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SOBRE DIREITOS, CURRÍCULOS E AVALIAÇÕES: RETRATOS DAS ESCOLAS PÚBLICAS DO RIO DE JANEIRO Objetivando compartilhar experiências de três professoras de instituições públicas do Estado do Rio de Janeiro que desenvolveram pesquisas no âmbito das políticas públicas educacionais, este painel apresenta problematizações sobre as relações das políticas públicas e currículo. O primeiro texto intitulado: “A Política de Controle Público por meio da avaliação no ciclo de alfabetização” apresenta indagações sobre os processos avaliativos cotidianos e os exames realizados pelo SAEB e as influências no currículo escolar, por meio da política de controle público. Procurou-se estabelecer a construção de percursos emancipatórios por meio de conceitos que fomentem a reflexão e análise da proposta empírica. Para tanto, incluiu a construção de um quadro referencial de análise estabelecendo conceitos que orientam o trabalho e possibilitando diálogos com a escola. O texto seguinte, intitulado “Avaliação de qualidade e avaliação da qualidade no cotidiano de duas escolas de Duque de Caxias” a autora traz um aprofundamento teórico sobre a temática da avaliação, tendo em vista a retórica de qualidade assumida pelos exames externos e as possibilidades de se desenvolver uma avaliação de qualidade, independente destes, no cotidiano escolar. Traz indícios de contrarregulação a partir do próprio regimento escolar da rede de ensino pesquisada e a contribuição de estudos que auxiliam na compreensão do conceito de qualidade em uma perspectiva polissêmica. O texto intitulado “Educação e Direito: questões para o currículo”, apresenta recorte da pesquisa concluída sobre a produção curricular na transição Educação Infantil-Ensino Fundamental, retomando o estudo analítico realizado sobre os textos das políticas de ampliação do Ensino Fundamental de 9 anos, argumentando que os deslizamentos/deslocamentos do conceito do “direito” nas políticas educacionais, conferem a necessidade de discussão sobre os efeitos desses sentidos na produção de políticas curriculares. Palavras-Chave: Políticas Públicas. Currículo. Avaliação. XVIII ENDIPE Didática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira 9001 ISSN 2177-336X

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SOBRE DIREITOS, CURRÍCULOS E AVALIAÇÕES: RETRATOS DAS ESCOLAS PÚBLICAS DO RIO DE JANEIRO

Objetivando compartilhar experiências de três professoras de instituições públicas do Estado do Rio de Janeiro que desenvolveram pesquisas no âmbito das políticas públicas educacionais, este painel apresenta problematizações sobre as relações das políticas públicas e currículo. O primeiro texto intitulado: “A Política de Controle Público por meio da avaliação no ciclo de alfabetização” apresenta indagações sobre os processos avaliativos cotidianos e os exames realizados pelo SAEB e as influências no currículo escolar, por meio da política de controle público. Procurou-se estabelecer a construção de percursos emancipatórios por meio de conceitos que fomentem a reflexão e análise da proposta empírica. Para tanto, incluiu a construção de um quadro referencial de análise estabelecendo conceitos que orientam o trabalho e possibilitando diálogos com a escola. O texto seguinte, intitulado “Avaliação de qualidade e avaliação da qualidade no cotidiano de duas escolas de Duque de Caxias” a autora traz um aprofundamento teórico sobre a temática da avaliação, tendo em vista a retórica de qualidade assumida pelos exames externos e as possibilidades de se desenvolver uma avaliação de qualidade, independente destes, no cotidiano escolar. Traz indícios de contrarregulação a partir do próprio regimento escolar da rede de ensino pesquisada e a contribuição de estudos que auxiliam na compreensão do conceito de qualidade em uma perspectiva polissêmica. O texto intitulado “Educação e Direito: questões para o currículo”, apresenta recorte da pesquisa concluída sobre a produção curricular na transição Educação Infantil-Ensino Fundamental, retomando o estudo analítico realizado sobre os textos das políticas de ampliação do Ensino Fundamental de 9 anos, argumentando que os deslizamentos/deslocamentos do conceito do “direito” nas políticas educacionais, conferem a necessidade de discussão sobre os efeitos desses sentidos na produção de políticas curriculares. Palavras-Chave: Políticas Públicas. Currículo. Avaliação.

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A POLÍTICA DE CONTROLE PÚBLICO POR MEIO DA AVALIAÇÃO E O

CICLO DE ALFABETIZAÇÃO

Ester de Azevedo Corrêa Assumpção

Rede Municipal de Ensino de Duque de Caxias

Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro

Grupo de Estudos e Pesquisa em Avaliação e Currículo

[email protected]

Resumo: Este trabalho traz resultados de pesquisa, realizada no Programa de Pós-

Graduação em Educação da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, durante o

curso de mestrado. Em que as práticas avaliativas cotidianas dialogam com os exames

produzidos pelo SAEB? O currículo escolar tem sido influenciado, por meio da política de

controle público? Tais questões nortearam o processo de investigação. No desenvolvimento

do trabalho foram estabelecidas possibilidades de construção de percursos emancipatórios

por meio de conceitos que fomentem a reflexão e análise da proposta empírica, inserida em

uma rede com Ciclo de Alfabetização. A metodologia incluiu a construção de um quadro

referencial de análise estabelecendo conceitos que orientam este trabalho e possibilitando

diálogos com o campo; nestes diálogos, os conceitos foram percebidos nas práticas

curriculares e nas representações que o professor constrói sobre seu trabalho assim como a

relação das práticas avaliativas cotidianas com os exames que compõem a política de

avaliação do Sistema de Avaliação da Educação Básica. Percebe-se ainda, a ambiguidade

entre as práticas avaliativas dialógicas e investigativas e a subordinação do conteúdo

trabalhado aos testes cuja matriz de referência passa a ter predominância na seleção dos

conhecimentos a serem propostos no currículo.

Palavras-chave: Política Pública, Avaliação, Ciclos.

Introdução

O trabalho apresentado é parte da dissertação de mestrado concluída em 2013, cujo

interesse não pode ser datado e surge de questionamentos resultantes da experiência

enquanto orientadora educacional na rede municipal de ensino de Duque de Caxias, um dos

municípios da Baixada Fluminense, no Estado do Rio de Janeiro. Durante mais de vinte

anos atuando em escola de Ensino Fundamental, é possível perceber diversas concepções e

práticas de avaliação convivendo no interior da escola. Algumas práticas são marcadas pela

busca de uma avaliação formativa e emancipatória; entretanto, a sistematização dessas

práticas torna-se difícil pela submissão aos padrões de qualidade produzidos em grande

escala, que acabam por conduzir a práticas classificatórias e hierarquizantes. Com a

institucionalização do Sistema de Avaliação da Educação Básica – SAEB e o que ele

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representa na produção do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica – IDEB, a

avaliação tem assumido centralidade nas discussões cotidianas da escola, não só na sala de

aula como também nas práticas gestoras.

Considerando o interesse investigativo, esta pesquisa propôs ouvir docentes sobre os

processos avaliativos dos alunos, tendo atenção especial as concepções de avaliação e

currículo presentes nas falas dos professores e condicionantes da rede escolhida para a

pesquisa, principalmente no que se refere à organização do tempo escolar nos primeiros

anos do Ensino Fundamental, já que em sua organização, a rede tem os três primeiros anos

compondo o Ciclo de Alfabetização e os demais seguem como anos de escolaridade, sem

interlocução com a proposta de organização escolar em ciclos.

O quadro conceitual de análise para a compreensão de aspectos relativos ao controle

público e à avaliação, também faz parte do processo, assim como a consulta aos trabalhos

da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação – ANPEd, à base de

dados da Scielo Brasil e banco de teses e dissertações da CAPES – Coordenação de

Aperfeiçoamento de Pessoal de nível Superior, a fim de verificar a incidência de pesquisas

de mestrado com interesses convergentes a esta pesquisa. Por ocasião da existência do

Ciclo de Alfabetização, apresenta-se um breve estudo dos pressupostos da escolarização em

ciclos.

Caminho percorrido

A metodologia de abordagem qualitativa, portanto, permite considerações que

podem ser relacionadas sob dois aspectos: um tendo em vista as relações das questões

macroestruturais, que constituem a análise da política de controle por meio da avaliação em

seus desdobramentos nas práticas avaliativas de sala de aula; e outro que estabelece a

análise das práticas avaliativas no cotidiano escolar e as concepções de avaliação que as

orientam.

O quadro conceitual elaborado neste trabalho envolve aspectos referentes à avaliação

e à política de controle público da educação brasileira no contexto dos processos

internacionais de regulação. Ele envolve também a perspectiva formativa da avaliação

(FERNANDES, 2006), algumas propostas de formação docente (PÉREZ GOMÉZ, 1998) e

a relação com o currículo escolar. Diferentes conceitos de qualidade também estão

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presentes neste quadro e, finalmente, o paradigma da avaliação emancipatória (SAUL,

2010).

Na perspectiva dos contextos de produção da política de controle público, vale

ressaltar a presença de instâncias de regulação supranacional (AFONSO, 2001), tais como

Mercado Comum do Sul (Mercosul), Organização Mundial do Comércio (OMC), Banco

Mundial, Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) e o

Fundo Monetário Internacional (FMI), dentre outros, que estabelecem mecanismos de

controle e indução de políticas públicas. No conjunto de condicionantes megaestruturais

que compõem a globalização e a redefinição do papel do Estado, é oportuno considerar os

“condicionantes emergentes da atual reestruturação do capitalismo a nível global”

(AFONSO, 2003) e neste contexto considerar também o processo de instauração destas

instâncias de regulação supranacional por meio das quais são construídas as políticas de

controle público, utilizando-se de elementos estatais, não estatais, nacionais e globais.

Neste contexto, a avaliação ganha centralidade (FERNANDES, 2009), ao adquirir

função reguladora da qualidade, que é, neste sentido, entendida como apropriação dos

conhecimentos previamente estabelecidos pelos documentos oficiais que tratam de

currículo. O currículo, portanto, passa a ser determinado por uma hierarquia que privilegia

conhecimentos, muitas vezes alheios à constituição histórica, política e social dos alunos e

comunidade. Esta seleção de conhecimentos tende a reduzir a perspectiva proposta por

Freire (1987) de conhecimentos que geram ação, que desafiam alunos e professores.

Portanto, como estão sendo conjugadas tais questões no cotidiano escolar?

A avaliação deve estar associada à ordem pedagógica e ao processo de produção e

socialização de conhecimentos no que tange ao monitoramento do trabalho, não só do

aluno, mas de todos os profissionais envolvidos. Em uma perspectiva formativa, acentua-se

a importância da autonomia dos atores envolvidos no processo ensino-aprendizagem e de

seu controle sobre o que aprendem e como aprendem (FERNANDES, 2009). E em uma

perspectiva emancipatória (SAUL, 2010), este acompanhamento é constante, pois o sujeito

é parte do processo, desde a concepção até a criação coletiva de alternativas

transformadoras, que ocorre em uma relação dialógica por meio da descrição e crítica da

realidade.

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No processo de regulação da qualidade da educação, muito se pode refletir a respeito

do conceito de qualidade por ser este polissêmico. O conceito de qualidade, portanto,

apresentado por Paro (2011) dialoga com a perspectiva selecionada por este trabalho para

buscar compreensão quanto aos processos pedagógicos por uma educação de qualidade que

ultrapasse a relação qualidade e resultado de exame externo.

O conceito que adoto vê a educação como formação da

personalidade humano-histórica do educando, pela

apropriação da cultura em seu sentido pleno, que inclui

conhecimentos, informações, valores, arte, tecnologia,

crenças, filosofia, direito, costumes, tudo enfim que é

produzido historicamente pelo homem e que, numa

democracia, o cidadão deve ter o direito de acesso e

apropriação. (p.696)

Em uma perspectiva que concebe a avaliação para além da aferição das

aprendizagens dos alunos, a avaliação emancipatória tem como vertentes metodológicas a

avaliação democrática, a crítica institucional e a criação coletiva (SAUL, 2010). Neste

processo, a participação é condição intrínseca à prática da avaliação, em um movimento de

conscientização. A conscientização, portanto, passa a ser fundamental na constituição do

compromisso histórico.

Após a problematização inicial, os passos subsequentes da pesquisa foram a leitura

de autores do campo e na consulta às pesquisas existentes sobre avaliação e ciclos, tendo

em vista a possibilidade de diálogo entre a avaliação na lógica dos ciclos e da seriação

presentes no cotidiano da rede pesquisada.

O bom pesquisador é o que indaga muito, lê com

profundidade para entender o pensamento dos autores, que é

crítico frente ao que lê e que elabora sua proposta de pesquisa,

informado pelas teorias, mas de forma pessoal e criativa.

(MINAYO, 2011, p.19)

De que forma práticas avaliativas ocorrem em concepções diferenciadas de

organização do tempo escolar cuja prática escolar pressupõe ação educativa específica?

Espera-se uma maior compreensão dos fundamentos da escolaridade em ciclos, e o que

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dizem as pesquisas realizadas até agora para, então, estabelecer a possibilidade de análise

do campo em que é realizado um dos exames da política de controle por meio da avaliação:

a Provinha Brasil.

As relações estabelecidas no decorrer da pesquisa demonstram que os processos de

investigação trazem reflexão em sua constituição metodológica no que se refere aos

procedimentos de uma pesquisa qualitativa que tem por premissa construir o caminho

enquanto caminha. Ao realizar entrevista na escola do 1º Distrito com uma das professoras

na sala da Equipe Técnico-Administrativa, a Orientadora Pedagógica – OP demonstrou

interesse pelo tema, relatou conhecer uma escola que agregaria possibilidades de reflexão.

Neste momento da pesquisa, as entrevistas encontravam-se em fase de conclusão, no

entanto tal dado não poderia ser desconsiderado. A inserção de mais uma escola localizada

no 4º Distrito foi um achado da pesquisa, cuja possibilidade de análise da correlação das

práticas avaliativas no interior da escola com a política de controle público por meio da

avaliação foi enriquecida pela colaboração de professores que inicialmente não estavam

arrolados nos planos de investigação.

Não obstante o uso das entrevistas semiestruturadas e conversas, a metodologia

empregada prevê também a leitura de publicações referentes a pesquisas em andamento ou

já realizadas no campo da educação, mais estreitamente no campo da avaliação

educacional, com vistas à construção dos problemas de pesquisa recorrentes no campo.

Para tanto, o processo de investigação conta com uma revisão às publicações da Associação

Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação – ANPEd, enquanto entidade

responsável pela veiculação de grande parte das pesquisas vinculadas aos diversos

programas de pós-graduação do país. Também foi realizada consulta à base de dados da

Scielo Brasil, por considerar fonte importante de veiculação de textos do campo da

educação e, por fim, consulta à base de dados da CAPES, onde se encontra o banco de teses

e dissertações.

Com base nas palavras avaliação, regulação, controle, indicadores e ciclos foram

consultados os Grupos de Trabalhos 05 - Estado e Política Educacional e 13 - Educação

Fundamental, por concentrarem trabalhos sobre as práticas e a política de avaliação

brasileira. Foram selecionados 33 trabalhos contidos na base de dados de 2006 a 2011 e

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agrupados por objeto de estudo, considerando objetivos e conclusões das pesquisas. Após a

leitura, destacaram-se aqueles cujos objetivos apresentam maior proximidade com o foco

da pesquisa, encontrando-se as categorias: (1) avaliação de sistemas e pressupostos de

gestão e (2) avaliação da proposta de implantação da política de não retenção e organização

da escolaridade em ciclos.

Verifica-se, por meio dos trabalhos analisados, que a implantação de políticas de

ciclos no Brasil tem sido propulsora na busca de reflexão das práticas da avaliação da

aprendizagem, ao romper com o viés padronizante, classificatório e hierarquizante de

conhecimentos, alunos, escolas e redes. Segundo Mainardes (2006, p.13), os docentes, em

sua maioria, “tinham dificuldade em concretizar as mudanças relacionadas às práticas

avaliativas”.

Considerando a Scielo Brasil uma das maiores bibliotecas eletrônicas do país, pois

abriga uma quantidade expressiva de periódicos cujo objetivo está na divulgação atualizada

da produção intelectual, foram escolhidos para consulta os nove periódicos mais veiculados

no campo da educação, nos últimos cinco anos de publicação (2007/2011), totalizando 16

textos com abordagem no estudo da escolaridade em ciclos e avaliação.

Com a consulta, pode-se verificar que as publicações com a temática ciclo têm

diminuído. Por exemplo, no Caderno de Pesquisa de 2003 a 2005, foram quatro trabalhos

publicados e, nos últimos cinco anos, verifica-se a presença de dois trabalhos, só um

(FERNANDES, 2010) com referência específica a ciclos. Na Revista Brasileira de

Educação, em 2009, foram verificados seis trabalhos, todos no volume 14 do periódico.

Posterior a esta publicação, apenas um trabalho (PARO, 2011) que aborda a não seriação e

sua relação com a avaliação.

Ao considerar os movimentos de produção intelectual em fóruns como Associação

Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação – ANPEd e Scielo Brasil o fazemos

tendo convicção de que muitas produções significativas não estão arroladas nos anais destes

espaços de divulgação. Por ano, muitas pesquisas são concluídas, muitas teses e

dissertações são defendidas ao longo dos inúmeros programas de pós-graduação formando

um volume de conhecimentos que muitas vezes se tornam invisíveis frente às disputas nas

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arenas políticas de publicação e demandas nos espaços de veiculação da comunidade

acadêmica.

Neste sentido, a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior –

CAPES, constitui-se um espaço importante de consulta, pois nela estão abrigadas

produções vinculadas aos diversos programas de pós-graduação stricto sensu (mestrado e

doutorado) do país. A consulta a esta base de dados não tem por objetivo analisar as

inúmeras pesquisas, mas identificar o interesse de mestrandos no campo da avaliação.

Foram utilizadas as palavras-chave: Prova Brasil, exames externos, IDEB e ciclos nos

resumos das dissertações defendidas no ano de 2011.

Ao verificar a existência de 224 trabalhos com a temática Prova Brasil, podemos

inferir que esta tem sido uma questão importante para mestrandos de todo o país. O assunto

inquieta professores e mobiliza discussões. Do total de trabalhos elencados, foram

selecionados 20, por estabelecerem relação entre as palavras-chave escolhidas, embora com

perspectivas diferentes.

Com as consultas realizadas, foi possível verificar que os estudos da escolaridade em

ciclos têm sido arrefecidos nos três fóruns consultados, o que poderia ser uma consequência

ante o interesse crescente no campo da avaliação no que concerne aos aspectos da política

de controle público por meio da avaliação. No diálogo dos aspectos que envolvem os

exames externos com a organização escolar em ciclos, podemos constatar que não há

estudos específicos que sustentem as discrepâncias existentes nas duas práticas; entretanto,

com o presente estudo, percebemos que os pressupostos de escolarização em ciclos não se

coadunam com uma avaliação pontual, ainda que esta tenha um caráter diagnóstico.

A escola do 1º Distrito, no período da pesquisa, sofreu mudanças em sua Equipe

Diretiva, mas a disponibilidade em participar continuou. Por ausência de profissionais que

pudessem estar substituindo os professores, a maioria das entrevistas foi realizada em sala

de aula, enquanto os alunos realizavam uma atividade. Tal fato, entretanto, foi uma

oportunidade de estabelecer também um diálogo com os alunos, explicitando os objetivos

do encontro ocorrido em sala de aula.

No 2º Distrito, com exceção da entrevista realizada com a Professora G, as demais

também foram realizadas em sala de aula. No caso da entrevista realizada com a Professora

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H, pode-se verificar que a turma estava realizando um simulado para a Prova Caxias e uma

aluna de educação especial, inclusa em classe regular, recebia ajuda de colegas. A

professora relatara que um de seus maiores desafios na compreensão da avaliação externa é

acompanhar as aprendizagens de sua aluna e não ver tais processos presentes no exame

externo.

É um aprendizado também pra mim. As atividades que eu vejo que

ela pode desenvolver com a turma, ela desenvolve. Vai mudar é a

forma como ela vai registrar isso. Ela é da base dessa turma, ela

começou no 1º ano e está com a turma desde pequena, então é isso

aí que você está vendo. Um querendo ajudar o outro. Ela é

completamente integrada, mas as atividades dela são diferenciadas,

eu faço o planejamento junto com a professora da Sala de Recursos.

(Professora H, 2º Distrito)

Fica evidenciado o potencial da enturmação por faixa etária proposta pela

organização escolar em ciclo, que oportuniza ao aluno acompanhar a turma e criar vínculos

de solidariedade produtiva.

A Escola do 3º Distrito está ladeada por uma comunidade com muitas carências no

que se refere a recursos materiais e os professores relatam a presença de comércio de

drogas. A grande maioria dos alunos é moradora da região e, segundo os professores, os

alunos têm chegado à escola a cada ano com mais limitações de ordem econômica e

familiar.

A escola do 4º Distrito A está geograficamente distante do centro do município de

Duque de Caxias, sendo considerada uma escola de zona rural. Dependentes de transporte

escolar, muitos alunos, no período da investigação, não estiveram presentes às aulas por

problemas com este serviço.

A inclusão de mais uma escola, totalizando cinco, e 24 professores decorreu das

necessidades da pesquisa, encontradas no seu desenvolvimento, resultado da relação com as

pessoas no campo de investigação. A Escola do 4º Distrito B está localizada em uma região

também distante do centro da cidade, mas difere das demais e desafia mais uma vez o olhar

do campo. A entrevista individual e semiestruturada cedeu lugar a conversa, pois todos os

professores que estavam na sala dos professores daquele momento foram se aglutinando e

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ganhando espaço na entrevista já iniciada. Alguns movimentos de resistência e tentativa de

reconstrução de percursos emancipatórios foram evidenciados nesta conversa, pois,

segundo relatos dos professores, a escola não permitiu a realização da 1ª Edição da Prova

Brasil e, mesmo com o aparente arrefecimento da resistência, mantém um fórum

permanente de discussão via correio eletrônico. É possível perceber uma discussão densa

sobre a temática, que também encontrou espaço nas demais escolas, embora de forma mais

sutil.

Conclusão

Ao conversar com os professores, foi possível verificar, principalmente na escola do

1º Distrito, cujo quantitativo de docentes entrevistados totaliza cinco dos 24 professores,

uma aquiescência ao discurso hegemonicamente construído que conduz as práticas

docentes a uma obsessão pela eficácia (GIMENO SACRISTÁN, 1997), aferida por meio

dos exames. Tal discurso é percebido nas práticas avaliativas dos professores, que, ao

realizarem simulados e construírem seus instrumentos de avaliativos, objetivam controlar o

baixo desempenho, tendo como parâmetro a Prova Brasil e as Matrizes de Referência.

Nas entrevistas com os professores, foi possível perceber ainda uma contradição

própria de quem efetivamente realiza seu trabalho com compromisso e dedicação;

dedicação que passa a ser entendida como resultado da mensuração e do prêmio,

decorrentes do processo de regulação que externamente tende a uma política de

responsabilização e meritocracia. As escolas com os maiores índices tiveram seus nomes

expostos em outdoors, receberam homenagens e o reconhecimento da comunidade local,

que crê na proposição do índice de determinar qualidade.

Eu acho que não é só pela Prova Brasil e sim porque eu hoje

acredito que essa é a maneira mais eficiente de você ter uma

educação de qualidade. É cobrar! Eu acredito que nessa maneira

que a Prova Brasil acaba cobrando os conteúdos aos alunos.

(...)

A função da avaliação... Quando eu estou avaliando o meu aluno é

saber realmente o que ele aprendeu. Mas eu não falo só dessa

avaliação prova, não. É você avaliar o aluno constantemente em

sala de aula. Porque eu não acredito muito nessa questão de você

dar essa avaliação formativa, a prova, você tira uma nota. Eu acho

que é muito mais que isso. Às vezes o aluno naquele dia não estava

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bem, aconteceu algum problema. É mais aquilo que você vê todo

dia, da capacidade do aluno. É o resultado que obtenho dessas

avaliações, não é pra tá julgando ou quantificando quanto aquele

aluno aprendeu. (Professora A, 1º Distrito)

A mesma professora relata que ficava angustiada, pois se dedicava tanto e seus

alunos não obtinham um desempenho satisfatório, no que se refere ao exame externo.

Trabalho tanto, cobro o conteúdo, dou prova, tem que conjugar

verbos e quando chega a Prova Brasil, o desempenho deles foi tão

baixo e eu trabalhei tanto. Essa compreensão de que o que eu estava

dando não estava coerente eu tive depois que comecei a trabalhar

aqui. (Professora A, 1º Distrito)

A professora relata que passou a realizar o planejamento de acordo com as Matrizes

de Referência, para adequar ao que é aferido nos exames, entretanto, em sua fala, não crê

que a qualidade da ação educativa possa ser medida por meio de um exame e, mesmo

assim, sua fala revela que as provas lhe permitiram perceber a forma incorreta com que

trabalhava.

Os professores que relataram realizar a adequação do planejamento e dos

instrumentos avaliativos ao que supostamente será aferido nos exames dizem, ao mesmo

tempo, não crer que sua turma e escola possam ser retratadas por números. Um dos

professores relata que trabalha em uma escola no município do Rio de Janeiro, cujo índice

indica maior qualidade; entretanto, diz que na prática não há nada que determine tal

diferenciação. E, apesar de realizar atividades preparatórias para o exame, relata que não o

identifica como pedagógico e sim movido por interesses puramente políticos.

A escola que eu trabalho lá no Rio, é 5.9 e aqui, em Caxias, é 4.9.

Eu não vejo aquela escola melhor que essa. Ou melhor, eu tenho

certeza que não é melhor do que essa daqui. Lá a pressão é muito

maior do que aqui, mas qualidade lá não aumentou por causa disso.

Por isso que eu falo que é uma coisa política. Não é à toa que eles

usam tanto na campanha política. (Professor E, 1º Distrito)

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A redução da ação educativa tem sido percebida, por grande parte dos professores

entrevistados, ao relatarem sofrer maior cobrança por parte da Equipe Técnica, Direção e

Secretaria de Educação em ano de Prova Brasil, inclusive com maior oferta de cursos e

reuniões de formação continuada, incentivando os professores a realizarem um trabalho

preparatório. Um professor da escola do 3º Distrito, entrevistado no ano de 2011, em que

houve edição da Prova Brasil, relata que

Antes de você chegar eu estava trabalhando história do Brasil. Eu

não vou dizer que eles sabem dissertar sobre a história do Brasil

desde o início, mas se você começar a levantar alguns aspectos,

você vai observar que eles, que no início do ano só tinham aquela

coisa do índio, conseguem bater um papo legal sobre a história do

Brasil. Isso é um “baita ” aspecto de qualidade. Mas minha turma

este ano foi tipo uma turma de pré-vestibular. Pré Prova Brasil. A

ideia era essa mesmo. Ano que vem, não tem prova e eu consigo

incluir outras coisas. (Professor N, 3º Distrito)

A inclusão de mais elementos ao processo ensino-aprendizagem pode se alinhar com

a possibilidade de rever as concepções de avaliação. Os professores fazem menção da

avaliação que esteja a serviço da promoção de aprendizagens significativas, entretanto,

ainda há uma manutenção de aspectos classificatórios de caráter hierarquizante e

consequentemente excludente. Este trabalho, ao trazer o conceito de avaliação

emancipatória (SAUL, 2010), estabelece reflexão quanto à possibilidade de reconstrução de

percursos que, partindo da análise da realidade, apontem para uma transformação social.

Neste processo é fundamental que se estabeleçam relações dialógicas em um processo de

conscientização (FREIRE, 1987).

Quando os professores do 2º ano de escolaridade relatam que, após a aplicação da

Provinha Brasil, realizam a tabulação ou encaminham para que a equipe técnica realize a

tabulação e nada mais fazem com os resultados obtidos, pode-se considerar, ainda que

despretensiosamente, um movimento de resistência.

O que a Provinha mostra ou deixa de mostrar eu já vi há muito

tempo, se meus alunos reconhecem a letra inicial das palavras, se

identificam um tipo determinado de texto. Eu sei isso sem aplicar a

prova porque eu estou com meu aluno pelo menos 200 dias por ano.

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E acho um desperdício gastar tanto dinheiro pra descobrir o que eu

já sei. (Professor M, 3º Distrito)

Ao selecionar os procedimentos e utilizá-los para realizar a avaliação dos seus

alunos, o professor o faz tendo em vista seus alunos e suas subjetividades, nas relações

estabelecidas no cotidiano escolar com a atividade docente em ação pedagógica.

Com o estudo fica evidenciada a ideia de que a avaliação não tem uma só função,

tem diversas funções, servindo a diversos objetivos que envolvem não só o aluno avaliado,

mas também o professor, a instituição, a família e o sistema de ensino. Para cada momento

e para cada segmento é atribuída à avaliação uma função específica, sem desconsiderar

ainda a perspectiva ideológica presente na lógica hegemônica.

A prática da avaliação é fundamental na ação educativa, principalmente, pois se

verifica hoje a incorporação da cultura avaliativa no discurso e na prática de professores e

sociedade em geral; entretanto, antes de ser uma questão de técnica, tem profundo

compromisso político, pedagógico e ético. Tais questões corroboram com a premissa de

que a avaliação precisa fazer parte de um projeto de sociedade comprometida com a

democratização, inclusão e emancipação.

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9014ISSN 2177-336X

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AVALIAÇÃO DE QUALIDADE E AVALIAÇÃO DA QUALIDADE NO

COTIDIANO DAS ESCOLAS DE DUQUE DE CAXIAS

Claudia de Souza Lino

Rede Municipal de Ensino de Duque de Caxias Universidade do Estado do Rio de Janeiro

Grupo de Estudos e Pesquisa em Avaliação e Currículo/UNIRIO [email protected]

Resumo:

O presente texto é parte de uma pesquisa concluída apresentada em dissertação ao

Programa de Pós-Graduação em Educação, Comunicação e Cultura em Periferias Urbanas,

da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Nesta investigação apontamos as

repercussões da cultura do exame no cotidiano de duas escolas públicas da Rede Municipal

de Duque de Caxias, no Rio de Janeiro, tendo como questões investigar de que forma a

cultura do exame tem contribuído na produção de indicadores de qualidade na escola, quais

os sentidos de qualidade atribuídos pela comunidade escolar ao conhecer os resultados das

avaliações externas e de que forma as avaliações em larga escala interferem nas concepções

de qualidade dos sujeitos no cotidiano escolar. A metodologia considera o cotidiano escolar

em sua complexidade e, no viés do paradigma indiciário, procura perceber o sentido e o

significado de práticas exercidas pelas escolas que, principalmente, estão sendo

desprezadas na concepção que vem se criando do que é uma escola de qualidade. Neste

ensejo, fez-se necessário um aprofundamento teórico sobre a temática da avaliação, tendo

em vista a retórica de qualidade assumida pelos exames externos e as possibilidades de se

desenvolver uma avaliação de qualidade, independente destes, no cotidiano escolar. Traz

indícios de uma contrarregulação presente no regimento escolar, confrontando com a

própria lógica que vinha sendo implementada da rede de ensino pesquisada. Conta com a

contribuição de estudos que auxiliam na compreensão da qualidade com base em uma

perspectiva polissêmica, na qual a concepção de mundo, sociedade e de educação evidencia

e define os elementos que possam ser avaliados em sua natureza, atributos e finalidades.

Palavras-chave: Avaliação. Qualidade. Cotidiano Escolar.

Este artigo traz contribuições de uma investigação, que culminou numa dissertação

de mestrado, em que discutimos as correlações entre qualidade e avaliação educacional,

bem como o papel do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB) como

ferramenta de aferição da qualidade das escolas. As repercussões da cultura do exame no

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

9015ISSN 2177-336X

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cotidiano de duas escolas públicas de ensino fundamental e o lugar que estes exames

assumidos como avaliações ocupam foi o tema central do trabalho.

Conceituando a avaliação como prática social, comprometida com a promoção da

qualidade, os estudos de Sordi (2012) chamam atenção para o uso que vem sendo feito

deste instrumento, de forma vertical, pontual, imparcial, utilizando os parâmetros de

neutralidade, centrada no produto, entendendo ser este o conhecimento a ser medido, o

sujeito da educação:

Contestamos a ideia de que a deflagração de processo de avaliação de

qualquer natureza seja suficiente para que as melhorias nas e das

aprendizagens ocorram. [...] O tipo de qualidade escolar que ajudamos a

construir nos desafia a problematizar os formatos avaliativos que nos são

apresentados e a rever a forma como podemos interferir no processo

(SORDI, 2012, p.491).

Entre estudos teóricos, análise de documentos e diálogos no cotidiano escolar

Mergulhando no campo conceitual da avaliação, podemos encontrar suas origens na

própria concepção de sociedade. A avaliação como sinônimo de apreciação, verificação e

exame tem se constituído como um instrumento ao longo dos tempos. No entanto, como

campo de estudo, a avaliação encontrou um lócus privilegiado na educação. Embora fosse

praticada historicamente, apenas há cinquenta anos aparece como disciplina, como a

percebemos hoje.

Em seus estudos, Dias Sobrinho (2003) faz um resgate histórico acerca da

construção deste conceito. A partir da leitura de seus escritos, confeccionamos um quadro

categorizando as abordagens da avaliação por diferentes períodos na educação, de acordo

com os estudos de Sttufflebeam e Shinkfield, citados por Dias Sobrinho (2003, p. 16-28):

Quadro I: Abordagens da avaliação

Períodos Época Características/abordagens da avaliação Principais

expoentes

Primeiro

período

Final do

século XIX

e três

primeiras

Provas de mensurações de capacidades mentais e físicas

como critério de seleção e classificação; testes de

inteligência e ortografia na escola;

Avaliação confunde-se com medição e se insere basicamente

Binet e Rice;

Thorndike

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

9016ISSN 2177-336X

17

décadas do

século XX.

no campo da psicologia – psicometria; instrumentos

técnicos.

Segundo

período

1934-1945 Os objetivos educacionais como o centro;

Avaliação como instrumento para a regulação do

conhecimento e das formas de adquiri-lo;

Ideologia da eficiência e da racionalidade instrumental;

Responsabilidade de demonstrar eficiência e produtividade:

accountability.

Bobbitt e

Charters;

Ralph Tyler

Terceiro

período

1946-1957 Era da inocência: descrédito, tanto na avaliação, como na

educação

Ralph Tyler

Quarto

período

1958-1972 Realismo: não se trata mais de avaliar alunos, mas

professores, escolas, conteúdos, metodologias, estratégias

etc.

Um questão de custo/benefício; avaliar as estruturas ao invés

de comparar com outras unidades externas;

Distinção entre funções e objetivos: avaliação formativa e

somativa.

Cronbach;

Scriven

Quinto

período

1973- Avaliação como objeto de estudo – meta-avaliação ou

avaliação das avaliações;

Incremento e melhora da comunicação; surgem os

avaliadores;

O centro sai dos objetivos e parte para tomada de decisões –

juízo de valor;

Introdução da categoria negociação – dimensão ética e

política, para além da técnica.

Nevo;

Joint

Committee

Bloom,

Hanstings e

Madaus;

Stake

Fonte: Elaborado pela autora.

Ao fazer essa categorização, observamos que a avaliação bem pode servir (e

frequentemente tem servido) a propósitos bem diversos da concepção de mundo, sociedade

e escola que queremos numa perspectiva democrática, isto é, voltada para o coletivo. Pelo

viés da abordagem escolhida, a avaliação demonstra claramente a visão de mundo, o

posicionamento político de quem a teoriza, pratica e produz dada “qualidade”. Fernandes

(2009) nos alerta para a necessidade de superarmos práticas de avaliação ancoradas num

passado, em que a escola priorizava a preparação dos alunos para um “modelo de vida” pré-

determinado.

Ao fazer menção aos estudos de Guba e Lincoln, torna-se possível distinguir e

problematizar quatro gerações de avaliação que podem senão justificar, ao menos explicar

o porquê de tamanha centralidade na avaliação.

Numa primeira geração, a avaliação teria como sinônimo medida. Através da

quantificação seria possível seguir um modelo e tornar a gestão (da escola, da

aprendizagem) mais eficiente, tendo por base as palavras-chave sistematização,

padronização e eficiência.

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

9017ISSN 2177-336X

18

Já na segunda geração, a avaliação estaria baseada na descrição, pelo entendimento

de que apenas medir o resultado dos alunos era algo muito restrito. Era necessário o

estabelecimento de objetivos bem definidos e que um monitoramento do alcance destes

fosse efetivado. Surgem os avaliadores. Nesta ocasião, a medida deixa de ser sinônimo de

avaliação e torna-se uma função-meio. Fernandes (2009, p.48) assevera que “pode-se talvez

falar em uma função reguladora da avaliação, embora sem a sofisticação teórica e prática

que hoje lhe é atribuída”.

“A geração da formulação de juízos de valor” traz um novo papel para os

avaliadores: o de juízes. Neste período, o conceito de avaliação somativa se distingue do

conceito de avaliação formativa. Uma das ideias que surge neste período, assinalada por

Fernandes (2009, p.50) é a de que “a definição de critérios é essencial para que se possa

apreciar o mérito e o valor de um dado objeto de avaliação”.

A quarta geração de avaliação apontada pelo autor não mais propõe distinções e,

sim, ruptura epistemológica com as gerações que a precederam (FERNANDES, 2009). A

ênfase na avaliação formativa, processual, continuada, qualitativa como uma alternativa aos

modelos que marcaram as gerações anteriores, pode ser assim descrita:

Trata-se de uma avaliação mais interativa, mais situada nos contextos vividos por

professores e alunos, mais centrada na regulação e na melhoria das

aprendizagens, mais participativa, mais transparente e integrada nos processos de

ensino e de aprendizagem. (FERNANDES, 2009, p.56)

Como outra possibilidade de compreensão da organização teórica construída sobre o

campo da avaliação ao longo dos anos elaboramos, ainda, o seguinte quadro esquemático,

que reflete o panorama dos enfoques ou perspectivas da avaliação a partir dos estudos de

Ernest House, citado ainda nos estudos de Dias Sobrinho (2003, p.29-35):

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

9018ISSN 2177-336X

19

Quadro 2: Perspectivas e enfoques da avaliação

Fonte: Elaborado pela autora.

Outra forma de categorizar poderia ser a partir das diferentes posturas, ora num

paradigma racionalista (quantitativo), ora num paradigma naturalista (qualitativo). As

categorizações mencionadas nesta investigação tiveram por objetivo demonstrar que o

pluralismo deste campo é de uma riqueza incontestável.

Pensando nas diferentes concepções que permeiam o campo da avaliação houve

surpresa durante a investigação, numa entrevista com a diretora da Escola A. Numa

conversa sobre a repercussão da avaliação externa na escola, a afirmativa feita deixou clara

a percepção dela e de tantos professores sobre as diferentes formas de conceber a avaliação

no cotidiano escolar:

Acho que a gente passou muitos anos, alguns anos, rejeitando a avaliação,

a avaliação como um instrumento de medida dentro da escola, Nós

Estudo de casos,

negociação;

avaliação

responsiva

Análise de sistemas –

psicometria

Cumprimento dos objetivos educacionais

Estilo da crítica

da arte –

enfoque

qualitativo

Que prescinde

dos objetivos;

interessam os

resultados

Decisão;

juízo de valor

Organização

teórica do

campo da

avaliação

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

9019ISSN 2177-336X

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formamos um grupo que não conseguiu absorver isso, que a avaliação

realmente não era um instrumento para estar falando sobre esse aluno e de

repente embutiram essa avaliação em grande escala dentro das escolas.

Então, assim, quando nós estávamos acostumados a uma não avaliação,

ela veio para ser imposta dentro da escola. (DIRETORA ESCOLA A)

Este movimento que tratava a avaliação como sinônimo de medida, na fala desta

professora, hoje diretora, gerou nas escolas uma negação da avaliação, considerando esta

uma ferramenta que não concorria para as aprendizagens dos alunos. A avaliação em larga

escala, neste contexto, seria uma retomada ao modelo avaliativo negado pelos professores,

segundo a entrevistada.

Esta diversidade de concepções tem favorecido a multiplicidade de discursos, nem

sempre amparados num viés formativo que, apoiados pela mídia, torna inquestionável a

lógica dos exames, naturalizando-os e tornando os seus resultados como verdadeiros

espelhos de qualidade. A avaliação de sistemas, inclusive, tem se constituído como critério

de classificação (ainda que velada), para distribuição de recursos, como plataforma política,

como justificativa para reformas estruturais. (DIAS SOBRINHO, 2003).

Parece-nos que, ao trazer definições, conceptualizações de avaliação, esvaziamo-la

do que seria o cerne de sua existência: visibilizar a diferença. Esteban (2010), discutindo os

múltiplos sentidos da avaliação e a personificação destes sentidos num processo

classificatório, excludente, coloca:

A avaliação expressa com vigor os ideais de neutralidade, objetividade e

verdade que constituem o discurso científico moderno, deles se vale para

legitimar a diferenciação e a desigualdade. [...] No entanto, também tem

seu discurso tensionado, pois ao dar visibilidade à diferença, mesmo que

para normalizar os diferentes, traz para a reflexão escolar sua existência.

(ESTEBAN, 2010, p.51)

Enxergar a avaliação como um lugar de possibilidades, de enfrentamentos é um

desafio para a constituição de uma escola de qualidade. Neste sentido, podemos dizer que

uma avaliação de qualidade é aquela que é organizada em função dos sujeitos, da

comunidade educativa, dos reais interessados por seus resultados. Uma avaliação da

aprendizagem de qualidade, então, estaria centrada no sujeito da aprendizagem. Uma

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

9020ISSN 2177-336X

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avaliação do professor estaria centrada em sua própria prática exercida. Uma avaliação de

escola partiria do próprio ideal de escola, definido por esta em seu projeto educativo. Uma

avaliação de sistema giraria em torno de sua proposta, construída e experimentada no

coletivo.

Fernandes (2010), numa construção teórica do campo da avaliação educacional,

também valoriza a leitura do contexto e a construção de significados mediados pela prática,

não como objeto de análise, mas como uma lente que nos possibilita compreender e avaliar

a qualidade do processo educativo. E isto não exclui a medida, os aspectos quantitativos.

No entanto, estes só farão sentido numa perspectiva informativa e formativa, com o

objetivo de oferecer pistas à construção do processo educativo.

Urge que a avaliação, vista nesta investigação como uma das possibilidades que

possa vir a concorrer para a promoção da qualidade, lance mão de metodologias de cunho

comunicativo e emancipatório, acreditando, sempre, que

práticas avaliativas são necessárias e imprescindíveis, nossa discussão está

na prática avaliativa que, por meio de uma padronização, nega saberes,

rotula e classifica pessoas e, ainda, cria resistências ao processo de

aprendizagem em desenvolvimento. A qualidade da educação, no ponto

de vista da pesquisa desenvolvida, não pode abrir mão do diálogo com

seus saberes e cultura e, também, da participação dos envolvidos na

elaboração e no acompanhamento do processo (FETZNER: 2010, p.9).

Quando este estudo traz, como uma de suas questões, a necessidade de perceber que

movimentos a avaliação externa provoca na produção de indicadores de qualidade na

escola, cabe-nos enxergar que contribuições a avaliação, como campo de conhecimento,

tem oferecido na construção de uma educação de qualidade visualizando, é claro, uma

educação de qualidade social, conforme o anseio de todos nós, imersos no cotidiano

escolar.

Romão (2002) nos adverte para o perigo de assumirmos posicionamentos ideológicos

em relação à avaliação que não são próprios do projeto de escola pública democrática que

delineamos em nossos projetos pedagógicos. De que, muitas vezes, trazemos no bojo de

nossas concepções, consensos históricos, favoráveis à manutenção de uma sociedade

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

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excludente, individualista, meritocrática, discriminatória e injusta. Ele cita alguns destes

posicionamentos:

1° - Escola boa é aquela que exige muito e “puxa pela disciplina”. 2° - O bom

professor é aquele que reprova muito. 3° - A maior parte das deficiências dos

alunos é decorrente das carências que eles trazem de casa. 4° - A democracia

exige o respeito aos códigos socioculturais e às diferenças individuais. 5° -

Avaliar é muito fácil e qualquer um pode fazê-lo. 6° - Avaliar é tão complicado

que se torna, praticamente, impossível de fazê-lo de forma correta. 7°- É preciso

eliminar os aspectos quantitativos da avaliação. 8° Nas escolas avalia-se apenas o

conhecimento adquirido pelo aluno, desprezando-se os aspectos de seu

amadurecimento físico e emocional. Essa situação precisa ser invertida.

(ROMÃO, 2002, p.43-51)

Tais clichês, quando utilizados em discursos educativos, por vezes nos tornam

cúmplices de tais ideias. No entanto, quando examinamos cada um deles à luz do

paradigma da avaliação emancipatória (SAUL, 2010), vemos que são comumente utilizados

num contexto de imobilismo, impotência, conformação da realidade.

Uma avaliação comprometida com a transformação, libertadora, compromissada com

as classes menos favorecidas, com os grupos calados pela subalternização não se consolida

com discursos, entendendo que

a pobreza da experiência não é expressão de uma carência, mas antes a expressão

de uma arrogância, a arrogância de não se querer ver e muito menos valorizar a

experiência que nos cerca, apenas porque está fora da razão com que a podemos

identificar e valorizar”. (SANTOS, 2004, p.785)

É na prática coletiva que a experiência acontece, move-se no cotidiano escolar, como

parte integrante deste, clara e perceptível por todos os interessados no fazer pedagógico, a

saber, aluno, professor, responsável, funcionários, equipe diretiva e, por que não dizer, pelo

sistema educativo. A fala da orientadora pedagógica de uma das escolas é enfática:

O que a gente faz aqui é correr atrás do nosso prejuízo diário. Nós temos um

programa de alunos gigante, uma demanda de problemas enormes, dos mais

variados e complexos. Tenta-se fazer o melhor possível. A gente tem a

consciência que o melhor para esses alunos a gente está dando.

(ORIENTADORA 1, ESCOLA A)

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

9022ISSN 2177-336X

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Ao realizar a análise preliminar dos projetos pedagógicos das duas escolas, foi

possível observar que os dois apontam para o Regimento Escolar da Rede, como um

modelo a ser seguido em avaliação, não apenas pela “letra da lei”, mas “em seu espírito”. O

Regimento Escolar prevê, em seu capítulo III, artigo 74, que a avaliação esteja diretamente

vinculada aos objetivos previstos pelo Projeto da Unidade Escolar.

É possível observar, tanto no Regimento, quanto nos projetos das duas escolas (que

reproduzem o regimento), que não há menção de avaliação externa que venha a interferir na

prática educativa exercida pela unidade:

A avaliação, em seu caráter democrático, é um aspecto fundamental e integrante

da prática educativa no processo de ensino e aprendizagem, tanto no que se refere

aos professores quanto aos alunos e seus responsáveis, estando diretamente

vinculado aos objetivos do Projeto Político-Pedagógico da Unidade (DUQUE DE

CAXIAS, 2005, p.40).

O Regimento, em seu artigo 75, norteia a prática pedagógica das escolas e apresenta

a avaliação em uma concepção formativa, centrada no aluno e, não no conhecimento:

A avaliação do Processo Ensino e Aprendizagem terá por objetivos:

I- avaliar a Instituição;

II- diagnosticar a situação de aprendizagem do educando para estabelecer ações

norteadoras do Planejamento Escolar;

III- verificar os avanços e dificuldades do educador e do educando no processo de

construção do conhecimento, em função do trabalho desenvolvido;

IV- fornecer aos educadores elementos para uma reflexão sobre o trabalho

realizado, tendo em vista o replanejamento;

V- possibilitar aos responsáveis, compreensão dos processos desenvolvidos pela

Unidade Escolar, oferecendo subsídios para que auxiliem a vida escolar do aluno.

(DUQUE DE CAXIAS, 2005, p.40).

Tal documento encontra eco nas palavras de Paro (2011), quando aborda os

problemas em avaliar o produto, sem avaliar o processo, no caso da educação, em que o

produto é o sujeito:

A política educacional interessada na boa qualidade da educação escolar e

portadora de uma visão de educação como apropriação da cultura com vistas à

formação de personalidades humano-históricas, procurará investir seus esforços

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

9023ISSN 2177-336X

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na melhoria do processo de trabalho escolar, ciente de que aí, no chão da escola,

que se pode garantir a boa educação e permanentemente se informar de sua

qualidade (PARO, 2011, p.708).

Nesse Regimento, o enfoque é dado à avaliação do processo, sabendo que este

subsidia a avaliação do aluno, o sujeito, o produto da educação, a razão de ser da escola, de

uma forma global, epistêmica e ontológica. A ênfase dos instrumentos de avaliação

utilizados na Rede também contemplam as especificidades de cada escola pois, de acordo

com o regimento, é a escola que elege os quatro instrumentos que culminarão na média

bimestral dos alunos, ao final de cada bimestre, a partir do 4º ano de escolaridade:

Art. 77 – Os resultados do processo de avaliação serão expressos em notas na

escala de 1 (um) a 10 (dez), sendo permitido apenas nota inteira ou fracionada

com meio ponto.

Art. 78 – As notas bimestrais atribuídas aos diferentes Componentes Curriculares

serão discutidas no Conselho de Classe e poderão ser modificadas após a análise

do desempenho do educando pela Equipe Técnico-Administrativo-Pedagógica.

§ 1º- No Ensino Fundamental, a avaliação do processo educativo é resultado da

análise do aproveitamento global do aluno com preponderância desta análise

global sobre a visão particular dos Componentes Curriculares.

§ 2º-As notas bimestrais do 4º e 5º ano de escolaridade do Ensino Fundamental e

do Ciclo I e II do Ensino Regular Noturno, serão atribuídas por Área Curricular,

serão obtidas pela soma de 4 (quatro) instrumentos avaliativos

diversificados, usados ao longo do bimestre, atribuindo valores iguais.

§ 3º-As notas bimestrais do 6º ao 9º ano de escolaridade do Ensino Fundamental

e do Ciclo III e IV do Ensino Regular Noturno, atribuídas aos Componentes

Curriculares, serão obtidas pela soma de 4 (quatro) instrumentos avaliativos

diversificados, usados ao longo do bimestre, atribuindo valores iguais. (DUQUE

DE CAXIAS, 2005, p.41)

Outra consideração a ser feita, por meio da leitura deste documento, é que há a

indicação de que todos os elementos da comunidade escolar participem ativamente da

construção do projeto pedagógico da escola, cientes de que este será o desencadeador de

todas as ações que a unidade escolar desenvolverá em prol da aprendizagem dos alunos e

que a avaliação da aprendizagem, dos processos e da instituição se dará em função deste

projeto e não de outro indicador.

Mesmo que não aponte em seu Regimento a possibilidade de uma avaliação em

larga escala, foi elaborado e aplicado nos anos de 2011, 2012 e 2013, na Rede Municipal, o

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

9024ISSN 2177-336X

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instrumento denominado Prova Caxiasi. Ainda que de pequeno porte, com apenas 10

questões de Língua Portuguesa e 10 questões de Matemática, no 4° ano e 15 questões no 8°

ano, para as mesmas áreas, este instrumento gerou um movimento nas escolas da rede e,

consequentemente, nas salas de aula, com a realização de simulados e aulas preparatórias

para os alunos.

Nas duas escolas procuramos os documentos que respaldam a criação deste exame

na rede municipal. Não há registros de portarias e resoluções nas documentações destas

duas escolas; encontramos apenas ofícios datados de agosto e setembro de 2012 e, ainda,

fevereiro e abril de 2013, fazendo menção a esta avaliação de larga escala, denominada

Prova Caxias, discorrendo sobre sua aplicação nas unidades escolares.

No ofício número 63/13 há uma solicitação para que todos os professores da rede

que atuam no 5º e 9º ano de escolaridade (nas áreas de Língua Portuguesa e Matemática)

participem da formação do Projeto Con-seguir, onde seriam discutidos os pressupostos

teóricos que respaldam a Prova Brasil e a Prova Caxias, além de orientações para utilização

dos módulos e provas anteriores. Tal formação seria dentro da carga horária dos

professores, detalhe que demonstra o grau de compromisso desta secretaria com a cultura

do exame, sob a retórica da qualidade.

Entrevistando a equipe pedagógica das escolas no mês de novembro, sobre as

contribuições do Projeto Con-seguir para a realização da Prova Brasil de 2013, uma delas

afirmou que “os livros do Con-seguir chegaram agora no final de outubro. Nós

distribuímos os livros, eles estão dando atividades em sala, mas são dois volumes e eles

não conseguiram nem trabalhar um” (ORIENTADORA 1, ESCOLA A).

Outro indício que encontramos sobre a dimensão que a “avaliação da qualidade”

tem tomado nessa rede, pode ser observado numa convocação que ocorreu, em abril de

2013, solicitando às escolas que enviassem representantes para a Revisão da Proposta

Curricularii do município. Tal discussão, que foi iniciada num ambiente virtual de

aprendizagem, não esteve disponível para todos os profissionais da rede, não sendo possível

a visualização do andamento dos trabalhos.

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

9025ISSN 2177-336X

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Chamo a atenção para este momento vivenciado pela rede, por conta da lista de

documentos, ditos “importantes” para a realização desta revisão, disponíveis na página de

entrada da sala virtualiii

. Desta lista constam, além dos pressupostos teórico-filosóficos e da

proposta pedagógica em vigor na rede, os descritores de língua portuguesa da Prova Brasil,

o guia de elaboração e revisão de itens do INEP e a matriz de referência da Prova Brasil.

A alardeada presença de descritores das competências e habilidades a serem aferidas

nos exames de larga escala como documentos de “importância” na revisão da proposta

curricular do município adverte-nos sobre os desvios da avaliação passando, esta, a

referendar o processo de reestruturação curricular.

Para não concluir

Preocupa-nos enxergar que a concepção de qualidade que vem sendo utilizada pra

subsidiar as políticas públicas na educação da atualidade esteja vinculada a princípios

normativos e excludentes, que contemplam um modelo hegemônico de educação, não

pautado no cotidiano escolar. Tais políticas, que intensificam a cultura dos exames, que

buscam unificar os percursos, tempos e espaços escolares, que buscam padrões mínimos de

desempenho, pautados em critérios de excelência, não contemplam a diversidade dos

sujeitos, bem como os processos e as práticas educacionais cotidianas que privilegiam a

construção de uma cultura escolar.

Sobre o advento da cultura do exame o principal aferidor da qualidade educacional,

afirmamos a existência de movimentos contrarreguladores, questionando a eficácia desta

ferramenta da avaliação:

No que tange à qualidade, parece-nos que a avaliação tem sido utilizada

como a redentora dos males da educação, transformando-se em um fim

em si mesma. Há uma ilusão social de que avaliar os sistemas garante

qualidade. Entende-se que aumentar a proficiência dos estudantes nos

exames é o mesmo que elevar a qualidade, sendo esta medida somente

por meio de indicadores e dados. Conceito polissêmico tanto do ponto de

vista pedagógico, quanto social e político, a qualidade da educação não

pode ser compreendida de forma descolada da historicidade do termo,

favorecendo uma maneira superficial de entendimento e uso do mesmo.

(CARTA DE CAMPINASiv, in FREITAS, 2011, 3º item)

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

9026ISSN 2177-336X

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Compartilhamos deste pensamento e apontamos que a qualidade deve, sim, ser

objetivada; no entanto, os índices externos se constituem apenas em um dos meios pelos

quais a escola pode monitorar sua qualidade. Precisamos considerar os indicadores de

qualidade no significado do próprio termo. Os indicadores se constituem em “sinalizações,

linhas que indicam um percurso possível de realização de objetivos compartilhados”

(BONDIOLI, 2004, p.19). Lembrando, sempre, que

a qualidade não é um valor absoluto [...] mesmo porque diferenciados são

os contextos, isto é, as realidades locais que se propõem a colocar a

qualidade em prática, e efetivamente a colocam, cada um à sua maneira,

de acordo com a própria história, segundo as próprias tradições, com a

própria dotação de recursos materiais e humanos. [...] A qualidade não é

um produto, não é um dado. A qualidade constrói-se. (idem, p.16)

Nesta direção, a pesquisa avançou percebendo o quanto a cultura do exame como

estratégia de aferição de qualidade apresenta-se afastada do ideário daqueles que fazem o

cotidiano escolar. Mesmo que o sistema de metas e a presença de indicadores de qualidade

tenham sua repercussão na mídia, sendo absorvido pelos sistemas mais abrangentes de

educação (por exemplo, a SME de Duque de Caxias), nas unidades escolares permanece a

ideia da escola como um lugar de desenvolvimento, com ênfase no processo e não no

produto.

NOTAS

___________________________

1 Avaliação em larga escala elaborada e aplicada pela equipe interna da Secretaria Municipal de Educação de

Duque de Caxias com o objetivo de preparar os alunos para a aplicação do instrumento Prova Brasil, do

INEP. No ano de 2012, foram submetidos a este exame os alunos do 4° e 8° ano de escolaridade, que em 2013

estariam no 5° e 9°ano, respectivamente, com seus desempenhos observáveis em Língua Portuguesa e

Matemática.

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

9027ISSN 2177-336X

28

1 Esta Revisão da Proposta Curricular inicialmente se deu a partir da realização de um fórum numa Sala

Virtual, onde as ideias seriam debatidas antes da Plenária. Poderiam participar, apenas, um representante de

cada segmento, por unidade escolar.

1 Sala Virtual Professor Paulo Freire.

11 A Carta de Campinas foi redigida por um grupo de profissionais da educação a partir das discussões

realizadas no Seminário de Avaliação e Políticas Públicas Educacionais, ocorrido entre os dias 16 e 18 de

agosto de 2011, na Universidade Estadual de Campinas. Estes vêm a público trazer suas preocupações com o

presente momento educacional brasileiro, no tocante às políticas públicas de responsabilização, meritocracia e

privatização em curso.

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Acesso em: 15 fev 2016.

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

9029ISSN 2177-336X

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EDUCAÇÃO E DIREITO: QUESTÕES PARA O CURRÍCULO

Rosalva de Cássia Rita Drummond

Colégio de Aplicação do Instituto Superior de Educação do Rio de Janeiro

Universidade do Estado do Rio de Janeiro

Resumo

O texto que apresento, tem como pretensão retomar o debate a respeito da ampliação do

Ensino Fundamental, incluindo nesta pauta questões pertinentes ao “direito” no discurso

educacional. Trata-se de um recorte da pesquisa desenvolvida no mestrado, onde investigo

os processos de produção curricular na transição Educação Infantil-Ensino Fundamental. A

perspectiva metodológica da abordagem do ciclo de políticas, contribuiu no entendimento

que as políticas são produzidas em diferentes contextos que não estão separados por uma

lógica linear e estanque, não tem dimensão temporal nem sequencial, e que os contextos se

articulam, estão ligados e inter-relacionados. Nesse viés, as produções no interior da escola,

são reconhecidas como espaço de produção de políticas curriculares, o que significa

considerar que esses processos constituem-se por arenas de disputa e embates, em que

alguns dos discursos são legitimados e outros silenciados, sem descontextualizá-la das

demais instâncias nas quais a escola se insere e se articula. Neste sentido, procuro a partir

da produção da pesquisa, puxar fios frouxos do trabalho realizado, inserindo novas leituras

para compreender os deslizamentos/desdobramentos do sentido do “direito à educação”, do

“direito à escolarização” e dos “direitos de aprender”. Por esta via, tomo como possiblidade

a releitura da pesquisa a partir do enfoque do estudo analítico realizado sobre os textos das

políticas de ampliação do Ensino Fundamental de 9 anos, o que possibilitou-me argumentar

que esta política, já é por si, uma estratégia de significar o tempo de escolaridade no

sistema educacional brasileiro como prerrogativa de “sucesso escolar” (indicador de

qualidade) e, por outro lado, em sua construção, traz a discussão sobre as expectativas de

aprendizagem, como enunciado/anunciado para a construção dos direitos de aprendizagem,

o que confere a necessidade de discussão sobre os efeitos desses sentidos na produção de

políticas curriculares.

Palavras-Chave: Política Pública; Direito; Currículo

EDUCAÇÃO E DIREITO: QUESTÕES PARA O CURRÍCULO

Em fevereiro deste ano, a Lei nº 11.274 de 2006, que alterou a redação dos arts. 29,

30, 32 e 87 da Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelecendo as diretrizes e

bases da educação nacional, dispondo sobre a duração de 9 (nove) anos para o ensino

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

9030ISSN 2177-336X

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fundamental, com matrícula obrigatória a partir dos 6 (seis) anos de idade, completou 10

anos. Durante esta década muitas questões se fizeram presente, destacando-se inclusive,

outra alteração do artigo 4º da LDB 9394/96, que definiu a obrigatoriedade de matrícula a

partir dos 4 anos de idade na Educação Infantil. O texto que apresento, tem como pretensão

retomar o debate a respeito da ampliação do Ensino Fundamental, incluindo nesta pauta

questões pertinentes ao “direito” como discurso educacional.

Durante a pesquisa do mestrado, desenvolvi estudo sobre a transição das crianças,

procurando, contudo, não limitar a discussão aos possíveis rompimentos na passagem das

crianças de uma etapa a outra, mas discutir os processos de construção de propostas

curriculares no entre-lugar (BHABHA, 2011). Nesse contexto, muitas questões foram se

fazendo presentes, além de tantas outras que me levaram ao trabalho dissertativo e, a partir

da perspectiva das produções curriculares no terceiro espaço, foram analisadas as

articulações/mediações/negociações firmadas nas arenas em que são produzidos os sentidos

que se hegemonizam na construção do currículo no entre-lugar Educação Infantil-Ensino

Fundamental.

A situação das crianças que chegam cada vez mais novas no Ensino Fundamental,

agravou-se, no âmbito estadual, pela Lei Estadual nº 5.488/09 que dá o direito de matrícula

no primeiro ano do Ensino Fundamental, crianças nascidas até 31 de dezembro do ano que

completam seis anos. Na pratica, muitas crianças chegavam/chegam ao primeiro ano do

Ensino Fundamental, ainda com cinco anos. A questão do acesso das crianças como

direito, fato que justificou a implementação da Lei no Estado do Rio de Janeiro, me fez,

considerar a perspectiva do “direito” como possibilidade de reflexão.

No desenvolvimento do trabalho, os encontros dos professores da Educação Infantil

e dos Anos Iniciais do Ensino Fundamental, foi espaço de pesquisa, considerando ali os

processos de negociação e articulação na produção de políticas curriculares no contexto da

escola. A opção teórico-metodológica, delineada a partir da perspectiva da investigação dos

processos de produção de sentidos na construção de políticas curriculares na escola,

reconhecendo-a como instância permanente de decisões. Nesse mote, os diálogos propostos

com Bhabha, Bakhtin e Ball articulam-se na argumentação e entendimento dos processos

de produção curricular como espaço de disputas, cujos diferentes sentidos e interesses

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

9031ISSN 2177-336X

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geram tensões provocando rearranjos, releituras, dessa forma os discursos que são

empreendidos na disputa por hegemonia nas relações em que são tecidas as produções

curriculares na escola desarticula ao mesmo tempo que abre fendas que possibilitam

ressignificações.

A perspectiva metodológica da abordagem do ciclo de políticas, contribuiu no

entendimento que as políticas são produzidas em diferentes contextos que não estão

separados por uma lógica linear e estanque, não tem dimensão temporal nem sequencial, e

que os contextos se articulam, estão ligados e inter-relacionados: “cada um deles apresenta

arenas, lugares e grupos de interesses e envolve disputa e embates” (MAINARDES,

FERREIRA, TELLO, 2011, p. 157). Nesse viés, entendo que as produções no interior da

escola, se articulam no contexto da prática, esse movimento no entanto, não limita a escola

como instância que implementação das políticas, mas reconhece também como espaço de

produção de políticas curriculares, o que significa considerar que esses processos

constituem-se por arenas de disputa e embates, em que alguns dos discursos são

legitimados e outros silenciados, sem descontextualizá-la das demais instâncias nas quais a

escola se insere e se articula.

Diante da decisão de apresentar um recorte da pesquisa, fugindo de uma construção

genérica das discussões apresentadas na dissertação, opto por trazer um enfoque em que

puxo fios frouxos do trabalho realizado, inserindo novas leituras, tendo em vista que o texto

não se conclui com o ponto final da dissertação. Por esta via, tomo como possiblidade a

releitura da pesquisa a partir do enfoque de releitura do estudo realizado sobre os textos das

políticas de ampliação do Ensino Fundamental, estudo que vem sendo aprofundado na

pesquisa de doutorado.

Retomando a leitura dos textos da política sobre a ampliação do Ensino Fundamental

O estudo dos textos das legislações e orientações curriculares sobre a ampliação do

Ensino Fundamental para nove anos, se deu no intento de compreender o processo de

construção da legislação em vigor a partir do olhar, que procurava compreender os

processos de construção das produções políticas na definição do lugar da criança com seis

anos, em âmbito nacional e com seis/cinco no âmbito estadual. Aceitando que política

curricular se constitui em processo de “produção de múltiplos contextos sempre

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

9032ISSN 2177-336X

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produzindo novos sentidos e significados para as decisões curriculares nas instituições

escolares” (LOPES, 2011, p. 274). Dessa forma, a pesquisa se fundamentou na perspectiva

do que Bhabha chama de “ir além”, “além” do que parece estar posto, “para retornar com

um espírito de revisão e reconstrução às condições políticas do presente” (BHABHA,

1998, p. 22).

O olhar para os textos oficiais possibilitou desenvolver estudo tomando como foco

as transformações no Ensino Fundamental. Proponho aqui, retomar tal estudo,

considerando a perspectiva do “direito” e dos desdobramentos através dos “direitos de

aprendizagem” como eixo de articulação nas proposições curriculares das políticas atuais.

Nesse sentido, o discurso do “direito sob judice” no contexto educacional, me mobiliza a

buscar a compreensão os processos de produção das políticas. Para tanto, tomo como

caminho de análise, a hipótese de que as questões que atravessam esta discussão, reinserem

nas abordagens curriculares novos arranjos e compreensões outras dos processos de

significação no campo do currículo. As referências marcadas pela lógica neotecnicista de

currículo, tensionadas pela lógica das avaliações sob os argumentos dos discursos de

“qualidade” e da qualidade como “direito” razão da necessidade de resposta aos índices de

avaliação, indutora das políticas educacionais atuais.

As discussões propostas por Ball possibilita a construção de um arcabouço teórico

que me permite ampliar o entendimento dos estudos realizados com vistas à análise das

políticas educacionais nacionais no contexto atual. Em seu trabalho, o autor ajuda a pensar

no sentido de que a teoria política, não pode se limitar ao controle estatal. (Lopes e

Macedo, 2011) A política, traz em si, os processos de construção, a partir das

reconfigurações dos próprios sentidos do que venham ser educação de qualidade, justiça

social, enfim, uma gama de conceitos, cujos sentidos são disputados e que geram o que os

autores definem como

confusão, necessidades (legais e institucionais), crenças, valores discordantes, incoerentes e contraditórios, pragmatismo, empréstimos, criatividade e experimentações, relações de poder assimétricos (de vários tipos), sedimentação, lacunas e espaços, dissensos e constrangimentos materiais e contextuais. (Ball e Mainardes, 2011, p.13)

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

9033ISSN 2177-336X

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Desta forma as políticas não são fixas, imutáveis e ainda mais, sujeitas a

interpretações, traduções, estando sempre em fluxo, porque não se limitam ao serem

escritas, a um texto inerte, dado. E, ao considerar que “políticas diferentes geram diferentes

quantidades de “espaços de manobra”, estas são sempre objeto de alguma forma de

tradução ou de “leitura ativa”, processos de re-representação, reordenamento e

refundamentação.” (MAINARDES, BALL, 2011, p.14) Como proposta, os autores

defendem que as políticas não devem ser consideradas em margem que se limitam em

fronteiras nacionais ao pontuar que “a política flui/circula através de inculcações capilares

transnacionais”. (p.13), modo pelo qual são encaminhadas as proposições reflexivas neste

texto.

Direito à escola ou direito à educação?

No fluxo das produções das políticas que visam “assegurar” e “garantir” os direitos,

uma mudança significativa foi a alteração da LDB 9394/96 pela Lei 11.274 de 06 de

fevereiro de 2006 que alterou a redação dos arts. 29, 30, 32 e 87, estabelecendo as diretrizes

e bases da educação nacional, dispondo sobre a duração de 9 (nove) anos para o ensino

fundamental, com matrícula obrigatória a partir dos 6 (seis) anos de idade (BRASIL, 2006).

Até a promulgação, em 2006, o lugar da criança com seis anos na educação brasileira foi

mote de muitas polêmicas, por vezes pelas questões relativas às questões orçamentárias do

Fundef, quando o fundo de financiamento atendia apenas o Ensino Fundamental, mas

também pelo que se entendia como trabalho da Educação Infantil e Ensino Fundamental e

suas especificidades e concepções de infância consideradas nesse trabalho. A questão sobre

continuidade da Educação Infantil ou ampliação do Ensino Fundamental não deve ser

considerada de forma estanque, mas configura-se em um contexto complexo de questões

que imprimem marcas aos modos como vão sendo produzidas as políticas curriculares para

estes segmentos da Educação Básica, o financiamento, a organização da escola, a proposta

pedagógica, dentre outras questões, produz efeitos na construção curricular no cotidiano da

escola, nos modos de compreensão dos processos de aprendizagem e os modos de ensino.

A problematização inicial da pesquisa de mestrado foi tensionada pelo fato de

alguns estados, sob o argumento do direito ao acesso, foi concedido o direito a matrícula

das crianças que completam seis anos até 31 de dezembro do ano no Ensino Fundamental, a

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

9034ISSN 2177-336X

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exemplo, a situação prevista na Lei Estadual 5844 de 09 no Rio de Janeiro. Os inúmeros

casos de famílias e instituições de ensino que questionavam e buscavam o direito de

matrícula de crianças aponta à inquietação quanto à temática. Sob o argumento do direito à

educação, como direito fundamental social, considerando que não haveria impeditivo na

matrícula no 1º ano do Ensino Fundamental de crianças que complete seis anos durante o

ano letivo, tal “direito” foi concedido. Entre decisões judiciais, leis e orientações do

Conselho Nacional de Educação, mais uma vez é o argumento do “direito” que subjaz a

produção das políticas, tomando como indicativo um sentido estrito de educação escolar.

Nesse emaranhado, questiono o sentido da promulgação de uma lei estadual que

visa garantir o direito de acesso ao ensino fundamental, no mesmo contexto em que era

discutido e instituído a obrigatoriedade de matrícula a partir dos quatro anos, e que ainda,

havia sido, desde a criação na LDB 9394/96, reconhecido a Educação Infantil, etapa da

Educação Básica. Cabe então perguntar: De que “direito” estamos tratando?

Nesse fluxo, tomando como pressuposto os sentidos do “direito” no contexto

educacional, e seus processos de significação, do que venha ser “direito a educação”,

pergunto ainda: Direito a que educação?

A questão do “simples lugar da criança” no acesso à escola, não é tão simples e

parece retomar vias mais complexas de se pensar o contexto educacional atual, mais uma

vez, as questões sobre o que ensinar e como ensinar que fazem que se colocam com

protagonismo das discussões recentes, expressas no que vem sendo chamado de “direitos

de aprendizagem e de desenvolvimento”.

O termo “direito” como perspectiva de um bem a ser garantido, necessita

compreensão das nuances do seu uso nos diferentes contextos. Procuro aqui discorrer,

argumentando que o direto como vem sendo requerido, implica em muito mais que o

acesso da criança na escola, diz respeito ao entendimento do que venha ser o trabalho na

Educação Infantil e Ensino Fundamental e suas relações. Por sua vez, o lugar da criança,

que parece em primeira análise, se reportar a idade certa de matrícula, a idade certa de

alfabetizar-se; a idade certa como obrigatoriedade de matrícula na EI, traduzem modos

outros que por sua vez, tensionam as produções curriculares em ambas as etapas da

Educação Básica, pautados na prerrogativa de que há uma necessidade posta ao currículo

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

9035ISSN 2177-336X

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do Ensino Fundamental inserem e reinserem à esta proposta curricular o lugar das “coisas

sérias”, em contraponto com o espaço lúdico da Educação Infantil, ao mesmo tempo em

que seu currículo é tensionado à resposta a estas dicotomias, pela via da “preparação para”,

como momento de sistematização das normativas, que justificam a existência da escola

básica e sua obrigatoriedade de matrícula aos 4 anos de idade (como promessa de quando

maior o tempo de escolaridade, maior chances de sucesso na vida escolar).

No fluxo das construções políticas: o direito

O estudo analítico das políticas do Ensino Fundamental, possibilita argumentar que

ampliação do Ensino Fundamental para 9 anos, já é por si, uma estratégia de significar o

tempo de escolaridade no sistema educacional brasileiro durante um período e, por outro

lado, em sua construção, traz a discussão sobre as expectativas de aprendizagem, como

enunciado/anunciado para a construção de base nacional comum. Embora compreenda que

haja a necessidade de aprofundar estes argumentos, por hora, o faço, no sentido de puxar

novos fios nessa problematização.

O Parecer CEB nº 24 de 2004 que sinalizava a necessidade das discussões sobre a

proposta pedagógica e apresentando estudos para o estabelecimento de normas nacionais

para a ampliação do Ensino Fundamental para nove anos de duração, trazia na apreciação

do relatório a consideração de que não estava explícita na Constituição Federal de 1988

nem na LDBEN a ampliação para nove anos; contudo, indicando que na Lei nº 10.172, de 9

de janeiro de 2001, que “estabelece o Plano Nacional de Educação”, a ampliação para nove

anos de duração do Ensino Fundamental como uma das metas. A justificativa

fundamentada no Plano Nacional de Educação 2001 cujo o objetivo era:

oferecer maiores oportunidades de aprendizagem no período da escolarização

obrigatória e assegurar que, ingressando mais cedo no sistema de ensino, as

crianças prossigam nos estudos, alcançando maior nível de escolaridade

(BRASIL, 2004a, p. 3).

Atravessa-se então o discurso de qualidade impresso à necessidade construção de

uma proposta pedagógica “adequada”, em que os “diretos” de acesso e continuidade são

tomados pela problematização do que deve ser ensinado para que se efetive uma educação

de qualidade, em justificativa a perspectiva da aprendizagem [da língua] como um

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

9036ISSN 2177-336X

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“direito”. Nesse sentido, o voto do relator acompanha a conclusão de que cada sistema é

livre para adotar, à época, uma ou mais opções com vistas à educação de melhor qualidade.

Nesse momento ainda, as relações entre financiamento e atendimento dos alunos no Ensino

Fundamental fica explicito no parecer.

A discussão de obrigatoriedade articulava-se então à concepção de que quanto mais

cedo se ingressa na escola, mais chances de permanência e sucesso. Embora compreenda-

se que nesse momento a obrigatoriedade de matrícula se desse através do acesso ao Ensino

Fundamental, por isso a necessidade de ampliação desta etapa da Educação Básica, destaca-

se aí, a reflexão dos sentidos disputados do que seja o trabalho pedagógico tanto da

Educação Infantil quanto do Ensino Fundamental.

A ampliação do Ensino Fundamental então, vai se constituindo sobre a pretensa

articulação curricular com a Educação Infantil, situação que parece não ter sido superada.

Embora, não seja esta a discussão proposta, talvez seja importante destacar as marcas sob

as quais as construções e arranjos das políticas curriculares vão se constituindo. Não se

trata de mais uma vez retomar a discussão sobre as tensões da Educação Infantil e Ensino

Fundamental, mas levantar a problematização do que está em jogo nesse contexto do que se

entende por educação e conhecimento.

O direito de matrícula no Ensino Fundamental, se faz excluindo o direito a

permanecia na Educação Infantil. Nessa reflexão, muito mais que discutir o “lugar da

criança” na Educação Básica, significa a complexa relação do que considera como direito à

educação. Assim, no processo de construção das políticas ao longo dos últimos 20 anos,

podemos observar uma série de medidas que visavam/visam, dentre outras questões,

universalizar a Educação Básica e as contradições nas decisões políticas no construto desse

arcabouço.

Ao considerar a Constituição Federal Brasileira de 1988, que adota o modelo do

Estado Social de Direito, por meio da qual o homem é elevado à condição de sujeito de

direito, através da figura do direito público subjetivo, no que tange ao direito à Educação, o

art. 6º da Constituição Federal Nacional de 1988, assegura o exercício do Direto Social à

Educação, direito esse, previsto no Art. 205:

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

9037ISSN 2177-336X

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A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e

incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento

da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o

trabalho. (BRASIL, 1988).

Na Constituição Federal nos artigos citados, são disciplinados pelo artigo 208 e pela

Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional nº 9394, de 20 de dezembro de 1996

(LDBN 9394/96). O entendimento requerido nessa leitura, é salientado por Duarte ao

comentar que:

(..) o direito à educação não se reduz ao direito do indivíduo de cursar o ensino

fundamental para alcançar melhores oportunidades de emprego e contribuir para

o desenvolvimento econômico da nação. Deve ter como escopo o oferecimento

de condições para o desenvolvimento pleno de inúmeras capacidades individuais,

jamais se limitando às exigências do mercado de trabalho, pois o ser humano é

fonte inesgotável de crescimento e expansão no plano intelectual, físico,

espiritual, moral, criativo e social. O sistema educacional deve proporcionar

oportunidades de desenvolvimento nestas diferentes dimensões, preocupando-se

em fomentar valores como o respeito aos direitos humanos e a tolerância, além da

participação social na vida pública, sempre em condições de liberdade e

dignidade. Assim, no Estado Social, a proteção do direito individual faz parte do

bem comum. (DUARTE, 2011, p.115)

Para a autora, o Direito, é por si, a representação de certos bens, ao passo que

garantia se faz por assegurar o acesso a estes bens, dessa forma, o direito, como direito

público subjetivo precisa ser assegurado através de garantias, que no caso da Educação, se

fazem por meio de princípios como o da obrigatoriedade e gratuidade. Assim,

obrigatoriedade, gratuidade e receita, podem ser interpretados como modos de assegurar a

fruição do direito à Educação.

Minha questão, no entanto, se faz pelos sentidos que vão sendo dado ao direito.

Argumento que os aspectos vinculados ao direito, bem como o que é caracterizado como

garantia para assegurar tal direito, são também modos significá-lo. Na tentativa de

compreender os modos de significação ao longo do tempo, procuro aqui considerar alguns

aspectos que corroborem para novas significações, o direito à Educação e seus processos de

efetivação através das ações que visam a garantia deste direito, como elementos necessários

nessa leitura, propondo como sugerido por Bhabha (2011), tentar sair do determinismo da

inevitabilidade histórica alocada nos discursos liberais, “a repetição sem a diferença”

(BHABHA, 2011, p.94), propondo considerar que

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A importância de tal retroação está na sua habilidade de reinscrever o passado, de

reativá-lo, de realoca-lo, de ressignificá-lo. E, o que é ainda mais significativo,

ela submente o nosso entendimento do passado, a nossa reinterpretação do futuro,

a uma ética da “sobrevivência”, que nos permite trabalhar através do presente.

(BHABHA, 2011, p.94)

E nesse desafio, de trabalhar através do presente, a possibilidade de confrontar

“essa difícil fronteira, a experiência intersticial, entre o que tomamos como imagem do

passado e o que está realmente envolvido na passagem do tempo e na passagem do

significado.” (Op.,cit., p.94) que busco compreender possíveis articulações entre os

processos de produção do sentido da “Educação como Direito” e suas implicações na

construção de políticas curriculares, puxando fios para compreender os usos deslocados, no

contexto atual, do sentido de “direito” , expressos através dos “direitos de aprendizagem e

desenvolvimento” nas políticas de currículo.

Algumas considerações

O que tento promover neste ensaio, é a suspeita de que o uso do conceito de

“direito”, como direto subjetivo à educação, tem seu sentido deslocado, em direitos de

aprendizagem (embora não como sinônimos) na produção de políticas curriculares atuais. O

direito a aprender, toma lugar de modo que:

A formulação “direitos e objetivos de aprendizagem e desenvolvimento” que se

hegemonizou no PNE e que norteia as BNC não é simples de ser

operacionalizada e essa dificuldade é visível ao longo do documento elaborado

pelo MEC. O que seriam direitos de aprendizagem e desenvolvimento? Como

destaca Saviani, em entrevista à Nova Escola, trata-se de um termo de uso

estranho, talvez derivado, numa associação que ele apenas induz, da expressão

constitucional educação como direito de todos e dever do estado. Desde 1988 a

educação tem sido descrita, constitucionalmente, como direito público subjetivo,

ou seja, como uma prerrogativa garantida ao indivíduo pela norma legal objetiva.

(MACEDO, 2015, p. 895)

A produção no campo do direito nos possibilita pensar nas/das distorções no meio

educacional (bem como em outros campos) tangenciados por decisões judiciais. Parece que

o DIREITO (como preceito inquestionável na sociedade) é tomado como instância que

tensiona os processos, sejam eles quais forem, “legalizando” e “legitimando” discursos. No

que diz respeito ao acesso até então, compreendidos como “decisões” de cunho “inclusivo”,

mas também local e individualizado, permite-me pensar na produção de discursos que

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

9039ISSN 2177-336X

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produzem efeitos de diminuir espaços de questionamento, pelo menos em primeiro olhar.

Contudo, cabe retomar a discussão e puxar fios dessa trama: É direito tratar o currículo

como direito?

Esta perspectiva corrobora na perspectiva de que as marcações temporais (expressas

como “direitos” ao acesso e “direitos” de aprendizagem) são balizadores das políticas

públicas e das propostas curriculares, que funcionam como arranjos que possibilitam criar

indicadores de qualidade. Assim, o direito de acesso, o direito de aprender e o direito de

permanência, são impetrados por marcas temporais definidas pela obrigatoriedade de

matrícula, pelo tempo determinado para alfabetizar-se, pela organização da base nacional

curricular comum em ano de escolaridade, enfim, por modos e tentativas de controle, que

se configuram em formas de metas a serem alcanças e por sua vez, possibilidades de

mensuração qualitativa em detrimento das qualitativas. Esse exposto, permite-me inferir

questionamentos a respeito dos modos como as políticas públicas vem sendo produzidas, a

partir da promessa do Direito à Educação como garantia de acesso ao pleno exercício da

cidadania. Finalizo esta provocação, colocando a necessidade de continuar esta discussão,

retomando conceitualmente alguns pressupostos que dizem respeito à construção das

políticas curriculares do que consideramos por democracia, justiça social, igualdade,

universalismo e diferença. E, questionando: É direito tratar o currículo como direito?

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