sombra de um anjo

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Era necessário que a balança entre o bem e o mal estivesse equilibrada. E, para evitar que o nosso mundo fosse destruído pela ganância e pela sede de poder de Lucian, foi forjada uma arma capaz de decidir o destino da humanidade. Um corredor escuro, uma garota e uma voz misteriosa, sombras avançando em sua direção e, em um piscar de olhos, uma multidão de pessoas mortas a observando pacientemente, como se esperassem algo: é assim que vive Samantha Lyterin, uma garota aparentemente normal, mas assombrada por vultos e visões do futuro. Ela se vê de uma hora para a outra destinada a manter o equilíbrio em uma guerra em que um lado estão os anjos, querendo proteger a humanidade, e, do outro, sombras que buscam incansavelmente a arma que permitiria a ascensão de Lucian.

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Ana Beatriz Brandão

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Ana Beatriz Brandão

São Paulo, 2014

TALENTOS DA LITERATURA BRASILEIRA

Sombra de um anjo

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Page 4: SOMBRA DE UM ANJO

2014ImPRESSO NO BRASILPRINTED IN BRAzIL

DIREITOS cEDIDOS PARA ESTA EDIçãO àNOvO SécULO EDITORA

cEA – cENTRO EmPRESARIAL ARAgUAIA IIAlameda Araguaia, 2190 - 11o andar

Bloco A – conjunto 1111cEP 06455-000 – Alphaville Industrial – SPTel. (11) 3699-7107 – Fax (11) 3699-7323

[email protected]

copyright © 2014 by Ana Beatriz Brandão

coordenação editorial Letícia Teófilo

Diagramação claudio Tito Braghini Junior

capa Alexandre Santos / Pergaminno Design

Preparação Patrícia Almeida

Revisão Débora Donadel

Patrícia de Almeida murari

Brandão, Ana Beatriz Sombra de um anjo / Ana Beatriz Brandão. -- Barueri, SP : Novo Século Editora, 2014. -- (Talentos da literatura brasileira) 1. Ficção brasileira I. Título. II. Série. 13-13827 CDD-869.93

1. Ficção : Literatura brasileira 869.93

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Índices para catálogo sistemático:

Texto de acordo com as normas do Novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (Decreto Legislativo no 54, de 1995)

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Com amor, à minha família e amigos.Sem vocês esse sonho não seria realizado.

2014ImPRESSO NO BRASILPRINTED IN BRAzIL

DIREITOS cEDIDOS PARA ESTA EDIçãO àNOvO SécULO EDITORA

cEA – cENTRO EmPRESARIAL ARAgUAIA IIAlameda Araguaia, 2190 - 11o andar

Bloco A – conjunto 1111cEP 06455-000 – Alphaville Industrial – SPTel. (11) 3699-7107 – Fax (11) 3699-7323

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Por um momento, pensei em mudar o futuro, mas logo tirei aquela ideia da minha cabeça; afinal, eu não podia

arriscar a vida de mais ninguém, eu tinha que ter coragem de enfrentar o meu destino.

Samantha Lyterin

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Prólogo

Meu nome é Samantha Lyterin, tenho 17 anos e a minha vida é uma droga.

Minha mãe morreu quando nasci e não sei nada sobre ela. Meu pai morreu com dois tiros na cabeça, dados por um cara que foi contratado para matá-lo apenas porque ele bebia até desmaiar num bar e depois não pagava. Eu tinha três anos quando isso aconteceu.

Fui mandada para um orfanato e fiquei lá até eu ter minha primeira visão, aos nove anos. Acharam que eu era louca quando contei, então me mandaram para um hospital psiquiátrico, onde fiquei até os doze anos, ou melhor, até eu aprender a ficar com o bico calado sobre tudo o que eu via. Depois de inúmeros tratamentos para uma doença que não existia e várias tentativas de fugas, uma enfermeira teve pena da pobre e louca órfã e me adotou.

Kathryn Mark era uma mulher baixinha, gordinha e carinhosa, de fala mansa e olhar triste, que me tratava com carinho. Eu e os quatro filhos que ela teve com o primeiro marido, que morreu na guerra, morávamos em uma casa simples, onde não faltava nada. Eu ia pra escola e ajudava a

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cuidar dos afazeres e dos meus novos irmãos: Jack e Joseph eram gêmeos e tinham sete anos, Sophia tinha quatro anos e o pequeno Benjamin, três.

Era uma vida boa, não posso negar. Até minhas vi-sões me deixaram em paz por um tempo, mas tudo mudou quando Kath conheceu um cara no trabalho, Frank, um porco nojento. Os dois tinham inúmeras brigas sempre por motivos idiotas, mas nunca vou me esquecer da última...

Começou por um motivo bobo, um copo de cer-veja que Ben derrubou em cima de Frank quando passou correndo pela sala e esbarrou na mesa onde o briguento e os amigos jogavam cartas. Ele se levantou e pegou Ben, na época já com seis anos, pela gola da camisa. Ele já esta-va com a mão cerrada prestes a dar um soco no menino, quando eu corri e pulei em suas costas com o braço em volta de seu pescoço. Apertei o mais forte que eu con-segui e gritei pela ajuda de Kathryn. Com o susto, ele soltou o garotinho e se jogou de costas contra a parede. Bati a cabeça com força e caí sentada no chão sentindo o sangue escorrer pelo meu cabelo, já prestes a desmaiar, mas antes pude ver Kath correr na direção dele com uma faca tentando acertá-lo na barriga. Com um movimento rápido, ele pegou a faca da mão dela e a acertou no co-ração, girando a faca no lugar. Depois disso não vi mais nada, só a escuridão.

Já faz um ano que isso aconteceu. Kathryn Mark morreu naquele dia e Frank foi preso e condenado à prisão perpétua. Os pequenos moram agora com o irmão dela, eu ia visitá-los sempre que tinha folga no meu trabalho de caixa de supermercado. Acabei me mudando para uma pequena pensão de garotas depois do incidente. Minha vida

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era um tédio, a não ser por um pequeno detalhe: minhas visões estavam cada vez mais frequentes.

Me lembro como se fosse hoje do dia em que elas começaram. Eu tinha nove anos, era uma garotinha ino-cente e blá-blá-blá. Eu pulava feliz pelo jardim do orfanato até tropeçar em alguma coisa e cair de cara no chão. Co-mecei a chorar, o que acontece sempre quando crianças caem e batem o nariz. Foi então que a vi. Uma pena negra. Não daquelas de pombo ou de pássaro, essa era diferente, era do tamanho do meu antebraço.

Eu a peguei e analisei, afinal uma garotinha daquela idade não imaginaria que aquilo faria mal a ela. Aliás, nin-guém poderia imaginar. Foi então que aconteceu: eu tive uma visão. PUF! Pisquei e eu estava em outro lugar. Uma sequência de cenas se formou em minha cabeça. Só me lembro de flashes de luz e asas brancas e negras. Também havia uma voz. “Samantha! Samantha, acorda! Preciso que acorde, Samantha!”. Quando voltei a mim, estava no meio do jardim, encolhida, chorando e gritando.

Foi aí que minha vida piorou.Desde que tive cabeça para pensar em tudo o que ha-

via acontecido comigo desde o início da minha vida, decidi que eu não iria me revoltar ou virar uma delinquente como os outros por aí. É verdade que tive meu período de rebel-dia logo depois de conseguir sair daquele lugar infernal que era o hospital psiquiátrico. Kath sofreu um pouco comigo, até andei roubando umas carteiras, o que me rendeu alguns dias no reformatório, e não me orgulho disso até hoje, mas posso dizer que foi uma experiência interessante. No final, Kath me ensinou que devemos aprender a aceitar nosso

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destino e lutar para ter uma vida digna, então resolvi igno-rar minha visões e me dedicar aos estudos.

Tenho certo talento na vida, era o que me diziam os professores da escola onde cursei o ensino médio, e se é ver-dade que tirar dez em Botânica, Biologia, Anatomia e essas coisas é ter talento, então eu sou merecedora de um prêmio Nobel. Porém, sou boa apenas em matérias que falam sobre toda a espécie de ser vivo, nada de Matemática, Economia e coisas assim. Motivo pelo qual os outros zombavam de mim, diziam que só era boa nessas matérias porque para fazer poções e bruxaria era necessário saber bastante sobre seres vivos. Eu não tinha muitos amigos, aliás, não tinha nenhum. Eu era daquelas garotas que sempre sentam num canto do refeitório para ler livros sobre plantas, vestindo-se de um jeito esquisito.

Era assim que eu vivia: trabalhava no mercado de ma-nhã, depois ia pra escola e voltava para meu quarto na pen-são, onde ficava o resto do dia pensando na droga da minha vida. O quarto era enorme, com grades nas janelas, pois a dona dizia que nós vivíamos num mundo muito perigoso para as mulheres. Ele tinha uma decoração brega, papel flo-rido demais nas paredes, móveis que estavam muito velhos e que um dia já tinham sido brancos e minha cama tinha um edredom floral vermelho e preto que pinicava muito.

Minha vida começou a mudar quando um certo dia fui abordada no final da aula pela minha professora de Bio-logia. Ela me perguntou sobre minhas aspirações do futu-ro, “me livrar dessas malditas visões” era o que eu queria responder, mas me contentei em apenas falar um “eu não sei”. Então ela me disse que tinha entrado em contato com um amigo, reitor de uma pequena universidade da cidade,

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e que ele tinha visto meu histórico escolar e me oferecido uma bolsa integral no curso de Biologia, com direito a uma renda mensal para algumas despesas e um quarto no campus da faculdade.

Foi assim que meus dias como caloura da Universida-de Sant’ France começaram, e não, não consegui entrar em nenhuma fraternidade e nem em nenhum grupo de nerds. Continuei sendo a menina deslocada que senta sozinha no refeitório.

Eu passava grande parte do meu tempo livre em uma estufa que havia nos arredores da faculdade. Quando a en-contrei por acaso em uma das minhas caminhadas procu-rando um lugar tranquilo para estudar, ela estava comple-tamente destruída e as flores, murchas. Depois de alguns meses de dedicação de minha parte, ela estava praticamente nova, cheia de flores e cores para todos os lados.

Geralmente eu ficava lá para não ver os vultos que me assombravam em outros lugares. A estufa era o único lugar em que eu encontrava um pouco de paz. Nunca tive um diagnóstico exato, eu havia pesquisado em todo o tipo de livro de anatomia, até de botânica, com medo de ter inge-rido algo que me deixou louca, mas não havia nada, nunca.

Minha rotina se resumia a me levantar todos os dias às cinco horas da manhã, as aulas começavam às seis, termina-vam às três da tarde, tínhamos dois intervalos de meia hora. Depois começavam as aulas extracurriculares, você podia fazer do que quisesse: culinária, botânica, desenho, música, basebol etc. Eu fazia duas: Botânica e Astronomia, que era outro assunto que me fascinava.

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Corredores

Eu estava exausta, havia acabado de voltar da aula de Botânica e estava suja de terra dos pés à cabeça; usava uma sandália gladiador de couro marrom, um short jeans e uma camiseta tingida verde e amarela, meu cabelo estava preso com pauzinhos vermelhos, como aqueles japoneses, e algu-mas mechas caíam do coque.

Abri a porta de meu dormitório e dei de cara com uma garota de cabelos azuis-turquesa. Ela estava sentada na minha cama olhando o quarto e quando me viu, deu um pulo. Sorriu, acenou e falou:

– Oi! Tudo bem? Sou a Helena, sua nova companhei-ra de quarto.

Olhei boquiaberta para ela. Uma companheira de quarto? Como assim?! Balancei a cabeça e falei:

– Deve estar no quarto errado, eu...– Não estou, não. Olha, eu sei que deve ser difícil pra

você acreditar e tal, mas quando eu e meus pais estávamos escolhendo meus companheiros de quarto não nos deram muitas opções, já que estamos no meio do semestre, então ou era você ou uma menina que cheirava à sopa, como

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não suporto sopa você foi a escolhida.... É sério! Quando entrei no outro quarto e senti aquele cheiro, a única coisa que passava pela minha cabeça era: será que à noite ela vai arrancar os meus dedos e cozinhá-los junto com um monte de legumes para comer no almoço?... Desculpe, eu falo um pouco demais.

– Tudo bem. Era bom que ela falasse bastante, assim eu não teria

que contar nada da minha história e nem responder a ne-nhuma pergunta.

A garota tinha os olhos castanho-claros, vestia uma saia branca e uma camiseta preta. Ela tagarelava sem parar sobre o que havia achado do campus da faculdade.

– Qual o seu curso? – perguntou.– Biologia. E você? E por que você foi transferida

para cá no meio do semestre?– Medicina Veterinária. Eu amo os animais! Só vim

pra cá porque fui convidada a me retirar da outra faculda-de. Isso apenas porque passei por uma fase rebelde e pichei propriedade pública e roubei uns refrigerantes da cantina – disse ela, revirando os olhos. – Tudo bobagem. Eu sabia que era errado. Fiz porque queria que meus pais prestassem um pouquinho de atenção em algo que não fosse trabalho, mas ao contrário do que eu pensava, eles decidiram se livrar de vez de mim, me mandando pra uma universidade de tempo integral. Bom, mas qual o seu nome?

– Samantha.– Sammy, vou te chamar de Sammy. Você faz parte de

alguma irmandade? Eu queria muito entrar na Delta, mas é difícil, sabe? Tem que ter indicação ou ter uma beleza incrí-vel, e eu não tenho nenhuma das duas.

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– Não, eu também não tenho – respondi, não vendo a hora de aquela conversa acabar. Uma garota de irmandade, era só o que me faltava!

Helena era uma garota meiga, prato cheio para aque-les que adoram transformar os “não populares” em saco de pancada e motivo de diversão, aquela menina era tão ino-cente... Com certeza não duraria mais de três dias sem levar uma surra de alguém. Eu tinha pena dela e até estava indo com sua cara, mas seu futuro era bem previsível...

Não! Não! Não! Agora não! Já estava acontecendo, eu estava tendo uma visão.

Era ela, Helena, eu via tudo aquilo como o... Digamos que era o vilão. Eu a prendia contra um armário, ela chorava e falava “Não! Por Favor!”. Eu tinha uma faca na mão, a levei na direção do pescoço de Helena e o cortei, fazendo com que o sangue escor-resse por suas roupas e ela caísse morta no chão.

Quando voltei a mim mesma, Helena ainda tagarelava sobre como tudo aquilo era legal e nem sequer havia perce-bido a cara de horror que eu fazia.

Uma coisa que eu havia aprendido depois de tantos anos era que, seja o que fosse que acontecesse em minhas visões, eu deveria ficar calada. Mas eu mal conhecia aquela garota, não podia deixá-la morrer.

– Certo, ahn... Preciso tomar um banho, mas não saia sozinha do quarto. NUNCA – falei.

Fui na direção do banheiro. Como ainda não conhe-cia minha nova colega de quarto muito bem, resolvi usar o banheiro coletivo que ficava no final do corredor. Eu estava completamente suja de terra, tomei banho e escovei os den-tes. Enquanto me trocava, vi sombras rodearem meus pés.

– Dá um tempo!

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Pisei em uma delas, o que não fez a mínima diferença, a não ser o arrepio percorrendo minha espinha. Balancei a cabeça e me olhei no espelho. No reflexo, havia uma garota de olhos azuis, cabelos ondulados e compridos cor de cara-melo. Não parecia ter passado por tudo o que passou. Sorri e balancei a cabeça, minhas bochechas estavam rosadas, eu tinha o rosto fino e os olhos grandes. Soltei o cabelo e o penteei, ele caía até a altura do quadril. Vesti short jeans, uma camisa preta, cuja bainha amarrei na altura da cintura, e fiz uma tiara com um lenço vermelho, com o laço virado para cima.

Andei descalça até o quarto e sentei na cama. Agora Helena estava sentada na cama dela, os lençóis e o edredom eram brancos.

– Quer conhecer o lugar? – perguntei.– Quero! Ai que máximo!– Por que está tão animada? – É que eu nunca morei sozinha antes!Balancei a cabeça, me levantei da cama e peguei mi-

nha bolsa, fiz um gesto para que Helena me acompanhasse e saímos do quarto. Os corredores eram comuns, até bo-nitos. Os armários eram verde-escuros, o chão era cinza--escuro e as paredes brancas; ao fundo de cada corredor, na parede contrária à da porta de entrada, havia uma enorme janela que ocupava mais da metade da parede, iluminando todo o corredor.

Saímos por uma porta de ferro enorme e chegamos ao grande campus. Havia vários jovens sentados em grupos na grama, cada um com sua turma. Os nerds próximos das árvores com seus livros, os populares juntos em uma mesa ao lado da rua que dava direto para a entrada do prédio

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principal, os alternativos de outro lado e uma porção de outros grupos espalhados pela grama.

Andamos entre eles e vimos os prédios da faculdade que eram... eu não conseguia encontrar um adjetivo certo, algumas vezes os achava bonitos, outras os achava horríveis. Eram três prédios, de um lado os dormitórios com cinco andares, o do meio era o prédio onde ficavam as salas de aula, o laboratório, o auditório, o refeitório e a administra-ção. No último, que ficava ao lado dele, estavam as piscinas, o ginásio de esportes (que também era utilizado para a rea-lização das festas e eventos da universidade) e, no fundo, um campo de futebol com uma pista de corrida em volta. As paredes eram divididas em duas partes, a de cima era branca e a de baixo era coberta por tijolos cinza-escuros e entre as pedras havia musgo. Costumava chover muito naquela cidade e o clima era tão úmido que eu chegava a ter medo de morrer afogada.

Tirei os óculos de sol da bolsa de couro vermelha que eu carregava e os coloquei, as lentes eram negras e redondas, no estilo John Lennon.

Mostrei a ela todos os lugares possíveis: os corredores onde ficavam as salas, a administração, a sala do reitor (acres-centando meu desejo de que ela nunca fosse convidada a ir até lá), a piscina de natação, que era aquecida, o refeitório e os banheiros. Mostrei todos os lugares, menos um. Um que era meu e que não dividiria com ninguém: a estufa.

Aquele lugar à noite era horrível. Os alunos apro-veitavam a escuridão para roubar, bater, namorar ou fazer outras coisas terríveis com os outros, mais parecia um re-formatório do que uma faculdade, na minha opinião. Eu e Helena estávamos no corredor e estava escuro, já era noite.

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– Temos que voltar. Nunca saia sozinha do seu dor-mitório depois das oito. Está ouvindo? – pedi.

– Sim, sim – disse ela, enquanto olhava para o outro lado e sorria, certamente maravilhada demais para prestar atenção. Eu não demorei nada para descobrir o motivo: garotos.

Balancei a cabeça e andei em direção ao quarto. Hele-na entrou logo depois de mim, tranquei a porta e fui direto para o banheiro. Eu gostava de andar descalça pelos lugares, a fim de ter mais contato com a natureza, então sempre que voltava para o quarto eu ia ao banheiro lavar os pés.

Voltei e vesti meu pijama. Era um short de moletom cinza e uma regata branca. Os quartos tinham aquecedor, então não era necessário que nos agasalhássemos, pois apesar de estarmos em pleno verão as noites eram frias.

Deitei na cama e apaguei o abajur, Helena já esta-va dormindo, com a roupa que havia chegado mesmo. Era cedo demais para eu dormir. Eu ficava grande parte do tempo deitada na cama, até ter certeza de que todos ha-viam dormido. Foi o que fiz, fiquei até uma hora da manhã deitada e me levantei. Vesti um casaco de lã cinza e meus chinelos brancos, andei na ponta dos pés até a porta e a abri. Saí do quarto e fechei a porta. Havia apenas algumas luzes acesas para iluminar o corredor, e às vezes elas piscavam, me deixando totalmente no escuro. Eu não tinha medo.

Andei sem fazer barulho até o lado de fora do prédio. O céu estava nublado, anulando qualquer chance de procu-rar constelações. Me dirigi direto para a estufa.

Dentro dela a temperatura era de mais ou menos vin-te e cinco graus. Eu tinha flores de todos os tipos. A pro-fessora de botânica era a única que sabia da existência da estufa, e me doava sementes de flores. Ela havia até me dado

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um dos maiores presentes que eu já havia ganhado, a minha flor favorita, uma tulipa negra. Eu cuidava dela como se fosse uma filha, era o meu xodó.

Eu tinha lírios, watsonias, rosas, helicônias, íxias, giras-sóis e todo o tipo de flor que conseguia imaginar, cada uma tratada de um jeito especial, de um jeito único.

A estufa foi construída em uma região de ladeira. A parte da frente era virada para a subida e a trilha que levava até a faculdade e a parte de trás era voltada para a descida e sustentada por enormes vigas. Havia também uma grande porta de vidro que ia do chão ao teto. Logo que descobri a estufa me perguntei o porquê de se ter colocado aquela porta ali, afinal não poderia ser a saída da estufa, já que ela ficava a pelo menos dez metros de distância do chão. Pensei que talvez fosse esse o motivo pelo qual eu a adorava. Era ali que eu costumava me sentar para olhar a paisagem, ou as estrelas nas noites mais claras, isso ajudava a me desligar do mundo. Aquele era um lugar onde eu me sentia segura e feliz. E era exatamente ali que eu estava quando uma sensa-ção quente atingiu as costas de minha mão, como se alguém tivesse posto a mão por cima da minha. Quando olhei, não havia nada e a sensação havia sumido.

– Pode me assombrar em qualquer lugar, menos na minha estufa, por favor – falei.

Eu não sabia com quem estava falando, nem se real-mente havia alguém ali, mas era melhor deixar bem claro para o caso de haver.

Já estava tarde e o sono estava chegando. Resolvi voltar ao dormitório, então tranquei tudo e caminhei em direção ao campus. Eu estava subindo a ladeira quando senti uma sensação estranha, um arrepio subindo por minha espinha.

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– Samantha – ouvi alguém sussurrar meu nome.Girei no lugar. Quem havia me chamado? Uma risada

ecoou na minha cabeça.– Samantha. – A mesma voz, só que agora falava alto,

era um homem, pelo menos era o que parecia. – É mais inteligente do que isso, Samantha.

– O que você quer? – Não havia ninguém ali, devia ser tudo coisa da minha imaginação.

– Não é o quê. É quem. Samantha, minha querida, você sabe quem eu quero, também sabe quem eu sou. – A voz era quase um ronronado, rouca e grossa.

– O que quer de mim?Novamente a risada. Eu girava no lugar, procurando

quem poderia ser, mas não havia ninguém, apenas o escuro.Corri para o meu quarto, a risada ficava cada vez mais

alta em minha cabeça. Cheguei ao corredor dos dormitó-rios, as luzes pareciam piscar mais rapidamente, depois uma por uma foi se apagando atrás de mim. Quando finalmente cheguei ao meu quarto, percebi que a porta estava emper-rada, foi aí que todas as luzes se apagaram. Eu não tinha medo, só sentia agonia por ficar no escuro. Minha respira-ção começou a ficar ofegante de tanto tentar abrir a porta. Então desisti, encostei minhas costas nela e fechei os olhos. As luzes ficaram mais alguns segundos apagadas e se acen-deram, ficaram dois segundos acesas e mais dois apagadas, e assim foi.

Depois de um tempo começaram a piscar mais len-tamente, abri os olhos e vi uma sombra negra vindo pelo corredor em minha direção.

– Vai se ferrar! Se quer me dar medo mande algo mais assustador do que isso – falei.

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A risada em minha cabeça, que continuava alta, ces-sou nesse momento e disse:

– Foi você quem pediu.A luz piscou mais uma vez e quando voltou a acen-

der havia várias pessoas no corredor, pessoas... mortas, e todas eram conhecidas. A professora de botânica, Helena, os alunos da minha sala e o homem que eu lembrava ser meu pai. Todos jogados no chão do corredor, com feições de pânico e sobre poças de sangue. O sangue começou a escorrer em minha direção, me espremi contra o batente da porta tentando ficar o mais longe possível dele, me virei rapidamente e tentei abrir a porta novamente. Agora sim eu estava com medo.

Tudo parecia acontecer em câmera lenta, as luzes pis-cavam mais lentamente e o sangue vinha cada vez mais de-vagar em minha direção, tampei os ouvidos, fechei os olhos e gritei “CHEGA!”, fiquei imóvel por alguns instantes e quando voltei a abri-los tudo havia sumido, o corredor es-tava limpo e não havia ninguém nele além de mim.

Suspirei aliviada, mas não durou muito, as luzes pisca-ram mais uma vez e quando olhei para o meu lado esquer-do, todos os mortos estavam de pé me encarando. Soltei um grito abafado e me joguei contra a porta. Ela abriu com um baque e eu caí no chão, chutei a porta e ela se fechou, me deixando no escuro, no chão do meu dormitório. A voz tinha parado e eu podia ver por baixo da porta que as luzes haviam se apagado completamente.

– Que droga foi aquela? – perguntei para mim mesma.

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