soja transgÊnica versus soja convencional: uma … · 281 cultura no país, principalmente no rio...

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279 SOJA TRANSGÊNICA versus SOJA CONVENCIONAL: UMA ANÁLISE COMPARATIVA DE CUSTOS E BENEFÍCIOS¹ Victor Pelaez² Leide Albergoni³ Miguel Pedro Guerra 4 RESUMO A rápida difusão da soja transgênica resistente a herbicidas nos Estados Unidos da América, na Argentina e, de forma clandestina, no Brasil tem sido acompanhada por intensos debates sobre as vantagens e as desvantagens técnicas e econômicas desse tipo de cultura em comparação com a soja convencional. Apesar de mais de 60% do cultivo mundial de transgênicos corresponder à produção de soja, existem ainda poucos estudos capazes de fornecer uma resposta científica conclusiva quanto às vantagens e/ou desvantagens técnicas e econômicas desse tipo de cultura. Da mesma forma, pouco se sabe, ainda, sobre os impactos econômicos da comercialização da soja convencional utilizando-se sistemas de segregação e de certificação de qualidade. Este trabalho tem como objetivo fazer uma revisão dos estudos realizados, principalmente por universidades e institutos de pesquisa dos EUA, no que tange à comparação dos custos de produção, da produtividade e da rentabilidade entre a soja transgênica e a convencional nos EUA e na Argentina. Os resultados indicam que ainda não existem evidências suficientes capazes de confirmar vantagens ou desvantagens técnico-econômicas da soja transgênica em comparação com a soja convencional. Palavras-chave: soja, custos de produção, produtividade, rentabilidade. ¹ Aceito para publicação em junho de 2004. ² Engenheiro de alimentos, Ph. D. em Economia, professor-adjunto do Departamento de Economia da Universidade Federal do Paraná (UFPR). Lothário Meissner, 3.400, térreo, Jardim Botânico, 80210-170, Curitiba, PR, [email protected] ³ Graduanda de Ciências Econômicas da Universidade Federal do Paraná e bolsista do PET Economia. Lothário Meissner, 3.400, térreo, Jardim Botânico, 80210-170, Curitiba, PR, [email protected] 4 Engenheiro agrônomo, Doutor em Fisiologia Vegetal, prof. titular do Departamento de Fitotecnia da Universidade Federal de Santa Catarina (UFPR), Centro de Ciências Agrárias. Universidade Federal de Santa Catarina, Centro de Ciências Agrárias, Rodovia Admar Gonzaga, 1.346, Itacorubi, Cx. Postal 476, 88040-900, Florianópolis, SC. Cadernos de Ciência & Tecnologia, Brasília, v. 21, n. 2, p.279-309, maio/ago. 2004

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279

SOJA TRANSGÊNICA versus SOJA CONVENCIONAL:UMA ANÁLISE COMPARATIVA DE CUSTOS E BENEFÍCIOS¹

Victor Pelaez²Leide Albergoni³

Miguel Pedro Guerra4

RESUMO

A rápida difusão da soja transgênica resistente a herbicidas nos Estados Unidos daAmérica, na Argentina e, de forma clandestina, no Brasil tem sido acompanhada porintensos debates sobre as vantagens e as desvantagens técnicas e econômicas dessetipo de cultura em comparação com a soja convencional. Apesar de mais de 60% docultivo mundial de transgênicos corresponder à produção de soja, existem ainda poucosestudos capazes de fornecer uma resposta científica conclusiva quanto às vantagense/ou desvantagens técnicas e econômicas desse tipo de cultura. Da mesma forma,pouco se sabe, ainda, sobre os impactos econômicos da comercialização da sojaconvencional utilizando-se sistemas de segregação e de certificação de qualidade.Este trabalho tem como objetivo fazer uma revisão dos estudos realizados,principalmente por universidades e institutos de pesquisa dos EUA, no que tange àcomparação dos custos de produção, da produtividade e da rentabilidade entre a sojatransgênica e a convencional nos EUA e na Argentina. Os resultados indicam queainda não existem evidências suficientes capazes de confirmar vantagens oudesvantagens técnico-econômicas da soja transgênica em comparação com a sojaconvencional.Palavras-chave: soja, custos de produção, produtividade, rentabilidade.

¹ Aceito para publicação em junho de 2004.² Engenheiro de alimentos, Ph. D. em Economia, professor-adjunto do Departamento de Economia

da Universidade Federal do Paraná (UFPR). Lothário Meissner, 3.400, térreo, Jardim Botânico,80210-170, Curitiba, PR, [email protected]

³ Graduanda de Ciências Econômicas da Universidade Federal do Paraná e bolsista do PETEconomia. Lothário Meissner, 3.400, térreo, Jardim Botânico, 80210-170, Curitiba, PR,[email protected]

4 Engenheiro agrônomo, Doutor em Fisiologia Vegetal, prof. titular do Departamento de Fitotecniada Universidade Federal de Santa Catarina (UFPR), Centro de Ciências Agrárias. UniversidadeFederal de Santa Catarina, Centro de Ciências Agrárias, Rodovia Admar Gonzaga, 1.346, Itacorubi,Cx. Postal 476, 88040-900, Florianópolis, SC.

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GENETICALLY MODIFIED SOY VERSUS CONVENTIONAL SOY:A COMPARATIVE ANALYSIS OF COSTS AND BENEFITS

ABSTRACT

The fast dissemination of the transgenic soybean resistant to herbicides in the USA,in Argentina and clandestinely in Brazil, has been followed by intense debates aimingto compare technical and economic features of this crop vis-à-vis conventional soybean.Despite the fact that more than 60% of worldwide transgenic crops corresponds tosoybean production, there are still very few studies capable of providing a conclusivescientific response concerning the techno-economic advantages and disadvantagesof such a crop. Likewise, very few is known over economic impacts of conventionalsoybean commercialization concerning segregation systems. This paper aims to providea survey of the studies comparing production costs, productivity and profitabilitybetween transgenic and conventional soybeans in the USA and Argentina carried outmainly by north-american universities and research institutes. The results indicatethat there is not yet fully evidences confirming techno-economic advantages ordisadvantages of transgenic soybean in relation to the conventional.

Key-words: soybean, production costs, productivity, profitability.

INTRODUÇÃO

A área global de cultivos transgênicos cresceu de 1,7 em 1996 para58,7 milhões de hectares em 2002. Dessa área, cerca de 62% correspondem aocultivo de soja transgênica tolerante a herbicida. Os principais países produtoresde soja transgênica são a Argentina e os Estados Unidos, com índices de adoçãoestimados em 99% e 80%, respectivamente (JAMES, 2002; FERNANDEZ;MCBRIDE, 2003).

O Brasil é o segundo maior produtor mundial de soja, com uma áreaplantada de aproximadamente 41% da área agrícola total do país, e um volumede produção que corresponde a mais de 44% do total de grãos produzidos noBrasil (CONAB, 2003).

A produção de soja transgênica no Brasil para comercialização estáproibida desde 1998, por uma decisão judicial que impede a autorização doseu plantio, em virtude da inexistência de estudos sobre impacto ambiental ede normas de segurança alimentar, comercialização e rotulagem de alimentostransgênicos. Houve, no entanto, uma grande expansão do cultivo ilegal dessa

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cultura no País, principalmente no Rio Grande do Sul. A previsão para a safrade soja transgênica desse estado, de 2003, foi estimada entre 5 e 6 milhões detoneladas, pouco mais de 10% da produção nacional, que chega a 49 milhõesde toneladas (MONTEIR; SALVADOR, 2003).

A modificação genética da soja transgênica comercializada atualmentetem por objetivo o aumento da resistência da planta ao herbicida glifosato.Essa característica traria como conseqüência a facilidade no manejo da cultura,ao permitir um menor número de aplicações de herbicida, que resultaria emmenores custos de produção. Apesar da grande difusão de soja transgênica, osresultados econômicos dessa cultura apresentam-se ainda muito controvertidos,principalmente vistos sob dois aspectos: o pagamento de royalties à empresaque detém a patente das sementes, onerando os custos de produção, e a perdade produtividade em comparação com as sementes convencionais.

Do lado da demanda, os principais mercados consumidores de soja(Europa e Japão) têm-se mostrado relutantes em consumir produtosgeneticamente modificados, dando preferência à soja convencional. Essesmercados estariam dispostos a pagar mais pela soja convencional, na formade um prêmio, que constituiria um incentivo ao cultivo dessa variedade. Mas,para que a soja convencional seja comercializada como tal, o produto deve viracompanhado de certificação de pureza, o que implica custos adicionais aoconsumidor, que ultrapassam o valor do prêmio.

Para analisar a vantagem de substituição da produção de sojaconvencional por soja transgênica, torna-se necessário uma exaustivacomparação dos custos de produção e de comercialização entre as duasvariedades, em diferentes condições climáticas, tecnológicas e fundiárias.No entanto, os dados desse tipo de análise são ainda insuficientes, descontínuose esparsos, o que limita as possibilidades de obtenção de resultados maisconsistentes, que justifiquem a decisão de adotar uma das variedades.

Este artigo tem como objetivo sistematizar os estudos realizados sobreas comparações de custos, produtividade e retorno econômico das lavourastransgênica e convencional de soja, indicando também as limitações dessasanálises. As informações utilizadas são principalmente de trabalhos deuniversidades americanas, nos quais foram comparados a produtividade e oscustos, e avaliados os prêmios e os custos de segregação. Na segunda seção,faz-se uma comparação entre as estruturas de custos de produção da soja para

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os Estados Unidos, o Brasil e a Argentina – responsáveis por mais de 90% daprodução mundial –, mostrando vantagens e desvantagens em cada país.A terceira seção compara os efeitos da introdução da soja transgênica sobre oprocesso produtivo, ou seja, nos custos de produção, na quantidade deherbicidas utilizados, na produtividade e na rentabilidade da produção. A quartaseção discute a introdução da soja transgênica em um mercado que exigesistemas de segregação, e o prêmio que os consumidores estariam dispostos apagar para garantir o acesso à soja convencional.

PERFIL DE PRODUÇÃO DA SOJANOS EUA, NO BRASIL E NA ARGENTINA

Os principais produtores de soja do mundo são os Estados Unidos, oBrasil e a Argentina. Esses países possuem distintas estruturas de produção,decorrentes de diferenças de clima, fertilidade do solo, tecnologia e custo daterra, nas quais estão baseadas suas vantagens competitivas no mercadointernacional. Nesta seção, pretende-se comparar as estruturas de custos dosEstados Unidos com as do Brasil e da Argentina, identificando os fatores decompetitividade de cada país.

Ao comparar as agriculturas dos EUA, do Brasil e da Argentina para osanos de 1998–99 (SCHNEPF et al., 2001), observa-se uma estrutura de custosde produção da soja, resumida na Tabela 1.

Pela tabela acima, percebe-se que a estrutura de custos entre os trêspaíses difere em vários aspectos, mesmo sem se considerar o uso de sementede soja convencional ou transgênica. Em primeiro lugar, há que se destacar autilização de fertilizantes, decorrente da diferença de qualidade das terras emcada região. Nesse item, o Brasil apresenta desvantagens significativas porconta da baixa fertilidade do solo, principalmente em Mato Grosso, onde oscustos com fertilizantes chegam a ser cinco vezes maiores que os dos EUA.Na região do Chaco argentino, esses custos seriam praticamente nulos, emvirtude da elevada fertilidade natural do solo (MAFIOLETI, 2002). Os jurospagos no Brasil são também significativamente superiores aos pagos nos EUA,de três (PR) a 7 vezes (MT). Outro item de custo variável, desfavorável àprodução de soja brasileira, diz respeito aos salários que se apresentam bemmais elevados, variando de 4 a 17 vezes mais do que os valores pagos nos

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EUA e de até cinco vezes acima dos valores pagos na Argentina. Essa diferença,principalmente em relação aos EUA, está diretamente ligada ao elevado graude tecnificação da agricultura naquele país, diminuindo assim a importânciarelativa dos custos com a mão-de-obra.

As desvantagens com os custos variáveis na produção da soja brasileirasão compensados com as vantagens advindas dos custos fixos, principalmenteno que tange ao preço da terra, que chega a ser 15 vezes superior nos EUA e10 vezes no caso da Argentina. Essa diferença pode ser explicada pelaabundância de terras a serem incorporadas na agricultura brasileira,principalmente na região de Mato Grosso (SCHNEPF et al., 2001). A produção

Tabela 1. Custos de produção da soja nos EUA, na Argentina e no Brasil (emUS$/ha).

* Na Argentina, refere-se ao custo de manutenção do capital fixo. Nos EUA, inclui custos comoutros insumos, como ferramentas, geradores, infra-estrutura e despesas gerais de administração.

Fonte: Schnepf et al. (2001).

Item

Custos variáveisSementesFertilizantesQuímicosOp. máquinas/reparosJurosSaláriosColheitaVáriosCustos variáveis totais

Custos fixosDepreciaçãoTerra (preço do aluguel)ImpostosOverhead*Custos fixos totaisCustos totaisProdutividade (t/ha)

EstadosUnidos

48,8520,3167,4849,89

4,473,19n/dn/d

194,19

118,58217,35

17,2233,11

386,26580,45

3,09

ArgentinaBrasil

Paraná

41,2451,0550,8066,4213,9156,14

n/d4,94

284,51

101,4135,29

4,030,00

140,72425,23

2,78

Mato Grosso

27,75111,0798,7645,0229,9213,79

n/dn/d

326,32

22,1614,43

1,360,00

74,15400,49

2,80

Buenos Aires/Santa Fé

n/dn/dn/dn/dn/dn/dn/dn/d

237,93

47,15154,98

n/d51,07

253,20491,13

3,40

Chaco

44,230,00

41,7659,30

n/d10,6354,95

n/d210,87

n/dn/dn/dn/d

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brasileira de soja teria ainda menor incidência de impostos, chegando a pagarapenas 8% (MT) dos impostos pagos pelos agricultores nos EUA. Essasvantagens de custo explicam por que a soja produzida no Brasil apresentacustos de produção de 27% a 31% menores aos dos EUA, e de 13,5% a 18,5%menores aos da Argentina.

Quanto ao preço final aos países consumidores, Schnepf et al. (2001)apresentam os resultados indicados na Tabela 2.

Ao adicionar os custos de transporte aos custos de produção, o preço dasoja brasileira em Rotterdam é de 2% a 6% inferior ao dos Estados Unidos ede 7% a 11% superior ao da Argentina. Os preços em Rotterdam da sojabrasileira e da norte-americana aproximam-se, por causa da menor eficiênciada infra-estrutura brasileira no que tange ao sistema portuário e de transportes(WILKINSON, 2002). A Argentina contaria ainda com a vantagem da menordistância entre as regiões produtoras e os portos, proporcionando uma reduçãorelativa dos custos de transporte (MAFIOLETI, 2002). Portanto, acompetitividade da soja brasileira basear-se-ia fundamentalmente no baixocusto da terra, o que compensaria suas desvantagens em termos de transportese de custos variáveis de produção.

Tabela 2. Avaliação hipotética de competitividade dos custos de exportação(1998/99).

Fonte: Schnepf et al. (2001).

EstadosUnidosUS$/t46,5492,53

139,0711,70

150,7810,34

161,12

Item

Custos variáveisCustos fixosCustos totais de produçãoTransporte internacionalCustos a bordoFrete para RotterdamPreço em Rotterdam

BrasilArgentina

US$/t

75,6637,56

113,2223,13

136,3515,51

151,87

Paraná Mato Grosso% custo

EUA

81

90

94

US$/t

86,2719,60

105,8736,47

142,3415,51

157,85

% custoEUA

76

94

98

US$/t

51,7154,98

106,6922,04

128,7313,34

142,07

% custoEUA

77

85

88

Buenos Aires/Santa Fé

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EFEITOS DA NOVA TECNOLOGIANO PROCESSO PRODUTIVO

Nesta seção, comparam-se os custos de produção, a quantidade deherbicidas utilizada, a produtividade e a rentabilidade econômica entre as duasvariedades, indicando as possíveis vantagens da adoção da soja transgênicapelos produtores.

Comparação de custos

Por conta das diferença das estruturas de custos e fatores que afetam aprodutividade, as comparações entre variedades transgênicas e convencionaisdevem ser feitas para uma mesma região, no mesmo intervalo de tempo e paraum mesmo sistema de plantio (direto ou tradicional)5 (BENBROOK, 2001).

Rankin (1999) comparou os custos de produção da soja convencionalcom os da transgênica RR no Estado do Wisconsin, em 1998, nos sistemas deplantio direto e tradicional, obtendo os resultados indicados na Tabela 3.

5 O plantio tradicional corresponde ao revolvimento do solo com arados e grades, enquanto o plantiodireto se faz pela semeadura sobre os restos vegetais da cultura anterior (CORDEIRO, 2003).

* Utilizam-se, nesse tipo de plantio, 49,4 kg/ha de sementes.** Nesse tipo de plantio, utilizam-se 55,6 kg/ha de sementes.Fonte: Rankin (1999).

Tabela 3. Custos de produção da soja – RR versus Convencional, nos EUA,em 1999 (US$/ha).

Item

SementesControle de ervas daninhas - Roundup (1.5 pt. pré) - Raptor (5 oz. – pós) - Adjuvantes - Roundup (1.5 pt.)Custo de aplicaçãoCusto total

Roundup Ready

74,50

———

19,1517,30

110,95

Convencional

55,35

—60,79

3,71—

17,30137,14

Roundup Ready

83,40

19,15——

19,1534,59

156,29

Convencional

62,47

19,1560,79

3,71—

34,59180,70

Plantio tradicional* Plantio direto**

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A Tabela 3 mostra que, em 1999, o custo do controle de ervasdaninhas foi menor em lavouras transgênicas, tanto no sistema de cultivotradicional quanto no de plantio direto. Apesar de o custo de sementesser até 34,6% maior para a variedade transgênica (RR), o custo total deprodução, no plantio tradicional, seria 19% menor do que com o uso devariedades convencionais, enquanto, no plantio direto, a redução de custosseria de 13,5%.

Qaim & Traxler (2002) ao analisar os benefícios da soja transgênica naeconomia argentina, realizaram uma comparação de custos de produção desoja transgênica e convencional, obtida a partir de uma pesquisa realizadacom 56 produtores de três províncias em 2001 (Tabela 4).

Para a Argentina, o custo de produção da soja transgênica éaproximadamente 10% menor que o da convencional. A diferença entre o custoda semente convencional e o da transgênica é de 21%, ou seja, até 19 pontospercentuais menor que o dos EUA. Essa diferença pode ser explicada pelonão-reconhecimento da propriedade intelectual da soja RR na Argentina,permitindo que o preço dessas sementes seja significativamente reduzido. Assimsendo, as sementes não são vendidas por contratos como nos EUA, de modo

Tabela 4. Comparação dos custos de produção: soja convencional versus RRna Argentina, 2001 (US$/ha).

Fonte: Qaim & Traxler (2002).

Item

Custos variáveisSementesHerbicidasOutros químicosMáquinas (combustível e reparos)Salários e custos de operaçãoComercializaçãoCustos variáveis totaisCusto de produção unitário (US$/t)

Média

17,1933,6413,5524,2546,8277,54

212,9973,36

Desvio

6,4816,55

8,8518,6525,4020,8729,7115,77

Média

20,8019,1013,8217,4343,2277,91

192,2965,79

Desvio

9,745,708,68

15,7823,2719,6626,4712,13

Variedade convencional Variedade RR

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que os produtores podem estocar sementes para a próxima safra6. Os custoscom herbicidas são 43% menores para a variedade RR em relação à variedadeconvencional, uma vez que se utiliza apenas o herbicida Roundup para avariedade transgênica e três herbicidas para a variedade convencional. Quantoao item máquinas e equipamentos, há uma redução de 28% nos custos derivadosda redução de horas de uso por hectare (de 2,52 h/ha para 2,02 h/ha), uma vezque “Devido à menor incidência de ervas daninhas em plantações com sojaRR, a colheitadeira pode ser operada a uma velocidade maior sem o risco deemperrar.” (QAIM; TRAXLER, 2002, p. 4)

Quantidade de herbicidas utilizada

A soja transgênica traz consigo a promessa de redução do uso deherbicidas, diminuindo custos e preservando o meio ambiente. Esse tipo deconsideração carece, no entanto, de uma discussão mais aprofundada. No casoda Argentina, Qaim & Traxler (2002) indicaram um aumento de 108% naquantidade total de herbicidas utilizada no cultivo da soja RR. Esse aumentoestaria principalmente ligado à difusão da prática do plantio direto –principalmente entre aqueles produtores que utilizam a soja RR –, demandandouma quantidade maior de herbicidas nessa fase da produção. Esses autoresobservaram, porém, reduções importantes nas quantidades de herbicidas maistóxicos da classe II (-83%) e da classe III (-100%), de acordo com a classificaçãointernacional da Organização Mundial de Saúde (WHO, 1988). Essa reduçãoteria sido compensada por um aumento de 248% na quantidade de herbicidasda classe IV (menos tóxica), à qual pertence o glifosato (Tabela 5).

Benbrook (2001a, p. 15), ao comparar o uso de herbicidas entre asvariedades de soja convencional e tolerante a herbicidas nos EUA, apresentaos seguintes valores na Tabela 6, baseados em dados levantados peloDepartamento de Agricultura dos Estados Unidos.

A Tabela 6 mostra o uso de herbicidas em termos de quantidade totalpor hectare e em termos de número de herbicidas utilizados por cultura,

6 Nos EUA e em outros países, as vendas de sementes estão sujeitas a cláusulas contratuais quecobram royalties e impedem os fazendeiros de guardar sementes para a próxima safra, de acordocom as leis de patentes. Esses contratos aumentam os custos e implicam a perda de autonomia dosprodutores (EUROPEAN COMISSION, 2001).

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considerando a média dos resultados obtidos em 14 estados dos EUA.Analisando o número de herbicidas utilizados, a variedade RR utiliza umnúmero menor de herbicidas (1,4) em relação às demais variedades. Quantoàs quantidades de herbicida utilizadas, a variedade RR apresenta um consumosuperior (1,37 kg/ha) à variedade convencional (1,21 kg/ha), ou 13% maior.A propósito, Benbrook (2001b) afirma que:

“Herbicide-tolerant varieties have modestly reduced the average numberof active ingredients applied per acre but have modestly increased the averagepounds applied per acre. So, those who choose to measure herbicide use basedon the former metric conclude that herbicide-tolerant varieties reduce herbicideuse; those who favor the latter metric reach the opposite conclusion. Both arereasonable but incomplete ways to assess the overall impact of herbicide-tolerant varieties on herbicide use and the performance and sustainability ofweed management systems”.

Tabela 5. Quantidade de herbicidas utilizada em cultivos de soja convencionale soja RR (Argentina, 2001).

Fonte: Adaptada de Qaim & Traxler (2001, p. 7).

Tipos de herbicida

Herbicidas de toxicidade classe IIHerbicidas de toxicidade classe IIIHerbicidas de toxicidade classe IVQuantidade total de herbicidas

RR (l/ha)

0,070,005,505,57

Convencional (l/ha)

0,420,681,582,68

Variação (%)

-83,3-100,0248,1107,8

Tabela 6. Uso de herbicidas em variedades de soja convencional e tolerante aherbicidas (EUA, 1998).

Fonte: Adaptada de Benbrook (2001a, p. 15).

Tipo

Convencional (s/ glifosato)Convencional (c/ glifosato)Variedade RROutras tolerantes a herbicida

Percentagemda áreatratada

47,98,0%

38,85,4%

Número deherbicidasaplicados

2,73,21,42,8

Quantidade deherbicida

(kg/ha)

1,211,631,371,19

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Benbrook (2001a) ressalta, no entanto, que a média nacional mascaradiferenças significativas entre as regiões. Conforme indicado na Tabela 7,enquanto no Estado de Michigan a quantidade de herbicidas utilizada com avariedade RR é 30% menor em relação às variedades convencionais, no Estadode Arkansas a variedade RR chega a consumir um volume 63% maior deherbicidas em relação às variedades convencionais. Entre os 14 estadosavaliados, 10 apresentam um consumo do volume de herbicidas superior paraa soja RR em relação às variedades convencionais.

Para Benbrook (2001a), a explicação para essas variações estárelacionada ao comportamento distinto das diferentes cultivares de soja RR,que apresentam respostas diferenciadas em relação às mudanças ambientaisde cada região produtora (estresse hídrico; fixação de nitrogênio; solo; cultivo).

Tabela 7. Quantidade de herbicidas em estados dos EUA, em 1998.

Fonte: Benbrook (2001a ); Usda (1999) Agricultural Chemical Usage, 1998, Vegetable Summary.

Total de herbicidas (kg/ha)Estado

ArkansasSouth DakotaMinnesotaTenesseeIowaIndianaOhioMississipiKentuckyLouisianaIllinoisKansasMissouriNorth CarolineNebraskaMichiganMédia dos estados

RR1,681,591,292,001,571,191,311,591,261,511,220,951,381,281,391,151,37

Convencional1,031,080,941,541,211,041,171,551,221,501,291,031,501,461,631,651,21

RR/Convencional1,631,481,371,301,301,141,131,031,031,010,950,920,920,880,860,701,13

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Além disso, esses valores que refletem a eficácia do uso dos herbicidase, por conseqüência, a eficácia relativa das variedades de soja convencional etransgênica, podem mudar ao longo do tempo, a depender do efeito deresistência das ervas daninhas. O surgimento de resistência das ervas daninhasao herbicida utilizado é comum a todos os tipos de herbicidas. Para combateressa resistência, aumenta-se, então, a quantidade de herbicida aplicado e/oucombina-se com outro herbicida. “Com o uso continuado de sementes deRoundup Ready, as ervas resistentes aumentarão em densidade tornando essetipo de problema mais freqüente. Os produtores deverão assim aumentar ataxa de aplicação desse herbicida ou então utilizar outros que possuam umaação mais eficaz à resistência das ervas daninhas (HARTZLER, 1999, p. 4).

Da mesma forma, Benbrook (2001b), a partir de informações do Usda ede outros trabalhos, como Duffy (1999), Hartzler (1999) e Herbicide ResistanceAction Committee – HRAC (2001), observa que “O uso de herbicidas emculturas de soja RR está aumentando gradualmente em função da variabilidadedas ervas daninhas, crescimento tardio de algumas ervas daninhas e perda desusceptibilidade ao glifosato em algumas dessas espécies”.

Produtividade das lavouras

Os primeiros estudos realizados comparando a produtividade7 entrevariedades de soja convencional e transgênica basearam-se em colheitasrealizadas em 1997 e 1998, nos EUA. Fernandez & Mcbride (2002) avaliaramo impacto da adoção da soja resistente a herbicida em termos da elasticidadeda produtividade, a partir de dados levantados em 1997, pelo USDA, em19 estados dos EUA, identificando uma elasticidade positiva de 0,03(Tabela 10). Isso significa um pequeno, mas estatisticamente significativoaumento de produtividade da soja resistente a herbicida, que se traduz daseguinte forma: a um aumento de 10% na produção de soja resistente a herbicidacorresponde um acréscimo de 0,3% na produtividade média da safra. Esseestudo não teve, contudo, continuidade no ano seguinte.

Em 1998, o Usda realizou uma pesquisa no Estado de Iowa, para avaliaro impacto da adoção de soja transgênica, utilizando, nesse caso, uma análise

7 A produtividade, neste trabalho, refere-se à quantidade física obtida por acre, dada uma combinaçãode recursos produtivos.

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comparativa entre a produtividade da soja convencional e a da transgênica.Em uma amostragem de 365 campos de cultivo, a produtividade médiaobservada da soja GM foi de 2,96 t/ha, enquanto a da soja convencional foi de3,07 t/ha, ou seja, 3,8% superior à variedade GM (DUFFY, 1999). Em 2000,esse estudo foi retomado, tendo sido observados 172 campos de cultivo, dosquais 108 (63% do total) utilizavam soja GM. A produtividade da soja GM foide 2,9 t/ha, enquanto a da soja convencional atingiu 3,0 t/ha, o que correspondea um valor 3,7% superior ao da GM. A diferença de produtividade manteve-se,assim, praticamente a mesma (DUFFY, 2001).

A Fig. 1, a seguir, foi extraída de uma pesquisa realizada pelaUniversidade de Wisconsin, na qual foram comparados os desempenhos delavouras de soja convencional e da variedade RR, em 1998.

Fig. 1. Produtividade comparada das variedades convencional etransgênica (Wisconsin, EUA, 1998).Fonte: Rankin (1999).

Nota-se que as variedades convencionais possuem uma vantagem relativade desempenho de 100 a 200 kg/ha. No caso da produtividade média dasvariedades, a diferença teria sido de 100 kg/ha (2,9%). Nas melhores variedadese nas cinco melhores variedades, o desempenho de lavouras convencionaisteria sido 200 kg/ha maior (3,6% e 3,5%, respectivamente).

A Tabela 8 foi elaborada por Benbrook (1999), a partir de dados deOplinger (1999), na qual se apresenta a diferença de produtividade entre asoja RR e a convencional, observada em oito estados dos EUA, em 1998.

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Soja transgênica versus soja convencional: uma análise comparativa de custos e benefícios

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Oplinger (1999) apresentou os resultados de cada estado, segundo aprodutividade média das variedades, as melhores variedades e a média dascinco melhores variedades. Benbrook (1999) fez a média por estado, calculoua diferença de produtividade de cada variedade e transformou-a empercentagem. Somente para o estado de Illinois, a diferença de produtividadeentre soja transgênica e convencional teria sido positiva (3,4%), ou seja,favorável à transgênica. A diferença de desempenho pode ser reflexo daestrutura de produção desse estado, e/ou das condições edafoclimáticasespecíficas da região, que favorecem a variedade transgênica. Em relação aodesempenho do Estado de Wisconsin, os dados corroboram os resultadosapresentados na Fig. 1, com uma pequena diferença, que pode ser resultanteda divergência de metodologia de cada estudo. De maneira geral, os dadosmostram que a diferença de produtividade variou de 3% a 12%, em favor davariedade convencional. Apesar desses resultados, Oplinger (1999) observaque: “É de se esperar que os produtores de soja continuarão a aumentar a áreaplantada com variedades de soja RR, facilitando o controle das ervas daninhasem detrimento da maximização da produtividade”.

No caso da Argentina, os resultados da pesquisa de Qaim & Traxler(2002) indicaram que não há diferença significativa de produtividade entre asoja RR (3,02 t/ha) e a convencional (3,01 t/ha). Os autores, citando o trabalhode Tassisto (1998), chamam a atenção para o fato de que, nos dois primeiros

Tabela 8. Comparação de produtividade entre soja convencional e transgênicaem diferentes estados dos EUA, em 1998 (t/ha).

Fonte: Benbrook (1999), baseado em Oplinger (1999).

Estado

IllinoisIowaMichiganMinnesotaNebraskaOhioSouth DakotaWisconsinMédia

Conv.3,904,104,444,443,904,033,304,774,11

RR4,033,834,304,104,103,902,964,643,98

Var. (%)3,4

-6,6-3,0-7,6

-12,1-3,3

-10,2-2,8-5,3

RR4,374,034,644,513,904,243,365,514,32

Conv.4,374,304,984,914,374,513,635,724,60

Var. (%)0,0

-6,3-6,8-8,2

-10,8-6,0-7,4-3,5-6,1

Var. (%)0,0

-9,1-10,3

-6,8-9,1-5,8-8,9-3,4-6,7

Conv.4,514,445,254,984,444,643,775,854,73

RR4,514,034,714,644,034,373,435,654,42

Variedade média Cinco melhores variedades Melhores variedades

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anos de introdução da soja RR nesse país, a produtividade foi ligeiramentemenor do que a convencional, em razão do fato de a nova tecnologia não estarainda incorporada às variedades de melhor desempenho. Ao mesmo tempo,muitos agricultores usavam inicialmente variedades que não estavam adaptadasàs diferentes regiões de produção.

Ao procurar avaliar o desempenho de duas tecnologias de melhoramentogenético, uma grande limitação a esse tipo de estudo é a dificuldade decomparações baseadas em uma única safra, as quais tendem a dissimular oavanço dessas tecnologias em longo prazo. Para uma avaliação mais conclusiva,as comparações de desempenho deveriam ser feitas de forma a obter-se umasérie temporal de dados de pelo menos 5 anos consecutivos. Comparaçõesestáticas (em uma safra) oferecem um retrato de curto prazo, enquantocomparações dinâmicas apresentam o desempenho de médio e longo prazos,resultante de um processo de adaptação tecnológica (desenvolvimento decultivares), de aprendizagem e de inovações incrementais.

A Tabela 9 apresenta a evolução da produtividade média de soja nosEstados Unidos, na Argentina e no Brasil, de 1969 a 2003.

Tabela 9. Produtividade comparada da soja nos EUA, na Argentina e no Brasil(de 1969 a 2001).

Fonte: Schenpf et al. (2001); Usda (2003).

Ano

1969/711989/911993/941994/951995/961996/971997/981998/991999/002000/012001/022002/03

EUA1,832,262,192,782,382,532,622,622,462,562,662,54

100103,6103,6

97,2101,2105,1100,4

Produtividade (t/ha)

100105,0113,6110,4114,1127,3120,9

Brasil1,221,79

-2,162,222,202,312,502,432,512,802,66

Argentina1,282,31

-2,302,192,081,812,802,452,472,672,63

10087,0

134,6117,8118,7128,4126,4

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Soja transgênica versus soja convencional: uma análise comparativa de custos e benefícios

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De 1969 a 2003, o aumento da produtividade média da soja nos EUAfoi de 39%, na Argentina, de 105%, e no Brasil, de 118%. Na safra 2000–01,a produtividade média da soja brasileira ultrapassou a da Argentina e, em2001–02, ultrapassou também a dos EUA. Nesse período, tanto a Argentinaquanto os EUA já cultivavam soja transgênica, enquanto o Brasil mantinhaquase toda a produção convencional. Vale aqui ressaltar que as técnicas demelhoramento tradicional foram dirigidas ao aumento da produtividade,enquanto o melhoramento genético via transgenia direcionou-se à facilidadede manejo e ao desenvolvimento de características adaptadas ao uso de insumosespecíficos, como o herbicida glifosato. Ou seja, diferentes objetivos dapesquisa e do desenvolvimento de novas sementes podem ter levado a trajetóriastecnológicas e a resultados produtivos distintos.

Se é considerada, porém, a evolução da produtividade da soja a partirda safra 1996–97 (indicada com índice 100 na Tabela 9), quando a difusão dasoja RR se inicia de forma mais consistente na Argentina e nos EUA, verifica-seque os EUA permanecem com praticamente os mesmos níveis de produtividade6 anos depois, enquanto a Argentina obtém ganhos de mais de 26%. Essasdiferenças de valores indicam as dificuldades de comparação dos sistemas deprodução adotados em cada país, onde uma série de fatores pode influenciarno desempenho das colheitas, como: mudanças climáticas sazonais ouprolongadas; métodos de cultivo (tradicional ou plantio direto);condicionamento do solo; uso de diferentes herbicidas, inseticidas esurfactantes; além da evolução das economias de escala (BENBROOK, 1999).

Cabe ressaltar que, no caso do Brasil, um dos principais fatores para oaumento da produtividade da soja foram as pesquisas realizadas pela Embrapapara a fixação do nitrogênio, por meio da associação simbiótica com a bactériaRhizobium (DÖBEREINER; ARRUDA, 1967; BROSE et al., 1979; VARGASet al., 1982; BOHRER; HUNGRIA, 1997). Com a germinação da semente, abactéria fixa-se nas suas raízes, extraindo nitrogênio do ar e transferindo-opara a planta. Benbrook (2001a) ressalta, aqui, os riscos associados à inibiçãometabólica do Rhizobium com a aplicação intensiva do glifosato, o que poderiareduzir a fixação do nitrogênio por essa via. Esse tipo de risco afetariaprincipalmente a produtividade de lavouras de soja em solos com fertilidadereduzida, que é o caso específico do Brasil. No Relatório Ambiental, publicadopela Embrapa em 2002, avalia-se que “... deixam de ser aplicados, por safra,

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nos 13 milhões de hectares cultivados com soja, cerca de 5,2 milhões detoneladas de nitrogênio...”, gerando uma economia de R$ 3,6 bilhões por ano(EMBRAPA, 2002, p. 43).

Rentabilidade

Um dos resultados a serem considerados pelos produtores ao analisaremuma tecnologia de produção é a rentabilidade econômica da produção emtermos operacionais, ou seja, a margem de lucro, considerados os custosoperacionais da produção. O estudo realizado por Fernandez & McBride (2000)procurou identificar o impacto na produtividade e na rentabilidade da produçãocom a introdução de variedades transgênicas de soja, algodão e milho. A análisebaseou-se em um modelo econométrico, que estabeleceu um indicador deflexibilidade, cujo resultado pode ser interpretado como a taxa de variação deum atributo da produção (produtividade ou rentabilidade), conforme a taxa deadoção de variedades transgênicas. A amostragem baseou-se na coleta de dadosfeita pelo Usda, no Agricultural Resource Management Study (ARMS).Os dados sobre a produção de soja estão indicados na Tabela 10, a seguir. Noque tange à rentabilidade da produção, os resultados das pesquisas, em 1997 e1998, indicam não haver impacto econômico significativo com a adoção devariedades transgênicas. Esses resultados foram confirmados por Duffy (1999;2001), nas pesquisas realizadas no Estado de Iowa, em 1998 e 2000, e tambémpor Couvillion et al. (2000), nas pesquisas realizadas em 1997 e 1998, noEstado do Mississipi. Esses autores consideram que a “taxa tecnológica”(royalties) embutida no preço da semente RR compensaria as reduções comos custos de aplicação do herbicida, não proporcionando, portanto, aumentode rentabilidade para o produtor.

* Estatisticamente insignificante.Fonte: Fernandez & McBride (2002).

Tabela 10. Impacto da adoção de soja resistente a herbicidaem relação à convencional, nos EUA (de 1997 a 1998).

ElasticidadeProdutividadeRentabilidade

1997+0,03

0*

1998n/d0*

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Soja transgênica versus soja convencional: uma análise comparativa de custos e benefícios

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A partir desses resultados, que revelam a inexistência de um impactoeconômico favorável à adoção da soja resistente a herbicida, Fernandez eMcBride (2000) perguntam-se sobre o motivo que induzira a rápida difusãodesse tipo de variedade pelos agricultores. A resposta desses autores baseia-senas considerações de Duffy (2001) e de Carpenter e Gianessi (1999), queconsideram as facilidades de manejo das culturas com o uso de um herbicidade amplo espectro, como o glifosato, permitindo, por exemplo: maiorflexibilidade de controle das ervas daninhas; redução do número de aplicações;e redução da necessidade da combinação de outros herbicidas, em conseqüênciadas variedades de ervas daninhas identificadas. Esse controle mais eficazrepresentaria, por si só, um ganho de rentabilidade, muitas vezes difícil de sercontabilizado na estrutura de custos. Isso quer dizer que a possível economiade mão-de-obra, nas aplicações do herbicida, não implicaria mudançassignificativas nos custos variáveis de produção.

Outro aspecto relacionado à comparação de rentabilidade entre o cultivode soja convencional e o de transgênica está ligado à evolução do preço dosherbicidas concorrentes com o glifosato. Bullock e Nitsi (2001), ao avaliar oimpacto da difusão da soja transgênica nos custos de produção em oito estadosdos EUA, em 1999, identificaram uma redução dos custos dos herbicidasconcorrentes com o glifosato, graças à difusão da tecnologia RR. Essa dinâmicacompetitiva estaria, assim, contribuindo para reduzir as aparentes vantagenscomparativas da utilização da soja RR, notadamente em termos de redução decustos, com a aplicação de herbicidas nas culturas de soja. Ao mesmo tempo,esses autores confirmam as considerações de Duffy (2001) e de Couvillionet al. (2000) de que, para a maioria dos produtores que utilizam a soja resistentea herbicida, a redução dos gastos com a aplicação de herbicidas estaria sendocompensada com os gastos adicionais com a “taxa tecnológica” embutida nopreço da semente RR.

Expectativa dos produtores

Hipoteticamente, a principal razão para adoção da soja resistente aherbicida seria a redução dos custos de produção, oriunda da facilidade demanejo da cultura, em razão de melhor controle de ervas daninhas. Segundo aMonsanto (1999, p. 2), as sementes de soja transgênica reduzem o uso deherbicidas em média 22% a 26%, o que reduziria significativamente o custode produção.

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A Tabela 11 foi elaborada a partir de resultados de pesquisas realizadaspelo Usda e pelo Leopold Centre, para o Estado de Iowa, com o objetivo deconhecer as razões que teriam influenciado os produtores a substituir a culturade soja convencional pela transgênica.

Conforme essa tabela indica, a expectativa de aumento da produtividadeteria sido a principal razão para a substituição das variedades, identificada nasduas pesquisas – em 65,2% e 53%, respectivamente. São justamente essasexpectativas que não são atendidas, conforme os dados mostradosanteriormente. Na prática, o efeito mais tangível parece ser a conveniência demanejo de OGM, que permite maior flexibilidade do trabalho de cultivo. Taisexpectativas mostravam-se, no entanto, muito menores, ou seja, 6,4% e 12%,respectivamente.

Os interesses e as incertezas do mercado decorrentes da relutância deos consumidores europeus e asiáticos decidirem sobre a compra de grãos eprodutos desses grãos transgênicos parecem ser menos importantes do quevariáveis do desempenho da colheita, como custos e rentabilidade (HIN, 2001).Na tabela acima, não está claro se esse item foi incluído ou não, pois podeestar enquadrado em “Outras” razões, que representa uma pequena percentagemdos resultados. Pode-se inferir, nesse caso, a eficiência do marketing realizadopelas empresas produtoras de sementes transgênicas entre os produtores

Tabela 11. Razões para os fazendeiros adotarem soja resistente a herbicida.

* Estudo realizado em 19 estados dos EUA.** Estudo realizado no Estado de Iowa, em 365 campos de cultivo de soja.Fonte: Hin, Schenkelaars et al. (2001).

Razão

Aumento da produtividade com o melhor controlede erva daninhaRedução do custo de pesticidasAumento da flexibilidade do cultivoAdoção de práticas mais ecológicasOutras

Usda–ERS1997*

65,219,6

6,42,06,8

Leopold Centre1998**

532712—3

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Soja transgênica versus soja convencional: uma análise comparativa de custos e benefícios

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agrícolas, cuja decisão pela adoção desse tipo de sementes estaria baseadamuito mais em expectativas anunciadas pelos fornecedores de sementes doque em análises prévias de custos/benefícios.

SEGREGAÇÃO DO MERCADO:CUSTOS E PRÊMIOS ADICIONAIS

Os produtos transgênicos provocaram reações de recusa nos principaismercados consumidores europeus e asiáticos. Assim, o mercado de soja dividiu-seem dois segmentos, cuja distinção depende da existência de um sistema decertificação de qualidade da soja. Surgem, então, técnicas para manejo, cultivoe transporte dos grãos, chamadas “sistemas de segregação”. Nessa seção, serãodiscutidos os sistemas de segregação de mercado, os custos adicionais da adoçãode cada sistema e o prêmio pago pelos mercados consumidores para a sojaconvencional.

Sistemas de Segregação

As técnicas de segregação vão desde a separação simples de transportee manejo no processo de comercialização, até as mais sofisticadas, queenvolvem procedimentos de rastreabilidade ao longo da cadeia agroalimentar.

A segregação mais simples consiste apenas no processo decomercialização da soja, ou seja, no transporte e na armazenagem. Nesse caso,o lote é aceito como convencional, mediante certificado emitido por laboratóriosespecializados que realizam o teste de grau de contaminação. Na Europa, ograu de tolerância a contaminações é de 1% (SALOMON, 2003). No Brasil, aMedida Provisória n° 113 estabeleceu o mesmo grau de tolerância europeu(BRASIL, 2003). Esse tipo de teste geralmente é realizado pelas empresascomercializadoras, quando do recebimento dos caminhões carregados de soja(TRAVER, 2003).

Um sistema mais sofisticado de segregação seria a preservação deidentidade que, além dos procedimentos adotados no sistema mais simples,envolve o monitoramento ao longo da cadeia de soja. O monitoramento começapela semeadura, com a prática de distâncias permissíveis mínimas entre campos,e prossegue com inspeções do lote ao longo da cadeia, para minimizar a

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presença de impurezas (KALAITZANDONAKES, 2001). O transporte éfeito em caminhões e em compartimentos de navio separados, para evitara contaminação com variedades transgênicas (EUROPEAN COMISSION,2001). Esse monitoramento é acompanhado de documentos de rastreabilidade,ou seja, informações que garantam a fonte e a manutenção de certostraços de qualidade ao longo da cadeia de produção e consumo (WILKINSON,2002). As medidas rigorosas para impedir a presença de impurezas sãoditadas em acordos contratuais, que estabelecem as características genéticasda semente, o sistema de produção, as práticas de colheita, os procedimentosde testes, transporte e armazenagem. Se, apesar dos cuidados, o grãoapresentar contaminação acima daquela estabelecida por contrato, o produtornão recebe o prêmio (LIN; JOHNSON, 2003). Por sua característicarígida, é o sistema em que os consumidores mais confiam (WILKINSON,2002).

Os custos de IP (Identity Preservation) podem ser diretos e indiretos.Os custos diretos são os custos pagáveis (explícitos). Para o fazendeiro, oscustos pagáveis consistiriam no trabalho de limpeza do equipamento duranteo plantio, de colheita e armazenamento. Para um armazenador, esse custoresultaria do trabalho de limpeza do poço ou dos investimentos extraspara armazenamento especializado de IP. Testar e documentar a identidade doproduto também aumentariam significativamente os custos diretos. “Os custosde IP também consistem em todos os custos de segregação (inclusive oscustos não revelados) no nível da produção e os incentivos oferecidos aosprodutores para cultivo de variedades não-transgênicas” (LIN; JOHNSON,2003, p. 11).

Os custos indiretos de IP são custos não-pagáveis. São os custosimplícitos, que resultam da inutilização parcial da infra-estrutura de produção,de armazenamento e transporte, uma vez que essa infra-estrutura seria restritaà soja convencional, ou deveria no mínimo passar por um período de limpeza,a fim de evitar a contaminação com grãos transgênicos. A “fungibilidade”limitada da infra-estrutura de IP pode resultar em ineficiências que, emboracaras, não são diretamente pagáveis. Os lucros perdidos representam custosindiretos adicionais a IP. Aproximadamente um terço dos custos de preservaçãode identidade é indireto, e o dois terços restante são custos diretos (LIN;JOHNSON, 2003).

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Geralmente, o foco de análise de custos se relaciona com os custosdiretos de IP, considerando que os custos indiretos são difíceis de ser detectadose medidos. Os custos de IP não são fixos, pois variam de acordo com ascondições do contrato e o volume de IP assegurado (KALAITZANDONAKES,2001; SAAK, 2002). O relacionamento entre o volume e os custos do IP édeterminado, na maior parte, pela configuração física dos recursos.

Lin (2001) apresenta os custos de segregação para a soja nos EstadosUnidos, conforme indicado na Tabela 12.

8 Embora com a característica de resistência ao herbicida Syncrony STS (sulfonylurea) da Dupont,a soja STS não é considerada como transgênica, uma vez que a resistência é introduzida com geneda própria soja e, não, estrangeiro, como no caso da soja RR (LIN E JOHNSON, 2003).

Esse tipo de segregação, como o nome indica, foi desenvolvido para asoja STS8 da DuPont e corresponderia a 12% do preço pago ao produtor (LIN,2001). A tabela indica que os itens de maior peso no valor total de preservaçãode identidade são risco (39%) e manejo (33%). Os processos de IP sãofreqüentemente sujeitos a riscos e às responsabilidades de falhas na suaexecução, além dos riscos tradicionais associados às perdas da safra. Tais riscose responsabilidades traduzem-se freqüentemente em custos pagáveis(KALAITZANDONAKES, 2001). Os custos de manejo referem-se principalmenteà necessidade de limpeza dos equipamentos antes do uso, para evitar acontaminação. Os custos de transporte são nulos, porque não representamdespesas adicionais no valor do frete comum, uma vez que o volume exportadonão requer compartimento separado no navio (LIN; JOHNSON, 2003).

Tabela 12. Custo de segregação para soja STS (EUA).

Fonte: Lin (2001).

Item

ArmazenagemManejoRiscoTransporteTestes/análisesMarketingTotal

Segregação de soja STSUS$/t1,634,905,720,000,821,63

14,70

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A Tabela 13 apresenta a evolução dos custos de segregação, nos EUA,para a soja convencional, em 2000, 2001 e 2002.

Em 2000, os custos de IP nos EUA para soja convencional teriam sidoda ordem de US$15/t (14% do preço médio ao produtor), e, em 2001,aproximadamente US$5 (9% do preço médio ao produtor) (LIN, 2002; LIN;JOHNSON, 2003). Essa redução dos custos poderia ser atribuída ao avançodas técnicas utilizadas e à ampliação do sistema. A crescente aprovação deOGM pelos países produtores e a regulação nos países consumidores tendema aumentar o uso dos sistemas de segregação e de preservação de identidade,provocando o surgimento de economias de escala (EUROPEAN COMISSION,2001). Segundo Lin e Johnson (2003), se fossem utilizadas as técnicas demanipulação empregadas em produtos HOC (high oil corn, com alto teor deóleo), o custo de segregação da soja poderia declinar para 4% do preço aoprodutor.

No Brasil, o custo com a preservação de identidade da soja convencionalé bastante inferior ao dos EUA. No caso da empresa certificadora EcocertBrasil – subsidiária da Ecocert Internacional –, tais valores variam deUS$ 0,30 a US$ 1,00/t de soja. Desses custos, cerca de 50% estão ligados àinspeção e à certificação propriamente dita, e os 50% restantes estão associadosaos custos de controle interno da empresa certificadora (OLIVEIRA, 2003).

Prêmio

Se, por um lado, alguns segmentos de mercado têm demandado acertificação da soja convencional, por outro, os produtores tendem a exigir

Tabela 13. Custos de segregação.

* Percentagem do preço ao produtor.Fonte: Lin & Johnson (2003).

Percentagem do preço*14

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Ano200020012002

Custo por toneladaUS$15US$ 5US$ 5

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Soja transgênica versus soja convencional: uma análise comparativa de custos e benefícios

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um pagamento maior como incentivo à manutenção da produção, configurandoum prêmio pago ao produtor (EUROPEAN COMISSION, 2001). SegundoLin e Johnson (2003), o prêmio ao produtor, nos EUA, já estaria embutido noscustos de preservação de identidade, configurados no contrato.

A Tabela 14 apresenta os prêmios pagos para a soja convencional em1998, 2000, 2001 e 2003.

Percebe-se um decréscimo do prêmio total pago por tonelada, ao mesmotempo que ocorre um aumento no prêmio pago ao produtor. Na Europa, oprêmio teria sido de 24€/t em 1998, o que corresponderia a aproximadamente4% do preço ao produtor (EUROPEAN COMISSION, 2001).

Lin e Johnson (2003) observam que o prêmio seria suficiente para cobriros custos com IP. O prêmio funcionaria como uma recompensa pelo produtornão experimentar a nova tecnologia. O prêmio representa um ganho decompetitividade que poderia ser aproveitado para consolidar o mercado desoja convencional. Esse tipo de pagamento não se apresenta, no entanto, comouma tendência do mercado internacional de soja, caracterizando-se ainda comoum benefício incerto.

Tabela 14. Prêmio pago pela soja convencional.

* A partir do prêmio pago pelo Japão.** Aproximadamente US$ 24/t.*** Esses valores correspondem aos custos de preservação de identidade nos EUA.Fonte: (1) European Comission (2001); (2) Traver (2003); (3) Lin e Johnson (2003).

Ano

1998200020012003

União Européia

24C**(1)

--

US$10(2)

Japão (3)***

-US$ 14 a 16

US$ 7 a 9US$ 9 a 14

Prêmio pago aosprodutores (3)*

-US$ 1 a 3US$ 5 a 7US$ 3 a 8

Prêmio total pago pelos consumidores

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CONCLUSÕES

As análises comparativas de desempenho técnico e econômico entre asculturas de soja convencional e transgênica não têm apresentado, ainda, dadosconclusivos, que possam confirmar a superioridade de uma tecnologia demelhoramento genético sobre a outra. Isso se deve principalmente ao fato deque quase todas as comparações existentes baseiam-se em uma análise estática,que retrata o desempenho de uma única safra. Tal desempenho pode serinfluenciado por uma série de fatores conjunturais associados ao clima, ouainda a fatores estruturais associados aos vários tipos de solos e distintaspráticas agrícolas, específicas de cada região ou mesmo de cada propriedade.A difusão de novas variedades de soja transgênica resistentes a herbicidasimplica a adoção de determinadas práticas de manejo, que podem serdeterminantes no desempenho da nova tecnologia. Da mesma forma, odesempenho dessa nova tecnologia depende do contínuo desenvolvimento eda adoção de cultivares adaptadas às especificidades de solo e clima de cadaregião produtora. Portanto, os impactos que se deseja conhecer para esse tipode tecnologia somente podem ser confirmados, efetivamente, a partir de umasérie histórica de dados obtidos por um período de pelo menos 5 anosconsecutivos.

A partir dos dados disponíveis, é possível concluir que o consumo deherbicidas na cultura da soja RR tende a ser superior ao da soja convencional.No caso dos EUA, tais valores apresentam grande variabilidade – entre -30%e +60%, conforme as condições edafoclimáticas específicas –, com umconsumo médio superior de 8%, enquanto, na Argentina, esse valor chega aser de 180%. A soja transgênica apresenta, por sua vez, custos de produção de7% a 20% menores do que os da soja convencional. Já a produtividade da sojaconvencional mostrou-se até 12% superior à da transgênica. A redução doscustos de produção da soja RR tem pouca influência sobre os critérios decálculo de rentabilidade adotados nas pesquisas realizadas nos EUA. Assim,não foram identificadas variações significativas de rentabilidade nacomparação entre as culturas de soja convencional e de soja transgênica.

Os custos de preservação de identidade, nos EUA, têm mostrado variaçãode US$ 7 a US$ 16/t, nos quais se incluem os prêmios pagos aos produtores.Esses têm variado de US$ 1/t a US$ 8/t. No Brasil, os custos de preservaçãode identidade seriam da ordem de US$ 1/t, enquanto os prêmios pagos pelos

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consumidores europeus podem chegar a cerca de US$ 10/t. Essa diferença deUS$ 9/t, quando repassada ao produtor, pode proporcionar uma margem delucro ao agricultor brasileiro significativamente superior à esperada pelo norte-americano. Por sua vez, a introdução de sistemas de certificação e derastreabilidade da soja convencional tendem a inflacionar o mercado dessetipo de commodity, por forçar a adoção de novas práticas de manejo e de controledas safras, que incorrem em custos adicionais repassados aos consumidores.A questão é saber até que ponto o sobrepreço criado será assimilado pelomercado e se a rotulagem dos alimentos produzidos a partir de matéria-primageneticamente modificada garantirá um nicho de mercado permanente para osprodutos convencionais.

Para os produtores individuais, o que se deve considerar, ao avaliaruma possível decisão de substituição da semente tradicional por transgênica,são as possíveis comodidade e eficácia no controle de ervas daninhas, dianteda menor produtividade dessa variedade e da perda do prêmio que seria obtidocom a soja convencional. No caso do Brasil, onde a fertilidade dos solos ésignificativamente inferior à da Argentina e à dos EUA, deve-se tambémconsiderar os possíveis riscos de perda de produtividade associados à alteraçãodo processo de fixação de nitrogênio, proporcionado pela associação com abactéria Rhizobium.

Conclusões definitivas sobre vantagens e desvantagens da sojatransgênica em relação à convencional seriam, portanto, prematuras nestemomento, em razão da inexistência de dados consistentes que corroboremqualquer resultado. Os dados de desempenho da soja transgênica apresentadosneste artigo refletem, na realidade, uma fase pré-paradigmática desse tipo detecnologia, a despeito de sua ampla difusão entre os principais paísesprodutores. A consolidação da transgenia como um paradigma dominantedependerá também de uma ampla aceitação por parte dos grandes mercadosconsumidores de soja, bem como das trajetórias tecnológicas adotadas nomelhoramento genético (transgênico e convencional) com o propósito degarantir maior eficiência de produção e melhor qualidade de alimentos.Enquanto houver barreiras institucionais significativas ao consumo dealimentos transgênicos – como a rotulagem ou mesmo moratórias a essesprodutos –, o mais provável é que se estabeleça uma coexistência de paradigmasalternativos de produção, cuja evolução dependerá dos seguintes fatores:

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estratégias de concorrência, marketing e difusão da tecnologia adotada pelosdiferentes atores do setor produtivo; estratégias de resistência de grupos deconsumidores organizados; e existência de dispositivos de avaliação dodesempenho e dos impactos econômicos e ambientais em longo prazo.

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