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    AAngelo Silva

    2009

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  • 2009 IESDE Brasil S.A. proibida a reproduo, mesmo parcial, por qualquer processo, sem autorizao por escrito dos autores e do detentor dos direitos autorais.

    Capa: IESDE Brasil S.A.

    Crdito da imagem: Digital Juice.

    IESDE Brasil S.A. Al. Dr. Carlos de Carvalho, 1.482. CEP: 80730-200 Batel Curitiba PR 0800 708 88 88 www.iesde.com.br

    Todos os direitos reservados.

    S586 Silva, Angelo. / Sociologia Urbana. / Angelo Silva. Curitiba : IESDE Brasil S.A. , 2009. 188 p.

    ISBN: 978-85-387-0151-4

    1.Sociologia urbana. 2.Sociologia Origem. 3.Urbanizao. I.Ttulo.

    CDD 307.76

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  • Doutor em Histria pela Universidade Federal do Paran (UFPR). Mestre em Cincia Poltica pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Bacharel em Cincias Sociais pela Unicamp.

    Angelo Silva

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  • SUMRIOAs origens da Sociologia: os pais fundadores ............................................11

    Os antecedentes do surgimento da Sociologia ..............................................................................11A sociedade transforma-se em objeto de estudo ..........................................................................12Os precursores ............................................................................................................................................13Karl Marx e a revoluo ..........................................................................................................................13mile Durkheim e a institucionalizao da Sociologia ................................................................15Max Weber e a Sociologia compreensiva .........................................................................................17

    As grandes cidades industriais inglesas do sculo XIX e a crtica de Friedrich Engels .................................................................................................31

    O contexto da poca ................................................................................................................................32Um pouco da biografia do autor ..........................................................................................................33Sobre o texto de Engels .........................................................................................................................34As grandes cidades ................................................................................................................................35Comentrios sobre o texto .....................................................................................................................37Reforando algumas ideias ....................................................................................................................38

    Sobre a metrpole capitalista e seus efeitos no indivduo ....................45

    Georg Simmel e a Sociologia ................................................................................................................45O que que a grande cidade tem de especial? ..............................................................................46Concluso .....................................................................................................................................................52

    Max Weber e a cidade .........................................................................................57

    Sobre o autor ...............................................................................................................................................57Max Weber e a cidade ..............................................................................................................................58Alguns elementos para a definio de cidade ................................................................................59A cidade e o campo ..................................................................................................................................60A cidade como local de defesa .............................................................................................................61Observando mais de perto ....................................................................................................................62Reunindo os fios .........................................................................................................................................63

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  • A Sociologia Urbana e a Escola de Chicago: Robert Ezra Park ......67

    Sobre o autor em foco ...............................................................................................................67Uma pequena sntese da obra de Robert Park .................................................................68Concluso .......................................................................................................................................73

    Louis Wirth e o urbanismo como modo de vida............................. 79

    Uma pequena apresentao ...................................................................................................79Sobre seu texto mais conhecido no Brasil ..........................................................................79Buscando uma concluso .........................................................................................................86

    Paul Singer e a Sociologia Urbana no Brasil ..................................... 91

    Uma base marxista para pensarmos o Brasil .....................................................................92Alguns aspectos tericos sobre o processo de migrao ............................................95O perfil das cidades recortado pelo tipo de desenvolvimento capitalista .............97Uma concluso que se impe aos olhos .............................................................................98

    Henri Lfbvre e a Sociologia Urbana pela tica marxista .......105

    Sobre o autor .............................................................................................................................. 105A revoluo urbana .................................................................................................................. 106Discusso metodolgica ........................................................................................................ 107Anlise histrica ....................................................................................................................... 108Algumas suposies tericas sobre a fase crtica ......................................................... 110

    Manuel Castells e a Sociologia Urbana ............................................117

    Sobre o autor .............................................................................................................................. 117Sua produo na temtica urbana ..................................................................................... 117Contribuio para os estudos urbanos ............................................................................. 118O debate sobre a teoria do espao .................................................................................... 119Delimitao terica do urbano ............................................................................................ 122Consumo como processo de reproduo da fora de trabalho .............................. 123Instrumentos tericos para o estudo da poltica urbana ........................................... 125

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  • Ilhas de felicidade no meio do caos urbano ............................................ 135

    Um pouco mais sobre a autora e o tema ....................................................................................... 135Construindo muralhas para esconder a diferena...................................................................... 136A transformao do espao pblico em espao privado ......................................................... 139Uma comparao esclarecedora: So Paulo e Los Angeles..................................................... 141

    A modernidade invade as cidades: os shopping centers e as mudanas do urbano ......................................................................................................... 149

    O comeo da histria ............................................................................................................................ 150Recriando identidades .......................................................................................................................... 153O mundo cabe dentro de um SC ...................................................................................................... 155

    Redesenhando a fisiognomia da metrpole moderna ........................ 161

    O livro das passagens ........................................................................................................................... 161Uma primeira volta pela quadra para reconhecimento .......................................................... 163Um olhar mais prximo ........................................................................................................................ 165A cidade que sobrepe texto e imagens ....................................................................................... 167No Brasil, So Paulo e Minas Gerais .................................................................................................. 168

    GABARITO ............................................................................................................. 175

    REFERNCIAS ....................................................................................................... 185

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  • APRESENTAO

    O objetivo principal deste trabalho situar o leitor na discusso acadmica sobre a Sociologia Urbana.

    Temos aqui dois caminhos que seguiro em paralelo, pelo menos inicialmente, at que venham a convergir no sentido de termos uma ideia clara do surgimento da Sociologia como cincia e da Sociologia Urbana como um ramo no tronco da cincia maior.

    Com este objetivo, organizei o trabalho de uma maneira cronolgica, por um lado, e monogrfica, por outro. Isto quer dizer que organizei os captulos do livro a partir do surgimento da Sociologia como cincia, passando pelos precursores da Sociologia Urbana, depois pelos seus fun-dadores propriamente ditos. Isto posto, chegamos aos autores contemporneos e ao Brasil. Mantivemos aqui uma cronologia no muito rigorosa.

    Outro aspecto relativo forma de organizao do traba-lho que procurei trabalhar com os principais autores dos respectivos temas. Tanto no caso da cronologia quanto da autoria, no segui com rigidez essas deter-minaes. Elas funcionaram mais como um parmetro geral do que como uma lei imutvel, algo prximo das caractersticas relacionadas s cincias sociais em geral e Sociologia em particular. No estamos tratando das Cincias Exatas aqui, da Matemtica, Fsica etc. Podemos, portanto, trabalhar com uma flexibilidade maior. Foi o que procurei aplicar na prpria construo do texto, em suas partes e no conjunto que estas partes formam.

    Temos, ento, ao longo dos captulos, um arranjo prxi-mo do seguinte: uma parte introdutria sobre as origens da Sociologia, seguida dos precursores da Sociologia Urbana, para depois chegarmos aos principais autores contemporneos. Dedico uma parte do trabalho para refletirmos sobre os problemas urbanos mais atuais, articulados com a realidade brasileira.

    Boa leitura!

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    As origens da Sociologia: os pais fundadores

    Para compreendermos a Sociologia Urbana imprescindvel que faamos um movimento de olhar para trs. Este o sentido deste captulo, a saber: tomarmos con-tato com as origens da Sociologia. Vou lanar mo desse recuo histrico para iniciar meu trabalho. Veremos, a seguir, uma contextualizao do perodo em que surgiu a Sociologia para depois tomarmos um primeiro contato com os assim chamados pre-cursores dessa cincia.

    Os antecedentes do surgimento da SociologiaDa mesma maneira que as outras cincias, exatas, naturais ou sociais, a Sociologia

    passou por um processo de construo. desse perodo da histria dessa cincia que trataremos aqui. Estamos no final do sculo XVIII, no centro da Europa, e podemos cons-tatar que a assim chamada Revoluo Industrial j havia lanado suas razes na Inglaterra e esparramava-se pelo continente. Essa revoluo tinha alterado de forma significativa a maneira como os indivduos e a sociedade produziam os seus bens. Queremos dizer com isso que o artesanato tinha sido deixado de lado e que a manufatura predominava. Aquele espao de produo de mercadorias, que hoje chamamos de fbrica, comeava a ganhar uma feio mais definida. Conforme as coisas foram se alterando no sistema produtivo, as cidades tambm foram se modificando. O mundo daquela poca era pre-dominantemente rural, mas em alguns lugares a concentrao de pessoas nas cidades comea a crescer: podemos mencionar Londres e Paris, entre outros.

    Nesse mundo para o qual nos conduzimos, uma nova revoluo veio se somar anterior. Refiro-me Revoluo Francesa, que, assim como a Industrial, tambm pro-vocou muitas transformaes, por isso mesmo uma revoluo. Enquanto a primeira se caracterizou por alterar as bases materiais da sociedade europeia, a segunda deixou suas principais marcas no campo das ideias. Parte significativa das ideias dos filsofos iluministas que antecederam essa revoluo ganharam um corpo e uma vida com ela. As ideias de liberdade, igualdade e fraternidade no foram as nicas a se destacarem

    Sociologia Urbana

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    em 14 de julho de 17891. Uma das mais importantes concepes nascentes pode ser percebida no primeiro verso da Marselhesa, que se tornou o hino nacional francs, em que vemos surgir a ideia de Nao. O verso Avante filhos da Ptria inaugura a materia-lizao dessa ideia que se esparramou pelo mundo todo, do ponto de vista histrico, em pouco tempo.

    Estamos diante de uma dupla revoluo que promove uma reviravolta na forma como as pessoas estavam acostumadas a viver (a trabalhar, por exemplo) e na forma como as pessoas estavam acostumadas a pensar, a ver o mundo. Os resultados dessas duas mudanas importantes no se fizeram esperar para produzirem seus efeitos.

    A sociedade transforma-se em objeto de estudoDo ponto de vista material, as cidades comearam a crescer desenfreadamente

    em funo da Revoluo Industrial. No s as cidades cresceram, mas a quantidade e o tipo de problemas que esse crescimento produziu foram notveis. Nesse momento, al-gumas mudanas tambm ocorreram no campo das ideias, cujo exemplo que merece maior destaque a Revoluo Francesa. Antes desse perodo, predominava a viso do catolicismo, que era a religio dominante. Isso significava que tudo o que acontecia na vida das pessoas e da sociedade tinha uma explicao divina. Em outras palavras, era assim porque Deus queria. A partir dessa revoluo, a maneira de se pensar foi altera-da. No era mais Deus que estava no centro das explicaes e sim o homem, ou seja, era possvel e necessrio compreender os fenmenos sociais porque estes eram resul-tado da ao dos homens e no da vontade divina. Portanto, as duas grandes revolu-es, a Industrial e a Francesa, abalaram e, por fim, derrubaram a maioria dos alicerces sobre os quais a sociedade europeia se apoiava. Tanto no plano material quanto no das ideias, as alteraes foram largas e profundas.

    Do ponto de vista do qual estamos observando essa histria, o conjunto de mo-dificaes ocorridas levou a uma srie de conflitos que colocaram a sociedade como um problema a ser estudado e resolvido. O crescimento desordenado das cidades e os problemas relativos a ele e o clima de instabilidade gerado pelas revolues e pela in-certeza diante das mudanas foram mais do que suficientes para fazer com que vrios pensadores e homens de ao comeassem a se preocupar em resolver esses proble-mas. Com o isolamento da religio catlica e o deslocamento do teocentrismo, abriu-se a possibilidade de pensar o mundo sem os limites impostos pela Igreja.

    De outro ponto de vista, observamos que, com as mudanas na produo, o mundo se alterou com o crescimento das cidades. O capitalismo, que comeava a se

    1 Apesar de a Revoluo Francesa ser um processo com razes nos fatos do passado, diversos acontecimentos ocorreram no ano de 1789, sendo o principal deles a tomada da Bastilha em 14 de julho, smbolo mximo da resistncia popular frente aos privilgios da nobreza.So

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    desenvolver, fez surgir a classe operria, que, com suas reivindicaes, produzia uma srie de conflitos sociais. Nesse clima de conflitos, aqueles que se preocupavam em refletir sobre a sociedade comearam a ocupar-se com ideias sobre a sua reforma. Vimos surgir ento um grupo de pensadores que viam na derrubada do antigo regime a origem de todas as mazelas que a sociedade enfrentava. A soluo para os proble-mas estava dada, ou seja, bastava voltar para o sistema feudal que tudo se resolveria. Essa proposta foi atropelada pela Histria e no vingou. O feudalismo e seus principais sustentculos tinham perdido o seu lugar e era o capitalismo que imperava.

    Os precursoresEstamos na primeira metade do sculo XIX e um dos pioneiros da Sociologia

    como a conhecemos hoje produzia suas ideias a respeito da sociedade. Estou falando de Augusto Comte. Esse autor lanaria as bases para a consolidao da Sociologia no final desse mesmo sculo. Comte tomou de outras cincias j consolidadas, a Fsica, a Matemtica, a Fisiologia/Biologia, elementos metodolgicos que procurou aplicar anlise da sociedade.

    Comte acabou por ver a necessidade de se criar o que ele chamou de fsica social, ou seja, uma nova cincia que deveria estudar os fenmenos sociais a partir das ci-ncias ditas naturais, aquelas que tm como objeto de estudo a natureza. Seus esfor-os no o levaram fundao dessa nova cincia, mas seus seguidores, como mile Durkheim dariam seguimento s suas ideias. Contudo, antes de continuarmos com Durkheim, vamos tratar de apresentar as ideias de Karl Marx, que se constituram num marco, no s para a Sociologia, mas para as Cincias Sociais como um todo.

    Karl Marx e a revoluo O autor do qual vamos tratar nas prximas linhas produz opinies muito contro-

    versas, desde a sua poca at os dias atuais. Por conta disso, vou fazer um breve relato sobre a construo das linhas que nortearam o pensamento de Marx. Nascido em 5 de maio de 1818, na antiga Prssia, hoje Alemanha, no interior de uma famlia de judeus convertidos ao protestantismo, ele seguiria o caminho tradicional para um filho de classe mdia da poca, desenvolvendo estudos no campo do Direito e da Filosofia. Com 25 anos de idade, esse autor encontrava-se na direo do jornal Gazeta Renana, assumindo a profisso de jornalista. No final de 1843, ao escrever Crtica da Filosofia do Direito de Hegel, Marx declarou publicamente que havia abandonado o campo poltico do liberalismo e da burguesia para se colocar no campo da classe operria e do co-munismo. Esse movimento poltico pode ser entendido como resultado de uma srie

    As origens da Sociologia: os pais fundadores

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    de fatores. Destaco o fato de que o autor em foco entrou em contato com a militncia comunista da poca e, alm disso, pde verificar com seus prprios olhos a situao de misria na qual se encontrava a classe trabalhadora.

    Karl Marx tornou-se, portanto, um militante da causa revolucionria e seus es-tudos tm uma marca muito clara, a saber, o fato de realizar suas anlises a partir da experincia vivida e no dos estudos desenvolvidos no interior dos gabinetes. Alm disso, encontra-se em sua obra uma clara inteno prtica de transformao. Para ele, o conhecimento servia para mudar o mundo, para fazer a revoluo socialista e no para fundar uma cincia. Foi dentro dessa perspectiva que Marx produziu sua obra.

    O primeiro trabalho de Marx que ganhou o mundo foi escrito entre dezembro de 1847 e janeiro de 1848, sendo publicado em fevereiro daquele ano. O Manifesto do Par-tido Comunista, escrito em parceria com Friedrich Engels, tornou-se rapidamente um dos livros mais traduzidos e vendidos da histria da imprensa. Por que tanto sucesso? Nessa obra, por meio de uma linguagem clara e direta, os autores apresentaram as principais teorias que desvendariam o funcionamento do capitalismo e propuseram medidas para a sua superao.

    A luta de classes, uma ideia fundamental no pensamento de Marx, abre o Mani-festo. Alm disso, outros conceitos, como a dialtica, a ditadura do proletariado e as formas de explorao da classe trabalhadora pelos capitalistas, aparecem no interior do texto. Posteriormente a esse trabalho, Marx escreveu O 18 Brumrio de Lus Bona-parte, no qual analisado o golpe de estado que colocou esse Bonaparte no comando do Estado francs ao longo de 20 anos, de 1851 a 1871. Nessa obra, temos uma ra-diografia da sociedade francesa, fundamentalmente no campo da poltica, com uma crtica cida aos vrios agrupamentos polticos que se batiam naquele momento. Marx denuncia que todos os partidos ligados burguesia optaram, em funo das presses exercidas pela classe operria, que havia feito revolues por toda a Europa em 1848, por entregar o poder a um ditador para garantir a sua dominao. a clssica ideia de entregar os anis para no perder os dedos.

    No ano de 1867, Marx publicou o primeiro volume de O Capital, sua obra mais importante. Esse trabalho resultou da experincia do autor como militante do comu-nismo, como fundador de partidos e organizaes polticas com abrangncia nacional e internacional e, tambm, como intelectual que inaugura uma maneira de produzir conhecimento, ou seja, associando s ideias uma ao concreta.

    Alguns dos principais temas que Marx trabalhou em O Capital constituram-se em pilares do conhecimento no campo da Poltica, da Economia, da Sociologia, entre outros. A ttulo de exemplo, podemos tomar, inicialmente, a descoberta do meio pelo qual os capitalistas exploram a classe operria, a saber, a mais-valia. Esse conceito revela como, ao final do expediente, o operrio recebe um valor predeterminado,

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    entregando ao capitalista o produto do seu trabalho. A explorao se d na medida em que o valor obtido com a venda dos produtos que o trabalhador produziu e que foi apropriado pelo empregador muito maior do que aquilo que foi pago como salrio. Assim, a explorao no ilegal, porque o contrato de trabalho acorda justamente esse procedimento, mas no deixa de ser explorao do trabalho. A partir disso, Marx desvenda tambm como as leis esto a servio daqueles que dominam a sociedade e que o Estado no existe para representar todos os indivduos, mas que, em nome de todos, ele, o Estado, garante que alguns mantenham a sua dominao sobre o conjun-to da sociedade.

    Em funo do exposto, fica mais fcil imaginar por que esse autor foi to perse-guido em seu tempo e por que seus seguidores continuam sendo. Contudo, o obje-tivo mostrar que as intenes de Marx, nesse caso, no tm importncia para ns. O que importa a contribuio que esse autor deu para compreendermos o mundo que nos cerca.

    mile Durkheim e a institucionalizao da Sociologia

    Todos aqueles que estiveram ligados s origens da Sociologia possuam intenes prticas. Isto quer dizer que, de uma maneira ou de outra, havia uma preocupao em transformar a sociedade da poca, no caso, o sculo XIX. Existem, contudo, diferentes maneiras de se intervir na realidade social. De forma muito distinta daquela pretendida por Karl Marx, o autor que passaremos a tratar tambm deixou marcada a sua contri-buio para o desenvolvimento dessa cincia.

    David mile Durkheim nasceu em 15 de abril de 1858, na regio da Alscia, na Frana, no interior de uma famlia de rabinos. Assim como Karl Marx, Durkheim rea-lizou seus estudos at o nvel universitrio. Em 1887, tornou-se professor na Univer-sidade de Bordeaux, criando a primeira ctedra exclusivamente destinada ao ensino da Sociologia. Esse autor vinha se dedicando, mesmo antes de criar essa disciplina na academia, a construir a Sociologia como uma cincia autnoma. Seu pensamento foi influenciado por vrios autores, atuantes na poca e menos conhecidos hoje em dia, como Spencer, Espinas, Wundt e Comte. Deles, retirou algumas caractersticas que marcaram a cincia produzida por Durkheim. Como exemplo, podemos utilizar a pre-ferncia durkheimiana por modelos biolgicos, ou seja, pensar a sociedade como um organismo vivo. Alm dessa influncia, esse autor articulou conhecimentos de outras reas, mais ou menos estabelecidas, como da Antropologia e da Psicologia, em seu trabalho de criao da nova cincia, a Sociologia.

    As origens da Sociologia: os pais fundadores

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    possvel ver, pelos ttulos dos trabalhos publicados por mile Durkheim, o seu empenho no sentido de construir a Sociologia, seno vejamos: em 1889, temos os Ele-mentos de Sociologia; quatro anos depois, apareceu A Diviso do Trabalho Social; em 1895, foram publicadas As Regras do Mtodo Sociolgico; em 1897 e 1912, foram pu-blicados, respectivamente, O Suicdio e As Formas Elementares da Vida Religiosa. Entre essas duas ltimas publicaes, Durkheim fundou, em 1898, uma revista que se cons-tituiu em local privilegiado de divulgao da recm-criada sociologia francesa. Essa revista chamou-se LAnne Sociologique (O Ano Sociolgico). Aps sua morte, ocorrida em 1917, ainda foram publicados Educao e Sociologia, em 1922; Sociologia e Filosofia, em 1924; A Educao Moral, em 1925; e, por fim, O Socialismo, que de 1928.

    A Sociologia da ordemAlm de buscar os parmetros para a construo da Sociologia, Durkheim voltou

    suas expectativas para a produo de um conjunto de novas ideias que poderiam me-lhorar as condies de existncia no interior da sociedade de sua poca. A Europa em geral, e a Frana em particular, experimentavam no final do sculo XIX um perodo muito conturbado. Por um lado, uma srie de abalos na economia, de conflitos sociais resultantes das crises do sistema capitalista, tornava difcil a vida naqueles dias. Por outro, os progressos tcnicos e a expanso econmica tambm eram muito marcados. Diante dessa sociedade marcada pela contradio, Durkheim acabou trilhando um ca-minho oposto quele escolhido por Karl Marx, por exemplo.

    Para ele, reformas econmicas no resolveriam os problemas colocados. Antes disso, Durkheim acreditava ser necessrio descobrir por meio da pesquisa sociolgica quais eram as leis que regiam o funcionamento da sociedade. Com isto em mos, a Sociologia ganhava um carter positivo, ou seja, ao invs de negar a sociedade exis-tente, tratava-se de orient-la positivamente no sentido de corrigir aquelas anormali-dades provocadas pelas tenses sociais e mantidas pela ignorncia em relao sua existncia. Quero dizer com isto que a Sociologia durkheimiana pretendia encontrar por meio da pesquisa cientfica os padres considerados normais para uma determi-nada sociedade. Assim, era possvel corrigir os desvios e anormalidades que eram responsveis pelos conflitos existentes.

    A sociologia positiva criada por Durkheim constituiu-se em uma das principais correntes da Sociologia como cincia autnoma. Definindo o fato social como objeto de estudo dessa cincia e estabelecendo um conjunto de mtodos e tcnicas para o estudo desse objeto, o trabalho desse autor ganhou rapidamente influncia na Frana e, posteriormente, no restante da Europa e nos Estados Unidos.

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    Max Weber e a Sociologia compreensivaSeguindo a ordem cronolgica, temos o trabalho de outro pensador alemo

    que tambm se constitui em um dos principais suportes para o trabalho no inte-rior das Cincias Sociais e da Sociologia mais especificamente. Max Weber nasceu no interior de uma famlia de protestantes, na Alemanha, no dia 21 de abril de 1864. Faleceu com 56 anos, em 1920. Assim como Karl Marx e mile Durkheim, Weber teve uma formao acadmica muito slida. Este autor tornou-se um dos mais importan-tes pensadores do sculo XX. Com um interesse por diferentes temas sociais, como o Direito, a Economia, a Msica, alm da Sociologia, Weber trar para o interior dessa cincia essa diversidade de abordagens.

    Da mesma maneira que Durkheim procurou dar Sociologia as bases para sua formao como uma cincia, Weber tambm trabalhou nesse sentido. Uma das princi-pais maneiras adotadas por ele para perseguir esse objetivo foi criar uma diferenciao muito precisa entre a poltica e a cincia. Para esse autor, jamais poderiam ser confun-didas essas duas formas de ao. A primeira delas estava calcada sobre juzos de valor prprios a cada indivduo. Esses juzos serviriam para orientar as escolhas de atuao de todos. O prprio Weber teve, ao longo de sua vida, uma intensa interveno poltica. Portanto, o cientista pode e inclusive deve se posicionar em relao poltica, mas en-quanto cidado e no enquanto cientista, pois, caso contrrio, contaminaria a ambas. No que diz respeito cincia, o procedimento do autor era no sentido de tratar de compreender os fenmenos sociais por meio de uma metodologia de pesquisa extre-mamente rigorosa e detalhada. No que diz respeito Sociologia, ele adere de maneira mais intensa a ela j no final de sua carreira. Afirma, como uma espcie de definio, que essa cincia deve se voltar para a compreenso interpretativa da ao social. Alm disso, deve tambm fornecer uma explicao a partir das causas dessa ao e, por fim, os efeitos provveis que ela produzir.

    Weber insistia sempre que o cientista deveria tratar com frieza, sem ira e nem paixo, os fenmenos por ele analisados. Alm disso, as concluses a que o cientista chegava serviriam para orientar o poltico. Este sim, um indivduo de ao que se move tambm com o combustvel da paixo. Nesse sentido, os produtos do conhe-cimento da cincia poderiam ser tratados como mercadorias que no possuem pre-ferncias, juzos de valor ou cores polticas. Cada um de ns pode, segundo Weber, fazer o uso que julgar conveniente de um conhecimento cientfico. Dessa proposio que vai surgir posteriormente, no interior da Sociologia, a ideia de que os mesmos procedimentos de pesquisa podem tanto ajudar a vender um sabonete quanto a eleger um presidente.

    As proposies feitas por Max Weber sempre produziram muita polmica. Contu-do, por meio de sua extensa obra, ele consegue fundamentar suas proposies como

    As origens da Sociologia: os pais fundadores

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    poucos o fizeram. Seus principais trabalhos no campo da Sociologia so os seguintes: Economia e Sociedade, A tica Protestante e o Esprito do Capitalismo, Cincia e Poltica: duas vocaes.

    Max Weber e a ao individualA Sociologia weberiana fortemente influenciada por pensadores alemes, tanto

    os contemporneos a ele quanto outros que o precederam. Uma viso pessimista de seu mundo Weber toma emprestada de Nietzsche2.

    A generalizao para todos os indivduos da capacidade de agir racionalmente origina-se de proposies de Kant3. Alm desses, Weber estabeleceu, pela sua obra, um intenso dilogo com Karl Marx. Boa parte dos escritos de Weber procura refutar ou verificar a eficincia dos conceitos presentes nos principais trabalhos daquele autor. Outros menos conhecidos por ns tambm deixaram sua cota de contribuio Socio-logia weberiana, dentre os quais Georg Lukcs4 e Georg Simmel5.

    O tipo de Sociologia desenvolvida por Weber leva em conta, fundamentalmen-te, o indivduo e sua ao. Nesse sentido, o autor se contrape a outros pensadores que procuram colocar no centro de suas atenes o coletivo, como faz Marx com as classes sociais, ou as instituies sociais como o Estado, as empresas, os partidos po-lticos. Weber destaca que o caminho principal do socilogo para a compreenso dos fenmenos sociais passa pela compreenso das motivaes que levam um indivduo a praticar uma determinada ao.

    Para a perseguio desse objetivo, o autor define quatro tipos de ao com o intuito de construir um modelo terico que auxilie o cientista em seu trabalho de compreenso. A primeira ao tratada por Weber a ao racional com vistas a um determinado fim. Essa ao toma por base o pensamento racional que utilizado para se atingir um determinado objetivo, seja ele profissional, pessoal, criativo etc. Como exemplo desse tipo de ao, temos o compositor que escreve uma msica ou o mdico que realiza uma cirurgia.

    2 Friedrich Wilhelm Nietzsche nasceu em 15 de outubro de 1844, em Rcken, localidade prxima Leipzig, e morreu em Weimar, em 25 de agosto de 1900. Foi um filsofo crtico do seu tempo, tido por alguns como autoritrio e por outros como transformador. Sua obra vem ganhando importncia nas ltimas dcadas. Assim Falou Zaratustra um de seus trabalhos mais difundidos. As indicaes de data e locais foram retiradas do site: , em 25 de agosto de 2008, por coincidncia aniversrio da morte do filsofo.3 Immanuel Kant passou sua vida, trabalhou e produziu sua obra na cidade Koenigsberg, Alemanha. A segunda metade do sculo XVIII foi o perodo mais significativo na produo desse filsofo, que tem como obra mais conhecida A Crtica da Razo Pura. Informaes disponveis em: . Acesso em: 25 ago. 2008.4 Georg Lukcs foi um filsofo hngaro, nascido em Budapeste no dia 13 de abril de 1885 e falecido na mesma cidade em 5 de junho de 1971. Teve uma trajetria intelectual muito intensa, iniciando seu trabalho a partir da obra de Kant e chegando, em sua ltima etapa, ao marxismo. Histria e Conscincia de Classe, de 1923, o trabalho que o coloca no campo da teoria marxista, sendo um dos mais conhecidos no Brasil. Disponvel em: . Acesso em: 25 ago. 2008.5 Georg Simmel, nascido em Berlim, viveu de 1. de maro de 1858 a 28 de setembro de 1918. Foi um dos fundadores da sociologia alem e um pensador muito ecltico, abordando temas como dinheiro, moda, as grandes metrpoles etc. Disponvel em: . Acesso em: 25 ago. 2008.So

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    Um segundo tipo a ao racional determinada por valores. Neste caso, o que de-termina o sentido da ao pensada e refletida racionalmente no um determinado objetivo, mas sim um valor, que pode ser moral, poltico, dentre outros. Exemplificando, tomo o caso de um poltico que prefere perder uma eleio, seu objetivo, em nome das propostas polticas que defende. No exemplo, o que conta para a ao no o objetivo racionalmente definido, ganhar a disputa, mas manter-se fiel, tambm racionalmente, a um determinado valor ou conjunto de valores.

    Outro tipo a ao afetiva que, como o prprio nome revela, toda ao execu-tada de maneira irracional, ou seja, afetiva. Este tipo de ao tem como determinante as emoes do indivduo e no o clculo frio e racional. No caso em que algum deixe de assinar um contrato, por exemplo, por estar de mau humor, pode-se dizer que essa ao foi motivada pelo instinto, pela ausncia da razo e pela prevalncia da emoo.

    Por fim, a ao tradicional tem por motivao a predominncia de valores incul-cados no indivduo atravs da tradio. Com esse tipo de ao podemos compreender melhor como em espaos dominados pela tradio, por exemplo, as religies, o que move as pessoas no o clculo nem o sentimento, mas um conjunto de normas pas-sado de um indivduo para outro atravs da tradio, seja ela escrita, oral ou ritual.

    Weber, alm de criar esses conceitos para analisar a ao dos indivduos, tambm prope outras formas de instrumentalizar o socilogo para a anlise e compreenso das aes individuais.

    O tipo idealO conceito de tipo ideal criado por Weber articula-se ao papel dado por ele ma-

    neira como o cientista deve proceder para realizar suas anlises. No positivismo de Durkheim, em funo da utilizao de modelos das cincias naturais, o pesquisador ocupa muitas vezes o lugar de um mero fornecedor de informaes. Os dados obje-tivos da realidade so coletados e inseridos em um questionrio, por exemplo, e as respostas quase que aparecem automaticamente. Max Weber se ope a essa metodo-logia, propondo outro tipo de lugar para o socilogo, a saber, o de realizar um intenso esforo mental para tirar concluses a respeito das aes individuais. Para tanto, ele necessita de instrumentos lgicos de anlise e o tipo ideal vem cumprir esse papel.

    De forma resumida, podemos dizer que esse conceito , antes de tudo, uma cons-truo mental, algo parecido com um modelo que deve auxiliar na compreenso do fenmeno estudado, no existindo de fato na realidade, mas apenas na cabea do pes-quisador. Um exemplo utilizado pelo prprio Weber a ideia de artesanato. A partir de um conjunto de observaes a respeito desse fenmeno conhecido como artesa-nato, desenha-se um modelo que apresenta os elementos mais caractersticos desse

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    fenmeno. Uma vez construdo o modelo, pela observao do fato a partir de diferen-tes pontos de vista, a anlise torna-se mais eficiente.

    Vemos, ainda, outra marca da teoria weberiana que se expressa na crtica feita por Weber tentativa de Marx de explicar o capitalismo apenas pela economia. Segundo Weber, os fenmenos sociais tm tal complexidade que no existe apenas uma explica-o para eles. O papel do cientista produzir o maior nmero possvel de abordagens e somar a estas outras interpretaes para compor um leque explicativo mais comple-to. No entanto, no campo das Cincias Sociais, a compreenso definitiva apenas uma motivao para a continuidade do trabalho.

    TEXTO COMPLEMENTAR

    Opsculos de Filosofia Social

    (COMTE, 1978)

    Entendo por Fsica Social a cincia que tem por objeto prprio o estudo dos fen-menos sociais, considerados com o mesmo esprito que os fenmenos astronmicos, fsicos, qumicos e fisiolgicos, isto , como submetidos a leis naturais invariveis, cuja descoberta o objetivo especial de suas pesquisas. Prope-se, assim, a explicar dire-tamente, com a maior preciso possvel, o grande fenmeno do desenvolvimento da espcie humana, considerado em todas as suas partes essenciais; isto , a descobrir o encadeamento necessrio de transformaes sucessivas pelo qual o gnero humano, partindo de um estado apenas superior ao das sociedades dos grandes macacos, foi conduzido gradualmente ao ponto em que se encontra hoje na Europa civilizada. O esprito dessa cincia consiste sobretudo em ver, no estudo aprofundado do passado, a verdadeira explicao do presente e a manifestao geral do futuro.

    Considerando sempre os fatos sociais, no como objetos de admirao ou de crtica, mas como objetos de observao, ocupa-se ela unicamente em estabelecer suas relaes mtuas e apreender a influncia que cada um exerce sobre o conjunto de desenvolvimento humano. Em suas relaes com a prtica, afastando das diver-sas instituies qualquer ideia absoluta de bem ou de mal, encara-as como cons-tantemente relativas ao estado determinado da sociedade, e com ele variveis, ao mesmo tempo que as concebe como podendo se estabelecer espontaneamente

    Selecionei aqui alguns trechos de obras dos principais autores que estiveram na origem do surgimento da Sociologia. Comeamos com Augusto Comte tratando de alguns temas gerais dessa cincia.

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    pela nica fora dos antecedentes, independente de qualquer interveno poltica direta. Reduzem-se, pois, suas pesquisas de aplicao a colocarem em evidncia, segundo as leis naturais da civilizao combinadas com a observao imediata, as diversas tendncias prprias de cada poca.

    Esses resultados gerais tornam-se, por sua vez, o ponto de partida positivo dos trabalhos do homem de Estado, que s tem, por assim dizer, como objetivo real, descobrir e instituir as formas prticas correspondentes a esses dados fundamen-tais, a fim de evitar, ou pelo menos mitigar, quanto possvel, as crises mais ou menos graves que um movimento espontneo determina, quando no foi previsto. Numa palavra, nesta, como em qualquer outra ordem de fenmenos, a cincia conduz previdncia, e a previdncia permite regular a ao. (COMTE: sociologia, p. 53-54)

    As regras do mtodo sociolgico

    (DURKHEIM, 1987)

    Pouco se preocuparam at hoje os socilogos em caracterizar e definir o mtodo que aplicam ao estudo dos fatos sociais. assim que, em toda a obra de Spencer, o problema metodolgico no ocupa nenhum lugar; pois a Introduction la Science Sociale, cujo ttulo podia dar essa iluso, est consagrada demonstrao das dificuldades e da possibilidade da sociologia, e no exposio dos processos de que ela se deve servir. verdade que Stuart Mill se ocupou com a questo de maneira assaz longa; mas no procurou seno passar no crivo de sua dialtica o que Comte dissera a respeito dessa cincia, sem nada acrescentar de verdadeiramente pessoal. Um captulo do Cours de Philosophie Positive, eis o nico, ou quase o nico, estudo original e importante que possumos sobre a matria.

    Esta aparente despreocupao nada tem, todavia, que nos surpreenda. Com efeito, os grandes socilogos cujos nomes acabamos de lembrar no saram das ge-neralidades sobre a natureza das sociedades, sobre as relaes entre o reino social e o reino biolgico, sobre a marcha geral do progresso; a prpria sociologia de Spen-cer, to desenvolvida, no tem outro objetivo seno mostrar como a lei da evoluo

    mile Durkheim, socilogo responsvel pela implantao da Sociologia como uma disciplina acadmica no sistema educacional francs, apoiou-se muito sobre as ideias de Comte, dando a elas, contudo, um sentido mais prtico. Temos, a seguir, alguns trechos de seu trabalho As Regras do Mtodo Sociolgico, publicado em Paris, no ano de 1895. Esse livro se constituiu em uma referncia para a Sociologia.

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    universal se aplica s sociedades. Ora, para tratar dessas questes filosficas no so necessrios processos especiais e complexos. Era bastante ento avaliar com-parativamente os mritos da deduo e da induo, fazendo um levantamento su-mrio dos recursos mais gerais de que dispe a investigao sociolgica. Porm, as precaues a tomar com a observao dos fatos, a maneira pela qual os principais problemas devem ser colocados, o sentido em que se deve nortear as pesquisas, as prticas especiais que soem lhes permitir chegar ao fim, as regras que devem presi-dir a administrao das provas permaneciam indeterminadas.

    Que Fato Social?

    Antes de indagar qual o mtodo que convm ao estudo dos fatos sociais, necessrio saber que fatos podem ser assim chamados.

    A questo tanto mais necessria quanto esta qualificao utilizada sem muita preciso. Empregam-na correntemente para designar quase todos os fen-menos que se passam no interior da sociedade, por pouco que apresentem, alm de certa generalidade, algum interesse social. Cada indivduo bebe, dorme, come, raciocina e a sociedade tem todo o interesse em que estas funes se exeram de modo regular. Porm, se todos esses fatos fossem sociais, a Sociologia no teria objeto prprio e seu domnio se confundiria com o da Biologia e da Psicologia.

    Na verdade, porm, h em toda sociedade um grupo determinado de fen-menos com caracteres ntidos, que se distingue daqueles estudados pelas outras cincias da natureza.

    Quando desempenho meus deveres de irmo, de esposo ou de cidado, quando me desincumbo de encargos que contra, pratico deveres que esto defini-dos fora de mim e de meus atos, no direito e nos costumes. [...]

    Estamos, pois, diante de uma ordem de fatos que apresenta caracteres muito es-peciais: consistem em maneiras de agir, de pensar e de sentir exteriores ao indivduo, dotadas de um poder de coero em virtude do qual se lhe impem. Por conseguinte, no poderiam se confundir com os fenmenos orgnicos, pois consistem em repre-sentaes e em aes; nem com os fenmenos psquicos, que no existem seno na conscincia individual e por meio dela. Constituem, pois, uma espcie nova e a eles que deve ser dada e reservada a qualificao de sociais. [...] Nossa definio compre-ender, pois, todo o definido, se dissermos: fato social toda maneira de agir fixa ou no, suscetvel de exercer sobre o indivduo uma coero exterior; ou ainda, que geral na extenso de uma sociedade dada, apresentando uma existncia prpria, independente das manifestaes individuais que possa ter [...].

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    O Manifesto do Partido Comunista

    (MARX; ENGELS, 1983)

    Um espectro ronda a Europa o espectro do comunismo. Todas as potncias da velha Europa unem-se numa Santa Aliana para conjur-lo: o papa e o czar, Met-ternich e Guizot, os radicais da Frana e os policiais da Alemanha.

    Que partido de oposio no foi acusado de comunista por seus adversrios no poder? Que partido de oposio, por sua vez, no lanou a seus adversrios de direita ou de esquerda a pecha de comunista?

    Duas concluses decorrem desses fatos:

    o comunismo j reconhecido como fora por todas as potncias da 1. Europa;

    tempo de os comunistas exporem, face do mundo inteiro, seu modo de 2. ver, seus fins e suas tendncias, opondo um manifesto do prprio partido lenda do espectro do comunismo.

    Com este fim, reuniram-se, em Londres, comunistas de vrias nacionalidades e redigiram o manifesto seguinte, que ser publicado em ingls, francs, alemo, italiano, flamengo e dinamarqus.

    I Burgueses e proletrios 1

    At hoje, a histria de todas as sociedades que existiram at nossos dias [...] tem sido a histria das lutas de classes.

    1 Na edio inglesa de 1888, F. Engels escreve a seguinte nota, reproduzida aqui: Por burguesia compreende-se a classe dos capitalistas modernos, pro-prietrios dos meios de produo social, que empregam o trabalho assalariado. Por proletrios compreende-se a classe dos trabalhadores assalariados modernos que, privados de meios de produo prprios, se veem obrigados a vender sua fora de trabalho para poder existir.

    Afastar todas as pr-noes...

    Karl Marx, pensador que influenciou na construo de vrias reas do conheci-mento humano, desde a Filosofia, passando por Economia, Psicologia, Teoria Literria, Crtica de Arte, Cincia Poltica e, tambm, a Sociologia, o autor que exporemos a seguir, com algumas passagens de um dos seus textos mais conhecidos, O Manifesto do Partido Comunista. Ele foi escrito por Marx e Engels entre dezembro de 1847 e janei-ro de 1848 e publicado pela primeira vez em Londres, em fevereiro de 1848, como uma espcie de panfleto ou manifesto, para os operrios, com uma sntese das propostas dos comunistas da poca.

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    Homem livre e escravo, patrcio e plebeu, baro e servo, mestre de corporao e companheiro, numa palavra, opressores e oprimidos, em constante oposio, tm vivido uma guerra ininterrupta, ora franca, ora disfarada; uma guerra que terminou sempre ou por uma transformao revolucionria da sociedade inteira, ou pela des-truio das suas classes em luta.

    Nas primeiras pocas histricas, verificamos, quase por toda parte, uma com-pleta diviso da sociedade em classes distintas, uma escala graduada de condies sociais. Na Roma antiga encontramos patrcios, cavaleiros, plebeus, escravos; na Idade Mdia, senhores, vassalos, mestres, companheiros, servos; e, em cada uma dessas classes, gradaes especiais.

    A sociedade burguesa moderna, que brotou das runas da sociedade feudal, no aboliu os antagonismos de classes. No fez seno substituir novas classes, novas condies de opresso, novas formas de luta s que existiram no passado.

    Entretanto, a nossa poca, a poca da burguesia, caracteriza-se por ter simpli-ficado os antagonismos de classes. A sociedade divide-se cada vez mais em dois vastos campos opostos, em duas grandes classes diametralmente opostas: a bur-guesia e o proletariado.

    Dos servos da Idade Mdia nasceram os burgueses livres das primeiras cidades; dessa populao municipal, saram os primeiros elementos da burguesia.

    A descoberta da Amrica, a circunavegao da frica ofereceram burguesia em ascenso um novo campo de ao. Os mercados da ndia e da China, a coloniza-o da Amrica, o comrcio colonial, o incremento dos meios de troca e, em geral, das mercadorias imprimiram um impulso, desconhecido at ento, ao comrcio, indstria, navegao, e, por conseguinte, desenvolveram rapidamente o elemento revolucionrio da sociedade feudal em decomposio.

    A antiga organizao feudal da indstria, em que esta era circunscrita s corpora-es fechadas, j no podia satisfazer s necessidades que cresciam com a abertura de novos mercados. A manufatura a substituiu. A pequena burguesia industrial suplantou os mestres das corporaes; a diviso do trabalho entre as diferentes corporaes desa-pareceu diante da diviso do trabalho dentro da prpria oficina.

    Todavia, os mercados ampliavam-se cada vez mais; a procura de mercadorias au-mentava sempre. A prpria manufatura tornou-se insuficiente; e ento o vapor e a ma-quinaria revolucionaram a produo industrial. A grande indstria moderna suplantou a manufatura; a mdia burguesia manufatureira cedeu lugar aos milionrios da indstria, aos chefes de verdadeiros exrcitos industriais, aos burgueses modernos. [...]

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    As armas que a burguesia utilizou para abater o feudalismo voltam-se hoje contra a burguesia.

    A burguesia, porm, no forjou somente as armas que lhe daro morte; pro-duziu tambm os homens que manejaro essas armas os operrios modernos, os proletrios.

    Com o desenvolvimento da burguesia, isto , do capital, desenvolve-se tambm o proletariado, a classe dos operrios modernos que s podem viver se encontrarem trabalho, e que s encontram trabalho na medida em que este aumenta o capital. Esses operrios, constrangidos a vender-se diariamente, so mercadoria, artigo de comrcio como qualquer outro; em consequncia, esto sujeitos a todas as vicissi-tudes da concorrncia, a todas as flutuaes do mercado.

    O crescente emprego de mquinas e a diviso do trabalho, despojando o tra-balho do operrio de seu carter autnomo, tiraram-lhe todo atrativo. O produtor passa a um simples apndice da mquina e s se requer dele a operao mais sim-ples, mais montona, mais fcil de aprender. Desse modo o custo do operrio se reduz, quase exclusivamente aos meios de manuteno que lhe so necessrios para viver e perpetuar sua existncia. Ora, o preo do trabalho, [...] como de toda mercadoria, igual ao custo de sua produo. Portanto, medida que aumenta o carter enfadonho do trabalho, decrescem os salrios. Mais ainda, a quantidade de trabalho cresce com o desenvolvimento do maquinismo e da diviso do trabalho, quer pelo prolongamento das horas de labor, quer pelo aumento do trabalho exigido em um tempo determina-do, pela acelerao do movimento das mquinas etc.

    A indstria moderna transformou a pequena oficina do antigo mestre da cor-porao patriarcal na grande fbrica do industrial capitalista. Massas de operrios, amontoados na fbrica, so organizados militarmente. Como soldados da indstria, esto sob a vigilncia de uma hierarquia completa de oficiais e suboficiais. No so somente escravos da classe burguesa, do Estado burgus, mas tambm diariamen-te, a cada hora, escravos da mquina, do contramestre e, sobretudo, do dono da fbrica. E esse despotismo tanto mais mesquinho, odioso e exasperador quanto maior a franqueza com que proclama ter no lucro seu objetivo exclusivo.

    Quanto menos o trabalho exige habilidade e fora, isto , quanto mais a inds-tria moderna progride, tanto mais o trabalho dos homens suplantado pelo das mulheres e crianas. As diferenas de idade e de sexo no tm mais importncia social para a classe operria. No h seno instrumentos de trabalho, cujo preo varia segundo a idade e o sexo.

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    A objetividade do conhecimento nas Cincias Sociais

    (WEBER, 1989)

    Na medida em que a nossa cincia, pela regresso causal, atribui causas individu-ais de carter econmico ou no a fenmenos culturais econmicos, ela busca um conhecimento histrico. Na medida em que persegue um elemento especfico dos fenmenos culturais neste caso o elemento econmico atravs dos mais variados complexos culturais, no intuito de discernir o seu significado cultural, ele busca uma interpretao histrica sob um ponto de vista especfico. Oferece assim uma imagem parcial, um trabalho preliminar, para o conhecimento histrico da cultura. [...]

    O domnio do trabalho cientfico no tem por base as conexes objetivas entre as coisas, mas as conexes conceituais entre os problemas. S quando se estuda um novo problema com auxlio de um mtodo novo e se descobrem verdades que abrem novas e importantes perspectivas que nasce uma nova cincia. [...]

    Atualmente, a chamada concepo materialista da Histria, segundo, por exemplo, o antigo sentido genial-primitivo do Manifesto Comunista, talvez apenas subsista nas mentes de leigos ou diletantes. Entre estes, com efeito, encontra-se ainda muito difundido o singular fenmeno de que a sua necessidade de explicao causal de um fenmeno histrico no fica satisfeita, enquanto no se demonstre (mesmo que s na aparncia) a interveno de causas econmicas. [...]

    A objetividade do conhecimento no campo das cincias sociais depende antes do fato de o empiricamente dado estar constantemente orientado por ideias de valor que so as nicas a conferir-lhe valor de conhecimento, e ainda que a sig-nificao desta objetividade apenas se compreenda a partir de tais ideias de valor, no se trata de converter isso em pedestal de uma prova empiricamente impossvel da sua validade. E a crena que todos ns alimentamos sob uma forma ou outra na validade supraemprica de ideias de valor ltimas e supremas, em que funda-mentamos o sentido da nossa existncia, no exclui, antes pelo contrrio inclui, a variabilidade incessante dos pontos de vista concretos a partir dos quais a realidade

    Por ltimo, mas no menos importante, temos trechos de um trabalho de Max Weber intitulado A objetividade do conhecimento nas Cincias Sociais, que, pelo fato de ser posterior aos trabalhos aqui apresentados de Durkheim e Marx, estabelece um dilogo com esses autores do ponto de vista metodolgico. Por outro lado, esse traba-lho tambm til para percebermos como Weber trata de maneira particular o tema da metodologia nas Cincias Sociais e, dentro delas, da Sociologia.

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    emprica adquire significado. A realidade irracional da vida e o seu contedo de sig-nificaes possveis so inesgotveis, e tambm a configurao concreta das relaes valorativas mantm-se flutuante, submetida s variaes do obscuro futuro da cul-tura humana. A luz propagada por essas ideias de valor supremas ilumina, de cada vez, uma parte finita e continuamente modificada do catico curso de eventos que flui atravs do tempo.

    preciso no darmos a tudo isso uma falsa interpretao no sentido de consi-derarmos que a autntica tarefa das Cincias Sociais consiste numa perptua caa a novos pontos de vista e construes conceituais. Pelo contrrio, convm insistir mais do que nunca sobre o seguinte: servir o conhecimento da significao cultural de complexos histricos e concretos constitui o nico fim ltimo e exclusivo ao qual, juntamente com outros meios, est tambm dedicado o trabalho da construo e crtica de conceitos.

    ATIVIDADES

    Por que a Sociologia surge no sculo XIX?1.

    As origens da Sociologia: os pais fundadores

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    Por que o teocentrismo foi uma barreira para o desenvolvimento das cincias?2.

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    Quais so os principais elementos constitutivos da teoria marxista?3.

    As origens da Sociologia: os pais fundadores

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    As grandes cidades industriais inglesas do sculo XIX e a crtica de Friedrich Engels

    Nesta aula trabalharemos com um autor significativo das cincias humanas, cha-mado Friedrich Engels, ou simplesmente, Engels. Ele foi parceiro de Karl Marx, este sim, muito mais conhecido e lido do que o primeiro. Para equilibrarmos um pouco as coisas, vamos trabalhar com o livro de Engels A Situao da Classe Trabalhadora na Inglaterra (1985), mais especificamente com o captulo As grandes cidades.

    Esse trabalho, no seu conjunto, lanou as bases para a elaborao de vrias ideias que Marx e Engels desenvolvero posteriormente. Serviu, tambm, para aproximar esses militantes que identificaram um conjunto de semelhanas na sua maneira de pensar a realidade na qual viviam e se esforavam para transformar.

    Como o prprio ttulo do livro diz, o texto discute a situao da classe trabalhado-ra inglesa na primeira metade do sculo XIX. O autor tratou das condies de trabalho dos operrios, dos salrios, das diferentes divises da classe, por exemplo, trabalhado-res agrcolas, das minas, das fbricas, dentre outros. Alm disso, inaugurou um conjun-to de pesadas crticas ao capitalismo, denunciando a maneira como a burguesia orga-nizava a explorao da classe operria, orquestrando diferentes artifcios para extrair o mximo do trabalho e dos ganhos dos trabalhadores. Neste ltimo caso, cobrando aluguis de espaos que no poderiam ser chamados de moradia. , justamente, no captulo tomado para esta aula que o autor trabalha com as grandes cidades industriais inglesas. Encontravam-se, ali, os elementos constituintes da formao das cidades e de suas principais caractersticas porque o capitalismo lanava suas bases e se consolidava naquele perodo e era por esse motivo que ficava mais visvel o conjunto de parmetros que do os contornos para as cidades, inclusive nesses dias do sculo XXI.

    Poderamos pensar que se trata de saudosismo estudarmos um texto dos anos quarenta, do sculo XIX. Contudo, a atualidade desse trabalho se mostrar sem esforo medida que formos apresentando e discutindo as ideias de Engels.

    Sociologia Urbana

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    O contexto da poca importante que nos situemos em relao ao perodo analisado por Engels. Fare-

    mos um recuo de um pouco mais de 160 anos para chegarmos Inglaterra do sculo XIX. E, l chegando, encontramos um mundo que ao mesmo tempo conhecido e dis-tante. O que o torna conhecido nossa memria que se constitui a partir de leituras, fotos, pinturas, e outras formas de construo de uma representao do capitalismo do sculo XIX.

    No caso ingls, local de origem dessa forma de organizao social, as grandes ci-dades j vinham sofrendo um adensamento populacional relativamente intenso desde o sculo XVIII. A Revoluo Industrial ainda produzia efeitos como um remdio que vai produzindo alteraes em nosso corpo, mesmo depois de passado muito tempo de sua ingesto. Cidades como Manchester e Londres vo conhecer e expressar a maneira ca-pitalista de construo das cidades. Centenas de milhares de pessoas saram do campo rumo aos centros urbanos para trabalhar nas fbricas. Essa migrao deu-se, em certa medida, espontaneamente, porque as cidades sempre exerceram um fascnio sobre a imaginao das pessoas, atraindo-as como as mariposas so atradas pela luz das lm-padas. Por outro lado, na Inglaterra, houve um conjunto de presses, leis e aes do go-verno que expulsaram do campo uma multido de agricultores. Isso aconteceu porque a base da industrializao inglesa era constituda pelas fbricas de tecidos, que precisam da l para produzir a famosa casimira britnica. Houve, assim, uma ao levada adiante pelo governo e pelos industriais da poca no sentido de expulsar os camponeses de suas terras, cerc-las e criar ovelhas porque era o que dava lucro naquele momento.

    Para ns interessa perceber que os indivduos que foram expulsos de suas terras no tinham nada a fazer, alm de procurar um lugar para trabalhar nas cidades, nas fbricas txteis, como mo-de-obra barata, uma vez que havia excesso de operrios. Esse movimento desordenado marcou o perfil dos espaos urbanos. Como exemplo, encontramos em um primeiro momento dessa urbanizao os trabalhadores habi-tando bairros prximos das fbricas, que ficavam no chamado centro da cidade. Os donos das fbricas habitavam a periferia, lugares mais calmos, arborizados, limpos etc. Depois, essa realidade se alterou com o deslocamento dos bairros operrios para a borda das cidades, junto com as fbricas, na maioria das vezes. Em funo disso, temos a modelagem do espao urbano com profundas alteraes. Em um determinado pe-rodo o centro das cidades foi valorizado, em outros foi a periferia. At hoje, vemos movimentos semelhantes aos descritos acima.

    Vamos continuar nossa viagem atravs da memria e associ-la aquilo que vemos ao nosso redor. O que essencial em uma cidade, pelo menos do ponto de vista ma-terial? O que compe, portanto, uma cidade digna desse nome? Vamos buscar as res-postas para esta pergunta.So

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    As alteraes do espao, os deslocamentos, a cultura Um dos primeiros aspectos que devem ser marcados quando pensamos em um

    espao urbano a existncia de construes, espaos de moradia, de poder, de socia-bilidade. Como habitual dizer, a cidade um espao que o homem interferiu, alterou, modelou. Essa alterao produzida por ns atinge diferentes dimenses. Uma delas, alm das construes, relativa aos meios de transporte, ou seja, toda cidade precisa ter meios para que seus habitantes se desloquem de um lugar para outro. Desde os deslocamentos a p at aqueles feitos por carroas, carros, nibus, a cidade tem que prover os caminhos para os deslocamentos, atravs de ruas e caladas, por exemplo. Ainda encontramos em muitas cidades, em pleno sculo XXI, a carroa utilizada como meio de transporte. No sculo XIX, os diferentes tipos de carros puxados por animais predominavam nas cidades para transportar pessoas e cargas. nesse quadro que Engels traa suas anlises.

    Outro aspecto importante na conformao das cidades o comrcio que anima os espaos urbanos. Quando pensamos em lojas que nos oferecem para a compra uma infinidade de produtos, estamos diante de uma herana daquele perodo. Precisando um pouco mais essa ideia, podemos dizer que se o comrcio surge muitos sculos antes do XIX, nele que se intensifica de uma forma nunca antes vista. Nessas reas ur-banas temos uma agitao mais intensa do que naquelas destinadas moradia. Alm disso, como as cidades no produzem alimentos, os espaos comerciais que as abaste-cem so locais muito importantes. Basta lembrarmos as feiras livres, os mercados e os armazns para visualizarmos um pedao daquele sculo.

    A maneira como a cidade construda influencia tambm as relaes sociais entre os seus habitantes e a cultura que se desenvolve no meio urbano. Uma cidade com muitos parques e praas pode incentivar as atividades fsicas e de lazer das pessoas. A existncia de muitas casas de espetculos, e de restaurantes, provavelmente vai inten-sificar a sua vida noturna. Por outro lado, as universidades, os centros de pesquisa, as escolas intermedirias podem se constituir em atrativo como tambm transformar a cidade em produtora de conhecimento. Enfim, certas caractersticas das cidades, que sobrevivem passagem do tempo, vo nos dizer muito sobre como viver nesses es-paos urbanos medida que alteram o comportamento e as expectativas dos mora-dores da cidade.

    Um pouco da biografia do autorAntes de passarmos para o texto, vamos apresentar melhor este autor. Friedrich Engels

    nasceu em 28 de novembro de 1820 em Barmen, atualmente a cidade de Wuppertal, na

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    Alemanha. Filho de um rico industrial do ramo txtil foi enviado pelo pai para o centro do capitalismo naquela poca, Manchester, para trabalhar com um scio do Sr. Engels. Ele pretendia transformar o filho em seu sucessor no comando das empresas, como de se esperar de um pai. Alm disso, o jovem Engels j manifestava algumas ideias crticas em relao ao capitalismo nascente. Com o passar do tempo, o pai de Engels percebeu que seus esforos para transformar o filho em capitalista no deram certo. Com apenas 22 anos o herdeiro da famlia Engels viajou para o centro do capitalismo daquela poca, a Inglaterra, visitando suas principais cidades. E, ao invs de aprender a administrar empresas ele constata como o capitalismo se desenvolvia e alterava a maneira dos indivduos se relacionarem. Em relao s cidades, o candidato a revolu-cionrio observa que elas se transformavam em algo maravilhoso e assustador.

    Foi nesse momento que Engels trava contato com Karl Marx, um dos principais, seno o principal, crtico do capitalismo. Esses dois militantes do socialismo, a partir desse momento vo estreitar seus laos polticos e de amizade, construindo uma obra significativa de crtica ao capitalismo. De fato, o pai de Engels no esperava por esses resultados quando envia o filho para a Inglaterra.

    Sobre o texto de Engels Por uma srie de motivos o livro de Engels A Situao da Classe Trabalhadora na

    Inglaterra constitui-se em obra fundamental. Escrito por um autor com uma capacida-de de sntese muito apurada, ele traa o primeiro contorno da classe trabalhadora no capitalismo ingls do sculo XIX. Resultado da viagem do autor para a Inglaterra em 1842, o livro publicado em 1845, na cidade de Leipzig, inaugurando a crtica do capi-talismo na vertente marxista.

    A forma de escrever adotada por esse autor transforma o texto em algo fluente de ser lido, embora o tema central, a misria humana, esteja distante de ser considerado agradvel. O contedo do trabalho apresenta inovaes que tambm merecem nossa ateno. Quais so elas? Refiro-me ao amplo uso na construo daquele livro de fontes estatsticas, entrevistas, depoimentos em inquritos policiais etc. que mostram o cami-nho dos futuros trabalhos no campo das cincias sociais. Alm disso, ele visita os locais sob anlise, o que permite um relato mais intenso e cheio de vida. Engels nos mostra de forma ricamente alimentada pelos dados como vivia a classe trabalhadora inglesa, como morava, quais os mecanismos de explorao, ou seja, ele consegue articular a frieza dos dados estatsticos com o dia-a-dia das pessoas.

    Para ns pode parecer banal ou bvio que fundamentemos as informaes cien-tficas em provas que so oferecidas ao pesquisador atravs dos dados contidos, por

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    exemplo, em um censo demogrfico. Nunca demais lembrar, contudo, que na poca da edio daquele trabalho isso era pouco usual, para dizer o mnimo. Vale frisar, ainda, que a Inglaterra possua essas informaes estatsticas organizadas e disponveis, o que facilitava o trabalho do pesquisador.

    As grandes cidades Este foi o ttulo que o autor deu para a parte de seu trabalho que analisa as gran-

    des cidades inglesas. Focarei a ateno para este captulo do livro que , naquilo que nos diz respeito, sua parte essencial. O incio do texto de Engels j se mostra uma pre-ciosidade. O autor nos transporta para a Londres de meados do sculo XIX. Chega a ser emocionante.

    Uma cidade como Londres, onde podemos andar horas sem sequer chegar ao princpio do fim, sem descobrir o menor indcio que assinale a proximidade do campo, realmente um caso singular.Esta enorme centralizao, este amontoado de 3,5 milhes de seres humanos num nico lugar, centuplicou o poder destes 3,5 milhes de homens. Ela elevou Londres condio de capital comercial do mundo, criou docas gigantescas e reuniu milhares de navios, que cobre continuamente o Tmisa. (ENGELS, 1985, p. 35)

    Essa metrpole de mais de trs milhes de indivduos no uma descrio do sculo passado, mas de quase dois sculos atrs. curioso notar como Engels identifica nessa concentrao de pessoas uma concentrao de poder. O fato de aqueles indi-vduos viverem simultaneamente naquele lugar mobiliza um conjunto de foras que multiplica o poder da cidade diante das outras aglomeraes humanas.

    No conheo nada mais imponente que o espetculo oferecido pelo Tmisa, quando subimos o rio desde o mar at a ponte de Londres. A massa de casas, os estaleiros navais de cada lado, sobretudo acima de Woolwich, os numerosos navios dispostos ao longo das duas margens, apertando-se cada vez mais uns contra os outros, a ponto de, por fim, deixarem somente um estreito canal no meio do rio, sobre o qual se cruzam, a toda a velocidade, uma centena de barcos a vapor tudo isto to grandioso, to enorme, que nos sentimos atordoados e ficamos estupefatos com a grandeza da Inglaterra antes mesmo de pr os ps em terra. Quanto aos sacrifcios que tudo isto custou, s os descobrimos mais tarde. (ENGELS, 1985)

    Depois de colocar os ps em terra, nosso autor descobre o preo de todo esse poder e essa riqueza materializada na maior cidade europeia daquele sculo. Inicial-mente, Engels percebe as transformaes ocorridas com os indivduos que circulam pelas ruas.

    Depois de pisarmos, durante alguns dias, as pedras das ruas principais, de a custo termos aberto passagem atravs da multido, das filas sem fim de carros e carroas, depois de termos visitado os bairros de m reputao desta metrpole, s ento comeamos a notar que estes londrinos tiveram que sacrificar a melhor parte da sua condio de homens para realizar todos estes milagres da civilizao de que a cidade fecunda, que mil foras que neles dormiam ficaram inativas e foram

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    neutralizadas para que s algumas pudessem se desenvolver mais e fossem multiplicadas pela unio com outras. At a prpria multido das ruas tem, por si s, qualquer de repugnante, que revolta a natureza humana. Estas centenas de milhar de pessoas, de todos dos estados e todas as classes, que se apressam e se empurram, no sero todas seres humanos possuindo as mesmas qualidades e capacidades e o mesmo interesse na procura da felicidade? E no devero, enfim, procurar a felicidade com os mesmos mtodos e processos? E, contudo, estas pessoas cruzam-se apressadas como se nada tivessem em comum, nada a realizar juntas, e a nica conveno que existe entre elas o acordo tcito pelo qual cada um ocupa a sua direita no passeio, a fim de que as duas correntes da multido que se cruzam no se constituam mutuamente obstculo; e, contudo, no vem ao esprito de ningum a ideia de conceder a outro um olhar sequer. (ENGELS, 1985, p. 35-36)

    O processo de desumanizao referido pelo autor identificado de maneira ine-quvoca quando ele lana mo de uma notcia do Times, de 17 de novembro de 1843, para informar sobre as condies de vida de alguns operrios.

    Por ocasio de uma inspeo morturia realizada pelo Sr. Carter, coroner do Surrey, no corpo de Ann Galway, de 45 anos de idade, em 14 de novembro de 1843, os jornais descreveram a casa da defunta nestes termos: habitava no n. 3, White Lion Court, Bermondsey Street, Londres, com o marido e o filho de 19 anos, em um pequeno quarto onde no havia nem cama, nem lenis, nem o menor mvel. Jazia morta ao lado do filho sobre um monte de penas, espalhadas sobre o corpo quase nu, porque no havia nem cobertores nem lenis. As penas estavam de tal maneira coladas ao seu corpo que o mdico nem pde observar o cadver antes deste ter sido limpo; encontrou-o ento totalmente descarnado e rodo pelos vermes. Parte do soalho da sala estava escavado e esse buraco servia de sanitrio famlia. (ENGELS, 1985, p. 41)

    Este relato, que foi publicado pelo jornal ingls, ilustra de maneira inequvoca a si-tuao de pobreza absoluta da maioria dos operrios da poca. H outra narrativa que podemos agregar a esta para formarmos uma imagem mais precisa e vem de outro tipo de fonte. Trata-se do relato de um pregador religioso em uma regio de Londres domina-da por bairros operrios. O nome da parquia do Sr. M. G. Alston Bethnal Green.

    Ela possui 1 400 casas habitadas por 2 795 famlias, ou seja, cerca de 12 000 pessoas. O espao em que habita esta populao no chega a 400 jardas quadradas, e num tal amontoado no raro encontrar um homem, a sua mulher, quatro ou cinco filhos e tambm por vezes o av e a av num s quarto de 10 ou 12 ps quadrados1 minha [sic], onde trabalham, comem e dormem. Creio que antes do bispo de Londres ter chamado a ateno do pblico para esta parquia to miservel ela era to pouco conhecida na extremidade oeste da cidade como os selvagens da Austrlia ou das ilhas do Pacfico. E, se quisermos conhecer pessoalmente os sofrimentos destes infelizes, se os observarmos a comer a sua magra refeio e os virmos curvados pela doena e pelo desemprego, descobrimos uma tal soma de angstia e de misria que uma nao como a nossa deveria envergonhar-se de sua existncia. Fui pastor perto de Huddersfield durante trs anos de crise, no pior momento de marasmo das fbricas, mas nunca vi os pobres numa misria to profunda como depois, em Bethnal Green. No h um nico pai de famlia em cada 10, em toda a vizinhana, que tenha outras roupas alm de sua roupa de trabalho, e esta rota e esfarrapada; muitos s tm, noite, como cobertas, estes farrapos e, por cama, um saco cheio de palha e serragem. (ENGELS, 1985, p. 41)

    Diante desse quadro resta muito pouco a dizer do ponto de vista humanitrio. Farei, contudo, um esforo para descrever como se construiu essa realidade perversa e alguns de seus aspectos mais visveis. Seguirei os passos Friedrich Engels para analisar os eventos aqui narrados.

    1 Cerca de 3 a 3,5 metros quadrados.Soci

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    Comentrios sobre o textoAos nossos olhos do sculo XXI pode parecer um tanto carregado nas tintas o

    cenrio pintado pelo texto. Torna-se importante destacar que este quadro de misria no resultado de nenhum tipo de fico ou de efeitos especiais para usar uma lin-guagem atual. Trata-se de uma descrio das mais fidedignas da realidade, aquilo que acabamos de ler. Mas, como possvel construir tal situao?

    Inicio estes comentrios destacando o processo de pauperizao da classe oper-ria atravs do desemprego cclico. Como funciona esse processo? Vislumbremos a cena na qual um nmero significativo de operrios mantm suas contas em dia consumindo seu salrio com isto. No sculo XIX eram comuns as crises do capitalismo por exces-so de produo e queda de consumo. Produzia-se muito e vendia-se pouco, tendo como resultado a crise e o fechamento das fbricas. Isso produzia o desemprego e o endividamento dos trabalhadores que permaneciam desempregados por meses a fio. Comprava-se comida e mais nada. Quando o crdito acabava aqueles trabalhadores iniciavam seu percurso em direo misria absoluta. Vendiam as roupas e usavam os mveis como lenha. Aglomeravam-se em pequenos cubculos para gastarem menos com aluguel. Finalmente, chegavam s situaes descritas anteriormente. Os mais fortes sobreviviam at o final da crise, recuperando empregos e retomando uma vida normal de operrios. Os mais frgeis morriam de fome e de doenas, com uma ali-mentando a outra.

    As situaes descritas constituam a fase aguda da explorao dos trabalhadores. No cotidiano, uma srie de mecanismos impedia a estabilizao econmica da maioria da classe operria. O salrio era constantemente rebaixado ou mantido em nveis baixos em funo da fragilidade na qual se encontravam os sindicatos dos trabalha-dores e da concorrncia entre os prprios operrios. Como havia uma grande oferta de mo-de-obra o valor dos salrios restringia-se ao suficiente para a sobrevivncia do indivduo. A ideia de poupana para dias difceis era de fato impossvel.

    Outra forma de entender como os trabalhadores tinham condies to ruins de habitao perceber, junto com Engels, que em funo das leis britnicas da poca, o contrato de locao feito por 20, 30, 40, 50 ou 90 anos, aps o que este retorna, com tudo o que a se encontra, posse do seu primeiro proprietrio, sem que este tenha de pagar, seja o que for, como indenizao pelas instalaes que a foram feitas. O locat-rio do terreno calcula o preo dessas instalaes de forma a que tenham o menor valor possvel quando o contrato expirar (ENGELS, 1985, p. 70-71). Some-se a isso que nos momentos de crise o operrio retira o que pode dela, deixando o esqueleto apenas. Assim, quando as casas de operrios so construdas s dezenas o clculo do constru-tor prioriza o menor custo da obra, sinnimo de pssima qualidade. As casas vo se deteriorando sem receber nenhum tipo de manuteno e ao fim restam espaos que

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    no podem ser chamados de habitaes. Contudo, como diz Engels, sempre existe algum disposto a pagar alguma coisa de aluguel por quatro paredes sem portas e janelas porque no tem dinheiro para pagar algo melhor.

    Em relao ao transporte dos trabalhadores o dinheiro do salrio no se mostrava suficiente para pag-lo. A sada, portanto, morar prximo o suficiente do trabalho para dirigir-se a este caminhando. Como consequncia dessa estratgia de sobrevivncia as vilas operrias acabaram por surgir ao redor das fbricas, sem qualquer planejamento, condies de higiene ou de salubridade. Some-se este aspecto aos demais aqui anota-dos e podemos vislumbrar como as condies de vida de boa parte da classe operria nos momentos de crise eram, na maioria das vezes, sub-humanas.

    Nada escapava ao esforo das classes proprietrias de ganhar dinheiro, segundo nos informa Engels. O pagamento dos salrios dos operrios era feito semanalmente nos sbados tarde. Este detalhe aparentemente trivial carregava um objetivo dis-simulado de permitir que as classes mdias fizessem suas compras nos mercados e feiras no perodo da manh, consumindo o que havia de melhor. Ao final da tarde apenas os restos serviam a classe operria que pagava o mesmo preo pelos produ-tos comprados.

    No interior desse quadro a imagem pintada por Engels sobre as grandes cidades in-glesas no das mais alegres. Contudo, uma vez que esse autor apoia seu texto sobre as informaes produzidas pelos prprios ingleses no podemos imputar a ele a responsa-bilidade pelos tons carregados do livro. Muito pelo contrrio, esse autor contribuiu com seus escritos para alertar outros lugares da Europa sobre o conjunto de problemas que advinha do processo de crescimento exagerado das cidades no sculo XIX.

    Reforando algumas ideiasNo devemos nos despedir desse texto de Friedrich Engels sem destacar alguns

    aspectos que se constituem em elementos centrais no interior desse trabalho. O fato de ser um dos primeiros trabalhos escritos no sculo XIX sobre as cidades j se cons-titui em fator de destaque. Mas, para alm desse aspecto, o texto muito bem elabo-rado por um jovem de vinte e poucos anos funda a corrente analtica marxista no interior da sociologia urbana, ou seja, o jovem Engels cria as bases de anlise sobre a cidade que marcam a teoria marxista daquela poca at nossos dias. Embora as profecias de Engels sobre as revoltas que deveriam surgir em funo dessa misria generalizada pela classe operria no tenham ocorrido, muito menos a instalao do socialismo, o que garante a longevidade dessa obra o fato do autor inaugurar uma metodologia para se estudar um determinado tema. Engels, portanto, define

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    um tipo de modelo para a anlise sociolgica em geral e a sociologia urbana em par-ticular. Tanto do ponto de vista terico quanto metodolgico, as contribuies desse autor foram muito significativas.

    A utilizao de dados estatsticos, diferentes fontes de pesquisa como jornais, revistas, plantas e mapas, alm de realizar visitas in loco, do tamanha densidade para os fatos ali narrados que, mesmo depois de passados tantos anos, se fecharmos nossos olhos depois de lermos o trabalho, as imagens daquelas grandes cidades com seus bairros de m reputao os bairros operrios quase que se materializam ao nosso redor.

    TEXTO COMPLEMENTAR

    A contribuio dos textos juvenis de Engels crtica da economia poltica

    (CASTELO BRANCO, 2008)

    Introduo

    Na histria do marxismo existem inmeras discusses sobre este ou aquele tema. O papel da obra de Engels um dos ns centrais dos debates socialistas, e no podemos deixar de registrar algumas palavras a este respeito, dado que estamos celebrando, no ano presente, uma data especial os 110 anos da morte do grande epgono do marxismo.

    Certa vez Engels escreveu sobre o seu papel na formulao das teses do so-cialismo cientfico. Enquanto Marx foi vivo, colocou-se como um segundo violino, com o velho Mouro ocupando a regncia da orquestra. Aps a morte do regente, dizia que seu nome estava sendo superestimado pelos companheiros socialistas. Pura modstia.

    Engels foi um pensador original, e no apenas um amigo e colaborador de Marx. Ele teve, at 1844, um desenvolvimento intelectual e poltico autnomo e chegou ao comunismo, ao materialismo e crtica da economia poltica antes de Marx, fato negligenciado pela maioria dos marxistas. Frequentemente, a sua obra aparece co-locada como mero adendo portentosa arquitetura marxiana; frequentemente, se

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    deixa na sombra a sua influncia sobre Marx; frequentemente se menospreza a sua contribuio pessoal ao que hoje conhecemos como teoria marxista2.

    A presente comunicao tem como objeto central, as duas principais obras es-critas na juventude de Engels, Esboo de uma Crtica da Economia Poltica (1844) e A Situao da Classe Trabalhadora na Inglaterra (1845), e, como objetivo principal, a demonstrao da importncia que tais textos exerceram na crtica da economia poltica dos quatro livros de O Capital.

    I. O genial esboo

    Preocupado com as preferncias do seu filho pelas artes e, pior, pela agitao po-ltica, o que poderia desvi-lo dos negcios familiares, o velho Friedrich obrigou Engels a abandonar os estudos do liceu para aprender, na forma de estgio, as artimanhas do comrcio. Para isto, enviou-o, primeiro, ao porto alemo de Bremen, depois para Manchester, o epicentro da Revoluo Industrial. Como ironia da histria, o feitio virou contra o feiticeiro. Por fora da deciso paterna, Engels acabou nos braos do operariado, e, consequentemente, do comunismo.

    Da literatura, passando pela filosofia, Engels, rapidamente, migrou do terreno da erudio e da metafsica para o real, o mundano e o profano. O desenvolvimento eco-nmico avanado e a primazia poltica internacional tornaram o Imprio Britnico um ponto de observao privilegiado ao estudioso interessado em entender os impactos sociais da Revoluo Industrial. A Inglaterra, assim, foi o laboratrio de Engels nos seus estudos da classe trabalhadora no surgimento da grande indstria.

    [...]

    Preocupado com as profundas alteraes sociais que ocorriam a sua volta, Engels percebeu a necessidade de estudar a economia para entend-las, e, se poss-vel, alter-las a partir de uma interveno direta, ou seja, a partir da luta de classes.

    [...]

    II. A situao da classe trabalhadora

    No pargrafo final do Esboo, Engels deixa em aberto um tema de suma impor-tncia para o entendimento das relaes sociais do modo de produo capitalista: o sistema fabril. Consciente desta lacuna, o autor alemo vai, no ano seguinte, reunir suas

    2 Jos Paulo Netto, F. Engels: subsdios para uma aproximao, p. 27, grifos originais. In: Friedrich Engels: poltica. Jos Paulo Netto (org.). So Paulo: tica, 1981.

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    anotaes sobre industrializao e misria tomadas durante sua permanncia em Man-chester, e dar uma redao final ao extenso material, para public-lo na forma de livro.

    Desde sua chegada na Inglaterra, em 1842, Engels escrevia trabalhos a res-peito da situao de misria e opresso vivida pela populao rural arrancada das suas razes, e agora jogada nas periferias ftidas e insalubres das grandes cidades industriais. A situao da classe trabalhadora na Inglaterra, de 1845, uma espcie de sntese final dos seus estudos juvenis sobre os impactos sociais do capitalistamo sobre a classe trabalhadora.

    Nessa obra, Engels utiliza-se do conhecimento terico adquirido com as pes-quisas realizadas para o Esboo, e aplica-o a uma anlise concreta de situao con-creta. Temas como riqueza, pauperismo, crises e desemprego, descritos no artigo de 1844, so retomados sob um novo enfoque, sob cores e tons mais realistas, descre-vendo, com detalhes, o funcionamento real da economia capitalista. Do concreto ao abstrato, do abstrato ao concreto pensado: este foi o percurso terico, com base na dialtica hegeliana, navegado por Engels nos seus estudos da economia poltica. O porto final era o conhecimento da realidade de como vivem os trabalhadores para auxili-los na tarefa poltica de superao da ordem capitalista estamos, obvia-mente, falando da revoluo socialista.

    A situao da classe operria inglesa em meados do sculo XIX relatada num linguajar moralista, mas isto no diminui o impacto da sua obra; em determinadas passagens, instiga, fustiga, choca o leitor com a descrio detalhada das condies de vida dos trabalhadores. Homens e mulheres, crianas e idosos dormiam amonto-ados num mesmo cmodo, alguns vestidos com farrapos, outros inteiramente nus; corpos espalhados pelo cho coberto de palhas e pedaos de pano o espao era mnimo para tantas pessoas. As casas no possuam moblias, vendidas na poca de rece