sobre os diferentes métodos de traduzir

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Sobre os diferentes métodos de traduzir ¥ Friedrich E. D. Schleiermacher O fato, que um discurso em uma língua seja traduzido em uma outra, apresenta-se a nós sob as mais variadas formas por toda a parte. Por um lado, desse modo podem entrar em contato homens geograficamente muito afastados, e podem ser transpostas em uma língua obras de uma outra extinta já há muitos séculos; por outro, não precisamos sair do domínio de uma língua para encontrar o mesmo fenômeno. Pois, não apenas os dialetos dos diferentes ramos de um povo e os diferentes desenvolvimentos de uma mesma língua ou dialeto, em diferentes séculos, são já em um sentido estrito diferentes linguagens, e que não raro necessitam de uma completa interpretação entre si; mesmo contemporâneos não separados pelo dialeto, mas de diferentes classes sociais, que estejam pouco unidos pelas relações, distanciam-se em sua formação, seguidamente apenas podem compreenderem-se por uma semelhante mediação. Sim, não somos nós frequentemente obrigados a previamente traduzir a fala de um outro que é de nossa mesma classe, mas de sensibilidade e ânimo diferentes? A saber, quando nós sentimos que as mesmas palavras em nossa boca teriam um sentido inteiramente diferente ou, ao menos, um conteúdo aqui mais forte, ali mais fraco, que na dele e que, se quiséssemos expressar do nosso jeito o mesmo que ele disse, nos serviríamos de palavras e locuções completamente diferentes. Na medida em que determinamos mais precisamente este sentimento, trazendo-o ao pensamento, parece que traduzimos. As nossas próprias palavras, às vezes, temos que traduzir após algum ¥ Tradução de Celso R. Braida, UFSC. Original: Über der Verschiedenen Methoden des Übersetzens (Friedrich Schleiermacher’s sämliche Werke , Dritte Abteilung: Zur Philosophie, Bd. 2, Berlin, Reimer, 1838, S. 207-245. 1

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Teoria de Friedrich E. D. Schleirmacher sobre tradução. Domesticação e estrangeirização.

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  • Sobre os diferentes mtodos de traduzir

    Friedrich E. D. Schleiermacher

    O fato, que um discurso em uma lngua seja traduzido em umaoutra, apresenta-se a ns sob as mais variadas formas por toda aparte. Por um lado, desse modo podem entrar em contato homensgeograficamente muito afastados, e podem ser transpostas em umalngua obras de uma outra extinta j h muitos sculos; por outro,no precisamos sair do domnio de uma lngua para encontrar omesmo fenmeno. Pois, no apenas os dialetos dos diferentes ramosde um povo e os diferentes desenvolvimentos de uma mesma lnguaou dialeto, em diferentes sculos, so j em um sentido estritodiferentes linguagens, e que no raro necessitam de uma completainterpretao entre si; mesmo contemporneos no separados pelodialeto, mas de diferentes classes sociais, que estejam pouco unidospelas relaes, distanciam-se em sua formao, seguidamenteapenas podem compreenderem-se por uma semelhante mediao.Sim, no somos ns frequentemente obrigados a previamentetraduzir a fala de um outro que de nossa mesma classe, mas desensibilidade e nimo diferentes? A saber, quando ns sentimos queas mesmas palavras em nossa boca teriam um sentido inteiramentediferente ou, ao menos, um contedo aqui mais forte, ali mais fraco,que na dele e que, se quisssemos expressar do nosso jeito o mesmoque ele disse, nos serviramos de palavras e locues completamentediferentes. Na medida em que determinamos mais precisamente estesentimento, trazendo-o ao pensamento, parece que traduzimos. Asnossas prprias palavras, s vezes, temos que traduzir aps algum

    Traduo de Celso R. Braida, UFSC. Original: ber der VerschiedenenMethoden des bersetzens (Friedrich Schleiermachers smliche Werke,Dritte Abteilung: Zur Philosophie, Bd. 2, Berlin, Reimer, 1838, S. 207-245.

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  • tempo, se quisermos assimil-las apropriadamente outra vez. E estaprtica no usada apenas para transplantar em solo estrangeiro oque uma lngua produziu no domnio da cincia e das artesdiscursivas, e assim aumentando o crculo de atuao destesprodutos do esprito, mas tambm estas prtica usada no comrcioentre diferentes povos e nas relaes diplomticas de governosindependentes entre si, quando estes apenas podem falar com ooutro em sua prpria lngua, se eles, sem servir-se de um lnguamorta, querem manter-se rigorosamente em uma igualdade.

    Todavia, naturalmente, no queremos incluir nessa nossaconsiderao tudo o que h nesse vasto domnio. Aquela necessidadede traduzir tambm no interior da prpria lngua e dialeto, mais oumenos uma exigncia momentnea da mente, est tambm em seuefeito limitada ao instante, para exigir uma outra orientao queaquela do sentimento; e se houvesse a necessidade de dar regraspara isso, elas poderiam ser apenas aquelas que mantm o homemem uma disposio moral pura para os sentidos permaneceremabertos tambm para o que se menos afim. Deixemos isto de lado efiquemos a partir daqui com a traduo de uma lngua estranha paraa nossa. Tambm aqui ns chegamos a dois domnios: com certezano inteiramente determinados, como raro acontecer, mas apenascom limites imprecisos, porm, com claridade suficiente seenxergam os pontos extremos. O intrprete efetivamente exerce oseu ofcio no domnio da vida comercial, o tradutor genunopreferencialmente no domnio da cincia e da arte. Se esta definiodas palavras parecer arbitrria, uma vez que habitualmente seentende por interpretao mais a oral e por traduo a escrita,aceite-se-a pela comodidade para os presentes propsitos e maisainda porque as duas determinaes no esto assim to distantes. Aescrita prpria dos domnios da arte e da cincia, atravs da qualsuas obras tornam-se duradouras; e a interpretao de boca bocadas produes cientficas ou artsticas seria to intil quanto pareceser impossvel. Para o comrcio, ao contrrio, a escrita apenas ummeio mecnico; as transaes orais so aqui o primrio, e todainterpretao escrita propriamente apenas pode ser vista comoregistro de uma oral.

    Em esprito e natureza, esto muito prximos desses domniosoutros dois, os quais, pela grande variedade de objetos a elespertencentes, j configuram uma transposio, um para o domnioda arte e o outro para o da cincia. Pois, cada transao que acontecepela interpretao , por um lado, um fato cujo desenrolar-se

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  • apreende-se em duas lnguas. Mas, mesmo a traduo de escritospuramente narrativos ou descritivos, que apenas traduz odesenrolar-se de um fato para uma outra lngua, pode ainda conterem si muito da atividade do intrprete. Quanto menos o autor sesobressai no escrito original, quanto mais ele coloque-se apenascomo rgo receptor do objeto e siga a ordem do tempo e do espao,tanto mais a transposio se aproximar da mera interpretao. Otradutor de artigos jornalsticos e descries de viagem comuns,assim, est muito prximo do intrprete, e pode tornar-se risvel se oseu trabalho tenha maiores pretenses e que ele deseje ser vistocomo artista. Ao contrrio, quanto mais haja prevalecido naexposio o modo de ver e combinar prprio do autor, quanto maisele siga uma ordem livremente escolhida ou determinada pelaimpresso, tanto mais opera j o seu trabalho no domnio superiorda arte, e tambm o tradutor deve ento aplicar outras foras ehabilidades para realizar o seu trabalho e estar familiarizado comseu escritor e sua lngua num sentido diverso daquele do intrprete.Por outro lado, em regra, toda negociao em que se interpreta aestipulao de um caso particular conforme relaes jurdicasdeterminadas; a traduo feita apenas para os participantes, osquais conhecem bem estas relaes, e cuja expresso das mesmasest determinada em ambas as lnguas, ou por leis, ou pelo uso eesclarecimentos recprocos. Porm, diferente com negociaes emque, embora muitas vezes sejam semelhantes a estas na forma,novas relaes jurdicas so determinadas. Quanto menos estaspossam ser, por sua vez, consideradas como particulares de umuniversal suficientemente conhecido, tanto mais conhecimentocientfico e circunspeo requer a sua redao, e tanto maisnecessita o tradutor para o seu trabalho de conhecimento cientficodo assunto e da lngua. Desse modo, por esta dupla escala eleva-se otradutor cada vez mais sobre o intrprete, at o seu domnio maisprprio, a saber, o das produes da arte e da cincia, nos quais, porum lado, a capacidade combinatria livre prpria do autor e, poroutro, o esprito da lngua com o seu sistema de intuies ematizaes das disposies mentais, so tudo; o objeto no dominade modo algum, mas dominado pelo pensamento e pela mente,mais ainda, com frequncia apenas surge pelo discurso e apenasexiste com ele.

    Em que, porm, funda-se esta importante diferena, que sepercebe j no interior das fronteiras, e que se mostra claramente nospontos mais afastados? Na vida comercial trata-se na maior parte deobjetos visveis ou, ao menos, que so bem determinados; todas as

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  • negociaes tm um certo carter aritmtico ou geomtrico, por todaparte nmero e medida podem ajudar; e mesmo naqueles conceitosque, segundo os antigos, admitem o mais e o menos e so designadospor meio de uma hierarquia de palavras, que na vida ordinriadiminuem e crescem em contedo indeterminado, assumem pormeio de lei e costume um uso fixo para cada palavra. Assim, se ofalante no dissimula indeterminaes ocultas com a inteno deenganar, ou erra por inadvertncia, torna-se compreensvel paratodos que sejam versados no assunto e na lngua, e apenas ocorremdiferenas insignificantes no uso da lngua. Mesmo assim, podeocorrer algumas vezes uma dvida, acerca de qual expresso de umalngua corresponde a da outra lngua, que no pode ser resolvidaimediatamente. Por isso, nesse domnio a traduo quase umprocesso mecnico que qualquer um com um conhecimentomediano de ambas as lnguas pode realizar, e, quando se evitaabertamente o falso, ocorrem poucas diferenas entre o pior e omelhor. Porm, nas produes da arte e da cincia, quando se devetransplant-las de uma lngua para outra, h que se considerar duascoisas que alteram completamente a situao. A saber, se nas duaslnguas cada palavra de uma correspondesse exatamente a umapalavra da outra, expressando os mesmos conceitos com as mesmasextenses; se suas flexes representassem as mesmas relaes, e seusmodos de articulao coincidissem, de tal modo que as lnguasfossem diferentes apenas para o ouvido; ento, tambm no domnioda arte e da cincia, toda traduo, na medida em que por ela se devecomunicar o conhecimento do contedo de um discurso ou escrito,seria tambm puramente mecnica como na vida comercial; e sepoderia dizer de toda traduo, com exceo dos efeitos do acento edo ritmo, que o leitor estrangeiro estaria na mesma situao frenteao autor e sua obra que o nativo. Porm, com todas as lnguas queno so to prximas, que pudessem ser consideradas como simplesdialetos, a situao precisamente a oposta, e quanto mais distantesesto uma da outra quanto origem e ao tempo, tanto maisnenhuma palavra em uma lngua corresponde exatamente a uma daoutra, e nenhuma flexo de uma apanha exatamente a mesmavariedade de relaes como uma da outra. Uma vez que estairracionalidade, como eu a denomino, penetra em todos oselementos das duas lnguas, ela deve afetar tambm o domnio dasrelaes sociais. Mas, claro que a sua presso pequena e, assim,como que no tem nenhum influxo. Todas as palavras queexpressam objetos e atividades, sobre os quais importa, soigualmente calibradas e, se uma sutileza vazia e demasiado cautelosa

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  • quisesse ainda precaver-se contra uma possvel desigualdade dovalor das palavras, a coisa mesma igualaria tudo imediatamente.Bem diferente a situao no domnio da arte e da cincia, e ondequer que predomine o pensamento, que se identifica com o discurso,e no a coisa, para a qual a palavra apenas um signo arbitrrio,embora talvez firmemente estabelecido. Ento, quo infinitamentedifcil e complicado torna-se a o trabalho, que conhecimentoespecfico e que domnio de ambas as lnguas pressupe! E quantasvezes os mais entendidos no assunto e conhecedores da lngua seopem, convencidos de que impossvel encontrar uma expressoequivalente, quando eles querem dizer apenas qual a maisaproximada. Isto vale tanto para as expresses vivas e pitorescas dasobras poticas quanto para as mais abstratas que designam o maisintrnseco e universal das coisas da cincia mais elevada.

    O segundo ponto em que a traduo genuna difere inteiramenteda simples interpretao o seguinte. Em toda parte, onde odiscurso no est inteiramente ligado a objetos visveis ou fatosexternos, os quais devem apenas ser proferidos, ou seja, onde ofalante pensa mais ou menos espontaneamente, onde ele quer seexpressar, o falante se encontra em dupla relao com a lngua, e seudiscurso agora apenas pode ser corretamente compreendido namedida em que esta relao seja corretamente apreendida. Por umlado, cada homem est sob o poder da lngua que ele fala; ele e seupensamento so um produto dela. Ele no pode pensar com totaldeterminao nada que esteja fora dos limites da sua lngua. Aconfigurao de seus conceitos, o tipo e os limites de suasarticulaes esto previamente traados para ele pela lngua em queele nasceu e foi educado; o entendimento e a fantasia esto ligadospor ela. Por outro lado, porm, cada homem de livre pensar eespiritualmente espontneo molda tambm a lngua. Pois, como,seno por meio dessas influncias, a lngua teria se formado ecrescido desde seu estado primitivo e rude at a formao completana cincia e na arte? Nesse sentido, portanto, a fora viva doindivduo que produz novas formas na matria malevel da lngua,originalmente apenas com o propsito momentneo de compartilharuma conscincia transitria, das quais, porm, ora mais ora menos,algumas permanecem na lngua e, recolhidas por outros,disseminam seu efeito formador. Pode-se dizer que algum mereceser escutado, para alm de seu domnio singular e imediato, apenasna medida em que influi assim em sua lngua. Todo discurso quepode ser produzido por mil rgos sempre do mesmo modo logodesaparece necessariamente. Somente pode e deve durar mais aquele

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  • que por si mesmo forma um novo momento na vida da lngua. Porisso, todo discurso livre e superior quer ser compreendido de doismodos; por um lado, a partir do esprito da lngua de cujoselementos ele composto, como uma exposio amarrada econdicionada por este esprito, por este produzida e vivificada nofalante; por outro lado, quer ser compreendido a partir do nimo dofalante como sua ao, como algo que apenas a partir de seu modode ser poderia surgir assim e ser esclarecido. Sim, qualquer discursodesse tipo apenas compreendido, no sentido mais forte da palavra,quando estas duas relaes so ambas apreendidas e em suaverdadeira proporo recproca, de tal modo que se sabe qual delaspredomina no todo ou nas partes individuais. Compreende-se odiscurso como ao do falante apenas quando, ao mesmo tempo, sepercebe onde e como o poder da lngua o capturou, onde o efeitodesse poder enrodilhou os raios do pensamento, onde e como aerrante fantasia ficou presa em suas formas. Tambm, compreende-se o discurso como produto da lngua e como manifestao de seuesprito apenas quando, na medida em que, por exemplo, se sentaque assim apenas um grego poderia pensar e falar, que assim apenasesta lngua poderia influir no esprito humano, e se sinta tambmque assim apenas este homem poderia pensar e falar em grego, queassim apenas ele poderia manejar e configurar a lngua, que se revelaassim apenas a sua posse viva da riqueza lingstica, apenas umsentido regente da medida e da eufonia, apenas a sua capacidade depensar e imaginar. Agora, se a compreenso nesse domnio j difcil mesmo na mesma lngua, e implica uma exata e profundapenetrao no esprito da lngua e na singularidade do escritor:como no seria muito mais uma arte superior quando se trata dasprodues em uma lngua estranha e distante! Com certeza, ento,quem adquiriu esta arte da compreenso por meio de esforossolcitos com a lngua e por meio do conhecimento rigoroso da vidahistrica completa do povo, e por meio da re-atualizao vivssimade cada obra e de seu autor, esse, com certeza, e tambm apenasesse, pode desejar abrir ao seu povo e contemporneos a mesmacompreenso das obras primas da arte e da cincia.

    Porm, a cautela deve aumentar quando ele quiser iniciar atarefa, quando ele quiser determinar com exatido os seus fins econsiderar os seus meios. Deveria ele se propor a estabelecer, entredois homens to separados um do outro como o so os que falam asua prpria lngua e desconhecem a do escritor original, e o escritormesmo, uma relao to imediata como aquela do escritor e seuleitor original? Ou, ainda que ele queira oferecer aos seus leitores

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  • apenas o mesmo entendimento e o mesmo prazer que eleexperimenta, que so a mescla da mostra dos vestgios do esforo edo sentimento do estranho: como ele pode mostrar este e esconderaquele com os meios de que dispe? Para que os seus leitorescompreendam eles devem apreender o esprito da lngua na qual oautor era natural, eles tm que poder intuir a sua maneira singularde pensar e de sentir; e para alcanar estas duas coisas, ele no podeseno oferecer a sua prpria lngua, que nunca coincideadequadamente com aquela, e a si mesmo, enquanto conhece o seuescritor mais ou menos claramente, e admira e aprova mais oumenos. A traduo no aparece, assim considerada, como umempreendimento insensato?

    Por isso, na incerteza de alcanar este fim, ou, se for prefervel,antes que isso fosse percebido claramente, inventaram-se, no pelosingular sentido da arte e da lngua, mas pela necessidade espiritualde um lado e, por outro, pela habilidade mental, duas outrasmaneiras de estabelecer conhecimento com as obras de lnguasestranhas, em que algumas daquelas dificuldades so suprimidasviolentamente, outras resolvidas inteligentemente, masabandonando inteiramente a idia de traduo aqui proposta; estasduas maneiras so a parfrase e a imitao.

    A parfrase quer dominar a irracionalidade da lngua, masapenas de um modo mecnico. Ela significa que mesmo que eu noencontre uma palavra que corresponda a uma da lngua original, eudevo buscar me aproximar o mais possvel de seu valor por meio doacrscimo de determinaes delimitadoras e ampliadoras. Dessemodo, ela trabalha entre o muito inoportuno e o penoso pouco pormeio de uma acumulao de detalhes soltos. Ela pode, talvez, repordesse modo o contedo com uma acuidade limitada, mas perdeinteiramente a impresso; pois, o discurso vivo estirrecuperavelmente morto, na medida em que todos percebem quetal discurso no poderia originalmente provir assim de um espritohumano. O parafraseador opera com os elementos de ambas aslnguas, como se eles fossem smbolos matemticos que, por adio esubtrao, puderiam reduzir-se a um valor igual e, com essaoperao, nem o esprito da lngua usada nem o da lngua originalpode se manifestar. Se, alm disso, a parfrase pretenda indicarpsicologicamente os vestgios das ligaes do pensamento, ali ondeelas so obscuras e deixam-se perder, atravs da inciso de frases:ento, ela aspira ao mesmo tempo, quando se trata de composies

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  • difceis, ocupar o lugar do comentrio, e quer ainda menos seadequar ao conceito de traduo.

    A imitao, ao contrrio, curva-se diante da irracionalidadedas lnguas; confessa que no se pode reproduzir em outra lngua aimagem de uma obra de arte do discurso em que cada uma de suaspartes corresponda exatamente a cada uma das partes do original,mas, que devido a diferena das lnguas, a que esto ligadas tantasoutras diferenas, no resta seno elaborar uma cpia, um todocomposto de partes visivelmente diferentes das partes do original,mas que no efeito se aproxime do outro, tanto quanto a diferena dematerial permita. Uma tal imitao no mais aquela obra mesma,por isso tambm o esprito da lngua original no mais exposto eatuante; mais ainda, a novidade que ela produziu substituda poroutra coisa; uma obra desse tipo apenas deve produzir o maispossvel para seus leitores, levando-se em conta a diferena dalngua, dos costumes e da cultura, o mesmo que a original para osseus leitores; ao querer salvar a igualdade da impresso, perde-se aidentidade da obra. O imitador tambm no pretende por emcontato o escritor e o leitor da imitao, porque ele no mantmnenhuma relao imediata entre eles, mas apenas pretende produzirno ltimo uma impresso semelhante, como aquela recebida da obraoriginal pelos seus contemporneos.

    A parfrase mais utilizada no domnio das cincias; a imitaomais no das belas artes; e assim como todos admitem que uma obrade arte perde seu tom, seu brilho e todo seu contedo artsticoquando parafraseada, tambm certo que ningum ainda cometeu aloucura de tentar uma imitao da uma obra-mestra da cinciatratando livremente seu contedo. Nenhum desses doisprocedimentos pode satisfazer aquele que, compenetrado com ovalor de uma obra-mestra, queira estender seu crculo de atuaoaos que falam sua lngua e que pense no conceito rigoroso detraduo. Ambos, pelo seu afastamento deste conceito, no podemser aqui considerados mais de perto; esto aqui apenas como marcosdelimitadores para o domnio que propriamente nos interessa.

    Mas, agora, por que caminhos deve enveredar o verdadeirotradutor que queira efetivamente aproximar estas duas pessoas toseparadas, seu escritor e seu leitor, e propiciar a este ltimo, semobrig-lo a sair do crculo de sua lngua materna, uma compreensocorreta e completa e o gozo do primeiro? Ao meu juzo, h apenasdois. Ou bem o tradutor deixa o escritor o mais tranquilo possvel efaz com que o leitor v a seu encontro, ou bem deixa o mais

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  • tranquilo possvel o leitor e faz com que o escritor v a seu encontro.Ambos so to completamente diferentes que um deles tem que serseguido com o maior rigor, pois, qualquer mistura produznecessariamente um resultado muito insatisfatrio, e de temer-seque o encontro do escritor e do leitor falhe inteiramente. A diferenaentre ambos os mtodos, onde reside a sua relao mtua, sermostrada a seguir. Porque, no primeiro caso, o tradutor se esforapor substituir com seu trabalho o conhecimento da lngua original,do qual o leitor carece. A mesma imagem, a mesma impresso queele, com seu conhecimento da lngua original, alcanou da obra,agora busca comunic-la aos leitores, movendo-os, por conseguinte,at o lugar que ele ocupa e que propriamente lhe estranho. Mas, sea traduo quer fazer, por exemplo, que um autor latino fale como,se fosse alemo, haveria falado e escrito para alemes, ento, noapenas o autor move-se at o lugar do tradutor, pois, tampouco paraeste fala em alemo o autor, seno latim; antes coloca-odiretamente no mundo dos leitores alemes e o faz semelhante aeles; e este precisamente o outro caso. A primeira traduo serperfeita em seu gnero quando se pode dizer que, em havendo oautor aprendido alemo to bem como o tradudor latim, ele teriatraduzido a sua obra, originalmente redigida em latim, tal comorealmente o fez o tradutor. A outra, por sua vez, ao no mostrar oautor ele mesmo como ele teria traduzido, mas sim como ele teriaescrito originalmente em alemo e, enquanto alemo, dificilmentepoderia ter outro critrio de perfeio que no fosse o de poderassegurar que, se os leitores alemes em conjunto se deixassemtransformar em conhecedores e contemporneos do autor, a obramesma teria chegado a ser para eles exatamente o mesmo que agora a traduo, ao haver-se transformado o autor em alemo.Seguem este mtodo, evidentemente, quantos utilizam a frmula deque se deve traduzir um autor como ele mesmo haveria escrito emalemo.

    Esta confrontao expe, sem dvida, quo diferente tem queser o procedimento em cada caso, e como, se no mesmo trabalho sequisesse alternar os mtodos, tudo resultaria incompreensvel einadequado. Porm, desejo afirmar tambm que, fora destes doismtodos, no pode haver outro que se proponha um fimdeterminado. Acontece que no h mais procedimentos possveis. Asduas partes separadas ou bem tem que ir encontrar-se em um pontomdio, e este sempre ser o do tradutor, ou bem uma tem queadaptar-se inteiramente outra e, ento, cai no domnio da traduoum nico gnero e do outro apenas apareceria se, em nosso caso, os

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  • leitores alemes chegassem a dominar de todo a lngua latina ou,mais precisamente, se esta chegasse a se apoderar deles porcompleto at os transformar.

    Assim, pois, tudo o que se disse sobre tradues segundo a letraou segundo o esprito, tradues fiis ou tradues livres, e tantasoutras expresses que pudessem alegar o direito de vigncia, aindaque se trate de mtodos diversos, tm que poder reduzir-se aos doismencionados. E se o que se quer mostrar vcios e virtudes,resultar que a fidelidade e a conformidade ao sentido, ou aliteralidade e a liberdade excessivas de um mtodo, sero diferentesdas do outro. Minha inteno , por conseguinte, prescindir de todasas questes particulares acerca deste objeto, j tratadas pelosespecialistas, e considerar apenas os traos mais gerais dessesmtodos para que se possa ver mais facilmente em que consistem asvantagens e as dificuldades de cada um deles e, portanto, em quesentido alcana melhor um e outro o fim da traduo e quais so oslimites dentro dos quais podem aplicar-se cada um deles.

    Desde um ponto de vista to geral, haveria que se empreenderduas tarefas, das quais este ensaio constitui somente a introduo.Poderamos esboar regras para cada um dos dois mtodos, levando-se em conta os diversos gneros de discurso e poderamos compararos mais destacados esforos feitos de acordo com uma ou outraopinio, julg-los, e assim esclarecer mais ainda o tema. Ambas ascoisas eu tenho que deixar para outros ou, ao menos, para outraocasio.

    O mtodo que aspira produzir no leitor, mediante a traduo, amesma impresso que, como alemo, ele teria da leitura da obra nalngua original, tem que determinar antes de tudo que classe decompreenso da lngua original deseja de certo modo imitar. Pois, huma que no deve e outra que no pode ser imitada pela traduo. Aprimeira uma compreenso escolar que se abre, mas com esforo equase com repugnncia, por meio de cada frase e por isso nuncachega clara viso do todo, compreenso viva do conjunto.Enquanto a parte culta de um povo no tenha, em geral, nenhumaexperincia de uma penetrao mais profunda em lnguasestrangeiras, oxal o gnio guia dos que avanaram mais os livre deempreender tais tradues. Pois, se pretendessem erigir como regraa sua prpria compreenso, eles mesmos seriam mal entendidos econseguiriam pouco; e se sua traduo tivesse que representar acompreenso corrente, deveria-se relegar o quanto antes aoesquecimento uma obra to tosca. Assim, pois, em tais

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  • circunstncias, convm primeiro despertar e afinar o gosto doestranho mediante imitaes livres e preparar com parfrases umacompreenso mais geral, preparando assim o caminho para futurastradues1.

    Porm, h outra compreenso que nenhum tradutor podeimitar. Pensemos nesses homens fortes que a natureza produz svezes, como que para mostrar que tambm pode destruir em casosisolados as barreiras do nacional; homens que sentem to singularafinidade com uma existncia estranha que se situam inteiramente,vital e ideologicamente, dentro de outra lngua e de suas produese, ao entregarem-se por completo ao estudo de um mundoestrangeiro, deixam que se tornem de todo estranhos seu prpriomundo e sua prpria lngua; ou bem esses homens esto como quedestinados a representar em toda a sua amplitude a capacidadelingstica, para quem todas as lnguas que pode alcanar so detodo equivalentes e as percebem como feitas a sua medida: esteshomens se situam em um ponto em que o valor da traduo se reduza zero. Com efeito, como em sua compreenso de obras estrangeirasj no se d o menor influxo da lngua materna e a conscincia desua compreenso no lhes chega de nenhum modo nesta lngua,seno que a adquirem direta e espontaneamente na do original,tampouco sentem a menor incomensurabilidade entre seupensamento e a lngua em que lem. Por isso, nenhuma traduopode alcanar nem expor a compreenso que eles obtm. E, domesmo modo que traduzir, para eles, seria verter gua no mar ou novinho, assim tambm costumam eles, desde sua altura, sorrircompassivamente, e no sem razo, ao ver as tentativas que se fazemneste domnio. Pois, na verdade, se o pblico para o qual se traduzfosse igual a eles, seria intil tal esforo.

    1 Esta era ainda, no conjunto, a situao dos alemes naquele tempo em que, segundoGoethe (A. m. Leben, III, 111), as tradues em prosa, inclusive de obras poticas etais tradues tero que ser sempre mais ou menos parafrsticas -, eram maisproveitosas para a formao da juventude e nisto estou totalmente de acordo com ele;pois, em tempos como aquele, da poesia estrangeira apenas as inveno poderiatornar-se inteligvel, enquanto que os valores mtricos e musicais no poderiamainda ser apreciados. Porm, no posso crer que ainda hoje o Homero de Voss e oShakespeare de Schlegel somente devam servir para o entretenimento mtuo doseruditos; como tampouco que ainda hoje possa uma traduo de Homero em prosaser conveniente para a autntica formao do gosto e promoo da poesia; senopara as crianas, uma refundio como a de Becker, e para os adultos, jovens evelhos, uma traduo mtrica, como, certamente, talvez ainda no a tenhamos. Entreambas, eu no saberia colocar nenhuma outra coisa interessante.

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  • A traduo se ordena, pois, a um estado que se acha a meiocaminho entre estes dois e o tradutor tem que se colocar como metaproporcionar ao seu leitor uma imagem e um prazer semelhantes aosque a leitura da obra na lngua original busca o homem culto, aquem, no melhor sentido dessas palavras, costumamos chamaraficcionado e entendido, que conhece suficientemente a lnguaestrangeira sem que deixe de lhe parecer estranha e j no necessita,como os alunos, repensar na lngua materna cada parte antes decompreender o todo, mas, inclusive quando mais sem travasdesfruta das belezas de uma obra, siga notando sempre a diferenaentre a lngua em que est escrita e a sua lngua materna. Certo que, ainda depois de fixar estes pontos, o crculo de ao e adelimitao desta maneira de traduzir seguem nos parecendobastante imprecisos. O nico que vemos que, assim como ainclinao a traduzir somente pode nascer quando entre a parteculta do povo se h difundido certa capacidade de trato com lnguasestrangeiras, assim tambm a arte somente pode crescer e apontarcada vez mais alto, medida em que o interesse e o conhecimento deobras estrangeiras se estenda e se eleve entre aquela parte do povoque exercitou e educou seu ouvido sem fazer da aprendizagem delnguas seu verdadeiro ofcio. Mas, ao mesmo tempo, no podemosocultar que, quanto mais sensveis sejam os leitores a tais tradues,tanto mais se acumulam tambm as dificuldades da tarefa,sobretudo se se leva em conta os produtos mais peculiares das artese das cincias de um povo, que certamente so para o tradutor osobjetos mais importantes. E, sendo a lngua um ente histrico, nopode haver autntica sensibilidade para ela sem sensibilidade para asua histria. As lnguas no se inventam, e trabalhar nelas ou sobreelas de modo puramente arbitrrio sempre um disparate; aslnguas se descobrem pouco a pouco, e a cincia e a arte so as forasque promovem e completam este descobrimento. Todo esprito raro,em que uma parte das intuies do povo se configuram de modopeculiar em uma de ambas as formas, trabalha e atua dentro dalngua em tal sentido e, tambm, suas obras tm que conter, porconseguinte, uma parte da histria de sua lngua.

    Isto causa ao tradutor de obras cientficas grandes dificuldades,inclusive com frequncia insuperveis; pois, para quem, provido deconhecimentos suficientes, l na lngua original uma excelente obradeste tipo, no escapa facilmente o influxo exercido por ela sobre alngua. Observa que palavras, que construes se mostram ali talvezem seu primeiro brilho de novidade; v como se deslocam na lnguaatravs das exigncias prprias deste esprito e da fora que o

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  • caracteriza, e esta observao determina em grande medida aimpresso que recebe. O tradutor deve, pois, transmitir tambm istoa seus leitores; do contrrio, perderam eles uma parte,seguidamente muito importante, do que lhes est destinado. Mas,como se pode conseguir isto? J no particular, quantas vezes a umapalavra nova da lngua original corresponde na nossa precisamenteuma palavra velha e gasta, de modo que o tradutor, se quer mostrartambm ento como atua a obra original modelando a lngua, teriaque colocar na passagem um contedo estranho e, portanto, passarao terreno da imitao! Quantas vezes, ainda que possa reproduzir onovo com o novo, resultar que a palavra mais semelhante por suacomposio e procedncia no a que melhor reproduz o sentido, eter que suscitar outras conotaes, se no quer destruir a coernciaimediata! Ter que se consolar pensando que em outras passagens,em que o autor usou palavras velhas e conhecidas, pode sedistanciar, alcanando assim no conjunto o que no pode conseguirem cada caso. Mas, se a formao de palavras de um mestre seguida em sua totalidade, ao uso que faz de vocbulos e radicaisafins, em grandes volumes de escritos relacionados entre si, comoquer o tradutor ter xito ali, quando o sistema de conceitos e designos em sua lngua totalmente diverso dos da lngua original, eos radicais, em vez de cobrirem-se paralelamente, antes seentrecruzam em direes as mais diversas? Por isso, ser impossvelque a lngua do tradutor tenha sempre a mesma coerncia que a deseu autor. Aqui, por conseguinte, ter que se contentar com alcanarem casos isolados o que no pode alcanar em conjunto. Ter queestipular com seus leitores que, ao ler uma obra, no pensem nasoutras com igual rigor que os leitores originais, seno que antes asconsiderem em separado; mais ainda, que inclusive devem o elogiarquando, dentro de cada obra, e, muitas vezes, ainda que apenas sejaem partes da mesma, consegue manter para os temas de maiorimportncia tal uniformidade que uma palavra no receba umamultiplicidade de suplentes totalmente diferentes, nem reine natraduo uma variedade confusa quando a lngua original conservana expresso uma afinidade firme e constante.

    Estas dificuldades se apresentam sobretudo no domnio dacincia. H outras, e no menores, no da poesia e tambm no daprosa artstica, para a qual tem tambm especial e superiorimportncia o elemento musical da lngua que se manifesta no rtmoe na entonao. Todo o mundo nota que no esprito mais fino, oencanto supremo da arte em suas obras mais acabadas, se perde seaquele elemento musical descuidado ou destrudo. Por

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  • conseguinte, o que ao leitor sensvel da obra original impressionaneste aspecto como caracterstico, intencionado e eficaz quanto aotom e a disposio de nimo, e como decisivo para oacompanhamento rtmico ou musical do discurso, deve tambmtransmiti-lo o tradutor. Mas, quantas vezes mais ainda, j quaseum milagre no ter que dizer sempre - a fidelidade rtmica emeldica estar em discordncia irreconcilivel com a fidelidadedialtica e gramatical! E, quo difcil , na vacilao acerca do que sedeve sacrificar aqui ou ali, com frequncia no se tome precisamentea deciso errada! Quo difcil, inclusive, que o tradutor, quando hocasio para isto, restitua equitativamente e de verdade o que aquiteve que tirar a cada parte e no caia, ainda que inconscientemente,em obstinada unilateralidade por inclinar-se mais seu gosto pessoala um elemento artstico que a outro! Com efeito, se nas obras de arteprefere a matria tica e seu tratamento, perceber menos osestragos que fez ao elemento mtrico e musical da forma e, em vezde pensar em repar-los, se contentar com uma translao cada vezmais cmoda e mais prxima parfrase. Mas, se acontece que otradutor msico ou metrificador, postergar o elemento lgicopara se apoderar somente do musical; e, ao enredar-se mais e maisnesta unilateralidade, trabalhar cada vez mais insatisfatoriamentee, se se compara sua translao com a obra original em conjunto,ver-se- que, sem dar-se conta, cada vez se aproxima mais daquelainsuficincia escolar que perde o todo para salvar o detalhe; pois, se,graas semelhana material do tom e do ritmo, o que na lngua fcil e natural se reproduz na outra com expresses duras echocantes, a impresso do conjunto tem que ser totalmentediferente.

    Se o tradutor atenta para sua relao com a lngua em queescreve e a relao de sua traduo com as outras obras, no entanto,apresentam-se outras dificuldades. Excetuando-se esses mestresadmirveis que se movem com igual leveza em vrias lnguas, aosquais inclusive uma lngua aprendida chega a lhes ser mais naturalque a materna, para quem, como j dissemos, a traduo carece desentido, todos os demais homens, por mais fcil que resulte a leituraem uma lngua estrangeira, resta sempre ante ela a sensao de algoestranho. Como far, ento, o tradutor para que esta mesmasensao de encontrar-se diante de algo estrangeiro passe tambm aseus leitores, a quem apresenta a traduo em sua lngua materna?Dir-se-, sem dvida, que faz j muito que se fechou a chave paraeste enigma, a que com frequncia se deu entre ns uma soluotalvez demasiada feliz; com efeito, quanto mais se aproxima a

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  • traduo dos giros do original, tanto mais estranha ser a impressoque o leitor recebe. Naturalmente; e bastante fcil sorrir, em geral,diante deste procedimento. Mas, se no se quer alcanar estasatisfao a um preo demasiado baixo, se no se quer colocar nomesmo nvel o mais perfeito e o mais pobre e defeituoso, ter que seadmitir que este mtodo de traduo exige inevitavelmente da lnguauma atitude que no somente no cotidiana, seno que, almdisso, abre o flanco para a censura de no ser espontnea eacomodar-se mais a uma semelhana extica. E preciso confessarque fazer isto com arte e com medida, sem prejuzo prprio e semdano lngua, talvez seja a maior dificuldade que tem que vencernosso tradutor. A tarefa aparece como o mais assombroso estado dedegradao em que pode colocar-se um mau escritor. Quem nodeseja apresentar sempre sua lngua materna com a beleza maiscastia que possa se dar em cada gnero? Quem no prefereengendrar filhos que mostrem genuinamente a linhagem paterna, aoinvs de mestios? Quem se aplicar com gosto a executar empblico movimentos menos soltos e elegantes do que sem dvidapoderia e, pelo menos s vezes, parecer rude e travado, a fim deparecer ao leitor bastante estranho para que este no perca de vistaas circunstncias? Quem admitir de boa vontade que o consideremtorpe, enquanto se esfora por conservar frente a lngua estranhatoda a proximidade que tolera a prpria, e que se lhe censure comoaos pais que entregam seus filhos a treinadores, porque, em vez deexercitar a sua lngua materna em uma ginstica apropriada, trata deacostum-la a contores estranhas e antinaturais? Quem, afinal,permitir de bom grado que precisamente os mais entendidos e osmelhores mestres lhe dediquem o sorriso mais compassivo e digamque no entenderiam seu trabalhoso e precipitado alemo semrecorrer ao latim e ao grego?

    Estas so as renncias que nosso tradutor h que se impornecessariamente; estes os perigos a que se expe se, ao esforar-sepor manter extico o tom da lngua, no respeita uma finssima raia,e aos que nem ainda assim escapar nunca de todo, porque cada umtraa para si essa raia de maneira muito distinta. Se, por outra parte,pensa no inevitvel influxo do costume, pode chegar a temer quetambm em suas produes livres e originais se depreenda desde atraduo mais de um elemento imprprio e rude, e se lhe embote umpouco o delicado sentido que percebe o bom estado natural dalngua. E, se pensa, alm disso, no grande exrcito de imitadores, ena preguia e na mediocridade reinantes no pblico escritor, temque se enterrar ao ver quanto relaxamento e irregularidade, de

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  • quanta verdadeira torpeza e rigidez, de quantos danos de toda ndoleinferidos lngua ter que se sentir em parte responsvel; pois, osmelhores e os piores sero quase os nicos que no trataro de tirarfalso proveito de seus esforos.

    Esta queixa, que semelhante maneira de traduzir tem queprejudicar desde dentro a pureza da lngua e seu tranquilodesenvolvimento, se ouve com frequncia. Porm, se no momentoqueremos cal-las com o conselho frouxo de que, sem dvida, havervantagens que compensam estes danos e que, pois todo bem levaconsigo um mal, a sabedoria consiste precisamente em alcanar omais possvel do primeiro e receber o menos possvel do segundo:isto o que resulta, em todo caso, da difcil tarefa de querer refletiro estranho na lngua materna. Em primeiro lugar, que este mtodode traduzir no pode prosperar igualmente em todas as lnguas,seno que to somente nas que esto livres das ataduras demasiadoapertadas de uma expresso clssica, fora da qual tudo reprovvel.Essas lnguas restringidas podem buscar a ampliao de seuterritrio fazendo falar por estrangeiros a quem no lhes basta sualngua materna; sem dvida sero muito aptas para isso; podemapropriar-se de obras estrangeiras por meio de imitaes e talvez detradues do outro tipo; mas, desta maneira tm que deixar para aslnguas mais livres, que toleram melhor desvios e novidades, de cujaacumulao pode surgir, em determinadas circunstncias, umcarter determinado. Segue-se, tambm, com bastante claridade queesta maneira de traduzir no tem nenhum valor se em uma lnguaapenas se pratica isolada e casualmente. Pois, est claro que no sealcana este fim simplesmente soprando o hlito estrangeiro sobre oleitor; seno que se este h de receber uma idia, ainda que remota,da lngua original e do que a ela deve a obra, e assim h de diminuirem certo modo o fato de que no a entenda, no basta que eleexperimente a confusa impresso de que o que ele l no soa de todo indgena, seno que tem que lhe soar como algo determinado ediferente, o qual apenas possvel onde consegue estabelecercomparaes massivas. Se leu algo que sabe traduzido, e traduzidodeste modo, de outras lnguas modernas, e algo tambm das antigas,sem dvida se desenvolver nele certo ouvido para distinguir oantigo do moderno. Mas, tem que haver lido j muito mais parapoder distinguir a origem grega da latina, ou a espanhola da italiana.E, sem dvida, inclusive dificilmente se alcanar com isto o fimmais alto; seno que o leitor da traduo somente se equiparar aomelhor leitor da obra original quando for capaz de vislumbrar ecompreender paulatinamente com preciso, junto com o esprito da

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  • lngua, o esprito prprio do autor tal como se manifesta na obra. Onico rgo para isto sem dvida o talento da intuio individual;mas, aqui precisamente imprescindvel uma massa de comparaesmuito maior ainda. E estas no se do se em uma lngua apenas devez em quando se traduzem obras de mestres em gneros isolados.Desse modo, inclusive os leitores mais cultos apenas podemconseguir, por meio da traduo, um conhecimento sumamenteimperfeito do estranho; e que possam elevar-se at um verdadeirojuzo, tanto da traduo como do original, no h nem como pens-lo. Por isso, esta maneira de traduzir requer absolutamente umaatuao em massa, um transplante de literaturas inteiras a umalngua e, portanto, somente tem sentido e valor para um povodecididamente inclinado a assimilar o estranho. Os trabalhosisolados deste gnero somente tm valor como precursores para odesenvolvimento e a formao de um interesse mais geral por esseprocedimento. Se no suscitam este interesse, tropeam em algo quelhes ser contrrio no esprito da lngua e de seu tempo; e, ento,somente podem aparecer como tentativas falhadas e seu xito,inclusive isoladamente, ser pouco ou nenhum. Porm, ainda que atarefa v adiante, no se pode esperar facilmente que um trabalhodesta ndole, por excelente que seja, consiga a aprovao geral.Diante das muitas precaues que h que se tomar e dificuldades avencer, tem que se desenvolver diferentes opinies sobre queaspectos da tarefa devem ser postos em relevo e quais atenuados.Assim, se formaro, de certo modo, diversas escolas entre os mestrese diferentes partidos no pblico que os segue; e, ainda que sempreest na base o mesmo mtodo, poder haver simultaneamentediferentes tradues de uma mesma obra concebidas desde ponto devistas diferentes, das quais nem sequer poderia se dizer que umaseja no conjunto superior ou menos perfeita, seno que apenasalgumas partes estaro melhor realizadas em uma e outras partes naoutra, e unicamente todas juntas e relacionadas entre si, ao fazeruma mais apoio nesta e outra em noutra a aproximao lnguaoriginal, cumpriro de todo a tarefa, pois, cada uma por si mesmanunca ter mais que um valor condicionado e subjetivo.

    Estas so as dificuldades que enfrenta este mtodo de traduzir eas imperfeies inerentes sua natureza. Porm, reconhecidas estas,contudo, h que se valorizar a tarefa em si e no se pode lhe negar omrito. Este se baseia em duas condies: que a compreenso deobras estrangeiras seja uma situao conhecida e desejada, e que seconceda certa flexibilidade lngua nacional mesma. Quando taiscondies se cumprem, esta maneira de traduzir chega a ser um

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  • fenmeno natural, intervindo no processo total da cultura e, aoalcanar um valor determinado, proporciona, por sua vez, um prazerseguro.

    O que diremos do mtodo oposto, que, sem exigir de seu leitornenhum trabalho nem fadiga, quer por em sua presena,diretamente e como que por encanto, o autor estrangeiro, e mostrara obra tal como seria se o autor mesmo a tivesse escritooriginalmente na lngua do leitor? No poucas vezes se hapresentado esta exigncia como a nica que poderia se fazer a umverdadeiro tradutor, e como muito mais elevada e perfeita que aoutra; inclusive, fizeram-se tentativas isoladas, ou talvez obrasmestras que indubitavelmente se haviam fixado esta meta. Vejamos,pois, o que h nisso e se no conviria, talvez, que este procedimento,at agora indiscutivelmente menos praticado, se tornasse maisfrequente e eliminasse o outro arriscado e em muitos pontosinsuficiente.

    O que se v de imediato que a lngua do tradutor no tem nadaa temer deste procedimento. A sua primeira regra deve ser no sepermitir, pela relao de seu trabalho com uma lngua estrangeira,nada que em sua prpria lngua no se permita tambm a qualquerescrito original do mesmo gnero. Mais ainda, o tradutor est toobrigado como qualquer outro a procurar ao menos com igualcuidado a pureza e a perfeio da lngua, a esforar-se por conseguira mesma agilidade e naturalidade de estilo que honram a seu escritorna lngua original. Tambm certo que, se queremos fazer com quenossos compatriotas vejam claramente o que um escritor foi parasua lngua, no podemos propor nenhuma frmula melhor que oapresentar falando como temos que pensar que haveria falado nanossa, sobretudo, se o grau de evoluo em que ele falou sua lnguatem semelhana com aquele em que precisamente se encontra anossa. Podemos, de certo modo, pensar como teria falado Tcito sehouvesse sido alemo, ou, mais exatamente, como falaria um alemoque fosse para nossa lngua o que foi Tcito para a sua; feliz daqueleque o pense to vivamente que o possa fazer falar realmente! Porm,que isto possa acontecer, fazendo-se dizer o mesmo que o Tcitoromano disse em latim, j outra questo, a qual no fcil dar umaresposta afirmativa. Pois, uma coisa compreender bem e expor dealgum modo o influxo que um homem exerceu sobre sua lngua, eoutra muito diferente querer saber que giro haviam tomado seuspensamentos e a expresso destes pensamentos, se tivesse tido ocostume de pensar e se expressar originalmente em outra lngua!

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  • Quem est persuadido de que, essencial e intimamente, opensamento e a expresso se identificam, e nesta persuaso sefunda, certamente, toda a arte da compreenso do discurso e, porconseguinte, tambm toda traduo, poderia querer separar de sualngua nativa uma pessoa e pensar que esta, ou inclusive apenas umde seus raciocnios, pode chegar a ser exatamente igual em duaslnguas? Ou, ainda admitindo que de certo modo seja diferente, podepretender analisar o discurso at os seus ltimos elementos, isolar aparticipao nele da lngua e, por um novo processo semelhante aosda qumica, fazer que o mais ntimo dele se combine com a estruturae a fora de outra lngua? Pois, evidentemente, para levar a cabo estatarefa, teria que eliminar com preciso tudo o que na obra escrita deum homem seja efeito, inclusive remotssimo, de qualquer coisa quedesde sua infncia tenha falado ou ouvido em sua lngua materna;logo, por assim dizer, alcanar a singularidade de seu modo depensar, em sua relao com um objeto determinado, separar tudo oque teria sido influncia de tudo o que, desde o comeo de sua vidaou desde seu primeiro contato com a lngua estrangeira, tivessefalado ou ouvido nesta lngua, at adquirir a faculdade de pensar eescrever originalmente nela. Isso no ser possvel at que se consigasintetizar produtos orgnicos mediante um processo qumicoartificial. Mais ainda, pode-se dizer que a meta de traduzir tal comoo autor mesmo teria escrito originalmente na lngua da traduo no apenas inatingvel, seno que tambm nula e v em si mesma;pois, quem reconhece a fora modeladora da lngua e como ela seidentifica com a singularidade do povo, tem que confessar queprecisamente nos mais destacados onde mais contribui a lngua emconfigurar todo o seu saber e tambm a possibilidade de o expor,que, portanto, ningum est unido a sua lngua apenas mecnica eexternamente como que por correias, e com a facilidade com que sesolta uma parelha e atrela outra, tambm um pensamento algumpoderia vontade atrelar a uma outra lngua, seno que cada umproduz originalmente apenas em sua lngua materna e, portanto,nem sequer pode colocar-se a questo de como haveria escrito suasobras em outra lngua. Contra isto, sem dvida, qualquer umapontar dois casos bastante frequentes. Em primeiro lugar, notrio que houve em outros tempos, no apenas exceesindividuais, pois assim ainda continua ocorrendo, mas tambm emgrande escala, uma destreza para escrever e inclusive filosofar ecultivar a poesia originalmente em lnguas que no eram a nativa.Por que, ento, para obter uma regra tanto mais segura, no h quese estender mentalmente esta destreza a todo escritor que algum

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  • queira traduzir? Seguramente, porque tal destreza apenas se dquando, na lngua nativa, ou no pode em absoluto dizer-se omesmo, ou ao menos no pode dizer ele mesmo. Se nos remontamosaos tempos em que as lnguas romnicas comeavam a se formar,quem pode dizer qual lngua era ento a nativa para os que viviamnaqueles pases? E quem poder negar que para os que entocultivavam as cincias foi o latim mais lngua materna que o vulgar?Mas, isto vai muito mais longe para determinadas exigncias eatividades do esprito. Enquanto a lngua materna no est aindamadura para elas, continua sendo parcialmente materna a lnguadesde a qual se comunicaram a um povo nascente aquelastendncias do esprito. Grotius e Leibnitz no podiam, ou ao menosno sem ser totalmente diferentes do que foram, filosofar em alemoou holands. Mais ainda, inclusive quando aquela fonte est jinteiramente seca, e o broto completamente separado de sua antigaraiz, quem no seja pessoalmente ao mesmo tempo criador de lnguae revolucionrio, ter que ainda recorrer muitas vezes,voluntariamente ou por razes secundrias, a uma lnguaestrangeira. Ao nosso grande Rei, todos os pensamentos mais finos eelevados lhe chegaram por uma lngua estranha que ele haviaassimilado, para este campo, de modo mais ntimo. O que elefilosofou e poetou em francs, ele era incapaz de filosofar e poetarem alemo. Ns devemos lastimar que a grande predileo pelaInglaterra, que dominava uma parte de sua famlia, no podedirecion-lo a desde a infncia assimilar a lngua inglesa, cuja ltimapoca de ouro ento florecia, e que muito mais prxima alem.Porm, lcito acreditar que, se houvesse desfrutado de umaeducao rigorosamente cientfica, ele teria preferido filosofar epoetar em latim antes que em francs. Isto depende, pois, de certascondies e no pode qualquer um produzir em qualquer lngua,seno em uma determinada, e somente aquilo que no poderiaproduzir em sua lngua materna; logo, no se pode utilizar comoprova a favor de um mtodo de traduzir, o qual quer mostrar comoteria escrito algum em outra lngua o que realmente escreveu nasua.

    No segundo caso, porm, o ler e escrever originalmente emlnguas estrangeiras, parece mais favorvel a este mtodo. Pois,quem vai negar a nossos homens cosmopolitas e da corte que ascoisas amveis que pronunciam em alguma lngua estrangeira aspensam diretamente nessa mesma lngua, sem haver traduzido-as,qui em seu interior, do nosso pobre alemo? E assim como lhes glorioso poder dizer estas douras e belezas com igual perfeio em

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  • muitas lnguas, sem dvida tambm as pensam com a mesmafacilidade em todas e, alm disso, cada um sabe muito bem, tambmdos outros, como haveria dito em italiano precisamente o que acabade dizer em francs. Certamente, porm, estes discursos noprocedem do domnio em que os pensamentos brotam com a forade raiz profunda de uma lngua prpria, seno que so como brotosque um homem engenhoso faz crescer, sem terra alguma, sobre umpano branco. Estes discursos no constituem nem a sagradaseriedade da lngua nem seu belo e bem medido jogo; seno que,como os povos se entremesclam nestes tempos de uma maneiraantes pouco conhecida, resulta que, onde quer que haja mercado, eestas so as conversaes de mercado, sejam de carter poltico ouliterrio, ou social, e no pertencem verdadeiramente ao domnio datraduo, mas apenas ao do intrprete. E mesmo quando, como svezes acontece, so reunidos em um conjunto maior e tornam-se umescrito, ento, estes escritos, que so simples jogos da vidasuperficial e elegante, sem revelar nenhuma profundidade daexistncia nem conservar nenhuma peculiaridade do povo, podemtraduzir-se segundo esta regra; mas, tambm apenas estes, porquesomente eles poderiam ter sido redigidos originalmente com igualperfeio em outra lngua. E esta regra no pode estender-se mais, ano ser tambm aos acessos e portais de obras mais profundas edominantes que, muito frequentemente, foram construdas no plenocampo da vida social e elegante. Pois, quanto mais caracterizadosesto os diferentes pensamentos de uma obra e sua concatenaopela peculiaridade do povo, e talvez tambm pelo carter de umtempo h muito transcorrido, tanto mais perde esta regra seusignificado. Pois, ainda sendo verdade que em alguns aspectossomente pelo conhecimento de vrias lnguas chega o homem a serculto em certo sentido e um cidado do mundo, assim temos queconfessar que, tal como no consideramos legtimo ocosmopolitismo que em momentos importantes sofoca o amor ptria, assim, relativamente s lnguas tampouco adequado everdadeiramente formador um amor universal que, para o uso vivo emais elevado, quer equiparar lngua ptria qualquer outra, antigaou moderna. Como a uma ptria, o homem tem que se resolver apertencer tambm a uma lngua ou a outra; do contrrio, andarindeciso em uma posio intermdia desagradvel. Todavia, justoque ainda hoje entre ns se siga escrevendo oficialmente em latim,para manter viva a conscincia de que esta foi a lngua maternacientfica e litrgica de nossos antepassados; saudvel que sigasendo assim tambm no domnio da cincia comum europia, para

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  • facilitar seu intercmbio; mas, ainda nesse caso, somente se terxito na medida em que, para tal exposio, o objeto seja tudo e oparticular modo de ver e combinar pouco. O mesmo o caso com aslnguas romnicas. Quem, obrigado por seu cargo, escreve em umadessas lnguas, sem dvida observar que seus pensamentos nocomeo da concepo so alemes, mas bem cedo, enquanto ainda oembrio est se formando, comea a traduzi-los; e aquele que poramor a uma cincia se impe este sacrifcio, somente se livrar dastravas, sem traduzir secretamente, quando se sentir inteiramentedominado pelo objeto. Certamente, h tambm uma afeco livrepara escrever em latim ou em romnico, e se com isto se pensa asrio produzir em uma lngua estrangeira com igual perfeio eoriginalidade que na prpria: sem vacilar declararia eu tal afecoarte perversa e mgica, como o reduplicar-se, tentando assim noapenas burlar as leis naturais como tambm perturbar os outros.Porm, no bem assim, antes esta afeco somente um fino jogommico com o qual algum passa o tempo agradavelmente nosvestbulos da cincia e da arte. A produo em lngua estranha no original, apenas a rememorao de um escritor determinado ou doestilo de certa poca, a qual representa algo assim como uma pessoagenrica, que para a alma quase como uma imagem viva, que, aoser tomada por modelo, orienta e determina a produo. Por isso,tambm, raras vezes surge por esta via algo que, com exceo daexatido mmica, tenha verdadeiro valor; e se pode desfrutar tantomais inocentemente desta sofisticada mostra de habilidade artsticaporque sempre transparece com bastante claridade a pessoarepresentada. Mas, se algum, contra natureza e costume, tenha seconvertido formalmente em exilado da lngua materna e tenha seentregue a outra: ento, talvez no seja afetada e fingida burla seassegura que j realmente no pode mover-se na primeira; mas, apenas uma comprovao, que ele deve a si mesmo, que suanatureza verdadeiramente um prodgio contrrio a toda ordem e atoda regra, e uma tranquilizao para os outros, que ele pelo menosno se duplica como um fantasma.

    Nos demoramos obviamente em demasia no estranho, como seestivssemos falando da escrita em lnguas estrangeiras e no datraduo de lnguas estrangeiras. As coisas so diferentes, porm.Quando no seja possvel escrever originalmente em uma lnguaestranha algo que merea e ao mesmo tempo necessite da traduo,considerada como arte, ou quando isto constitua ao menos umaexceo rara e grandiosa: ento, no se pode ditar para a traduo aregra de que deve pensar como haveria escrito o autor mesmo

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  • exatamente na lngua do tradutor; pois, no h suficientes exemplosde autores bilngues para se retirar uma analogia que o tradutorpudesse seguir, seno que este, segundo se diz, em toda obra queno se parea com a conversao ligeira, ou ao estilo comercial,estar quase por completo abandonado sua imaginao. Maisainda, o que se responderia se, a um tradutor que diz ao leitor, Aquite apresento o livro tal como o seu autor o teria escrito se o tivesseescrito em alemo, o leitor contestasse, Eu estou to agradecidocomo se voc me tivesse apresentado o retrato do homem tal comopareceria se sua me o tivesse engendrado com outro pai? Pois, sedas obras, que em um sentido mais elevado, pertencem cincia earte, o esprito peculiar do autor a me, sua lngua ptria o pai.Tanto um artifcio como o outro pretendem intuies misteriosasque ningum tem e apenas como jogo se pode desfrutar de um toinocentemente quanto do outro.

    At que ponto se reduz a aplicabilidade deste mtodo e como nodomnio da traduo chega a ser quase nula, o melhor modo decomprov-lo perceber quo insuperveis so as dificuldades comas quais tropea em alguns ramos da cincia e da arte. Se, j no usoda vida corrente, preciso admitir que em uma lngua h poucaspalavras a que corresponda exatamente outra palavra de qualqueroutra lngua, de modo que esta possa ser usada em todos os casosem que se usa aquela e, nas mesmas articulaes, produzam ambassempre o mesmo efeito, isto se aplica mais ainda a todos osconceitos quanto mais se aproxime do filosfico seu contedo e,portanto, em grau ltimo, filosofia autntica. Aqui, mais que emnenhum outro domnio, cada lngua contm, apesar das diversasopinies coexistentes ou sucessivas, um sistema de conceitos que,precisamente porque se tocam, unem e completam na mesma lngua,constituem um todo a cujas distintas partes no correspondenenhuma do sistema de outras lnguas, exceto Deus e ser, osubstantivo e o verbo primitivos. Pois, at o simplesmente universal,apesar de encontrar-se fora do domnio da particularidade, iluminado e colorido por ela. Nesse sistema da lngua tem que sedesenvolver a sabedoria de cada um. Cada um constri com o queest disponvel e ajuda a trazer luz o que, sem estar disponvelainda, est j pr-formado. Apenas assim tem vida a sabedoria doindivduo e pode governar eficazmente sua existncia, a qualintegra-se inteiramente nessa lngua. Portanto, se o tradutor de umfilsofo no quer se decidir por acomodar a lngua da traduo, namedida do possvel, lngua do original, para fazer entrever nopossvel o sistema de conceitos estabelecido nesta; se prefere fazer

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  • falar o seu escritor como se houvesse formado os pensamentos e odiscurso originalmente em outra lngua, que outra coisa pode fazer,dada a dessemelhana dos elementos de ambas as lnguas, seno ouparafrasear com o que no alcana seu objetivo, pois umaparfrase nunca parece nem pode parecer algo originalmenteproduzido na mesma lngua - , ou ento ter que adaptar toda asabedoria e a cincia de seu autor ao sistema conceitual da outralngua, transformando assim todas e cada uma das partes e, ento, jno se consegue ver que limites se pode por para a arbitrariedademais selvagem. Sim, deve-se dizer, quem tem um mnimo derespeito aos esforos e desenvolvimentos filosficos no pode seentregar a um to solto jogo.

    Plato que me desculpe, se do filsofo passo ao comedigrafo.Este gnero artstico, no que se refere lngua, o mais prximo aoterreno da conversao social. A inteira representao vive noscostumes da poca e do povo, os quais, por sua vez, se refletem maisvivamente na lngua. A ligeireza e a naturalidade na graa so suasprimeiras virtudes; e, precisamente por isso, as dificuldades datraduo segundo o mtodo que acabamos de considerar so aquienormes. Pois, toda aproximao a uma lngua estrangeiramenospreza aquelas virtudes da declamao. E, se o tradutor querfazer falar um autor de obras cnicas como se este houvesse escritooriginalmente na lngua da traduo, ter muitas coisas que nemsequer poder fazer expressar, pois, no so nativas deste povo e,por isso, tampouco tm na lngua algum signo. O tradutor deve aquiou bem cortar inteiramente, e assim destruir a fora e a forma doconjunto, ou tem que por em seu lugar outra coisa. Desse modo,portanto, nesse domnio, seguir completamente esta frmula conduzevidentemente simples imitao, ou a uma mescla ainda maischocante e confusa de traduo e imitao, que torna o leitor comoque uma bola rebatendo-se entre o seu mundo e o estranho, entre ainveno e graa do autor e as do tradutor, com o que aquele nopode experimentar nenhum prazer genuno e termina, sem remdio,com tontura e cansao redobrados. O tradutor que segue o outromtodo, ao contrrio, no tentado por esses deslocamentosarbitrrios, porque seu leitor deve ter sempre presente que o autorviveu em outro mundo e escreveu em outra lngua. Ele apenas tematender arte, sem dvida difcil, de suprir o conhecimento destemundo estranho de maneira mais rpida e conveniente, e deixar queem toda parte transparea a grande leveza e naturalidade dooriginal. Estes dois exemplos, tomados dos mais opostos extremosda cincia e da arte, mostram bem quo difcil conseguir o

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  • autntico fim de toda traduo, a saber, o gozo autntico das obrasestrangeiras, com um mtodo que a todo custo quer insuflar na obratraduzida o esprito de uma lngua que lhe estranha. Acrescenta-sea isto ainda que toda lngua tem sua singularidade nos ritmos daprosa tanto quanto nos da poesia e que, se h de fingir-se que oautor podia ter escrito na lngua do tradutor, ter que se oapresentar como seguindo tambm os ritmos desta lngua, com oque sua obra se desfigura ainda mais e se limita mais ainda oconhecimento de sua singularidade proporcionado pela traduo.

    De fato, esta fico, unicamente sobre a qual se funda a teoria datraduo ora em considerao, influi mais ainda na finalidade dessaatividade. A traduo desde o primeiro ponto de vista algonecessrio para um povo do qual apenas uma pequena parte podeadquirir conhecimento suficiente de outras lnguas, mas uma partemaior tem a sensibilidade para o prazer de obras estrangeiras. Seesta parte pudesse se transformar na primeira, aquela traduoresultaria intil e dificilmente algum tomaria para si tarefa toingrata. No acontece o mesmo com o ltimo tipo. Este no temnada a ver com a necessidade, antes mais bem o fruto da cobia eda arrogncia. As lnguas estrangeiras podem estar jcompletamente difundidas e o acesso s suas obras mais sublimesaberto a todo aquele que fosse capaz de goz-las; seguiria sendopossvel uma curiosa tarefa que reuniria um auditrio tanto maisnumeroso e desejoso, se algum prometesse apresentar uma obra deCcero ou de Plato tal qual estes autores teriam escritos agoradiretamente em alemo. E se algum chegasse ao ponto de fazer istono apenas na prpria lngua, mas tambm em lngua estrangeira,ele seria evidentemente o mestre supremo na difcil e quaseimpossvel arte de resolver os espritos das lnguas um no outro.Porm, logo se v que, a rigor, isto no seria traduzir e sua finalidadeno seria tampouco o gozo mais autntico possvel das obrasmesmas; antes, se converteria cada vez mais em uma imitao eapenas poderia gozar bem tal obra de arte ou habilidade quem j,sem isto, conhecesse a tais escritores diretamente. E o fimverdadeiro apenas poderia ser, em particular, por de manifesto comocertas expresses e combinaes de diferentes lnguas esto em igualrelao com um carter determinado e, no conjunto, ilustrar a lnguacom o esprito peculiar de um mestre estrangeiro, mas depois desepar-lo e deslig-lo por completo de sua lngua. Agora, comoaquele no mais que um hbil e artificial jogo, e este descansa emuma fico quase impossvel, se compreende que esta maneira detraduzir apenas se pratique em tentativas muito raras que, alm do

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  • mais, mostram com suficiente claridade que, em geral, no se podeproceder deste modo.

    Isto explica tambm que apenas grandes mestres, a quem lhes permitido coisas extraordinrias, possam trabalhar com estemtodo; e com razo apenas aqueles que cumpriram j seusverdadeiros deveres para com o mundo e por isso agora podementregar-se a um jogo incitante e um tanto perigoso. Mas, tambmse compreende tanto mais facilmente que os mestres que se sentemautorizados a tentar algo semelhante olhem com certa piedade aatividade daqueles outros tradutores. Pois, eles pensam que so elesos nicos que verdadeiramente praticam a arte bela e livre, enquantoque aqueles lhes parecem estar muito mais prximo do intrprete,pois tambm servem necessidade, ainda que esta seja um poucomais elevada. E os julgam dignos de pena porque gastam muito maisarte e esforo do que seria razovel para um ofcio subalterno eingrato. Por isso, tambm esto sempre dispostos a aconselhar que,em vez de fazer semelhantes tradues, seria melhor ajudar-se nopossvel com parfrases, como costumam os intrpretes em casosdifceis e discutveis.

    Como, ento? Devemos compartilhar esta opinio e seguir esteconselho? Os antigos, evidentemente, traduziram pouco naquelesentido estrito, e tambm a maioria dos povos modernos,intimidados pelas dificuldades da verdadeira traduo, contentam-seem geral com a imitao e a parfrase. Quem pretender afirmar quealguma vez se traduziu algo para o francs seja das lnguas antigasseja das germnicas? Mas, ns alemes, por mais ateno que se d aeste conselho, no o seguiramos. Uma necessidade interna, na qualse expressa claramente uma vocao peculiar de nosso povo, nosimpulsionou em massa para a traduo; no podemos retroceder etemos que seguir adiante. Do mesmo modo que, por acaso tivessesido preciso trazer e cultivar aqui muitas plantas estrangeiras paraque nosso solo se fizesse mais rico e fecundo, e nosso clima maisagradvel e suave, assim tambm sentimos que nossa lngua, porquens mesmos, em razo do pesadume nrdico, a movimentamospouco, apenas pode florescer e desenvolver-se plenamente suaprpria fora por meio dos mais variados contatos com oestrangeiro. E com isto vem coincidir, sem dvida, o fato de quenosso povo, por sua ateno ao estrangeiro e por sua naturezamediadora, parece estar destinado a reunir em sua lngua, junto comos prprios, todos os tesouros da cincia e da arte alheios, como emum grande conjunto histrico que se guarda no centro e corao da

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  • Europa para que, com a ajuda de nossa lngua, qualquer um possagozar, com a pureza e perfeio possvel a um estranho, a belezaproduzida pelos tempos mais diversos. Esta parece ser, com efeito, averdadeira finalidade histrica da traduo em grande escala, talcomo se pratica entre ns. Mas, neste tipo de traduo apenas podeaplicar-se o mtodo considerado no incio. E a arte tem queaprender, no possvel, a vencer suas dificuldades, que nodissimulamos. Um bom comeo foi feito, mas ainda falta o maisimportante. Tambm aqui tem que precederem muitos ensaios eexerccios antes de se alcanarem algumas obras primorosas; e hcoisas que brilham no comeo, mas logo outras melhores assuperam. Pode-se ver em muitos exemplos em quo grande medidaartistas individuais venceram j em parte as dificuldades e em parteas evitaram de maneira feliz.

    E, ainda que tambm conhecedores medocres trabalhem nessecampo, no devemos temer de seus esforos danos terrveis paranossa lngua. Pois, em primeiro lugar, deve-se ter presente que emuma lngua em que se pratica a traduo com tal extenso htambm um domnio lingstico prprio das tradues e nele muitose dever permitir que no deve aparecer em outros domnios. Quem,apesar de tudo, propague indevidamente tais inovaes, encontrarpoucos seguidores ou nenhum e, se no queremos fechar a conta emum espao de tempo demasiado breve, podemos confiar no processoassimilador da lngua que acabar eliminando tudo o que havia sidoaceito apenas por necessidade momentnea e que no respondepropriamente a sua natureza. Por outro lado, no devemos esquecerque h na lngua muita beleza e muita fora que somente graas traduo se desenvolveram ou foram resgatadas do esquecimento.

    Ns discursamos muito pouco e proporcionalmente falamosdemais; e no se pode negar que, desde h muito tempo, tambm amaneira de escrever avanou nesta direo mais do que o devido eque a traduo contribuiu no pouco para restabelecer um estilomais severo. Quando chegar um dia em que tenhamos uma vidapblica que, por uma parte, tenha que desenvolver umasociabilidade mais rica de contedo e mais atenta linguagem e, poroutra, proporcione espaos mais livres para o talento do orador,ento, talvez necessitaremos menos da traduo para oaperfeioamento da lngua. Que esse dia chegue apenas quandotenhamos percorrido dignamente o inteiro ciclo de esforos dotradutor!

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  • Tbua de traduo

    Abschattung: matizes, projees

    Anschauungen: opinio, parecer, intuio

    Ausdrcken: expressar

    Darstellung: exposio

    Dolmetschung: interpretao

    Gebiet: domnio, terreno

    Gedanke: pensamento

    Gefhl: sentimento

    Geltung: valor

    Gemt: nimo, mente,

    Rede: discurso, palavra,

    Sache: assunto, coisa

    Vermittlung: mediao

    Verstehen: compreender

    bersetzen: traduzir

    bertragen: traduo, translado, transposio

    Umfang: extenso

    Zeichen: signo, sinal

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