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SOBRE O TEMA DA GESTO DO PATRIMNIO CULTURAL
Til Pestana
Til Pestana,
Mestre em histria e crtica da arte, especialista em histria da arte e da arquitetura no
Brasil. Graduao em Histria e Museologia. Historiadora da arte no IPHAN/ Centro Lucio
Costa Centro Categoria II de Treinamento e Gesto em Patrimnio Cultural sob os
auspcios da UNESCO, no Rio de Janeiro. Atualmente est realizando um projeto de
pesquisa sobre as boas prticas de gesto dos stios reconhecidos como patrimnio mundial
pela UNESCO e trabalhando como consultora na elaborao do dossi de candidatura a
Patrimnio Mundial do stio arqueolgico do Cais do Valongo, no Rio de Janeiro.
Resumo
O artigo aborda as diretrizes e as estratgias de atuao dos gestores culturais relacionadas
s polticas econmicas definidas, em 2009, no Frum Nacional sobre Patrimnio Cultural.
Apresenta a origem do pensamento que orienta o conceito de gesto do patrimnio cultural
nos Estado Unidos e Europa a partir da segunda metade do sculo XX. Analisa a gesto do
patrimnio cultural relacionado ao desenvolvimento socioeconmico no Brasil e a
formao de gestores culturais. Conclui sobre a importncia de se buscar vincular os
conceitos de preservao e seu significado social considerando seu papel nos projetos que
buscam uma transformao social.
Palavras-chave
Gesto cultural, preservao, patrimnio, turismo, cultura.
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SOBRE O TEMA DA GESTO DO PATRIMNIO CULTURAL
1. As perspectivas sobre capacitao e gesto cultural no I Frum Nacional do
Patrimnio Cultural Brasil
O primeiro Frum Nacional de Cultura ocorreu, em 1977, quando o Governo Federal,
atravs dos encontros com as Secretarias Estaduais de Cultura procurava difundir a Poltica
Nacional de Cultura. Nestes encontros, que se multiplicaram posteriormente, entre 1982 e
1988, surgia a questo da gesto cultural com a preocupao nova sobre a necessidade de
cursos para treinamento de gestores culturais. Entretanto, um Frum Nacional,
especificamente, sobre patrimnio cultural, ocorreu de 13 a 16 de dezembro de 2009, em
Ouro Preto, Minas Gerais, promovido pelo IPHAN, em parceria com o Frum Nacional de
Secretrios e Dirigentes Estaduais de Cultura e a Associao Brasileira de Cidades
Histricas ABCH. Este encontro teve como tema central a realizao de uma das etapas
para a construo conjunta do Sistema Nacional do Patrimnio Cultural SNPC. Tambm
procurava promover a discusso, reflexo e construo da Poltica Nacional de Patrimnio
Cultural PNPC, buscando definir os desafios, as diretrizes e as estratgias de atuao dos
gestores culturais.
Neste primeiro Frum Nacional sobre patrimnio cultural ocorreram diversas
comunicaes sobre os temas de capacitao, gesto e formao profissional em patrimnio
cultural. Os resultados dos debates sobre estes temas foram definidos com os seguintes
objetivos principais: consolidao de um Programa Nacional de Formao dentro do
Sistema Nacional de Patrimnio; formao de uma coordenao multidisciplinar para o
Programa Nacional de Formao em Patrimnio; estudo sobre a possibilidade de formao
de um Sistema de Indicadores para Avaliao dos Programas de Formao em Patrimnio
em mbito nacional, adotando como referncia o Sistema de Indicadores do Ministrio da
Cultura em parceria com o IBGE, o da Capes e do Programa de Estatstica de Cultura da
UNESCO; ampliao dos projetos voltados para a Formao, Gesto e Educao para o
campo do Patrimnio Cultura. Estes objetivos tinham aes estratgicas que deveriam ser
implementadas, em 2010, e outras, de 2010 a 2014 (I Frum Nacional do Patrimnio
Cultural, 2010, p.67 a 71). Mas, estas aes estratgicas previstas no avanaram, bem
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como, as discusses em fruns e conferncias sobre a formao profissional e a capacitao
em patrimnio. De qualquer forma, o tema da gesto do patrimnio cultural estava na pauta
do Frum como um dos desafios da poltica nacional de patrimnio cultural. Estes desafios
elencados relacionavam a gesto do patrimnio cultural com o desenvolvimento
socioeconmico e a gerao de negcios envolvendo stios urbanos preservados:
O distanciamento entre os rgos e agentes de proteo e desenvolvimento no um desafio
novo. Novamente ele aparece nas falas e sugere estratgias de aproximao entre sujeito e
objeto de proteo, inclusive como formas de reduo do preconceito contra o tombamento e
mostrar o patrimnio como valor e fator de desenvolvimento socioeconmico de fato. Na
questo da gesto, inclusive a partir da preocupao com a mitigao dos impactos negativos
citados acima, reforou-se a necessidade de dar um carter sustentvel na gerao de negcios
envolvendo os stios urbanos (I Frum Nacional do Patrimnio Cultural, 2010, p. 82).
1.1. O Frum definindo a gesto do patrimnio cultural direcionada para as
polticas econmicas
Mediante isso fica claro que havia uma acentuada articulao entre uma viso centrada na
economia global para o campo do patrimnio cultural e a sua gesto voltada para o
desenvolvimento socioeconmico. A preocupao no Frum estava focada num
entendimento em que a gesto do patrimnio cultural fosse direcionada para as urgncias
de polticas econmicas e sociais. A nfase era nas urgncias econmicas, no alargamento
do mercado e na globalizao do patrimnio cultural. Assim, a formao e capacitao de
profissionais voltados para o patrimnio cultural era orientada para a elaborao de
polticas culturais e a administrao cultural guiada por tcnicas de gesto que visavam
principalmente financiamentos e angariar recursos para manter o patrimnio cultural. Os
efeitos disso j conhecemos: a troca do potencial de nosso patrimnio cultural acumulado,
atravs de sculos pela ganncia fcil do aqui e agora.
De certo, estaramos distantes do entendimento da necessidade de assegurar a gama imensa
de atividades que dizem respeito diversidade do patrimnio cultural, que vo desde a
identificao at a preservao dos bens culturais, passando pelos campos da histria da
arte, arquitetura, arqueologia, etc. Ou seja: cada uma destas reas se sujeitariam as
determinadas prioridades de carter econmico atendendo a pauta do dia. O que se
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pretendia tratar eram as novas possibilidades de lucro econmico com o patrimnio
cultural.
O que vem ocorrendo, desde ento, que as atividades nos diversos setores do patrimnio
cultural esto voltadas para a prioridade econmica determinada por linhas polticas e
ideolgicas governamentais. Hoje, o patrimnio cultural est mais vinculado a
preocupaes e critrios econmicos muitas vezes em detrimento de um desenvolvimento
integral. No estamos defendendo o entendimento do patrimnio cultural considerado um
fim em si em oposio concepo de que deve ser um elemento acelerador do
desenvolvimento econmico. Mas, estamos sublinhando que a compreenso do significado
do patrimnio cultural passa pelo entendimento de que ele constitui um elemento
fundamental da complexa vida social. Assim, entendemos que a gesto do patrimnio
cultural deveria estar diretamente ligada a uma poltica cultural que abrangesse uma gama
imensa de reas e no apenas a economia. Dentre estas reas, acreditamos que a educao
seja o campo capaz de articular a diversidade de interesses na gesto do patrimnio cultural
exatamente pela complexidade de significados que nossos bens representam para a
sociedade.
De qualquer forma, fundamental entendermos a origem do pensamento que orienta o
conceito de gesto do patrimnio cultural. Sem dvida, este tema cada vez mais presente
nas sociedades e tem um lugar prioritrio entre os diversos Governos e as instituies do
setor. Desse modo, devemos compreender o significado da gesto do patrimnio cultural e
sua articulao na gerncia de processos no campo da cultura e da arte. Talvez, isto
propicie entendermos tambm as decises polticas, econmicas e administrativas,
especialmente da poltica e administrao pblica dos ltimos anos no Brasil.
2. A origem do pensamento que orienta o conceito de gesto do patrimnio
cultural
O interessante estudo de Jos Carlos Garcia Durand (2000) observa que o tema da gesto
cultural surge primeiramente nos museus americanos. O autor aponta isto com base no
significativo trabalho do socilogo Paul DiMaggio, intitulado "Social Structure,
Institutions, and Cultural Goods: The Case of the United States", de 2000. Neste estudo, ele
identifica que houve nos EUA, a partir de 1870, uma mudana cultural importante:
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proliferao de museus, orquestras e bibliotecas pblicas, fruto da iniciativa de elites
locais. Os membros dessas elites, e os curadores identificados com eles, tendiam a
interpretar como sua misso principal o enriquecimento das colees nos museus. Mas, em
relao ao conjunto da populao local, a postura era antes de um distanciamento
conformado do que de aproximao decidida. Neste perodo, tambm comeou a surgir
muita iniciativa individual, propriamente empresarial, no campo das artes (Durand, 2000,
p.61).
O que o autor explica que na dcada de 1930, houve uma profunda mudana de
orientao na administrao das instituies americanas, especificamente nos museus. O
esforo era a atrao e frequncia de pblico e incentivo a educao artstica. Neste
perodo, ocorreu o aumento de implantao de novos museus e da melhoria de suas
condies. A praxe era das prefeituras en