sociedades do antigo oriente proximo

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1 Apartir de fins dos anos 50, uma polêmica internacional se travou em torno do conceito de modo de produção asiático. Não somente procurou-se renovar a visão de determinadas sociedades - muitas delas não-asiáticas -, como também criticou-se a noção de que, em princípio, todas as sociedades devessem atravessar as mesmas etapas em seu desenvolvimento histórico. Este livro aborda essa polêmica, tomando-a como pano de fundo para a análise das sociedades do antigo Oriente Próximo, através de dois exemplos: Egito e Baixa Mesopotâmia. Ciro Flamarion S. Cardoso é professor da Universidade Federal Fluminense. Publicou, entre outros títulos, O Egito antigo, O trabalho compulsório na Antiguidade, A cidade-Estado antiga e O trabalho na América Latina colonial (na Série Princípios).

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Apartir de fins dos anos 50, uma polêmicainternacional se travou em torno do conceito demodo de produção asiático. Não somenteprocurou-se renovar a visão de determinadassociedades - muitas delas não-asiáticas -,como também criticou-se a noção de que, emprincípio, todas as sociedades devessematravessar as mesmas etapas em seudesenvolvimento histórico.

Este livro aborda essa polêmica, tomando-acomo pano de fundo para a análise dassociedades do antigo Oriente Próximo, atravésde dois exemplos: Egito e Baixa Mesopotâmia.

Ciro Flamarion S. Cardoso é professor daUniversidade Federal Fluminense. Publicou,entre outros títulos, O Egito antigo, O trabalhocompulsório na Antiguidade, A cidade-Estadoantiga e O trabalho na América Latinacolonial (na Série Princípios).

1Palácios, templos e aldeias:

o "modode produçãoasiático"

A forma como abordaremos, neste livro, o estudodas sociedades do antigo Oriente Próximo - através dosexemplos egípcio e mesopotâmico - vincula-se direta-mente à noção de modo de produção asiático. Começare-mos, então, por uma exposição sumária: dos antecedentesdo surgimento deste polêmico conceito; da sua elaboraçãona obra de Marx; e do seu complexo destino posterior.Em seguida, trataremos de expor a versão específica domencionado conceito, que nos servirá de base para inter-rogar os exemplos escolhidos.

Antecedentes do conceito de "modo deprodução asiático"

Do século XVI ao XVIII, os escritores europeus que,por alguma razão, se referiam ao Oriente - à Ásia -,faziam-no no contexto do pensamento acerca do socialcomo existia em sua época, isto é, manifestando interesseprioritário, ou mesmo exclusivo, pelos aspectos políticos.A idéia de que a política não passa de uma parte do todo

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social, do qual só aparentemente é o princípio condutor,não começou a se desenvolver antes do século XIX. Assim,na fase anterior, noções como o "despotismo oriental"apareciam como objetos perfeitamente autônomos e legí-timos de análise. Inicialmente, os materiais usados provi-nham da Bíblia e de escritores clássicos antigos - porexemplo, as opiniões manifestadas pelos gregos acerca doImpério Persa -, bem como de informações não muitoprecisas sobre os turcos otomanos e o Império Moscovita.A partir do século XVII, porém, multiplicaram-se as publi-cações de escritos de viajantes, mercadores, navegantes ediplomatas que se dirigiam ao Oriente (Império Turco,Pérsia, tndia, China etc.) em busca de ganho mercantil,de vantagens comerciais para si próprios ou para ospaíses que os enviavam. Tais escritos foram lidos e utili-zados, na Europa, por pensadores (filósofos, historiadores,economistas políticos) interessados principalmente em con-trastar os dados que conheciam ou acreditavam conhecera respeito da "Ásia" ou do "Oriente" - então quasesempre visto como uma única totalidade homogênea -com sua interpretação do que ocorria na Europa, empolêmicas acerca do absolutismo, do livre comércio, dosdireitos naturais dos homens, e de outros temas. Foi unica-mente no século XIX que as sociedades asiáticas passarama ser encaradas em sua heterogeneidade e multiplicidade,e vistas como objeto de estudo em si mesmas, em funçãonão apenas das mudanças ocorridas na maneira de abor-dar o social, mas também de uma penetração crescentee em profundidade dos interesses europeus nessas socie-dades orientais.

No século XVI, a Europa vivia a emergência dasnações-Estados modernas, das monarquias absolutistas.Questões como a necessidade de exércitos e burocraciaspermanentes, de sistemas nacionalmente integrados de

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finanças, impostos e leis, estavam na ordem do dia.Pensadores se debruçavam sobre tais problemáticas, ten-tando entendê-Ias e dar-Ihes respostas positivas e prag-máticas, alguns dos quais foram pioneiros na apresentaçãodo Estado oriental como antítese da monarquia européia.MachiaveIli, por exemplo, acreditava que no Império Turcohavia um único senhor, sendo todos os outros homensseus servidores; a razão disto seria que, ao contrário doque ocorria na Europa, entre os otomanos inexistiria umanobreza hereditária, idéia algum tempo depois retomadapor Francis Bacon. Ele opunha, então, o governo europeu,exercido por um monarca cercado de conselheiros, aodespotismo oriental; contrastava os numerosos Estadoseuropeus, em que havia condições que favoreciam a criati-vidade dos habitantes, aos imensos impérios orientais, ca-racterizados por uma população servil. Bodin, por sua vez,sob forte influência de Aristóteles, comparou a "monarquiareal" européia - em que os súditos obedeciam às leisdo rei e às leis naturais, sendo-Ihes reconhecido o direitoà liberdade natural e à propriedade - com a "monarquiasenhorial" do Oriente, esta ilustrada pelos Estados turcoe moscovita. Em tais Estados o rei, senhor dos bens edas pessoas por direito de conquista, governava seus súdi-tos como um chefe de família romano governava seusescravos.

Em 1650, Thomas Hobbes endossou algumas dasidéias de Bodin, ao tratar do que, por influência grega,chamou de "reino despótico".

No século XVII, comerciantes e embaixadores quehaviam conhecido a Pérsia e a lndia especularam sobreas origens e bases do "poder despótico": elementos deseus escritos foram amplamente usados, sobretudo naFrança, nas acaloradas polêmicas acerca do absolutismomonárquico. Em seus contatos com o Oriente, os europeus

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notaram, em primeiro lugar, o contraste entre a imensariqueza das cortes e a pobreza abjeta da maioria da popu-lação, confirmando, portanto, uma visão como a de Ma-chiavelli e Bacon acerca da ausência de mediações sociaisentre a corte e o povo. Quase todos afirmaram que odéspota era o único proprietário do solo. O mais famosodos viajantes, Bernier, acreditava ser esta propriedade afonte do poder despótico - tese que seria adotada poste-riormente pelos fisiocratas, por Adam Smith e por Marx-, enquanto outros, pelo contrário, achavam que era dopoder absoluto que o governante derivava seus direitossobre as pessoas e os bens. Bernier notou também queos artífices orientais - artesãos de alta qualificação -dependiam, para viver, da redistribuição das riquezasconcentradas através de tributos feita pelos soberanos,para os quais trabalhavam.

No século XVIII, além de uma voga generalizada,na Europa, das coisas e dos costumes turcos e persas -como os viam os europeus, numa evidente reinterpretação-, a China fez sua aparição no universo intelectual doOcidente, alimentando a oposição entre "sinófilos" e "sinó-fobos": Voltaire serve para ilustrar a primeira posição eMontesquieu, a segunda.

Montesquieu, em 1748, considerou o "despotismo"como sendo uma qas formas fundamentais de governo,exemplificando-o, porém, não apenas com sociedadesorientais, mas igualmente com personagens do ImpérioRomano e com a Inglaterra de Henrique VIII. Seu con-traste entre "monarquia" e "despotismo" baseava-se nanoção de que, sob este último regime, inexiste qualquerinstância entre o déspota e o povo: todos os súditos são"nada" diante do governante todo-poderoso. Uma socie-dade despótica carece de leis políticas fundamentais e decomércio; nos casos extremos, o déspota monopoliza apropriedade da terra.

Voltaire, que via a China como o país dos reis filó-sofos, protótipo do "despotismo esclarecido", por ele pre-conizado, criticou Montesquieu, no que foi imitado poralguns fisiocratas. Quesnay, por exemplo, encarava a Chinacomo um "despotismo legal", em oposição ao "despotismoarbitrário". Embora nem todos os fisiocratas fossem "sinó-filos", credita-se a eles a formulação do primeiro modeloeconômico sistemático aplicado ao "despotismo oriental";isto porque foram também os primeiros que perceberam aeconomia como uma totalidade coerente, feita de partesinterdependentes ou solidárias.

Numa posição relativamente isolada na época, o orien-talista francês Anquetil-Duperron, em obras publicadasentre 1778 e 1791, opôs-se à idéia de que o governo daíndia fosse despótico e ignorasse as leis ou o direito depropriedade, e também à afirmação - feita em 1783 porA. Dalrymple - de que a terra ali fosse possuída coletiva-mente pelas aldeias.

Ainda no final do século XVIII, Adam Smith, em

A riqueza das nações (1776), afirmou que na índia e naChina a agricultura, e não a manufatura, era altamenteconsiderada e favorecida. A riqueza (ouro e prata) estavanas mãos de uns poucos magnatas, que não a investiamnem permitiam que outros o fizessem. O Estado - pro-prietário de todo o solo - interessava-se em promover aagricultura, manter os caminhos e os canais de irrigação.

Já no início do século XIX, o filósofo alemão Hegel_que lera os filósofos franceses do século XVIII e AdamSmith - procedeu a um contraste entre Oriente e Oci-dente. A Europa conhecera um progressivo desenrolar daautoconsciência, enquanto no Oriente se dera o desenvol-vimento de uma consciência moral externa ao indivíduo,

ou seja, abstrata. Por tal razão, na China a história sereduzia a uma mera crônica, enquanto na índia ela sim-

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plesmente não existia. A política, na forma de invasõesou revoltas palacianas, era indiferente para os camponeses,em suas aldeias imutáveis.

A imutabilidade das aldeias como base da estagnaçãoda 1ndia pré-britânica foi salientada por John Stuart Mill,em 1848: nelas se combinavam o artesanato e a agricul-tura, e, embora o Estado fosse o proprietário das terras,os camponeses detinham seu usufruto mediante o paga-mento de rendas fixadas pelo costume. Outro economistapolítico, cujas idéias teriam grande influência sobre Marx,foi Richard Jones: em 1831 caracterizara a "renda em

forma de tributo" - típica, para ele, da 1ndia e de outrassociedades asiáticas - entre as modalidades possíveis darenda - desenvolvendo, neste ponto, certas idéias deAdam Smith -, e ligara-a à estagnação oriental, pelofato de impedir a acumulação individual e preservar odespotismo.

A partir de meados do século XIX, multiplicaram-seos estudos de sociedades orientais, não mais a partir dosgovernantes e, sim, das unidades aldeãs e suas instituições.Tais estudos foram influenciados por duas grandes corren-tes de pensamento. Uma delas consistia na crença de sero sânscrito a língua-mãe das grandes línguas da Europa,o que levava a crer numa espécie de "unidade institucionalindo-européia", exemplificada nos estudos em que, entre1861 e 1875, Henry Maine comparou as comunidadesaldeãs da 1ndia às dos eslavos, germanos e celtas. A outrafoi a' longa polêmica - ainda atual - acerca de seremou não as sociedades aldeãs primitivas caracterizadas pelapropriedade coletiva sobre o solo, reconhecendo-se às famí-lias individuais unicamente um direito de usufruto. 1

1 A respeito dos antecedentes do conceito de "modo de produçãoasiático", ver BAILEY, Anne M. & LLOBERA,Josep R., eds. TheAsiatic mode 01 production, p. 13-23. V. "Bibliografia comentada".

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Da elaboração do conceito ao seu abandono

Na obra de Marx o "modo de produção asiático"aparece, na imensa maioria dos escritos - como ocorre,aliás, com todos os modos de produção pré-capitalistas -,num contexto bem definido: em relação mais ou menosdireta com a análise do capitalismo e com a crítica daeconomia política que hoje chamamos "clássica". Nestascondições, não se pode esperar encontrar nos escritos dofundador do marxismo uma teoria explícita e acabada arespeito das sociedades "asiáticas". Mesmo assim, emborabaseadas nas idéias que vinham se desenvolvendo naEuropa durante cerca de três séculos a respeito do Orien-te, as suas concepções acerca do "modo de produçãoasiático" foram suficientemente interessantes para teremduradoura influência.

Na década de 1850, como correspondente do jornalNew York Daily Tribune, em Londres, Marx redigiu umasérie de artigos sobre a 1ndia e a China, ao cobrir debatesno Parlamento britânico a respeito de temas como a reno-vação dos privilégios da Companhia das 1ndias Orientais,as rebeliões Taiping, a revolta dos cipaios etc. Sua corres-pondência com Engels, na mesma época, preparou algunsdos desenvolvimentos presentes naqueles artigos.

Em carta a Engels, em 1853, Marx cita longos extra-tos do livro Voyages contenant ia description des états duGrand Mogoi, de Bernier (1670), chegando à conclusãode que o viajante do século XVII tivera razão ao ver, nainexistência da propriedade privada da terra - na Turquia,Pérsia, 1ndia -, a base de todos os fenômenos do Oriente,inclusive a ausência de história de que falara Hegel.Engels sugeriu-lhe, em resposta, que a origem da inexis-tência de propriedade privada residiria nas condições cli-máticas de semi-aridez, fazendo com que a irrigação arti-

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ficial, organizada seja pelas comunidades, seja pelo Estado,fosse condição primordial para que a agricultura pudesseser praticada. Estas e outras idéias expostas na carta deEngels foram retomadas por Marx, com algumas modifi-cações, em seu artigo de 25 de junho de 1853, a partirdo papel do governo no que diz respeito às obras públicasde irrigação. Na índia, a ausência de propriedade privadada terra e o papel do Estado nas obras públicas, bemcomo o caráter autárquico das aldeias - cada uma dasquais, um pequeno mundo em si -, cujas terras podiamser cultivadas em lotes familiares, permanecendo porémcomuns as pastagens, explicariam a estagnação, o caráterestacionário da sociedade. Essas comunidades conheciam,sem dúvida, as distinções de casta e a escravidão; mas,na medida em que combinavam o artesanato e a agricul-tura, sua auto-suficiência bloqueava o desenvolvimento doindivíduo e servia de base ao despotismo oriental. Aúnica revolução autêntica na história da Ásia se deviaao impacto do capitalismo. Num artigo de 8 de agostode 1853, Marx tratou do modo pelo qual os britânicos,rompendo a autarquia aldeã na índia - pela introduçãode tecidos baratos de algodão e pela construção de estra-das de ferro - e absorvendo-a em sua civilização, estavamlançando as bases do progresso de uma efetiva transfor-mação social.

Entre 1857 e 1859, Marx redigiu um extenso manus-crito para pôr em ordem suas pesquisas em economia,como também a elaboração do seu método específico deanálise. Tal manuscrito - os Grundrisse (Fundamentos

da crítica da economia política) - só seria publicado pelaprimeira vez em 1939-41, tendo maior difusão somenteno fim da década de 1950.

Numa passagem dos Grundrisse - "Formas que pre-cedem a produção capitalista" -, Marx aborda o processo

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da separação do trabalhador em relação às condições obje-tivas da produção e reprodução de sua vida, o que signi-ficou, historicamente, tanto a dissolução da pequena pro-priedade quanto a da propriedade coletiva, baseada na co-munidade oriental. De fato, no texto, a "forma asiática" depropriedade comum da terra aparece como uma entre vá-rias modalidades possíveis - justamente a mais resistente àmudança, devido à união entre agricultura e artesanatonas comunidades autárquicas, e devido a que, no interiordestas, o indivíduo não pudesse converter-se em proprie-tário, tendo exclusivamente a posse da terra. Assim, mes-mo o surgimento da escravidão ou da servidão e dariqueza monetária pouco pôde afetar as resistentes comu-nidades "asiáticas".

Marx imagina uma evolução que, passando pelo pas-toreio nômade, levasse a tribo à sedentarização em deter-minado território, mantendo sua comunidade de sangue,língua e costumes. Na variedade "asiática" de comunidade,o produtor individual vê na organização tribal - formada"naturalmente" - um suposto natural ou divino do pro-cesso de trabalho, não produzido por este. O indivíduosó pode apropriar-se das condições objetivas de sua vidana qualidade de membro da comunidade: a apropriaçãoreal dessas condições através do trabalho só se pode darsob aquele suposto que aparece como natural, ou sobre-natural. Por cima das comunidades locais está uma unidade

superior ou englobante, encarnada, em última análise,numa só pessoa - o déspota -, que se apresenta comoa única proprietária do solo; as comunidades locais são,simplesmente, possessoras hereditárias. Deste modo, a uni-dade superior mediatiza a relação entre o indivíduo e ascondições de trabalho por intermédio de cada comunidadeparticular, que dela parece receber o direito de uso sobreos recursos naturais. Em conseqüência, uma parte do traba-

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lho excedente de cada comunidade local destina-se à uni-dade englobante, ou "comunidade superior", na forma detributo e de trabalho comum para exaltação da unidade,prestado ao déspota real ou ao ser imaginário que encar-na a unidade tribal: a divindade.

Vê-se que, na análise de Marx, na fundação materialdo "despotismo oriental", por trás das aparências - poderdespótico, ausência de propriedade - se perfila a basereal constituída pela propriedade comunal, em que se com-binam agricultura e artesanato, nas comunidades autár-quicas que contêm em seu interior todas as condiçõespara sua reprodução e para a produção de excedentes.A realização do trabalho pode dar-se tanto pelas famílias,em lotes individuais, quanto pelo cultivo em comum dosolo. Dentro de cada comunidade, a unidade desta pode-seencarnar, seja num chefe individual, seja num conselhode chefes de famílias.

As obras públicas, na prática levadas a cabo pelascomunidades, aparecem como realização da unidade englo-bante do regime despótico ao qual cada indivíduo, decada comunidade, parece pertencer. O excedente acumu-lado pela "comunidade superior" serve para o comércioexterior, as obras públicas e a remuneração de artesãosespecializados, a serviço da corte. Inexiste o intercâmbiomercantil no interior de cada comunidade, podendo haver,no entanto, trocas entre as comunidades.

Em 1859, no prefácio à sua Contribuição à críticada economia política, Marx afirmou que, de maneira geral,os modos de produção asiático, antigo, feudal e burguêsmoderno podem ser encarados como épocas que marcamsucessivos progressos no desenvolvimento econômico dasociedade. No livro, chamou a atenção sobre o fato deque, na Ásia, a tesaurização da riqueza em metais preciosostinha pequeno papel no mecanismo total de produção;

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em contraste com o capitalismo, a imobilização da riquezaem tesouros ainda aparecia como uma finalidade em si.

Em O capital - obra da qual somente o primeiro

tomo foi publicado com Marx ainda em vida (1867),surgindo os outros dois postumamente, em função de for-midável esforço de Engels na organização do texto (1885,1894) -, diversas passagens esparsas têm a ver com o"modo de produção asiático" ou com sociedades especí-ficas por ele conformadas (índia, Peru pré-colombiano),tendo sempre como ponto de referência o contraste como modo de produção capitalista. Tratando do destino doexcedente nas sociedades "asiáticas", diz Marx que elese destina, em parte, à troca entre as aldeias e, em parte,à renda apropriada pelo Estado, com a qual este paga osartesãos pelo seu serviço e realiza o comércio de longocurso. Seguindo uma opinião de Adam Smith e de RichardJones, ele afirma que, nos Estados da Ásia, dá-se a coin-cidência. entre renda e tributo. Por outro lado, nas socie-dades "asiáticas", como em todas aquelas em que o pro-dutor direto controla os meios de produção, a extorsãodo trabalho excedente só pode ocorrer mediante o recursoà coação extra-econômica, ou seja, pela utilização da re-pressão militar, dos mecanismos judiciais, da ideologia etc.

O papel de Engels na elaboração do conceito de"modo de produção asiático" foi bem menor do que ode Marx. No Anti-Dühring (1878), Engels reafirmou anecessidade de organização das obras de irrigação noOriente como elemento que explica o surgimento dosEstados despóticos. Ele via no despotismo oriental a maisprimitiva forma de Estado, por basear-se na mais elementardas formas de renda: a renda em trabalho. O livro men-

cionava também que as comunidades aldeãs da índia ha-viam evoluído da propriedade comunal tribal ao parcela-mento da terra e ao surgimento de diferenças de riqueza

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entre os indivíduos, devido à distribuição desigual do pro-duto das trocas intercomunitárias.

Em sua obra A origem da família, da propriedadeprivada e do Estado (1884), Engels descartou a análiseda "história antiga dos povos civilizados da Ásia". Istofoi interpretado por alguns como significando o seu aban-dono do conceito de "modo de produção asiático", o quenão parece procedente. No Anti-Dühring ele sugerira aexistência de dois caminhos históricos para o surgimentodo Estado: o que conduz ao despotismo oriental, no qualse mantêm em existência as comunidades aldeãs, e o quepassa pela dissolução das comunidades tribais e pela evo-lução das forças produtivas, levando ao desenvolvimentodo escravismo. Tudo indica que, no novo livro, decidiralimitar-se ao segundo caminho, para ele o mais completopor dar acesso às sociedades de classes nas quais se desen-volvem a propriedade privada e a produção mercantil.No século XIX, a arqueologia não revelara, ainda, aexistência de civilizações próximas por suas característicasdas sociedades orientais na Grécia continental e insularproto-histórica; assim a Engels parecia que, na Grécia,passara-se da organização tribal à sociedade clássica, numprocesso que não conhecera qualquer modalidade socialde tipo "asiático". 2

Da morte de Marx, em 1883, até 1929, o conceitode "modo de produção asiático" apareceu com bastantefreqüência, e sem contestação, na obra de diversos autores

marxistas (P. Lafargue, H. Cunow, R. Luxemburg, G.Plekhanov etc.) e nos debates da Segunda Internacional.Na Rússia, as intervenções a respeito tiveram muitas vezes,como pano de fundo, a discussão dos marxistas com os

chamados "populistas", que idealizavam a comuna agrária

russa, ou mir, acreditando poder ela ser a base da transiçãoao socialismo, enquanto os marxistas sublinhavam que,por um lado, historicamente, as comunidades rurais haviamservido de base ao despotismo - inclusive na Rússia -e, por outro, encontravam-se em franca dissolução. Ple-khanov tinha, das origens do "modo de produção asiático",uma concepção apoiada num determinismo geográfico etécnológico bastante estreito.

Nos anos que se seguiram à Revolução de 1917, asdiscussões acerca do "modo de produção asiático" passa-ram a estar crescentemente dominadas por preocupaçõespolíticas ligadas a qual deveria ser a posição socialistacorreta da Terceira Internacional diante das conseqüênciasdo colonialismo europeu e da determinação das principaisforças revolucionárias presentes nas sociedades orientais.No fim da década de 1920, a situação da China concen-trava quase toda a atenção. Enquanto Varga e Riazanovacreditavam ver na sociedade chinesa a articulação dedois modos de produção - o asiático e o capitalista -,outros líderes tinham opiniões diferentes, e achavam quea idéia de "estagnação", que em vários textos de Marxse vinculava à noção de "modo de produção asiático",poderia levar à conclusão da impossibilidade da revoluçãosocialista no Oriente. Simpósios realizados em Tbilisi(1930) e em Leningrado (1931) concluíram pela inexis-tência de um "modo de produção asiático" específico,havendo apenas uma "variante asiática" do escravismo oudo feudalismo. Estruturava-se, já então, a visão unilinearda evolução da humanidade que Stalin consagraria em1938. Defensores do "modo de produção asiático", comoRiazanov e Madiar, desapareceram na repressão dos anos1930, e o conceito foi quase universalmente abandonadopor várias décadas: 3

2 Os textos de Marx e Enge1s que interessam aos pontos de quetratamos foram reunidos em !.1ARX,ENGELS,LENIN.Sur les sociétésprécapitalistes. Préf. M. Godelier. V. "Bibliografia comentada".

3 Ver SoFRI, Gianni. 11 modo di produzione asiatico. Torino,Einaudi, 1969. capo 2.

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Reabre-se a discussão

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Wittfogel, ex-membro do Partido Comunista Alemãoque, mudando-se para os Estados Unidos, ali ensinara his-tória da China e fora um delator quando das perseguiçõesda era de McCarthy, publicou, em 1957, Oriental des-potism 4, livro no qual expôs sua teoria a respeito das"sociedades hidráulicas", cujas máximas representantes nomundo contemporâneo seriam a União Soviética e a Chinasocialista, as grandes inimigas do Ocidente.

Wittfogel mescla uma concepção ecologista e tecnicis-ta, semelhante à de Plekhanov, ao difusionismo e a outrasinfluências. Afirma que as condições em que surge a opor-tunidade - não a necessidade - para que se desenvolvampadrões despóticos de governo e sociedade, por ele identi-ficados com a "sociedade hidráulica", dependem de certosrequisitos: 1. A reação do grupo humano diante de umapaisagem deficitária em água. 2. Tal grupo tem de estaracima do nível de uma estrita economia de subsistência.3. O grupo deve estar distante da influência de centrosimportantes da agricultura de chuva. 4. O nível do grupoprecisa ser inferior ao de uma cultura industrial baseadana propriedade privada.

Cumprindo-se todos esses requisitos, o surgimentode uma sociedade hidráulica torna-se possível, embora nãonecessário; a escolha entre adotar ou não tal forma deorganização permanece em aberto, sempre havendo alter-nativas. O controle, armazenagem e uso de grandes massasde água através de obras hidráulicas exigem um trabalhomaciço, que tem de ser coordenado, disciplinado e diri-gido, o que impõe a subordinação à autoridade reguladorade um Estado forte e eficaz; este acaba por esmagar aliberdade do grupo que lhe está submetido.

4 WITIFOGEL,Karl A. Despotismo oriental. Trad. F. Presedo. Ma-drid, Guadarrama, 1966.

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Para Wittfogel, a economia hidráulica primeiramentesurgiu nas regiões áridas, difundindo-se depois pelas semi--áridas e úmidas, sempre na dependência da sua aceitaçãopor parte dos grupos humanos aos quais se tenha colocadoa opção. Ele acha que é possível a adoção da formahidráulica de sociedade e de Estado, mesmo em regiõesonde não exista ou seja pouco importante a agriculturahidráulica: é a "sociedade hidráulica marginal". No casode serem adotadas só parcialmente as características do"despotismo oriental", teríamos uma "sociedade hidráulicasubmarginal". Assim, a necessidade de obras hidráulicasseria condição necessária para o surgimento da sociedadehidráulica em caráter pioneiro, sem ser, no entanto, impres-cindível para a difusão de tal forma de organização social.

Por fim, diz o autor que, uma vez esgotadas as possi-bilidades de desenvolvimento e de mudanças criadorascontidas no modelo da "sociedade hidráulica", esta tenderiaà repetição estereotipada - epigonismo - ou mesmo àdecadência. O seu ciclo completo seria: formação, cresci-mento, maturidade, estagnação, epigonismo e retrocessoinstitucional.

As idéias de Wittfogel tiveram muitos seguidores.Outrossim, uma de suas posturas básicas, a "hipótese causalhidráulica" - isto é, a idéia de que a necessidade decontrole sobre os grandes trabalhos exigidos pela manu-tenção de um sistema complexo de irrigação foi o fatorcentral na geração do Estado "despótico" -, era já bemantiga, tendo sido defendida por historiadores como J.Baillet, J. Pirenne, A. Moret, J. Vercoutter e H. W. F.Saggs. Tal hipótese é falsa, o que foi evidenciado, semdúvida, por inúmeras pesquisas bem apoiadas na arqueolo-gia e em fontes escritas. É irônico que uma dessas pesqui-sas tenha sido realizada por um dos mais incondicionaisseguidores de Wittfogel, A. Palerm, que começou sua inves-

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tigação arqueológica e etno-histórica pensando provar a"hipótese causal hidráulica" no caso do México pré-colom-biano, mas demonstrou, de fato, o contrário: que o con-trole dos sistemas de irrigação competia às comunidadeslocais, e que só muito tardiamente o Estado desenvolveuuma política de grandes obras públicas de tipo hidráulico. ~

Entre os marxistas, o livro de Wittfogel - que pro-vocou grande indignação - constituiu apenas um entremuitos fatores que deram impulso à retomada do interessepelo conceito de "modo de produção asiático". Outrosfatores foram: a "desestalinização", iniciada pelo XX Con-gresso do Partido Comunista da União Soviética, que nocampo do materialismo histórico desencadeou um ataqueà noção do unilinearismo evolutivo das sociedades huma-

nas; o progresso dos movimentos de libertação nacional,sobretudo a partir da década de 1950, com a admissãosucessiva, às Nações Unidas, de numerosas nações afro--asiáticas, cujos problemas socioeconômicos específicosexigiam também respostas de tipo histórico; a ampla cir-culação dos Grundrisse, texto de Marx praticamente desco-nhecido até a mesma década, bem como a republicaçãode seus artigos sobre a índia e de escritos de Plekhanov,Varga e outros autores acerca das sociedades "asiáticas".

Nos países socialistas, na França, na Itália, no Japãoe em outras partes do mundo, inclusive na América Latina- se bem que modestamente, a não ser no caso doMéxico -, os anos 60 e 70 viram proliferar uma biblio-grafia numerosa e variada sobre o "modo de produçãoasiático", em meio a ativa troca de idéias - poder-se-ia

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1;Ver, sobretudo, ADAMS,Robert M. Early civilizations, subsistence,and environment. In: STRUEVER,S., ed. Prehistoric agricul/Ure. NewYork, The Natural History Press, 1971. p. 591-614; PALERM,Angel & WOLF, Eric. Agricultura y civilización en Mesoamérica.México, Secretaria de Educación Pública, 1972. p. 128-48.

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mesmo dizer, no contexto de um vivo debate e de agudasdivergências.

Entre os temas em torno dos quais se desencadeoua discussão acerca do "modo de produção asiático" -que muitos passaram a chamar de "tributário", "despótico--tributário", "despótico-aldeão" etc., por ser obviamenteinadequado o adjetivo asiático aplicado a um tipo desociedade que os pesquisadores julgavam encontrar nahistória de regiões situadas em todos os continentesestavam as seguintes indagações: Qual a sua organizaçãointerna, sua origem, suas contradições, seu desenvolvi-mento? Tratar-se-ia de uma forma de transição das socie-dades comunitárias tribais às sociedades de classes plena-mente desenvolvidas, ou de um tipo específico e bemdefinido de sociedade de classes? Seria uma formaçãomarginal restrita somente a certas sociedades, ou universal?

As respostas dadas a estas e outras perguntas foramheterogêneas segundo autores e tendências, em parte por-que nos próprios textos a que todos recorriam, como dizMelotti,

A ênfase de Marx se desloca, nas diversas passagens, deum a outro dos (. . .) aspectos. Ora afirma que o elementofundamental do sistema oriental é a ausência da proprie-

dade privada, ora atribui esta mesma ausência aos fatoresparticulares de caráter geográfico e climático (.. .). Oraexplica o papel eminente do Estado por estes fatores ecoló-gicos, que impunham a necessidade de grandes trabalhoshidráulicos, ora, pelo contrário. pela dispersão e pelo isola-mento das aldeias. Em certas passagens, atribui este isola-mento à economia auto-suficiente. garantida pela combina-ção de agricultura e artesanato doméstico. Em outras, pa-rece adotar contrariamente a idéia de que seja a estruturasimples destas aldeias, e portanto a limitada divisão dotrabalho, o que explica a estagnação do sistema oriental.Alhures, sublinha fatores diversos, como a civilização dema-

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siado rudimentar. o baixo nível das forças produtivas ou aparticular estrutura de c/asses, que aliás faz decorrer, porsua vez, dá insuficiência da divisão do trabalho. 6

o que significa, como já foi mencionado, que Marxnão chegou a elaborar uma teoria sistemática e acabadado "modo de produção asiático".

Embora alguns autores (K. A. Antónova, P. Ander-son, B. Hindess e P. Q. Hirst, G. Komoróczy) concluíssempela inexistência de tal modo de produção como formaespecífica de sociedade, outros (F. Tokei, Godelier, Me-lotti, J. Suret-Canale, J. Chesneaux, R. Bartra etc.) che-garam à conclusão contrária e também salientaram a im-portância desse conceito para basear uma visão multilineardo desenvolvimento das sociedades humanas, em oposiçãoà perspectiva unilinear consagrada por Stalin. Ainda maisinteressante é a posição de Goblot, que se opõe tanto aounilinearismo quanto ao multilinearismo, já que defende aopinião de que a evolução das sociedades não é linear: o

desenvolvimento social, caracterizado por contatos e in-fluências, deslocamentos, "novos começos", não é contínuoem cada unidade "etnogeográfica" - que pode mesmo co-nhecer estagnações e involuções -, por mais que a conti-

nuidade temporal e lógica daquela evolução possa serrecuperada quando integramos os diferentes processosevolutivos numa unidade superior. Por isso, diz M. Rebé-rioux que o historiador deve abandonar a busca (absurda)da continuidade geográfica do desenvolvimento histórico eaprender "a ver o contínuo no descontínuo".7

6 MELOITI,Umberto. Marx e il terzo mondo. Milano, li Saggia-tore, 1972. p. 92.7 GoBLOT, Jean-Jacques. L'histoire des "civilisations" et Ia con-ception marxiste de I'évolution sociale. In: PELLETIER,A. & _.Matérialisme historique et histoire des civilisations. Paris, Ed.Sociales, 1969. p. 57-197.

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23

Embora seja impossível seguirmos aqui toda a traje-tória do conceito de "modo de produção asiático" desdeque sua discussão foi retomada, pouco antes de 1960, émister, além de remeter o leitor aos textos principaisgerados em tal discussão, 8 recordar que, se bem que atémeados da década de 1960 ainda fossem comuns osescritos puramente exegéticos e teóricos a respeito, desdeentão tem-se desenvolvido a perspectiva de que, sem des-curar da teoria, é essencial proceder ao seu confronto como material empírico disponível, infinitamente mais rico doque no século passado. Afinal, foram Marx e Engels quefrisaram, referindo-se à "síntese dos resultados mais geraisque é possível abstrair do estudo do desenvolvimentohistórico":

Tais abstrações, tomadas em si mesmas, separadas dahistória real, não têm qualquer valor. 9

"Modo de produção doméstico" e "modo deprodução palalino"

As tentativas de aplicação do conceito de "modo deprodução asiático" disseram respeito a grande número desociedades e a cortes cronológicos também variados: ascivilizações do antigo Oriente Próximo; algumas das civi-lizações da proto-história mediterrânea (cretense, micênicae, com menos verossimilhança, a etrusca); lndia, SudesteAsiático e China pré-coloniais; algumas das culturas daÁfrica negra pré-colonial; as altas culturas da Américapré-colombiana. Casos muito controversos, e com grausde probabilidade muito mais baixos, são o Império Bizan-

8 A coletânea mais atualizada é a já citada na nota 1, organizadapor Bailey e LIobera.9 MARX,Karl & ENGELS,Friedrich. La ideología alemana. Mon-tevideo, Pueblos Unidos, 1968. p. 25.

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tino, o mundo muçulmano - insistiu-se mais no casoturco -, a Rússia tzarista e o Japão.

Aqui nos interessa o antigo Oriente Próximo, vistoatravés de dois exemplos: o Egito faraônico e os Estadosda Baixa Mesopotâmia. Por tal razão, apoiar-nos-emosna interpretação da evolução social próximo-oriental ela-borada, sob inspiração das discussões acerca do "modode produção asiático", por dois autores italianos, especia-listas na história dessa região: M. Liverani e C. Zaccagnini.

Por volta de 7000 a.C. já existiam, na Ásia Ociden-tal, aldeias sedentárias, resultantes do processo que oarqueólogo australiano Gordon Childe propôs fosse cha-mado "revolução neolítica"; esta forma de organizaçãose generalizou aos poucos no Oriente Próximo. Algunsséculos antes de 3000 a.C., na Baixa Mesopotâmia, e porvolta dessa data, no Egito, nova transformação _ queChilde chamava "revolução urbana" - se traduziu no

surgimento de cidades, do Estado, e de uma diferenciaçãosocial profunda; ou, mais em geral, do que se conven-cionou denominar "civilização".

Liverani, ao interpretar a situação posterior à "revo-lução urbana", propõe um duplo quadro de referência:o "modo de produção doméstico", ou "aldeão", e o "modo

de produção pala tino". O primeiro seria uma estruturaçãosocial cuja origem remonta à "revolução neolítica"; sãocaracterísticas suas a economia de subsistência, a ausênciade divisão e especialização do trabalho - dando-se, emcada aldeia, a união da agricultura e do artesanato _, aausência de uma diferenciação em classes sociais, a pro-priedade comunitária sobre a terra. O "modo de produçãopala tino", por sua vez, resultaria da "revolução urbana",que desembocara no surgimento de complexos palaciais etemplários como centros de nova organização social. Aeconomia passara a basear-se na concentração, transfor-

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mação e redistribuição dos excedentes extraídos por tem-plos e palácios dos produtores diretos - em sua maioriaainda membros de comunidades aldeãs -, mediante coa-ção fiscal, configurando tributos in natura e "corvéias",ou trabalhos forçados por tempo limitado, para atividadescivis (trabálhos diversos) e militares; isto manifestavadivisão e especialização do trabalho, com o surgimentode especialistas de tempo integral (artesãos, sacerdotes eburocratas dependentes dos templos e palácios), uma dife-renciação fortemente hierárquica da sociedade, um sistemajá complexo de propriedade que incluía, entre outras for-mas, as propriedades dos palácios e dos templos. Ascomunidades aldeãs e, em regiões marginais, também ascomunidades tribais, tomadas em si mesmas, eram o resí-duo de um modo de produção cujas raízes mergulhavamno passado pré-histórico; mas constituíam, ao mesmo tem-po, a base sobre a qual se desenvolvera o novo modo deprodução; este só pôde surgir e se expandir explorandoo modo de produção mais antigo, que foi subordinado,adaptado e utilizado de acordo com os novos interesses,mas sem perda de todas as suas características próprias. 10

Para Zaccagnini, a articulação entre estruturas pala-tinas hegemônicas e estruturas aldeãs subordinadas -mas ainda reconhecíveis e com certo nível de autonomia

local - é que constitui o "modo de produção asiático",ou "tributário", tal como existiu no antigo Oriente Próxi-mo. Ele crê também que, nos grandes vales fluviaisirrigados e urbanizados (Egito, Baixa Mesopotâmia), aforte centralização palatina levou, já no lU milênio a.C.,a um redimensionamento tão profundo das comunidadesaldeãs, que elas perderam a maior parte de sua autonomia

10LIVERANI,Mario. La struttura politica. In: MOSCATI,Sabatino,ed. L'alha de/la civiltà, v. I, p. 277-414. V. "Bibliografia comen-tada". Id. 11 modo di produzione, ibid., v. 2, p. 3-126.

26

e importância econômica - talvez tenhamos aí uma apre-ciação exagerada, como veremos. Nas regiões menos nu-cleares do antigo Oriente Próximo (Palestina, Síria, AsiaMenor, partes da Assíria), pelo contrário, o sistema decomunidades de aldeia teria sobrevivido com força, man-tendo reconhecível seu caráter comunitário tradicional atépelo menos 1200 a.C., aproximadamente.11

Como foi possível a transição de aldeias indiferen-ciadas à situação de desigualdade e domínio que se confi-gurava já claramente desde o lU milênio a.C.? Obvia-mente, o ponto de partida tem de ser um início dediferenciação funcional no seio das próprias comunidadesaldeãs, tanto devido a fatores internos quanto por impactosexternos (comércio intercomunitário ou de longo curso,guerra, influências diversas). Tal diferenciação, ao ocorrer,se cristaliza no plano do prestígio, do ganho e do poderdecisório: certos "notáveis" saídos das famílias mais' im-portantes passam a manipular de fato, por sua influênciae formas materiais de pressão, as decisões do "conselho

de anciãos" da aldeia. A origem primeira da diferenciaçãopôde decorrer do fato de que certas famílias, mais nume-rosas que outras, concentraram o controle de mais lotes

de terra comunitária e mais cabeças de gado do que asdemais; ou de que as famílias estabeleci das há mais tempona aldeia tivessem privilégios negados às mais recentes;ou ainda do resultado da distribuição desigual de bensprovenientes do comércio intercomunitário ou de longocurso. Seja como for, quem alcançasse posições vantajosastentaria garanti-Ias para seus filhos. Com o tempo, esta-belecia-se uma diferença entre os que trabalham e os quedirigem o trabalho alheio; entre os que decidem e os queexecutam; entre os que realizam trabalhos "comuns"

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11ZACCAGNINI,Carlo. Modo úi produzione asiatico e Vicino Orienteantico. Dialoghi di Archeologia. V. "Bibliografia comentada".

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(agrícolas) e "especializados" (de transformação, troca,administração) .

Quando as mudanças desembocam plenamente naurbanização e na organização estatal, três setores sociaisbásicos são perceptíveis: 1. A imensa maioria da popu-lação dedica-se às atividades agropecuárias, consumindodiretamente parte do que produz e entregando o resto aopoder central; tal população não participa das decisõescomuns. 2. Um grupo muito minoritário se ocupa comatividades artes anais, de troca, de administração, religio-sas; é mantido pela redistribuição dos excedentes extraídosdas aldeias, e não participa das decisões comuns. 3. Umgrupo ínfimo organiza o trabalho das comunidades, pelasquais é sustentado, e decide por todos; este poder dedecisão tende a personalizar-se, a ter como expoente umasó pessoa.

A ampliação do corpo social, que passa a englobarnumerosas comunidades aldeãs, mais os núcleos urbanos,leva a uma coesão cada vez mais artificial e menos auto-mática; se tal coesão na aldeia decorre de relações deparentesco e vizinhança e de decisões tomadas por repre-sentantes das famílias nas confederações tribais amplase, mais ainda, num Estado, recorre-se à sanção divina dopoder e da ordem social. O governante supremo passa asituar-se num plano diferente do que caracteriza o restoda sociedade: a sacralidade facilita a aceitação das decisões

pela maioria não consultada. A contraparte dos excedentesrecebidos das comunidades é de tipo administrativo, massobretudo ideológico: o rei, ou governante, é o garantidorda justiça - ordem cósmica aplicada a casos particulares- e da fertilidade da terra e dos rebanhos, utilizando-se,

para tal, de meios sobrenaturais.

O palácio e o templo são impensáveis sem a aldeia,mas esta, ao inserir-se no interior de um sistema palatino,

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28

sofre transformações: já não é a aldeia autônoma doNeolítico; assim, os dois níveis básicos da integração socialsão interdependentes. No entanto, as relações entre elessão de iniciativa exclusiva do nível superior, manifestando--se na taxação, no recrutamento militar, na repressão.Existe uma tensão, um hiato de interesses e mesmo decompreensão entre ambos os níveis, que a ideologia oficialtenta ocultar, difundindo a imagem de uma sociedade ho-mogênea em que todos - do mais pobre camponês aomais exaltado funcionário - são "servos" do monarca,que, por direito divino, é o senhor de suas vidas e odispensador da abundância.

2A Baixa Mesopotâmia

Introdução

II

A Mesopotâmia - vale fluvial do Eufrates e doTigre - pode ser dividida em duas partes, respectiva-mente a noroeste e a sudeste do ponto em que os doisrios mais se aproximam um do outro: a Alta Mesopotâmia,mais montanhosa, e a Baixa Mesopotâmia, imediatamenteao norte do golfo Pérsico, região extremamente plana.

Enquanto o povoamento da Alta Mesopotâmia deu-sedesde tempos pré-históricos muito antigos, a Baixa Meso-potâmia - potencialmente fértil, mas pouco adequada àagricultura primitiva de chuva - não parece ter sidoocupada em caráter permanente antes do V milênio a.C.,durante a fase de Ubaid, talvez entre aproximadamente5000 e 3500 a.C. - basicamente neolítica ou, mais exata-

mente, calcolítica, pois objetos de cobre já aparecem empequeno número a partir de 4500 a.c. A fase arqueológicaseguinte, a de Uruk (aproximadamente 3500-3100 a.c.),viu os primórdios da urbanização e da escrita, inovaçõesque se consolidaram no Período Inicial do Bronze (3100--2100 a.C.), iniciado com a fase de Jemdet-Nasr (aproxi-

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madamente 3100-2900 a.C.), considerada como a épocada verdadeira revolução urbana.

O espaço de que dispomos neste livro não permiteuma apresentação, mesmo sumária, das etapas por quedesde então passou a história da Baixa Mesopotâmia. (Vero quadro 1.) Pela mesma razão, não será possível fazermosjustiça cabal às heterogeneidades regionais, por muito tem-po típicas de uma civilização cuja unidade sociopolíticabásica foi, primeiro, a cidade-Estado. A gravitação dasnumerosas cidades-Estados da Baixa Mesopotâmia nãodeixou de se fazer sentir mesmo quando, a partir de2371 a.C., aproximadamente, tentativas de unificação im-perial se sucederam, cada vez mais consistentes.1

Do ponto de vista etnolingüístico, o povoamento daBaixa Mesopotâmia, no período histórico, esteve marcadopor dois grupos iniciais: os sumérios, que se julgava teremmigrado por mar para a região, mas arqueologicamentese vinculavam ao sudoeste do Irã (o Elam, ou Susiana),e falavam uma língua aglutinante; e os acádios, que fala-vam uma língua de flexão do grupo semita, e provavel-mente vieram do oeste. O elemento sumério predominavaao sul (país de Sumer, ou Suméria) da Baixa Mesopotâ-mia, e o acádio, ao norte (país de Akkad, ou Acádia).A verdade, porém, é que, quando começamos a ter maisinformações, em meados do lU milênio a.c., esses gruposestavam já bastante mesclados. No milênio seguinte, afusão se completou; predominaram, desde então, as línguassemitas: o acadiano, o babilônio dele derivado e, por fim,o aramaico. Com o tempo, o mapa etnolingüístico secomplicou devido a sucessivas migrações - que às vezesdesembocavamem invasõesviolentas - de nômadessemi-

1 Já no início do I milênio a.C. o imenso Império Assírio aindaera governado através da extensão das instituições típicas dascidades-Estados. (GARELLI, Paul. L'assyriologie. Paris, Presses Uni-versitaires de France, 1964. p. 75.)

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tas vindos do oeste através do deserto da Síria (amorreus,ou amorritas, arameus, caldeus) e de montanheses doleste (gútios, elamUas, cassitas; estes últimos, provavel-mente dirigidos por um reduzido grupo de língua indo--européia) ou do norte (os assirios, que representavamum velho povo da Alta Mesopotâmia, posteriormentesemitizado) .

As forças produtivas

II

II

Os grandes rios da Mesopotâmia têm uma cheia maisirregular do que a do Nilo em sua cronologia e incidência.As águas sobem, em princípio, entre março e maio, ebaixam entre junho e setembro. A enchente se caracterizapor sua grande violência: o Eufrates e o Tigre, ao desce-rem velozmente, durante a cheia de zonas montanhosas,a uma região absolutamente plana, depositam enormesquantidades de aluviões - limo misturado com cal - e,embora a corrente se faça mais lenta na planície, comoé natural, ainda é suficiente para causar muita destruição.Ora, quando as águas sobem, as plantações já foramsemeadas há vários meses; a inundação poderia, em taiscondições, destruir os campos cultivados e pôr a perdertodo o trabalho. Isto torna imperativo um sistema dediques e barreiras de proteção, e ao mesmo tempo é pre-ciso acumular água e cavar canais que irriguem os camposdurante os meses de seca; em suma, é necessário umsistema completo de proteção e de regadio, de caracte-rísticas perenes.

Dos rios, o Tigre, mais violento e cujo leito é baixodemais em relação às margens, é menos útil para a irri-gação, enquanto o Eufrates sempre teve mais possibili-dades de aproveitamento, já que corre acima do nívelda planície. Os dois já mudaram de leito várias vezes. O

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Eufrates, além disto, sempre correu por mais de um leitoao mesmo tempo: no lU milênio a.C., o principal dostrês canais naturais deste rio era o que passava pela cidadeacadiana de Kish; o da cidade de Babilônia se tornou omais importante no final do milênio seguinte. A mudançade curso dos rios significava igualmente uma transformaçãogradual dos assentamentos e das concentrações demográ-ficas. Por outro lado, a planície não constitui uma zonaintegralmente fértil. No caso da Suméria, por exemplo, ascidades-Estados constituíam dois grupos principais, sepa-rados pelo deserto de Edin: a oeste, as cidades de Nippur,Shuruppak, Uruk, Ur e Eridu; a leste, além do deserto,as de Abad, Zabalam, Umma, Bad- Tibira e Lagash. Oterreno cultivável formava, além do mais, manchas maisou menos separadas entre si.

As condições ecológicas explicam que a agriculturade irrigação, ao impor trabalhos consideráveis - emboranão necessariamente transcendam a esfera local, comoveremos -, torna impossível uma organização individua-lista da agricultura. As obras de proteção e de irrigaçãoexigiam, para serem construídas, limpas e conservadas, umesforço coletivo; e o seu uso devia ser regulamentadoe disciplinado pela lei. A dependência para com os diquese instalações de irrigação era tão grande que há casoshistoricamente comprovados de reversão à vida nômade,devido à sua destruição local.

No caso do Eufrates, o trabalho em si de cortar a

margem não apresenta dificuldades especiais, e com osistema de diques de proteção, tanques, canais principaise regos, a cheia fertiliza o solo com seus aluviões, epode-se ter água abundante durante o ano todo. O pro-blema maior consiste em ser a região absolutamente plana,

o que dificulta o escoamento do excesso de água, que seimobiliza em charcos e tende a impregnar a terra de sal

e gesso. Tal problema, assinalado já em fontes do lU

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34

milênio a.c., não foi solucionado na Antiguidade; a dre-nagem insuficiente causou, freqüentemente, o abandonode amplas superfícies de terra, que antes haviam sidoférteis.

Os canais, cortados nas margens altas, eram refor-çados pelo acúmulo de aluvião, ao qual às vezes se soma-vam esteiras de junco. Muitos cursos naturais, correspon-dentes aos braços dos rios principais e aos tributáriosdestes, foram regularizados e canalizados, mesmo porquetambém serviam para a navegação. O sistema de regadioacompanhava tradicionalmente o curso do sistema fluvial

natural, e foi mudando para acompanhar seus freqüentesdeslocamentos.

O enorme esforço gasto era compensado por umrendimento muito considerável. Sem que aceitem rendi-mentos de 200 e até 300 grãos colhidos para cada grãosemeado, de que fala Heródoto (I, 193), os autores dehoje, baseando-se no testemunho menos espetacular dospróprios documentos mesopotâmicos, admitem variaçõesde 8 a 103 grãos colhidos para cada grão semeado, caindodepois de 2000 a.c. para a média de 30 por um. Sejacomo for, trata-se de rendimentos importantes, além deque, com freqüência, era possível obter duas colheitas

anuais. Isto sem dúvida explica a grande concentraçãodemográfica e a forte urbanização da Baixa Mesopotâmia,embora as estimativas tentadas variem muito. Para o

final do lU milênio a.c. e início do seguinte, L. WooIleycalculou, para a cidade de Ur, uma população de 360 000habitantes. Outros autores acham, com maior verossimi-lhança, que a população das cidades sumérias variava de

10 000 a 50000 habitantes, aproximadamente, e que Ur- a maior delas - poderia ter uns 200 000 habitantes.

Tais cálculos são frágeis, mas há dados indiretos que per-mitem comprovar o caráter de "formigueiro humano" que

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apresentavam na Antiguidade os 30 000 km2 de terrascultiváveis da Baixa Mesopotâmia.

Em que medida pode-se aceitar, para a região emestudo, uma "hipótese causal hidráulica", como a quefoi discutida no primeiro capítulo? Bem antes dos textosmais conhecidos de Wittfogel e seus seguidores, tal hipó-tese era já muito popular na primeira metade deste século,como podemos comprovar em obras como as do arqueó-logo australiano Childe e do historiador francês A. Morel.Mais recentemente, Saggs afirmava, em tom peremptório,que

a reunião de comunidades no sul. formando cidades, foiquase certamente ditada pelos rios: para controlá-Iase uti-lizá-Iasem forma efetiva precisava-se da cooperaçãonumaescala maior do que a que pequenas aldeias isoladas eprimitivas poderiam prover.2

No entanto, a tendência dominante tem sido, cadavez mais, a que predomine a opinião que vê na "hipótesecausal hidráulica" uma simplificação abusiva de processosmulticausais e complexos. Entre os que assim pensam, aopinião de R. M. Adams é uma das que têm maior peso,já que ele é um dos poucos arqueólogos que levaram acabo escavações relativas aos sistemas mesopotâmicos deirrigação. Ele mostrou que os padrões básicos de assenta-mento seguiam de perto os cursos dos principais rios,caracterizando-se por sistemas locais de irrigação em pe-quena escala, desde aproximadamente4000 a.C.Tal situa-ção continuou a predominar mais tarde, apesar das consi-1

deráveis obras hidráulicas levadas a cabo pelos governantesa partir de meados do lU milênio a.c., obras que, sejacomo for, só foram iniciadas muito posteriormente à

2 SAGGS,H. W. F. The grearness rhar was Babylon. New York,The New American Library, 1968. p. 41.

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urbanização e ao surgimento da civilização, o que des-mente a "hipótese causal hidráulica". 3

Como explicar, então, o desenvolvimento das cidades--Estados sumérias? Embora este seja um tema mal conhe-cido - porque não o iluminam os textos decifráveis, jáque, quando começam, o processo de urbanização játerminou -, é provável que a explicação tenha de sermulticausal e complexa, incluindo fatores como a própriairrigação - ligada à multiplicação dos excedentes agríco-las e ao crescimento demo gráfico, sem os quais as cidadesnão poderiam ter surgido -, mas em conjunto com outros:religiosos, políticos, militares, populacionais etc.

Os milênios IV e 111a.C. viram constituir-se o sistematecnológico básico da Mesopotâmia da ~poca do Bronzee, no conjunto, dão a impressão de um dinamismo maiordas forças produtivas do que, por exemplo, o que se vêno Egito da mesma época. O arado de madeira meso-potâmico, acoplado a um dispositivo por onde entravamos grãos, permitia arar e semear ao mesmo tempo. Atransição do cobre ao bronze se fez muito mais rapida-mente do que no Egito, já no período protodinástico, eembora o metal fosse caro - já que os minérios tinham

de ser integralmente importados -, seu uso para finsprodutivos difundiu-se mais do que no Egito na ~pocado Bronze. O instrumento para elevação de água baseadono princípio do contrapeso, conhecido pelos egípcios dehoje como shaduf, aparece representado na Mesopotâmiapor volta de 2000 a.C. e, no Egito, só uns seiscentos anosmais tarde.

Mas convém não exagerar: o instrumental agrícolaera, no conjunto, bastante rudimentar. O metal só substi-

3 Ver o artigo de Adams incluído na nota 5 do primeiro capítulo,o qual aborda não somente o caso da Baixa Mesopotâmia, mastambém o do Egito e os do Peru e Meso-América pré-colombianos.

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tuiu de todo a madeira e a pedra ao difundir-se o ferro,a partir de .fins do 11 milênio a.C. Enxadas, picaretas emachados eram de cobre e depois de bronze. Mas oarado foi, durante muitos séculos, feito de madeira, bemcomo a foice - na qual se inseriam pedras cortantes desílex - e o trenó usado para separar o grão da palha -prancha sob a qual se fixavam pedras pontudas. Comoos instrumentos de bronze não permitiam tosquiar asovelhas, antes da Idade do Ferro a lã tinha de serarrancada.

Um documento de aproximadamente 1700 a.C., queos especialistas chamaram de "almanaque do lavrador",descreve os trabalhos agrícolas, que começavam logo de-pois das chuvaradas de outubro-novembro. Tal texto men-ciona a necessidade de controlar a altura da água antesde começar a preparar a terra. Previamente ao uso doarado, o terreno era trabalhado com picaretas, para tor-ná-lo fofo; se necessário, os torrões eram quebrados comum malho. O arado, puxado por bois, abria sulcos sepa-rados por aproximadamente um metro, para evitar oesgotamento do solo. Cem litros de sementes bastavampara semear 20 000 m2 - contra 5 000 m2 atualmente.Depois da semeadura, os sulcos eram limpos; as sementesdeviam ser protegidas contra insetos e pássaros, e regadasem quatro ocasiões. A colheita - de abril a junho oujulho - era realizada pela sega com a foice; as espigaseram cortadas curtas, e os caules do cereal, queimados.~ interessante notar que, segundo o "almanaque do lavra-dor", as diferentes operações do ciclo agrário acompa-nhavam-se de rezas a diversas divindades.

Tanto na agricultura quanto no artesanato, a produ-tividade do trabalho parece ter sido baixa, o que eracompensado mediante o uso maciço de trabalhadores. Trêsmulheres deviam trabalhar oito dias, por exemplo, parafiar e tecer um pano de 3,5 X 4 m. A divisão técnica

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do trabalho artesanal e agrícola teve pouco desenvolvi-mento, predominando a cooperação simples, onde todosos trabalhadores realizam as mesmas operações.

Na economia da Baixa Mesopotâmia, as fomes ecrises de subsistência eram freqüentes, causadas pela irre-gularidade da cheia, como também pela guerra, que des-truía as instalações de irrigação ou as colheitas. Umadessas crises acompanhou a queda do Império de Ur,em 2004 a.c. Outro período de crises econômicas relati-vamente bem conhecidas ocorreu nas cidades de Eshnunna,Ur e Larsa, pouco antes da expansão imperial de Ham-murapi, no século XVIII a.C.; mas não se deu então amesma coisa em Mari e Babilônia. A economia continuavanão-unificada e os transportes eram lentos. Quando aguerra ou a incidência de calamidades naturais afetavamo equilíbrio instável inerente a forças produtivas - ape-sar de tudo insuficientes ou precárias -, numa sociedademarcada por extremas desigualdades, o resultado era oendividamento e o aumento do sofrimento dos agricultoresmais pobres e do povo em geral.

Descrição das principais atividadeseconômicas

A agricultura intensiva era a base da vida econômicae da urbanização. Os textos sumérios anteriores ao Impériode Akkad permitem conhecer com algum detalhe as ativi-dades agrícolas desde meados do 111milênio a.c. O cerealmais cultivado era a cevada, usada como alimento humanoe do gado, e como matéria-prima para fabricação de cer-veja. Diversos tipos de trigo eram também plantados,além do sésamo (gergelim), do qual se extraía o azeitepara alimentação e iluminação. Os textos mencionamigualmente legumes, raízes, pomares de árvores frutíferas,

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e mesmo árvores plantadas para obtenção de madeira,muito escassa na região. O cultivo da tamareira - daqual se aproveitavam os frutos, fibras e madeira ordinária- exigia o uso da polinização artificial.

Desde o Neolítico, a agricultura se associava à pe-cuária: criavam-se ovinos, caprinos, suínos, bovinos emuares. O gado bovino era usado como animal de tiropara o arado e para os carros - estes também podiamser puxados por asnos; o cavalo só se difundiu no 11milênio a.c. -, além de fornecer carne, um alimentode luxo, e leite. A lã das ovelhas era a matéria-primabásica para a produção têxtil, embora também se conhe-cesse o linho e, bem mais tarde, o algodão. O asno erao meio de transporte terrestre mais importante. Sabe-seque os rebanhos eram muito numerosos desde o 111 milê-nio a.C., e que às vezes eram importados animais de boaraça para aprimoramento das espécies criadas.

Há prova documental da importância persistente dapesca (no golfo Pérsico, nos pântanos costeiros, rios ecanais), que empregava um pequeno barco feito de molhosde junco trançado, anzol e rede. A caça, atividade com-plementar, era bem menos vital.

Praticava-se a coleta em terras pantanosas, especial-mente para obtenção do junco, que, além de ser usado emcestas, barcos, cordas e cabos de ferramentas, constituíao material de construção, por excelência, de cabanas rurais.A argila era também matéria-prima essencial, usada nafabricação de cerâmica, tijolos.

Existiam numerosas especializações artesanais. Ostextos e algum material iconográfico - muito menos ricodo que o egípcio - permitem-nos conhecer a produçãode cerveja, vasilhas (de argila, sobretudo, mas tambémde pedra, madeira e vidro), tijolos - secos ao soloucozidos no forno -, que eram a base de todas as cons-

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truções, objetos de metal, têxteis, objetos de couro (san-dálias, roupa, equipamento militar, odres, sacos, guarniçõesde carros, certas embarcações), artigos de madeira etc.Os textos da lU Dinastia de Ur, por exemplo, mencionamescultores, ourives, cortadores de pedra, carpinteiros, forja-dores de metais, curtidores, alfaiates, calafates. Havia gran-des oficinas pertencentes aos templos e palácios; assim,no final do lU milênio a.c., em três localidades próximasà cidade de Lagash trabalhavam 6 400 artesãos têxteisem oficinas estatais. Mas também existiam oficinas fami-

liares, e nas cidades os artesãos se agrupavam em ruasespeciais. O desenvolvimento da produção era dificultadopela escassez de combustíveis, matérias-primas, metal paraas ferramentas, cujo abastecimento dependia quase total-mente da importação. Mesmo assim, certas unidades deprodução empregavam muita mão-de-obra, especialmenteos moinhos e as manufaturas têxteis.

O comércio local e o entre as cidades da Baixa Meso-

potâmia, utilizando a navegação nos rios e canais parao transporte, implicavam poucos riscos, mas a concorrênciaera grande. Muito mais importante foi o comércio delongo curso. Já aproximadamente em 4000 a.C., a obsidia-na e o sílex eram importados do leste, e o asfalto, docurso médio do Eufrates. Na fase de Jemdet-Nasr, algunstextos já mencionam um "chefe dos agentes comerciais"entre os funcionários das cidades-Estados. b que a BaixaMesopotâmia só conta com pouca madeira, de má quali-dade, faltando-lhe de todo pedra e metais. Até as grandesmós de pedra dos moinhos tinham de ser incomodamenteimportadas. Assim, excedentes agrícolas e produtos manu-faturados (especialmente têxteis de lã) foram desde cedomobilizados para serem trocados no exterior por matérias--primas (madeira, cobre, estanho, pedras duras) e porartigos de luxo (ouro, prata, lápis-Iazúli, tecidos estran-geiros etc.).

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A principal rota terrestre para o norte e o oeste,percorrida por caravanas de asnos, ganhava a Ásia Menoratravés da Assíria, que ficava na parte leste da AltaMesopotâmia. Por mar, havia contatos freqüentes comDilmun - atual Bahrein -, com outros pontos da Arábia

e, indiretamente, com a índia. Os comerciantes mesopotâ-micos mantinham uma rede de agentes e correspondentesao longo das rotas comerciais. Apesar de riscos conside-ráveis, desde que deixou de ser monopólio exclusivo dospalácios e templos, o comércio de longo curso passou apermitir considerável acumulação privada de riquezas -mesmo porque se associava à compra de terras e escravose ao empréstimo a juros. A economia era protomonetária:não houve moeda cunhada antes do domínio persa, mas acevada e os metais (prata e cobre, sobretudo) funciona-vam como padrão de valor e unidade de conta nas tran-sações. No comércio exterior o pagamento podia ser feitocom lingotes de metal.

Em certas ocasiões falhava o abastecimento de maté-

rias-primas importadas, afetando as atividades de trans-formação. Na época do apogeu do Império de Akkad, porexemplo (século XXIV a.C.), houve uma reversãopassageira do bronze ao cobre, aparentemente porque fal-tou o estanho.

Propriedade e relações de produção:interpretação das estruturas econômico--sociais

Escreveu certa vez o arqueólogo Petrie:

A idéia de propriedade não é absolutamente uma abstraçãosimples; é de fato tão complexa em suas variadas natu-rezas que se trata de uma generalização que não podemosesperar encontrar em uma sociedade arcaica. Existem várias

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modalidades de propriedade, tão diferentes entre si que,para a maneira concreta de perceber, nada têm em comum.Existe o lote de terra tribal. ocupado unicamente em usu-fruto e usado só como um meio de trabalho. Existe a armaganha ao inimigo, ou o saque de assentamentos. que éo prêmio da bravura. Existe a porção de manteiga feitapela dona-de-casa. e que será consumida. Existe o chifreesculpido, que serve para beber, produto de um artesanatoindividual. guardado como herança de familia. Estas dife-rentes modalidades de coisas não são percebidas comosimilares em sua origem, na natureza da posse sobre elas.ou em sua finalidade. Generalizá-Ias todas como proprie-dade não é, absolutamente, algo óbvio. 4

Embora Petrie não estivesse pensando, aqui, numasociedade como a da Mesopotâmia e, sim, numa cultura

como a dos celtas da fase pré-romana, esta passagemserve para alertar-nos sobre um ponto importante: quandoempregamos o termo propriedade, muitas vezes lhe asso-ciamos, automática e implicitamente, uma noção unificada

e absoluta de propriedade, típica da tradição ocidental queremonta ao Direito Romano. Ora, tal noção, não sendoadequada nem pertinente ao se tratar do antigo OrientePróximo, pode conduzir a becos sem saída e a falsaspercepções.

Nas terras pertencentes aos templos sumérios do lUmilênio a.C., por exemplo, havia extensões consideráveiscuja renda era revertida ao rei e a membros da famíliareal. Seriam, por tal razão, "propriedade" do rei e de

seus familiares? Um sumério não veria assim as coisas,nem sentiria necessidade de fazer tal pergunta. Mas, sea renda dessas terras, sistematicamente, não ia para ostemplos, que significa dizer que tais terras pertenciam a

4 PETRIE, William M. F. Some sources Df human history. London,Society for Promoting Christian Knowledge, 1922. p. 105-6.

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eles? Outrossim, o rei e a família real dispunham tambémde terras próprias: uma parte do rendimento delas deri-vado podia, no entanto, destinar-se a financiar despesasdos templos, como ocorria no período da lU Dinastiade Ur.

Vejamos outro exemplo:Na antiga Baixa Mesopotâmia havia seres humanos

que chamamos de escravos, pois pertenciam a pessoas quepodiam vendê-Ios, legá-Ios ou alugá-Ios, bem como casti-gá-Ios fisicamente, marcá-Ios com signos de propriedadee fazê-Ios trabalhar. Com algumas exceções - sob a lUDinastia de Ur, por exemplo, os prisioneiros de guerraescravizados (namra) careciam de status jurídico -, taisescravos, porém, podiam casar-se com pessoas livres, terbens, intentar ações em justiça; e pagavam impostos. Decerta forma eram "propriedade" de seus donos, mas certa-mente não no mesmo sentido e extensão em que o eramos escravos no mundo greco-romano clássico.

Poderíamos dar outros exemplos, mas é importanteque fique registrada apenas a seguinte advertência: o usode termos comuns não garante, ao se tratar de sociedadestão diferentes da nossa, que o seu significado permaneçanecessariamente o mesmo.

o 11I milênio a.C.

O pólo "pala tino" da sociedade histórica da BaixaMesopotâmia, ou seja, uma classe dominante mais oumenos confundida com o aparelho de Estado, já haviasurgido claramente na passagem do IV para o lU milênioa.C. - fase de Jemdet-Nasr; então aparecem, nosdocumentos, funcionários como o chefe da cidade-Estado,que era também sumo sacerdote (en), o chefe dos agentescomerciais, a grande sacerdotisa, e outros. A partir demeados do lU milênio começamos a perceber outros ele-

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mentos da organização estatal: o sistema de tributos innatura e "corvéias" - trabalhos forçados, por tempolimitado, para obras públicas, serviços para o grupo diri-gente e serviço militar - imposto à população, e desta-camentos militares recrutados entre os dependentes dotemplo, o que permitia a existência de um núcleo de forçapolicial e militar independente da milícia camponesa con-vocada em época de guerra.

Nas cidades-Estados da Baixa Mesopotâmia, no pólodominante estatal, o setor dos templos por muito tempopredominou sobre o do palácio, aparentemente mais tardio,mas ambos eram ligados entre si; a tendência ao longodo lU milênio a.C. foi à ascensão dos "chefes" (en, ensi),que em certos casos assumiram o título de "rei" (lugal)e, por fim, no período de Akkad, declararam-se de caráterdivino, em detrimento dos templos: o aparelho militar sobcomando real se ampliou, independentemente das milíciasdos templos, e as terras reais tomaram-se gradualmentemais extensas do que as dos santuários.

Até 1950, aproximadamente, foi popular entre osespecialistas a tese da "economia-templo", ou "cidade--templo", suméria: os templos, acreditava-se, possuíamtoda a terra cultivada. Foi Diakonoff que demonstrouser falsa tal opinião. Os templos talvez ocupassem, emmeados do lU milênio a.c., a metade do solo arável; oresto dividia-se em terras do palácio e terras comunais- de famílias extensas e de comunidades aldeãs. A pes-quisa posterior obriga a acrescentar um quarto elemento:a propriedade privada incipiente, que aparece em documen-tação publicada por D. O. Edzard e pode também serdeduzida do fato, iluminado pelo próprio Diakonoff, dese darem vendas de terra comunal a indivíduos que nemsempre representavam o Estado.

Devemos, então, imaginar o funcionamento da econo-mia baixo-mesopotâmica a partir de duas estruturas básicas,

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que correspondem ao que Liverani chama de "modo deprodução pala tino" e "modo de produção doméstico", ou"aldeão": 1. Os complexos econômicos organizados emcada cidade-Estado à volta dos templos e do palácio real,além de concentrarem os resultados dos impostos e cor-véias que a maioria da população devia - redistribuídosaos dependentes em forma de rações -, controlavamterras próprias dotadas de sistemas de irrigação. 2. Poroutro lado, as comunidades familiares, ou aldeãs, possuindoa terra coletivamente, utilizavam o esforço comunal para

organizarem a irrigação, para a ajuda mútua, para sedefenderem dos efeitos da usura - em anos de máscolheitas era preciso pedir grãos emprestados, que nemsempre podiam pagar -, para a prestação de corvéias eo pagamento dos impostos. Tanto a nível de cada aldeiaquanto da própria cidade, existia um "conselho de anciãos"e uma "assembléia" como órgãos administrativos e paradirimir disputas, de clara derivação comunal e tribal. 5

Ao lado das duas estruturas polares da sociedade, a pro-

priedade privada aparecia como algo ainda pouco impor-tante; pode mesmo ter desaparecido momentaneamentedurante o período estatizante da lU Dinastia de Ur, comopretendem alguns autores.

Ignoramos o detalhe da organização econômica docomplexo palacial, que segundo parece se baseou na dostemplos. A organização destes nos é conhecida sobretudopor um exemplo, o do santuário da deusa Baba - osegundo em importância da cidade de Lagash, que tinhauma vintena de templos -, possuidor de 4 465 hectares

de terra, nos quais trabalhavam 1 200 indivíduos, sob a. supervisão de um sacerdote administrador, um intendente,um inspetor e grande número de capatazes e escribas. As

5 JACOBSEN,Thorkild. Primitive democracy in ancient Mesopotamia.Journal 01 Near Eastern Studies, Chicago, 2, 1943. p. 159-72.

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suas terras se dividiam em três blocos principais: umaquarta parte era cultivada diretamente para o templo,através de alguma mão-de-obra escrava, mas sobretudodo trabalho de dependentes juridicamente livres; o restodividia-se em "terras de labor", dadas em arrendamentopor 1/7 ou 1/8 da colheita, e "campos de subsistência",em que pequenas parcelas eram distribuídas aos agriculto-res, artesãos, guardas, pescadores, escribas, serviçais etc.,que também recebiam rações.

Os templos devem ser imaginados como enormescomplexos, com terras, reservas de pesca, rebanhos, ofi-cinas artesanais e uma participação direta e talvez predo-minante no comércio de longo curso e nos empréstimosusurários de prata e cereal. Os trabalhadores dependentesparecem ter tido origens variadas: refugiados estrangeirostransformados em "clientes" dos templos, membros defamílias e comunidades arruinadas pela usura. Quanto àescravidão, predominantemente feminina nesta época, eraimportante na tecelagem, nos moinhos, no serviço domés-tico, mais do que na agricultura.

No período fortemente estatizante da lU Dinastiade Ur, os lavradores dependentes (gurush), agora na suaimensa maioria instalados em terras estatais, já não rece-biam lotes de subsistência e, sim, somente rações: traba-lhavam em tempo integral para o Estado, e suas rações,ao que parece, eram pequenas demais para que pudessemconstituir família. Este sistema foi abandonado no milênio

seguinte. 6 Também a produção artesanal tornou-se, naépoca, estatal na sua maioria, e os artesãos eram muitovigiados.

Como a escrita era usada sobretudo na administraçãodos templos e palácios, as comunidades aldeãs são mal

6 GELB, I. J. The ancient Mesopotamian ration system. Journal ofNear Easlern Sludies, Chicago, 24, 1965. p. 230-43.

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conhecidas. Tais comunidades somente aparecem em algu-ma documentação, sobretudo em contratos de venda deporções de terra comunal em que os vendedores são vários- representando grupos de parentes e recebendo porçõesdesiguais do pagamento em cobre e de "presentes" innatura --, e o comprador um só: o rei, um comercianteagiota, um funcionário. Interpreta-se, portanto, este tipode contrato como significando a venda de terra comuni-tária, sob coação política - o rei acadiano Manishtusu,por exemplo, comprou, "à força", grande extensão deterreno de comunidades, para distribuí-Ia em usufruto adependentes seus - ou como resultado da usura.

Os comerciantes (damgar) eram funcionários a ser-viço do palácio e dos templos, dos quais recebiam osprodutos para serem trocados no exterior. No entanto,também faziam negócios por conta própria; certos fun-cionários aparecem, igualmente, comprando terras e reali-zando empreendimentos próprios, às vezes financiadospor empréstimos dos templos, mesmo no período estati-zante de fins do lU milênio a.C.

o 11milênio a.C.

Os historiadores estão de acordo em perceber trêstipos de propriedade sobre a terra na primeira metade doU milênio a.c.: 1. As extensas terras reais. 2. Os domínios

dos templos, muito menos importantes do que no períodosumero-acadiano. 3. As propriedades privadas, geralmentepequenas, mas numerosas; segundo alguns, predominantesem termos de área total, afirmação difícil de ser provada.Um quarto setor é objeto de divergências: Diakonoff crêque as comunidades se mantivessem como proprietáriasde terras coletivas ainda neste período, enquanto Komo-róczy acha que elas continuavam sendo órgãos adminis-

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trativos e judiciais, mas haviam perdido toda a importânciaeconômica nas áreas mais dinâmicas, conservando-se poralgum tempo a propriedade comunal sobre certas terras,unicamente em regiões mais atrasadas, periféricas.7

Há muitos indícios de um desenvolvimento da pro-priedade e das atividades privadas nesta época, e nãosomente no setor rural. Os tamkaru (mercadores) forma-vam, em Babilônia, uma corporação subordinada ao Esta-do, e faziam negócios a mando do governo. Mas tambémnegociavam em proveito próprio, aproveitando-se da amplarede de agentes que mantinham dentro e fora da Meso-potâmia; praticavam, ainda, o empréstimo a juros, forma-vam sociedades mercantis, compravam terras e escravos.Um dos sinais de que tais atividades tinham importânciaconsiderável é o desenvolvimento do direito privado, quese expressa na atividade legislativa dos reis, em especialde Hammurapi (1792-1750 a.c.), fundador do ImpérioPaleobabilônico. Outro sinal é a freqüência com que, aprazos irregulares e sem aviso prévio - para não inter-

romper as atividades de crédito -, os reis decretavam omisharum ("justiça"), edito que anulava as dívidas e aescravidão por dívidas, o que era uma forma de protegera pequena propriedade privada da terra, a qual devia,portanto, desempenhar um papel importante.

Nas terras reais encontramos três setores: 1. A parteadministrada diretamente pelo palácio, trabalhada porlavradores dependentes e pessoas que cumpriam a "corvéiareal". 2. Lotes arrendados, ou confiados a colonos - aos

quais o rei adiantava os animais de tiro -, contra uma

7 DIAKONOFF,I. M. Main features of the economy in the monarchiesof ancient Western Asia. In: CONFÉRENCEINTERNATlONALED'Hls-TOIRE EcoNOMIQUE. V. "Bibliografia comentada"; KOMORÓCZY,G.Landed property in ancient Mesopotamia and the theory of theso-called Asiatic mode of plOduction. Oikumene. V. "Bibliografiacomentada" .

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renda in natura. 3. Porções (ilku) concedidas em usufrutoa soldados e funcionários em troca de serviço; eram ina-lienáveis mas transmissíveis por herança. Embora a escra-vidão continuasse existindo, alimentada pela guerra, pelotráfico, por condenações judiciárias e pelo não-pagamentode dívidas - neste último caso foi limitada, por Ham-murapi, a uma duração de três anos -, os escravos eramraramente empregados no trabalho agrícola, mas commaior freqüência, nas oficinas artesanais e no serviço do-méstico. A mão-de-obra agrícola compreendia lavradoresdependentes (ishshakku) e também assalariados alugadospor dia, em especial para a colheita, tanto nas terras dorei quanto nas de particulares.

A sociedade dividia-se em três categorias jurídicas:awilum, o homem livre que gozava da plenitude dosdireitos; mushkenum, o homem livre de status inferior -talvez uma categoria de dependentes do palácio, e por estetutelados e protegidos; wardum, o escravo. Os direitos,deveres e privilégios desses grupos variavam de acordocom a sua categoria. Embora as menções aos mushkenutenham começado ainda no lU milênio a.c., sua origemnão é clara, e a documentação disponível não permiteque se dê razão em forma decisiva a alguma das nume-rosas teorias existentes a respeito.

O período paleobabilônico viu sem dúvida um desen-volvimento das transações mercantis e creditícias, mesmona ausência de moeda cunhada, e um incremento dadivisão social do trabalho. Alguns acham que isto teriaabalado as estruturas comunitárias das aldeias, mas tal::oisa é duvidosa. Há indícios, outrossim, de uma grandeheterogeneidade regional na Baixa Mesopotâmia, queexemplificaremos. Uma pesquisa baseada em 1 600 do-cumentos, que permitiram conhecer as atividades de cercade 20 000 pessoas, mostrou, na cidade de Sippar, entre1894 e 1595 a.C., a existência de muitas famílias ricas

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semconexões com os templos e o governo real, dedicadasà agricultura e ao comércio exterior, sendo que os ganhoscomerciais eram investidos na compra de terras e na impor-tação de escravos. Mesmo o rei de Babilônia vendeu ter-renos rurais a pessoas de Sippar, que eram, em parte,arrendados. Eshnunna apresentava características simila-res às de Sippar, e Ur - centro da importação do cobre- estava, pelo contrário, sob estreito controle estatal emostrava menor pujança da iniciativa privada.

O período seguinte - a segunda metade do 11 milê-nio a.c., ou período cassita da Babilônia - é mal conhe-cido. Ao chegarem à Mesopotâmia, imigrações de povosainda tribais (os cassitas, os arameus e, já no início doI milênio a.c., os caldeus) revitalizaram as estruturascomunitárias. Por outro lado, a interrupção dos editos dotipo misharum significou o abandono da proteção aos pe-quenos proprietários endivida dos, disto resultando a con-centração da propriedade do solo. Os santuários viram-senovamente com a atribuição de muitas terras, mas sobestreito controle real. Os reis cassitas doaram extensosapanágios a seus parentes, a chefes militares e a funcio-nários do palácio, isentando-os de corvéias e impostos,como sabemos por monumentos inscritos de pedra (kudur-ru). A diferenciação sociojurídica entre os awilu e osmushkenu continuou em vigor, prolongando-se até o milê-nio seguinte.

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o I milênio a.C.

A Baixa Mesopotâmia - sob domínio às vezes so-mente nominal de Babilônia - estava, na primeira partedo I milênio a.c., inicialmente sob a influência indiretados assírios e, depois, sob seu governo. Babilônia, Sippar,Nippur, Uruk faziam parte, porém, de um grupo de cida-des privilegiadas, centros agrícolas e manufatureiros -

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no caso de Babilônia, "cidade santa" -, em cujas estru-turas internas os dominadores do norte pouco intervieram.Os assírios favoreceram os templos com muitas doações,mantendo-os, porém, sob controle estatal. As comunidadesaldeãs foram reformuladas: as famílias camponesas - emmuitas regiões do império vindas de outras plagas, segundoo sistema assírio de deportações de populações inteiras- deviam entregar certas taxas in natura ao governadorprovincial, enquanto a aldeia, em bloco, devia outras taxasao rei. Esta reorganização rural assíria afetou poucas re-giões na Baixa Mesopotâmia, onde muitas das cidadesgozavam de privilégios fiscais e conservavam suas própriasleis e instituições, incluindo as assembléias e conselhosde anciãos (aldeães e urbanos), de tradição muitas vezesmilenar. Embora as numerosas guerras do período tenhamintensificado a escravidão, esta continuou constituindo umaspecto secundário das relações de produção.

Ao domínio assírio sucedeu-se o Império Neobabi-lônico (626-539 a.C.). Nesta fase - a última da históriaindependente de Babilônia -, os templos tiveram outravez um papel fundamental na economia. Um único templo(o Eanna, de Uruk) possuía, em meados do século VIa.c., 20650 hectares de terra conhecidos, que eram,como se sabe, só uma parte de um conjunto ainda maisvasto. No entanto, o dízimo real atingia todas as terras,inclusive as dos templos, e a ingerência do Estado naeconomia dos santuários foi causa de forte oposição sacer-dotal ao rei Nabonido. As propriedades do palácio, menosconhecidas, eram também importantes.

Os domínios dos templos eram em grande proporçãoarrendados a pequenos parceiros, que entregavam parteda colheita (erreshu), ou a pessoas de posses (os arren-datários ikkaru), que arrendavam grandes extensões deterra por períodos longos, para explorá-Ias mediante tra-balhadores (sabé); estes podiam ser livres ou escravos,

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os quais se alugavam coletivamente: formavam "tropas"errantes em busca de trabalho. As terras administradaspelo próprio templo eram cultivadas por agricultores de-pendentes, que, tal como os pastores e os artesãos dosantuário, recebiam alimentos, roupas e prata em trocade trabalho. A renda de certas terras era dada em pre-benda a trabalhadores graduados e dignitários do templo,correspondendo a dias de serviço, e os titulares podiamnegociar com ela.

A importância social dos complexos dos santuáriosera tanta que se pode falar de uma espécie de "sociedadedos templos", muito estratificada, dentro da sociedade ba-bilônica global. Esta "sociedade dos templos" (shirkatu)estava constituída por indivíduos que haviam sido consa-grados à divindade por seus pais ou outras pessoas, for-mando uma hierarquia que ia desde grandes personagens- possuidores de terras e escravos, e que participavamdo grande comércio - até agricultores, pastores e artesãosdependentes.

Nota-se a ligação dos templos com a sociedade globalno fato de que o grupo de "notáveis" (os mar bani), queocupava o topo da sociedade mesopotâmica, exercia pre-bendas nos templos e era formado por "anciãos" dos con-selhos ou tribunais que funcionavam no interior dos san-tuários.

f: possível que as grandes oficinas artesanais e o in-tenso comércio exterior tenham sido majoritariamente con-trolados pelos templos. Mas os comerciantes tamkarucontinuavam ativos, ligados ao palácio: o principal tam-karum do rei Nabucodonosor tinha nome fenício, e sabe-

mos que as cidades de Tiro e Sidon ocupavam lugarprivilegiado no comércio do Império Neobabilônico. Haviaverdadeiras firmas privadas, como os Egibi, de Babilônia,e os Murashu, de Nippur, que investiam no comércio,

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possuíam terras - que em parte arrendavam - e atuavamcomo bancos.

No período persa não houve grandes mudanças estru-turais, mas com a introdução da moeda cunhada deu-se,ao que parece, um empobrecimento ainda maior dos cam-poneses de menos recursos.

Apesar do grande desenvolvimento da propriedadeprivada, da economia mercantil e da escravidão, concor-damos com Adams quando afirma o seguinte a respeitodas comunidades aldeãs:

(. . .) o papel das comunidades corporativas na agriculturamesopotâmica permaneceu substancial não apenas duranteo 1/ milênio. mas até muito mais tarde. Seu número einfluência sobre o curso dos acontecimentos seguramenteforam sujeitos a fIutuações. mas enquanto tais comunidadessão fracas. individualmente, coletivamente parecem quaseindestrutiveis. Em suma, elas eram regularmente minadas econtinuamente geradas de novo por um contexto maisamplo de incerteza ecológica. de pressões no sentido desua subordinação ao crédito e ao poder urbanos, de resis-tência a tais pressões. e de cristalização e decadênciaalternadas dos controles politicos e administrativos impos-tos por dinastias sucessivas. N

Este fato pode ser ocultado por uma documentaçãode origem maciçamente urbana e não-rural, e pela insis-tência dos poderes constituídos só nas formas legais depropriedade, deixando na sombra - por não mencioná-Ias- as modalidades informais e consuetudinárias de acesso

ao solo e à água, que nem por isso cessavam de existire de ter grande peso nas zonas rurais.

11AOAMS, Robert M. Property rights and functional tenure inMesopotamian rural communities. In: - et aI. Societies alldlallguages of the aflciellf Near East, p. 11. V. "Bibliografia co-mentada".

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3o Egito faraônico

Introdução

Como área de assentamento permanente, o antigoEgito é sinônimo das terras imediatamente atinentes aocurso do rio Nilo: do Mediterrâneo, ao norte, até a atualAssuan, ao sul, onde começava a Núbia. Rio perene, emzona desértica, o Nilo era a garantia da vida num paísonde a agricultura de chuva representava uma impossi-bilidade. Por razões que tanto a História quanto a Geo-grafia justificam, é usual a distinção entre o Baixo Egito,que compreende o delta do Nilo e uma pequena porçãodo vale fluvial imediatamente ao sul, e o Alto Egito,integrado pela porção do vale do Nilo, ao sul do atualCairo e ao norte de Assuan.

Era corrente, entre os egiptólogos mais antigos, acre-ditar numa espécie de "prioridade" do delta em matériade povoamento e civilização, quando comparado ao valeque, no entanto, foi a região de onde partiu a unificaçãodo reino - mesmo se este continuou sendo visto como

um país duplo: o faraó, ou monarca egípcio, era "rei doAlto e Baixo Egito", ou "senhor das duas terras". Atual-

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mente, a tendência é inversa: estudos unindo a paleoeco-logia com métodos arqueológicos e históricos mostraramque o vale, no período chamado Pré-Dinástico - queantecede o processo de unificação completado por voltade 3000 a.c. -, era mais densamente povoado que odelta. Este último manteve-se como zona de colonizaçãoagrícola ao longo de boa parte da história faraônica, equiçá só por volta de fins do 11 milênio a.C. sua popu-lação tenha se igualado à do sul em números absolutos,conservando-se ainda inferior em densidade.

O Egito foi povoado desde tempos pré-históricos mui-to remotos, mas é provável que o fator decisivo na for-mação do país como o conhecemos na fase histórica tenhasido a constituição da ecologia atual da região, com ovale do Nilo apertado entre colinas que o separam dodeserto Líbico, a oeste, e do deserto Arábico, a leste. Nopassado, a agricultura e a criação de gado foram possíveisnuma faixa de vários quilômetros de cada lado do cursodo Nilo, e igualmente em vales tributários, hoje secos.Porém, por volta de 3300-3000 a.C., isto é, no final doPré-Dinástico e na fase da unificação, uma forte quedada pluviosidade, ligada à desertificação agora completado norte da África, tornou impossível a vida agrícola forado vale do Nilo. Isto estimulou o início, ainda tímido, dairrigação artificial.

A língua egípcia antiga, na classificação de M. Gre-enberg, pertence à família "hamito-semítica", ou "afro--asiática", o que a vincula, por um lado, a línguas africa-nas (berbere, tchadiano) e, por outro, às línguas semíticasda Ásia Ocidental. Isso talvez reflita dados do povoamentodo país, onde elementos vindos do Saara, outrora fértil,se mesclaram com elementos chegados da Síria-Palestina,enquanto a arqueologia e outros dados mostram um forteinfluxo de negróides que desceram o curso do Nilo. Pre-tendeu-se mesmo, recentemente, que os antigos egípcios

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fossem total ou predominantemente negróides, mas a ver-dade é que os elementos disponíveis não permitem decidira respeito, numa discussão marcada por fortes injunçõesideológicas (negritude, unidade africana).

Como no caso da Baixa Mesopotâmia, o espaço dis-ponível neste livro nos proíbe até mesmo fazer umaresenha rápida das etapas da história faraônica do Egito.(Ver o quadro 2.)

As forças produtivaso~Zo«-a:««u1.1.-Z00 0_we,:,uw«

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Sobre este tema, fizeram-se progressos muito grandesnos últimos anos, o que talvez explique que em manuaisrecentes ainda se veiculem informações falsas. O de Fine-gan 1, por exemplo, assim apresenta as fases da metalurgia,no caso do Egito:

Período Inicial do Bronze_3100-2100 a.C.Período Médio do Bronze_2100-1500 a.C.Período Tardio do Bronze_1500-1200 a.C.Período Inicial do Ferro 1200-900 a.c.Período Médio do Ferro 900-600 a.C.Período Tardio do Ferro 600-300 a.C.

Ora, esta projeção da cronologia das fases da meta-lurgia da Ásia Ocidental sobre o Egito é absurda, pois aseqüência correta é a que apresentamos no quadro 2: aum longo período de emprego do cobre, endurecido comarsênico, segue-se uma fase ainda inicial do bronze noReino Médio - baseada, parece, na importação de lin-gotes prontos ou na fusão de minérios contendo, em formanatural, cobre e estanho, sendo que continuava persistindoamplamente o uso do cobre - e, depois, uma fase plena

1 FlNEGAN, Jack. Op. cit., p.. IX-XIII.

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IIdo bronze como resultado da introdução, por invasoresasiáticos (hiesas) de técnicas mais aperfeiçoadas de meta-lurgia, permitindo finalmente a fusão simultânea de miné-rios de cobre e de estanho; quanto ao ferro, embora conhe-cido desde a segunda metade do II milênio a.C., suaprodução não teve qualquer importância no Egito até ainvasão dos assírios (século VII a.C.). Insistimos nissoporque no Brasil, ao que tudo indica, esses dados aindasão amplamente ignorados. 2

Também no tocante ao estudo da irrigação antiga, osprogressos foram fantásticos nas duas últimas décadas,em especial devido às pesquisas de KarI Butzer e BarbaraBeIl. Os níveis das cheias do Nilo, a população egípciae a superfície cultivada, antes tratados quase sempre comoconstantes - salvo fIutuações acidentais -, passaram aser vistos como variáveis. O nível do rio e de suas cheias

variou segundo fases perceptíveis nos tempos históricos;a população aumentou ou diminuiu conforme as épocas,mudando a sua distribuição espacial, e o sistema de irri-gação - de início baseado quase todo nas bacias formadasnaturalmente pelo rio - foi-se complicando e aperfei-çoando ao longo dos séculos para adaptar-se à pressãopopulacional - criando maior superfície cultivável - eaos insumos de trabalho variáveis. Ao mesmo tempo queas técnicas da irrigação mudaram constantemente, as docultivo e da colheita permaneceram, pelo contrário, prati-camente inalteradas, por serem adequadas às condições daagricultura egípcia. (Ver o quadro 3, cujos dados devemser encarados somente como ordens de grandeza, admi-tindo importante margem de erro.)

2 HARRIS,J. B. Technology and materiaIs. In: -, ed. The legacyof Egypt. Oxford, Clarendon Press, 1971. p. 83-111.Ver um dos últimos estudos metalúrgicos de objetos do ReinoAntigo em Journal of Egyptian Archaeology, London, 70, 1984.p. 33-41.

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Quadro 3

Fonte: BUTZER, Karl W. Early hydraulic civiliza/íon in Egypt.Chicago, University of Chicago Press, 1976. p. 83. (Comsimplificações. )

Para o período que consideramos - da unificaçãoaté a conquista macedônica -, os estudos de Butzer cons-tataram maior densidade demográfica no vale do que nodelta e ocorrência de diminuições da população nasépocas de divisão e anarquia política (os três períodosintermediários do quadro 2).

O sistema de irrigação egípcio era muito diferentedo complexo sistema mesopotâmico, porque as condiçõesnaturais eram muito diversas nos dois casos. A cheia doNilo também fertiliza as terras com aluviões, mas é muito

mais regular e favorável em seu processo e em suas datasdo que a do Tigre e Eufrates, além de ser menos destrui-dora. Sua fase principal começa em julho; isto quer dizerque nos meses de maior calor o solo arável é cobertopela água, sendo protegido ao mesmo tempo em que éfertilizado. Quando as terras voltam a emergir, em finsde outubro ou em novembro, é o momento adequado paraa semeadura. Entre a colheita (abril-maio) e a nova cheia

passa-se tempo suficiente para a limpeza e o conserto dasinstalações de irrigação. Não são necessárias, na maioriados casos, as obras de proteção, absolutamente essenciais

POPULAÇAO,AREA CULTIVADA EDENSIDADEDEMOGRAFICAHIPOTÉTICASNO EGITO

FARAONICOSEGUNDOCALCULOSDE BUTZER

Ano (a.C.) HabitantesKm2 cultiváveis Habitantes por km2

disponíveis de terras cultiváveis

3000 870 000 15100 57,61

2500 1 600 000 17100 93,57

1800 2 000 000 18450 108,40

1250 2 900 000 22 400 129,46

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na Mesopotâmia. Embora as circunstâncias da agriculturairrigada egípcia, no período faraônico, não permitissemmais de uma colheita anual, os rendimentos eram satis-fatórios na maioria dos anos.

Outrossim, o vale e o delta do Nilo são autodrena-dos ao passar os meses de inundação, ao contrário doque acontece na Baixa Mesopotâmia. Ao ocorrer a cheia,o rio invade uma série de tanques naturais interconectados,formando conjuntos locais totalmente independentes unsdos outros quanto à entrada e saída da água. No iníciodo período histórico, uma agricultura irrigada herdada doPré-Dinástico, adaptada às bacias, ou tanques, naturais -regularizadas e às vezes subdivididas e providas de diquesde separação para o controle da entrada e saída do flu-xo -, começava apenas a criar também redes de canaispequenos para melhor distribuição da água pelos campos.Com o tempo, o sistema passou por sucessivos aperfeiçoa-mentos e as hortas e vergéis situados em terrenos maisaltos deviam ser regados com a água transportada empotes, pois só no século XIV a.C. se introduziu um meca-nismo baseado no contrapeso para elevação da água, queno Egito de hoje é conhecido como shaduf.

Como a agricultura dependia das cheias, ao ser feitaa avaliação do solo para o estabelecimento do imposto,fazia-se a distinção entre a chamada "terra alta" - queconstituía a categoria mais extensa, entendida como soloque era habitualmente produtivo para cereais, mas que emanos de má inundação podia ficar a seco - e a "terrabaixa" - um terreno que em hipótese alguma deixava dereceber a inundação. Às vezes se considerava um terceiroelemento: as "ilhas", que funcionavam como terra baixa,mas eram consideradas, por definição, propriedade diretado rei; muitas delas eram formadas só ocasionalmente,sem que constituíssem traços permanentes da topografiado vale.

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O sistema egípcio de agricultura irrigada adequava-sebem a um controle local, ao nível do que no Egito unifi-cado eram as províncias - cada uma delas chamada spat,mas que denominamos mais correntemente de nomos,usando um termo derivado do grego -, ou mesmo aonível das aldeias. Não há qualquer sinal de grandes obrasde irrigação levadas a cabo pelo governo central, ou sobseu controle, até o Reino Médio, quando a unificação dopaís já tinha um milênio de existência. Por outro lado, oestabelecimento de reservas de alimentos para redistribui-ção em caso de necessidade, de que dá testemunho o VelhoTestamento (Gênesis, capítulos 41 a 43), e que sebaseava na rede de celeiros dos templos, não é atestadoantes do Reino Novo (segunda metade do 11milênio a.c.).

Isso significa que a conclusão para o Egito tem deser a mesma que para a Mesopotâmia: a agricultura irri-gada, ao permitir o aumento demográfico e a produçãode excedentes, foi condição necessária para o surgimentoda civilização faraônica, mas não procede a "hipótesecausal hidráulica" - muito popular entre os egiptólogos

até um passado recente -, posto que o controleda irrigação era local, e só tardiamente o Estado se voltoupara grandes obras no setor; aliás, sem que mudasse poristo o caráter fundamentalmente local da organizaçãohidráulica. 3

Quanto aos outros aspectos das forças produtivas,

podemos considerar três fases principais em que se deraminovações tecnológicas: 1. Durante o IV milênio a.C. eno início do milênio seguinte (até aproximadamente 2700a.C.), fixaram-se algumas das técnicas básicas da civili-zação egípcia: diversas técnicas agrícolas e da pecuária;

3 BUTZER, Karl W. Perspectives on irrigation civilization in Pha-raonic Egypt. In: ScHMANDT-BESSERAT,D., ed. Immortal Egypt.Malibu, California, Undena Publications, 1978. p. 13-8.

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metalurgia do cobre, persistindo porém o predomínio deuma tecnologia da pedra e da madeira nos instrumentosda produção agrícola; um torno lento para a produçãoda cerâmica; o tear horizontal; técnicas de construção emtijolo e, no final do período, em pedra; de navegação aremo e a vela; de escrita e aritmética etc. 2. O ReinoMédio (2040-1640 a.c.) viu uma relativa difusão do usodo bronze, mas foi o Segundo Período Intermediário(1640-1550 a.c.) que se apresentou como novo na ino-vação e aperfeiçoamento tecnológico, com a introdução,pelos asiáticos hicsos, de métodos melhores de metalurgiado bronze, de um torno rápido para fabricar cerâmica,do tear vertical mais eficiente, do gado zebu e do cavalo,de novas frutas e legumes, além de técnicas militares (arcocomposto, carro), sem as quais as conquistas do ReinoNovo na Ásia seriam impossíveis. 3. Por fim, a ocupaçãoassíria difundiu, no século VII a.C., o uso do ferro, popu-larizando finalmente no Egito os instrumentos metálicos,antes raros e caros.

Essa cronologia mostra um nítido atraso na evoluçãotecnológica egípcia em comparação com a da Ásia Oci-dental. O baixo nível geral das forças produtivas eracompensado com o uso maciço de uma mão-de-obra abun-dante. Ao ocorrerem cheias demasiado baixas, ou altas

demais, apesar das condições naturais serem normalmentefavoráveis, elas podiam trazer catástrofe e fome, coisabem documentada nos tempos faraônicos.

Descrição das principais atividadeseconômicas

A economia egípcia baseava-se na união da agricul-tura e da pecuária, atividades estas que, no entanto, eramsempre estritamente separadas do ponto de vista admi-

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nistrativo. Se a Baixa Mesopotâmia deixou uma quanti-dade de documentos escritos, pertinentes para a históriaeconômica, maior do que o Egito faraônico, este, emcompensação, legou-nos uma riquíssima iconografia (pin-turas e relevos murais das tumbas, modelos de ferramentas,maquetas diversas), que nos facilita a descrição das ativi-dades de produção e transporte.

Os cultivos básicos eram o trigo-duro (emmer), parao pão, a cevada, para a cerveja, e o linho, para o vestuário.A semeadura destas plantas era feita, com freqüência,na terra ainda muito mole, imediatamente depois do reflu-xo da cheia anual. O leve arado de madeira abria ossulcos, e o gado menor pisoteava os campos para enterraras sementes. Se, ao chegar o momento da semeadura, aterra estivesse seca, a enxada e o arado - muito simples,de madeira e corda - serviriam para abrir e homoge-

neizar a terra, e enterrar os grãos.Entre a semeadura e a colheita, a umidade com que

a cheia impregnara o solo bastava para o crescimentodas plantas. Os camponeses podiam, portanto, dedicar-seà horticultura, à viticultura e aos vergéis: aos cereais sejuntavam, assim, legumes e verduras diversos, a uva parao vinho, frutas variadas.

A colheita de cereais era feita cortando-se o talo

com uma foice primitiva: um crescente de madeira noqual se inseriam lâminas cortantes de sílex; o linho eraarrancado. Em seguida, o grão e a palha eram separados,fazendo-se com que o gado pisoteasse os montes de espi-gas na eira. Peneiravam-se os grãos resultantes, para lim-pá-Ios, armazenando-os por fim em celeiros.

No antigo Egito, os animais domésticos mais usuaiseram os bois, asnos, carneiros, cabras, porcos, aves diver-sas e, a partir do período dos invasores hicsos, os cavalos.Os bovinos serviam principalmente para o tiro e para o

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leite; a carne era um alimento de alto luxo, só muitoocasionalmente disponível para os menos favorecidos. Ospastos se localizavam quase sempre em terras pantanosas.Como na Mesopotâmia, o rebanho era melhorado medianteimportação de reprodutores (da Núbia e Ásia). A criaçãose fazia em duas fases: na primeira, os animais eramdeixados em liberdade; na segunda, selecionavam-se al-guns para a engorda sistemática, encerrando-os.

A pesca era praticada no Nilo, nos canais e nospântanos segundo métodos variados (anzol, rede, nassa,arpão), e o consumo popular de peixe era grande, espe-cialmente seco. Entre os privilegiados, porém, havia certaslimitações de cunho religioso a tal consumo. A caça erarealizada nos pântanos e no deserto, como esporte, paraprover a mesa dos poderosos e renovar a criação de aves:captura de patos e gansos selvagens com redes. As ativi-dades extrativas compreendiam o barro do Nilo parafabricação de cerâmica, tijolos; o papiro, de múltiplasutilidades - a mais importante era a fabricação de mate-rial para a escrita; juncos e caniços para confecção decestas e móveis populares; a madeira de qualidade inferiordisponível no Egito (sicômoros, palmeiras, acácias etc.).

O artesanato dependia, antes de mais nada, das maté-rias-primas fornecidas pela coleta e agricultura: produçãode tijolos e vasilhas de argila; fabricação diária do pãoe da cerveja; produção de vinho; fiação e tecelagem dolinho; indústrias do couro, do papiro e da madeira. Dife-rentemente da Mesopotâmia, o Egito contava, em regiõessubmetidas nas épocas de centralização monárquica à suajurisdição direta (o Sinai, o deserto oriental, a Núbia),com fácil abastecimento de pedras para construção eestatuária, gemas semipreciosas e minérios (ouro, cobre,chumbo; agora se sabe que também algum estanho). Mascertas matérias-primas deviam ser importadas: a madeira

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de cedro, que vinha de Blblos, na Fenícia; minérios; olápis-Iazúli.

A organização artesanal fazia-se em dois níveis dife-rentes. Nas aldeias, os camponeses fabricavam seus im-plementos e objetos grosseiros de uso corrente, não tendoem geral acesso aos produtos do artesanato de alta quali-dade. Este último concentrava-se em oficinas, às vezesgrandes, instaladas nos palácios do rei, templos e grandesdomínios rurais. O faraó exercia o monopólio sobre aexploração das minas e pedreiras através de expediçõesintermitentes, bem como sobre as grandes construções e.obras públicas.

Desde o Reino Antigo, as tumbas mostram em seusrelevos a existência de um pequeno comércio local baseadono escambo. Existiam especialidades regionais - Saisera grande centro têxtil; o delta tinha os melhores vinhedose os maiores rebanhos; Mênfis concentrava muita ativi-dade metalúrgica etc. -, e o Nilo era singrado porbarcos, às vezes de grande porte; mas, como veremos, acirculação das cargas de uma a outra parte do país fazia-sesobretudo administrativamente, por conta do sistema eco-nômico estatal. Nas transações mais importantes usava-seum padrão de referência, constituído por pesos de metal(cobre, prata), que serviam de equivalente de valor emoeda de conta, mas o pagamento efetivo era feito comobjetos diversos. O grande comércio exterior, realizadopor terra, subindo-se o Nilo e, principalmente, por mar- com as ilhas de Creta e Chipre, com a Fenícia, noMediterrâneo, e com o "país de Punt" (talvez a costada Somália), pelo mar Vermelho -, servia para importarmatérias-primas e objetos de luxo, bem como artigos ne-cessários ao culto religioso, pagando-se as importações emboa parte com o ouro extraído do deserto Arábico e daNúbia. Tal comércio de longo curso organizava-se atravésde expedições ordenadas pelo rei ou pelos templos.

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Propriedade e relações de produção:interpretação das estruturas econômico--sociais

A formação da sociedade faraônica

O Egito foi o primeiro reino unificado da História.Esta é uma das razões pelas quais sua evolução difereda mesopotâmica. Diz Trigger que, na Mesopotâmia, osfrutos da civilização foram partilhados entre diversas cida-des-Estados e, no interior destas, entre vários grupossociais, se bem que desigualmente. No Egito dos faraós,os frutos em questão concentraram-se por muito tempoquase só na corte real e, secundariamente, nos centrosregionais do poder. 4 Se na Mesopotâmia, partindo docontrole estatal - dos templos e do palácio -, o comérciocedo começou a servir também à acumulação de riquezasprivadas, no Egito as trocas importantes permanecerampor muitíssimo mais tempo sob controle do Estado, semabrir as oportunidades sociais surgidas no caso mesopo-tâmico. O efeito mais marcante da forma pela qual a

unificação precoce afetou a história egípcia foi que, paraas aldeias, as mudanças ocorridas no nível político nofinal do IV milênio a.C. e no início do milênio seguinte

_ ao emergir a monarquia "divina" dos faraós - tiveramconseqüências bem limitadas: o Egito unificado perma-neceu, em sua base rural, uma sociedade baseada naagricultura aldeã. 5

Podemos supor que a ajuda mútua camponesa, sur-gida no Pré-Dinástico como forma de organização aserviço da irrigação e transformada agora em "corvéia

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4 TRIGGER,B. G. The rise of Egyptian civilization. In: - et aI.Ancient Egypl, p. 51, 57-8, 61. V. "Bibliografia comentada".5 HOFFMAN,Michael A. Egypl beiore the Pharaohs. London,Routledge & Kegan Paul, 1978. p. 17.1,1

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real", tenha conhecido certa intensificação, além de serexigida para finalidades mais numerosas; e que a recipro-cidade típica das sociedades tribais tenha assumido, nasrelações entre o Estado e as aldeias, o aspecto de distri-buições de rações quando do trabalho para o governo,e talvez também de "prêmios" especiais na forma debebidas e carne em certas ocasiões, o que pareceria asse-gurar a continuidade com as estruturas do período anterior.É possível supor, também, que ao lado do domínio emi-nente que pelo menos em teoria e ao nível da ideologiao soberano exercia sobre o solo, e das primeiras formasde propriedade individual (de função e privada) quecomeçavam a aparecer, formas mais antigas de acesso àterra, ao nível das aldeias, mas também dos "notáveis"locais, puderam manter-se, adaptando-se à nova organi-zação político-social.

A situação do período pós-unificação foi preparadadesde o IV milênio a.c., pelo fato de as sociedades dofinal do Pré-Dinástico certamente não serem já iguali-tárias. Mesmo antes da unificação existiram sistemas locaisde centralização e redistribuição de bens, sem os quais- pensamos especialmente na redistribuição de cereais emforma de rações - seria difícil explicar trabalhos cole-tivos consideráveis (em santuários, por exemplo), cujaexistência é demonstrada pelas escavações arqueológicas.6

As estruturas básicas do Egito durante o 11Imilênio a.C. e a primeira metade do 11milênio a.C.

O Egito faraônico, salvo nos períodos de anarquiae divisão, era um reino centralizado, no qual o Estado

6 Id., ibid., p. 319; CASTlLLOS,Juan J. A study oi lhe spatial dis-IribU/ion oi large and richly endowed tombs in Egyplian Pre-dynaslic and Early Dynaslic cemeleries. Toronto, Benben, 1983.

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exercia estreito controle sobre a economia do país. Outros-sim, mesmo se a informação disponível sobre as comu-nidades rurais e as cidades e povoados locais é bastanteescassa, começa-se a perceber, atualmente, algo que pormuito tempo escapara à egiptologia: a vitalidade de formaslocais ou regionais de poder, de relações sociais e deorganização econômica ligadas a padrões consuetudinários,nas quais o governo central interferia só em forma muitolimitada, no sentido de impor um controle geral.

Assim, seria possível descrever o sistema econômico--social egípcio em dois níveis. O primeiro, e para nóso mais visível, em função da origem e do caráter" dasfontes disponíveis, era o das estruturas econômico-sociais"estatais": baseava-se na extração de excedentes de todasas comunidades locais, tanto urbanas quanto rurais, atra-vés do tributo em produtos e de trabalho para todos osempreendimentos do Estado - na forma da "corvéiareal", que servia para o trabalho agrário nas terras dacoroa, dos templos e dos grandes funcionários, para asconstruções públicas, para as expedições extrativas envia-das às minas e pedreiras, e para a guerra. O outro nível,maciçamente camponês, era o de unidades domésticas,ou comunais, em grande parte auto-suficientes, possuindoeconomia e sistema social provavelmente bastante variáveisno detalhe de região a região, já que eram governadospelo costume. Na medida em que não afetasse as relaçõesentre o Estado e seus súditos tributários, esta vida sociallocal e consuetudinária era deixada em paz pelos fun-cionários da monarquia. J? fato, por exemplo, que o casa-mento no antigo Egito nunca foi visto como instituiçãojurídica, mas tão-somente como uma prática social eprivada governada pelo costume, desprovida de qualquersanção religiosa ou pública.

Analisemos, primeiro, o setor "estatal" das estruturaseconômico-sociais.

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O excedente recolhido das comunidades locais eraarmazenado para futura (e parcial) redistribuição. Ostributos assim acumulados eram de vários tipos: cereais,gado, alimentos diversos, tecidos etc. A partir dos depó-sitos estatais, eram manipulados num complexo sistemade redistribuição, que variava desde rações a nível desubsistência, distribuídas a trabalhadores não-qualificadose às pessoas submetidas à corvéia, até remunerações muitomais substanciosas atribuídas aos funcionários de todosos tipos (pessoal da corte, escribas, sacerdotes), a arte-sãos de alta qualificação que trabalhavam para a corteou para os templos etç. Tudo isso supunha uma boa orga-nização burocrática, para que fosse possível cOl11putaras pessoas, o gado e as riquezas em geral para o cálculodo imposto e a distribuição das corvéias; e um sistemade contabilidade que permitisse o controle das equipesde trabalhadores com seus capatazes, dos funcionários eda remuneração devida, em produtos, a cada homem,segundo sua atividade e seu status, enquanto ele estivessenas listas das distribuições estatais - pois mesmo o tra-balho de corvéia era remunerado, apesar de compulsório,através da distribuição de rações. Diversos departamentosdo governo, sob a supervisão geral do tjati - termousualmente traduzido por vizir -, encarregavam-sedocontrole dos recursos disponíveis,dos impostos e da forçade trabalho.

Ao falarmos de um nível "oficial" da economia, nãoestamos implicando que só existisse a propriedade doEstado. Através de concessões que formavam um tecidocomplicado de direitos justapostos, ou mesmo superpostos,ao uso e controle das terras e seu rendimento, assim comodo gado e de pessoas, de fato surgiu uma rede coerentede propriedades da coroa (terras do Tesouro, terras queeram propriedade pessoal do faraó, terras de fundaçõesreais), dos templos e possuídas em caráter privado (here-

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ditárias e negociáveis) ou através de funções públicas (não--hereditárias, a não ser que a função passasse de pai parafilho, e não-negociáveis) exercidas por grandes funcio-nários: tal rede mudou muito em seus detalhes ao longoda história egípcia. Existiam vínculos estreitos entre asdiferentes categorias de propriedades. As terras dos templosdevem ser vistas como parte do domínio do Estado,mesmo possuindo considerável autonomia e gozando àsvezes de muitas isenções; com freqüência eram adminis-tradas por funcionários que não eram sacerdotes, e, sejacomo for, inexistiam barreiras separando os empregoscivis e religiosos no interior do Estado egípcio. As pro-priedades privadas e "de função" dos grandes funcionários,bem como aquelas possuídas pelos templos, pagavam im-postos e deviam contribuir para o sustento do rei e dacorte.

Uma organização como essa, muito centralizada ena qual um sistema estrito de regras, disciplina e repressão_ além, claro está, do peso ideológico da "monarquiadivina" - governava as relações entre Estado e súditos,não favorecia o surgimento de formas privadas de comér-cio. Na verdade, até meados do 11 milênio a.C. inexistiana língua egípcia um termo que significasse mercador.No entanto, são numerosos os autores que, contra toda aevidência, procuram convencer-nos do contrário. Kemp,por exemplo, acredita - sem qualquer base documentalde apoio - na existência de um "complexo e extensosistema de comercialização"7 no Reino Antigo. Nistopodemos constatar, simplesmente, a força ideológica ea ampla difusão de um tipo de teoria econômica quebaseia a explicação do funcionamento da economiade qualquer economia - nos fatos do mercado.

7 KEMP, Barry J. Old Kingdom, Middle Kingdom and SecondIntermediate Period. In: TRlGGER, B. G. et aI. Op. cit., p. 81.

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Passaremos agora a considerar o outro pólo dasestruturas econômico-sociais egípcias: as comunidadesaldeãs. Basear-nos-emos numa pesquisa, ainda inédita, querealizamos recentemente a respeito, e da qual só apresen-taremos algumas das conclusões.

Havia três aspectos fundamentais em que se mani-festavam os princípios de uma organização aldeã comu-nitária no Egito dos faraós: 1. Existiam elementos desolidariedade econômico-social num sentido amplo: uniãoentre artesanato e agricultura nas aldeias, mantendo a suatendência autárquica; formas de crédito, de transaçõescomerciais e de presentes recíprocos (dons e contradons)entre as famílias, de forte caráter comunitário, 8 ao qualvem se somar o fato de que o controle social, a nívellocal, era deixado às instâncias das próprias comunidadesurbanas ou rurais. 2. Havia o controle da irrigação e deaspectos específicos do ciclo agrário exercido por órgãoscomunitários locais: controle da água e das instalaçõesde irrigação, talvez, de início, do acesso à terra pelasfamílias da comunidade rural - sendo este, porém, umdos pontos mais duvidosos diante da documentação dispo-nível -, da lavra do solo e da semeadura, de problemasde limites que afetassem o imposto sobre a colheita; existia,igualmente, uma solidariedade aldeã diante de tal impostoe das corvéias exigidas. 3. Por fim, aos órgãos derivadosdas próprias comunidades eram deixadas - sob a vigi-lância e o controle, em última instância, dos poderesprovinciais e do poder central - amplas funções adminis-trativas e judiciárias a nível local: tais órgãos dirimiamdisputas, intervinham em questões criminais e cíveis, regu-lavam e registravam as transações e os atos ligados àherança, tinham vasta competência administrativa.

8 Ver MENU, Bernadette. Le prêt en droit égyptien. Etudes surI'Egypte et te Soudan Ancien, Lille, 1, 1973. p. 59-141; JANSSEN,J. J. Gift-giving in ancient Egypt as an economic feature. Journalof Egyptian Archaeotogy, London, 68, 1982. p. 253-8.

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Os órgãos básicos que regulavam a ação comuni-tária quanto aos três pontos acima especificados eramconselhos locais. Existiu, inicialmente, um conselho cha-mado djadjat; em seguida outro, a kenebet, que acabousuperando de vez o primeiro. Tais conselhos eram forma-dos por membros da própria comunidade, por esta desig-nados, podendo a sua composição variar de um dia paraoutro. Um dos títulos dos membros dos conselhos locaisera o de "anciãos"; em outras ocasiões eram chamados"notáveis" - título que indica uma certa hierarquiasociofuncional -, o que nos deve alertar contra a ten-tação de associar a existência de traços comunitários aum "igualitarismo" interno à comunidade. Sabemos, pelocontrário, que desde o final do Pré-Dinástico tais comu-nidades já apresentavam nítida hierarquização social inter-na, acentuada nos milênios seguintes.

Transformações ocorridas na segunda metade do11milênio a.C. e no I milênio a.C.

O sistema econômico-social que acabamos de des-crever persistiu durante a totalidade da história do Egitofaraônico. Mesmo assim, existe um forte sentimento entreos egiptólogos de que algo mudou no período inauguradocom a XVIII Dinastia. Tal mudança é quase sempre expli-cada pelas conquistas militares do Reino Novo, que causa-ram um aumento do comércio, a introdução no Egito denumerosos escravos, a expansão da propriedade privadaatravés de doações de terras a soldados etc.

Pela primeira vez as fontes começam a mencionar"comerciantes" - mesmo se não sabemos muito sobre

eles, e pareçam dep~nder do palácio e dos templos; perce-bemos, então, a existência de algum comércio privadodentro do Egito, e deste com a Ásia e a Núbia, incluindo

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algum tráfico de escravos. Provas de uma maior difusãodas relações mercantis são o desenvolvimento, pela pri-meira vez no Egito, do direito privado, e o aperfeiçoa-mento dos meios de avaliar qualquer objeto em pesos demetal ou cereal, embora os pagamentos continuassemsendo feitos com objetos diversos. f: indubitável, também,a presença de muitos milhares de prisioneiros de guerrae escravos obtidos como tributo, servindo à coroa, aostemplos, a muitos funcionários e, mesmo, a cidadãos pri-vados - alguns de baixa extração. Finalmente, é verdadeque pequenas parcelas de terra tornaram-se uma formanormal de pagamento não apenas de serviços militares,como também de outras atividades profissionais: metalur-gistas do cobre, gravadores, sacerdotes, capatazes, culti-vadores aparecem como pequenos proprietários em muitosdocumentos, mesmo se - ao contrário do que ocorreuna Mesopotâmia - o sistema de rações continuou exis-tindo.

Além das conquistas, outro fator deve ser levado emconta ao se explicar essas mudanças: as transformaçõestec-nológicas introduzidas no período dos hicsos - mesmoporque, sem elas, as conquistas na Ásia seriam impossíveis,estando anteriormente o Egito em inferioridade de condi-ções de técnica e armamento, em comparação com osasiáticos - e a introdução do shaduf para elevação de

água, no século XIV a.C. As conseqüências de tais trans-formações, e mesmo o seu detalhe, são ainda mal co-nhecidos.

Apesar de tudo, não foi destruída a estrutura essencialdo regime que descrevemos anteriormente. Mesmo sobo Reino Novo e períodos posteriores, como foi notadopor Edgerton, unicamenteo serviçopúblico (administraçãocivil, sacerdócio ou carreira das armas, esta incremen-tada com o surgimento de um verdadeiro exército profis-

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sional em lugar das milícias camponesas do passado)propiciava boas possibilidades de ascensão social a homensambiciosos:

Não conhecemos carreiras baseadas na riqueza privada ouna habilidade profissional fora do serviço público. 9

o Egito continuava a ser bem diverso da Mesopotâmia.Ao nível das comunidades aldeãs, as transformações

mencionadas tiveram um impacto que as enfraqueceu, semdestruí-Ias. Perderam algumas de suas atribuições econô-micas - como o controle do acesso à terra; os progressosdo direito privado, da estrutura familiar individualizadae das relações mercantis abalaram alguns dos laços desolidariedade comunal. A verdade, porém, é que a existên-cia das comunidades e sua ligação estreita com o controleda irrigação persistiram no Egito tanto quanto o sistemade irrigação por tanques ou bacias, ou seja, até o séculoXIX depois de Cristo.

9 EDGERTON,William F. The government and the governed in theEgyptian empire. Journal of Near Eastern Studies, Chicago, 6,1947. p. 159.

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4Conclusão

A História Antiga, sobretudo a do Oriente Próximo,defronta-se habitualmente com sérios problemas de do-cumentação, em especial no concernente às fontes escritas,mal distribuídas no tempo, no espaço e segundo os dife-rentes aspectos das sociedades abordadas pelos estudiosos.Nestas condições, a ilusão dos historiadores tradicionais- a crença em que "fatos históricos" prontos dormiriamnos documentos até serem despertados pelo historiador -é particularmente absurda ao se tratar da História Antiga,na qual o estado das fontes exige sua exploração siste-mática segundo hipóteses de trabalho derivadas de umquadro teórico escolhido como ponto de partida. A noçãode "modo de produção asiático", em alguma de suasvariantes, constitui um exemplo adequado: integram-naconjuntos de hipóteses vinculadas entre si, que podemservir para interrogar, de forma pertinente, a documen-tação disponível acerca de sociedades como a egípciae a mesopotâmica, em cujo conhecimento é possível, destamaneira, avançar.

Seria ingênuo esperar candidamente que os documen-tos nos "falem" por si mesmos, detalhada e explicitamente,

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sobre as comunidades aldeãs - para exemplificar concre-tamente -, ao considerarmos o uso limitado e muitoespecializado da escrita no antigo Oriente Próximo, e ofato de se originarem os textos no pólo urbano da socie-dade (palácio, templos). Por esta razão, autores já predis-postos em tal sentido por sua posição ideológica podem,facilmente, tomar "o que é um desequilíbrio documental"como sendo um "desequilíbrio real". 1 Podem chegar,mesmo, a negar a própria existência das comunidadesaldeãs nas sociedades em exame, e o farão baseando-se,às vezes, nas mesmas fontes que, compulsadas por pes-quisadores que escolheram outra teoria e outras hipótesesde trabalho, revelaram-se úteis para abordar o estudodaquelas comunidades.

Exemplificaremos de forma ainda mais específica.O fato de se traduzir o termo egípcio ur não adequadamen-te - significa ancião - e, sim, à maneira de certos espe-cialistas britânicos, como magistrado, de uma penada trans-forma um "conselho" local egípcio - composto pormembros da própria comunidade, por ela nomeados -num "tribunal" formal, presumivelmente um órgão inte-grado de forma direta ao aparelho de Estado faraônico,onde conviria, pelo contrário, perceber a sobrevivênciade uma velha instituição pré-histórica como emanaçãolocal de poder, subordinada, sem dúvida, ao Estado dosfaraós, mas dispondo de uma lógica própria, intrínseca,cujas raízes mergulham no passado neolítico.

Mesmo nos casos em que as hipóteses de trabalhoforam derrubadas no decorrer do processo de pesquisa,isto não quer dizer que tenham sido inúteis. A "hipótesecausal hidráulica", tomada, entre outros escritos, dos pri-meiros textos de Marx sobre a lndia, e especialmente ado-

tada por Wittfogel e seus discípulos, pretendia derivar osurgimento do Estado, das cidades, da hierarquia sociale de toda a civilização - no caso de certas sociedades -linear e diretamente da necessidade de um controle centra-

lizado das obras hidráulicas de proteção e irrigação. Elademonstrou ser falsa, mas o fato de ter sido enunciada eposta à prova, pelos que nela acreditavam e pelos seusopositores, foi um caminho através do qual o conhe-cimento histórico de diversas sociedades pôde progredir.

Parece-nos que, quanto ao estudo sumário a quenos dedicamos neste pequeno livro, os casos estudadosjustificam a escolha que fizemos de certa vertente dodebate acerca do "modo de produção asiático", desen-volvida na Itália por autores como Liverani e Zaccagnini:pelo menos no Egito e na Baixa Mesopotâmia, a lógica"palatina" e a lógica "doméstica", ou aldeã, das comu-nidades parecem ter sido bem diferentes entre si, pormais que estivessem em contato e se influenciassemmutuamente.

A noção de "despotismo oriental" e, posteriormente,a de "modo de produção asiático" integram uma correntede pensamento em que, durante mais de três séculos, umOriente às vezes vagamente definido serviu de repoussoir 2à Europa Ocidental, permitindo a esta reconhecer e avaliarsuas próprias especificidades. Em nosso século, o debatea respeito teve grande importância ao ligar-se historica-mente à crítica e superação das concepções rígidas dounilinearismo evolutivo. Acreditamos que ele continuesendo um instrumento útil de pesquisa para certas áreasdo estudo da História e, de um modo mais geral, paraprocurar algumas das respostas possíveis às perguntas queconstituem o cerne das ciências sociais: como funcioname mudam as sociedades humanas?

1 LIVERANI,Mario. Communautés rurales dans Ia Syrie du 11 mil1é-naire a.C. In: THÉODORIDES,Aristide et a!. Les communaulésrurales, p. 147-8. V. "Bibliografia comentada".

2 Este termo francês, de difícil tradução refere-se a algo que, porcontraste, valoriza uma outra coisa.

5Vocabulário crítico

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Awilum (plural: awilu): na antiga Mesopotâmia, homemlivre, gozando da plenitude dos direitos jurídicos. Osawilu não formavam uma "classe social", como às vezesse diz, mas uma categoria sociojurídica; entre eles haviagrandes distinções de fortuna e posição.

Comunidade aldeã: grupo humano solidário, caracterizadopor laços de parentesco e/ou vizinhança que reúnemseus membros ou famílias num conjunto que apresenta,

às pessoas de fora, uma frente comum, segundo certospontos de vista. Acreditava-se que a estrutura comuni-tária aldeã dependesse da ausência da propriedade pri-vada e de uma hierarquização social interna, mas, defato, no caso do antigo Oriente Próximo, as comunida-des rurais não eram igualitárias e nem sempre se podefalar, com respeito a elas, de uma verdadeira "proprie-dade coletiva" do solo; mesmo assim, mantinham-sedevido à união do artesanato e da agricultura, ao con-trole local da irrigação e a diversos mecanismos quepreservavam a solidariedade interna do grupo - noEgito, por exemplo, um sistema de dons e contradonsentre as famílias.

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"Corvéia" (também chamada "corvéia real"): forma detrabalho compulsório por tempo limitado, exigido pelosEstados "asiáticos" ou "orientais" - que na verdadeforam detectados na história antiga de todos os conti-nentes - à maioria da população, com exceção depequeno grupo de privilegiados. Seria para construire reparar o sistema de irrigação, para as obras públicas,para a exploração de minas e pedreiras, para o serviçoagrícola e artesanal, para a guerra. O termo corvéiadesignava, originalmente, uma forma de trabalho daIdade Média ocidental, e sua extensão a sociedadesdistintas é usual, mas um tanto inadequada.

"Despotismo oriental": expressão que, a partir do séculoXVI, passou a ser empregada na Europa Ocidental paradesignar, seja o conjunto das estruturas sociais do Orien-te, tal como percebido pelos europeus, seja mais espe-cificamente o sistema político "asiático". A maioria dosque usaram o termo ao longo de vários séculos acredi-tava que, nas sociedades orientais, o "déspota", ou go-vernante, fosse de fato o único dono da terra e o únicohomem livre de seu reino, sendo os demais seus servosou escravos - daí a concepção de uma "escravidãogeneralizada", que Marx retomou em alguns textos.

Djadjat: termo egípcio que designa um "conselho" local(provincial, urbano ou aldeão) formado por membrosda própria comunidade, por ela eleitos, possuindo diver-sas atribuições econômicas, administrativas e judiciárias.A djadjat deixou de existir sob o Reino Novo.

Escravidão: o termo escravo designa, em princípio, umapessoa que pertence a outra, podendo esta última utilizaro seu trabalho, vendê-Ia, alugá-Ia, emprestá-Ia ou legá--Ia. No Egito e na Mesopotâmia houve escravos, mas,por um lado, nunca constituíram a base das relaçõesde produção e, por outro, diferenciavam-se bastante da-

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queles do período greco-romano clássico: podiam casar--se com pessoas livres, ter bens, pagar impostos, teste-munhar nos tribunais etc. De fato, as diferenças sãotão grandes que certos autores - por exemplo, a egip-tóloga Bernadette Menu - contestam que fossem ver-dadeiros escravos.

Estagnação asiática: tanto em autores mais antigos -como os da Economia Política Clássica - quanto emalguns textos de Marx relativos ao "modo de produçãoasiático", transparece a idéia de uma espécie de socie-dade sem história, afirmação feita por Regel, comosendo típica da Ásia: as comunidades aldeãs auto--suficientes, o baixo nível das forças produtivas, a tesau-rização da riqueza em lugar de seu investimento, seriamalguns dos fatores de "estagnação". Tal noção, naverdade não confirmada pelos estudos detalhados decasos disponíveis, é das mais polêmicas de quantasforam ventiladas em função do debate acerca do "modode produção asiático".

Forças produtivas: conceito marxista que designa umaforma histórica, concreta, dos objetos e meios de tra-balho (os meios de produção), mais os trabalhadoresvistos em suas capacidades físicas e mentais. Simplifi-cadamente, pode-se dizer que as forças produtivas com-preendem as técnicas de produção - entendidas tantocomo os modos de fazer quanto como os instrumentoscom que se faz - e os próprios trabalhadores. Otermo tornou-se polêmico devido ao esforço dos discí-pulos de Althusser no sentido de subsumir as forçasprodutivas, na prática, às relações de produção, porcerto que sem qualquer base" efetiva nos escritos deMarx.

Hicsos: forma simplifica-ia de Hek khasut ("governantesdos estrangeiros", em egípcio). O termo se aplica a

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invasores que, no decorrer do Segundo Período Inter-mediário, vindos da Ásia, se instalaram em parte doterritório egípcio. Sua importância principal consistiuem introduzir novas técnicas que, por cerca de meiomilênio, equipararam o nível tecnológico do Egito aoda Ásia Ocidental, durante o Reino Novo (segundametade do 11 milênio a.c.).

"Hipótese causal hidráulica": hipótese presente em algunsdos textos de Marx, Engels, Plekhanov e outros autoresacerca do surgimento da civilização em certas regiõesdo mundo. Na segunda metade do nosso século, foramprincipalmente Wittfogel e seus discípulos os defensoresde tal hipótese, que pode ser sintetizada assim: emcondições de semi-aridez e solos potencialmente férteis,e sendo as forças produtivas disponíveis relativamentelimitadas, se e somente se for desenvolvido um controleinstitucionalmente centralizado sobre a irrigação e adistribuição da água, será possível o surgimento dacivilização (urbanização, estratificação social, Estado,grandes construções etc.). As pesquisas concretas mos-traram a falsidade desta hipótese - como sói ocorrer,

aliás, com hipóteses monocausais aplicadas a processoshistóricos.

Kenebet: no antigo Egito, conselho local com funçõesadministrativas, econômicas e judiciárias, surgido duran-te o Primeiro Período Intermediário. No Reino Novo,

suplantou totalmente outro conselho local mais antigo- de origem pré-histórica -, a djadjat. Como estaúltima, formavam-no membros da própria comunidadealdeã, urbana ou provincial, por ela eleitos.

Misharum: termo que significa justiça. Na Babilônia daprimeira metade do 11 milênio a.c., designava um editoreal que, a intervalos irregulares, abolia todas as dívidas

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e a escravidão temporária de pessoas livres que esti-vessem sujeitas à condição servil na sua qualidade dedevedoras.

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MOlJ,ode produção: conceito marxista que designa umaarticulação dada historicamente entre um determinadonível e formas de desenvolvimento das forças produ-tivas, e as relações de produção que lhes correspondem.Em nosso século, as polêmicas principais acerca de talconceito ligam-se àquilo que certos autores pretenderamdemonstrar - sem qualquer base nos escritos dosfundadores do marxismo -, ou seja, que ele engloba

igualmente as superestruturas jurídico-políticas e ideo-lógicas.

"Modo de produção asiático": expressão usada por Marxuma única vez, mas que se tornou usual entre os mar-xistas para designar determinado tipo de sociedade emque uma "comunidade superior", mais ou menos con-fundida com o Estado e que se encarna num governante"divino", explora mediante tributos e trabalhos forçadosas comunidades aldeãs - caracterizadas pela ausência

de propriedade privada e pela auto-suficiência, permitidapela união do artesanato e da agricultura. Nas discussõesdo século XX, preferiu-se substituir o inadequado adje-tivo asiático - posto que as sociedades desse tipo nãosão somente da Ásia - por "despótico-tributário",

"tributário", "despótico-aldeão" etc. O próprio conteúdodo conceito sofreu modificações às vezes grandes em

relação à sua formulação por Marx.

"Modo de produção doméstico" (ou "aldeão"): expressãoproposta por Liverani para designar a forma de orga-nização das comunidades rurais, tanto no Neolítico comoquando já integradas a um Estado que as explora. Foiusada por outros autores com sentidos diferentes deste.

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"Modo de produção palatino": expressão de Liverani,substituindo a de "modo de produção asiático". Maisexatamente, como explicado por Zaccagnini, seria oconjunto formado por este "modo de produção palatino"e o "modo de produção doméstico", que equivaleriaao "modo de produção asiático", mas a dicotomia ser-viria para assinalar que a economia estatal e a dascomunidades aldeãs têm lógicas distintas de funciona-mento.

Multilinearismo evolutivo: noção que se contrapõe aounilinearismo evolutivo consagrado na época de Stalin.O multilinearismo supõe que as sociedades humanas nãopassam todas pelas mesmas fases de evolução. O debateem torno do "modo de produção asiático" foi umapeça essencial no confronto entre unilinearismo e mul-tilinearismo.

Mushkenum (plural: mushkenu): termo que designa, nasociedade antiga da Mesopotâmia, uma pessoa livre,mas cujos direitos políticos e jurídicos são inferioresaos do awilum. Designaria dependentes do palácio real,por este protegidos. Os mushkenu formavam não umaclasse social, como às vezes se pretende, mas umacategoria sociojurídica. Suas origens são de fato desco-nhecidas, havendo várias teorias a respeito, algumasbaseadas na conquista, outras no desenvolvimento socialinterno da sociedade mesopotâmica.

Palácio: no antigo Oriente Próximo, palácio designa nãosimplesmente um edifício, mas um dos pólos da orga-nização social; um complexo de bens, edifícios e pes-soas que se estendia por todo o reino.

Propriedade: antes de ser uma forma jurídica, a proprie-dade é uma apropriação real das condições de existên-

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cia. J:. essencial ter isto em mente ao discutir as variadasmodalidades de propriedade nas sociedades do antigoOriente Próximo, às quais são completamente inade-quadas as noções usuais derivadas do Direito Romano.

Relações de produção: na definição de Marx, "determi-nadas relações necessárias e independentes de sua von-tade", em que os homens entram entre si, e que "cor-respondem a uma certa fase de desenvolvimento de suasforças produtivas". O elemento central a dar forma àsrelações de produção é a configuração da propriedadesobre os meios de produção.

Renda: à diferença do que ocorre sob o capitalismo, nascondições pré-capitalistas a renda e a mais-valia sãoidênticas. Portanto, a renda não é, neste caso, apenasuma renda do solo: inclui também o resultado do exer-

cício do poder de coação extra-econômica sobre traba-lhadores submetidos a diversas formas e graus de depen-dência pessoal. Sob o "modo de produção asiático",renda e tributo são a mesma coisa.

Sociedades hidráulicas: expressão proposta por Wittfogelcomo equivalente ao "despotismo oriental".

Tamkarum (plural: tamkaru): termo que designa os gran-des comerciantes na sociedade de Babilônia. Formavam

uma corporação dependente do Estado e dos templos,mas comerciavam igualmente por sua própria conta,investindo seus lucros na usura, em terras, na comprade escravos.

Templo: da mesma forma que o palácio, os templos doantigo Oriente Próximo não devem ser entendidos so-mente como santuários e, sim, como um grande com-plexo de edifícios, terras, oficinas, pessoal dependente,funcionários, situado às vezes em regiões diversas.

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Tributo: no antigo Oriente Próximo, até a conquista persa,os tributos foram cobrados em produtos. Juntamentecom a corvéia, configuravam a forma usual da explo-ração social imposta pelo Estado às comunidades aldeãse em geral à imensa maioria das pessoas, salvo unspoucos privilegiados.

Unilinearismo evolutivo: também conhecido como "teoriados cinco estádios". Na época de Stalin, uma formadogmática de marxismo pretendia que, em princípio,todas as sociedades humanas (comunismo primitivo,escravismo, feudalismo, capitalismo e socialismo) evo-luíam segundo a mesma linha, admitindo-se, quandomuito, a possibilidade de que uma ou mais etapas fossemsaltadas ao ser um povo mais atrasado influenciado, emsua evolução, por uma sociedade mais avançada.

Wardum (plural: wardu): termo que, na antiga Mesopo-tâmia, designava o escravo.

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6Bibliografia comentada

Obras de cunho teórico sobre o"modo de produção asiático"

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BAILEY,Anne M. & LLOBERA,Josep R., eds. The Asiaticmode of production; science and politics. London,Routledge & Kegan Paul, 1981.A mais atualizada coletânea disponível acerca dessetema. Consta das seguintes partes: "Introdução geral";"O modo de produção asiático: fontes e formação doconceito"; "O destino do modo de produção asiáticode Plekhanov a Stalin"; "A vertente de Wittfogel"; "Odebate contemporâneo sobre o modo de produção asiá-tico". No total, incluindo-se Bailey e Llobera, contémtextos de 26 autores.

BARTRA,Roger, ed. El modo de producción asiático;antología de textos sobre problemas de Ia historia delos países coloniales. Trad. F. Blanco e outros. México,Ed. Era, 1969.Esta coletânea inclui textos de Marx e Engels, e denumerosos marxistas posteriores acerca do "modo de

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produção asiático", precedidos de uma longa apresen-tação de Bartra. Predominam materiais anteriormentepublicados na França e União Soviética.

MARX, ENGELS, LENIN. Sur les sociétés précapitalistes.Préf. M. Godelier. Paris, Ed. Sociales, 1970.

Livro que reúne todos os textos de Marx, Engels eLenin sobre as sociedades pré-capitalistas - incluindoo "modo de produção asiático" -, comentados porGodelier num longo e útil prefácio.

STEWARD,Julian et aI. Las civi/izaciones antiguas deiViejo Mundo y de América; symposium sobre Ias civili-zaciones de regadío. Washington, Unión Panamericana,1955.

Esta publicação consta de uma apresentação sumária,por Wittfogel, de suas idéias acerca das "sociedadeshidráulicas" - dois anos antes da publicação de seulivro Oriental despotism - e das reações de diversosantropólogos a tais idéias. Algumas comunicações sãode caráter geral e outras referem-se especificamente àMesopotâmia e ao Peru e Meso-América pré-colom-bianos.

ZACCAGNINI,Carlo. Modo di produzione asiatico e VicinoOriente antico; appunti per una discussione. Dialoghidi Archeologia: Nova série, Roma, Ed. Riuniti, 3 (3):3-65, 1981.

Artigo que, além de debates de caráter teórico, contémuma discussão fundamentada em fontes primárias sobrea aplicabilidade do conceito de "modo de produçãoasiático" ao Oriente Próximo asiático. Engloba osseguintes temas: as comunidades aldeãs; a propriedadecomunitária da terra; a propriedade eminente do soloreservada à "unidade superior"; o "tributo"; a autarquiadas comunidades aldeãs; a relação cidade/campo.

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Obras gerais

CARDOSO,Ciro F. S. o trabalho compulsório na Antigui-dade. Rio de Janeiro, Graal, 1984.

Coletânea de fontes primárias traduzidas, precedida deum ensaio introdutório. Entre os casos abordados in-

cluem-se o Egito faraônico e a Baixa Mesopotâmia dosmilênios 111 e 11 a.c. O livro trata principalmente dasvariadas formas de trabalho não-livre existentes na Anti-

guidade. O caso egípcio e o mesopotâmico estão ilustra-dos, cada um, por quinze fontes primárias.

GARELLI,Paul & SAUNERON,Serge. EI trabajo bajo losprimeros Estados. Trad. F. Fernández Buey e M. Sa-cristán. Barcelona, Grijalbo, 1965.

Resumidamente, o livro trata da problemática do traba-lho na Ásia Ocidental - com ênfase na Mesopotâmia- e no Egito antigos, colocando-a num contexto geralrelativo à história econômico-social dessas regiões doantigo Oriente Próximo.

HAWKES, Jacquetta. The first great civilizations. NewYork, Alfred A. Knopf, 1973.Síntese de boa qualidade, relativa à vida na Mesopo-tâmia, na lndia - vale do rio Indo - e no Egitoantigos, bem ilustrada e com ênfase na vida quotidiana.

MOSCATI,Sabatino, ed. L'alba della civiltà; società, econo-mia e pensiero nel Vicino Oriente antico. Torino, UTET,1976. 3 v.

De longe a melhor obra de conjunto interpretativa queexiste sobre o antigo Oriente Próximo. Sobressaem osexcelentes capítulos redigidos por Liverani, F. MarioFales e Zaccagnini. A obra, em geral, reflete os debatesacerca do "modo de produção asiático".

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PRITCHARD,James 8., ed. Ancient Near Eastern textsrelating to the Old Testament.3. ed. Princeton,NewJersey, Princeton University Press, 1969.Excelente coletânea de fontes primárias traduzidas porvários especialistas, cobrindo muitos aspectos e civili-zações do antigo Oriente Próximo. Bom número dostextos aqui incluídos é relevante para os temas aborda-dos neste nosso livro.

Obras sobre a Mesopotâmia

ADAMS,Robert M. et aI. Societies and languagesof theancient Near East; studiesin honourof I. M. Diakonoff.Warminster, Aris & Phillips, 1982.

Obra que consta de grande número de ensaios de diver-sos autores, muitos dos quais - Adams, M. A. Danda-mayev, I. J. Gelb, W. F. Leemans etc. - abordamquestões do maior interesse para o debate acerca do"modo de produção asiático" no concernente à Meso-potâmia.

ARNAUD,D. Le Proche-Orient ancien de I'invention deI'écriture à I'hellénisation. Paris, Bordas, 1970.Manual universitário de ótimo nível, que proporcionauma boa visão geral da história da Mesopotâmia, in-cluindo seus aspectos econômico-sociais.

BOUZON,Emanuel, introd., trad. do orig. cuneiforme ecoment. O código de Hammurabi. 3. ed. Petrópolis,Vozes, 1980.O livro vale não só por permitir a consulta, em por-tuguês, de fonte primária de grande relevância paratemáticas econômico-sociais, mas também pelos úteiscomentários do Prof. Bouzon.

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-, introd., texto cuneiforme em transcr., trad. do orig.cuneiforme e coment. As leis de Eshnunna (1825--1787 a.C.). Petrópolis, Vozes, 1981.

O que foi dito para o livro anterior vale também paraeste, sendo que a introdução e os comentários sãoaqui ainda mais elaborados.

DIAKONOFF,I. M. Main features of the economy in themonarchies of ancient Western Asia. In: CONFÉRENCEINTERNATIONALED'HISTOIREECONOMIQUE,3, Munich,1965. The ancient empires and the economy. Paris,Mouton, 1969. v. 3, p. 13-32.Interpretação marxista da história econômico-social daantiga Ásia Ocidental por um especialista que não épartidário da teoria do "modo de produção asiático".

GARELLI,Paul & NIKIPROWETZKY,V. O Oriente Próximoasiático. São Paulo, PioneirajEdusp, 1982. 2 v.

Manual universitário traduzido do francês, que propor-ciona boa visão de conjunto. Os aspectos sociais eeconômicos da Mesopotâmia são tratados com bastantevagar.

HAWKINS,J. D., ed. Trade in the ancient Near East.London, British School of Archaeology in Iraq, 1977.Este livro reúne comunicações apresentadas duranteum colóquio internacional que teve lugar na Universi-dade de Birmingham, em 1976. Muitos dos textosreferem-se à Mesopotâmia e dão subsídios para aquila-tar a importância e o significado do comércio em dife-rentes períodos.

KOMORÓCZY,G Landed property in ancient Mesopotamiaand the theory of the so-called Asiatic mode of pro-duction. Oikumene, Budapest, Akadémiai Kiadó, 2,1978. p. 9-26.

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Visão de conjunto, muito documentada bibliografica-mente, acerca da evolução das formas de propriedadeda terra na Mesopotâmia, com o fito de mostrar queelas sofreram grandes transformações ao longo de trêsmilênios, em lugar de reproduzir-se sem maiores mu-danças. Por tal razão, o autor crê que é impossívelpretender que um único "tipo histórico" possa explicara totalidade da história antiga da região.

KRAMER,Samuel N. Os sumérios; sua história, cultura ecarácter. Trad. S. Telles de Menezes. Lisboa, Bertrand,1977.

Obra de síntese escrita por um especialista. O capítulo3 - "Sociedade: a cidade suméria" - é rico em infor-mações úteis para a nossa temática.

1HÉODORIDES,Aristide et aI. Les communautés rurales.Paris, Dessain et Tolra, 1983. Segunda parte: "Anti-quité" .Publicação do colóquio da Sociedade Jean Bodin sobreas comunidades rurais (Varsóvia, 1976), relativo àAntiguidade. A Mesopotâmia é tratada em três comu-nicações: de W. F. Leemans, J. Klima e M. Danda-mayev; .por outro lado, há um importante texto deLiverani sobre as comunidades aldeãs na Síria do 11milênio a.c.

Obras sobre o Egito

BUTZER, Karl W. Early hydraulic civilization in Egypt;a study in cultural ecology. Chicago, The Universityof Chicago Press, 1976.Obra essencial para a discussão das forças produtivasno caso do antigo Egito, em especial a irrigação e arelação entre a evolução da população e da superfíciecultivada. Derrubou vários mitos antes amplamente acei-

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tos, tais como o da prioridade demográfica e culturaldo delta em comparação com o vale, e o de que anecessidade de controle da cheia do Nilo e das obrasde irrigação tenha sido a causa essencial do surgimentodo Estado unificado egípcio.

CARDOSO,Ciro F. S. O Egito antigo. 3. ed. São Paulo,Brasiliense, 1983. (CoI. Tudo é História, 36.)

Texto de divulgação, que tenta dar uma idéia de con-junto da civilização egípcia. Inclui discussões especí-ficas sobre a "hipótese causal hidráulica" e acerca daaplicabilidade do conceito de "modo de produção asiá-tico" ao Egito faraônico.

CARLTON,Eric. ldeology and social order. London, Rout-ledge & Kegan Paul, 1977.

Análise comparativa das sociedades egípcia e ateniensena Antiguidade em termos institucionais, com a finali-dade central de aquilatar a importância e as modali-dades do fator ideológico. Os capítulos de 6 a 10, emespecial, são pertinentes para a nossa temática.

JAMES, T. G. H. Pharaoh's people; scenes from life inimperial Egypt. London, The Bodley Head, 1984.

Síntese inteligente da vida quotidiana no Egito do ReinoNovo. Boa parte do livro interessa à interpretação docaráter da sociedade do Egito faraônico em seu apogeu.

LALOUETTE,Claire, trad. e coment. Textes sacrés et textesprofanes de l'ancienne Egypte; des Pharaons et deshommes. Paris, Gallimard, 1984. v. 1.

Coletânea de fontes primárias traduzidas, muitas dasquais importantes para a história econômico-social doantigo Egito.

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LICHTHEIM,Miriam, trad., coment. e notas. Ancient Egyp-tian literature; a book of readings. Berkeley, Universityof California Press, 1975. 3 v.

Coletânea bem mais extensa que a anterior, contendofontes traduzidas de grande interesse para a nossa pro-blemática.

MENU, Bernadette. Recherches sur l'histoire juridique,économique et sociale de l'ancienne Egypte. Versailles,Edição da Autora, 1982.

Livro que reúne diversos artigos de uma das maislúcidas especialistas da história econômico-social doEgito faraônico. Propriedade da terra, regime agrário,sistemas de distribuição de bens, empréstimo, organi-zação do trabalho, são alguns dos temas analisados.

MOKHTAR,G., ed. A África antiga. São Paulo, Ática,1984. capo 2 a 5. (CoI. História Geral da África, 2.)Os capítulos assinalados apresentam uma síntese atuali-zada acerca da antiga civilização egípcia. Para a nossaproblemática ver sobretudo o capítulo 3. Consulte-se,também, a rica bibliografia do volume.

SAAD,Ahmad S. L'Egypte pharaonique; autour du modede production asiatique. Paris, Centre d'Etudes et deRecherches Marxistes, 1975.

Embora esta curta monografia fique aquém do desejável,constitui uma das poucas tentativas disponíveis de apli-cação sistemática do conceito de "modo de produçãoasiático" ao caso do antigo Egito.

TRIGGER,B. G. et aI. Ancient Egypt; a social history.Cambridge, Cambridge University Press, 1983.

Importante síntese da história do Egito faraônico, comênfase nos aspectos econômico-sociais. Obra atualizada,contendo uma excelente bibliografia.

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~ SÉRIE I

PRINcíPIOS17.ÜIguIgom' - AdisonCrtelliI 18....

grom6ticI do porI\9ItI - Máf~ A Per~r I

19.Atlllno - SamllaVoussel Campedellí I 20 A__ Iíica - Salel' de Almetda Cara I 21 PIriodos

Ih_ - Lig.CademarloriI 22_1c.._- Antoruo Nicolau Youssel & Vicente Paz Fernandez * 23Es_ . romanco - Anlon~ Dunas I 24 O hInIl -F~v~ R. KOlh. I 25 Sonho.iouan - José Roberlo

WoIff I 26. Enmo ela gram6tico. 0pmsI01 Làd1d11

- Evan~do 8echara I 27 MorIoIogio ingIIu - Noç6Is

Introdutóriu - MarlhaSI"nborg I 28. Inlcloçlo' múslelpopu18 brIsIHI - Waldenvr CaldasI 29 Estnrtunl elanoticio - Nison La90 I 30 ConcIito di poIqoiItrio -Adison Grandmo 5 ().,rval Nogue.aI 31.0_.- Um lStUdo critico - Anredo Naffah NelO I 32 AhIotlril - lacaria 8o<g. Ali RamadamI 33 0_01_ lItiII coIonill- C.ORamallooS Cardoso

I 34. UmbancIa-José GuihefmeCanlO<MagnaniI 35TIOriIelaiIfonnaçIo - lsaac Epstem I 36.0_ -Sam.. Nah~ de M.squ,ta I 37 ÜIguIgom jornIIlstlel- NiIsonLa90I 38 O 18uc1a18M:-.om8'_- Ham~tonM Monlero I 39. A -.&todo II1IIga- C.OFiamarMS Cardoso I 40. NegritudI -Usos.untldos- Kaben9OloMunangaI 41 1m hmillnI- ()"leiia SchroederBu,lomI 42. Se.o . ndII-lçaml Tiba I 43 MIIIII._o m6g1co- PauiaMonleroI 44. A motaIinguagom- Sam.. ChalhubI 45Psicon6IisI.linguagom - Elianade MauraCaslro I 46.TIOriIela1_ - Rober1o Aci2e1o de Souza I 47

SodocIacItdo Antigo 0riIntI Pr6.ÍIIO - C.OFiamarMS Cardoso I 48. l.utII __ no NonIoet. -Manu~ Corre. d. Andrade I 49. A linguegIm Ih_- OO<nic~ProençaFihoI 50.IIraIlmp6rio- HamiltonM. Montero I 51 pICIiveshixtórica elalCIucIçJo- Eliao. Maria Te"olla Lopes I 52. CIm_ -Margallda Mar. Moura I 53. RIgIIo . "lII"izIçIo..peciII - Roborlo Lobalo Corrêa I 54 Onpotllmo-..:ido- FrancISCoJosé Caiazans Falcon I 55

CGncordAncioVIIbII - Mar.Aparee~8accegaI 56Comuniclçto. - V'gl~ NovaPmloI 51 ConcIitodI__ - Pedro LYTa I 58 LiIIIttunIc:ampncIa - Tan. Franco Carvalhal I 59 SodocIacItI

Indiglnn - AIc~aRrtaRamos I 60. ModIrn8mo........

. ~ - Luc. HelenaI 61. ela11I infInto';mnI - SonoSaJomaoKhédeI 62CIIIrMtica- lsaacEpste~I 63 Grm - FIIOI.~ - PedroCaslroI 64 A.prend"_ do

- Anlon~Janu.~I,.Jaoõ I 65. Carne... CImIVIiI

- JoséCarlosSebeI 66 lIraI RIpúbIico- HamilonM.Monlero I 67. Com~.1fIIIno -Ume.pIicIçIo'1inguI ~ - CrisbnaP C Marques.M.IsabelLde Manos 5 Vvesde Ia Ta~1eI 68 ModoClpitIIIstediproduçJo. ~ - Allovatdo Umbelino de ~.....I 69 c-to. _ . dnIIo no 0c:idIntI CtIItJo- RonaldoVamlasI 70 MerxIsmo. _ elalIVoIuçio

proIet6riI - EdefSadefI 71. PncocIorndo ... -Smone Carne,o MaldonadoI 72. A ~ - ~~ RKOlhe. 73 ConsciIncIo.1dIndcIadI - Malvma Muszl<al

I 74. 0fIc1nl di traduçAo - A IIOriI 01 pritIcI -Rosemary ArrojO I 75. HIst6rill do movinlnto oporjrlono lIraI - Anlon~ Paulo Relende I 76. Neurosn -Manuel Ignac~ Ouites I 77 SurIIIIiomo - Marida deVaseoncellos Rebouças I 78 Romontismo - AdllsonC,telt, I 79. HIgIlno buCII - Grorg~ de Micheli. Carlos

Eduardo Auo 5 Mchel Nroiau Voussef I 80 AsjIICtoI_Icos ela lCIucIçJo - Lad,slau Dowbor I 81.

EICOII No.. - Cr.l.oo o. Grorgi I 82. WisI elaconvlrllÇlo - Lui. AnIOn~ Marcusehi I 83 O EIIIdo

FtdIrII - Damo de Abreu Dallall I 84 lumInIomo -FrancISCOJosé Calazans Faleon I 85 Constituiçall -C~ia GalvaG Ou,"no5 Mar. Luc. MonlesI 86 Lit..turIinfIntI - Voz di ~ - Ma,. JoséPaio& Mar. RosaODI . 87A'"-" - EduardoNe~aJr. I 88TIOriIII.iCII-Margar~Basi~I 89ApoIlticu_brIsIHII1822.19851- AmadoLurzCervo& Clodoaldo8ueno. 90.Enlfgll5 fome- G,lberloKoblerCorrêaI 91 SonI8. _. crI8r.InIIlJnt8' - l\II~doCPrmentaI 92. HIst6rillela lit8IIt1n _ - E<>.1Helse

& Rulh Róhl I 93.H_ do1rIbaIho.. CanosRoberlode Olive.. I 94. Nazismo - "O Trilnfo ela VontIdI..

- AI" LenharoI 95 FacIomoltJfieno- Angelo TrenloI 96. AI drogu- L~. CarlosRochaI 97. PoesIoiIIIntI-M...daGIór.8<rc!u 98 PICtos._1IzaçJoICOfI6mIel- PedroScuroNeloI 99 Estitleldo......- MicheINcoiauVoussel.CarlosEduardoAun& Grorg~deMchei,I 100lIiIIn_ t8vm - Lucrécia O' AIêss~Ferrara. 101 O Diobono inlgln6rlo cris1Io - CarlosRoborlOF NoguellaI 102.PsIcot..pioa- lacar. 80<90AliRamadamI 103. O conto di - N~IVNavaes~ho I 104 Guieto6ricodo ~ - M..mLemlel 105 En1miItI-O~_IVII-Crernidade Arau~ Medlna I 106. Oulomboo - RlsIstInciI ..

- CIóv. Maura I 107. RIÇI - Conc:I~o .

prancelto - Eiane AzevêOOI 108 CIncIontI6-1WigiIo. miIdncio_ - RaulLody I 109. AbcIIIçto."'""""lI18io- Manu~ Co<re. de Andrade I 110

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Poema_ di CarIo.Dnmnonddi A_ - RIIadeCass.BarbosaI 111. CInImI. montagom .. Eduardoleone5 MariaDoraMouflo I 112. - Déc~SaesI 113.O _1ngIh - TIOriI.pritIcI- VallerL~I.S~uelraI 114_. coIonizIçIo-JanceT_odaSiva 1115 D.JoIoV1:OIbII1IdomdllndIpencNnciI- LeiaMezanAlgranliI 116.EocmiIIo_ nolIraI- Su~ RoblesRe. de Quelro. I 117

A_limo. lIIIICOIIIndiCIIllmo- G,useppmaSlerraI 118 A feitiçoriI 01 Europllmoderna - LauradeMelloOSouzaI 119 fIIIç6Io di ~ - Sam.. ChalhubI 120 CIcIo ela vicia - RItoo. rItmoo - Thales de Azevedo

I 121T._ .pliclNlisI- Munrz Sodrê . 122~ popuI8no lIraI - MareosAva.&Mar.igne.Nova.AvaiaI 123 Dnon_,to ela~- SínboIos. erqu6t",",- Carlos8VmglonI 124Impllriellomo grK<HOIIIII1O - No<berto Lurz GuarmeUoI 125PIriodos_ .. Jo.!o da Penha I 126

00 povos -..- Mar. SonsolesGuerrasI 127AbcIIIçto- Anton~ To<resMonlenegroI 128 ComoordInoros_ - E"valdo M Boavenlura I 129_ - Ene~ 8o<nlrnI 130 1m o......nolIraI- MariaNazarethFeneraI 131.Om6todo~ - GiaucoUlsonI 132.0_- SelmaCalasansRodr~uesI 133. Gremsci e . 8IcoII - LunaGaianoMochcoVllchI 134 Olmensaes oImb6Iicos ela

iJIIIOM"odIdI- Carlos 8ymglon I 135 EstnrtunI ela- . oombrI- Carlos8vmg1on

I 136. Grande... . unlcladls di ~ida - O Sôot....IntImIdonal di Unidadn - RomeuC Rocha.FihoI 137.ÜIguIgom'1dIoIoP- José LUI' Fror~ I 138

SWordinIçio. coordInIçio- ConfIontos ._- Rév.deBarrosCaroneI 139.&11IIIHlmingw.v-Jul.n Nazar~I 140RomIlllpubllcaM- NormaMuseoMerclesI 141.PosquisIdI oo - MamaRuner&Sert6<~AuguSlodeAbreuI 142~'ClpItJIiomono lIraI - Anlon~ Carlos Ma",o I 143 Siot dic:omunicIçAo popu18 .. JosephM LuylonI 144 EvoIuçIo

bIoI6gIco .. Contro_ - r.~so Ptedernonlede LimaI 145 ~ - Pedro Paulo Abreu Fuoall I 146

Escora- Prubllml 01 hospitalizlçlo - Mar. CoelrCamped.lli&Raqu~RaponeGa~..nskiI 147 In)lçan-_._- 8<9'114PferfferCaslellanosI 148EcoIo9II_.. UIIII Wltropologioela rnucIançI -Renale 8<~ln. Vrerller I 149.Inc:as._ - c..tturas~-JO<9OL~.Ferr"aI1500plll1llllllt1to

~IIVII - Inês C Inác~ & Tano Reg... de Luca I 151.

O romanc:opicIrasco - Mar~ Gan.éle.I 152H_do1IraI_. - Son. RegN d. Mendonça& v.gm.Mar. FonlesI 153 HIst6rillelamúslel - O. lcIadIelaPoeIra,Idadedo Rock- ValdirMonlanall I 154~ IiIIrahn-Dan<~ProençaFiho .155Mâ. ..001 Elo..lto..._ dificulcladll-EI.na

ValdêsLópe.&SoiangeMarquesRolloI 156 ONonIoet... -'" regional- Man~Co<re.deAndradeI 157A 01 GricII AntJge - Marcos AIv,IO Perera de

SouzaI 158.1ntroduçIo,clrameturgie- RenataPalloltlOl. 159.ApnquÔllemhlst6rill- Mar~doPilardeAraujOViera. Mariado Rosárioda CunhaPeixoto& VaraMariaAunKhouryI 160 A RovoIuçiolndus1riII - JoséJobsonde Andrade Arruda I 161 Antro]lOiogll.pIiCIcIa - FransMoanen I 162. Ocompie.o di Édipo- - Frankl~ GoIdgrubI 163. AI Cruudos - José RoberloMello I 164

poIIticI - C~so fernandesCampiongoI 165.GIopollticldo1IraI- Manu~CorreoadeAndradeI 166.GfMros1It_ - An~icaSoaresI 167ANIisIdi inm1inInto. . IIU di ratorno - PedlOSchuberlI 168AradI - Rober1oLobaloCo<,êaI 169 A. ~ no_ - Siv~ EI.I 170. Emprútinoo Ilngülstlcos - NeIIy Carvalho I 171

O cotIdllno elapnquisl - NelsondeCastroSenraI 172

lnIcIoçIo.. lIIin - Z~iadeAlme~ CardosoI 173Expraa6n_. COIIVIIIdoOIII-Stella Ortwetier

Tagn~11740__ - RobertolobaloCorrêaI 175 ACIIItUIÇio.- 1mvIgOf- Am~, BoaN~HauyI 176fot~ . hIot6riII- 80<.KossovI 177~ - Anna ManlavamI 178 GItuIiomo.1r8bIIhiomo- AngeIade CastroGomes& Mar. CelNO'ArauJOI 179Artigo -Mar.Apare<.~Baccega1180. HIst6rill donegro_ - Clóv. Moura

I 1810 T_ Mundo.t no.._ ilttmlCional- Anlon~CarlosWoIkmerI 182.AlIticI.UçIodo11110- ElisaGurmaraesI 183.Oinp6riodi CarIos Mogno- JoséRoberloMelk>I 184 Novn toc:noIogÔIIemlCIucIçJo - lil Kawamura I 185 ComunicIçto docorpo- Mona ReelO< & AluillOR. TI~ta I 186. T_Mundo - Conc:Iito e hit16ri11 - Tullo Vigevanl I 187

IntroduçJo , socioIogildo_ - Augusto Cacc.

Bava Jr. I 188. M""'- do porI\9ItI - VallerK.hd,I 189. EduCIçto. -.cio. dIrnoaItizoçIo- Mar.de LourdesMan.mlCovreI 190.EvoIuçIolunanI -Celso Predemonte de Lima I 191. NeoIopmo - CrIoçIolI.iCII- IedaMar.AlvosI 192.Amlz&lie- 8erthaK8eckerI 1931ntroduç1o prosaberroca- SegomundoSpma& Morr. W Croll I 194 AI duosArventlnll - EmanuelSoaresdaV.rgaGarc. I 195 Operiodo lIgIIICiII - ArnakX>Faroli Fiho I 196 AAntlgüidadlTlldll - WaId. Frerlas01 I 191Pllnljemlnto - GidadeCáSlroRodriguesI 198Introduçlo 't..pie lamlier - Magdalena Ramos I 199

LOIguIgem.IIIO-.Màk:oImCoolthardI 200~burgueuÕlA'RovoIuçioFranc:osI - T C W

8iann~gI 201 OTrItIdodi V..- - RUlh Hen~I 202 Jung - Gustavo Bareellos I 203.A -'11IIngüIotIelno lIraI - Siv. Frgue.edo 8<andao I 204A ~ NOfII-AnoericInI- M J Heale I 205 AIorigino elaRovoIuçio"- - AlaoWoodI 206. CoIIIo. COIIincII IIJrtutis - Leo"", LopesFéveroI 207Como narrotivIt - Cánd~ VriaresGanchoI 208 lnconfidInciI Mineira - Cánd~ Viares Gancho& VeraV,lhenaI 209. O oiot8IIIIcoIonill - José RobortoAmaralLapaI 210 A unlflClÇ60elaftjiill- JohnGooch1211. ApoIIIelallml- Cán~ VriaresGancho,HelenaQue.o.F Lopes&VeraVihefoI 212 AI originoelaPrimlIraGUIIrIMundill- RulhHen~I 213 AIoriginoela Segunda GUIIrI Mundill - Rulh Hen~ I 214 OAntigo Regime- Wil.m Ooyle I 215 formIçIo di

pllnral 1m portugu', - VaJter Kehdi * 216Mequ_ - Sérg~ Balh I 217 A """lei deArlolót" - L9. MilllZ da Costa I 218. ConquÔOII .

coIonizlçloela_ - Jo<9O Lui. Ferre..

I 219 Vo... VIIbIio - Amml Boa",,'n Hauy I 220 A_ di 50 - Popoilll1lO. _ desltwolvimlntlttosno lIraI Manv Rodr~ues * 221.A_ di60-_11. poIltiCI-Mar.HelenaPaesI 222A_di 70-A_uaisleladilldlnmr"", brIsIHI .. Nad,ne Haborl I 223A_ di80 - aras.. quendo ell1l.ftldlo voltou U praças - Marlv

Rodr~ues e 224 _: - RoteiodilIiI1I'.- Kathnn HoIlefmavr Rosenl.ed I 225 O

Impraulonlomo- JuanJoséBal.. I 226.A SemanI diAm ModImI - N.~. Relende.I 227 A lIVoIuçioIIII.icIOI - Marco AnIOn~ Wia I 228 Jtplo - ontem. hojl- Séfg~Balh I 229 AI mlu6n - JUI~ OuevedoI 230. O prIncipII- MIquImI .. Januêr~FrancISCoM09'le I 231. Primlim __.. Dêc~ Anlôn~deCastroI 232 Soneto. di CIm6n - Antôn~ Med,na

RodrrguesI 233 A do povo . ClarolOigmI-francISCoAchcarI 234A..III di_ -José de Paula Ramos Junror I 235 Cono1rutiviomo -di PiIgIt. EmliI_- Mar.daGraçaA.enha