sociedade secreta dos pichadores e grafiteiros de campina grande

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1 UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SOCIOLOGIA DOUTORADO EM SOCIOLOGIA ANGELINA MARIA LUNA TAVARES DUARTE A SOCIEDADE “SECRETA” DE PICHADORES/AS E GRAFITEIROS/AS EM CAMPINA GRANDE PB JOÃO PESSOA PB 2010

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Tese de doutorado sobre o movimento do graffiti e da pixação na cidade paraibana de Campina Grande

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1 UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARABA CENTRO DE CINCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM SOCIOLOGIA DOUTORADO EM SOCIOLOGIA ANGELINA MARIA LUNA TAVARES DUARTE A SOCIEDADE SECRETA DE PICHADORES/AS E GRAFITEIROS/AS EM CAMPINA GRANDE PB JOO PESSOA PB 2010 2 ANGELINA MARIA LUNA TAVARES DUARTE A SOCIEDADE SECRETA DE PICHADORES/AS E GRAFITEIROS/AS EM CAMPINA GRANDE PB Tese apresentada UniversidadeFederal da Paraba UFPB, em cumprimento dos requisitos necessrios paraobtenodograudedoutoraemSociologia. readeConcentrao:EstudosCulturais,Linhade Pesquisa: Sociologia da cultura. Orientador: Prof. Dr. Marcos Ayala 3 D812sDuarte, Angelina Maria Luna Tavares. A sociedade secreta de pichadores/as e grafiteiros/as em Campina Grande-PB / Angelina Maria Luna Tavares Duarte - Joo Pessoa : [s.n.], 2010. 230f. : ilOrientador: Marcos Ayala. Tese(Doutorado) UFPB/CCHLA. 1.Sociologia. 2.Sociedade secreta. 3.Cultura urbana-Pichao. 4.Cultura urbana-Grafite. 5. Anlise do discurso.

UFPB/BCCDU: 316(043) 4 MEGA PRODUTO DO GUETO ATTACK BOMB http//www.orkut.com.br/Main#Profile?uid=10162845907402648153 Fotografia Angelina Duarte REAO DA PERIFERIA GORPO (DUARTE, 2006) 5 6 Para os/as narradores/as da sociedade secreta. 7 AGRADECIMENTOS Natessituradestatese,entrefiosesegredos,recebitantoque,paraagradecer, apenas palavras no seriam suficientes. Talvez precisasse de um imenso painel grafitadoque versasse sobre os mais distintos temas, dentre eles: trabalho, estudo, superao, determinao, parceria, companheirismo, incentivo, espera, compreenso, confiana, amor, enfim. Os/asqueacompanharamessemeumomentoacadmicosabemquantosmuros precisei ultrapassar, mas esse um segredo guardado apenas pelos que compartilham, mais intimamente, da minha vida. Agora hora de arrematar os fios acadmicos, com os fios da gratido... aDeus,pelabnodavida,dasadeedaproteoespiritual.Obrigada, Senhor,pelopensamentoquemehaveisinspiradoepelaforaquemehaveis dado; a Marta, anjo protetor; aminhafamlia,lindafamlia,peloapoioeporcompreenderasminhas ausncias,emboraeutenhameesforadoparaqueelanemasnotasse;Nos nomes de Eulampio, Slvia e Tula, represento todos os meus familiares; a Iasmin delicada como uma flor, fonte de renovao da vida e da esperana , por me fazer sentir, duplamente, o sentimento materno; aos/smeus/minhasinestimveisamigos/as,cujosnomessequercabemnesta pgina. No nome de Sandra Simone, represento todos/as os/as demais. aTulaDuarte,TiagoSilvaeEudaCordeiro,pelocarinhoeprestezaemme ajudar no arremate dos ltimos fios desta tese; aos/s meus/minhas colegas de doutorado, especialmente, samigas-irms M Jackeline F. Carvalho e Rejane G. Carvalho, pelo compartilhar dos segredos e pelo estmulo para que eu seguisse confiante; aos/sprofessores/as,peloprofissionalismoacadmico,mastambmpelas questeshumanasquesuscitaramnonossoconvvio.NonomedeEliana Moreira, represento os/as demais. aNancy,secretriadoPPGS,pelaatenoeprestezanaresoluode problemas; aoNcleoHipHopCampina,porterabertoasportasparaqueeuchegasse sociedadesecreta.NonomedeThiagoJoh,representoosdemaismembros do NH2C; a GORPO, pelo convite para participar do NH2C, mas, sobretudo, pela ateno e colaborao que, sempre, dispensou a mim; aos/snarradores/asdasociedadesecreta:ZECA,INSANA,PAGO, NAAH e ZNOCK MORB, pela generosidade e solicitude, sem a qual esta tese no teria sido possvel; 8 a MEGA, pelos dilogos atravs do Orkut; aosmembrosdabancadequalificaoprofTerezaQueirzeprof. ElizabethChristinaLima,pelascontribuiesindispensveisotimizaodo meu trabalho; aosmembrosdabancadedefesaprof.ElizabethChristinaLima,prof SimoneMaldonado,prof.LucianadeOliveiraChiancaeprof.Geralda MedeirosNbrega,peladisponibilidadeepelacolaboraoparaquemeu trabalho venha a se constituir numa efetiva contribuio sociologia.ao meu orientador, prof. Marcos Ayala, pelaateno e pela discusso fecunda da responsabilidade e da competncia no acompanhamento deste trabalho. a Mirian, pela gentileza e por ser a ponte entre mim e o meu orientador; A todos/as, minha gratido. 9 DUARTE,AngelinaMariaLunaTavares.ASOCIEDADESECRETADE PICHADORES/AS E GRAFITEIROS/AS EM CAMPINA GRANDE PB. 230 p, 2010. Tese (Doutorado). Universidade Federal da Paraba, Doutorado em Sociologia. RESUMO

Esta tese resultou de uma investigao sobre a sociedade secreta de pichadores/as e grafiteiros/as, em Campina Grande PB. Em busca do segredo guardado por esses/as jovens,estabelecemos,comoobjetivo,identificar,descrevereanalisaraestrutura organizacional,ofuncionamento,asrelaes,asregraseascaractersticasdessa sociedade.Paratanto,entrecruzamostrsfiosterico-metodolgicos:Etnografia, HistriaOraleTeoriaSocialdoDiscurso(FAIRCLOUGH,2001).Construmoso corpus analtico com dois verbos: OBSERVAR e OUVIR observao participante e histriasdevida.Observamossujeitos.Ouvimoscincodelestrsmeninoseduas meninas.Observamostambmtextosecontextosreaisevirtuais.Observamosainda imagens.Noquedizrespeitoaodiscursoproduzidoporeles/assobreessasociedade secreta,utilizamosoprocedimentometodolgicodaobservaodeexcertos lingusticos desse discurso (escrito e oral, respectivamente, alguns textos da pichao e dografite,ecinconarrativasdashistriasdevida),para,apartirdeles, desenvolvermosoprocessoanaltico.Recorremos,ainda,algumasvezes,atextos presentesnaspginasdositederelacionamentoORKUT,depichadores/ase grafiteiros/as,comotambmaoutroseventoslingusticosconstantesnaspginasde comunidadeseblogsdegruposoucrews,almdasanotaesnodiriodecampo.O conceitodeexperincia(THOMPSON,1981)foifundamentalsnossasanlises.Os resultadossugeremqueasociedadesecretarepresentada,poresses/asjovens, comoumlocusidentitrioquelhespermite,paradoxalmente,umavisibilidade annima,jque,naperiferia,elesnoconseguemprojeo.Nesseespao estruturalmenteorganizado,hierarquicamentedividido,emqueocoletivoassumeo papelprincipal,vivenciamexperinciassimblicasemateriaisdesociabilidade, organizam-se,exercemumcontrole,estabelecemregras,comandam,fundamuma sociedadefechada,paracujaexistnciaosegredoumaferramentaindispensvel. Assim,apartirdela,brincam,disputam,protestam,agenciam,mastambm reivindicamainclusodesuasprticasculturaisnacenadaculturaurbana contempornea.

Palavras-chave: sociedade secreta, pichao, grafite, experincia, discurso. 10 DUARTE, Angelina Maria Luna Tavares. The secret society of taggers and graffiti artists in CampinaGrande,Paraba,Brazil.230p,2010.Doctoralthesis.UniversidadeFederalda Paraba, Doctorate in Sociology.

ABSTRACT

Thisthesisistheresultofaninvestigationaboutthesecretsocietyoftaggersandgraffiti artists,inCampinaGrande,StateofParaba,Brazil.Tryingtofindthesecretkeptbythe youngpeopleinvolved,ouraimwastoidentify,describe,andanalyzeitsorganizational structure,itsfunctioning,itsrelations,itsrulesandcharacteristics.Inordertodoso,we intercrossedthreetheoreticalandmethodologicalfields:Ethnography;OralHistory,and SocialTheoryofDiscourse(FAIRCLOUGH,2001).Theanalyticalcorpuswasbuiltupon two verbs: to observe and to listen participative observation and life histories. We observed individuals.Welistenedtofiveofthemthreeboysandtwogirls.Wealsoobservedtexts andrealandvirtualcontexts.Regardingtheirdiscourseaboutthesecretsociety,we observedlinguisticextracts(writtenandoraltextsfromtaggersandothersfromgraffiti artists,andfivenarrativesoftheirlifehistories),sothatwecoulddeveloptheanalytical process. We sometimes inquired into texts available on online social networks such as Orkut, written by taggers and graffiti artists, as well as other linguistic events available on group or crewblogsandnotestakenonfielddiary.Withinthehierarchicallydividedandstructurally organizedspace,inwhichthegroupplaysthemainrole,individualslivesymbolicand material experiences of sociability. They organize themselves, exercise control, set rules, lead, andfundaclosedsociety,whoseexistenceliesonthesecrecy.Fromthissociety,theyplay, dispute,protest,negotiate,andclaimtheinclusionoftheirculturalpracticesintheurban contemporaryculturalscene.Theconceptofexperience(THOMPSON,1981)was fundamentaltoouranalysis.Theresultssuggestthatthetaggersandgraffitiartistsseethe secretsocietyasanidentitylocuswhichallowsthemtohaveaparadoxicalanonymous visibility, once they do not have social projection in peripheries.

Key-words: secret society, pichao or tagging, graffiti, experience and discourse. 11 DUARTE, Angelina Maria Luna Tavares. La socit secrte dutilisateurs/trices de goudron et dutilisateurs/trices de graphite Campina Grande PB. 2010. 230 p.Thse (Doctorat). Universit Fdrale de la Paraba, Doctorat en Sociologie.

RSUM

Cette thse a result dune enqute sur la socit secrte dutilisateurs/trices de goudron et dutilisateurs/trices de graphite, Campina Grande PB. la recherche du secret retenu par ces jeunes gens, nous avons tabli comme but didentifier, de dcrire et danalyser la structure delorganisation,lefonctionnement,lesrapports,lesrglesetlescaractristiquesdecette socit-l.Pourautant,nousavonsentrecroistroisfilsthoriques-mthodologiques: Ethnographie,HistoireOraleetThorieSocialeduDiscours(FAIRCLOUGH,2001).Le corpusanalytiqueatfaitavecdeuxverbes:OBSERVERetCOUTERobservation participante et histoires de vie. Nous avons observer des sujets. Nous en avons cout cinq trois garons et deux filles. Nous avons galement observ des textes et des contextes rels et virtuels. Nous avons encore remarqu des gravures. En ce qui concerne le discours produit par eux/elles sur cette socit secrte , nous nous sommes servis du procd mtholologique de lobservationdextraitslinguistiquesdecediscours(critetoral,respectivement,quelques textes issus de lutilisation du goudron et du graphite, et cinq rcits de leurs histoires de vie), en envisageant, partir de ceux-ci, de dvelopper le processus analytique. Quelquefois, nous avonsencorerecoursdestextesdespagesdusitederapportsORKUT,dutilisateurs/trices degoudronetdutilisateurs/tricesdegraphite,ainsiqudautresvnementslinguistiques trouvsdanslespagesdecommunautsetblogsdegroupesoucrews,outrelesannotations sur le journal de champ.Leconcept dexprience (THOMPSON, 1981)a t essentiel nos analyses.Lesresultatssuggrentquelasocit secrte estreprsente,parcesjeunes gens,commeunlocusdidentitleurpermettant,paradoxalement,unevisibilitanonyme, puisque,enbanlieue,ilsnontpasdeprojection.Surcetteplacestructurellementorganise, hirarchiquementpartageolecollectifalerleprincipal,ilsontdesexpriences symboliquesetmatriellesdesociabilit,sorganisent,exercentuncontrle,tablissentdes rgles, commandent, fondent une socit ferme, dont loutil indispensable pour son existence cest le secret. De cette faon, partir de celtte socit, ils jouent, ils disputent, ils protestent, ilsngocient.Toutefois,ilsrevendiquentlinclusiondeleurspratiquesculturellesdansla scne de la culture urbaine contemporaine.

Mots-cls : socit secrte, utilisation de goudron, graphite, exprience, discours. 12 SUMRIO INTRODUODOSMUROSPARAASOCIEDADESECRETA:UMA ETNOGRAFIA DA PESQUISA............................................................................................. 13 CAPTULOIABRINDOACORTINAPARAASOCIEDADESECRETA .................................................................................................................................................. 27 1.1Aruaeanoite:guardisdosegredodepichadores/asegrafiteiros/as...................................................................................................................................................27 1.2O segredo nas redes de sociabilidade ............................................................................... 30 1.3Osegredocomodinmicacomunicativadasociedadesecreta .................................................................................................................................................. 33 1.4O segredo das redes na rede ............................................................................................. 47 1.4.1 A sociedade em rede .................................................................................................. 47 1.5A sociedade secreta virtual ............................................................................................48 CAPTULO II CULTURA, JUVENTUDE URBANA E EXPERINCIA NO CONTEXTO SCIO-HISTRICODASOCIEDADESECRETA ...................................................................................................................................................63 2.1 Cultura(s): singular ou plural?............................................................................................63 2.2 Circuitos juvenis urbanos ..................................................................................................66 2.3Hiphopsalva:odiscursodaperiferiapelaafirmaodenovosvalores ..................................................................................................................................................69 2.4Doserpichador/aousergrafiteiro/a:oqueaideologiatemavercomessaquesto ..................................................................................................................................................72 2.4.1 Pichao, grafite, grapicho .....................................................................................72 2.4.2 Pichao e grafite em duas verses discursivas .......................................................73 2.4.3 O olhar da pesquisa contrapondo as verses discursivas................................. 81 2.5 A agncia do sujeito nos muros da pichao e do grafite..................................................88 2.5.1 A permanncia material da cultura............................................................................88 2.5.2Marcasdaexperincianasprticasdiscursivaesocialdos/aspichadores/ase grafiteiros/as .......................................................................................................................89 2.5.3 E. P. Thompson, seu contexto e sua crtica ao paradigma estruturalista ...............90 2.5.4 A experincia devolvendo o sujeito ao processo ......................................................93 2.5.5Odilogodaexperinciados/aspichadores/asegrafiteiros/ascomocontexto histrico contemporneo ....................................................................................................95 CAPTULO III A PORTA DE ACESSO SOCIEDADE SECRETA: A EXPERINCIA ETNOGRFICANONCLEOHIPHOP CAMPINA..............................................................................................................................100 3.1 Histrico do NH2C ..........................................................................................................101 3.2 Gnese da experincia etnogrfica ..................................................................................105 3.3 A paisagem e o campo .....................................................................................................1103.4RepertrioseimplcitosnainteraodoNH2C:oespaodecontroleedisputasquea cortina esconde ....................................................................................................................114 3.5 O NH2C como tema nas histrias de vida ......................................................................126 13 CAPTULOIVASPRTICASSIMBLICASDASOCIEDADESECRETANAS RELAES COM A SOCIEDADE, O MERCADO E A MDIA .......................................131 4.1 Prticas simblicas da pichao e do grafite ................................................................... 132 4.2 A mdia da pichao e do grafite na mdia da sociedade do espetculo ......................... 137 4.3RepercussesdaglobalizaonodiscursodapichaoedografiteemCampinaGrande................................................................................................................................................1514.3.1 A pichao e o grafite e nas relaes entre o local e o global ............................... 152 4.3.2 A globalizao no discurso da pichao e do grafite ............................................. 156 CAPTULOVOESPAOQUEACORTINAESCONDENASOCIEDADE SECRETA .......................................................................................................................167 5.1 Processo de formao do grupo ..................................................................................... 1755.2 Estrutura organizacional ...............................................................................................183 5.3 Funcionamento .............................................................................................................. 185 5.4Regrasparafuncionamentodogrupoeadmissodemembros.............................................................................................................................................187 5.5 As minas na sociedade secreta ..............................................................................191 CONSIDERAES FINAIS .............................................................................................. 198 REFERNCIAS .................................................................................................................. 205 ANEXOS ............................................................................................................................. 216 LISTA DE ANEXOS ..........................................................................................................216 ANEXOARegistrodastagsdepichadores/asegrafiteiros/as(DUARTE,2006) ............................................................................................................................................... 217 ANEXOBRegistrodassiglasdosgruposaquesevinculamos/aspichadores/ase grafiteiros/as,comasrespectivastradueserefernciasespaciais(DUARTE,2006) ................................................................................................................................................ 221 ANEXOCRegistrodosgruposdepichadores/asegrafiteiros/asporzonaemCampina Grande (DUARTE 2006) ...................................................................................................... 224 ANEXODMapaurbanodeCampinaGrande,comalocalizaodascrewsporzona (DUARTE 2006) ................................................................................................................... 225 ANEXO E Informativo sobre o Ncleo Hip Hop Campina ............................................... 226 ANEXO F Modelo de ficha/ cadastro do NH2C ............................................................... 228 ANEXOGDesenhosproduzidosporZECA,duranteanarrativadesuahistriadevida ...............................................................................................................................................229 14 INTRODUODOSMUROSPARAASOCIEDADESECRETA:UMA ETNOGRAFIA DA PESQUISA ___________________________________________________________________________ Namadrugada, quandovoc coloca,notemningum,o movimento treduzido,etal,voccolocadaformamaisrpidaediscretaque vocpuderpraningumlhever,n?Um,dois,ningummeviu,j suminaneblina.Sficouonome,anooutrodiaaspessoasvo olhar e: que horas foi isso? Como foi isso? Quem colocou isso? Que nome esse? (Histria de vida NAAH) Aspalavraseasimagenssempreexerceramfascniosobrens,influenciandoata escolhapelonossoofciodeprofessoradelnguamaterna.Temosconvividocomelas, encantando-nos pelos sentidos que assumem e pelos suportes em que se instalam para dizer o mundo.Porisso,nosatisfeitosapenascomaleituranopapel,comeamosalertambmos muros,eissoteveincio,em2003,quando,numaruadeCampina,vimosummuropichado com a frase: nis na fita e os playboy no DVD.Fotografia: Angelina Duarte FOTO 01 nis na fita e os playboy no DVD (Crash LPE) Rua Aprgio Nepomuceno. Cruzeiro abril de 2003. Nessedia,comeamosarefletirsobrequesegredooquequemestariaportrs dessetexto,sobreodiscursoqueoenvolviae,consequentemente,sobreocontexto socioculturalquesubjaziaaessaconstruodiscursiva.Natentativadeencontrarrespostas, investigamos.Atravsdafotografia,registramostextoseimagensimpressosnosmurosde trsbairroscampinenses,nosquaisapichaoeografitedisputavamespao.Oresultado dessacuriosidaderesultou,em2006,nanossadissertaodemestradoSEESSARUA 15 FOSSEMINHA,EUMANDAVAGRAFITAR!!!:aconstruodiscursivadografitede muro em Campina Grande PB. Concluda essa etapa, o segredo ainda persistia,agora, em relao aocomo: Como se organizariaefuncionariaasociedadesecretadepichaoegrafite?Quaisseriamsuas regrasecaractersticas?Querelaesseestabeleceriamnessasociedade?Seriapossvel acessar o segredo desses grupos? O que motivaria esse aspecto secreto?Para desvend-lo, precisvamos trazer pichadores/as e grafiteiros/as para o centro do nosso debate,e ouvi-lospararecuperar sentidosque eles atribuema si, sua cultura, ao seu grupo,aoseumundo.Decidimos,ento,poroutrainvestigaoaqualresultounestatese, emoldurada pelos Estudos Culturais e pela Sociologia da Cultura.Perseguindoosegredo,objetivamosidentificar,descrevereanalisaraestrutura organizacional,ofuncionamento,asrelaes,asregraseascaractersticasdasociedade secretadepichadores/asegrafiteiros/asemCampinaGrandePB.Paracompreend-lo, entrecruzamos trs fios terico-metodolgicos Etnografia, Histria Oral e Teoria Social do Discurso a fim de produzir nosso discurso sobre essa sociedade secreta.Construmos o corpus analtico com dois verbos: OBSERVAR e OUVIR observao participanteehistriasdevida.Observamossujeitos.Ouvimoscincodeles.Observamos tambm textos e contextos reais e virtuais. Observamos ainda imagens.O prprio desenrolar da pesquisa convidou-nos a seguir por essa perspectiva mltipla e dialgica, por nos termos deparado com lacunas que no poderiam ser preenchidas por um nicocaminho.Necessitvamos,ento,deumaabordagemque,primeiramente,nos permitissedescreverocampodeestudoeasinteraesqueneleseefetivavam;deumaque tratasse da subjetividade, da trajetria e da memria, o fascnio do vivido (ALBERTI, 2004, p.22)dossujeitosinvestigados;almdeumaoutraque,complementarmente,propiciasseo desvendamentodasagendasocultasdetodaumaconstruoscio-histricasubjacenteao discurso produzido por eles. No nos esquecendo de que, tambm, E. P. Thompson participou dessedilogo,quantoaooagenciamentosociodicursivodessessujeitosnaconstruoda realidade histrica.Optamos,ento,nomtodoetnogrfico,pelatcnicadaobservaoparticipanteem reunies do NH2C Ncleo Hip Hop Campina , cujos detalhes foram registrados num dirio de campo; na metodologia da Histria oral, pela coleta de narrativas das histrias de vida de pichadores/asegrafiteiros/as,noentrecruzamentocomaTeoriaSocialdoDiscurso (FAIRCLOUGH, 2001), uma vertente da Anlise de Discurso Crtica. 16 Sobreaetnografia,Geertznoslembraqueestanoselimitariaaumaquestode mtodo,massedefiniriapelotipodeesforointelectualempreendidopelo/apesquisador/a para desenvolver umadescrio densa que exigiria do etngrafo oenfrentamento de uma multiplicidadedeestruturascomplexas,muitasdelassobrepostasouamarradasumass outras,quesosimultaneamenteestranhas,irregulareseinexplcitas,equeeletemque,de alguma forma, primeiro apreender e depois apresentar (GEERTZ, 1978, p. 20).Paraesseetngrafo,osqueoptampelapesquisadenaturezaetnogrficatmuma duplatarefa.Aprimeiraseriaadedescobrirasestruturasconceptuaisqueinformamosatos dossujeitosdenossainvestigao;asegundaseriaadeconstruirumsistemadeanliseno qualoquegenricoaessasestruturassedestaquefrenteaoutrosdeterminantesdo comportamento humano. Em etnografia, o dever da teoria fornecer um vocabulrio no qual possa ser expresso o que o ato simblico tem a dizer sobre ele mesmo isto , sobre o papel daculturanavidahumana(GEERTZ,1978,p.38).Assim,pelosobjetivosdelimitados, consideramosqueaetnografiaapresentou-se-noscomoumcaminhoindispensvelparaa realizao desta pesquisa.Assim sendo, atravs daobservao participante,com um dirio de campo nas mos, inserimo-nosemumcontextoculturaldistintodonosso,comoobjetivode"apreendero pontodevistadosnativos,seurelacionamentocomavida,suavisodeseumundo. (MALINOWSKI, 1998, pp. 33-34). Essa convivncia se constituiu para ns numa experincia degrandevalorcientfico,mastambmhumano,queimplicounumaduplaatividadede trabalhoconstrutivoedeobservao,semoqualainvestigaoteriasidoprejudicada,se noimpossibilitada.Dessaforma,observarosfenmenosemsuaplenarealidadeos imponderveisdavidareal(MALINOWSKI,1998,p.29),noNH2C,contribuiu, sobremaneira, para a consecuo de nossas metas investigativas, uma vez que, alm de ter nos propiciadoumconvviomaisprximoaossujeitospesquisados,tivemosaoportunidadede observar as distintas nuanas que se instauram na formatao das relaes vivenciadas nesse campo de pesquisa, e, mais especificamente, no que designamos sociedade secreta. Assim,comoarealidadesocialoprpriodinamismodavidaindividualecoletiva comtodaariquezadesignificadosdelatransbordante(MINAYO,2000,p.15),buscamos responderquestesreferentessubjetividadedessessujeitos,bemcomooutrasquedizem respeito ao grupo e suas articulaes com a realidade social.Quantoobservaoparticipante,noNH2C,cabeesclarecerque,emboraesse ambientenocorresponda,especificamente,sociedadesecreta,foiatravsdelaque pudemos estabelecer contato com os grupos campinenses de pichao e grafite, tendo essa se 17 constitudocomoumarelevanteestratgiametodolgicaparanossoprocessoinvestigativo. Ressaltamosaindaquenorestadvidadequeaexperinciaetnogrficaampliou-nosa compreenso sobre as relaes cooperativas e competitivas, intra e extragrupais, tanto no que dizrespeitoaomovimentohiphop,quantosociedadedepichadores/asegrafiteiros, merecendo, portanto, um captulo dedicado a ela. Quantoaoprocedimentometodolgico,optamosporumaabordagemdenatureza qualitativa,jquenossapropostaimplicaemidentificarelementosconcernentesesfera subjetivadavidasocial.Resende(2006,p.57)afirmaqueessaumaformadepesquisa potencialmentecrtica.PormeiodaPQ,ascinciassociaisidentificamestruturasdepoder naturalizadasemumcontextoscio-histricodefinido,sendo,portanto,segundoela, fundamentalaosestudoscujofocosorepresentaesdemundo,relaessociais, identidades,opinies,atitudesecrenasligadasaummeiosocial.Tambm,deacordocom Minayo e Sanches, a abordagem qualitativa empregada, para a compreenso de fenmenos caracterizadosporumaltograudecomplexidadeinterna,servindoparaaprofundara complexidadedefatoseprocessosparticulareseespecficosaindivduosegrupos (MINAYO; SANCHES, 1993, p. 239) Referindo-seaessetipodeabordagem,Goldemberg,porsuavez,consideraqueos dados da pesquisa qualitativa objetivam a compreenso profunda de certos fenmenos sociais apoiadosnopressupostodamaiorrelevnciadoaspectosubjetivodaaosocial (GOLDEMBERG, 1999, p. 49-50). Nosso estudo teve, pois,um carter descritivo/interpretativo/analtico, por se deter na compreensodasdiversasrelaesquepermeiamoprocessosocialdeconstruoe configurao da sociedade investigada, como tambm dos sujeitos e discursos que a ela esto vinculados.Emboratenhamosrecorrido,complementarmente,adadoseresultadosconstantesna nossapesquisadeMestrado(DUARTE,2006),geramosumcorpusanalticoespecficopara estapesquisa,apartirdaobservaoparticipanteedahistriadevida.Naescolhadessas ferramentas,inspiramo-nosemMalinowski(1998),oqualdefendiaaintegraoentrea primeiraeasegunda,afimdequefossepossvelaidentificaodeaspectosdavisode mundo dos nativos, no explicitadas em suas falas. Nesseponto,esclarecemosque,naafirmaodequegeramososdadosanalticos, concordamoscomadistinoepistemolgicaentrecoletadedadosegeraodedados, proposta por Resende, quando afirma: 18 Entendoqueempesquisadecampodenaturezaetnogrficaamaiorparte dosdadosnosimplesmentecoletadacomosejestivessedisponvel independentedotrabalhodo/apesquisador/a,esimgeradaparafins especficosdapesquisa.[]Investigamosproblemassociaissemdvida pr-existentespesquisa,mascriamossituaessociaisteisparasua investigao. (RESENDE, 2006, p. 58) Noquedizrespeito,maisparticularmente,aodiscursoproduzidoporpichadores/ase grafiteiros/assobreessasociedadesecreta,utilizamosoprocedimentometodolgicoda observaodeexcertoslingusticosdessediscurso(escritoeoral,respectivamente,alguns textosdapichaoedografite,ecinconarrativasdashistriasdevidadepichadores/ase grafiteiros/as),para,apartirdeles,desenvolvermosadescrio,ainterpretaoeaanlise dessasocorrncias,subsidiando-nos,tambm,pelateoriafaircloughiana.Recorremos,ainda, algumasvezes,atextospresentesnaspginasdositederelacionamentoORKUT,de pichadores/asegrafiteiros/as,comotambmoutroseventoslingusticosconstantesnas pginas de comunidades e blogs de grupos ou crews. Em vrios pontos da nossa abordagem, recorremos,comoilustrao,afotografiasaotodo36,relacionadastemticadiscutida em cada captulo.Quantoaorecorteespao-temporaldainvestigaoetnogrficacorrespondeuao perododeumano30/05/07a28/05/08,nasreuniesdoNcleoHipHopCampina (NH2C),realizadasnoespaofsicodoCentroUniversitriodeCulturaeArte(CUCA),na RuaPaulodeFrontin,noCentrodestacidade.Essesencontros,aprincpio,ocorriamnas tardesdedomingo,das15h30min.s17h30min.Posteriormente,odiaehorrioforam modificadosquartas-feiras,das19h30min.s21h.NocaptuloIII,destatese, apresentaremosumexerccioetnogrficosobretaisreunies,quandoenfocaremosdetalhes sobreessecampoquenospossibilitouocontatocomasociedadesecreta,mastambm sobre a forma de acesso desta pesquisadora a esse Ncleo.Quanto ao recorte espao-temporal, da metodologia da Histria Oral, realizamos cinco entrevistas de histria de vida, sendo que quatro delas se efetivaram no ano de 2008 ZECA (14/08/2008),PAGO(27/08/2008),ZNOCKMORB(11/09/2008),INSANA(26/09/2008), tendo a ltima serealizado em 2010 NAAH(23/03/2010), todas no Centro de Educao CEDUC,daUniversidadeEstadualdaParabaUEPB,situadonaRuaAntnioGuedesde Andrade, no bairro do Catol, nesta cidade. A escolha desse local foi feita em comum acordo comossujeitosentrevistados.Nesseponto,deixamosclaroque,emrespeitoticana pesquisa, eles estariam livres para delimitar o territrio no qual desejavam ser ouvidos. Foi escolhido tambm o turno da tarde para a gravao das narrativas, uma vez que, nesse horrio, 19 haviamuitassalasdesocupadas,emvirtudedeasaulas,aliministradas,seefetivarem, prioritariamente,nosturnosdamanhenoite.Assimsendo,commenosmovimentode pessoase,consequentemente,maissilncio,tornou-semaistranquilaagravaodasfalas dos/as entrevistados/as.A metodologia da histria oral pode ser considerada como uma prtica de apreenso denarrativasfeitaatravsdousodemeioseletrnicosedestinadaarecolhertestemunhos, promoveranlisesdeprocessossociaisdopresenteefacilitaroconhecimentodomeio imediato(MEIHY,2006,p.134).Consiste,pois,emummtododepesquisa(histrica, antropolgicaesociolgicaetc.)queprivilegiaarealizaodeentrevistascompessoasque participaramde,outestemunharam,acontecimentos,conjunturas,visesdemundo,como forma de se aproximar do objeto de estudo (ALBERTI, 2004, p. 18).A partir dela, o sujeito que se v na iminncia de traar a sua trajetria e de seu grupo revelasuaintimidade,recriaimagensdopassado,buscandorecuperar,nosmeandros infinitosdamemria(WHITAKER;VELSO,2005),marcassignificativasque,embora escondidas, vo emergindo na construo narrativa que se processa. Dessa forma, as palavras fluem reconstruindo uma trajetria de um sujeito a partir das lembranas que ele guardou das experinciasqueviveuouqueforamnarradas,compartilhadaspelogrupo;oontemsetorna hoje, o passado tropea no presente, e vice-versa, para resultar numa narrativa cujos sentidos esto plenos de historicidade.Competiuexatamentehistriaoralpermitiresseacessoaosrecnditosmais profundosdamemria,quemesmoressignificadapelosdistintosnarradores,representou aquiloqueparaelessignificou,ouseja,seconstituiunaexperinciasignificativadesses sujeitos.Recorrerhistriaoralsignifica,ento,apresentarumanovapossibilidadedefazer voltar cena a voz do narrador em unio com a alma, o olhar e a mo, tpicas do arteso segundo Valry (apud BENJAMIN, 1987, p. 221), na tessitura da narrativa.Ou ainda, como afirma Albuquerque Jr. (2007):Indefinida entre uma tcnica, um mtodo, uma postura terica no campo da historiografia,ahistriaoralfazdesua(in)definiooudesua (im)possibilidadeoseucharme,oseuencanto,asuaprodutividade. Contribuindodeformainequvocaparaquenovasfalasfossemencenadas peloshistoriadoreseseuspersonagens,paraquenovosolharessobreo passadofossempossveis,dentrodaUniversidadeedasinstituiesque agrupam historiadores, a histria oral sem dvida vitoriosa. 20 Nacontemporaneidade,emlugardonarradorque,manufatureiramente,teciaosfios narrativosdeartesanaisdaoralidade,ressuscitaumnarradorquefazusodefiossvezes desconhecidospelatradio,plenosdesignificadosdavivnciabenjaminianaeda experincia thompsoniana. (SILVA; MENEZES, 2005, p. 17) Umoutroaspectoquemerecenfase,dizrespeitocontribuiodahistriaoral investigao da sociedade secreta de pichadores/as egrafiteiros/as,conforme podemos ver nas palavras de Aspzia Camargo, na apresentao da primeira edio do Manual de Histria Oral: Oimportantenoesquecerqueacontribuiodahistriaoralsempre maiornaquelasreaspoucoestudadasdavidasocialemquepredominam zonas de obscuridade, seja no estudo das elites, seja das grandes massas. [] Nosegundocaso,aobscuridaderesultadodesinteressedasfontesoficiais pelaexperinciapopular,daausnciadedocumentos,dateiaprotetorae autodefensiva que se cria naturalmente em torno dos movimentos populares apartirdesuasprprias lideranas.[]Cabeaopesquisadordesvendaras mltiplasexperinciaseverses,buscandoapalavrafinal,sempre provisria,paratemasrelegadosousubmetidosaofogocruzadodos interesses e das ideologias. (ALBERTI, 2005, p. 15) (grifo da autora) Utilizandoessecaminhometodolgico,recorremossnarrativasdehistriadevida como fonte informativa, mas, sobretudo, como ferramenta para o entendimento do significado do discurso e da ao de pichadores/as e grafiteiros/as, das interfaces que se estabelecem entre eles/as e a sociedade, da instaurao de suas redes de sociabilidade, enfim, das relaes que se delineiamentreeles/aseocontextoscio-histricocontemporneo.Construiressasfontes documentais no foi um empreendimento dos mais fceis, em virtude da dificuldade de acesso aessesrepresentantesdaculturaderua,motivadapelocarterdeilicitudedasprticasda pichao e do grafite, como tambm pelo prprio estigma que ainda ronda tais prticas. O foco principal desse tipo de entrevista a trajetria do indivduo na histria, sendo ento contemplada a trajetria que ele percorreu desde a infncia at o momento em que fala, passando pelos diversos acontecimentos e conjunturas que presenciou, vivenciou ou de que se inteirou (ALBERTI, 2005, p. 37-38).Meksenas define a histria de vida afirmando que Trata-se de colher, por meio de gravao sonora ou filmagem, a narrativa do sujeitopesquisado:omodocomoelereinterpretaseupassadoporrecortes mediados pelo acmulo de experincias adquiridas, por sua viso de mundo, porseusvalores/projetos,tudoissoorientadopelasvivnciasdopresente. [...]Umavezdefinidootemageraldepesquisaesuashipteses,preciso localizardepoentesquesejampessoassignificativas.(MEKSENAS,2002, p.125). 21 Aescolhados/asentrevistados/assedefiniu,duranteaexperinciaetnogrfica,junto ao NH2C, escolha essa que se deu obedecendo ao critrio de antiguidade, j que sendo eles/as muitojovens,os/asmaisantigos/asnasprticasdapichaoedografiteteriamumamaior contribuio a nos dar, a fim de que os objetivos de nossa pesquisa pudessem ser atingidos. Sobre essa escolha, Verena Alberti enfatiza: []convmselecionarosentrevistadosentreaquelesqueparticiparam, viveram,presenciaramouseinteiraramdeocorrnciasousituaesligadas aotemaequepossamfornecerdepoimentossignificativos.Oprocessode seleodeentrevistadosemumapesquisadehistriaoralseaproxima, assim,daescolhadosinformantesemantropologia,tomadosnocomo unidadesestatsticas,esimcomounidadesqualitativasemfunodesua relao com o tema estudado , seu papel estratgico, sua posio no grupo etc. (ALBERTI, 2005, p. 31-32) (grifo da autora) As narrativas foram fundamentais para a evidenciao do contexto, das subjetividades e das identidades dos/as pichadores/as e grafiteiros/as, a partir de seus discursos, permitindo-nos,portanto,oacessoaossentidosqueeles/asatribuemtantoasiprpriosquantoaos contextos micro e macro, local e global , como tambm s pessoas nele inscritas. Aprincpio,propusemo-nosaregistrarasnarrativasdaexperinciadevidadeseis jovens que h mais tempo estivessem envolvidos com as prticas do grafite e/ou da pichao trsdosexomasculinoetrsdosexofeminino.Noregistrodessasnarrativas,o entrevistadorsemantmemumasituaoflutuantequepermiteestimularoentrevistadoa exploraroseuuniversocultural,semquestionamentoforado(THIOLLENT,1982,p.86) (grifo do autor).ConseguimosentrevistartrsmeninosZECA,PAGOeZNOCKMORB,mas, somente,duasmeninasINSANAeNAAH.Essareduo,noquedizrespeitoaofeminino sedeveuaque,apesardonossoconviteaoutrasmeninasZENeLUA,essasnoterem podidonosconcederumaentrevista.Apesardemarcaremoconosco,sempreocorriaalgum imprevistoqueasimpossibilitavadeviraonossoencontro.Quandofalavacomelassobre umanovapossibilidade,aposturaerasempredesolicitude,simpatiaecolaborao,mas, infelizmente, nosso encontro no foi possvel. Chegou a um ponto de nos sentirmos sem jeito deinsistir.Passadoumtempo,algumasvezes,nosdeparamoscomelasemalgunslocaisda cidade,masnenhumadenschegouatocarnoassunto,apesardecontinuarmosanos cumprimentaramistosamente.Essefatotambmpassouaseconstituirnumimprescindvel dadoanalticoparaestapesquisa.Comocadadetalhevaliosoparaainvestigao,essa dificuldade teve toda uma influncia no processo de anlise que desenvolvemos. 22 Quanto a termos entrevistado mais meninos do que meninas, gostaramos de ressaltar que,nouniversodaculturaderua,semelhantementeaoqueocorrenasociedadecomoum todo,humapredominnciadomasculino.Onmerodepichadoresegrafiteiros consideravelmentemaiorquedepichadorasegrafiteiras.Emnossapesquisaanterior (DUARTE, 2006), detectamos que, em Campina Grande, os sujeitos que produzem pichao egrafiteso,emsuamaioria,dosexomasculino.Das146tagsregistradas,hapenas5do sexo feminino (NINA, LUA, BRISA, INSANA E ROSE) (vide ANEXO A). O mesmo ocorre comrelaoaosgruposaosquaiseles/assevinculam.Das41siglasdegruposregistradase traduzidas,encontramosapenas2crewsfemininas(MUSeMMSouMMP)(videANEXO B).Assimsendo,consideramosque,emvirtudedessadisparidade,termosentrevistadoduas meninas, j consistiu num xito. Antesdecadaentrevista,solicitamosacadaentrevistado/a,aleituraeassinaturao TermodeConsentimentoLivreeEsclarecido,afimdequenorestassedvidaquanto seriedade desta pesquisa.Quanto conduo da entrevista, decidimos por, aps ligado o aparelho de MP3 para a gravao,deixaro/aentrevistado/aproduzirsuanarrativa,vontade,intervindoomnimo possvel,apenasemcasosemquehouveumagrandepausaouemquefoinecessrioo esclarecimentodealgumaspectorelevantepesquisa.Decidimos,tambm,nofazer anotaes para que a entrevista ocorresse da maneira mais espontnea possvel, no formato de umaconversa,deixandoosregistrosescritosparadepoisdeconcludoessemomentode interao.Importanteressaltarque,mesmoapsdesligadaaMP3,todososcinco entrevistadoscontinuaramconversandomaisumpoucoconosco,tendoessemomentosido tambm de grande valia para a pesquisa.Um dos entrevistados, a certa altura de sua fala, pediu que encerrssemos a gravao, acrescentando,emoff,detalhesarespeitodotemasobreoqualelediscorria,fatoesse fundamental para a compreenso dos tensionamentos que envolvem a sociedade secreta de pichadores/as e grafiteiros/as.Oencerramentodasentrevistassedeu,naturalmente,nomomentoemqueos/as entrevistados/as consideraram que no havia mais nada a acrescentar, embora todos tenham se disponibilizadoanosconceder,posteriormente,umaentrevistacomplementar,casofosse necessrio.Fizemosquestodedeixarbemclaroaeles/asquerecebemosdeles/asuma valiosa contribuio, pela qual agradecemos enfaticamente. Aps realizada cada entrevista, transpusemos o udio para o computador, procedendo, em seguida, a transcrio (ou transcriao), a fim de no perdermos detalhes importantes 23 gestos,expressesfaciais,nfases,silncios,porexemploosquaisaindaestivessemvivos emnossamente.Ostextosresultantesdessatranscriocadaqualcomnomnimovinte pginas foram diludos nas discusses de cada captulo desta tese. Importante ressaltar que talprocessodemorado,trabalhosoeexigeperseveranaemuitadisciplina.Acrescentamos ainda que o ideal que esse trabalho no seja terceirizado, pois, em nossa opinio, s quem presenciou as narrativas possui a capacidade de coloc-las no papel para deixar o texto final o mais prximo da fala dos/as entrevistados/as.A fim de preservarmos a identidade dos/as entrevistados/as, optamos por nos referir a eles/as,utilizandoseuspseudnimos.Emalgunsmomentos,porm,afimdeevitarmos constrangimentos,necessitamosomitir,mesmoseuspseudnimos,quandoodiscurso sinalizava para questes delicadas que envolvem a rivalidade entre grupos. Findo o processo de textualizao das narrativas orais, sabamos que o texto produzido pornsnoeradefinitivooulimitado.Ateoriadopesquisadorsersomenteumadas possveisperspectivasabertaspelotexto(CALDAS,1999,p.77).Otextofinalresultante dessasentrevistasumtextodialgico,demuitasvozesemltiplasinterpretaes (PORTELLI, 1997, p. 27).Conforme complementa aquele autor, acerca do texto final: Em sua rede ficcional, em sua fora viva, exige o que envolve uma releitura, reinterpretaes. Por ser um corpus vivo no se esgotou nem no projeto que oiniciou,nemnolongotrajetotranscriativoemuitomenosnas interpretaesque,formalmente,otransformaramatravsdopesquisador numa leitura especfica e singular. (CALDAS, 1999, p. 77) Consideramos que obtivemos xito nessa empreitada, porque, se j no fcil o acesso a esses sujeitos, muito mais difcil o acesso s suas histrias de vida, embora saibamos que a narrativaproduzidaporelesnoarealidade,masumarepresentaodela.Essexitofoi devido, portanto, a todo um processo de construo de confiana entre pesquisadora e sujeitos dapesquisa,oqualteveincionaprimeirainvestigaoquedesenvolvemos(DUARTE, 2006), e que teve continuidade neste novo trabalho cientfico. Aquiabrimosumparnteseparadeclararqueomomentodecadaentrevistafoi, sobremaneira,prazerosoparans.Ouvimosatentamentecadacenanarrada,atsorrimos, emocionamo-nos e surpreendemo-nos com elas. Em virtude do tempo de convivncia anterior noNH2C,percebemosqueos/asentrevistados/asdepositaramconfianaemns,chegando alguns deles a revelar detalhes sobre sua vida ou sobre a vida do grupo que, na verdade, no espervamosqueviessemtona.Umadasentrevistadas,porexemplo,tratandodatemtica dasdrogasemsuatrajetria,afirmouqueaquiloqueelaestavanosnarrandostinhasido 24 contado a um mdico, que ns ramos a segunda pessoa que tinha acesso a esse momento de suavida.Disse,ainda,quesabiaquenotextofinal,haveriaalgunscortes,oqueimplicaem queeladesejassequesuaidentidadesemantivesseemsegredo.Assim,procedemos.Dessa forma,oaspectosecretodessasociedadeinfluenciouanossaproduofinal.Percebemos, nesse instante, a responsabilidade e o compromisso tico que devem compor os instrumentos de qualquer pesquisador, a fim de que o resultado do seu trabalho no venha a comprometer seus/as entrevistados/as.Sobre essa responsabilidade que nos cabe, necessrio dizer que, especificamente em relao aesta pesquisa,algunsaspectos precisam ficar bemclaros. O primeiro deles que o objetodenossainvestigao,historicamente,temsidoassociadoaumestigmade criminalidade, o que reforado pela prpria legislao, motivo pelo qual envidamos todos os esforosparaquenossasanlisesnoreforassemesseestigma;osegundodelesa rivalidadequeinspirasuasprticassocioculturais,oqueimplicanonossocuidadoemno contribuir para a acentuao das rixas; o terceiro deles que entrevistamos membros de dois gruposOPZeUZS,entreosquaishessarivalidade,enopodemosexporos/as entrevistados/as,nemgerarconstrangimentosentreeles/as;oquartodelesqueesta pesquisadoracnjugedocuradordomeioambientedeCampinaGrandeeissofoi informadoaossujeitosdestainvestigao,motivopeloqualaprecauotevedeser redobrada,afimdequeessacondionosejaassociadaaonossointeresseporinvestigar essasociedade.Essetambmfoiomotivopeloqualnopudemosacompanharnenhuma intervenonoturnadepichaoroljuntamentecomossujeitospesquisados. (Imaginemos a manchete que isso daria!). As nicas intervenes que presenciamos foram de grafite, durante o dia.O quinto deles que precisamos manter a imparcialidade, pois foram nossos objetivos descrevere analisar a sociedade secreta,e no, exercer juzos de valorsobre ela. Tambm nofoiobjetivonossodiscutirasimplicaesdessasprticascomrespeitoviolaodos espaos privado e pblico.Osextodelesdizrespeitosnoesdelinguagem,sujeitoediscursocomasquais trabalhamos. Para a Teoria Social do Discurso (FAICLOUGH, 2001), que tem por princpio a linguagemcomoespaodelutahegemnica,alinguagemconsideradacomoparte irredutveldavidasocialdialeticamenteinterconectadaaoutroselementossociais (RESENDE,2006,p.11).Ossujeitosnosomeramenteposicionadosdemodopassivo, mascapazesdeagir,denegociarseurelacionamentocomostiposdediscursoaqueeles recorrem(FAIRCLOUGH,2001,p.87).Osagentessociaissodotadosderelativa 25 liberdadeparaestabelecerrelaesinovadorasna(inter)ao,exercendosuacriatividadee modificandoprticasestabelecidas.Dessemodoaimportnciadodiscursonavidasocial transitaentrearegulaoeatransformao(RESENDE,2006,p.46).Odiscurso entendido como pratica poltica e ideolgica, e como modo de ao historicamente situado, (RESENDE,2006,P.25)quedeveserinvestigadoemsuatrplicedimenso:texto,prtica discursiva e prtica social (FAIRCLOUGH, 2001, p.101) OstimodelesqueotrabalhocomaAnlisedeDiscursoCrticarequero engajamentopessoaldo/apesquisador/acomoproblemapesquisado.Admitimosquea suposiodeneutralidadeemcincianosenoumposicionamentoideolgicoe,assim sendo, no nos pretendemos neutros sabemos que no podemos s-lo e, mais que isso, no queremos s-los. (RESENDE, 2006, p. 140) (grifo da autora). Todo o percurso da pesquisa desde a escolha do objeto e dos objetivos at a anlise resultam de escolhas particulares. ParaRajagopalan(2003,p.12apudRESENDE,2006,p.150),adistinoentrea teoria tradicional e a teoria crtica consiste em queestaltimanosecontentaemdescrevereteorizarosproblemassociais, objetivaparticiparativamentedosprocessosdemudana.Ealinguagem constituiumfocoinescapvelnapersecuodesseobjetivo,vistoque palco de interveno poltica, em que se travam disputas pela estruturao, desestruturaoereestruturaodehegemonias,emqueseconstroem identidades, se veiculam ideologias. (grifo do autor) Concordamos, assim, com a afirmao de Fairclough (2003, apud RESENDE, 2006, p. 141) acerca da no objetividade da anlise, visto que no possvel descrever e analisar o que se representa em um texto, sem a presena da subjetividade. Esforamo-nos para que a nossa construo discursiva, nesta tese, permitisse que a voz dos sujeitos da pesquisa e suas histrias de vida pudessem dizer sobre eles e sobre pichao e grafite, independentemente, da revelao do segredo que constitui sua sociedade. Mas como tudo o que secreto exerce atrao, deixemos a deciso para o final. Consideramos,tambm,quecertosdetalhessobreessasociedadeprecisaramser cuidadosamentetratados,afimdequeosresultadosdestainvestigaonoocasionassem, conformejdissemos,situaesconstrangedorasaossujeitospesquisados.Essavigilncia metodolgica se constituiu numa enorme dificuldade para ns. Redobramos, ento, o esforo paracumprirnossospropsitosinvestigativos,commuitojogodecinturaparano trazermosprejuzosaocampoeaossujeitosquenospermitiramessaexperincia.Nossa atitudetalvezpossaatserconfundidacompaixoou,at,comtemor,mascomodizo ditado,cadaumsabeondeosapatoaperta.Dispnhamosdosdados,masnemtodos 26 poderiam ser publicizados. As xerox das fichas de cadastro dos membros do NH2C, com seus dadospessoais,aslistasdepresenadasreuniesdoNH2C,odiriodecampo,contendo, inclusive os nmeros detelefone de pichadores/as e grafiteiros/as,a transcrio das histrias de vida e o vdeo sobre o Ncleo sequer puderam ser utilizados como anexos. Nesse aspecto, osegredocontinuouacompor,desdeoplanejamento,estatesequeresultouemcinco captulos.Sabendo que ela no se limitaria aos muros da Academia, optamos por no produzir umcaptulo,exclusivamente,terico,afimdequenossotextoflusseeasualeiturase tornasseprazerosaparaqualquerleitor,sobretudo,parapichadores/asegrafiteiros/as,os/as quais tero, de nossa parte, o compromisso de voltar ao campo para apresentar os resultados a quechegamos.Assimsendo,procuramosdiluirateorianoprocessoanaltico,emdilogo com as prprias falas dos/as entrevistados/as.Oprimeirocaptuloabreascortinasparaaapresentaodasociedadesecreta, enfocandooaspectodosegredocomodinmicacomunicativadessarededesociabilidade, desde a esfera real at a esfera virtual da sociedade em rede. Nosegundocaptulo,subsidiando-nospelasperspectivasdosEstudosCulturais,da literaturasobrejuventudeedaTeoriaSocialdoDiscurso,abordamosasrelaesentreo panoramadaculturacontempornea,oscircuitosjuvenisurbanosmovimentohiphop, pichao e grafite e a experincia dos sujeitos que interatuam nesses contextos (Thompson, 1978). Tambm compuseram esse captulo reflexes acerca das (in)definies das identidades depichador/aegrafiteiro/a,comotambmacercadoagenciamentosociodiscursivodos sujeitos produtores dessas duas expresses da cultura de rua. O terceiro captulo, no apenas descreve nossa experincia etnogrfica, no NH2C, mas tambmapresentamomentosanalticos,apartirdashistriasdevidadepichadores/ase grafiteiros/asentrevistados/as,sobreocontexto,ossujeitoseosdiscursosqueseinstauram nesse campo de observao permeado por controle e disputas. Noquartocaptulo,considerandoqueasexpressesculturaiscontemporneasse instauramnumcontextosocial,maisamplo,dearticulaoentreolocalaoglobal; considerando tambm que esta uma tese de doutorado em Sociologia, e que, de acordo com o inciso III, do Art. 12, da resoluo n 62/1999, precisa representar um trabalho de pesquisa originalemquedemonstrecapacidadecrticaedomnioterico-metodolgicoem Sociologia,apresentamosumadiscussosobreasrelaesestabelecidasentreasprticas simblicasdapichaoedografite,easociedade,omercadoeamdia,nocontextoda globalizao,discussoessaquejulgamosindispensvelanlisedequalquerfenmeno 27 contemporneo.Tambmverificamos,apartirdaTeoriaSocialdoDiscurso,quaisas ressonncias desse novo processo civilizatrio no discurso da pichao e do grafite. No quinto captulo, dedicamo-nos a apresentar e analisar de que forma essa sociedade representadanodiscursodasnarrativasdepichadores/asegrafiteiros/asentrevistados. Nessadiscusso,procuramosabordaroprocessodeformao,aestruturaorganizacional,o funcionamento,asregrasdeadmissodosmembros,almdecontemplaraparticipao feminina nesse grupo, subsidiando-nos pela perspectiva faircloughiana.Sigamos, ento, em busca do segredo, leitura dos captulos. 28 CAPTULO I ABRINDO A CORTINA PARA A SOCIEDADE SECRETA ___________________________________________________________________________ [...] Ele: bora, pichador, no sei o qu! Por que tu pichou ali? Eu: caramba, eu no pichei nada!Eeusapradialogarcomocara,e nisso, o segurana saiu assim emdireo quela praa quetem. Eu: No, eu no fiz isso! E num momento de descuido, eu, fuc, disparei, a subinacontramo,emdireofeira.Quandoeuchegueina esquina, o vigia meenquadrou, eu semsandlia, quena correria, eu deixei a sandlia. Eu: Calma, eu no fiz nada, no, eu fui roubado, eu fuiroubado!Aquandoelefoibaixandoaarma,ocaraaparecena esquina de baixo: segura ele, segura ele! A o vigia: Para! O cara, um senhor j, e eu, um maloqueiro, de bon, correndo na rua descalo! O vigia: Para! Eu no fiz nada, no! Quando eu disse a segunda vez: eu no fiz nada! Ele, p! Sem exagero, a bala, o tiro que ele deu tavacomodaquianessaparede.Eleapontouaarmaassimpra mim,p!Eusviofogo!Eita,eusfizviraracaraesair desabando. Caramba, Angelina, eu acho que eu nunca corri tanto na minha vida, no.1 1.1A rua e a noite guardis do segredo de pichadores/as e grafiteiros/as Tudotemincionumarua,numaesquina,numapraa,numaArca2,numapistade skate...Jovensseencontramparatocarideias,paraexperienciar,comseuspares,o pertencimento... Oito e pouco, cedo ainda, a gente tava ali, na Arca Tito, de frente onde era a Decom, era um point3 l, at um tempo. N figuras chegavam por l pra trocar ideias e de l sair pra os seus rols. (PAGO).Porque eu frequentava uma parte do Centro que era a Arca e boa parte daspessoasquetavamalifaziam.Eaeufiqueicuriosa,sabe?Todo mundo ia, todo mundo gostava. Tava aumentando o nmero de pessoas. E at ento, eu nem ia nesse rol mesmo, assim, de pichar. Eu s encontrava comeles,antesdelessarempraisso,ouquandoelesvoltavam.Aeu escutava todas as histrias e achava massa, n? A, de participar, foi porque eu j sabia tudo, sabia como acontecia, sabia tudo, eu s no tinha ido. A eu disse: eu vou. Eu tinha um spray, eu disse: eu vou. A a gente combinou, aeuj,noprecisavanemmeexplicarnada,eujsabiacomo acontecia tudo. [...]Nodomingo,todomundoseencontravapraandardeskate.[...]a conheciSAGAZ,atravstambmdeskate,tambm,conheciopessoalda zona sul atravs do skate. [] Em 2002, mais ou menos, fomos pro Centro,

1 Os grifos em todos os fragmentos das histrias de vida, daqui em diante, so desta pesquisadora. 2ARCAumespaonoCentrodacidade,construdopeloPoderPblicoMunicipal,destinadoaacomodaros camels que, anteriormente, se instalavam nas caladas do centro comercial de Campina Grande. 3Ponto de encontro para estabelecimento de trocas e planejamento e avaliao dosrols. 29 aquelavelhapirmide4.Tinha um movimento deskatistas muito forte, a conhecemos o STIMPS, que foi um menino que entrou pra LPE, e botou ele pra pichar. (ZNOCK MORB) A rua se constri pelos sujeitos que, em suas movncias, a praticam e significam. No se constitui, pois, numa realidade fsica determinada a priori. Ela corpo, eles, esprito. Nela, eles imprimem a marca das suas experincias, a partir de lgicas urbanas alternativas e, muitas vezes, inesperadas. Notecidoculturaldacidade,elesexpemsubjetividades,constroemidentidades,a partirdeumabrincadeira,deumolharemcomum,deumsonho,deumaideologiaqueos mantenha em segurana, diante da instabilidade que vivenciam nos contextos com os quais interatuam. Fotografia: Angelina Duarte FOTO 02 A vida. Todos unidos na mesma ideologia! Sem crise. (Ovni UZS) Rua Paulo de Frontin. Centro. CUCA. Janeiro de 2005. Aruaosacolhe.Anoitetambm.Elasconhecembemosegredo.Nsdesejamos conhec-lo. [...]A foi queagentedescobriu quenavidanoturna, no sa genteque tava l, no. Do mesmo jeito que a gente, enquanto uma pichava, ficava duas outrsolhandoomovimentodarua,cadaumanumaesquinaolhandopra uma direo, todo mundo fazia isso. (INSANA) A teoria antropolgica buscou compreender o papel do segredo associado s religies quedispunhamdeconhecimentossecretos,tentandoexplicarofuncionamentodestesem sociedadessecretaserituaisiniciatrios.Pretendemosseguiressecaminho,enfocandoos gruposdepichaoegrafite.Sabemosqueosegredoseconfiguraapartirdeum conhecimentocompartilhadoemumcontexto,emdetrimentodeoutros,resultandonum processodediferenciaoquecriaummundoparte,umarealidadesocialparticular,

4 Pirmide do Parque do Povo logradouro pblico no centro de Campina Grande.30 interdependentedessaocultao.Nessemundo,identidadesvorecebendoosprimeiros contornos. O controle quando orientado pela existncia do segredo, entendido tal como Scheppele(1988)odefiniu,comoapartedainformaoque intencionalmentesonegadaporumoumaisatoressociaisdosdemais, transformaosegredoemummecanismoque,devidosuasignificao simblica,servedebaseparaaconstruodeidentidadespessoaise/ou coletivas. (MIRANDA, 2001, p. 99) Assim,esses/asjovensobtmodomniosobreumcdigoaqueapenaselestm acesso,fazendosurgirummundodistintodoaparente,oqueresultaemambiguidadese interpretaesconflitivassobrearealidade,forandoanegociaodasposiessociais. (MIRANDA, 2001, p. 100)Mesmo sendo segredo, este, paradoxalmente, se espalha nas redes reais, mas tambm, nas virtuais. Atrai, excita, encanta, transgride, camufla... Traz risco, adrenalina, rixa, projeo, punio,profisso...Assumesentidos,torna-sesmbolo.,simultaneamente,arteecrime, essnciaemercado,localeglobal,periferiaecentro,anonimatoevisibilidade,estruturae ao, identidade e diferena, subverso e negociao, pureza e hibridismo, pichao, grafite, e grapicho...Subverte,assim,adelimitaoconceitual.Moveasfronteirasqueseparamasduas prticas,sequeelasexistam.Grapixonis(LPE/UZS),dizumaescritanummurode Campina.Fotografia Angelina Duarte FOTO 03 Grapixo nis (LPE/UZS) Rua Paulo de Frontin. Centro. CUCA. Janeiro de 2005. Subverte-seaprprialngua,pelacriaodoneologismoGrapicho:palavra-chave para a construo discursiva desse nicho. Ela muito mais que um vocbulo. Representa uma ideologia.Representaaperiferia,noapenascomolocalizaoespacial,mastambmcomo 31 marcaidentitria.Representatambmumasociedade,umasociedadesecreta.Resumea mestiagementreasduasprticas,mastambmohibridismoentreazonaeomundo. Representa,ainda,osentimentodepertenaaessecontextoprofundamentemarcadopor criatividade, tenso e contradio.Subverte-se,emsegredo,adeterminaoestruturaldalngua,daleiedasociedade. Proibido pichar ou pixar (OPZ), diz, ironicamente, outra escrita no muro. Fotografia: Angelina Duarte FOTO 04 Proibido pichar ou pixar(Hits OPZ) Rua Prof. Francisco Carlos Medeiros.Prata. Fevereiro de 2005 Assim, mltiplo e paradoxal, como tambm so a juventude e os contextos sociais que a envolvem, desafiando a normatividade, o segredo tece seus fios por entre uma rede e outra, at formar uma sociedade, uma sociedade secreta. 1.2 O segredo nas redes de sociabilidade A tessitura dessa sociedade se instaura no ambiente propcio da cidade contempornea, quandogruposjuvenis,estruturadosapartirdegaleras,bandos,gangues,gruposde orientaotnica,racista,musical,religiosaoutorcidasdefutebol,emergem,numanova apropriaodoespaourbano,quedesafiaoentendimentoeexigeumaaproximaomais sistemtica para sua compreenso (SPOSITO, 1993, P. 162). Movendo-sedaperiferiaaocentrourbanoeumoravanaZonaSul,pertodo Amigo, mais ou menos 2 km do Centro. Eu sa andando pro Centro e fui l pra pirmide, n, e, assim, n [...] A eu digo: bom, nunca fiz isso, vou fazer a primeira vez na pirmide, onde todo mundo anda deskate e vai ver (ZNOCKMORB) , motivados por certos impulsos e emfunodecertospropsitosessajuventudegestasuasredesdesociabilidade,asquais resultamnumasociedade.Seusfluxosinteracionaissecaracterizamtambmporum 32 sentimento,entreseusmembros,deestaremsociados,epelasatisfaoderivadadisso (SIMMEL,1983,p.169),constituindo-se,assim,numarelaosocialpura,numaforma ldica da sociao (SIMMEL, 2006, p. 65). Periferia, no discurso da sociedade secreta, assume sentidos muito mais amplos que osconvencionais,constituindo-senoapenascomoumarefernciaespacial,comoj dissemos,masrepresentandoumcontextonoqualessasidentidadesjuvenisseformam,se comportameinteragem.Ouniversodascrewsorganizadoapartirdodiscursosobre pertencer periferia.[...]Periferiapassanoapenasaserumacategoriaespacial,comotambm umacategoriaidentitriaquefazrefernciapertenadeclasse,masque noserestringeaessefator.Categoriaquetambmtrazconsigomodos particularesdeseportaredeserelacionarcomosparesdaperiferia. (PEREIRA, 2010, P. 158) Fotografia: Angelina Duarte FOTO 05 Reao da periferia (Gorpo) Rua Paulo de Frontin. Centro. (CUCA) setembro de 2004 Assim,essesnovosagrupamentos,tribosurbanas,nodizerdeMafesolli,passama funcionarcomoelementodeidentificaoederefernciacomportamentaldessesjovens,na passagemparaaadolescncia,perodoemquebuscamumamaiorautonomiaemrelaoao mundoadulto.Segundoele,tribosurbanascomoagrupamentossemi-estruturados, constitudospredominantementedepessoasqueseaproximampelaidentificaocomuma rituaiseelementosdaculturaqueexpressamvaloreseestilosdevida,moda,msicaelazer tpicos de um espao-tempo (MAFFESOLI, 1998, p. 201). 33 (...) os espaos e tempos de lazer aparecem, de certo modo, sobrevalorizados pelosjovensporquereconhecemadesfrutardeumacertaautonomia,em contrastecomoutrosdomnios(famlia,escola,trabalho)onde predominante a autoridade adulta. (PAIS, 1993, p. 111) As caractersticas singulares a cada grupo imagem, estilo, discurso e comportamento favorecemsuainserosocial,aomesmotempoemquesugeremasinterfernciasdas transformaessocioeconmicaseculturaisdasociedadecontemporneanaconstituio dessas caractersticas.Nessapaisagemeapresentandotaiscaractersticas,brotaasociedadesecretade pichadores/as e grafiteiros/as. A gente criou a MMS, e foi bem legal porque a gente achava que esse negcio de pichao era totalmente secreto. [...] A gente fez a MMS, criou. Melou a cidade todinha (INSANA).Eu tinhaunsquatorzeanos. Era demenor, mas jeramaisconfiantenisso. [...]Osmeninosqueeramdemaiornoqueriamdarrolcomagenteque era de menor. At porque se caso fosse preso, um agravante a mais t com companhia de menor, eles iam responder tambm por aliciamento. A j que agentenopodiaandarcomosmeninosdemaior,agentejuntouas meninas e, teve uma poca, assim, que era s menina. (INSANA) Embora conectada ao movimento hip hop, e por isso, estabelecendo fronteiras internas com os demais elementos que o compem, essa sociedade traa um perfil para se articular aos contextos micro e macro, delimitando suas especificidades e suas identidades, cujos vnculos se pautam tanto pela unidade de impulsos e propsitos em torno dos valores defendidos pelo movimento, quanto pela satisfao de pertencerem a um grupo que lhes permite unir o til ao agradvel:crtica,contestao,projeo,rivalidade,planejamentodeintervenes, compartilhamentodeexperincias,lazer,afetividade,religiosidade,etambmtrabalho.Por outro lado, seus estilos actuam frequentemente como mscaras, da mesma forma que as culturasjuvenispodemrepresentarsoluesaproblemasecontradiesrelativamentes circunstncias que os jovens vivem (PAIS, 2007, p.22) (grifo do autor). Oaspectodosegredo,queseescondesobtaismscaras,indispensvelao funcionamentodogrupo,esubjazasuaprticasocioculturalnaqualocoletivo,tambm, assume um papel relevante. Os ns que arrematam tais laos s se tornam possveis a partir do ns,dosentimentogregrioqueinspiraaemergnciadessascrews.Opiche,elemuito coletivo, ele funciona atravs de crews, de coletivos (NAAH).Essa idia de comunidade, de estar junto, expressa-se, tambm, no nvel vocabular do discursodessessujeitos:organizao,grupo,unio,galera,mfia,faco,torcida,primeiro comando,crew(OrganizaodosPichadoresdoZepa,UnioZonaSul,Grupode 34 PichadoresdoZepa,TorcidaJovemdoGalo,PrimeiroComandodoCatol,Mfia ZonaLeste).PrimeiroComandoeMfia,particularmente,dizemrespeitoaformas especficasdeorganizao,facescriminosasorganizadas,cujaaocomprovaopoder desses grupos, como o caso, em So Paulo, do PCC (Primeiro Comando da Capital). Com o uso dessas expresses, esses/as jovens parecem querer chocar a sociedade. Assim,amatriamodeladoradasuaesferasocialretroalimentadaporessa multiplicidadedeelementoseprovavelmentepormuitosoutroscujodomniopertence unicamente ao grupo, e que permanecero secretos para ns, a partir dos quais os vnculos comunitriosseconstituemeseinstalam.Masoqueseriaa sociedadesecretadepichadores/asegrafiteiros/as?Porqueeparaqueelaexistiria? Haveria,defato,umsegredo?Emqueeleconsistiriaecomosemanteria?Seriapossvel desvend-lo? E, em sendo desvendado, no deixaria de ser segredo?Essa sociedade se abriria para a pesquisadora, ou representaria para garantir a manuteno do segredo? sobre ela que iremos nos debruar agora. 1.3 O segredo como dinmica comunicativa da sociedade secretaOs grupos de pichao e grafite, em Campina, nascem da curiosidade, da brincadeira, daexperimentao,dainflunciadosamigos,nocontextomaisimediatoarua,obairro,a zona , e vo se ampliando para as reas centrais da cidade, onde o fluxo de transeuntes e, consequentemente,depichadores/asegrafiteiros/asbemmaiordoquenaperiferia,uma vez que a motivao para essas duas prticas colocar seu nome pra todo mundo ver. Para eles,inclusive,nomomentoemquedeixamdeatuarapenasnaquebradaondemorame saem para pixar em outras quebradas, ou mesmo no centro da cidade, que se tornam pixadores de verdade (PEREIRA, 2010, p. 160). Ointeressepelapichaofoisascircunstnciasdoslugares,das pessoascomquemeuandava,eporcuriosidade,euchegueia acompanhar rol durante a madrugada, pra pichao, n? (NAAH) Atento,eunotinhaidopraruamesmo.Jerarua,masnoerarua mesmo,eradentrodocondomnio.Aumcertodiaagenteseencontrou nadivisadoCatolcomaLiberdade,eeuencontreicomSAGAZe SVO. A rolou uma grande amizade. Terminou nesse mesmo dia a gente saindo pro Centro, e pichando tudo. (ZNOCK MORB) Eumoravaaqui.Moleque,asempreiadefriaslpraRecife.Etinha algunsconhecidosdaminhairmquepichavameeueracuriosopra saber como era realmente. A no final de 94, eu fui morar de verdade l. A nisso,euconheciumaspessoasquejtinhamummovimento,masqueera tudomolecotetambm,noerapichador,no.Avezououtra,tipo, 35 arrumava uma lata aqui, a saa, fazia uma besteira aqui, pegava um giz decerafaziaumacoisaali,enissoeutambmpegueiosembalose comecei nessas brincadeiras de moleque. (PAGO) Dessa brincadeira, emergem o compromisso, a defesa dos valores caros ao grupo e a fidelidadeaelesAcaramba,porjserumaculturaderua,decertaformatemuma ideologiaquevingaalidentro(PAGO).Tudoissosobomantodosegredo,jqueso ocultadasaidentidadedosseusmembros,assuasmotivaeseformasdeatuao,stendo acesso a essa esfera os que compartilham seus cdigos e experincias.Seusegredoadquireoestatutodesmbolocujainterpretaospodeserealizara partirdavivnciacotidianadesses/asjovens.Poroutrolado,podeserqueessesignificado ocultojamaissepermitarevelar.quotidianamente,isto,nocursodassuasinteraces, que os jovens constrem formas sociais de compreenso e entendimento que se articulam com formasespecficasdeconscincia,depensamento,depercepoeaco(PAIS,1990,p. 164).Segundoessesocilogo,adescobertadossignificadosdossmbolospassapela compreenso dos significados que esses smbolos tm para os jovens, mas vai mais longe do queisso:passatambmpelacompreensodousoqueelesfazemdessessmbolos(PAIS, 2007,p.19).Masnemessessmbolossotransparentes,comotambmnoosoosestilos juvenis, os discursos e as relaes sociais que deles emanam. Seus significados mobilizam-se entre a molecagem, o fascnio pela prtica, o feeling, o status e a sensao de poder que ela proporciona. Talvez essa opo pelo secreto se vincule gnese das duas prticas, em sua condio deanonimatoedeclandestinidade,edigarespeitonecessidadedecamuflagemdesses sujeitos,sobpseudnimos,sobretudo,naprticadapichao,jqueesta,porsermais invasiva e transgressora5, alm de estar sob a mira da legislao vigente no pas, impossibilita a exposio pblica de seus adeptos, temtica essa a ser abordada no item2.4 do captulo II, desta tese.s vezes acontece, tipo, a polcia chegar e pegar o seu spray e passar em vocpraquevocnofaamaisisso,podebateremvoc...[...]legal, sabe,voc afinal tentreamigos,entono quevoc tindo, voc trindo, voctbrincando,voc ttirandoumaonda,etudo, masatemorisco.E quandoapolciachegar?Quequevaiacontecer?Vaidartempo correr?Vai dar tempo se esconder?Vocvai presa.A, sua me vai l,

5Eu digo: bom, galera, a gente LPE, mas se a gente t fazendo grafite,eu acho a pichao uma coisa, assim, mais anarquista, mais, como que se diz, , mais secreta, assim, mais underground,mesmo, na essncia, assim. (Histria de vida ZNOCK MORB) (grifos nossos) 36 n?Atemgentequenoliga,quea mej foipegardezvezesdentro da delegacia.(NAAH) Talvezsejaapenaspelofascnioqueaauraenigmticadosegredoexercesobrea juventude,porproporcionar-lheotrnsitoporumterritrionoacessvelatodos,cujo controlepassaaestarnasmosdesses/asjovens,mastambmporchamaraatenoda sociedadeparaeles/as.Poroutrolado,podeserqueosegredo,contraditoriamenteaoseu significado,exeraopapeldepublicizaodessasociedadeformadaporeles/ase, consequentemente,desuasprticasculturais,emrazodacuriosidadequealimentanos indivduos.Mastambmpodesertudoissoemuitomais.Entretanto,emrazodosegredo, talvez no nos seja possvel penetrar as camadas mais profundas dessa sociedade. Otempoajudaatransformarabrincadeiranavera.Vendoacidadelimpa,e trazendo a experincia com o piche, de Recife, em 1999, PAGO funda o primeiro grupo de pichao nesta cidade, o primeiro comando. Quandoeuvimprac,jcomacabeadeumametrpole,decidade grande, cheguei aqui, de certa forma, a cultura de interior diferente, a eu vi, caramba,acidadelimpa,limpa,limpa,limpa.Tinhaumacoisaaquiou outra perdida, mas no era um movimento de piche, muito menos de grafite. A eu, caramba, vou fundar um comando aqui. A tive a atitude e chamei uns colegas que imaginei que tinham coragem. Vamo? Vamo. Mostrei umas letras pra eles, dei s umas ideias, por alto, do que que ia ser o camando, a ideologiadahistria.Pronto,apartirda,surgiuaOPZ6,oprimeiro comando,aprimeiraorganizaodepichenacidade,queatentono tinha piche aqui. (Histria de vida PAGO) Comando?Quepalavraseriaessa?Qualasuarepresentaoparaasociedade secreta?Apelarmosapenasparaaquestolingusticaserialimit-lademaisemsua multidimensionalidade semntico-ideolgica e sociocultural.No nvel textual desse discurso, a escolha dessa palavra j sinaliza para a metfora da guerra,doconflito,dabatalhaquesoprpriosdasprticasdessasociedade.Aoassim procederem,estoescolhendoenunciadosmetafricosparaemoldurarosconceitos vinculados sua experincia.Fairclough(2001,p.241)afirmaqueasmetforasestruturamomodocomo pensamoseomodocomoagimos,enossossistemasdeconhecimentoedecrena,deuma formapenetranteefundamental.Segundoele,hfatoresculturais,polticoseideolgicos quedeterminamaescolhadametforapelosprodutoresdostextos,sendo,portanto, necessrioconsiderarosefeitosdesserecursolingusticosobreopensamentoeaprtica social.

6 Organizao Pixadora do ZEPA. 37 Nas seguintes fotos, h textos em que ntida a metfora da guerra: Fotografia: Angelina Duarte FOTO 06 Esta porra quem comanda Zona Leste!!! (PZL) / Nem PM, nem MP, nessa porra quem comanda OPZ . (OPZ) Rua Otaclio Nepomuceno. Catol. Muro da Escola Normal. Maio de 2005. Fotografia: Angelina Duarte FOTO 07 A guerra vai comear.(Zoi PPZ) Rua Dr. Severino Cruz. Centro. Parque do Povo.Maio de 2005 Nesseconfronto,ocomandoserveparademarcaredominarumterritrio.Quem comanda? Muita gente que mora l, que tem meio que uma moral naquele lugar, no pedao, vamo dizer que quem manda no pedao so eles. Quem vai pro prdio mais alto, s quem vai poderirsoeles(INSANA).Servetambmpararepresentaroperodoemqueojovem deseja assumir o comando da sua vida, ter uma autonomia, e, para isso, cria um espao em que esse desejo possa se efetivar.PontoespacialderefernciadaOPZ:oZEPA,bairrodaZonaLeste.Integrantes: jovensmoradoresdessaZona.Atitude:coragem.Motivao:verumtagbem 38 encaixadozinho, um pico7, muito louca a ousadia da pessoa subir pra divulgar o seu nome, a sua arte l em cima (PAGO). Cada um querer ser mais do que , at porque o conflito, na pichao,umacoisameioqueessencial,porquecadaumquerendofazermaisalto.Es vezes at que , entre aspas, saudvel, at o momento que t s no, nas paredes. (INSANA). Fundarumcomandoexigiriaconfiana,atitudeecoragem.Confianana capacidadedeagenciamento.Atitudedelideranaparadesafiar.Coragemparacorreros riscos e segurar a barra , de ser visto e preso, ou at mesmo de morrer numa queda, no confronto com outros grupos, com a polcia ou com outros sujeitos que se contrapem a suas prticas.Eu acho que perigoso, sabe? Eu acho que arriscado. Eu acho que, do ponto de vista social, assim, sabe? [] Outra coisa, assim, um ladro que possa ver quatro ou cinco pessoas andando e queira roubar, porque hoje emdiaaindatemmaisesserisco,foraasautoridades,n?[]Masj teve muito amigos que um segurana puxou uma arma e atirou. No pegou, no foram atingidos, mas voltaram a fazer. Isso no adrenalina?Mas voc correr,eoorgulhodeterfeito,n?Voltei,terminei.Seapagar,euvolto. (NAAH) Adrenalinaoutrofatordeterminantenessaprtica.Tratandodatemticasobrea paixo pelo risco, Le Breton (2000) considera que essas prticas juvenis associadas aos riscos inerentes transgresso, semelhantemente, aos esportes radicais, afrontam limites, produzindo a exaltao da vida perigosa, emocionante, repleta de adrenalina. Essa forma de afrontamento ao risco insere-se numa lgica do desafio e da provocao sociedade adulta.Por outro lado, a fascnio pelo risco pode ser uma necessidade de reencantamento da vida,jqueeles/asmanifestamforteligaocomopresenteaquieagora,certa dificuldadeemequacionaropassadonemsempreaslembranassoboasealguma relutnciaemprojetarofuturohumtantodevazionaespera(BORELLI;ROCHA, 2008, p. 31). Como vivenciam instabilidade e insegurana, agarram-se com todas as foras ao presente, arriscando-se, desafiando, enquanto podem ter um certo controle sobre esse efmero presente. Coragem implica tambm em liderana. PAGO, em sua histria de vida tematiza a sua liderana, narrando que, desde moleque, tinha ideias econvocava a molecada para p-lasemprtica.Dizque,quandoestudavanoCEPUC8,todofinaldeanotinhaumdestaque: destaqueesportivo,destaqueamizade,praestimularosalunos.Eteveumahistriade destaqueliderana.Atento,eunometocavadisso,eumoleque,quandoeuolho,foi

7 Pichar no lugar mais alto possvel. 8 Instituio de ensino frequentada pela classe mdia. 39 unnime, a classe todinha botou destaque liderana pra mim. A partir da, eu me toquei. E fui ganhando em cima disso.Numgrupoqueumadasmximasdehavercobranaquandoh necessidade,essegrupovairespeitar,tercomofiguradeautoridadequem coloca aquilo em prtica,quem faz aquilo bem feito.Resultado desse meu comportamento,dessapartedaminhapersonalidade,domeu temperamento,isso,contribuiupraeuterumaespciedeliderana nesse subgrupo social. (PAGO) Aliderana,opapeldeautoridade,dentrodogrupo,representaparaesses/asjovens umaautoafirmao,eissoserefletenaconstruodasuaidentidade,jque,noconvvio extragrupal,asfigurasdeautoridadesooutras.Esseaspectodalideranafoicitadono fragmentodahistriadevidadeINSANA,sobreacriaodaMMScrew,aparecendo, tambm,nahistriadevidadeZNOCKMORBsobreacriaodooutrogrupodepichao mais expressivo em Campina: LPE, rival da OPZ, de PAGO. OSAGAZpichavaecolocavaLP9.Eissomedeuumincentivo.Eeu encontreicomSAGAZeSVOquetambmcolocavaLP.A,por considerao,elespediram:botaLP,aeufuieboteiLP.Nofinalde98, assim, mais ou menos, a eu disse: bom, galera, acho muito vazio, assim, LP. VamocolocaroE,deescaladores,achoqueficalegal.Escaladoresvai darumlancemassa,assim,pragente,agaleraqueescala,etal.At ento eu no me interessei muito, no coloquei LPE, tambm tava um pouco afastadodesselancedegrafite.Aveiooanode1999,n.Acontinuou aquelacoisadeLPE,LPE,aeucoloqueialgunspelobairro,assim,a comeou a surgir na cidade. (ZNOCK MORB) Almdosegredo,doslaoscomunitrios,daatitude,dacoragem,daliderana,h outro aspecto muito relevante a ser contemplado: Em Campina, o piche, ele no s piche. Osbondes,comoagentechama,agalera,sabe,temoenvolvimentocomtorcidas organizadas,comtodoumcontextomaispesado.Issoteacarretaumaconsequncia.Sevoc da OPZ, voc t ali sujeita a toda a histria que a OPZ t, entendeu? (NAAH). Porque a questo de torcida organizada uma coisa que meio irracional. meioirracional,no,totalmenteirracional,porquepregaodioauma outra pessoa porque ela est usando uma camisa de uma cor diferente da sua, entoissototalmentesemsentido.,evocvquesopessoasque matamoumorremporaquilo.Issoadmirvel,elestmumideal,um objetivo eeles matam oumorrem por aquilo,sque qual esseobjetivo? Matar ou destruir a outra torcida, mas eles matam. (ZECA) Dissoresultamosconflitossimblicosoureais,vivenciadospeloscomandos gangues, nas palavras dos entrevistados que batalham pelo predomnio numa dramatizao das preocupaes de status. E dessas tenses resulta a violncia, que por sua vez pode tambm ser uma das causas da manuteno do segredo.

9 Sigla dos Loucos Pichadores. 40 O fato de eu estar me encarando como eu no sendo mais integrante de uma gangue, querendo ou no, a parte, o comando que eu fazia parte era uma gangue.[...]AnegadatodinhaldaLeste:ladro,traficante,eamolecada queandacomigo,merespeitaporcausadisso.Viaquequandoeradeter atitude,eu,p,tinha,faziamesmo,chegavanacarudae,p,fazia. (PAGO) Segundo PAGO, a OPZ o comando. Segundo ele, a OPZ tem grafiteiro, pichadoreladro,entendeu?AchoqueelequersertipooMarcolaea OPZ ser o PCC, entendeu? Mas na verdade um monte de guri, entendeu? Querendo brincar, brincando ser perigoso. (ZECA) Nosconfrontossimblicos,umgrupoqueima10atagdooutro,semelhantementeao jogodavelha.Nosconfrontosreais,aqueimadatagresultaemagressesetodasas consequnciasdelasdecorrentes.Esequisersedesmoralizar,sequiserarrumaruma confusocomvoc,vaiqueimarsuatag(PAGO).Nomeiodabrincadeira,exacerba-se, ento, a metfora da guerra, passando, no contexto real, a se tornar menos metafrica.Exemplo disso a rivalidade histrica entre as crews OPZ e LPE/UZS, tematizada em quasetodasashistriasdevida,equeserabordadamaisadiante.,porquetemaquela coisa de queimar, t ligado? T aqui otag, o cara chega e p.Isso um desrespeito terrvel, mortal, voc queimar o grafite, queimar um tag, no nem um grafite, mas um tag de outro. [] Queimar voc fazer um X por cima, entendeu? Fazer uma coisa por cima, entendeu? Vejamos um exemplo disso na fotografia abaixo: Fotografia Angelina Duarte FOTO 08 LPE => os + loucos! (LPE) XPichadores Psicopatas do Zepa (PPZ) Rua Jos Dantas de Aguiar. Catol.fevereiro de 2005 Aescolhadapalavraqueimar,quereferencialmenteremetecombusto,porsua vez,tambmremeteaumareasemnticavinculadaguerra,conflito,disputa(queimado inimigo, queima de arquivo, queima de cadver), mas tambm a ficar queimado, no sentido

10 Coloca um X sobre a tag do rival. 41 deserexcludo,desprestigiado,estigmatizado.Aaparnciadequeesseusosugereuma combusto social.Haveriaumasimbioseentreodiscursivoeosocial?Emborasaibamosquenemtodo discursosetornaumaprtica,aprimeiraimpressoquetemosadequenocontextoda sociedadesecreta,alinhaqueseparaessasduasesferastnue.ATeoriaSocialdo Discurso nos ajudar a desvendar esse segredo. Nesse ponto, o risco se acentua, pois alm de ele j existir, em razo da natureza dessa prtica, entra a a represso policial, a servio da lei.Inclusive fui pro presdio, duas vezes, fazer umas visitas l, comer sopa do governo (PAGO).Aprpriarelaodesses/asjovens com a polcia, que para eles/as uma inimiga mortal, tambm sugere uma guerra. FOTO 09 Fotografia copiada do orkut de MEGA outubro 2010 http://www.orkut.com.br/Main#AlbumZoom?uid Oriscoest,intrinsecamente,vinculadotransgresso.Pereira(2010,p.155)afirma que a conduta de risco constitui tambm outra maneira de transgredir uma vez que desejam ultrapassarasbarreirasimpostaspelasdeterminaessociais,parecendoseroriscoa principal transgresso que esses jovens procuram. Essa dinmica de criao dos riscos, em lugardeinibir,excita,produzadrenalina,evaiconcederoreconhecimentoaopichadorque melhor conseguir superar os desafios.Eu,caramba,doido,seessabalapegaemmim,caramba,caramba, caramba. Cheguei em casa, a primeira coisa que eu fiz foi ligar o chuveiro e ficardebaixodochuveiro.Caramba,quedoideira,quedoideira,que doideira! Eu acho que passei uns quarenta minutos debaixo do chuveiro refletindo.aminhamentalidade,sfizsairdecasa,fuilpegaro spray, porque ainda no meio dessa correria eu ainda pensei em entucar o spray,guardarospray,passeiporali,efuc,boteilecontinueinessa correria. Passei, peguei o spray, passei no centro, entreguei pro ZNOCK.42 Ea,o rol?a minha mentalidade!Econtinuouashistrias(risos!). muitahistria!muitahistriamesmo!Essaeumelembro,quemarcou mesmoofogodaarma.Imaginopelotamanhodaarma,eraum38,um revlver grande assim. Ele, p, eu s vi o fogo. Acho que foi Deus que fez assimnabalanahora!Queeletavamirandoassimedeuotiro.(PAGO) Mas nem esse aspecto intimida o grupo. Euadmiro, assim, a adrenalina,a coragem, mesmo,assim(NAAH).Apesardetodaarepresso,repete-seatransgresso,mesmoque essessujeitosnosaibam,exatamente,oqueestotransgredindo,jquevriosfatoresse mesclam nas suas atitudes. No h, portanto, um motivo nico e determinado para isso. O que h,mesmo,socontradies.Asafiliaesculturaisjuvenisguardam,porm,contradies internas, nuanas diversas, toda uma srie de dubiedades intrigantes (FREIRE FILHO, 2005, p. 148). Em lugar de conteno dessas prticas, h uma persistncia desses sujeitos na criao de novos grupos.Tododia,no,massempreapareceumasiglanova.assim,,daLPE, apareceuLPA,LPP,LPL.DaOPZ,apareceuOPC,OPI,OPM.Temsigla quehojeemdiaeuvejo,assim,noseinem,algumas,osignificadode algumasnemconheo.Naminhapocaeuconheciatodomundo.Hojeem dia tanta coisa nova que eu nem, no sei nem algumas, o significado de algumassiglas.AfoicriandodepoisdaLPE,OPZ,eMMS,acriaram, criou-seLPA,LPO,OPC,MUS,MUStambmquesdasmeninas. (INSANA) Todo dia aparece um que d um rol ou outro e para, ou depois ele muda de nome, ou depois ele desiste, enfim, vai e vem, n, pichadores. , alguns continuam, mesmo, tm prazer em fazer. (NAAH) Porqueessaproliferao?Quesentidofariaparaesses/asjovens/aspertenceraessa sociedade?Serqueashistriasdevidaresponderiam?Acondioadolescenteapontaria paraaprimeiracausadessaescolha.Masapenaselanosuficienteparaexplicaresse fenmeno. No comeo da minha adolescncia eu fui meio rebelde. Meio roqueira, e nunca gostei, assim, dos padres de roupa que minha me e minha av gostaram.[...]Teveumapocanaminhavidaqueeusgostavadeusar camisa pintada por mim. Eu achava que era como se meu peito fosse um out door pra o que eu pensava. [...] O comeo da minha adolescncia foi desse jeito, meio revoltada com a vida. (INSANA) Naadolescncia,fiqueiencrenqueira,fiqueidandotrabalho,fiquei respondona, desobediente (risos!), fiquei realmente bem diferente do que eu eraquandopequena.Foiumaadolescnciabemcomplicada,daquelade tirar o juzo de qualquer me. (NAAH) Haveria tambm a influncia dos amigos para essa iniciao, mas tambm a admirao desses jovens por outros que obtiveram notoriedade nesse contexto. De acordo com Rezende 43 (2002, p. 146), h uma contiguidade entre os valores da sociabilidade e da amizade, sendo a primeira o alicerce para a constituio de vnculos afetivos. As amizades que eu consegui no grafite e no movimento hip hop, eu no vendo de jeito nenhum (ZNOCK MORB). Segundo as histrias de vida, tambm muito importante o aspecto do prazer que essa prtica proporciona aos seus adeptos, sendo determinante para que ela se efetive. Tem outras coisasenvolvidas.Temoprazerdefazer,temaquelacoisade,p,sentimento.[...]uma coisa... mais do que chegar e pintar, t certo? (ZNOCK MORB).Assim,aexperinciadepichadores/asegrafiteiros/as,mediadapelosegredo, constitui-se a partir da mescla de muitos elementos, sugerindo a fora identitria da sociedade secreta na autoafirmao desses jovens. O estar junto significa para eles a possibilidade de seapresentarcommaisautonomia,mesmoqueessaselimiteaocontextointragrupal.Por outrolado,esseslaoscomunitrioslhespermitemavisibilidade,jque,nocontextomais macro, as assimetrias, em vrias esferas, os tornam invisveis (SOARES, 2004). O desejode notoriedadenadamaisqueodeinvertersuacondiodeanonimatosocial,mesmoque, paradoxalmente, esse desejo se realize, em segredo, no anonimato. A construo discursiva desses jovens suscita questes referentes identificao deles comessasociedade,mastambmrepresentaodelaemseusistemaconceptual.Os significados identificacional e representacional marcam muitos momentos de seu discurso. O significadorepresentacionalenfatizaarepresentaodeaspectosdomundofsico,mental, social em textos [...]; o significado identificacional, por sua vez, refere-se construo e negociaodeidentidadesnodiscurso,relacionando-sefunoidentitria(RESENDE, 2006, p. 53). Essaspodemseridentificadas,porexemplo,pelasuaescolhavocabular.Palavras como comando, queimar, periferia, grapicho, piche, point, rol, crew, tag, spray passam a ter sentidosampliados,profundamentevinculadosaosentimentodepertenaeconstituio desses sujeitos no universo da cultura de rua.Exemplo desse sentimento de pertena que alguns deles chegam a tatuar a marca do seugruponocorpo,comoveremosnafotoabaixo,coletadanapginadoorkutdeMEGA, que membro de outra crew campinense ATACK BOMB.44 FOTO 10 Fotografia copiada do orkut de MEGA setembro de 2010 http//www.orkut.com.br/Main#Profile?uid=10162845907402648153 A tatuagem uma marca registrada produto do gueto , e representa o orgulho desse jovem por pertencer a essa sociedade, mas tambm seu compromisso com ela por toda a vida, o que se confirma pela legenda que esse jovem escreveu abaixo dessa foto: t u fim. Interessante que na prpria imagem vemos atag MEGA repetida, de duas formas pichao,aprimeira,ebomb,asegunda,numarefernciasduasprticaspichaoe grafite.Tambm,nobomb,naprimeiraenaltimaletradapalavraMEGA,podemos identificar o smbolo $, do cifro, o que sugere que o produto by gueto tem valor, inclusive, para o mercado. Entreprticaediscurso,porm,permaneceosegredo,sendomantidotodoo investimento de proteo a ele, para que sejam resguardadas as identidades de seus membros, a sua esfera de intimidade, assim como alguns elementos de sua prtica. uma cultura que a gentechamaculturadeunderground,muitoessefocounderground,underground, underground.[]Aquelacoisa,mesmo,queveiodospores,elatavanosporesporquea sociedade no aceita (ZNOCK MORB). AnoodosegredotemsidorelevantetantoparaaSociologiaquantoparaoestudo dasculturas(MALDONADO,1999,p.217),emrazodeseconstituircomoumdos fundamentos da vida em sociedade. De acordo com essa autora: Os estudos sociolgicos do segredo se inauguram com os pressupostos e os estudosdeGeorgSimmeleseestendemnombitotericoenapesquisa disciplinar.Tantonasuavertentesociolgicacomonaantropolgica,os estudiososdasdiferentesformaseritmosqueassumeadisseminaoda informao em quadraturas sociais diversas, partem do pressuposto bsico de queaocultaopormeiosconsiderados"positivos"ou"negativos"um 45 feitoessencialmentehumano,eumdosfundamentosdavidasocial.Semo segredo,pressupondo-seapossibilidadedatransparnciaabsolutanas relaesinterpessoaistantoaonvelindividualquantoaonvelsocietrio, estas seriam inviveis (SIMMEL, 1950 apud MALDONADO, 1999, p. 219) (grifos da autora) O segredo cria barreiras entre os homens, mas ao mesmo tempo traz baila o desafio tentadorderomp-loporboatariaouporconfissoeessedesafiooacompanhatodoo tempo (SIMMEL, 1999, p. 222).Em relao screws de pichao e degrafite, alm de se estabelecercomoumelementoviabilizadordoprocessodeinteratividadesocial,passaa comporaprpriadinmicacomunicativadetaisgrupos,assumindoassimsignificados pertinentes cultura de rua. Referindo-se ao segredo, Simone Maldonado assim se expressa: Do ponto de vista sociolgico, a importncia e as tonalidades culturais que o binmio ocultao-revelao assume em cada configurao histrica e local, superam a valorao moral que delas se possa fazer. Sociologicamente, mais doqueumcontedo,umobjetounicamentedeocultaoqueumavez revelado se esvaziasse e perdesse o sentido, o segredo toda uma dinmica comunicativa, feita de retricas, de silncios, de transparncia, de opacidade etambmdecertasformasderevelao,estandoentreseuspossveis mecanismos, a mentira e a malversao. (MALDONADO, 1999, p. 3) (grifo da autora)

Emboraconsistindonumacategoriadecontedouniversal,dependendodocontexto culturalemqueseencontrainstaurado,assumeconotaesespecficasadaptadasquela cultura.Noquedizrespeito,maisparticularmente,sprticasdascrewsdepichadorese grafiteiros,afuncionalidadeeosimbolismodessaocultaoremetemparaocarter subversivoqueteminspirado,desdeoprincpio,aconstituiodetaisgrupos,mastambm paraagarantiadeseusinteressesevalorescoletivos.Ousodosegredocomoumatcnica sociolgica,comoumaformadeaosemaqualemtermosdosocialnosepoderiam alcanar certos fins, parece bem claro (SIMMEL, 1999, p. 20). Tendo, pois, o segredo no cerne de suas atividades, os/as jovens da sociedade secreta, partindodeexperinciasnosentidothompsoniano,delimitamumconjuntodeprticas, regras,smbolosprprios,indumentria,comportamento,queospossamcaracterizareque impliquemnumsentimentodepertena,naconstruodeumaidentidadecoerentecomos valores defendidos pelo grupo cultural a que se vinculam. Cada cultura se caracteriza [] por uma certa configurao, um certo estilo, umcertomodelo.Otermoimplicaaidiadeumatotalidadehomogneae coerente. Toda cultura coerente, pois est de acordo com os objetivos por elabuscados,ligadosasuasescolhas,noconjuntodeescolhasculturais possveis. (CUCHE, 1999, p. 77-78) 46 Uma outra vinculao ao segredo se estabelece a partir da funo poltica exercida por alguns membros desses grupos, embora no anonimato. Nesse aspecto, no mais a brincadeira, mas a denncia. Para exercer suacrtica sociedade, no podendo faz-lo abertamente, nem tendo espao para tal, expressam-se em segredo. Assim, por fora de posto de sade fechado, a pessoa colocava: Um absurdo! Coisasassim,protestavacomogeral,comogoverno,compoltico,com tudo o que me incomodava. [...] A fiz meus protestos, eu queria mais aquilo ali, eu queria mostrar a todo mundo o que eu pensava, que tambm tinha um montedegentequeconcordavacomigo,mas agente, nosei como falar, a gente no, no no, a televiso no aberta pra todo mundo, a gente no tem meionenhumde falaroqueagentetemvontade,ento foiojeito que eu encontrei. (INSANA) Atnacampanhapoltico-partidria,desteanode2010,paragovernadordaParaba, algunsgruposseposicionaramemrelaoaoscandidatos.NummurodaRuaSebastio Donato,noCentrodestacidade,encontramosafrase:operaoXnacara.Votenulo. Encontramos ainda a propaganda de um dos candidatos a essa eleio queimada com um X sobreafotodele,semelhantementeaoprocedimentodessesjovensemrelaoaosgrupos rivais,almdapalavracapitalista,abaixodareferidafoto.Tambmnummurointernodo CUCA,encontramosafrase:Coragem,dinheiroebala.Essaproprefeito100cultura,ao lado de uma imagem de Lampio. Vimos, ainda, em algumas pginas do orkut, de alguns/mas desses/as jovens, a declarao explcita de apoio a um candidato, inclusive com fotos ao lado deste. Odiscursoqueeles/asconstroemsinalizaparaumdescontentamentocomquestes que a sociedade no lhes responde. Na atitude de exporem a periferia, de onde advm, como tambm o produto que dela se origina, podemos identificar a crtica s esferas hegemnicas. Essacrticaseinstauraemumnovosuportemiditicoomuroouqualquerespao que lhe equivalha como um novo espao para a repolitizao, uma vez que na poca atual, instauraram-se mudanas tambm no que diz respeito poltica. Muitasdessasmicropolticasoriginam-seemsetores,atento,perifricosque interatuamcomasmaisdistintasexpressesevivnciassocioculturais.Anovidademais importante da cultura brasileira na ltima dcada foi o aparecimento da voz direta da periferia falando alto em todos os lugares do pas. A periferia se cansou de esperar a oportunidade que nunca chegava, e que viria de fora, do centro. (VIANNA, 2007) Em seu manifesto, publicado originalmente para o lanamento do programa Central da Periferia e republicado na Revista Raiz, o socilogo Hermano Vianna defende que em lugar desumir,asperiferiasresistem-efalamcadavezmaisalto,produzindomundosculturais 47 paralelos(paraoespantodaquelesqueesperavamquedalissurgissemaismisriasem futuro),ondepassaaviveramaioriadapopulaodosvriospases,inclusivedoBrasil (VIANNA, 2007). Aforareivindicatriadegruposdepichadores/asegrafiteiros/asevidencianovos atores urbanos em cujas mos, o muro, qu