sobre o estatuto da igualdade racial

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Demonstra o processo de estabelecimento do EIR Autor Sales Augusto

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1O Processo de Aprovao doEstatuto da Igualdade RacialLei n 12.288, de 20 de Julho de 20102 Sales Augusto dos Santos, Joo Vitor Moreno e Dora Lcia BertlioPublicao do Instituto de Estudos Socioeconmicos (Inesc)SCS Qd. 01, Ed. Mrcia, 13 Andar Cobertura - CEP 70307-900 Braslia (DF), BrasilFone: (61) 3212-0200 Fax: (61) 3212-0216 - E-mail: [email protected] - Site: www.inesc.org.br Realizao: Apoio: Autores:Sales Augusto dos Santos,Joo Vitor Moreno e Dora Lcia Bertlio.Reviso:Paulo Henrique de Castro.Projeto Grfco e Diagramao:www.pixel-indesign.comConselho Diretor:Mrcia Anita Sprandel, Eva Teresinha Silveira Faleiros, Fernando Oliveira Paulino,Jurema Pinto Werneck, Luiz Gonzaga de Arajo.Colegiado de Gesto:Atila Roque, Iara Pietricovsky de Oliveira,Jos Antnio Moroni.Coordenadora da Assessoria:Nathali BeghinAssessoria:Alessandra Cardoso, Alexandre Ciconello,Cleomar Manhas, Edlcio Vigna,Eliana Magalhes, Lucdio Barbosa eMrcia Acioli.Assistente de Direo:Ana Paula Soares FelipeAssessoria Administrativo-Financeira:Adalberto Vieira dos Santos, Eugnia Christina A. Santana, Isabela Mara dos S. da Silva, Ivone Maria da Silva Melo, Josemar Vieira dos Santos, Maria Jos de Morais, Maria Lcia Jaime, Miria Tereza B. Consiglio, Ricardo Santana da Silva, Rosa Din G. Ferreira.Apoio Institucional:ActionAid, Charles Stewart Mott Fundation, Christian Aid, Climate Works Foundationmembro do Climate and Land Use Alliance (CLUA), Department for International Development (Dfd), Evangelischer Entwicklungsdienst (EED), Fastenopfer, Fundao Avina, Fundao Banco do Brasil, Fundao Ford, Fundo das Naes Unidas para Infncia (Unicef), Instituto Heinrich Bll, International Budget Partnership, KinderNotHilfe (KNH), Norwegian Church Aid, Oxfam Novib, Oxfam, Unio Europia, ONU Mulheres.FICHA CATALOGRFICASANTOS, Sales Augusto dos; SANTOS, Joo Vitor Moreno dos; e BERT-LIO, Dora Lcia.O processo de aprovao do Estatuto da Igualdade Racial, Lei n. 12.288, de 20 de julho de 2010. Braslia, 2011. Braslia: INESC, 2011.76 p.1. Legislao Antidiscriminao; 2. Estatuto da Igualdade Racial; 3. Relaes Raciais; 4. Aes Afrmativas. A reproduo no autorizada desta publicao, no todo ou em parte, constitui violao dos direitos autorais (Lei n. 9610/98).3SumrioApresentao ..................................................................................................................... 05Introduo ......................................................................................................................... 071. O primeiro quinqunio: propondo o Estatuto da Igualdade Racial ............................... 111.1. Parlamentares negros e a questo racial ....................................................................... 11 1.2. A primeira verso do Estatuto ................................................................................... 141.3. A segunda verso do Estatuto e sua aprovao no Senado Federal ............................. 172. A conjuntura sociopoltica durante o primeiro quinqunio ............................................ 233. O segundo quinqunio: esvaziando o Estatuto .............................................................. 353.1.Areaoconservadora:ainteraoentreintelectuais,sindicalistas,parlamentaresea grande mdia contra o Estatuto da Igualdade Racial ......................................................... 353.1.1 A debilidade da contrarreao e a falta de apoio do governo Lula aprovao do pro-jeto do Estatuto na Cmara dos Deputados ...................................................................... 453.2. O retrocesso na Cmara dos Deputados: substitutivo do Senado 2005 versus o substi-tutivo da Cmara 2009 ................................................................................................... 523.3. Consideraes sobre os resultados da discusso legislativa sobre o iderio racista da so-ciedade brasileira: o projeto e a Lei .................................................................................... 583.3.1.O retorno do Estatuto Casa iniciadora: o substitutivo da Cmara, PL n. 6.264/2005, versus a verso aprovada no Senado, SCD n. 213/2003 .................................................... 624. Concluso ...................................................................................................................... 695. Referncias ..................................................................................................................... 7545ApresentaoEsta publicao fruto do compromisso assumido pelo Instituto de Estudos Socioecon-micos (Inesc) de desenvolver aes e projetos com foco no combate ao racismo. A anlise das polticas pblicas sob a lente do oramento e tambm das relaes de poder baseadas na discrimi-nao racial tem sido objeto de um grande esforo institucional. Neste contexto se situa o contrato de consultoria feito entre o Inesc e o professor Sales Augusto dos Santos sobre a tramitao do Estatuto da Igualdade Racial no Parlamento brasileiro. O objetivo foi a produo de um documento que evidencias-se a discusso da questo racial dentro do Parlamento tendo o Estatuto como exemplo.A proposta inclui a anlise dos discursos e pareceres, entre outros fatos, que embasaram as principais decises e acordos que ocasionaram a aprovao da verso fnal, transformada na Lei n. 12.288/2010. Foi dada nfase fase fnal da tramitao nos ltimos dois anos. Foi tambm elaborado um quadro comparativo com as principais modifcaes sofridas pelo Estatuto ao longo de sua trami-tao. Alm disso, foi fundamental a identifcao dos componentes ideolgicos (racistas, sexistas e patrimonialistas) que emergiram das principais peas analisadas. Por ltimo, era importante qualifcar os acordos realizados para as votaes do Estatuto da Igualdade Racial. ParaoInescaprofundaroconhecimentodasdinmicasdediscussoeaprovaodede-terminadas pautas, crucial orientar o trabalho de incidncia poltica no Parlamento. A questo da sub-representaotemsidoobjetodevriasaesdainstituio:pesquisas,audinciaspblicase seminriosrealizadoscomopropsitodemostraraosprpriosparlamentarescomoacomposio doLegislativoprecisasermodifcadapararealmenterefetiradiversidadequecompeasociedade brasileira. O aperfeioamento do sistema representativo urgente. A sub-representao de segmentos importantes da sociedade (como negros, mulheres e indgenas) coloca em cheque a representatividade do Parlamento e compromete pautas importantes para esses grupos sociais.Por outro lado, a super-representao distorce os resultados do debate de pontos importantes da agenda do Pas, benefciando as mesmas elites que sempre dominaram a cena poltica. O homem branco, heterossexual, cristo e empresrio predomina e determina o que ou no discutido e o que ou no aprovado. A pauta que interessa populao negra, que constitui a maioria da nossa popula-6o, fca de fora ou precisa de dez anos para ver o Estatuto da Igualdade Racial aprovado.No entanto, ao longo destes anos, foram feitas muitas modifcaes que descaracterizaram os principais pontos do projeto. O debate interno ao Parlamento foi contaminado pela tese de que no Brasil no existe racismo, argumento defendido por alguns setores da mdia e at mesmo intelectuais. Tanto que a palavra raa foi retirada do texto fnal e aes previstas para combater o racismo fo-ram tambm excludas da proposta original. A questo da raa foi substituda em vrios pontos pelo conceito de etnia, o que no a mesma coisa.Boa parte do movimento negro saiu insatisfeita da votao fnal quando o prprio autor do projeto original manifestou seu descontentamento com o desfecho. O estudo realizado e aqui exposto confrma a tese de que uma pequena bancada de parlamentares negros faz toda a diferena na hora de defender interesses especfcos da populao negra. No possvel enfrentar toda a oposio s teses de defesa da necessidade de combater o racismo com somente 8% da composio do Parlamento.A leitura do presente texto nos leva a verifcar que o comportamento das bancadas partidrias muitas vezes se mostra contraditrio com relao s suas trajetrias e aos seus programas. No entanto, o apoio dado pelo PFL (hoje DEM), no incio da tramitao do Estatuto, revela o compromisso dos senadores baianos do grupo do j falecido senador Antnio Carlos Magalhes (ACM) com suas ba-ses, cuja maioria era formada por pessoas negras, dadas as caractersticas da populao do Estado da Bahia. Aps a morte de ACM, as prprias lideranas do seu partido foram as responsveis pela maio-ria dos cortes que acarretaram a aprovao de uma lei totalmente aqum do que pretendia a proposta original e do que merecia a populao negra do Pas.Ao fnal do processo, fca evidente a falta de apoio poltico da base aliada do governo de en-to, que sempre mostrou um presidente sensvel necessidade de medidas de reparao populao negra no Brasil. O seu partido, o PT, tambm no fez muito esforo para defender o que o prprio partido tinha defendido na verso original do senador Paulo Paim, autor da proposta.A anlise aqui apresentada evidencia que o xadrez poltico muitas vezes demonstrado dentro do ambiente do Parlamento nem sempre o que parece ser ou o que se espera que seja. Somente uma refexomaisprofundaquebusqueentendertodasasquestesquenaquelemomentomoveramas relaes polticas e partidrias poder esclarecer os resultados a que se chegou. Afnal, j foi dito que a poltica como as nuvens: muda rpido. Ao publicar este texto, o Inesc espera contribuir com o debate pblico sobre a polmica ques-to do racismo na sociedade brasileira e fornecer subsdios para o melhor entendimento das entranhas do Parlamento brasileiro, para assim ajudar a fortalecer o combate sub-representao poltica.Boa leitura!7IntroduoEste livro tem como objeto a anlise do processo de aprovao da Lei n. 12.288, de 20 de ju-lho de 2010, que instituiu o Estatuto da Igualdade Racial, assim como alterou as Leis n. 7.716/1989, n.9.029/1995,n.7.347/1985en.10.778/2003.Aocontrriodoquepregamalgunscientistas sociais, este Estatuto no fruto de gerao espontnea. Ele no surgiu de um vcuo sociopoltico, ou seja, sem histria de luta dos movimentos negros e/ou de seus aliados, dentro e fora do parlamento brasileiro, por polticas de promoo da igualdade racial, menos ainda de um vcuo de propostas re-lativas aos marcos normativos que dizem respeito questo racial brasileira. A proposta formal deste Estatuto apresentada pelo parlamentar Paulo Paim (PT/RS) foi, em realidade, um agregado de vrias outras proposies que objetivavam a igualdade racial por meio de legislao. Entre estas outras proposiesapresentadastambmeanteriormenteporvriosoutrosparlamentares,podemoscitar, porexemplo,adoex-deputadofederaleex-senadorAbdiasdoNascimento,histricomilitantedo Movimento Negro (cf. Santos, 2007). Conforme afrmado pelo prprio senador Paulo Paim (PT/RS), najustifcativadaprimeiraversodoEstatutodaIgualdadeRacial,apresentadaem7dejunhode 2000, por meio do Projeto de Lei n. 3198/2000, da Cmara dos Deputados, as ideias at aqui intro-duzidas so frutos da construo feita em grande parte pelo movimento negro. Isto no quer dizer que outros brasileiros tambm discriminados por raa, cor, etnia, procedncia, origem, sexo e religio no possam introduzir novos conceitos que contribuam para o combate ao preconceito1 [grifo nosso].Envolvendo vrios atores sociais e, consequentemente, vrios interesses sociopolticos, a discus-so sobre o Estatuto da Igualdade Racial no foi tranquila nem rpida. Ela levou uma dcada para ser fnalizada: vai de 7 de junho de 2000 a 16 de junho de 2010. Mais ainda, pode-se dividir didaticamente este decnio em dois quinqunios aproximadamente. O primeiro, que vai de 7 de junho de 2000 a 9 de novembro de 2005, tem uma trajetria em geral positiva de avanos e apoios parlamentares importantes 1PLn.3.198/2000,publicadonoDiriodaCmaradosDeputadosde16dejunhode2000,pgina32.132.Outraafrmao tambm corrobora a nossa hiptese de que a proposta de Estatuto da Igualdade Racial do senador Paulo Paim foi fundamentada nas reivindicaes dos movimentos negros, no surgindo de um vcuo sociopoltico. Na Audincia Pblica realizada em 26/09/2005 na sede do grupo afro Il Aiy, na cidade de Salvador, estado da Bahia, a ativista Olvia Santana, ento secretria municipal de Educao, fez a seguinte afrmao: Ele [o Estatuto da Igualdade Racial] uma iniciativa do senador Paulo Paim, tem a relatoria do senador Rodolpho Tourinho Dantas, mas , acima de tudo, uma construo do movimento negro brasileiro, da histria de existncia do movimento negro brasileiro (Cf. Notas Taquigrfcas da Audincia Pblica da Comisso de Assuntos Sociais do Senado Federal sobre o Estatuto da Igualdade Racial, 2005: 102, grifo nosso).8ao projeto do Estatuto no Congresso Nacional, especialmente no que diz respeito ao apoio s suas pro-postas de ao afrmativa. O segundo quinqunio, que vai de dezembro de 2005 a 16 de junho de 2010, tem trajetria inversa, ou seja, da retirada dessas propostas, ante a presso incessante de cientistas sociais e parlamentares conservadores, assim como da chamada grande imprensa escrita e televisa.AolongodestesdezanosdetramitaodapropostadoEstatutonoSenadoFederalena Cmara dos Deputados, houve muita discusso em torno de alguns temas, entre os quais: (a) o racis-mo e suas consequncias virulentas para a populao negra brasileira; e (b) formas de combat-lo ou minimiz-lo, quer por meio de polticas de aes punitivas, valorizativas e/ou de aes afrmativas (cf. Joccoud e Beghin, 2002). Todo esse processo de discusso no Congresso brasileiro fez que a questo racial fosse includa na agenda poltica brasileira (cf. Santos, 2007).Realizamos entrevistas com alguns parlamentares brasileiros para saber a sua opinio sobre o Estatuto da Igualdade Racial. Contudo, umas das nossas principais fontes de observao e pesquisa para a elaborao deste livro foi a cobertura do Jornal Nacional, da TV Globo, sobre o referido Estatuto. Isso no nos impediu de pesquisar e analisar matrias e artigos publicados nos jornais Folha de S. Paulo, O Globo e Correio Braziliense, relativos ao processo de aprovao do Estatuto, at porque estas matrias e/ou artigos serviram de referncia e fonte para a elaborao de parte de nossos roteiros de entrevistas. Pensamos que no houve prejuzo pesquisa em face de termos nos concentrado em analisar a cobertura do Jornal Nacional, da TV Globo. Primeiro, porque tambm pesquisamos e analisamos algumasmatriaseartigospublicadosnosjornaisFolhadeS.Paulo,OGloboeCorreioBraziliense, entreoutros,sobreoEstatutodaIgualdadeRacial.Emsegundolugar,porqueosmesmosatores ou os supostamente principais agentes sociais que participaram desse processo de discusso sobre o Estatuto tambm emitiam as suas opinies e pensamentos nas matrias que foram divulgadas na TV Globo. Ou seja, intelectuais como a professora titular de Antropologia da Universidade Federal do RiodeJaneiro,YvonneMaggie,epolticoscomoossenadoresDemstenesTorres(DEM/GO)e Paulo Paim (PT/RS) e os deputados federais Edson Santos (PT/RJ) e Carlos Santana (PT/RJ), entre outros, emitiram suas opinies e pensamentos sobre o Estatuto da Igualdade Racial tanto naqueles ou para aqueles jornais como no ou para o Jornal Nacional, da TV Globo.A citada rede televisiva, assim como, principalmente, os peridicos O Globo, Folha de S. Pau-lo e O Estado de So Paulo geralmente publicaram e ainda publicam matrias e reportagens direta ou indiretamente contrrias ao Estatuto da Igualdade Racial e a algumas polticas de promoo da igual-dade racial, embora algumas vezes tenham dado voz a alguns agentes sociais favorveis ao Estatuto e a essas polticas. Contudo, no se pode negar que esses jornais escritos publicaram centenas de matrias sobre o Estatuto durante todo o seu processo de aprovao, 10 anos, ao contrrio do que fez o Jornal Nacional, da TV Globo. Quando pesquisamos no site do referido jornal televisivo,2 encontramos 21 2Disponvelem:. Acessado em 2 de janeiro de 2011.9matrias e reportagens que tinham como um de seus temas o Estatuto, sendo que a mais antiga que encontramos foi ao ar na edio de 26 de maro de 2004, cujo ttulo foi: Polmica: sistema de cotas para negros pode ser empregado no servio pblico federal, e a mais recente, em 20 de julho de 2010, era intitulada assim: Lula sanciona Estatuto da Igualdade Racial. H outras informaes que ratifcam a nossa convico de que a pesquisa para a elaborao destelivronofoiprejudicadaemfaceprincipalmentedenossaopopelautilizaoeanliseda cobertura do Jornal Nacional, da TV Globo. Por um lado, uma pesquisa realizada em 2002, pelo Ins-tituto de Estudos e Pesquisas em Comunicao (Epcom), indicou que 39% dos brasileiros no leem revista ou s tm acesso a elas uma vez por trimestre. Mais ainda: 48% dos brasileiros no leem jor-nais ou s tm acesso a eles uma vez por semana. A referida pesquisa informa tambm que, embora cresa rapidamente o nmero de usurios da internet, ainda so muitos os excludos, informao que corroborada pelo levantamento do Ibope/NetRatings de 2005. Este demonstrou que 11,4 milhes de pessoas no Brasil acessavam a internet regularmente, grupo que faz parte dos 18,3 milhes de pessoas que de alguma maneira podem ter acesso internet, seja no trabalho, na casa de amigos, etc. (Posse-bon, 2007, pp. 295 e 287).Por outro lado, no se pode esquecer da importncia signifcativa da televiso aberta nos dias de hoje. Ela um dos principais equipamentos ou instrumentos de informao e de divulgao cultu-ral, uma vez que, como nos lembra o professor Jess Martn Barbero, os mentores das novas condutas so os flmes, a televiso, a publicidade, que comeam transformando os modos de vestir e terminam provocando uma metamorfose dos aspectos morais mais profundos (Barbero, 2006, pp. 66-67, grifo nosso).Sendoassim,deve-selembrartambmqueatelevisoestpresenteempraticamentetodos os lares brasileiros e pode ser considerada um dos raros meios de acesso informao, cultura e at mesmo ao conhecimento para a maioria da populao brasileira. E, mais ainda, este meio de comu-nicaoocupalugarcentralnoprocessodeconstruodahegemoniaracialvigente,agindocomo mediador, indicando e sugerindo posies para as condutas dos indivduos (cf. Hall, 1997). Some-se a isso o fato de a Rede Globo ser a lder de audincia no Brasil, cobrindo 98,44% do territrio brasileiro, sendo assistida diariamente por 120 milhes de pessoas. No bastasse isso, a TV Globo a terceira maior rede de televiso aberta do mundo, assim como tambm a melhor produtora de telenovelas.3 Assim, diante do imenso poder de infuncia da TV Globo e do Jornal Nacional, o mais assistido no Brasil e, consequentemente, com enorme fora de persuaso sobre mais de 120 milhes de pessoas que assistem referida rede de televiso diariamente , pensamos que a difuso da sua ideologia racial, ao que tudo indica, muito mais ampla, profunda e impactante na sociedade brasileira do que as dos jornais supracitados, uma vez que o Jornal Nacional entra em praticamente todos os lares brasileiros, ao contrrio dos jornais escritos.3Disponvel em: e .10Apartirdasfontessupracitadas,assimcomodealgunsdocumentoslegislativos,incluindo o ProcessodoEstatutodaIgualdadeRacial,edolevantamentobibliogrfcodecarterinterdis-ciplinar que fzemos sobre o assunto, pudemos analisar os discursos, as aes, entre outros fatos, que embasaram as principais decises e os acordos que propiciaram a aprovao da verso fnal, que foi transformada na Lei n. 12.288/2010. Algo que veremos a partir de agora.111.Oprimeiroquinqunio:propondoo Estatuto da Igualdade Racial1.1. Parlamentares negros e a questo racialAo propor o Estatuto da Igualdade Racial, o senador Paulo Paim estava buscando for-malizar direitos que a populao negra ainda no tinha. Porm, antes de analisarmos o processo de aprovao do Estatuto, vale acrescentar que no foi somente o senador Paulo Paim que se aliou aos movimentos negros e s suas lutas por igualdade racial de fato e de direito. Outros parla-mentares negros seguiram a mesma trajetria de se aliar aos movimentos negros, como o ex-deputado federal Carlos Santana (PT/RJ),4 o deputado federal Vicentinho (PT/SP) e a atual deputada federal e ex-senadora Benedita da Silva (PT/RJ). Com a participao, no Congresso Nacional, dos parlamenta-res Paulo Paim, Luiz Alberto e Benedita da Silva, juntamente com a participao anterior e emblem-tica de Abdias do Nascimento, a discusso da questo racial e a apresentao de propostas antirracismo aumentaram sobremaneira nos ltimos anos do sculo XX. E foi a partir tambm dessa base de pro-posies sobre a antidiscriminao que Paulo Paim elaborou e props o Estatuto da Igualdade Racial.Emboraamaioriadosparlamentaresafro-brasileiros5doCongressoNacionaldalegislatura 1995-1998 evitasse discutir a questo racial (cf. Santos, 2000), o resultado da atuao dos quatro ltimos parlamentaressupracitados,noquedizrespeitosrelaesraciaisbrasileiras,podeserobservadopor meio da aprovao ou tramitao de vinte e cinco projetos de lei contra o racismo entre 1995 e 1998 (Cardoso, 1998: 79-89). Algo extraordinrio, se considerarmos que, no perodo de trs dcadas, de 1950 a 1979, foram apresentados apenas doze projetos de lei relativos a esse tema (cf. Escosteguy, 2003: 81). Mesmo se considerarmos que a demanda por justia e igualdade racial no Brasil carece de muito mais empenho dos legisladores do que o que foi apresentado na legislatura referida, ainda no exagero reco-nhecer que os parlamentares negros Paulo Paim, Luiz Alberto e Benedita da Silva fzeram um trabalho altura do que vinha fazendo o ex-deputado federal Abdias do Nascimento (cf. Santos, 2007).4Este deputado foi presidente da Comisso Especial destinada a proferir parecer ao PL n. 6.264, de 2005, na Cmara dos Deputa-dos, que institui o Estatuto da Igualdade Racial. Em entrevista que nos concedeu, Carlos Santana afrmou que se iniciou na discusso da questo racial aps aprendizado, no Congresso Nacional, com o ex-senador Abdias do Nascimento (Carlos Santana, 2010).5Havia dezoito parlamentares afro-brasileiros na legislatura 1995-1998 (Cf. Santos, 2000).12Osreferidosparlamentaresnegros,salvoAbdiasdoNascimento,chegaramaoCongres-so Nacional como aliados afro-brasileiros dos Movimentos Sociais Negros, mas seus mandatos no defendiam, e ainda no defendem, prioritariamente os direitos da populao negra, como foram os mandatos do ex-deputado federal e ex-senador Abdias do Nascimento.6 Mas especialmente aps a Marcha Zumbi dos Palmares contra o Racismo, pela Cidadania e a Vida, de 20 de novembro de 1995, realizada em Braslia, eles tornaram-se e tm sido aliados especiais e engajados na luta antirra-cismo, uma vez que tm se preocupado com a discusso da questo racial, contratando inclusive mili-tantes ou quadros poltico-intelectuais dos Movimentos Sociais Negros para assessor-los no campo dediscussodaquestoracialbrasileira(cf.Santos,2007).Porexemplo,oentodeputadofederal Paulo Paim (PT/RS) contratou o ativista negro Edson Lopes Cardoso, que era coordenador editorial dojornalafro-brasileirorohn,comoassessordeRelaesRaciais(Cardoso,1998:80).Deste modo, mesmo no tendo na sua origem militante-poltica uma participao orgnica em entidades dos Movimentos Sociais Negros, no foi sem lastro na discusso das relaes raciais brasileiras que o parlamentar Paulo Paim apresentou na Cmara dos Deputados o Projeto de Lei (PL) n. 3.198, de 7 de junho de 2000, e depois no Senado Federal o Projeto de Lei do Senado (PLS) n. 213, de 29 de maio de 2003, visando criao do Estatuto da Igualdade Racial, objeto de nossa pesquisa.Alavancadapelamarchacitadaalguresepelapolitizaodaquestoracial,apresenade parlamentares negros no Congresso Nacional brasileiro, especialmente do ex-deputado federal e atual senador Paulo Paim (PT/RS), do deputado federal Luiz Alberto (PT/BA) e da deputada federal e ex-senadoraBeneditadaSilva(PT/RJ),proporcionouumaumentosubstancialdodebatesobrea questo racial no Poder Legislativo e, consequentemente, na agenda poltica brasileira, construindo um ambiente ou uma conjuntura para a proposio do Estatuto da Igualdade Racial.Tal conjuntura foi forjada durante dcadas, assim como a base considervel de proposies sobre o tema da igualdade racial para a elaborao do Estatuto, embora a base tenha sido impulsio-nadasobremaneiraapartirdaltimadcadadosculopassado.Segundopesquisarealizadapelo cientista poltico Carlos Eugnio V. Escosteguy (2003), foram apresentados 117 (cento e dezessete) projetos de lei na Cmara dos Deputados, de 1950 a 2002, sobre a questo racial brasileira. Destes 117, 32 (trinta e dois) foram apresentados na dcada de 1980 e 73 (setenta e trs) foram apresentados entre 1990 e 2002 (Escosteguy, 2003: 81). Ou seja, foi principalmente a partir da entrada destes trs parlamentares negros, Paulo Paim (PT/RS), Luiz Alberto (PT/BA) e Benedita da Silva (PT/RJ), no CongressoNacional,juntamentecomotrabalhoquejvinhasendorealizadopeloex-parlamentar AbdiasdoNascimento,queaquestoracialcomeouaserdebatidadeformamaisconsistenteno mbito do Poder Legislativo brasileiro. Conforme o cientista poltico Carlos Escosteguy:6O deputado federal Luiz Alberto (PT/BA) tambm um representante legtimo e orgnico dos Movimentos Sociais Negros, tendo inclusivesidocoordenadornacionaldoMovimentoNegroUnifcado(MNU). Todavia,osseusmandatosparlamentaresnoforam utilizados exclusivamente para defender os direitos da populao negra.13As iniciativas legislativas na esfera racial no so incorporadas por todos os deputados de uma determinada legenda; ao contrrio, a questo racial preocupao de um n-mero muito pequeno de deputados que ativamente absorvem e formulam propostas visando maior equidade social no mbito das relaes raciais. Levando-se em con-siderao (...) todo o perodo em anlise 1950 a 2002 , percebemos que a questo racial absorvida por apenas alguns poucos atores polticos na esfera congressual. Nes-sa temtica, o campeo de apresentao de projetos legislativos foi o deputado petista Paulo Paim, que apresentou 18 proposies, representando aproximadamente 15% do totaldasiniciativasparlamentares.Emsegundoeterceirolugares,respectivamente, tivemos outros dois deputados petistas Luiz Alberto, do PT/BA, e Benedita da Sil-va, do PT/RJ responsveis pela apresentao de, respectivamente, aproximadamente 11% e 6% do total de proposies. Em quarto lugar, surge o nome do deputado Abdias do Nascimento, deputado pelo PDT do Rio de Janeiro, com mais de 5% do total de iniciativa legislativa [na esfera racial] (Escosteguy, 2003: 85).VriassoasreasouesferasdeabrangnciadaspropostasapresentadasnaCmarados Deputados ou no Senado Federal pelos parlamentares negros, entre as quais podemos citar as reas de educao, emprego, segurana, sade, cultura, comunicao, terras remanescentes de quilombos e liberdade religiosa. Como exemplo, no que diz respeito educao, foram apresentadas 11 (onze) proposies que defendiam o sistema de cotas para os negros nos vestibulares das universidades p-blicas, principalmente. E, conforme o cientista poltico Carlos Escosteguy, poucas propostas de cotas paranegrosnosvestibularesdasuniversidadesincluramasinstituiesdeensinosuperiorprivado (Escosteguy, 2003: 94-95).Com a participao ativa de parlamentares afro-brasileiros engajados na luta antirracismo, percebe-se, assim, o quanto a discusso da questo racial e a apresentao de propostas antirracismo aumentaram sobremaneira nos ltimos anos do sculo XX, bem como o quanto a questo racial tem deixado de ser um assunto exclusivo da esfera privada e vem se transformando em um assunto da es-fera pblica tambm. Foi em funo de tudo isso que o parlamentar Paulo Paim (PT/RS) apresentou no Congresso Nacional a proposta do Estatuto da Igualdade Racial.AntesquesevdiretodiscussodaprimeiraversodoEstatuto,deve-selembrarqueo senador Paulo Paim no tinha e no tem a sua agenda exclusivamente ligada questo racial, como teveoex-parlamentarAbdiasdoNascimento(PDT/RJ).7Aorigemdelutadaquelesenadorpr--igualdade e pr-justia sociorracial na sociedade brasileira no foi construda diretamente da, por e pela igualdade racial, ou seja, na militncia ou no ativismo nos movimentos sociais negros. A base do senador Paulo Paim composta principalmente de operrios, metalrgicos, trabalhadores em geral, 7DiferentementedosenadorPauloPaim(PT/RS),entreoutrosparlamentaresafro-brasileiros,oex-deputadofederalAbdiasdo Nascimento teve militncia praticamente exclusiva nos Movimentos Sociais Negros. Suas campanhas eleitorais tinham apelo antirracis-mo e de busca da igualdade racial explcitos. Por exemplo: o seu lema de campanha eleitoral para o parlamento brasileiro, em 1982, tinha uma invocao explicitamente racial ou, se se quiser, um discurso exclusivamente racializado para os padres sociorraciais brasileiros da poca, qual seja, O Negro no Poder (Santos, 2007).14aposentados ou militantes do movimento sindical brasileiro, que so mais receptivos ao discurso clas-sista ou da luta entre capital versus trabalho do que ao discurso antirracismo explcito ou luta contra a discriminao e a desigualdade raciais. Ou seja, em termos de luta pr-igualdade racial, pode-se dizer que o senador Paim no um decano, como o o atual deputado federal Luiz Alberto (PT/BA), que j foi inclusive coordenador nacional do Movimento Negro Unifcado (MNU). Comparando-o com este ltimo ou com o ex-parlamentar Abdias do Nascimento, o senador Paulo Paim mais um dos aliados dos movimentos negros e no um dos seus militantes orgnicos.Isso no lhe tira mritos na luta por igualdade racial. Ao contrrio: demonstra que o senador Paulo Paim tem escutado o clamor da populao negra por justia e igualdade de direito e de fato ou mesmo se inspirado no ex-deputado federal e ex-senador Abdias do Nascimento, militante da Frente NegraBrasileira(FNB)efundadordoTeatroExperimentaldoNegro(TEN)naprimeiradcada do sculo passado (cf. Santos, 2007). Com sua atuao no parlamento, este ltimo buscou construir formalmente uma sociedade igualitria em todas as esferas da vida social, especialmente no que diz respeito s nossas relaes raciais. Destaforma,assessoradoporumdosexpoentesdosquadrosnacionaisdosmovimentos negros,EdsonLopesCardoso,assimcomoobtendocertasolidariedadeouapoiodeumaredede proteo racial fornecida por outros parlamentares negros do Congresso Nacional, o senador Paulo Paim (PT/RS) elabora e prope na Cmara dos Deputados o primeiro projeto relativo ao Estatuto da Igualdade Racial, como se ver a seguir.1.2. A primeira verso do EstatutoAprimeiraapresentaoformaldoEstatutodaIgualdadeRacialnoparlamentobrasileiro foi em 7 de junho de 2000. Este projeto, ao ser formalmente apresentado na Cmara dos Deputados, recebeu o nmero 3.198/2000 e tinha a seguinte ementa: Institui o Estatuto da Igualdade Racial, em defesa dos que sofrem preconceito ou discriminao em funo de sua etnia, raa e/ou cor, e d outras providncias. A seguir, foi criada uma comisso especial destinada a apreciar e proferir parecer ao referido projeto de lei. Mas a comisso especial foi instalada somente em 12 de setembro de 2001. A comisso apresentou um substitutivo ao PL 3.198/2000, cujo autor/relator foi o ento deputado federal Reginal-do Germano (PFL/BA),8 que negro. Substitutivo este que foi aprovado pela citada comisso em 3 de dezembro de 2002, sendo em seguida o projeto submetido ao Plenrio da Cmara, mas nunca apreciado.Comparando-se o projeto original do Estatuto, o que foi apresentado formalmente em 7 de junho de 2000, com o substitutivo que foi aprovado pela comisso especial em 3 de dezembro de 2002, 8O Partido da Frente Liberal (PFL), com ideologia de direita, foi fundado em 24 de janeiro de 1985. Em 28 de maro de 2007, mudou de nome e passou a se chamar Democratas (DEM). Deve-se destacar que o PFL era uma dissidncia do antigo Partido Democrtico Social (PDS), que apoiava a ditadura militar (1964-1985). Este ltimo foi sucessor da antiga Aliana Renovadora Nacional (Arena).15percebe-se que o primeiro era um embrio que iria comear a se desenvolver, por meio das discusses entre os parlamentares, assim como na sociedade brasileira, especialmente da parte mais interessada, a populao negra, e de sua parte organizada, os movimentos negros. O que de fato ocorreu, conforme havia previsto o senador Paulo Paim (PT/RS), autor do projeto.Ao se comparar esses dois projetos, o original com o substitutivo, verifca-se que o primeiro, de autoria do deputado federal Paulo Paim (PT/RS), tinha 36 artigos, enquanto o substitutivo, pro-posto pelo relator Reginaldo Germano (PFL/BA), tinha 67 artigos. Ou seja, a proposta do relator ampliou signifcativamente o projeto original do parlamentar Paulo Paim, quase dobrando o nmero de artigos do projeto. A ampliao do Estatuto aconteceu, entre outros fatores, porque foram incor-porados ao projeto original novos artigos ou proposies. De igual forma, muitos artigos do projeto originalreceberamumanovaredao,emboraalgunsartigosouproposies,bemcomocaptulos, tenham sido suprimidos. Poroutrolado,napropostaoriginaldosenadorPauloPaimjhaviaalgumastcnicasde implementao de ao afrmativa, como, por exemplo, o sistema de cotas para negros em instituies de ensino superior (artigos 11 e 23), nos servios pblicos e privados (artigos 20 e 22), em vagas de partidos polticos para candidaturas a cargos eletivos proporcionais (artigo 21), em flmes e progra-mas veiculados pelas emissoras de televiso e em peas publicitrias (artigo 24). Alm disso, j havia tambm a tentativa de reconhecimento e titulao das terras dos remanescentes das comunidades de quilombos (artigos 15 e 16). Todos estes artigos do PL 3.198/2000 receberam novas redaes e/ou foram ampliados para garantir direitos populao negra, assim como para tornar vivel a constitu-cionalidade, a juridicidade e a tcnica legislativa, bem como a adequao fnanceira e oramentria do projeto, garantido desse modo o seu mrito.Como exemplo dessas mudanas amplas, assim como da ampliao de direitos, podemos ci-tar a tentativa de regulamentar o processo de titulao das terras dos remanescentes das comunidades de quilombos, que tinha apenas dois artigos no projeto original, o 15 e o 16, e passou a ter doze no projeto substitutivo do deputado Reginaldo Germano (dos artigos 30 ao 41, constantes do captulo Da Questo da Terra). Essas mudanas melhoraram signifcativamente a proposta de regulamentar a titulao de terras aos remanescentes de quilombos.Melhoriasdeproposiese/oudireitostambmpodemserobservadasnocaptuloVdo projetooriginal,DaProfssionalizaoedo Trabalho,quetinhatrsartigos(17,18e19).Estes basicamente objetivavam alterar as Leis n. 7.716, de 5 de janeiro de 1989,9 e n 9.029, de 13 de abril de 1995,10 assim como proibir a exigncia de fotografa de candidatos a empregos em seus curriculum vitae. No projeto substitutivo do deputado Reginaldo Germano (PFL/BA), o referido captulo pas-sou a ter outro nome: Do Mercado de Trabalho. Tais proposies foram mantidas e outras foram 9 Lei que defne os crimes resultantes de preconceito de raa ou cor.10 Lei que probe a exigncia de atestados de gravidez e esterilizao, entre outras prticas discriminatrias, para efeitos admissionais ou de permanncia da relao jurdica de trabalho, e d outras providncias.16incorporadas, como o inciso III do artigo 42 que trata da necessidade de que o Brasil ratifque e respeite a Conveno n. 111, de 1958, da Organizao Internacional do Trabalho (OIT), que trata da discriminao no emprego e na profsso , e o inciso IV do artigo 42, que aborda a necessidade de que o Pas respeite e implemente as orientaes e os compromissos assumidos enquanto signatrio do documento estabelecido na III Conferncia Mundial contra o Racismo, a Discriminao Racial, a Xenofobia e Intolerncias Correlatas, realizada do dia 31 de agosto a 8 de setembro de 2001 em Durban, na frica do Sul.Houve tambm no citado captulo (Do Mercado de Trabalho) a introduo de dois ou-tros artigos que estabeleciam aes afrmativas, como a contratao preferencial de trabalhadores(as) negros(as) no setor pblico em todos os seus nveis (federal, estadual, distrital e municipal) (artigo 43), assim como um artigo que estabelecia uma cota de 20% para o preenchimento de cargos em comis-so do Grupo-Direo e Assessoramento Superiores (DAS) da administrao pblica federal (artigo 46, inciso II). A propsito das cotas, buscou-se uma melhor redao para o captulo Do Sistema de Cotas, assim como para o captulo Dos Meios de Comunicao, no qual tambm havia propostas de cotas para que negros(as) sejam includos(as) nos flmes, nas peas publicitrias e nos programas veiculados pelas emissoras de televiso.Figuram, ademais, no substitutivo, trs outras mudanas ou novas proposies signifcativas. A primeira foi a introduo de alguns pargrafos no artigo primeiro para defnir: (a) a discriminao racial; (b) as desigualdades raciais; (c) os(as) afro-brasileiros(as); (d) as polticas pblicas; e (e) as aes afrmativas (artigo 1, 1 a 5). A segunda foi a incluso do captulo Do Direito Liberdade de Conscincia e de Crena e ao Livre Exerccio dos Cultos Religiosos, a fm de proteger e tirar da mar-ginalidade a prtica das religies de matrizes africanas (artigos 24 e 25). A terceira mudana proposta pelosubstitutivododeputadoReginaldoGermano(PFL/BA),queconsideramosumavanoem relao ao projeto original do ento deputado Paulo Paim (PT/RS), foi a proposio de um captulo intitulado Do Fundo de Promoo da Igualdade Racial (artigos 26 a 29), que objetivava, de acordo com o artigo 26, fnanciar e implementar polticas pblicas que tenham como objetivo promover a igualdade de oportunidades e a incluso social dos afro-brasileiros em vrias reas, como, por exem-plo, na educao e no emprego.As mudanas ao projeto original propostas pelo substitutivo ampliaram o projeto e o melhora-ram signifcativamente, de forma que at foram endossadas e ratifcadas pelo autor do PL 3.198/2000, o deputado federal Paulo Paim (PT/RS), como se ver a seguir. Entretanto, no se pode esquecer de um detalhe: todas essas modifcaes e ampliaes de direitos propostas populao negra foram apresentadas por um deputado federal baiano do ento PFL, atual Democratas (DEM), partido este que mutilou o Estatuto em sua fase fnal de aprovao.171.3. A segunda verso do Estatuto e sua aprovao no Senado FederalNo fnal do ano de 2002, o deputado federal Paulo Paim foi eleito senador pelo PT do estado do Rio Grande do Sul. Em 1 de fevereiro de 2003, ele investiu-se no cargo de senador da Repblica.Como o substitutivo ao PL 3.198/2000 no andava, ou seja, no tramitava na Cmara dos Deputados, o que o impedia de ir ao plenrio para a votao defnitiva na Casa iniciadora, o j sena-dor Paulo Paim (PT/RS) resolveu apresentar formalmente no Senado Federal uma nova proposta do Estatuto da Igualdade Racial.11 Contudo, a nova proposio assumiu o mesmo texto do substitutivo dodeputadoReginaldoGermanoaoprojetooriginaloutroraapresentadonaCmaradosDeputa-dos. Ou seja, percebendo que o seu projeto havia sido aperfeioado e melhorado com as alteraes da comisso especial durante a tramitao na Cmara dos Deputados, o senador Paulo Paim endossou eratifcoutodasasmudanase/ouinovaesfeitaspelareferidacomisso.Destaforma,osenador Paulo Paim foi coerente com a afrmao feita na justifcativa do projeto: sabemos que esta proposta poder ser questionada e, consequentemente, aperfeioada para que no dia de sua aprovao se torne um forte instrumento de combate ao preconceito racial e favorvel s aes afrmativas em favor dos discriminados.12 Eis que surge, apresentado formalmente ao Senado Federal pelo referido senador, o Projeto de Lei do Senado (PLS) n. 213/03, de 29 de maio de 2003.Entretanto,paraaprov-lonoSenadoFederal,osenadorPauloPaimprecisariademuita habilidade e articulao poltica. Em outros termos, precisava construir apoios de fato e no somente protocolares. E ele o conseguiu, pois o projeto do Estatuto da Igualdade Racial obtm sua aprova-o no Senado Federal em 9 de novembro 2005, encerrando-se a sua trajetria em geral positiva de avanos e apoios importantes nas duas Casas do Congresso Nacional, que abrangeu praticamente um quinqunio (de 7 de junho de 2000 a 9 de novembro de 2005).Entretaisapoiossedestacaramgrandesnomesdapolticanacional,taiscomoRoseana (PFL/MA)eJosSarney13(PMDB/AP)e,especialmentepelaatuao,alideranapolticadose-nadorAntnioCarlosMagalhes(PFL/BA).Ele,juntamentecomosoutrosdoissenadorespela Bahiaquecompunhamseugrupopoltico,CsarBorges(PFL/BA)eRodolphoTourinho(PFL/BA), somou foras com o senador Paulo Paim (PT/RS) para aprovar o Estatuto da Igualdade Racial no Senado em 2005.11 Um dos argumentos do senador Paulo Paim para apresentar no Senado Federal o mesmo projeto que ele j havia apresentado na Cmara dos Deputados era que, segundo ele, a presso nas duas casas do Congresso Nacional poderia propiciar a aprovao do Estatuto da Igualdade Racial. Conforme afrmao do prprio senador Paulo Paim: Quando eu vim para o Senado, eu reapresentei o projeto da Cmara. E foi com essa presso nas duas Casas que ns conseguimos aprovar o Estatuto do Idoso, que tambm foi de nossa autoria. Mais ainda: (...) o Estatuto da Igualdade Racial est tramitando (...) nas duas Casas. Aprovado numa, ele vai para outra, e apensado. S agiliza, no atrasa (cf. Notas Taquigrfcas da Audincia Pblica da Comisso de Assuntos Sociais do Senado Federal sobre o Esta-tuto da Igualdade Racial, realizada em Salvador, 2005: 89 e 97).12 PL n. 3.198/2000, publicado no Dirio da Cmara dos Deputados de 16 de junho de 2000, pgina 32.132. Vide tambm a justi-fcativa do PLS 213/03, de 29 de maio de 2003.13 O senador Jos Sarney (PMDB/AP), antes da apresentao da primeira verso do Estatuto da Igualdade Racial pelo deputado Paulo Paim, em 2000, j havia apresentado o PLS 650/1999, que institui aes afrmativas em prol da populao brasileira afrodescen-dente. Ou seja, o senador Jos Sarney teoricamente j era de posio favorvel temtica das aes afrmativas para os afro-brasileiros.18Para ser aprovado no Senado, o PLS 213/2003 tinha de passar por quatro comisses, na se-guinte ordem: (1) Comisso de Assuntos Econmicos (CAE); (2) Comisso de Educao (CE); (3) Comisso de Assuntos Sociais (CAS); e (4) Comisso de Constituio, Justia e Cidadania (CCJ), cabendo ltima, a mais importante, a deciso terminativa. Ou seja, caso no fosse contestada a deci-so favorvel da ltima comisso, dava-se o projeto como aprovado no Senado, sem precisar passar por votao no plenrio. O caminho seria longo e tortuoso no fossem os apoios vindos principalmente do PFL baiano. Tal apoio j comeara na Cmara dos Deputados, quando o deputado federal Reginaldo Germano (PFL/BA) relatou o projeto favoravelmente e trouxe tona um substitutivo aperfeioado, que Paulo Paim acolheu. O que Paulo Paim consegue j como senador acentuar a simbiose com o PFL baiano para aprovar o Estatuto da Igualdade Racial.Ao que tudo indica, montou-se um plano de aprovao que envolvia trs pontos principais: (1) a assuno das relatorias nas comisses por senadores apoiadores; (2) a acelerao, ao mximo, da passagem do projeto pelas comisses, evitando as tticas protelatrias de senadores avessos ao projeto; e (3) o aproveitamento do fato de que o senador Antnio Carlos Magalhes (ACM) (PFL/BA) era o presidente da comisso fnal, a mais importante: a CCJ. Ao que tudo indica, todos os pontos do plano foram alcanados, visto que as relatorias fcaram com os senadores Csar Borges (PFL/BA) (relator na CAE), Roseana Sarney (PFL/MA) (relatora na CE) e Rodolpho Tourinho (PFL/BA) (relator na CAS e na CCJ). Ademais, corrobora o sucesso do plano de aprovao o fato de que o PLS 213/2003 passouefoiaprovadoportodasascomisses:pelaComissodeAssuntosEconmicos(CAE),na qual recebeu cinco emendas; pela Comisso de Educao (CE), na qual recebeu duas emendas; pela Comisso de Assuntos Sociais (CAS), na qual recebeu cinquenta e uma emendas; e pela Comisso de Constituio, Justia e Cidadania, na qual recebeu um substitutivo, em 9 de novembro de 2005. En-quanto tais senadores eram relatores nas suas referidas comisses, suas atuaes no se limitaram a re-digir os relatrios favorveis, mas incluram a funo de articular juntamente com o sempre presente senador Paulo Paim (PT/RS) os acordos de bastidores e ajustes necessrios para a aprovao clere, evitandomculasspropostascentraisdoEstatuto,taiscomoasaesafrmativasconcretamente estabelecidas em diversas reas e a questo do direito dos remanescentes de quilombos s suas terras.Os relatores buscaram aperfeioar o PLS 213/2003 medida que elaboravam os seus pare-ceres, propondo emendas aditivas, modifcativas, substitutivas e/ou de redao aos artigos existentes, sem prejuzo dos seus contedos ou objetivos. Nenhum dos relatores teve a inteno de no aprovar o projeto. Ao contrrio: o projeto foi bem recebido pelos relatores. Por exemplo: na CAE, o relator Csar Borges (PFL/BA) afrmou que:Em termos econmicos, devemos atentar para dois pontos de relevo. Em primeiro lugar h um aspecto de equalizao de oportunidades e de condies de vida inscrito no Estatuto, na medida em que este prope o resgate da cidadania e a melhoria do padro de vida para os afro-brasileiros, alm de uma busca pela igualdade de opor-19tunidades em geral. Ora, o que se est vislumbrando um ambiente de reduo das desigualdades raciais entre negros e brancos, o que vem a se ancorar em uma proje-o de uma sociedade mais homognea, do ponto de vista econmico, e dotada de um mercado consumidor acrescido de parcelas hoje dele alijadas. Tudo isso sinaliza para uma economia mais pujante e mais consolidada em sua diversidade tnica num futuro prximo. Trata-se assim da possibilidade de um salto qualitativo importante, no qual o enfrentamento do problema da desigualdade racial vem engendrar signi-fcativos avanos sociais (Parecer/CAS n. 1950, 2005: 04).Na CE, o relator ad hoc, senador Jos Jorge (PFL/PE), em sua anlise do projeto, mesmo tendo que tratar de um dos temas mais polmicos do Estatuto, o sistema de cotas no ensino superior, to criticado na poca por vises polticas ideolgicas de direita e de esquerda, reconheceu e reafrmou a discriminao racial contra os negros no Brasil.Em primeiro lugar, cumpre atentar para a oportunidade do projeto sob exame. A desigualdade racial no Brasil evidenciada por todos os dados disponveis. A popu-lao de brasileiros de ascendncia africana tem participao muito aqum de sua signifcao demogrfca no conjunto de postos de trabalho e de estudo. Por outro lado, faz sentir sua presena maior nas estatsticas relativas ao desemprego, baixa renda, excluso escolar, ao desamparo na sade e exposio violncia urbana, de origem criminosa e policial. certo, tambm, que entre ns, tal como em outros pases, a discriminao racial encontra-se na origem de grande parte da desigual-dadequeseverifcahojeentrebrasileirosnegrosebrancos.Noentanto,aquia discriminao no contou com a colaborao ativa e aberta do ordenamento legal, maspersistiueprosperouathojesombradaomissodasleis.(...)Oprojeto, no seu Art. 52, estabelece a cota mnima de 20% (vinte por cento), aplicada s va-gas relativas aos cursos de graduao de todas as instituies de educao superior do territrio nacional e aos contratos do Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior (Fies). As propostas no campo da educao so meritrias. O direito ao acesso educao, a obrigatoriedade de campanhas educativas para in-centivar a solidariedade aos membros da comunidade afro-brasileira, a incluso do quesito raa/cor nos censos de responsabilidade do Ministrio da Educao e a cota mnima de 20% nos contratos do Financiamento ao Estudante do Ensino Superior (Fies) so instrumentos que podem demonstrar efccia no combate discriminao e s desigualdades raciais (Parecer/CE n. 1951, 2005: 02 e 04).NaCAS,orelatordoPLS213/2003,senadorRodolphoTourinho(PFL/BA),apresentou cinquenta e uma emendas aditivas, substitutivas e/ou de redao, como visto alhures. Contudo, o relator no tinha o objetivo de inviabilizar o projeto do senador Paulo Paim (PT/RS). Ao contrrio: buscou aperfeio-lo, apoiando e melhorando as proposies do Estatuto da Igualdade Racial, reconhecendo 20o racismo e a discriminao racial contra os negros no Brasil, assim como utilizando argumentos con-trrios aos que o senador Demstenes Torres utilizaria entre 2009 e 2010 na tentativa de inviabilizar o Estatuto na sua fase fnal de aprovao.14 Conforme o senador Rodolpho Tourinho (PFL/BA):Conquanto o racismo seja dissimulado e no assumido, os dados ofciais mostram com meridiana clareza que os negros encontram-se em evidente desvantagem em quase todos os indicadores sociais. A esse respeito, recorde-se que a desproporcional participaodosafro-brasileirosnoscontingentesdepobreseindigentesdoPas levoupesquisadoresadeclararemque,noBrasil,apobrezatemcor.Acondio de pobre ou indigente e negro, ao mesmo tempo, tem contribudo para reforar o tom dissimulado da discriminao mediante o argumento de que no Brasil no h discriminao contra o negro, mas contra os pobres. As estatsticas ofciais, por si ss, demonstram o carter falacioso desse juzo. Outra forma de dissimulao o ar-gumento de que o racismo no existe porque a cincia j demonstrou no existirem raas puras. Esquecem os que se valem desse raciocnio do fato de que o racismo como prtica social independe do substrato da raa para se impor como discrimina-o contra os afro-brasileiros. Nesse contexto, a maior de todas as virtudes da pro-posio em anlise exatamente postular a superao do racismo mediante a criao demecanismosdedoistipos:osquebuscamreverteracondiodedesvantagem socioeconmicaemqueseencontramosnegroseaquelesquevisamfundaruma novasociabilidade,baseadanaigualdadedetodos,pormeiodoreconhecimento daenormeimportnciadacontribuiodosafro-brasileirosparaanacionalidade (Parecer/CAS n. 1952, 2005: 02 e 03).ValedestacarqueosenadorRodolphoTourinho(PFL/BA)somentefnalizouseuparecer apsrealizar,emSalvador(BA),nodia26desetembrode2005,umaaudinciapblicanasededo grupo Il Aiy, que foi o primeiro grupo afro do Estado da Bahia, fundado em novembro de 1974. Em realidade,estafoianicaaudinciapblicarealizadapeloSenadoFederalparainstruiravotaodo referido projeto antes da sua aprovao em 9 de novembro de 2005, com deciso terminativa da CCJ.15Estiveram presentes na audincia supracitada, que foi presidida pelo senador Rodolpho Tou-rinho (PFL/BA), o senador Paulo Paim (PT/RS) e alguns polticos do Estado da Bahia, como, por exemplo,odeputadoestadualValmirAssuno(PT/BA);osecretriomunicipaldeReparaoda Cidade de Salvador, Gilmar Santiago; e a secretria municipal de Educao, Olvia Santana. Tambm comparecerameparticiparamdadiscussopersonalidadespblicas,comoacantoraecompositora Margareth Menezes e o presidente do Il Aiy, Antnio Carlos dos Santos (Vov), entre outros. Alm 14 Ou seja, depois que o PLS 213/2003 retornou da Cmara dos Deputados, que atuou como Casa revisora, para o Senado Federal, que atuou como Casa iniciadora.15 Em 27 de abril de 2004, o senador Ney Suassuna (PMDB/PB) apresentou o Requerimento n. 24-CAE/2004, solicitando uma audincia pblica com a participao da ento ministra da Secretaria Especial de Polticas de Promoo da Igualdade Racial, Matilde Ribeiro, para discutir o PLS n. 213/2003. Contudo, em 25 de maio de 2004, o mesmo senador apresentou o Requerimento n. 27-CAE/2004, retirando o pedido supracitado.21disso, e talvez o mais importante, vrias organizaes ou entidades dos movimentos negros enviaram representantesquetambmparticiparamdosdebatessobreoEstatutodaIgualdadeRacialnaquela audincia,entreasquaisasentidades:Aganjur,Naaad,Amafro,Ceal,Conen,Moneba,Akibanto, Unegro, Steve Biko, MNU e Ancepra (cf. Notas Taquigrfcas da Audincia Pblica da Comisso de Assuntos Sociais do Senado Federal sobre o Estatuto da Igualdade Racial, 2005: 87, 88 e 103).Na citada audincia pblica, surgiram propostas que foram incorporadas ao relatrio do se-nadorRodolphoTourinho,como,porexemplo,aconsideraodaquestodegnero,objetivando uma igualdade entre homens negros e mulheres negras, uma vez que estas so mais discriminadas do queaquelesemnossasociedade,comoindicampraticamentetodososdadosestatsticosdoIBGE e do IPEA sobre as desigualdades raciais e de gnero. Esta foi uma das propostas apresentadas pela ativista Olvia Santana, ento secretria municipal de Educao do municpio de Salvador. A ativista, propondo contribuies e ao mesmo tempo cobrando-as do senador Paulo Paim, afrmou que no se pode prescindir de ter nele [no Estatuto] um captulo dedicado s mulheres negras (cf. Notas Taqui-grfcas da Audincia Pblica da Comisso de Assuntos Sociais do Senado Federal sobre o Estatuto da Igualdade Racial, 2005: 101). Algo que foi atendido pelo relator do PLS 213/2003 na CAS, ao criar o captulo V (Dos Direitos da Mulher Afro-Brasileira), com quatro artigos (do 35 ao 38) que tratavam de sade, violncia, acesso a crdito, entre outros. Alm disso, o referido senador buscou, em vrios artigos do Estatuto, garantir a proporcionalidade entre homens e mulheres negras, como, por exemplo, no 2 do inciso VII do artigo 5, em cujo texto fez constar que: As iniciativas de que trata o caput deste artigo nortear-se-o pelo respeito proporcionalidade entre homens e mulheres afro-brasileiros, com vistas a garantir a plena participao da mulher afro-brasileira como benefciria deste Estatuto.Aps passar pela CAE, pela CE e pela CAS, o projeto do Estatuto da Igualdade Racial foi para a CCJ (mas agora em carter terminativo), cujo presidente era o senador Antnio Carlos Ma-galhes (PFL/BA). Na CCJ, a sua anlise levou em considerao no somente a tcnica legislativa da proposio, como tambm a constitucionalidade, a juridicidade e o seu mrito. Nesta ltima co-misso, o seu relator novamente foi o senador Rodolpho Tourinho (PFL/BA). Ao contrrio do que ocorreria na segunda fase do processo de aprovao do Estatuto na ocasio do retorno do projeto da Cmara dos Deputados para o Senado Federal, em 9 de novembro de 2009, quando o seu relator veio a ser o senador Demstenes Torres (DEM/GO) , no houve forte resistncia ao projeto do senador Paulo Paim (PT/RS). Ao contrrio: ele foi recebido com respeito e considerao. Segundo afrmao do senador Rodolpho Tourinho (PFL/BA), relator do Estatuto na CCJ:OprojetodosenadorPaimtentaresgatartodoumpassadodeopressoprofun-damentedesigualadordacomunidadeafro-brasileira,quedeitarazesatnossos dias, no s em formas mal disfaradas de preconceito (boa aparncia, entrada de servio), mas na feio de irregularidades e escabrosas diferenas estatisticamente apuradas, ano aps ano, pelo IBGE, no acesso desses segmentos aos bens de cul-22tura,decivilizao,deconforto,aobem-estarsocial,numapalavra,cidadania. Quando, sem propor medidas paliativas, o projeto se volta convocao das insti-tuies pblicas e do Estado para um esforo nacional de discriminao positiva em relao aos afrodescendentes, est-se, inequivocamente, remetendo as conscincias para nossa maior dvida social, aquela gerada por uma abolio irresponsvel, mera-mente formal e inteiramente descomprometida com o futuro dos libertos; to omis-sa a ponto de conter a Lei urea (Lei n. 13.353, de 13 de maio de 1888) somente 2 artigos, contando-se a clusula revocatria (Parecer/CCJ n. 1953, 2005: 04).Com esse entendimento, o senador Rodolpho Tourinho (PFL/BA), relator do Estatuto na CCJ, buscou melhor-lo ainda mais. Neste sentido, a fm de se aprovar a ideia de um Estatuto anti-discriminao racial, o relator props-lhe um substitutivo, que no tinha como fnalidade mudar os seus objetivos, mas sim aperfeioar a sua redao e corrigir algumas inconstitucionalidades formais, que no foram corrigidas em outras comisses. O substitutivo foi aceito e aprovado na CCJ, em car-ter terminativo, em 9 de novembro de 2005, mas com prazo regimental (art. 91, 3, do Regimento Interno do Senado Federal) de 18 a 24 de novembro de 2005, para interposio de recurso no sentido da apreciao da matria pelo plenrio. Como no foi apresentado recurso no prazo, o projeto foi dado como aprovado e encaminhado para reviso da Cmara dos Deputados em 25 de novembro de 2005.Destaforma,asmudanasfeitasnotextodoEstatutodaIgualdadeRacialaolongodasua tramitao pelas comisses do Senado Federal passando de 67 artigos, quando da sua protocolizao inicial nesta Casa do Congresso Nacional, para 85 artigos, aps a sua aprovao em 9 de novembro de 2005 deveram-se mais s razes de aperfeioamento e no tocante tcnica legislativa, assim como de adequao fnanceira e oramentria, que em ltima instncia serviam para garantir a sua constituciona-lidade e juridicidade, visto que nesta fase, entre 29 de maio de 2003 e 9 de novembro de 2005, o mrito do projeto no foi questionado, pelo menos explcita ou abertamente, nas comisses por onde tramitou.Da maneira como foi descrito at agora, at parece que o processo de aprovao do Estatuto daIgualdadeRacialnoSenadoFederal,emnovembrode2005,foitranquiloesemdiscordncias. Porm, no foi bem assim, pois havia parlamentares oposicionistas contrrios ao Estatuto, como o senadorDemstenesTorres(PFL/GO),ealgunssenadoresdaprpriabasedogovernoqueeram crticosaoprojeto,comoosenadorAlmeidaLima(PMDB/SE).Contudo,eles,entreoutros,no tiveram flego e at mesmo coragem para contrariar o senador Antnio Carlos Magalhes (PFL/BA).232. A conjuntura sociopoltica durante o primeiro quinqunioNo incio da dcada de 2000, como at hoje, havia toda uma presso contra uma das principaispropostascontidasnoEstatuto:osistemadecotas.Sistemaesteque algumas universidades pblicas estaduais e federais j haviam implantado. A Universidade de Bra-slia (UnB), por exemplo, o aprovou em junho de 2003 e o implantou concretamente a partir do segundo semestre de 2004. Em realidade, a conjuntura sociopoltica no era favorvel ao sistema de cotas e, consequentemente, tambm era desfavorvel ao Estatuto da Igualdade Racial. A im-prensa escrita e televisiva posicionou-se explicitamente contra o sistema de cotas e o bombardeou constantemente durante toda a dcada de 2000. Por exemplo: o jornal O Globo, no editorial do dia 24 de agosto de 2001, manifestou-se contra uma poltica que assegurasse o ingresso dos negros nas universidadespormeiodecotas,que,segundoojornal,representavamumavantagemartifcial. Conforme o jornal O Globo:Quantooutratese,nofcilencontrarquemneguecomunidadenegrao direito compensao pelas injustias. Por outro lado, no ponto pacfco que essareparaodevaserfeita,comodefendemmuitosmilitantes,porvantagens artifciais, como um sistema de quotas no mercado de trabalho e na universidade. Garantir o carter universal do direito educao e a habilitao para o mercado de trabalho so caminhos custosos e complicados; por outro lado, eliminar def-cincias ser mais justo e efcaz do que fngir que elas no existem (O Globo, 24 de agosto de 2001:06).OjornalFolhadeS.Paulo,outroimportantemeiodecomunicaoimpressadoPas,pu-blicouvrioseditoriaisposicionando-secontraosistemadecotasparaosnegrosingressaremnas universidadespblicasbrasileiras(cf.Martins,2005e2004;Santos,2007).Segundoestejornal,a implementao de cotas para negros implicaria reparar uma injustia com a criao de outra.24O governo brasileiro, por exemplo, leva a Durban a proposta de criar cotas para ne-gros e seus descendentes nas universidades pblicas. Esta Folha se ope ao sistema de cotas. Isso no signifca, entretanto, que todo tipo de ao afrmativa, de discri-minaopositiva,devaserdescartada.Aideiadeinstituircursospr-vestibulares dirigidos a negros, por exemplo, parece oportuna. (...) O Brasil precisa sem dvida envidaresforosparapromoveraintegraoracial.Aesafrmativasdevemser consideradas e implementadas. O limite deve ser o da justia. Admitir que se deve reparar uma injustia com a criao de outra, uma variao de os fns justifcam os meios, um argumento flosofcamente tbio e historicamente complicado (Folha de S. Paulo, 30 de agosto de 2001: A2, grifo nosso).Por outro lado, apostando numa suposta sensibilidade e apoio do governo Lula s demandas dos movimentos sociais, este mesmo jornal, antes mesmo que o vitorioso na eleio presidencial de 2002, Luiz Incio Lula da Silva, tomasse posse como presidente da Repblica, reforava a sua posio contrria s aes afrmativas para negros, procurando infuenciar a sociedade e o novo governo que iria comear em janeiro de 2003. Assim, um ano aps o editorial citado, o jornal Folha de S. Paulo publica outro editorial se posicionando abertamente contra o sistema de cotas e tentando pressionar o futuro governo Lula a no apoi-lo, como se pode ver no editorial de 11 de novembro de 2002:O racismo , sem dvida, uma das graves mazelas que atingem o mundo. E o ra-cismocordialbrasileironoumaexceo.Aocontrrioat,eleconspirapara esconder o problema e, dessa forma, eterniz-lo. mais do que louvvel, portanto, o desejo do PT de instituir mecanismos efetivos de combate ao racismo. Mas a pro-posta de criar cotas para estudantes negros nas universidades pblicas, em que pese suajusteza,apresentatantasdifculdadesconceituaiseprticasqueobomsenso recomendaria reconsider-la. (...) Esta Folha contrria poltica de cotas. Para alm dos problemas operacionais que cria, ela tem como pressuposto a noo equi-vocadadequesecombateumainjustiacriandooutra(FolhadeS.Paulo,11de novembro de 2002, grifo nosso).Pode-se supor que os editoriais citados anteriormente so antigos e basicamente contra o sis-tema de cotas, mas no necessariamente contra o Estatuto da Igualdade Racial. Pensamos o contrrio, ou seja, eram tambm contra o Estatuto, como se ver a seguir num editorial recente, que citaremos na ntegra, ou seja, completo, pois nele fca explcito que o ataque era contra a proposta de polticas antidiscriminatrias que obrigassem o Estado brasileiro a sair de uma posio de no ter poltica para uma posio de ter poltica contra a discriminao e as desigualdades raciais, como propunha o Esta-tuto da Igualdade Racial. Segundo o jornal Folha de S. Paulo de 14 de setembro de 2009:25O ESTATUTO DA RAACmara aprova lei de igualdade com vrios dos defeitos elimi-nados, mas ameaa racialista resiste em projeto no SenadoO ESTATUTO daIgualdadeRacialterminouaprovadonaCma-ra esvaziado do contedo controverso da proposta original do senador Paulo Paim (PT-RS). Caram as reservas de um nmero de vagas, em programas de TV e instituies pblicas de ensino superior, para pessoas que declarem ter pele preta ou parda. Sobreviveu a cota de 10% nas vagas para candidaturas legislativas. Em vez de cotas, o Estatuto prev a possibilidade de um incentivo fscal para empresas que contratem no mnimo 20% de pessoas que considera negras. O projeto ainda necessita daaprovaodoSenado.ExisteaexpectativadequeopresidenteLulaosancioneem 20 de novembro, Dia da Conscincia Negra. Com razo, muitos brasileiros repudiam o critrio racial que carece de fundamento cientfco como base para a discriminao positiva, concebida para corrigir desigualdades fagrantes na sociedade nacional. Cidados que, nas pesquisas populacionais do IBGE, declaram preta ou parda a sua pele constituem frao desproporcional do contingente de pobres. Muitos fcam sem acesso aos meios de ascenso propiciados pela educao universitria. Consagrar em lei o equvoco da divi-sodasociedadeemraas,contudo,nemporissosetornasoluoaceitvel,luz do imperativo constitucional da igualdade entre os cidados. A motivao original do Estatuto se reapresenta em outro projeto de lei, oriundo da Cmara. Foi aprovado pelos deputadoscomumareservade50%dasvagasemfaculdadesfederaiseestaduaispara alunos egressos das redes pblicas de ensino. Com a ressalva da parcela exagerada da re-serva metade, em todo o pas , trata-se aqui de medida aceitvel, pois benefcia todos, sem distino de cor de pele, num estrato em que prevalecem jovens de menor renda. Apesar disso, o projeto torna obrigatria tambm uma subcota nesse contingente, para alunos considerados negros e ndios, na proporo de sua representao populacional no Estado onde funcionar a instituio. Da Cmara o projeto seguiu ao Senado. Na Comisso de Constituio e Justia, a relatora, Serys Slhessarenko (PT-MT), j votou por manter o texto da Cmara. O opositor Demstenes Torres (DEM-GO), porm, apresentou substituti-vo eliminando o critrio racial e reduzindo a reserva para estudantes de escolas pblicas de 50% a 30% das vagas e s nas instituies federais. Sua proposta tambm limita as cotas ao prazo de 12 anos. A adoo do critrio social a medida mais razovel para corrigiradistorodeclassesnoacessoaoensinosuperiorpblico.AUSPapostou nessa via refutando a absoro de qualquer vis racial em seu vestibular e colhe resul-tados promissores. A fatia de calouros egressos de escolas pblicas atingiu 30% neste ano, contra 26% em 2008. No curso de medicina, no qual a aprovao das mais difceis, essa proporo saltou de 10% para 38%, de um ano para o outro. Est a, sem dvida, um bom exemplo a ser seguido (Folha de S. Paulo, 14 de setembro de 2009, grifo nosso).26Ao se ler o editorial, percebe-se nitidamente que ele contra o Estatuto da Igualdade Racial. Alis, Estatuto que o jornal Folha de S. Paulo denomina de estatuto da raa, como se pode observar no ttulo do seu editorial. Na pequena ementa do editorial h uma chamada dizendo que a Cmara dos Deputados aprovou uma lei de igualdade, e no o Estatuto da Igualdade Racial, como proposto pelo autor do projeto. Na mesma ementa, o jornal adverte ainda: (...) mas ameaa racialista resiste. E qual seria essa ameaa seno o prprio Estatuto? Visto que, segundo a opinio da Folha, a proposta do senador Paulo Paim (PT/RS) consagra em lei o equvoco da diviso da sociedade em raas, ou seja, racializa a sociedade brasileira, como se esta j no fosse racializada.Valedestacarigualmentequeoeditorial,comooseditoriaisantigosdomesmojornal,faz duras crticas s propostas de aes afrmativas para a populao negra, especifcamente contra o siste-ma de cotas, proposta esta que seria um dos pilares centrais de sustentao do Estatuto da Igualdade Racial. Portanto, atacar as aes afrmativas para os negros e/ou o sistema de cotas, assim como ser contra o Estatuto da Igualdade Racial, faz parte de um mesmo objetivo, inteno, proposta ou estra-tgia de dominao sociorracial. Sendo assim, no difcil perceber que a posio dos jornais Folha de S. Paulo e O Globo, entre outros jornais da grande imprensa escrita, assim como jornais televisivos da TV Globo e de outras grandes redes de televiso, no mudou em nada com relao ao Estatuto da Igualdade Racial, quando se comparam os editoriais ou as matrias desses peridicos publicados no incio da dcada de 2000 com os publicados no fm da mesma dcada. Basta ver a data de publicao 14 de setembro de 2009 do editorial do jornal Folha de S. Paulo contra o substitutivo do Estatuto, que foi aprovado no dia 9 de setembro de 2009 na Cmara dos Deputados.16Naquela poca, como hoje, havia toda uma presso contra as polticas de aes afrmativas para a populao negra. Polticas estas que eram um dos objetivos centrais do Estatuto da Igualdade Racial. Consequentemente, havia e h, at a presente data, posies conservadoras contra o Estatuto. Por exemplo: em entrevista que nos concedeu em 9 de fevereiro de 2011, o ex-ministro da Secretaria Especial de Polticas de Promoo da Igualdade Racial (Seppir), Eli Ferreira de Arajo, afrmou que osenadorDemstenesTorres(DEM/GO)noqueriacolocaroprojetodoEstatutodaIgualdade RacialemvotaonaCCJ.Paraoprojetoirvotao,foinecessriamuitaarticulaopolticado senador Paulo Paim (PT/RS), alm de muita presso junto quele senador, assim como a ajuda do presidente do Senado Federal, Jos Sarney, para convencer o relator do projeto supracitado a coloc-lo em votao em 16 de junho de 2010 (cf. Arajo, 2011).16ComrelaoscrticaseaosposicionamentosmanifestosoulatentesdamdiatelevisivacontraoEstatutodaIgualdadeRa-cialoucontraosistemadecotas,vejaalgumasreportagensdoJornalNacional,taiscomo:CmaraaprovaEstatutodaIgualdade Racial,daediode09/09/2009(disponvelem:); Estatutopodecriarcotasparanegrosnasociedade,da edio de19/05/2009(disponvelem:); Deputados debatem sobre Estatuto de Igualdade Racial, daediode13/05/2009(disponvelem:);Flagrantederacismocontramulato,daedio de18/12/2008(disponvelem:);eAmemriadaabolio noBrasil,daediode13/05/2006(disponvelem:).27Contudo, surge aqui uma curiosidade. Como foi possvel aprovar o projeto do Estatuto da Igualdade Racial em 9 de novembro de 2005 no Senado Federal, numa conjuntura cultural e socio-poltica adversa a ele? A questo fca mais intrigante ainda quando se leva em considerao que os relatores desse projeto, em todas as comisses por onde ele tramitou, pertenciam ao Partido da Frente Liberal (PFL), atual partido Democratas (DEM). Vale lembrar que o referido partido poltico no somente apoiou a ditadura militar, como historicamente tem posies conservadoras e/ou retrgradas no que diz respeito a avanos sociopolticos no Brasil. Por exemplo: foi este partido que, em setembro de 2009,17 entrou com a Arguio de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) n. 186 no STF, questionando o sistema de cotas para estudantes negros e indgenas no vestibular da Universi-dade de Braslia (UnB). E mais: o senador Demstenes Torres (DEM-GO), um dos parlamentares que mais se ops aprovao do Estatuto da Igualdade Racial em sua fase fnal (entre 3 de novembro de 2009 e 16 de outubro de 2010), j era membro titular da CCJ naquele perodo.A resposta no simples e no poder ser respondida com profundidade e/ou anlises pre-cisas neste momento. Ou seja, para responder por que os senadores do PFL apoiaram a aprovao do Estatuto da Igualdade Racial naquele perodo, precisaramos realizar mais pesquisas. Todavia, levan-tamos a hiptese de que o senador Antnio Carlos Magalhes (ACM) parlamentar extremamente infuente na poca e, por conseguinte, com forte poder de infuncia nas decises de seu partido, o PFL concordava com a proposta do senador Paulo Paim e a apoiou de direito e de fato e, ao que parece, incondicionalmente.18 Embora tenhamos encontrado poucos indcios que possam sustentar a nossa hiptese, eles so to fortes em nosso entendimento que no podem ser descartados. Um deles, por exemplo, pode ser verifcado por meio da prpria posio do senador ACM, tornada pblica na reunio da CCJ que aprovou o Estatuto no Senado Federal em sua primeira passagem por aquela Casa em 2005. Segundo o senador ACM:Este um estatuto que fao questo de votar e falar. Ningum mais do que eu tem a intimidade com os afrodescendentes da Bahia. No sem razo que sou presidente de honra dos Filhos de Gandhi, da porque fco muito feliz em votar essa proposio que o relator, senador Rodolpho Tourinho, fez um grande esforo, inclusive levou o autor, senador Paim, Bahia, que tem sido um batalhador incansvel nessa luta pela igualdade racial e que culmina hoje com esse estatuto. uma vitria do Sena-do, e vou tomar os votos exclusivamente por uma questo, eu diria, de formalidade. Porque, na realidade, vou contar todos os presentes como votando sim [palmas] (CCJ/SubsecretariadeTaquigrafa/ServiosdeComisses/ExcertodeNotasTa-quigrfcas, 09/11/2005, s/n).17 Deve-se lembrar que o ano de 2009 viveu um dos momentos de auge dos debates sobre o Estatuto da Igualdade Racial, assim como o ms de setembro foi o ms em que o Estatuto foi aprovado na Cmara dos Deputados.18No se deve esquecer que, ao voltar para o Senado Federal, em 1 de fevereiro de 2003, o senador Antnio Carlos Magalhes (PFL/BA) suspendeu a suposta trgua poltica que havia dado ao governo Lula e passou a fazer uma oposio dura e at intransigente contra esse governo e seus apoiadores. Contudo, no o fez contra o projeto do Estatuto da Igualdade Racial, de autoria do senador Paulo Paim (PT/RS).28Todos os relatores do projeto do Estatuto nas comisses do Senado eram no somente do seu partido, mas pertenciam ou eram muito prximos ao seu grupo poltico no Congresso Nacional e praticamente no desobedeciam s suas orientaes polticas. Portanto, levantamos a hiptese de que o Estatuto da Igualdade Racial foi aprovado no Senado Federal19 porque teve o apoio imprescindvel do senador Antnio Carlos Magalhes (PFL/BA). Alis, pode-se verifcar na citao anterior que o senador Antnio Carlos Magalhes (PFL/BA) praticamente decide por todos os senadores presentes a aprovao do Estatuto na CCJ, quando afrma que: (...) e vou tomar os votos exclusivamente por uma questo, eu diria, de formalidade. Por-que, na realidade, vou contar todos os presentes como votando sim [grifo nosso]. Ou seja, o senador ACMnodeuespaoparanenhumdospresentespodervotarno.Conformealistadevotao nominal desse projeto na CCJ, nenhum dos senadores presentes votou contrrio a ele. Mais ainda: ao que tudo indica, o senador Demstenes Torres (PFL/DEM), que era titular na referida comisso, no estava presente na hora da votao, assim como o prprio autor do projeto do Estatuto, o senador Paulo Paim (PT/RS). Mas este ltimo no pde participar por motivo de problema de sade em algum de sua famlia, conforme informou o presidente da CCJ, Antnio Carlos Magalhes (PFL/BA).Outro forte indcio do apoio imprescindvel do senador ACM ao projeto supracitado pode ser observado em uma manifestao do senador Paulo Paim (PT/RS) no Plenrio do Senado Federal, em 9 de dezembro de 2009, quando este senador mostrou-se contrariado e indignado com a posio do senador Demstenes Torres (DEM/GO), ento relator do projeto do Estatuto da Igualdade Ra-cial na CCJ. O senador Demstenes Torres queria, e depois conseguiu, fazer mais cortes no projeto depoisqueestevoltoudaCasarevisora,aCmaradosDeputados,paraoSenadoFederal,aCasa iniciadora. Nessa manifestao, o senador Paulo Paim afrmou que o Estatuto tinha sido aprovado no Senado Federal, em novembro de 2005, com o apoio dos senadores ACM, Csar Borges, Rodol-pho Tourinho e Roseana Sarney. Na ocasio, o senador Paulo Paim declarou que o senador ACM, que era presidente da CCJ naquela poca, tinha ajudado muito na aprovao do projeto. Todos estes senadores do ento PFL eram muito prximos e/ou pertenciam ao grupo do senador ACM, como j afrmamos antes. Segundo o prprio senador Paulo Paim:Euquerianessacomunicaodecincominutos,SenhorPresidente,dardoisin-formes e comentar um projeto. Primeiro dizer que eu estou lamentando muito que oacordofeitonaCmaradosDeputadosemrelaoaocombateatodotipode preconceito,oEstatutodaIgualdadeRacial[estsendoquebrado].Hmaisde12 anoseuestoutrabalhandoparaqueesteEstatutosejaaprovado.12anos,Senhor Presidente! O Senado o aprovou por unanimidade. Ele vai para a Cmara e ali ento foramapontadospontosqueerampolmicos.Todosospontospolmicosforam retirados. Eu, a partir daquele acordo feito na Cmara, com todos os partidos, eu tinha o entendimento que o Plenrio do Senado iria votar a matria com a maior 19 Naquela poca, o Senado Federal era presidido por Jos Sarney (PMDB/AP), que tambm era muito prximo ao senador ACM.29tranquilidade. Senador Csar Borges, Vossa Excelncia foi um dos relatores do pro-jeto que chegou l na Cmara. Vossa Excelncia, o senador Rodolpho Tourinho; osenadorAntnioCarlosMagalhesnosajudoumuitonaaprovaodaquele projeto; a senadora Roseana Sarney. Todos trabalharam muito Senhor Presidente! O projeto foi para a Cmara e diria com uma redao avanada para o momento da vida brasileira. A Cmara entendeu que tinha que retirar os pontos polmicos e re-tirou os quatro pontos principais. Assim mesmo, entendendo a correlao de foras na Cmara, eu disse: bom, vamos aprovar o que veio da Cmara. Me surpreendeu a partir do momento em que fquei sabendo de que mesmo aquilo que veio da C-mara, que um retrocesso quilo que o Senado aprovou h anos atrs, na CCJ no poderia ser votado porque o relator entende que tem de ser alterado. Olha, lamento muito que ns estejamos ainda debatendo um Estatuto para combater preconceitos e que no conseguimos ainda aprov-lo de forma defnitiva [grifo nosso]. (Dispon-velem:.Acessadoem6de janeiro de 2011).O discurso do senador Paulo Paim esclarecedor sobre o apoio de alguns senadores do PFL para a aprovao do Estatuto no Senado Federal, demonstrando que a nossa hiptese pertinente. Verifca-se tambm que o senador Paulo Paim (PT/RS) cita somente parlamentares do antigo PFL, atual DEM. No citou nenhum outro parlamentar que o tivesse apoiado, nem mesmo do seu prprio partido, o Partido dos Trabalhadores (PT), ou qualquer outro da base aliada do governo Lula.Mais dois fatos devem ser destacados. Primeiro, que a indignao do senador Paulo Paim se deve tambm pela quebra de um acordo feito com o partido Democratas e ratifcado pelo deputado Onyx Lorenzoni, uma das lideranas do DEM, na ocasio da aprovao do Estatuto da Igualdade Racial, em 9 de setembro de 2009, na Comisso Especial da Cmara dos Deputados. Segundo o de-putado federal Onyx Lorenzoni (DEM/RS):(...) Eu encerro dizendo que os Democratas, guiados pelo trabalho que volto a enfa-tizar, extraordinrio, do deputado Antnio Roberto, inspirados pelo nosso ministro Edson Santos, que soube construir o entendimento. Ns vamos votar, sim, aqui. Ns vamos votar, sim, l no Senado. Ns no vamos apresentar recurso ao plenrio. Esta palavra foi dada ao sr. ministro e ela ser honrada. E os Democratas a partir de hoje tambmapoiamedefendemoEstatuto,quevamosaprovarnumahomenagem extraordinria importncia no passado e no presente, e ser ainda maior, da comu-nidadenegranoBrasil.(Disponvelem:. Acessado em: 06/10/2011; grifo nosso).30Emsegundolugar,osenadorPauloPaim(PT/RS)afrmaqueoprojetoqueretornouda Cmara para o Senado seria um retrocesso, comparado com o que o Senado Federal havia aprovado antes, em novembro de 2005. Ele atribui isso correlao de foras desvantajosa para aprov-lo. O curioso que, na Cmara dos Deputados, o governo Lula, que supostamente apoiava o projeto do senador Paulo Paim (PT/RS), tinha maioria, ao contrrio do que ocorria no Senado Federal naquela poca. Ou seja, teoricamente, na Cmara dos Deputados, o projeto do Estatuto da Igualdade Racial teria mais chances de ser aprovado de acordo com os interesses e objetivos do senador Paulo Paim (PT/RS) do que no Senado Federal. No entanto, mesmo tendo maioria na Cmara, o governo ce-deu para que ocorressem mudanas profundas no Estatuto. Por outro lado, mesmo o governo tendo minoria no Senado, em sua primeira fase de tramitao, o projeto avanou e garantiu e/ou ampliou direitos populao negra com o apoio imprescindvel do senador Antnio Carlos Magalhes (PFL/BA), embora este fzesse dura oposio ao governo Lula.No se pode esquecer tambm que o senador Demstenes Torres (DEM/GO), ferrenho opo-sitor do Estatuto, j era membro titular da CCJ naquela poca. Comisso esta que era presidida pelo ento senador Antnio Carlos Magalhes (PFL/BA). Contudo, o primeiro no se manifestava explici-tamente contra o projeto do Estatuto da Igualdade Racial. Mais ainda: ele no era intransigente contra o projeto como o foi nos ltimos dois anos de tramitao do Estatuto, aps a morte do senador ACM.Por tudo isso, sustentamos a hiptese de que, sem a infuncia do grupo poltico capitaneado pelo senador Antnio Carlos Magalhes (PFL/BA), o projeto do Estatuto provavelmente no teria sido aprovado na primeira passagem pelo Senado Federal com um texto abrangente e teoricamente avanado. Alm disso, pensamos que, com certeza, havia senadores do ento PFL, e mesmo alguns da base do governo, que eram contrrios ao Estatuto. S que tais senadores foram inicialmente inti-midados em suas crticas ao Estatuto devido infuncia que ACM tinha na poca.Por outro lado, deve-se notar, outrossim, que este papel atuante de parte20 da oposio pr--Estatuto colide com a postura tmida do prprio governo Lula no sentido de mobilizar a mquina poltica governista para aprovar um projeto que, alm de ser de um senador respeitado e infuente do PT, correspondia teoricamente aos propsitos polticos do governo tal como estabelecidos na criao daSecretariaEspecialdePolticasdePromoodaIgualdadeRacial(Seppir)e,pararesumir,na Primeira Conferncia Nacional de Polticas de Promoo da Igualdade Racial (Conapir), convoca-da pelo presidente Lula para o ano de 2005, como se ver a seguir. Cotejada a postura dos senadores pefelistas baianos com a dos senadores petistas, excetuando o prprio autor do projeto, o senador pe-tista Paulo Paim, no insensato dizer que os primeiros foram decisivos naquela poca e os segundos foram tmidos, trazendo um apoio em geral protocolar.Ademais, h outros fatores que, associados nossa hiptese, tambm podem ter contribu-do signifcativamente para a aprovao do Estatuto no Senado Federal em 9 de novembro de 2005, especialmenteaconjunturasociopolticaforjadapelaaodosmovimentosnegros.Primeiro,no 20 Especialmente de uma parte do PFL, o grupo do senador Antnio Carlos Magalhes (PFL/BA).31devemos esquecer a conjuntura internacional e nacional no que diz respeito luta por igualdade ra-cial. Em 2001, foi realizada a III Conferncia Mundial contra o Racismo, a Discriminao Racial, a Xenofobia e Intolerncias Correlatas, realizada de 31 de agosto a 8 de setembro de 2001, na cidade sul-africana de Durban. O Brasil no somente assinou o documento fnal da conferncia como parti-cipou como protagonista, visto que, entre outros fatores, conseguiu a relatoria da referida conferncia por meio da eleio da ativista Edna Roland, fundadora e militante da ONG de cunho racial Fala Preta! Organizao de Mulheres Negras. O programa de ao da citada conferncia incentivava queosEstadoselaborassemeimplementassempolticaspblicasdepromoodaigualdaderacial, como, por exemplo, aes afrmativas. Segundo tal programa:ReconhecendoanecessidadeurgentedesetraduzirosobjetivosdaDeclara-oemumProgramadeAoprticoerealizvel,aConfernciaMundialcon-traoRacismo,aDiscriminaoRacial,aXenofobiaeIntolernciasCorrelatas: 99. Reconhece que o combate ao racismo, discriminao racial, xenofobia e s in-tolerncias correlatas responsabilidade primordial dos Estados. Portanto, incentiva que os Estados desenvolvam e elaborem planos de ao nacionais para promover a diversidade, a igualdade, a equidade, a justia social, a igualdade de oportuni-dades e a participao para todos. Por intermdio, entre outras coisas, de aes e de estratgias afrmativas ou positivas, estes planos devem visar criao de con-dies necessrias para a participao efetiva de todos nas tomadas de deciso e o exerccio dos direitos civis, culturais, econmicos, polticos e sociais em todas as esfe-ras da vida com base na no discriminao. A Conferncia Mundial incentiva que os Estados desenvolvam e elaborem os planos de ao para que estabeleam e reforcem o dilogo com organizaes no governamentais para que elas sejam intimamente envolvidas na formulao, implementao e avaliao de polticas e de programas; 100.InstaqueosEstadosestabeleam,combaseeminformaesestatsticas, programasnacionais,inclusiveprogramasdeaesafrmativasoumedidasde aopositivas,parapromoveroacessodegruposdeindivduosquesooupo-dem vir a ser vtimas de discriminao racial nos servios bsicos, incluindo os de educao fundamental, ateno primria sade e moradia adequada; (IIICMCR-DRXIC apud Santos, 2007).Nacionalmente,aslutaseaspressesinternasdosmovimentossociaisnegrosbrasileiros por igualdade racial e fm do racismo, associadas conjuntura internacional de luta contra o racismo manifestada na conferncia, fortaleceram no Brasil as discusses sobre a necessidade de implementar aes afrmativas para que os negros tenham acesso preferencial ao ensino superior pblico. Assim, a questo racial foi includa nas agendas e propostas de vrios candidatos a presidente da Repblica em 2002 (cf. Santos, 2007).32O presidente eleito na poca, Luiz Incio Lula da Silva, aps investir-se no cargo de presi-dente da Repblica brasileira, criou, em 21 de maro de 2003, a Secretaria Especial de Polticas de Promoo da Igualdade Racial (Seppir), que, sem dvida, passou a ser uma referncia. A Seppir tam-bm passou a incluir na agenda nacional no somente a discusso da questo racial, mas tambm se props a construir, planejar, sugerir e implementar polticas de promoo da igualdade racial e, entre as quais, aes afrmativas.Alm do mais, em face das lutas dos movimentos negros, ofcialmente o discurso em defesa de uma suposta democracia racial real no Brasil j no se fazia presente nas falas do presidente da Repblica como alguns anos atrs. Por exemplo, no discurso de instalao da Seppir, em 21 de maro de 2003, o presidente Lula ratifcou ofcialmente o que o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) j havia explicitado como chefe do Estado brasileiro:21 que o Brasil um pas racista. Assim, o presidente Lula tambm reconheceu ofcialmente que havia discriminaes raciais contra os negros no Brasil.Desse modo, o presidente Luiz Incio Lula da Silva deu continuidade ao rompimento com o antigo discurso ofcial de que o Brasil uma democracia racial. E, sob presso dos Movimentos Sociais Negros, o presidente Lula no somente criou a Secretaria Especial de Polticas de Promoo da Igualdade Racial (Seppir). Ele tambm enviou ao Congresso Nacional o Projeto de Lei n. 3.627, de 20 de maio de 2004, que institui Sistema Especial de Reserva de Vagas para estudantes egressos de escolas pblicas, em especial negros e indgenas, nas instituies pblicas federais de educao superior e d outras provi-dncias. Em ato contnuo, por meio de um Decreto s/n. de 23 de julho de 2004, publicado no DOU de 26 de julho de 2004, o presidente Lula convocou a Primeira Conferncia Nacional de Polticas de Promoo da Igualdade Racial (Conapir), cujo tema foi Estado e Sociedade Promovendo a Igualdade Racial, realizada de 30 de junho a 2 de julho de 2005, sob a coordenao da Secretaria Especial de Polti-cas de Promoo da Igualdade Racial (Seppir) e do Conselho Nacional de Promoo da Igualdade Racial (CNPIR), conforme o artigo 1 do citado decreto. Tal conferncia tinha como objetivo, segundo o artigo 2 da referida norma, a construo do Plano Nacional de Polticas de Promoo da Igualdade Racial.Participaram da citada Conapir aproximadamente duas mil pessoas, entre autoridades p-blicas, convidados, representantes da sociedade civil e delegados eleitos nos vrios estados brasileiros. Estesltimos,aofmdaconferncia,entreoutrascoisas,deliberaramporumamoodeapoioao Estatuto da Igualdade Racial.Nosepodeesquecerque,antesdareferidaconferncia,aconteceramaspr-conferncias municipais,estaduaiseadistrital,paraaescolhadosdelegadosqueparticipariamdoencontrona-cional.Portanto,houvediscussesprviasnosmunicpioseestadossobretemasquedeveriamser debatidos na 1 Conapir, entre os quais a aprovao do Estatuto da Igualdade Racial, que uma das propostas que consta no seu relatrio fnal. Mais ainda, deve-se destacar que, logo na abertura da 1 Conapir, no dia 30 de junho de 2005, a cantora e compositora Leci Brando, uma das representantes 21Em julho de 1996, no Seminrio Internacional Multiculturalismo e Racismo: o papel da ao afrmativa nos Estados democrticos contem-porneos (Cardoso, 1997:14-16).33do CNPIR, defendeu a aprovao do Estatuto da Igualdade Racial no Senado Federal, enfatizando a necessidade de que ele contasse com um Fundo Nacional de Promoo da Igualdade Racial, algo que pode ser observado na citao a seguir.OprocessodemocrticodeconstruodaIConapirenvolveugovernosestaduais e municipais; os poderes legislativo e judicirio; instituies pblicas e privadas; e a sociedade civil. Participaram desse movimento mais de 90 mil pessoas, por meio das 26 conferncias estaduais e da conferncia do Distrito Federal, precedidas de etapas municipais e/ou regionais que mobilizaram 1.332 municpios, cerca de 25% da totalidade de municpios brasileiros (...). Essa Conferncia tambm foi fruto do processo de luta de diversos segmentos do movimento social negro. A participao tantodepessoaseinstituiesquealiamsuahistriadereivindicao,derespeito e busca pela igualdade atual poltica governamental quanto daquelas que a ela se contrapem revela a amplitude do controle social. Nesse contexto, as posies diver-gentes que demarcam o debate plural e democrtico impulsionaram a capacidade da sociedade civil de estabelecer alianas em torno de demandas urgentes, to bem ex-pressas no consenso pela aprovao do Estatuto da Igualdade Racial na ntegra, com a garantia de Fundo Oramentrio (Brasil/Seppir/CNPIR, 2005: 8-9, grifo nosso).Naquela mesma conjuntura, a partir das reivindicaes e/ou presses dos movimentos ne-gros, o governo Lula, por meio de um outro Decreto s/n., de 30 de dezembro de 2004, publicado noDOUde31dedezembrode2004,instituiuoanode2005comoAnoNacionaldePromooda Igualdade Racial. Ademais, naquele mesmo ano de 2005, os movimentos negros brasileiros, embora divididos,realizaramduasMarchasZumbi+10emBraslia.Aprimeira,tidaporalgunsativistas como a marcha dos movimentos autnomos em relao ao governo Lula, aos sindicatos e aos parti-dos, foi realizada no dia 16 de novembro. J a segunda ocorreu em 22 de novembro e contou com a participao de organizaes supostamente no autnomas em relao ao governo Lula e aos partidos polticos, entre outras instituies. Independentemente da citada diviso dos movimentos negros naquele perodo, o importante a ressaltar aqui que, na primeira metade da dcada de 2000, havia uma conjuntura na qual a parti-cipao dos movimentos negros na esfera pblica era, ao que tudo indica, ativa, como havia sido na dcada anterior. Mais ainda: tal atuao dos movimentos negros implicou respostas dos governos mu-nicipais, estaduais e do federal, assim como do Poder Legislativo e at mesmo do Poder Judicirio,22 no que diz respeito elaborao e implementao de polticas de promoo da igualdade racial. Ora, tudo isso, sem dvida, contribuiu, direta ou indiretamente, para que o projeto do Estatuto da Igual-dade Racial fosse aprovado no Senado Federal em 9 de novembro de 2005, no sendo a aprovao apenas fruto de uma aparente solidariedade racial do senador Antnio Carlos Magalhes (PFL) para com o senador Paulo Paim (PT/RS) e/ou para com a populao negra.22 Como a implementao do sistema de cotas no STF, conforme Santos (2007).34353. O segundo quinqunio: esvaziando o Estatuto3.1. A reao conservadora: a interao entre intelec-tuais,sindicalistas,parlamentareseagrandemdia contra o Estatuto da Igualdade RacialComaaprovaodosubstitutivoaoprojetodoEstatutonaCCJdoSenadoem9de novembro de 2005 e aps seu envio Cmara dos Deputados para reviso em 25 de novembro de 2005, encerra-se, como se ver a seguir, a fase de avanos ou ganhos e apoios decisivos e inicia-se o perodo de crescentes ataques ao projeto, havendo a partir da perdas referentes s tcnicas de implementao de aes afrmativas, entre outras. O projeto chega Cmara dos Deputados num embalo positivo graas sua aprovao no Senado Federal, mas j no fm do ano legislativo de 2005. Portanto, sem tempo hbil para a sua dis-cusso ou mesmo aprovao direta, visto que era preciso criar naquela Casa um ambiente de alianas favorveis ao projeto, como o que permitiu a sua aprovao no Senado. Porm,oambientedaCmaradosDeputadosparaadiscussodoEstatutodaIgualdade Racial era bem mais delicado do que o do Senado. No havia fguras infuentes da oposio, como umparlamentarcomainfunciadeumAntnioCarlosMagalhes(PF