de bactérias e vírus, mas toda e qualquer vida...

Hoje, problemas do passado também me vi- sitaram. Não vieram pelo telefone porque palavras pro- nunciadas ativam as emoções apenas no momento e, depois,

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perdem-se difusas, levadas pela brisa. Vieram pelo correio, impressos em papel e letras de baixa qualidade, anunciando sua perenidade, sua condição de fantasmas eternos até que sejam exorcizados.

Diante deste quadro, não há como deixar de sen- tir-se apequenado nestes momentos. O mundo ao redor parece conspirar contra o bem, a estabilidade e o equilíbrio que tanto se persegue.

O desânimo comparece estampado em ombros arqueados e olhos sem brilho, que pedem para derramar lágrimas de alívio. Então, choro. E o faço porque Maurice Druon ensinou-me, através de seu inocente Tistu, que se você não chora, as lágrimas endurecem no peito e o coração fica duro.

As ciências humanas estão sempre tomando em- prestado das exatas, termos e conceitos. A última novidade vem da física e atende pelo nome de resiliência. Significa resistência ao choque ou a propriedade pela qual a energia potencial armazenada em um corpo deformado é devolvida quando cessa a tensão incidente sobre ele.

Em humanas, a resiliência passou a designar a capacidade de se resistir flexivelmente à adversidade, utili- zando-a para o desenvolvimento pessoal, profissional e social. Traduzindo isso através de um dito popular, é fazer de cada limão, ou seja, de cada contrariedade que a vida nos apresenta, uma limonada saborosa, refrescante e agra- dável.

Aprendi que pouco adianta brigar com pro- blemas. É preciso enfrentá-los para não ser destruído por eles, resolvendo-os. E com rapidez, de maneira certa ou

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122 Somos Maus Amantes

errada. Problemas são como bebês, só crescem se ali- mentados. Muitos se resolvem por si mesmos. Contudo, quando você os soluciona de forma inadequada, eles voltam, dão-lhe uma rasteira e, aí sim, você os anula com correção. A felicidade, pontuou Michael Jansen, não é a ausência de problemas. A ausência de problemas é o tédio. A felicidade são grandes problemas bem administrados.

Aprendi a combater as doenças. As do corpo e as da mente. Percebê-las, identificá-las, respeitá-las e aniquilá- las. Muitas decorrem menos do que nos falta e mais do mau uso que fazemos do que temos. E a velocidade é tudo neste combate. Agir rápido é a palavra de ordem. Melhor do que ser preventivo é ser preditivo.

Podemos experimentar a felicidade porque já conhecemos a tristeza.

Aprendi a aceitar a tristeza. Não o ano todo, mas apenas um dia, à luz dos ensinamentos de Victor Hugo. O poeta dizia que “tristeza não tem fim, felicidade, sim”. Porém, discordo. Penso que os dois são finitos. E cíclicos. O segredo é contemplar as pequenas alegrias em vez de a- guardar a grande felicidade.

Modismo ou não, tornei-me resiliente. A palavra em si pode cair no ostracismo, mas terá servido para ilustrar minha atitude cultivada ao longo dos anos diante das dificul- dades impostas ou autoimpostas que enfrentei pelo caminho, transformando desânimo em persistência, descrédito em esperança, obstáculos em oportunidades, tristeza em alegria.

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Nós apreciamos o calor porque já sentimos o frio. Admiramos a luz porque já estivemos no escuro. Contem- plamos a saúde porque já fomos enfermos. Podemos, pois, experimentar a felicidade porque já conhecemos a tristeza.

Olhe para o céu, agora! Se é dia, o sol brilha e aquece. Se é noite, a lua ilumina e abraça. Assim será no- vamente amanhã. Assim é feita a vida.

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A vida com instruções

“A botinha representa a nossa caminhada na vida. Subi e desci. Andei depressa e devagar.

Cansei e descansei. Entristeci e me alegrei. E, assim, sempre caminhei.

Hoje estou gasta e cheia de marcas, mas com a certeza de que valeu a pena.”

(Ditinho Joana)

Ler o jornal, acessar a internet, ouvir o rádio – atualizar-se. Fazer telefonemas, responder e-mails, participar de reuniões – comunicar-se. Tomar banho, fazer as refeições, praticar esportes – cuidar-se. A vida é uma sucessão de ações cotidianas (que se repetem diariamente), corriqueiras (desenvolvidas cada vez mais em alta velocidade) e rotineiras (do francês routine, o caminho muito frequentado).

Há um costume equivocado, em meu entender, compartilhado por muitos. É o hábito de separar prazer de obrigação, trajeto de destino, vida pessoal de profissional. Assim, vejo pessoas declararem que sonham passar os últimos dias de suas vidas em uma casa no campo, longe da agitação urbana. E outros que afirmam trabalhar com afinco durante meses apenas para garantir a posse de alguns bens ou uma viagem de lazer no próximo interlúdio.

Ditinho Joana é um artesão nascido, criado e residente na pequena São Bento do Sapucaí, em São Paulo, próxima à divisa com Minas Gerais. Em seus 35 anos de carreira tem talhado em madeira de lei parte de sua

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história e da vida rural local, lançando mão somente de uma machadinha, um canivete e um formão. As obras são esculpidas em bloco ú nico, dispensando o uso de colagens ou encaixes. Seu trabalho faz-me lembrar da declaração de Michelangelo, ao cinzelar em pedra, de que “apenas tirava as sobras, pois a estátua já estava lá".

O ícone do trabalho de Ditinho é uma bota. Simples, amarrotada, calejada. A bota que capinou o chão, que escalou montanhas, que pisou o barro. A bota que o conduziu de lavrador a artista, que edificou sua casa e construiu sua família.

Que tal descansar em uma casa no campo em um final de semana em lugar de esperar por fazê-lo somente ao final de uma vida?

Atendendo hoje em seu próprio ateliê, seu sorriso gracioso denuncia que a trajetória – cotidiana, corriqueira e rotineira – valeu a pena.

A vida que a gente vive parece herdada com instruções, uma bula escrita pelos ascendentes e pela sociedade ensinando-nos o “como usar”. O que devemos, podemos ou não dizer e fazer. O que é ético, antiético e aético. O que é moral, imoral e amoral. O que é certo e o que é errado. Tarefas por realizar, planos por concretizar, horários por cumprir. Dias que sucedem, com noites intercaladas, algumas maldormidas, outras serenas pela leveza da boa consciência.

Não dá para ignorar todas as instruções, porém é possível reescrever algumas. E encontrar prazer na obrigação,

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contemplar o trajeto até o destino, conciliar vida pessoal e profissional. Descansar em uma casa no campo em um final de semana e não somente ao final de uma vida.

A lição de Ditinho é para ser aprendida. Espero que minhas botas também fiquem gastas e repletas de marcas. Continuo caminhando...

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O mundo perfeito

“Busque a alta qualidade, não a perfeição.” (H. Jackson Brown Jr.)

Você é encarregado de preparar um determinado projeto. Em verdade, você candidatou-se à tarefa, pois co- nhece o assunto como poucos e está certo de que poderá contribuir com sua equipe. Desta forma, bastariam algumas horas de transpiração diante da tela do computador para produzir uma primeira versão do documento que seria apre- sentada aos seus pares propiciando debates e a elaboração de uma versão posterior, mais densa e melhor estruturada.

Todavia, seu nível pessoal de exigência impede-o de redigir uma proposta sem antes promover todo um trabalho de pesquisa para embasar sua tese. No entanto, pesquisa demanda tempo e o tempo é a matéria-prima mais escassa do mundo moderno. Passa-se uma semana, duas, um mês. O projeto não sai de seu pensamento e não vai para o papel. Você se angustia, perde o prazo e a credibilidade com seus colegas. E consigo mesmo.

O exemplo acima pode representar um projeto profissional. Pode também ilustrar um trabalho acadêmico ou uma ação filantrópica. O fato é que em qualquer um dos casos o desejo de fazer o ótimo dilacerou a possibilidade de fazer o bom. No final das contas, nada foi concretizado, o que significa um resultado péssimo.

Convido você a fazer igual analogia com outros sonhos que já visitaram suas noites em vigília. Livros que não

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foram escritos, mú sicas que não foram compostas, poeisas que não foram declamadas. Uma intervenção necessária durante uma reunião que foi contida por falta de ousadia. Uma declaração de amor reprimida porque você ainda não se sentia preparado.

Temos o mau hábito de esperar pelo mundo perfeito para tomar decisões. É como se decidíssemos cruzar a pé uma movimentada autoestrada somente quan- do todos os veículos parassem para permitir nossa passa- gem, sem a existência de qualquer sinalização que os obrigasse a tal ação.

O tempo certo para agir é agora. Amanhã é sempre o dia

mais ocupado da semana.

Enquanto buscamos e ansiamos por este mundo perfeito, outras pessoas fazem o que é possível, com os recursos de que dispõem, dentro do tempo que lhes é concedido. E, não raro, acabam sendo bem-sucedidas. Então, ao observarmos o conteú do de suas produções, colocamo- nos imediatamente a criticá-las, certos de que poderíamos ter alcançado um resultado muito mais satisfatório. Nós pensamos; elas agiram.

Observe como muito pode ser feito usando de pouco tempo e de muita simplicidade. Muitas vezes basta um telefonema de alguns minutos para dirimir uma dú vida, prestar um esclarecimento, obter uma dilação de prazo. Da mesma maneira, um e-mail redigido em uma fração de segundos pode aquietar o espírito de seu interlocutor e

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sepultar o risco de um desentendimento. Agradecimentos, por sua vez, devem ser prestados o quanto antes, ou tornam- se inócuos e desprovidos de sensibilidade.

Um livro pode ser escrito de uma só sentada ou capítulo a capítulo, dia após dia. Uma música pode ser composta em um guardanapo de papel na mesa de um bar ou nas bordas de uma folha de jornal que repousa em seu colo dentro de um ônibus. Um poema pode ser oferecido em meio a um jantar ou dentro de um elevador que se desloca do terceiro piso para o subsolo.

O tempo certo para agir é agora. Não de qualquer jeito, não com mediocridade, mas com o máximo empenho possível. Amanhã, como diriam os espanhóis, é sempre o dia mais ocupado da semana.

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Chega de angústia

“Ninguém muda ninguém; ninguém muda sozinho; nós mudamos nos encontros.”

(Roberto Crema)

Ansiedade e angústia tornaram-se companhei- ros indesejados. A ansiedade representa um estado de impaciência, de inquietação, um desejo recôndito de an- tecipar uma decisão, de abreviar uma resposta, de aplacar expectativas.

A angústia é uma sensação de desconforto, um mal-estar físico que oprime a garganta, comprime o dia- fragma, acelera o pulso, e um mal-estar psíquico que aflige, agoniza, atormenta.

A ansiedade é um tempo que não chega; a angústia, um tempo que não vai embora.

Amantes que aguardam pelo encontro é ansie- dade; relacionamentos desgastados que não terminam é angústia. O prenúncio do final de semana para um pai divorciado é ansiedade; a despedida dos filhos no domingo é angústia. A espera pelo resultado de um concurso é ansiedade; ter seu nome classificado em uma lista de espera é angústia. A expectativa do primeiro dia de trabalho é ansiedade; o fim do expediente que demora é angústia.

Ficamos angustiados por opção, por força de nossas próprias escolhas, por causa de coisas e pessoas. Assumimos compromissos financeiros que não podemos saldar, adquirimos bens pelos quais não podemos pagar.

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Tudo em busca de status. Compramos o que não precisamos, com o dinheiro que não temos, para mostrar a quem não gostamos uma pessoa que não somos. O ato da compra é sublime e fugaz. A obrigação decorrente é amarga e duradoura. E angustiante.

Muitas são as pessoas que nos angustiam com suas argumentações, pleitos ou mera presença. O telefone toca e ao identificar o nú mero você hesita em atender. Uma visita é anunciada e sua vontade é simplesmente mandar dizer que não está.

De tanto cultivar a ansiedade, de tanto se permitir a angú stia, colhemos a depressão. Então lançamos mão de um comprimido de Prozac e fingimos estar tudo bem.

A ansiedade é um tempo que não chega;

a angú stia, um tempo quenão vai embora.

Por isso, meu convite é para que você dê um basta em sua angú stia. Demita de sua vida quem e o que não lhe faz bem. Pode ser um cliente chato ou um fornecedor desatencioso; um amigo supostamente leal, porém, na verdade, um interesseiro contumaz; ou um amor não correspondido.

Tome iniciativas que você tem protelado. Relacione tarefas pendentes e programe datas para conclusão. Limpe gavetas, elimine arquivos desnecessários. Revise sua agenda de contatos e sua coleção de cartões de visita, rejeitando quem você nem mais conhece – e que talvez nunca tenha conhecido.

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Vá ao encontro de quem você gosta para demonstrar-lhe sua afeição. Peça perdão a quem se diz magoado com você, mesmo acreditando não tê-lo feito. Ofereça flores, uma canção, um abraço e um aperto de mãos. Ofereça seus ouvidos e sua atenção.

A vida é breve e parece estar cada vez mais curta porque o tempo escorre-nos pelas mãos. Compromissos inadiáveis, reuniões intermináveis, trânsito insuportável. Cotidiano que sufoca, reprime, deprime.

Caminhar pelas ruas, admirar a lua, contar estrelas, observar o desenho que as nuvens formam no céu. Encontrar amigos, saborear os alimentos, apreciar os filhos. Escolha ficar mais leve, viver com serenidade. Libere o peso angustiante que carrega em suas costas. Viva, não apenas se deixe viver.