sombreamento arbÓreo e desempenho … · a espécie mangueira, de índice de área foliar 10,1m 2...

9
SOMBREAMENTO ARBÓREO E DESEMPENHO TERMOENERGÉTICO DE EDIFICAÇÕES Luciane Cleonice Durante (1) ; Marta Cristina de Jesus Albuquerque Nogueira (2) (1) Universidade Federal de Mato Grosso, e-mail: [email protected] (2) Universidade Federal de Mato Grosso, e-mail: [email protected] Resumo A estratégia de sombreamento, em climas quentes, é um dos principais recursos da arquitetura bioclimática. O objetivo deste estudo foi quantificar os efeitos do sombreamento arbóreo no desempenho termoenergético de edificações escolares em Cuiabá/MT, utilizando medições de variáveis termo higrométricas e simulações computacionais. As salas de aula, objetos de estudo, eram próximas, de igual partido arquitetônico, material construtivo e orientação, desprovidas de ocupação e iluminação artificial, sendo as diferenças encontradas decorrentes exclusivamente do sombreamento arbóreo. A espécie Mangueira, de índice de área foliar 10,1m 2 /m 2 e área foliar total de 940,7m 2 , sombreando uma fachada 263º, proporcionou temperatura interna na sala sombreada 1,42 o C menor que na sala sem sombreamento. A espécie Oiti, de índice de área foliar de 7,4m 2 /m 2 e área foliar total de 42,5m 2 , sombreando uma fachada 318º, proporcionou temperatura interna na sala sombreada 1,37 o C menor que na sala sem sombreamento. Os resultados da simulação indicaram uma diferença de 2 o C na temperatura interna entre as salas sem sombreamento e com as quatro fachadas sombreadas, implantadas no sentido leste-oeste. Para uma sala implantada no sentido norte-sul, a temperatura interna ficou 1,57 o C menor na sala com as quatro fachadas sombreadas que na sala sem sombreamento. Estas diferenças representaram redução de 18% e 50%, respectivamente, na demanda anual de energia para refrigeração. Os resultados indicaram que o impacto desta estratégia é relevante, pois proporciona redução das temperaturas internas e do consumo de energia para resfriamento e estende suas contribuições às estratégias de resfriamento evaporativo e umidificação, ampliando seus benefícios para o microclima do entorno. Palavras-chave: ambiente escolar, índice de área foliar, orientação solar Abstract The shading strategy, in hot climates, is a key feature of bioclimatic architecture. The aim of this study was to evaluate the effects of trees shades in thermoenergetic performances of public school’s classrooms, in Cuiabá city, using measurements of thermal and hygrometrics variables and computer simulations. The classrooms studied were closed during the experimentation, had the same architectural design, construction material and orientation, devoid of occupation and artificial lighting. The differences were solely from the shade trees. The Mangueira tree, with Leaf Area Index of 10.1 m 2 /m 2 and Total Leaf Area of 940.7 m 2 , shading a facade 263 o , provided internal temperature in the room shaded 1.42°C lower than the room without shading. The Oiti tree, of Leaf Area Index of 7.4 m 2 /m 2 and Total Leaf Area of 42.5 m 2 , shading a facade 318 o , provided internal temperature in the room shaded 1.37 o C lower than the room without shading. Simulation results indicated a difference of 2 and 1.57 o C between rooms without shading and with four facades shaded by vegetation, for deployments to 0 and 270 o C respectively, In the simulation results for rooms without shading and shading by vegetation of the four facades, deployed to 0 and 270. This difference represented a reduction of 18% and 50%, respectively in annual demand for energy cooling. The results indicated that the impact of this strategy is important as it provides a reduction of XIV ENTAC - Encontro Nacional de Tecnologia do Ambiente Construído - 29 a 31 Outubro 2012 - Juiz de Fora 1658

Upload: buiminh

Post on 27-Jan-2019

214 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: SOMBREAMENTO ARBÓREO E DESEMPENHO … · A espécie Mangueira, de índice de área foliar 10,1m 2 /m 2 e área foliar total de 940,7m 2 , sombreando uma fachada 263º, proporcionou

SOMBREAMENTO ARBÓREO E DESEMPENHO TERMOENERGÉTICO DE EDIFICAÇÕES

Luciane Cleonice Durante(1); Marta Cristina de Jesus Albuquerque Nogueira(2)

(1) Universidade Federal de Mato Grosso, e-mail: [email protected](2) Universidade Federal de Mato Grosso, e-mail: [email protected]

ResumoA estratégia de sombreamento, em climas quentes, é um dos principais recursos da arquitetura bioclimática. O objetivo deste estudo foi quantificar os efeitos do sombreamento arbóreo no desempenho termoenergético de edificações escolares em Cuiabá/MT, utilizandomedições de variáveis termo higrométricas e simulações computacionais. As salas de aula,objetos de estudo, eram próximas, de igual partido arquitetônico, material construtivo e orientação, desprovidas de ocupação e iluminação artificial, sendo as diferenças encontradasdecorrentes exclusivamente do sombreamento arbóreo. A espécie Mangueira, de índice de área foliar 10,1m2/m2 e área foliar total de 940,7m2, sombreando uma fachada 263º, proporcionou temperatura interna na sala sombreada 1,42oC menor que na sala sem sombreamento. A espécie Oiti, de índice de área foliar de 7,4m2/m2 e área foliar total de 42,5m2, sombreando uma fachada 318º, proporcionou temperatura interna na sala sombreada 1,37oC menor que na sala sem sombreamento. Os resultados da simulaçãoindicaram uma diferença de 2oC na temperatura interna entre as salas sem sombreamento e com as quatro fachadas sombreadas, implantadas no sentido leste-oeste. Para uma sala implantada no sentido norte-sul, a temperatura interna ficou 1,57oC menor na sala com as quatro fachadas sombreadas que na sala sem sombreamento. Estas diferenças representaramredução de 18% e 50%, respectivamente, na demanda anual de energia para refrigeração. Os resultados indicaram que o impacto desta estratégia é relevante, pois proporciona redução das temperaturas internas e do consumo de energia para resfriamento e estende suas contribuições às estratégias de resfriamento evaporativo e umidificação, ampliando seus benefícios para o microclima do entorno.Palavras-chave: ambiente escolar, índice de área foliar, orientação solar

AbstractThe shading strategy, in hot climates, is a key feature of bioclimatic architecture. The aim of this study was to evaluate the effects of trees shades in thermoenergetic performances of public school’s classrooms, in Cuiabá city, using measurements of thermal and hygrometricsvariables and computer simulations. The classrooms studied were closed during the experimentation, had the same architectural design, construction material and orientation,devoid of occupation and artificial lighting. The differences were solely from the shade trees.The Mangueira tree, with Leaf Area Index of 10.1 m2/m2 and Total Leaf Area of 940.7 m2, shading a facade 263o, provided internal temperature in the room shaded 1.42°C lower than the room without shading. The Oiti tree, of Leaf Area Index of 7.4 m2/m2 and Total Leaf Area of 42.5 m2, shading a facade 318o, provided internal temperature in the room shaded 1.37oClower than the room without shading. Simulation results indicated a difference of 2 and 1.57 oC between rooms without shading and with four facades shaded by vegetation, for deployments to 0 and 270oC respectively, In the simulation results for rooms without shadingand shading by vegetation of the four facades, deployed to 0 and 270. This difference represented a reduction of 18% and 50%, respectively in annual demand for energy cooling.The results indicated that the impact of this strategy is important as it provides a reduction of

XIV ENTAC - Encontro Nacional de Tecnologia do Ambiente Construído - 29 a 31 Outubro 2012 - Juiz de Fora

1658

Page 2: SOMBREAMENTO ARBÓREO E DESEMPENHO … · A espécie Mangueira, de índice de área foliar 10,1m 2 /m 2 e área foliar total de 940,7m 2 , sombreando uma fachada 263º, proporcionou

internals temperatures and energy consumption for cooling and extends their contributions to the evaporative cooling and humidification strategies, expanding its benefits to the surrounding microclimate.Keywords: school environment, Leaf Area Index, solar orientation

1. INTRODUÇÃODiversos autores apontam, como uma das diretrizes para melhor adequação da arquitetura ao clima e conforto térmico, a arborização corretamente posicionada para proteção das fachadas(LAVERNE e LEWIS, 1996; PIETROBON, 1999; PAPADAKIS et al., 2001; AYRES et al., 2005, AYRES, 2010; CHEN, 2006; PIVETA, 2010 e MASCARÓ et al., 2011). Para a cidade de Cuiabá, a recomendação do sombreamento das aberturas é indicada para 31% das horas de conforto anuais das construções naturalmente condicionadas (LIGGETT e MILNE, 2010). O efeito da vegetação na redução das temperaturas internas de edificações sombreadas é decorrente da atenuação da radiação solar pela copa. Desta forma, uma parede sobsombreamento arbóreo, tem diminuída sua temperatura superficial e, consequentemente, há menor incidencia de radiação solar, o que provoca menor absorção e transferencia de energia para o interior do ambiente, melhorando as condições de conforto térmico internas. No caso de haver sistemas de resfriamento, menor energia será gasta pelo sistema (PAPADAKIS, 2001).

Sob a copa de uma árvore, a umidade é maior que fora dela, devido à transpiração das folhas, que mantém a sua temperatura sempre menor que a do ar que as envolvem, bem como devido a evaporação da água do solo, que se mantém mais úmido que a céu aberto (OMETO, 1981).Desta forma, os benefícios do sombreamento arbóreo estendem-se para o microclima do entorno das edificações, pois suas contribuições agregam as estratégias de resfriamento evaporativo e umidificação, proporcionando ambientes externos mais atrativos e adequados ao uso, em locais de clima quente. Em consonância, BUTTNER (2008) destacou que, para Cuiabá, a melhoria proporcionada pelo emprego de sombreamento é mais relevante que a proporcionada pelo resfriamento evaporativo, evidenciando a importância desta estratégia para o clima local.

O objetivo desta pesquisa foi quantificar a influência do sombreamento arbóreo em diferentes orientações de fachadas, no desempenho termoenergético de edificações em Cuiabá/MT.

2. MATERIAIS E MÉTODOSAdotou-se como objetos de pesquisa salas de aula de mesma posição relativa em duas edificações escolares, sendo uma totalmente exposta à radiação solar e, outra, com sombreamento arbóreo proporcionando proteção total das fachadas implantadas a 263 e 318°.As unidades arbóreas de sombreamento das salas foram caracterizadas e inventariadasconforme proposto por Oliveira (2011) e locadas em relação às fachadas (Figura 01).

As salas exposta e sombreada tinham igual partido arquitetônico e materiais construtivos. Encontravam-se desocupadas, sem a presença de iluminação ou ventilação artificial e com janelas fechadas, o que foi de encontro à premissa da pesquisa de que as eventuais diferenças nas condições termo higrométricas entre elas eram devidas, exclusivamente, às distintas condições de sombreamento.As medições de temperatura e umidade relativa interna e externa foram feitas por registradores automáticos HOBO U12-013 e HOB U12-012. Internamente, foram posicionados no centro das salas. Externamente, foram instalados no interior de abrigos

XIV ENTAC - Encontro Nacional de Tecnologia do Ambiente Construído - 29 a 31 Outubro 2012 - Juiz de Fora

1659

Page 3: SOMBREAMENTO ARBÓREO E DESEMPENHO … · A espécie Mangueira, de índice de área foliar 10,1m 2 /m 2 e área foliar total de 940,7m 2 , sombreando uma fachada 263º, proporcionou

termométricos a céu aberto e sob a copa dos indivíduos arbóreos de sombreamento. Os equipamentos estavam calibrados e sincronizados com intervalo de medição de cinco minutos. O período de medição foi de 11/12/2101 a 17/01/2011 e de 29/12/2010 a 23/01/2011, nas salas com fachadas sombreadas orientadas a 263o e 318º, respectivamente. Realizaram-se as medições dos Índices de Área Foliar (IAF) em outubro/2010. O método para medição do IAF por meio do equipamento Ceptômetro de Barra modelo LP-80 AccuPAR, consiste na medição da radiação solar global, a céu aberto, seguida de medição da radiação à sombra da copa, após o que se lê diretamente o IAF. Os horários de medição devem ser com altura solar próxima a 90o, tendo sido efetuadas ao meio-dia.

Figura 1 – Salas com e sem sombreamento nas fachadas orientadas a 263° (a) e 318° (b)

a) b)

Na análise dos dados das medições adotou-se a metodologia da NBR 15575 (ABNT, 2010), tomando-se o dia típico como 02/01/2011. Na simulação computacional, modelou-se a unidade arbórea como componente de sombreamento, com espaçamentos dos volumes dos sólidos tomados proporcionalmente à transmitância da copa na medida de 1m, conforme proposto por Pietrobom (1999) (Figura 2a). A transmitância da copa, por sua vez, foi determinada pela fração entre a iluminância sob a copa e a céu aberto, considerando-se o horário das 11 às 13h, medidas com o registrador automático HOBO UA002.

A validação do arquivo climático epw foi feita substituindo-se seus valores horários de temperatura de bulbo seco, umidade, radiação solar global, direção e velocidade dos ventos pelos valores coletados externamente à sala orientada a 263°, no período de 29/12 a 23/01. A calibração do modelo foi feita pela comparação entre os resultados simulados e medidos da temperatura do ar interno da sala sem sombreamento. A taxa de infiltração foi calculada pelo Método da Área de Frestas (GRINGS, 2003) e os valores da temperatura do solo foram calculados com o programa Slab (ENERGYPLUS, 2011).Como proposta de generalização dos efeitos do sombreamento arbóreo e quantificaçao de sua influência na temperatura interna das edificações, realizou-se simulação com variações de posicionamento das unidades arbóreas em relação à fachada de uma sala de aula padrão de 6x8x3m, com esquadrias na parede à esquerda do quadro em proporção de 20% da área (duas janelas de 2,04x1,75m) e na parede à direta do quadro na proporção de 12% (duas janelas de 0,84x1,75m) (Figura 2b). A sala foi locada no centro de um bloco, tendo, portanto, salas idênticas adjacentes a ela. Realizaram-se simulações para salas implantadas com as maiores dimensões nos sentidos norte-sul (0o) e leste-oeste (270°) considerando-as sem sombreamento, com sombreamento nas quatro fachadas e com sombreamento nas fachadasoeste e norte. As salas adjacentes e beirais foram modeladas como componentes de sombreamento, com condutividade de 0,95Wm-1oC-1, densidade de1000kgm-2 e calor

XIV ENTAC - Encontro Nacional de Tecnologia do Ambiente Construído - 29 a 31 Outubro 2012 - Juiz de Fora

1660

Page 4: SOMBREAMENTO ARBÓREO E DESEMPENHO … · A espécie Mangueira, de índice de área foliar 10,1m 2 /m 2 e área foliar total de 940,7m 2 , sombreando uma fachada 263º, proporcionou

específico de2 000JoC-1kg-1. Para as unidades arbóreas, os valores adotados classificam os componentes de sombreamento como materiais condutores de calor (condutividade=0,95Wm-

1oC-1), densos (densidade=500kgm-2), de médio aquecimento (calor específico=754JoC-1kg-1) e muito absortivo (absortância solar=0,95), de acordo com Lacchini (2010).

Figura 12 – Modelagem da unidade arbórea de sombreamento (a) e sala de aula padrão (b)

a) b)

3. RESULTADOSA sala orientada a 263° era sombreada por Mangueira (Mangifera indica) e a sala orientada a 318°, por Oiti (Licania tomentosa, Chrysobalanaceae), ambos de grande porte. A Mangueira possuía 3,59m de fuste, 7,38m e 10,89m de altura e projeção de copa, respectivamente. Seu IAF e a Área Foliar Total eram de 10,1m2m-2 e 940,7m2, respectivamente. O Oiti tinha 12,7m de projeção de copa, altura do fuste e copa de 3,98 e 8,06m, respectivamente. O IAF e a Área Foliar Total eram de 7,4m2m-2 e 842,5m2, respectivamente. A distância do centro dos fustes da Mangueira e Oiti às fachadas das salas eram de 5 e 6m, respectivamente.

Obtiveram-se as temperaturas máximas, médias e mínimas de 33,73, 27,70 e 24,28oC e de 29,28, 26,17 e 24,23oC, nas salas sem sombreamento e com sombreamento por Mangueira,respectivamente. As umidades relativas máximas, médias e mínimas foram 90,23, 78,26 e 57,22% na sala sem sombreamento e 91,21, 84,22 e 72,15% na sala com sombreamento, respectivamente. Externamente, as temperaturas máximas, médias e mínimas ao sol foram 32,69, 27,74 e 23,42°C e sob a copa da Mangueira, 28,39, 25,62 e 23,50°C, respectivamente. A umidade relativa ao sol apresentou valores máximos, médios e mínimos de 93,81, 77,59 e 58,05% e de 93,89, 86,15 e 74,93% à sombra da Mangueira, respectivamente (Figura 3a).

As temperaturas máximas, médias e mínimas foram de 33,65, 27,51 e 24,02oC e de 29,67, 26,16 e 23,97oC, nas salas sem sombreamento e com sombreamento proveniente do Oiti,respectivamente. As umidades relativas máximas, médias e mínimas foram de 89,29, 77,06 e 55,76% na sala sem sombreamento, e de 93,01, 84,63 e 69,91%, na sala com sombreamento, respectivamente. Externamente, as temperaturas máximas, médias e mínimas ao sol foram 33,53, 27,78 e 23,25°C e, sob a copa do Oiti, 28,80, 25,91 e 23,36°C, respectivamente. A umidade relativa ao sol apresentou valores máximos, médios e mínimos de 93,52, 75,77 e 53,60% e de 95,62, 85,02 e 71,74%, à sombra do Oiti, respectivamente (Figura 3b).

No microclima externo, a variação relativa da temperatura a céu aberto e à sombra foi de 10,55% e 8,31%, para a Mangueira e Oiti, respectivamente. A variação relativa da umidade foi de 15,17 e 14,53%. Verificou-se correlação positiva entre a atenuação da temperatura e IAF (R2=0,93) e AFT (R2=0,75). Para a atenuação da umidade, a correlação também ocorreu

XIV ENTAC - Encontro Nacional de Tecnologia do Ambiente Construído - 29 a 31 Outubro 2012 - Juiz de Fora

1661

Page 5: SOMBREAMENTO ARBÓREO E DESEMPENHO … · A espécie Mangueira, de índice de área foliar 10,1m 2 /m 2 e área foliar total de 940,7m 2 , sombreando uma fachada 263º, proporcionou

de forma positiva, com o IAF (R2=0,76) e AFT (R2=1,0). Esses resultados corroboram com Spangenberg et al. (2208) e Mascaró et al. (2011) dentre outros.

Figura 23 – (a) Condições termo higrométricas no dia 02/01/2010 externas e internas devio ao sombreamento por Mangueira (a) e por Oiti (b)

a) b)

A comparação dos resultados medidos e simulados de temperatura externa apresentou marcada similaridade (Tabela 1). Como era de se esperar, os valores simulados apresentaram menor amplitude, com menor variação entre as máximas e mínimas, justificada pelo conceito do arquivo climático, que elimina valores extremos. As diferenças entre os valores dastemperaturas externas simuladas com dados do epw e locais, tem origem na distinta localização da estação meteorológica que coleta os dados do epw em termos de altitude, uso e ocupação do solo. Ainda assim, se comparadas as temperaturas médias, as mesmas apresentaram-se muito semelhantes, sendo o valor simulado com o epw igual a 27,64oC e com dados do sítio estudado de 28,08oC. Realizou-se análise de regressão, obtendo-se correlação positiva (R2=0,86) entre as temperaturas externas medidas e simuladas, podendo-se inferir que o arquivo climático explicou a variabilidade da temperatura externa na área analisada.

Tabela 1 - Estatística descritiva da temperatura externa simulada com dados do arquivo climático e das medições, período de 29/12/2010 a 23/01/2011, externamente à sala orientada a 263°

ESTATÍSTICA DESCRITIVA

Temperatura externa simulada com o arquivo epw (oC)

Temperatura medida externamente à sala orientada 263º, a céu aberto (oC)

Média 27,64 28,08Máxima 38,80 39,12Mínima 22,10 21,95

Desvio Padrão 3,35 3,69

Na calibração do modelo da sala orientada a 263º, considerou-se espessuras médias de frestas das esquadrias de 0,5cm, tendo sido encontrado o valor de 0,034m3/s ou 0,85 renovações de

XIV ENTAC - Encontro Nacional de Tecnologia do Ambiente Construído - 29 a 31 Outubro 2012 - Juiz de Fora

1662

Page 6: SOMBREAMENTO ARBÓREO E DESEMPENHO … · A espécie Mangueira, de índice de área foliar 10,1m 2 /m 2 e área foliar total de 940,7m 2 , sombreando uma fachada 263º, proporcionou

ar por hora, no cálculo da taxa de infiltração pelo Método da Área de Frestas (GRINGS, 2003). Larsen et al. (2010) utilizaram para a simulação nas condições desocupadas e esquadrias fechadas, o valor de 1 renovação de ar por hora, para janelas de mesma tipologia, em Salta, noroeste da Argentina, estando o valor obtido coerente. A temperatura média, máxima e mínima da sala sem sombreamento foram 31,66, 36,20 e 27,82oC. Na sala com sombreamento, a temperatura média foi 30,68oC, a máxima, 35,11oC e a mínima, 26,92oC. Em ambos os casos, a simulação superestimou os valores da temperatura interna e apresentou marcada similaridade com os dados medidos (Tabela 2).

Tabela 2 – Calibração da temperatura interna do modelo

SALA SEM SOMBREAMENTO SALA COM SOMBREAMENTOESTATÍSTICA DESCRITIVA Temperatura

Simulada (oC)Temperatura Medida (oC)

TemperaturaSimulada(oC)

TemperaturaMedida(oC)

Media 31,64 30,84 30,58 29,32Desvio Padrão 1,61 1,72 1,47 1,72

A diferença entre as temperaturas simuladas nas salas com e sem sombreamento de 0,79oC e 1,25oC encontradas na calibração foram consideradas satisfatórias. Estes resultados estão de acordo com Kusuda (1981), que comparou resultados de programas antecessores do Energy Plus, concluindo que as temperaturas simuladas foram maiores que as medidas. Também estão em consonância com Yik et al. (1995) que encontraram diferenças de 0,3, 1,5 e 2,9oC entre as temperaturas simuladas e medidas e classificaram os dois primeiros como excelentes e o último como bom. Na simulação, a maior temperatura média foi encontrada na sala sem sombreamentoimplantada no sentido norte-sul, no valor de 32,08oC, seguida pela sala sem sombreamentoimplantada no sentido leste-oeste, no valor de 31,9oC. Na sala implantada no sentido norte-sul, com sombreamento da fachada oeste, obteve-se temperatura interna de 31,20ºC e a implantada no sentido leste-oeste, com sombreamento da fachada norte, 30,99oC (Tabela 3).

O efeito do sombreamento na temperatura interna foi de 2oC em média, em relação a uma edificação totalmente exposta e totalmente sombreada, implantada na direção norte-sul. Para uma edificação implantada no sentido leste-oeste, o efeito do sombreamento na temperatura interna foi de 1,57oC. Considerando-se apenas uma fachada sombreada (oeste ou norte) o efeito do sombreamento na temperatura interna foi de 0,9oC.

Tabela 1 – Temperatura interna simulada das salas com diferentes orientações e condições de sombreamento

TEMPERATURA INTERNA (oC)Implantação no sentido Norte-Sul (0o) Implantação no sentido Leste-Oeste (270o)ESTATÍSTICA

DESCRITIVA sem sombrea-

mento

com sombrea-mento da

fachada oeste

com sombrea-mento de todas

as fachadas

sem sombrea-

mento

com sombrea-mento da

fachada norte

com sombrea-mento de todas

as fachadasMedia 32,08 31,20 30,09 31,90 30,99 30,33

Máxima 42,80 39,89 37,67 41,10 40,27 38,62Mínima 14,96 14,82 14,76 14,97 14,51 14,55

Na orientação norte-sul, no modelo sem sombreamento, os valores médios, máximos e

XIV ENTAC - Encontro Nacional de Tecnologia do Ambiente Construído - 29 a 31 Outubro 2012 - Juiz de Fora

1663

Page 7: SOMBREAMENTO ARBÓREO E DESEMPENHO … · A espécie Mangueira, de índice de área foliar 10,1m 2 /m 2 e área foliar total de 940,7m 2 , sombreando uma fachada 263º, proporcionou

mínimos do saldo de energia térmica entre o edifício e o meio foram de 7,72, 10,02 e 5,85 kW, respectivamente, sendo o maior ocorrido no mês de janeiro e o menor no mês de setembro. No modelo com sombreamento na fachada oeste, os valores médios, máximos e mínimos foram de 5,95, 7,9 e 3,8 kW, com o menor valor ocorrendo no mês de setembro e o maior, no mês de janeiro. Para o modelo com sombreamento em todas as fachadas, obteve-se os valores médios, máximos e mínimos de 6,1, 9,45 e 2,76 kW, com o maior valor no mês de janeiro e o menor no mês de junho.Para a orientação leste-oeste, no modelo sem sobreamento, os valores médios, máximos e mínimos do saldo de energia térmica na edificação foram de 12,3, 16,1 e 9,1 kW, respectivamente, sendo o maior ocorrido no mês de julho e o menor no mês de dezembro. No modelo da sala com sombreamento na fachada norte, os valores médios, máximos e mínimos foram de 10,2, 11,7 e 9,1 kW, com o menor valor ocorrendo no mês de novembro e o maior, no mês de maio. Para o modelo com sombreamento em todas as fachadas, obtiveram-se os valores médios, máximos e mínimos de 9,9, 11,5 e 8,8 kW, com o maior valor no mês de abril e o menor no mês de setembro.A demanda de energia elétrica para resfriamento foi em ordem decrescente: modelo com a maior dimensão no sentido leste-oeste sem sombreamento (178 kWh), modelo implantado com a maior dimensão no sentido leste-oeste e sombreamento na fachada norte (129 kWh), modelo implantado com a maior dimensão no sentido leste-oeste e sombreamento das quatro fachadas (127 kWh), modelo com a maior dimensão no sentido norte-sul sem sombreamento (110 kWh), modelo com a maior dimensão no sentido norte-sul e sombreamento da fachada oeste (104 kWh) e modelo com a maior dimensão no sentido norte-sul e sombreamento das quatro fachadas (87kWh) (Figura 4).

Figura 43 – Demanda para resfriamento das salas orientadas a norte-sul (a) e leste-oeste (b)

a) b)

Para a implantação da sala a norte-sul (0o), a adoção da estratégia de sombreamento em todas as fachadas representou, em média, redução de 18% na demanda anual de energia para refrigeração e para a sala implantada na direção leste-oeste (270°), a redução foi de 50%. Justifica-se o elevado percentual da direção leste-oeste pelo fato de que o indivíduo arbóreo tinha grande porte e promovia sombreamento da cobertura durante todo o período vespertino (Figura 5).

XIV ENTAC - Encontro Nacional de Tecnologia do Ambiente Construído - 29 a 31 Outubro 2012 - Juiz de Fora

1664

Page 8: SOMBREAMENTO ARBÓREO E DESEMPENHO … · A espécie Mangueira, de índice de área foliar 10,1m 2 /m 2 e área foliar total de 940,7m 2 , sombreando uma fachada 263º, proporcionou

Figura 54 – Sombreamento no Sítio 2 às 8h (a), 10h (b), 12h (c), 14h (d), 16h (e) e 18h (f) devido à própria edificação e à Mangueira, no solstício de verão

a) b) c) d) e) f)

O saldo em todos os meses do ano foi positivo, ou seja, a edificação requer sistematicamente estratégia de resfriamento. Nesse sentido, observou-se que a estratégia de sombreamento reduziu a demanda energética para resfriamento.

4. CONCLUSÃOA variação relativa de temperatura a céu aberto e sob a copa da Mangueira e Oiti foi de 10,55 e 8,31%, respectivamente, e a variação relativa da umidade foi de 15,17 e 14,53%, respectivamente. O sombreamento da porção do solo sob a copa bloqueia os efeitos da radiação solar direta, o deixa mais úmido e permite a ocorrência de maior taxa de evaporação que a céu aberto. Esse efeito acentua-se com o aumento do porte da árvore e maior volume de copa, bem como com o aumento do IAF, sendo, por isso, mais acentuado na Mangueira.

A atenuação da temperatura e acréscimo da umidade do ar proporcionadas pelas copas se relacionou de forma direta com o índice de área foliar e a área foliar total das árvores estudadas, tendo sido encontrados IAF de 10,1 e 7,4m2/m2 para a Mangueira e Oiti, respectivamente.

O sombreamento por Mangueira e Oiti proporcionou atenuação média anual da temperatura interna das salas de 1,42oC e de 1,37oC. Considerando-se a proximidade das salas medidas e o fato de que as diferenças nos valores da temperatura encontrados decorream apenas da condição de sombreamento, conclui-se que o efeito desta estratégia foi relevante.

O efeito do sombreamento na temperatura interna foi de 2oC em média, em relação a uma edificação parcial e totalmente sombreada, implantada na direção norte-sul. Para uma edificação implantada no sentido leste-oeste, este efeito do sombreamento na temperatura interna foi de 1,5oC. Considerando-se apenas uma face sombreada (oeste ou norte), o efeito do sombreamento na temperatura interna foi de 0,9oC.O balanço térmico resultou em ganhos de calor pelas salas em todos os meses do ano, resultando em demanda para resfriamento. Para a implantação norte-sul, a adoção da estratégia de sombreamento representou em média uma redução de 18% na demanda anual de energia para refrigeração. Já para a sala implantada na direção leste-oeste, este efeito foi maior: 50% na demanda média, justificado pelo sombreamento da cobertura durante todo o período vespertino.

REFERÊNCIASABNT. ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 15575: Desempenho térmico de edificações. Rio de Janeiro, 2010.

AYRES, M. C. R., TARGA, L. A., PEIXOTO, P. P. P. Influência do sombreamento natural da Sibipiruna (Caesalpinia peltrophoroides) na temperatura de edificações. Energ. Agric., Botucatu, v.20, n.1, 2005, p.62-76.

XIV ENTAC - Encontro Nacional de Tecnologia do Ambiente Construído - 29 a 31 Outubro 2012 - Juiz de Fora

1665

Page 9: SOMBREAMENTO ARBÓREO E DESEMPENHO … · A espécie Mangueira, de índice de área foliar 10,1m 2 /m 2 e área foliar total de 940,7m 2 , sombreando uma fachada 263º, proporcionou

AYRES, M. C. R. Avaliação do sombreamento natural do flamboyant (Delonix regia) na temperatura de um ambiente construído. Revista Agrarian, Dourados, v.3, n.9, p.200-208, 2010.

BUTTNER, S. B. Avaliação de desempenho térmico e energético de coberturas em clima tropicalcontinental. 2008. 311f. Dissertação (Mestrado em Arquitetura e Urbanismo). Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2008.

CHEN, Y. The intervention of plants in the conflicts between buildings and climate – A case study in Singapore. 2006. 336f. Thesis (Doctor in Philosophy). Department of Building, National University of Singapore, Singapore, 2006.

ENERGY PLUS. Getting started with Energy Plus. Ernest Orlando Lawrence Berkeley national Laboratory. University of Illinois, 2009

GRINGS, E. T. O. Comparação entre os resultados computacionais e experimentais do comportamento térmico de um ambiente. 2003. 166f. Dissertação (Mestrado em Engenharia). Escola de Engenharia, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre-RS, 2003.

KUSUDA, T.; PIERCE, E. T.; BEAN, J. W. Comparison of calculated hourly cooling load and attic temperature with measured data for Houston test house. ASRHAE Transaction, v. 87. Part. 1. 1987.

LACCHINI, A. S. Desempenho termoenergético de edificações industriais. 2010. Dissertação (Mestrado em Arquitetura). 206f. Faculdade de Arquitetura, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre-RS.

LAVERNE, R. J.; LEWIS, G. McD. The effect of vegetation on residential energy use in Ann Arbor, Michigan. Journal of Arboriculture, September 1996.

LARSEN, S. F.; FILIPPÍN, C.; LESINO, G. La incidencia de los usuarios en el comportamento ermico de verano de una vivienda en el noroeste argentino. In: IV Conferencia Latino Americana de Energía Solar (IV ISES_CLA) y XVII Simposio Peruano de Energía Solar (XVII- SPES), Cusco, 2010. Anais... Cusco, 2010.

LIGGETT, R.; MILNE, M. California Energy Comission PIER Program. Climate Consultant. Disponível em: www.energy-design-tools.aud.ucla.edu. Versão 5.0, 2010.

MASCARÓ, J. J., WENTZ, C. F., ROCHA, V. T. Avaliação do desempenho ambiental de ruas arborizadas e ruas sem arborização em Porto Alegre, RS, Brasil. In: CONFERÊNCIA INTERNACIONAL DA LARES, 11, 2011, São Paulo. Anais... São Paulo: Centro Brasileiro Britânico, 2011, p. 1-7.

OLIVEIRA, L. A., COSTA, A. C. L. Estudo da influência da vegetação relacionado com o conforto térmico dentro do Campus Básico e Profissional da Universidade Federal do Pará. Revista Científica da UFPA. Belém, 6 ed., jan 2006.

PAPADAKIS, G., TSAMIS, P., KYRITSTS, S. An experimental investigation of the effects of shading with plants for solar control of buildings. Energy and Buildings. n. 33, 2001, p. 833-836.

PIETROBON, C. E. Luz e calor no ambiente construído escolar e sombreamento arbóreo: conflito ou compromisso com a conservação de energia? 1999. 554f. Tese (Doutorado em Engenharia de Produção). Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis-SC, 1999.

PIVETA, J. Influência de elementos paisagísticos no desempenho térmico de edificação térrea. Dissertação (Mestrado em Engenharia de Edificações e Saneamento). Universidade Estadual de Londrina, Londrina, 2010.

SPANGENBERG, J.; SHINZATO, P.; E. JOHANSSON, E.; DUARTE, D. Simulation of the influence of vegetation on microclimate and thermal comfort in the city of São Paulo. Rev. SBAU, Piracicaba, v.3, n.2, jun. 2008, p. 1-19.

YIK, F. W. H.; UNDERWOOD C. P.; CHOW, W. K. Simultaneous modeling of heat and moisture transfer and air-conditioning system in buildings. In: Conference Building Simulation 95, Wisconsin, USA. Anais...Wisconsin: August 1985, 14-16, p. 14-21.

XIV ENTAC - Encontro Nacional de Tecnologia do Ambiente Construído - 29 a 31 Outubro 2012 - Juiz de Fora

1666