sobre as perspectivas demográficas no sul de...

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J. Manuel Nazareth Sobre as perspectivas demográficas no Sul de Portugal: o declínio da fecundidade: aplicação do método de Coale INTRODUÇÃO A razão principal do declínio da fecundidade observado nas nações industrializadas é a limitação deliberada do número de nascimentos em casais ainda potencialmente férteis. Esta limitação da fecundidade reali- za-se através de três processos principais: emprego de métodos contra- ceptivos e prática da abstinência e do aborto. A esta baixa da fecundidade, cuja origem está na limitação dos nas- cimentos, é costume chamar-se fecundidade neomalthusiana porque os pri- meiros defensores do princípio da limitação dos nascimentos se intitularam a eles próprios neomalthusianos. É uma designação paradoxal, uma vez que o próprio Malthus 1 se opôs determinantemente ao uso da contra- cepção e do aborto. Com efeito, o que Malthus propôs foi a redução da fecundidade através duma diminuição no número de mulheres em idade de procriar que vivem em uniões sexuais (em sentido lato). A esta diminui- ção da fecundidade obtida através duma redução na proporção de mulheres casadas costuma chamar-se limitação malthusiana dos nascimentos. Assim, para compreendermos os baixos níveis de fecundidade atingi- dos actualmente, além da razão principal que apontámos (prática neomal- thusiana), não devemos deixar de ter em conta o efeito da prática malthu- siana acrescida de dois elementos complementares: as mulheres solteiras não têm uma fecundidade igual a zero (há nascimentos ilegítimos); mesmo na ausência de controle de nascimentos, a fecundidade legítima não atinge o mesmo nível elevado em todas as populações. Mais ainda, de população a população há variações na incidência da esterilidade e subfecundidade, na frequência das relações sexuais e na duração do período de aleitamento. Perante a necessidade de estudar todas estas questões, surge assim o problema da elaboração de índices que não só meçam a fecundidade geral, legítima e ilegítima, mas que exprimam igualmente o nível da fecun- didade em termos de contribuição dos dois tipos de controle malthusiano e neomalthusiano. 1 Malthus, Essai on the Principie of Population as it Affects the Future lmprovement of the Society, Londres, 1798. 31

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J. Manuel Nazareth

Sobre as perspectivas demográficasno Sul de Portugal:

o declínio da fecundidade:

aplicação do método de Coale

INTRODUÇÃO

A razão principal do declínio da fecundidade observado nas naçõesindustrializadas é a limitação deliberada do número de nascimentos emcasais ainda potencialmente férteis. Esta limitação da fecundidade reali-za-se através de três processos principais: emprego de métodos contra-ceptivos e prática da abstinência e do aborto.

A esta baixa da fecundidade, cuja origem está na limitação dos nas-cimentos, é costume chamar-se fecundidade neomalthusiana porque os pri-meiros defensores do princípio da limitação dos nascimentos se intitularama eles próprios neomalthusianos. É uma designação paradoxal, uma vezque o próprio Malthus 1 se opôs determinantemente ao uso da contra-cepção e do aborto. Com efeito, o que Malthus propôs foi a redução dafecundidade através duma diminuição no número de mulheres em idadede procriar que vivem em uniões sexuais (em sentido lato). A esta diminui-ção da fecundidade obtida através duma redução na proporção de mulherescasadas costuma chamar-se limitação malthusiana dos nascimentos.

Assim, para compreendermos os baixos níveis de fecundidade atingi-dos actualmente, além da razão principal que apontámos (prática neomal-thusiana), não devemos deixar de ter em conta o efeito da prática malthu-siana acrescida de dois elementos complementares: as mulheres solteirasnão têm uma fecundidade igual a zero (há nascimentos ilegítimos); mesmona ausência de controle de nascimentos, a fecundidade legítima não atingeo mesmo nível elevado em todas as populações. Mais ainda, de populaçãoa população há variações na incidência da esterilidade e subfecundidade,na frequência das relações sexuais e na duração do período de aleitamento.

Perante a necessidade de estudar todas estas questões, surge assimo problema da elaboração de índices que não só meçam a fecundidadegeral, legítima e ilegítima, mas que exprimam igualmente o nível da fecun-didade em termos de contribuição dos dois tipos de controle — malthusianoe neomalthusiano.

1 Malthus, Essai on the Principie of Population as it Affects the Futurelmprovement of the Society, Londres, 1798. 31

Contudo, é interessante notar que a análise da fecundidade duma popu-lação por meio de técnicas adequadas é uma preocupação muito recente.Em todos os países europeus, com excepção da França, a fecundidademanteve-se elevada e instável antes do século xix. Durante o século passado,toda a atenção dos demógrafos se concentra sobre a redução da mortalidade,e é assim que na recolha de textos feita por Farr2 em 1885 somente 21páginas são consagradas à fecundidade, enquanto sobre a mortalidadeexistem cerca de 300 páginas. O interesse pelo estudo da fecundidadeaumenta no fim do século xix e sobretudo no século xx: o declínio dafecundidade, em França entre outros países, preocupa os espíritos, tornan-do-se um problema agudo em muitos países europeus depois da primeiraguerra mundial. Os grandes estudos em sociologia da fecundidade não têmmais de uma vintena de anos.

Num artigo escrito já há alguns anos, Louis Henri3 afirma que exis-tem duas direcções nas investigações relativas ao estudo da fecundidade:o aperfeiçoamento na medida do fenómeno e o estudo dos factores fisioló-gicos, psicológicos e sociológicos que lhe estão associados. Foi sobretudono primeiro aspecto que se obtiveram os melhores resultados e, hoje emdia, o demógrafo tem à sua disposição uma grande quantidade de meiospara a medir e analisar. Estas medidas conseguem já, com bastante per-feição, separar aquilo que verdadeiramente se quer medir — a propensãoa ter filhos — dos efeitos perturbadores, mas nem sempre são susceptíveisde serem aplicados às áreas que queremos estudar. Na maior parte dospaíses ditos do Terceiro Mundo não existem estatísticas demográficascorrentes —apenas existem recenseamentos ou inquéritos ocasionais —e nos países mais desenvolvidos nem sempre os dados de que necessitamosse encontram disponíveis à escala regional e distrital.

Se, como escreve P. Vincent4, «o problema da previsão foi sempreum aspecto essencial para o demógrafo — a análise do presente e do pas-sado não tem outro significado que precisar em grau apurado uma tendên-cia», a procura dos métodos que melhor separem uma propensão dasinfluências perturbadoras permitirá melhorar as previsões de população.

Sendo a fecundidade e os movimentos migratórios as variáveis maisdifíceis de determinar numa projecção a longo prazo, como o demonstraum recente estudo da O. C. D. E.5, a procura de bons e adequadosmétodos de análise conduzirá necessariamente à elaboração de melhoresperspectivas demográficas.

É dentro deste espírito que se situa o presente artigo. A aplicaçãodum método de standardização indirecta elaborado por Coale6 ao estudo

2 Citado por E. Grebenik em «Data available for the study of fertility in GreatBrítain», in Biological Aspects of Social Problems, Edimburgo, 1965.

3 Louis Henry, «Aspects mathématiques de 1'étude de Ia fécondité et de Iafamille», in Bulletin de Vlnstitut International de Statistique, 1958.

4 P. Vincent, «Comment déterminer Ia tendance de Ia fécondité», in Popula-tiont n.° 3.

5 O. C. D. E., Uévolution dêmographique de 1965 à 1980 en Europe Occi-dentale et en Amérique du Nord, Paris, 1966.

6 A. Coale, Factors associated with the development of low fertility — an his-torie summary, Nações Unidas, Congresso Mundial da População, Belgrado, 1965;The growth and strueture of human population, Princeton, 1973. Esta metodologiadesenvolvida por Coale foi objecto de algumas aplicações recentes: Van de Walle,Facteurs économiques et déclin de Ia fécondité en France et en Belgique, Association

32 Internationale des Sciences Économiques, França, 1973; J. Duchene e R. Lesthaghe,

dos quatro distritos da região do Sul de Portugal não é portanto umsimples exercício académico. É a possibilidade de separar à escala distritalas tendências subjacentes das perturbações acessórias, medindo da maneiramais segura a evolução da variável-chave no dinamismo das populações:a fecundidade.

O PROBLEMA DA ESCOLHA DO MÉTODO

1. As medidas habituais de fecundidade: sua limitação na análiseregional

A primeira medida a ser utilizada na análise da fecundidade dumapopulação é a taxa bruta de natalidade, ou seja, a relação entre o númerode nascimentos e a população média do período em análise. Tomandocomo exemplo as taxas brutas de natalidade de Portugal e da Bélgicaem 1973, encontramos os valores de 20,1 % e 15,3 %, respectivamente.Podemos concluir que, em média, as mulheres portuguesas têm 31A %mais de filhos que as mulheres belgas, conforme parece resultar da compa-ração das duas taxas? É evidente que estes índices nos não permitemresponder a esta questão. Para formar um julgamento adequado é usualo emprego de medidas mais subtis, tais como: as taxas de fecundidadepor idade, a descendência média e as taxas bruta e líquida de reprodução.

As taxas de fecundidade que põem em relação o número de filhosapenas com o número de mulheres em idade de procriar já nos dão umainformação mais precisa sobre a fecundidade das mulheres. O quadro n.° 1e o gráfico i oferecem a possibilidade de comparar as taxas de fecundidadepor grupos de idade nos dois países em análise:

Taxas de fecundidade por grupos de idade e descendência médiaem Portugal e Bélgica, 1973

[QUADRO N.o 1]

Grupos de idade

15-1920-2425-2930-34 .35-39 ...40-4445-49

Total

Descendência média

Portugal

0,03320,14940,17840,10710,07030,03130,0035

0,5732X5

2,8660

Bélgica

0,03360,15640,15140,08560,04170,01120,0010

0,4809X5

2,4045

Diferença

— 0,0004— 0,0070+ 0,0270+ 0,0215+ 0,0286+ 0,0201+ 0,0025

+ 0,0923

«Essai de reconstitution de Ia population belge sous Ie regime français», projectode artigo para Population et Famile, 1974; Livi-Bacci, A century of Portuguesefertility e Fertility and Nuptiality changes in Spain from the late 18th to the early20th century. 33

[GRÁFICO I]

Taxas defecundidadepor grupos

de idade

0,180 -

Taxas de fecundidade, por grupos de idade, em Portugal e na Bélgica em 1973

0,12 0 -

0,2 0 -

Legenda

Portugal

Bélgica

Idades

Nos dois países, a forma das curvas é muito semelhante. Contudo,uma análise mais pormenorizada revela-nos a existência de algumas dife-renças significativas: nos dois primeiros grupos de idade, as taxas de fecun-didade de Portugal apresentam-nos valores surpreendentemente inferioresaos de um país como a Bélgica, altamente industrializada e desenvolvida;nos outros grupos, os valores de Portugal são sempre superiores, o queé normal. Os primeiros sintomas das consequências da emigração portu-guesa começam portanto a produzir os seus efeitos.

O cálculo da descendência média (soma das taxas de fecundidademultiplicada pela amplitude do intervalo de classe) resume o nível dafecundidade já liberto, em certa medida, dos efeitos de estrutura. Esteindicador pode ser considerado como o número de filhos que teria porhipótese uma mulher média se, durante os anos férteis, o seu comporta-mento genésico fosse idêntico ao do conjunto das mulheres observadasno período em análise. Uma vez que este indicador representa uma apro-ximação bastante exacta do efectivo final duma progenitura média real,é um indicador indispensável em qualquer análise da fecundidade. Os cál-culos elaborados dão-nos um valor de 2,9 para Portugal e de 2,4 para aBélgica, o que significa que os níveis de fecundidade nos dois paísesapresentam uma diferença de 20 %, e não de 31,4 %, conforme a análisedas taxas brutas nos parecia indicar.

Somente uma comparação entre as estruturas nos pode explicar estadiferença de cerca de 11 %:

Composição por grupos de idade das populações femininas portuguesae belga em 1973 (em percentagem)

[QUADRO N.o 2]

Grupos de idade

0 - 45- 9

10-1415-1920-2425-2930-34 .35-3940-4445-49 . ... .50-5455-5960-6465-6970+

Portugal

8,69,28,98,37,36,16,36,56,46,05,25,25,04,16,9

Bélgica

7,97,77,37,25,76,06966,87,04,76,26,36,15,29,2

Diferença

+ 0,7+ 1,5+ 1,6+ 1,1+ 1,6+ 0,1— 0,3- 0 , 3- 0 , 6+ 1,3— 1,0— 1,1- 1,1— 1,1- 2 , 3

Examinando de perto a interacção entre a fecundidade e as estruturas,rapidamente nos damos conta de até que ponto a estrutura por idade podeestar na origem do desvio observado: é precisamente nos grupos de idadeem que a percentagem da população portuguesa é superior à da belga— 15-19 (+1,1) e 20-24 (+1,6)— que as taxas de fecundidade são infe-riores; pelo contrário, em todos os outros grupos de idade em que as per- 35

centagens são inferiores a fecundidade é mais elevada. O grupo de idade45-49 anos, que aparenta ser uma excepção, em rigor não o é, uma vezque os efectivos belgas sofreram um grande número de perdas durantea última guerra mundial, tendo sido este o grupo que nesta época maiorcontingente ofereceu ao exército. Estamos perante um exemplo compro-vativo do facto de as estruturas por si só poderem aumentar ou diminuiras taxas brutas numa proporção que não corresponde às variações do nívelde fecundidade.

Em conclusão, podemos afirmar que a taxa bruta de natalidade,dependendo pelo menos de três factores (nível da fecundidade, estruturapor idade da população e repartição da fecundidade por idades), se revelauma medida não só insuficiente, mas também susceptível de induzir emgraves erros qualquer análise, sobretudo quando se trata de análises regio-nais, onde as diferenças são por vezes muito subtis.

O recurso à taxa bruta de reprodução (que, em vez de ter em contao número de filhos dos dois sexos, apenas considera os nascimentos femi-ninos)) ou à taxa líquida de reprodução (que inclui o efeito da mortali-dade) nada altera porque é uma medida que, embora mais refinada,obedece aos mesmos princípios da descendência média.

O interesse que todas estas considerações têm para o estudo da fecun-didade regional portuguesa (que sabemos ter profundas assimetrias) é queos dados disponíveis entre nós apenas nos permitem calcular taxas brutasà escala distrital (geral, legítima e ilegítima). O facto de a recolha donúmero de nascimentos classificados por distritos e grupos de idade nãoestar feita impede-nos de aplicar a metodologia exposta anteriormente.É certo que, a partir dos anos 30, o número de nascimentos legítimospor grupos de idade começa a ser regionalizado, mas não só essa infor-mação não é suficiente para calcular os indicadores mencionados, comoqualquer tentativa para construir um tipo de índice semelhante à descen-dência média a partir destes dados se afigura perigosa. Com efeito, G.Wunsch7 afirma-nos que, em princípio, nada nos impede de somar astaxas de fecundidade legítima para obter um índice-resumo da fecundidadelegítima muito semelhante à descendência média. Mas, conforme afirmao referido autor, não se pode utilizar a soma assim obtida enquanto medidada intensidade do fenómeno em análise numa população malthusiana,porque um semelhante cálculo nos conduziria a misturar a fecundidadede casamentos de duração muito diferente e a esquecer a relação funda-mental entre a duração do casamento e a descendência final.

2. O método de standardização indirecta de Coale

Anseley Coale8, procurando suprir as carências apontadas anterior-mente, elaborou uma série de índices especiais onde os dados necessáriosnão só são apenas o número total de nascimentos legítimos e ilegítimos(não é necessário conhecer as estruturas de população nem os nascimentospor grupos de idade — standardização indirecta), como também exprimemo nível da fecundidade em função da sua contribuição para o controlemalthusiano e neomalthusiano de nascimentos. Estes índices, que a seguir

7 G. Wunsch, Les mesurse de Ia natalité, Lovaina, 1967.36 * Obras citadas na nota 6.

se apresentam em pormenor, mostram até que ponto uma populaçãodeterminada se aproxima do nível máximo de fecundidade que é possívelhumanamente atingir e em que medida o afastamento desse máximo édevido aos dois tipos de controle apontados anteriormente.

O primeiro índice é um indicador da fecundidade geral (//), que nosmostra a relação entre o número de nascimentos observados numapopulação determinada (2 f% Wi) e o daqueles que ocorreriam se as mulhe-res dessa população, em cada idade, tivessem o standard ou o modelode fecundidade máximo (2 Fi Wi):

, S/i Wi

onde

fi = nascimentos por mulher, no intervalo de idade /, na populaçãoestudada.

Wi = número de mulheres, no intervalo de idade /, na população estudada.Fi = nascimentos por mulher, no intervalo de idade /, na população

standard (mulheres hutterites, 1921-30).

Para realizar esta standardização indirecta, o modelo que Coale escolheucomo standard foi a fecundidade mais elevada que uma população podevir a ter. Baseando-se nas investigações de L. Henry9 sobre a fecundidadedas populações não afectadas pela utilização de práticas contraceptivas,chegou à conclusão de que a fecundidade mais elevada jamais observadaem qualquer país do mundo foi a das mulheres na tribo dos Hutterites10

durante o período de 1921 a 1930. No quadro n.° 3 são apresentadas astaxas de fecundidade da população portuguesa em dois momentos dotempo, em conjunto com as taxas da população dos Hutterites:

Taxas de fecundidade par grupos de idade da população portuguesa(1930 e 1973) e «hutterite» (1921-30)

[QUADRO N.° 3]

Grupos de idade

15-19 . . . .20-2425-2930-3435-3940-44 ...45-49

Portugal(1930)

0,0230,1500,1970,1720,1400,0640,011

Portugal(1973)

0,0330,1490,1780,1070,0700,0310,004

Hutterites(1921-30)

0,3000,5500,5020,4470,4060,2220,061

O segundo índice elaborado é um indicador da fecundidade legítima(7̂ ) que nos mostra a relação entre o número de nascimentos observadosentre as mulheres casadas duma população (2 g% mò e o número de nas-

9 L Henry, «Some data on natural fertility», in Eugenics Quarterly, 1961.10 Eaton e Mayer, «The social biology of very high fertility among the

Hutterites», in Human Biology, vol. 25, n.° 3, 1953. 37

cimentos que teriam ocorrido se as mulheres casadas da população emanálise tivessem o tipo de comportamento, ou o Standard, das mulherescasadas da população dos Hutterites (%Fi ra{):

%Fi nii

onde

gi = nascimentos por mulher casada, no intervalo de idade /, na popula-ção estudada.

mi = número de mulheres casadas, no intervalo de idade /, na popula-ção estudada.

Fi = o mesmo significado que no índice anterior.

Dentro do mesmo espírito, um outro índice pode ser elaborado paraa fecundidade ilegítima (h) desde que se estabeleça a relação entreo número de nascimentos observados nas mulheres solteiras, viúvas edivorciadas (2 h{ Ui) e o número de nascimentos que as mulheres nãocasadas teriam se o seu modelo de comportamento fosse igual ao dasmulheres da população standard (2F* UÍ):

onde

hi = nascimentos por mulher não casada, no intervalo de idade /, na popu-lação estudada.

Ui = número de mulheres não casadas, no intervalo de idade /, na popu-ção estudada.

Fi = o mesmo significado que nos índices anteriores.

Finalmente, um índice de nupcialidade, ou de proporção de mulherescasadas, foi elaborado por Coale, mas com a particularidade de estardirectamente relacionado com a fecundidade: Im. Este índice assim conce-bida baseia-se na relação entre o número de filhos que as mulherescasadas teriam se o seu modelo de comportamento fosse o do standard(2 Fi nii) e aquele que a totalidade das mulheres teriam se também o seumodelo de comportamento fosse igual ao das mulheres hutterites (2 Fi w{):

onde Fit mi e WÍ têm o mesmo significado que nos índices anteriores.Em muitos casos, porém (os distritos de Portugal é um deles), as esta-

tísticas demográficas dão-nos somente elementos suficientes para calcular-mos lg, h e Im. A grande dificuldade reside em calcular o //, uma vez queos valores de /{ (número de nascimentos por grupos de idade) ainda nãosão objecto de recolha, na escala em que se deseja trabalhar, da maiorparte das estatísticas. Em face desta dificuldade —que é a principal

38 razão de não se poderem aplicar os índices de standardização directa —,

pode-se mostrar que através de algumas transformações matemáticas épossível exprimir // em função de lg, 1% e Im:

iWi %Fi Wi

mas

%gi rrii = lg%Fi nii e % h Ui = lh

então

(lf =

onde

mas se

= 1 —

então

A importante relação assim obtida, além da vantagem apontada, per-mite ainda exprimir a fecundidade geral em termos de lg e Im. Ig mostrao efeito da redução neomalthusiana de nascimentos e lm mostra o efeitoda redução malthusiana. Nas sociedades em que a fecundidade das mulhe-res não casadas é negligenciável, a equação apresentada reduz-se a umaforma mais compacta:

Como conclusão resolvemos apresentar alguns valores de lf e lg cal-culados para alguns países representativos nos anos de 1870, 1900, 1930e 1960, a que juntámos os valores globais para Portugal obtidos com ainvestigação levada a efeito nas páginas seguintes. Assim, observando oquadro n.° 4, verificamos que uma fecundidade geral com valores supe-riores a 0,50 somente é encontrada na Europa oriental por volta de 1900e, nos nossos dias, em Taiwan e no México. Portugal, em relação a outrospaíses da Europa ocidental, apresenta valores dos mais elevados. O pre-sente estudo mostrará que estes valores não representam uma realidadehomogénea: o Sul do País, com valores por vezes mais baixos que a maiorparte dos países europeus, deixa-nos antever que o Norte certamente terá 39

valores excepcionalmente elevados. No que respeita à fecundidade legí-tima, poucos países se aproximam dos valores encontrados na populaçEodos Hutterites. Até ao presente momento, nenhum valor de lg calculadoultrapassou 0,85 e mais uma vez os valores encontrados em Portugal semostram dos mais elevados no contexto europeu.

Fecundidade geral e legítima em alguns países do mundo[QUADRO N.o 4]

PaísesFecundidade geral (If)

1870 1900 1930 1960

Fecundidade legítima (Ig)

1870 1900 1930

Europa ocidental:NoruegaSuéciaInglaterra . ...IrlandaFrançaPortugal

Europa oriental:RússiaBulgária

Ásia:JapãoTaiwan

América Latina:México

Outros países:Estados UnidosAustrália . ...Hutterites. ...

0,330,330,370,290,28

0,330,300,270,230,240,35

0,550,52

0,170,150,150,240,190,30

0,420,31

0,370,54

0,37 0,290,29

0,200,190,70

0,220,170,220,290,220,26

0,240,20

0,170,50

0,50

0,280,28

0,760,710,680,670,48

0,730,640,540,740,380,68

0,770,70

0,490,58

0,380,300,290,660,300,54

0,650,41

0,510,66

0,310,331,00

0,320,240,290,600,310,41

0,350,24

0,290,68

0,76

0,360,38

II

O CRESCIMENTO E A DENSIDADE DA POPULAÇÃONA REGIÃO SUL

40

1. As estimativas do século XIX

Apesar de o primeiro recenseamento feito em moldes modernos datarde 1864, durante o século xix algumas estatísticas foram ocasionalmenteelaboradas acerca de certos acontecimentos demográficos básicos, querpor via oficial, quer por via não oficial. A sua qualidade e regionalizaçãosão muito variáveis, mas não deixam de ser um precioso auxiliar de infor-mação para compreendermos nas suas linhas gerais o que foi a evoluçãoda população na região sul.

A primeira fonte é uma Lista de População e Famílias de 1801,baseada em elementos fornecidos por autoridades civis e religiosas. O Ins-

tituto Nacional de Estatística publicou em 1948 uma cópia do manuscritoque continha os resultados desta enumeração compilada por Manuel Tra-vassos11, contendo também uma recapitulação dos principais aconteci-mentos demográficos de 44 comarcas das 6 províncias (Minho, Trás-os--Montes, Beira, Estremadura, Alentejo e Algarve).

Balbi, por outro lado, na sua principal obra sobre Portugal12, realizao mesmo trabalho, no mesmo ano, mas a sua recolha de dados é estrita-mente baseada em subdivisões eclesiásticas. É evidente que as séries de nú-meros recolhidos pelos dois autores não coincidem, mas as diferençasnem por isso são muito significativas, razão pela qual apenas se apresentaa de Balbi:

População e nascimentos em 1801 (estimativa de Balbi)[QUADRO N.° 5]

Províncias

AlentejoAlgarve

Portugal

População

288 200100158

2 875 413

Famílias

80 93228 214

749 524

Habitantespor família

3,563,55

3,84

Taxa denatalidade

37,944,2

33,9

Ratio desexos à

nascença

102,1105,3

105,7

É curioso notar que, apesar das reservas que se deverão pôr em rela-ção à qualidade dos elementos recolhidos nesta época, a região sul apresen-tava uma natalidade superior à do País, se nos basearmos nas observaçõesfeitas por Balbi. O Algarve chega mesmo a atingir um valor de 44 nasci-mentos por 1000 habitantes.

2. A população e a densidade no século XX

No quadro n.° 6 apresenta-se a evolução da população desde o pri-meiro recenseamento oficial (1864) até ao último (1970):

População por distritos (em milhares)[QUADRO N.° 6]

Distritos

BejaÉvoraPortalegre . ...Faro

Portugal

1864

13510298

177

4287

1878

149114106204

4669

1890

159122115230

5103

1900

165129126257

5447

1911

195150144276

5999

1920

202156151271

6080

1930

243179165296

6802

1940

278210189320

7755

1950

291222200328

8510

1960

277219188315

8889

1970

202176145266

8569

11 I. N. E., Subsídios para a História da Estatística em Portugal, vol. li.13 Balbi, Compendio di geografia, vol. I, Turim, 1840. 41

[GRÁFICO II]

População(milhares)

Evolução da população na região sul (em milhares)

Legenda

1664 1678 1Ô90 1900 1911 1920 1930 194O 195O 1960 197O

Distrito de ÉvoraDistrito de FaroDistrito de PortalegreDistrito de Beja

Anos

Após um período de lento acréscimo ao longo de um século, a popu-lação começou a decrescer, como consequência da emigração e do declínioda natalidade. Contudo, se repararmos mais em pormenor, verifica-se quea totalidade dos distritos da região sul duplicaram os efectivos que tinhamem 1864 por volta de 1940, ao passo que Portugal só duplicou os seusefectivos por volta de 1950.

Isto quer dizer que a região sul se manifestou no início com umanatalidade bastante elevada (o que, aliás, vem na linha dos dados recolhi-dos por Balbi no século xix) e com uma emigração bastante reduzida.

Só posteriormente se manifestou uma nítida desaceleração do cresci-mento populacional. Contudo, se o crescimento demográfico foi muitorápido durante um século, a evolução das densidades demográficas daregião sul apresenta um ritmo muito menos significativo em relação aoritmo geral do País.

Densidade (habitantes por quilómetro quadrado)[QUADRO N.o 7]

Distritos

BejaÉvoraPortalegre . ...Faro

Portugal

1664

13141735

67

1878

15151840

51

1890

16172045

56

1900

16172250

60

1911

19202454

66

1920

20212653

66

1930

24242858

74

1940

27283263

85

1950

28303465

93

1960

27303262

97

1970

19272956

89

III

A EVOLUÇÃO DA NUPCIALIDADE

1. Aspectos da sua evolução regional

A análise da nupcialidade e da sua mudança ao longo do tempo éum passo preliminar para o estudo da fecundidade.

Na Europa ocidental, no fim do século xix, a idade na altura docasamento e a proporção de pessoas que ficaram celibatárias no fim doperíodo fecundo (em geral depois dos 50 anos) influenciaram bastantea fecundidade.

Para melhor se compreender a importância desta variável na suaexacta medida quantitativa, atente-se no seguinte exemplo: em 1878,a proporção de mulheres em idade de procriar (15-50 anos) que eramcasadas no distrito de Faro apresentava uma percentagem 75 % superiorà do distrito da Horta. Se ignorarmos a ilegitimidade e as diferenças nacomposição por idade e pusermos como hipótese uma fecundidade legí-tima igual nas duas populações, a taxa de natalidade do primeiro distritoexcederá a do segundo também em 75 %. 43

Vários índices de nupcialidade podem ser elaborados, mas, tendo emconta os elementos de que dispomos, quer nas nossas estatísticas correntes,quer nos recenseamentos, três índices foram elaborados:

1.° A proporção de mulheres casadas na população feminina emidade de procriar (15 a 49 anos). É o lm apresentado no iníciodo trabalho que descreve a nupcialidade em termos de efeitopotencial sobre a fecundidade. Depende da idade média do casa-mento, da proporção de mulheres que nunca se casaram e dafrequência da viuvez.

2.° A proporção de mulheres casadas no grupo das mulheres entreos 20 e os 24 anos de idade. Esta medida está intimamente corre-lacionada com a idade média do casamento e é um bom indicadorda tendência de as pessoas se casarem cedo ou tarde.

3.° A proporção de mulheres solteiras entre os 50 e os 54 anos deidade. É um indicador da proporção de mulheres que não se casamantes do fim do período de procriação e que, portanto, já nãocontribuirão para a fecundidade legítima da população.

É óbvio que estes índices são afectados pela ausência de rigor cientí-fico na contagem dos efectivos de certos grupos de idade, nomeadamentenos grupos de mulheres casadas e não casadas.

Nos quadros n.os 8, 9, 10 e 11 e no gráfico in calculámos as trêsmedidas de nupcialidade apresentadas, durante um período que vai de 1864a 1970, para Portugal e os quatro distritos da região sul, para assim termosuma ideia do comportamento de cada uma destas áreas em relação ao País.

lm na região sul (efeito potencial da nupcialidade sobre a fecundidade)

[QUADRO N.o 8]

Anos

1864187818901900 ..19111920 ..19301940 .. ...1950 .. . ...1960 ...1970

Distritos

Faro

0,5410,6010,5650,5600,5660,5490,5370,5250,5760,5660,660

Évora

0,4960,5100,4980,4970,5340,4970,5090,4670,4970,5360,605

Beja

0,5340,5820,5660,5380,5710,5380,4840,4490,4470,4660,578

Portalegre

0,5560,5500,5630,5520,5700,5390,5510,5610,5700,6060,628

Portugal

0,4240,4520,4560,4600,4710,4550,4740,4760,5130,5560,589

44

Pela análise dos quadros n.os 8 e 9 e do gráfico in verifica-se quea nupcialidade para o conjunto da população portuguesa apresentou umagrande estabilidade até à década de 1940, tendo a seguir começado a subirgradualmente até 1970. O mesmo comportamento não foi observadoà escala distrital: embora cada distrito tenha uma evolução particular, Faro,Évora e Portalegre só na última década, só nos últimos anos, começarama ter valores superiores à média observada durante o século. Beja, a partir

IGRÁFICO III] Evolução dos desvios dos Im distritais em relação aos Im de Portugal (nupcialidade)

Legenda

• Distrito de Évora

Distrito de Faro

—•— Distrito de Portalegre

—o— Distrito de Beja

16O-

1 4 0 -

120-

1OO-

11864

11878

11890 1900

11911

11920

11930

I1940

I197O

.2

da década de 1930, começou a decrescer substancialmente, embora tenharecuperado na última década. Por outro lado, se, no fim do século passado(e em grande parte deste século), os valores de lm se apresentavam multosuperiores à média do País (o que quer dizer que a região tinha as zonascom maior nupcialidade), a partir dos anos 1920-30, a nupcialidade começoua decrescer, havendo mesmo dois distritos que se passaram a manifestarcom médias inferiores: Beja e Évora (ver gráfico in).

Evolução de Im em número-índices no período de 1864-70

[QUADRO N.o 9]

Anos

1864187818901900 ..19111920 ..1930 ..1940195019601970

Distritos

Faro

95,8106,410099,1

100,297,295,097,9

107,9100,2116,8

Évora

99,6102,410099,8

107,299,8

102,293,899,8

107,6121,5

Beja

94,3102,810095,1

100,995,185,579,379,082,3

102,1

Portalegre

98,897,7

10098,0

101,295,797,999,6

101,2107,6111,5

Portugal

93,099,1

100100,9103,399,8

104,0104,4112,5121,9129,2

O segundo indicador de que nos servimos é uma medida que procuradar a propensão para o casamento através da proporção de mulherescasadas no grupo de idades dos 20-24 anos:

Proporção de mulheres casada» no grupo de idades 20-24 anos

[QUADRO N.o 101

Anos

186418781890190019111920 .1930 .. . . .1940 ..19501960 ..1970 ..

Distritos

Faro

42,749,143,639,441,139,236,135,242,245,151,0

Évora

34,939,234,735,938,830,534,528,531,034,434,7

Beja

40,148,540,439,242,636,327,221,322,825,034,7

Portalegre

44,243,941,239,141,035,535,838,438,142,636,8

Portugal

26,131,429,630,430,929,130,833,534,341,039,0

46

Em Portugal, este indicador tem mostrado uma tendência gradual parao crescimento: no fim do século xix era cerca de 30 %, enquanto em 1970a proporção é já de 39 %. Qual o significado exacto deste indicador?

É um excelente substituto da idade média, mediana ou modal do casa-mento. Assim, quando a proporção sobe 9 % num século, isto quer dizer

que temos uma substancial diminuição na idade média do casamento tra-dicionalmente representado por m 13.

Assim, observando os dados da região sul, somos levados a concluirque, ao contrário do que acontecia no Norte do País, se casava muito cedo.

Se o distrito de Faro se manteve mais ou menos nesta situação,os outros distritos — o Alentejo — têm apresentado, com mais ou menosirregularidades, uma tendência para o declínio da proporção, ou seja, paraum aumento da idade média do casamento.

O terceiro indicador é talvez dos mais interessantes e daqueles quemais se prestam a considerações de ordem sociológica.

Proporção de mulheres solteiras entre os 50 e os 54 anos de idade(indicador de Hajnal) (*)

[QUADRO N.° 11]

Anos

186418781890 .. . ...19001911 ..1920193019401950 . . .19601970

Distritos

Faro

11,09,0

10,4

9̂ 88,88,09,2

10,812,810,2

Évora

12,316,316,2

15/716,213,512,913,415,412,4

Beja

11,311,513,1

iTT510,49,7

11,613,518,218,2

Portalegre

13,113,314,3

10,49,69,59,69,1

10,67,8

Portugal

21,720,222,2

(21,4)18,918,216,818,116,716,013,0

(a) Hajnal, «Age at marriage and proportions marrying», in Population Studies, 1953.

A proporção de mulheres que nunca casarão é muito elevada em Por-tugal quando comparada à de outros países europeus. Chegou a atingirum nível de 22 % no fim do século passado, tendo decrescido muito lenta-mente até aos nossos dias. Na região sul, a presença de valores bastantebaixos, em relação aos valores médios em Portugal, complementa as con-siderações tecidas acerca do quadro anterior: o reduzido número de mulhe-res solteiras é uma consequência directa do facto de no Sul se ter casadosempre muito cedo.

2. Factores que podem ter afectado as diferenças de nupcialidadeobservadas

É muito complexa a análise dos factores que podem estar na basedas variações registadas. Mesmo antes duma observação superficial das

13 m é a idade média no primeiro casamento; calcula-se como uma médiaponderada, admitindo como hipótese que as mulheres que se casaram entre as ida-des x e x + 5 tinham, em média, a idade exacta de x + 2,5 no momento do casa-mento. A fórmula para o seu cálculo é a seguinte:

m '2,5)Xm(;t,jc+5)]

S m (x, x + 5) 47

características do Alentejo e do Algarve, dois aspectos podem ser explici-tados como tendo uma incontestável influência na nupcialidade.

O primeiro aspecto importante é a variável emigração, sobretudoa emigração masculina, que, alterando a estrutura de sexos da população,afecta gravemente as oportunidades de casamento.

O segundo factor, talvez ainda mais importante do que o primeiro,consiste nas diversas formas existentes de posse e distribuição da terrae nas diversas formas de transmissão da propriedade duma geração a outra.

É evidente que o primeiro factor é em grande parte uma consequênciado segundo, mas, se se procede a uma análise em separado, é por razõesde maior clareza.

A emigração é um fenómeno que não atinge igualmente não só asvárias regiões do País, como também os vários distritos da região sul.Sempre foi muito mais intensa no Norte do País do que no Sul e maisintensa em Faro e Beja que em Évora e Portalegre.

Taxa de emigração (a)[QUADRO N.°

Anos

Taxa média de emi-gração em 1900-60

1970 .. . . . .1973

Distritos

Faro

2,010,86,2

Évora

0,12,64,9

Beja

0,310,19,7

Portalegre

0,31,12,8

Portugal

4,76,79,3

(a) Número de emigrantes por 100 habitantes a meio do período.

Assim, observando o quadro n.° 12, verificamos que os valores refe-rentes ao Alentejo são nitidamente inferiores às médias do continente(com excepção dos últimos anos no distrito de Beja), talvez devido querà baixa densidade, quer à necessidade de mão-de-obra numa primeira fase,em que a agricultura ainda não estava mecanizada. Uma emigração perma-nente provoca alterações na estrutura dos sexos e, sendo sobretudo osjovens do sexo masculino que saem da região, é natural que as oportu-nidades para as mulheres se casarem diminuam. Assim, não admira queno quadro n.° 11 seja Beja o distrito que no Alentejo apresenta uma maiorpercentagem de celibato definitivo (18 %).

No entanto, a emigração não pode ser o único factor explicativo dasvariações observadas na nupcialidade14. No Alentejo, a emigração erapraticamente desconhecida até 1960 e uma grande parte da populaçãorural tem sido sempre formada por trabalhadores assalariados, e não porpequenos proprietários. Ora esta massa de trabalhadores, não tendo certa-mente problemas de herança a resolver, não vê nos filhos «a continuidadeda sua obra».

As mulheres só nos últimos anos têm participado na actividade econó-mica, ao contrário das do Norte do País: em 1900, por cada 10 homens

14 O distrito de Faro, com a mais elevada taxa de emigração, tem, no entanto,48 um celibato definitivo inferior ao de Beja.

havia 7 mulheres economicamente activas no Norte (Minho), enquantono Alentejo essa proporção era de 2 para 10.

Durante o presente século é notória a estabilização da nupcialidadetanto no Alentejo como no Algarve. Esta estabilização é compreensível tendoem conta os valores elevados que apresentava no início do século emrelação ao País, mas não parece ser este o único factor explicativo. Houve,com efeito, no Sul uma certa difusão da «relutância» das pessoas em secasarem. Montalvão Machado15 observou como os jovens, em certasáreas do Alentejo, se casam cada vez menos (Alcácer do Sal, Grândòla,Santiago do Cacem, Odemira), tendo como consequência mais directa umexcedente dos filhos ilegítimos em relação aos legítimos.

Descamps16 afirma mesmo que, «depois da República, as práticasreligiosas foram abandonadas em muitas vilas e aldeias, particularmenteno Sul e a oeste. As pessoas não se casam na igreja e mesmo muitas vezesnem pelo civil, porque isso custava 180$».

Este autor afirma ainda que, por exemplo, no concelho de Grândòla«o casamento é raro; as pessoas começam a viver juntas, algumas vezesseparam-se, outras vezes vivem juntas uma vida inteira. Quando têm doisou três filhos, então casam-se pelo civil».

A população do Alentejo e do Algarve —é um facto bem conhe-cido— não é muito religiosa. Em 1950, em Évora, somente 40 % a 50 %dos casamentos eram católicos. Uma grande parte da população decla-ra-se ateia em vários recenseamentos. Os laços familiares, não sendo refor-çados por profundas ligações à religião, são pouco fortes; o divórcio existe,mas, como é caro, muitas pessoas acreditam que é mais prático viveremjuntas sem casamento e separarem-se quando for necessário.

Tendo em conta esta particular mentalidade, e dada a enorme quan-tidade de casais ilegítimos, não é nada surpreendente que a nupcialidadefique constante, ou até mesmo decline rapidamente, como aconteceu emBeja (ver gráfico in).

IV

A FECUNDIDADE NA REGIÃO SUL

1. Aspectos metodológicos

Como já se disse, as estatísticas oficiais permitem-nos seguir a evolu-ção da fecundidade no Alentejo e no Algarve desde 1890 a 1970. Os indi-cadores de fecundidade adoptados são exclusivamente medidas de períododerivadas da combinação entre as estatísticas correntes demográficas e osrecenseamentos. Servimo-nos dos índices obtidos indirectamente Itt lg, htal como foram descritos no capítulo i deste trabalho, onde

It é um índice de fecundidade geral = *——

15 Montalvão Machado, «No centenário do I Censo populacional português»,R. C. E. D., n.° 16, 1965.

1# Descamps, Le Portugal Paris, 1935. 494

é um índice de fecundidade legítima =S gi

h é um índice de fecundidade ilegítima —

e os símbolos /*, wif Fit mi e Ui têm o significado explicado anterior-mente.

É um facto evidente que as nossas estatísticas, sobretudo no fimdo século passado e no princípio do século xx, não têm sido perfeitas,quer por deficiência dos serviços, quer em virtude da grande percentagemde população analfabeta que torna a exactidão das enumerações muitodifícil.

Existem inúmeros métodos indirectos que são usualmente empreguespara corrigir o número de nascimentos oficialmente registados, mas, paraque estes métodos se possam aplicar, torna-se necessária a existência debons recenseamentos (sem distorções na estrutura por idades) e de boasmedidas do nível de mortalidade.

Nem sempre estas duas condições se realizaram em Portugal, assimse compreendendo as dificuldades na aplicação dos métodos habituais.A maneira de contornar a dificuldade é fazer uma estimativa das deficiênciasnos nossos registos através de projecções retrospectivas dos censos nosgrupos de idade inferior a 10 anos, comparando em seguida os resultadosassim obtidos com os nascimentos registados nos dez anos que medeiamentre um recenseamento e outro. Os coeficientes para esta projecção retros-pectiva podem ser derivados das tábuas-tipo de Princeton, sendo a entradanas tábuas feita através de dois parâmetros facilmente disponíveis: r(taxa de crescimento natural) e T. m. (taxa de mortalidade)17.

Aplicando este método à população portuguesa no seu conjunto,obteve-se o seguinte quadro comparativo:

[QUADRO N.o 13]

Períodos

1 8 9 1 - 1 9 0 0 . ... ...1 9 0 2 - 1 1 ... ... ...1 9 1 1 - 2 0

Nascimentos calculados

1669 5601 838 0391789477

Nascimentos registados

16010281 841 1501904408

Diferençaem percentagem

— 4,1+ 0,2+ 6,4

50

" Em 1955 e 1956, o Serviço de População das Nações Unidas estabeleceuuma primeira série de tábuas-tipo de mortalidade baseadas numa série de esquemasde mortalidade por sexo e idade de modo que a cada nível de mortalidade corres-ponda uma tábua-tipo. Se conseguirmos obter uma característica da mortalidade napopulação (em> q» ou mm) por interpolação, pode-se calcular o esquema de mortali-dade por idade e sexo que corresponde à população estudada. São portanto tábuas--tipo que dependem de um único parâmetro e que na prática se revelaram bastanteinsuficientes: a uma determinada medida de mortalidade (q0 por exemplo) podem cor-responder diversos esquemas de mortalidade muito diferentes uns dos outros. Pararemediar este defeito, Paul Demeny e A. Coale estabeleceram no Office of Popula-

Podemos pois fazer as seguintes considerações:

Os nascimentos registados são inferiores aos nascimentos calculadosna última década do século xix. As diferenças observadas noperíodo de 1902-11 tornam-se muito pouco claras devido à inclu-são das estatísticas de 1911 (40 000 nascimentos).

Na década de 1911-20 observa-se exactamente o inverso d o que severifica na década de 1891-1900, ou, por outras palavras, sãoos nascimentos registados que excedem os calculados. A causamais importante deste facto reside, sem dúvida, na excepcionalmortalidade em consequência de uma gripe epidémica n o fimda década (um trabalho interessante a fazer seria o de estimara medida em que esta gripe epidémica afectou a populaçãomais jovem).

A comparação entre nascimentos registados e estimados tende a teruma certa consistência, mas nenhum dos dois termos de compa-ração pode ser considerado como exacto. N o caso de Portugal,parece que a exactidão é mais rápida nas estatísticas correntesque nos recenseamentos, o que aliás vai na linha das experiênciasobservadas em países de características idênticas: Itália, Espa-nha e Grécia.

Tendo em consideração estes aspectos e aplicando o método apresen-tado, a população com idade inferior a 10 anos em cada recenseamento(1900, 1911 e 1920) foi comparada respectivamente com os nascimentosde 1891-1900, 1902-11 e 1911-20. Os nascimentos foram calculados atravésda seguinte fórmula:

Io IoBe = 5P0 X + —

5L0/5 5L5/5onde:

sPo> h> sL0 e 5L5 são os parâmetros clássicos de qualquer tábua demortalidade18.

Os parâmetros foram tirados das tábuas-tipo de Princeton (modelosul).

A escolha da tábua adequada foi feita pela combinação dos parâme-tros. T. m. (taxa de mortalidade) e r (taxa de crescimento).

Podemos agora compreender a origem das diferenças apresentadasanteriormente entre os nascimentos registados e os calculados.

tion Research da Universidade de Princeton quatro modelos regionais de mortalidade:

Modelo norte: baseado nas estatísticas de mortalidade da Suécia, Noruegae Islândia.

Modelo sul: baseado na mortalidade de Itália, Espanha Portugal e Sicília.Modelo este: baseado na mortalidade da Europa central.Modelo oeste: residual.

Estas tábuas baseiam-se assim em dois parâmetros: em primeiro lugar esco-lhe-se um dos quatro tipos e, seguidamente, em cada tipo escolhe-se a tábua quemelhor corresponde ao nível de mortalidade observado.

18 sPo (taxa de sobrevivência entre os 0 e 5 anos); l0 (sobreviventes na idade0 — raiz da tábua); JLo (sobreviventes no grupo de idade 0-5 anos em anos com-pletos); sLs (sobreviventes no grupo de idade 5-/0 anos em anos completos. 51

[GRÁFICO IVJ Evolução dos desvios dos l f distritais em relação aos If de Portugal(fecundidade geral)

Legenda

Distrito de ÉvoraDistrito de FaroDistrito de PortalegreDistrito de Beja

16O-

- s

1900 1940

Avaliação dos erros de registo de nascimentoIQUADRO N.° 14]

Grupos de idadeno recenseamento

0-45-9

Total ...

0-45-9

Total ...

0-45-9

Total ...

Populaçãono recensea-

mento

637 009623 524

1 260 533

706 306703 153

1409 459

604 132683 886

1288 018

Coeficientes Nascimentosestimados

1891 — 1900

1,26321,3871

804 670864 890

1 669 560

1902 — 1911

1,24781,3606

881 329956 710

1 838 039

1911 — 1920

1,30571,4632

788 8151 000 662

1789477

Anos deregisto dosnascimentos

1896-19001891-95

1907-111902-06

1916-201911-15

Nascimentosregistados

805 255795 773

1 601 028

943 391898 559

1 841 950

928 928975 480

1904 408

Desvios

+ 0,1— 6,0

Pu;

+ 7,0— 6,1

+ 0,2

+ 17,8- 2 , 5

+ 6,4

Pode-se observar, por exemplo, que o desvio de + 0,2, que à primeiravista parece insignificante, é o resultado de dois «movimentos» em sentidocontrário: +• 7,0 e — 6,1. É também possível que a taxa de «regresso àvida», de 1,3057, adoptada para o censo de 1920 seja muito pequena.O nível de mortalidade de 1911-20 foi anormalmente elevado em conse-quência da gripe epidémica no fim da década e é lógico que os gruposde idade mais afectados tenham sido os mais jovens. A ratio 1,3057deverá ser portanto aumentada, para ter em conta esta diminuição, e adiferença de 17,8 % reduzir-se-á até se aproximar dos outros valoresobservados.

Além disso, em Portugal, como em Espanha e na Itália, a distorçãoobservada nos diferentes grupos de idade é feita de uma maneira muitoparticular: o grupo de idade 0-4 é geralmente subavaliado, mas os nasci-mentos omitidos são em grande parte recuperados no grupo de idadeseguinte (5-9).

Este modelo de comportamento traduz-se nos sinais + e depois —observados no quadro n.° 14.

Ao nível distrital, e na ausência de informação mais pormenorizadasobre o nível da sub ou sobreavaliação dos nascimentos, os diversos factoresde correcção foram estimados da seguinte maneira:

Estimou-se o número de nascimentos com registo tardio em cada dis-trito no ano de 1911, subtraindo-se dos nascimentos registadosem 1911 o número médio de nascimentos registados em 1908-10e 1912-14.

Partiu-se da hipótese de que o número de nascimentos sub-registadosem 1888-92 e 1900-04 poderia ser atribuído aos distritos numa

— proporção igual à proporção de nascimentos com inscrição tar-dia em 1911.

O número de nascimentos registados mais o número total de nasci-mentos ajustados para o cálculo das taxas de fecundidade.

Assim, o factor corrector para cada distrito (número total de nasci-mentos ajustados/total de nascimentos registados) da região sul é:

Faro ... 1,06Évora 1,09Beja . ... 1,08Portalegre 1,04

2. Evolução da fecundidade (If)

O primeiro facto a notar é que os baixos valores de nupcialidadeobservados em Portugal no fim do século xix tiveram como mais directaconsequência um baixo nível de fecundidade. Com efeito, a taxa de nata-lidade nos países da Europa ocidental excedia praticamente em toda aparte os 40%; nos países do Mediterrâneo era superior a 35% (36%a 37 % em Espanha e em Itália). Em Portugal, o seu valor rondavaos 32 %-33 %, valores tão baixos como os observados em Inglaterra ounos países nórdicos.

Mais ainda, o declínio da fecundidade não se fez rapidamente noinício do século, mas muito tardia e lentamente.

A região sul teve, dentro deste contexto, um comportamento relativa-mente original.

Evolução dos índices de fecundidade geral (If) de 1890 a 1970 na região sul[QUADRO N.° 15]

Anos

1890(1888-92)

1900(1901-04) ...

1911(1909-13)

1920(1918-22) .. ... ...

1930(1928-32) .. •

1940(1938-42)

1950(1948-52)

1960(1958-62)

1970(1968-72)

Distritos

Faro

0,428

0,401

0,390

0,338

0,270

0,220

0,203

0,172

0,196

Évora

0,347

0,395

0,385

0,352

0,320

0,252

0,207

0,175

0,180

Beja

0,399

0,402

0,405

0,369

0,314

0,253

0,231

, 0,203

0,187

Portalegre

0,338

0,392

0,388

0,355

0,315

0,247

0,203

0,189

0,184

Portugal

0,358

0,353

0,344

0,318

0,304

0,257

0,255

0,255

0,239

Basta observar o quadro n.° 15 e o gráfico iv para vermos até queponto a região sul, no que respeita ao declínio da fecundidade, tem umaevolução particular. No fim do século passado, Évora e Portalegre tinhamvalores abaixo da média de Portugal e Beja e Faro tinham uma fecundi-dade superior. No início do século xx, toda a região sul nos aparece bas-tante homogénea, na medida em que apresenta valores muito aproxi-mados e a fecundidade se revela bastante elevada em relação ao País.

É por volta da década de 1930 (o distrito de Faro um pouco antes)que todo o Alentejo passa a ter valores inferiores aos do continente e dePortugal. Isto quer dizer não só que houve um declínio da fecundidade,mas também que esse declínio não foi igual em todo o país.

Contudo, para podermos aprofundar mais a nossa análise, temos deobservar o papel desempenhado quer pela fecundidade legítima, quer pelafecundidade ilegítima — respectivamente lg e h —, no declínio da fecun-didade da região, declínio esse que não foi seguido noutras regiões do País.

3. A evolução da fecundidade legítima (Ig)

Para além da comparação entre o quadro n.° 15 com os quadrosn.os 16 a 19, é fundamentalmente através da análise dos gráficos iv e vque nos apercebemos do impacte da fecundidade legítima na fecundidadetotal. Assim, analisando as curvas dos devios do lg (fecundidade legítima)com a curva de fecundidade total (/*). verificamos rapidamente a extraor-dinária semelhança no aspecto geral das curvas. A diferença fundamentalreside no facto de os lt serem primeiro valores superiores à média do Paíse depois inferiores, ao passo que os valores de lg são sempre inferiores.

Se compararmos mesmo os resultados da região sul com outros valo-res observados na Europa, vemos que, por volta da década de 1950, os

Evolução dos índices de fecundidade legítima (Ig) de 1890 a 1970 na região sul[QUADRO N.o 16]

Anos

1890(1888-92)

1900(1901-04)

1911(1909-13) ..

1920(1918-22)

1930(1928-32)

1940(1938-42)

1950(1948-52)

1960(1958-62)

1970(1968-72)

Distritos

Faro

0,702

0,654

0,617

0,544

0,419

0,317

0,284

0,250

0,258

Évora

0,610

0,691

0,622

0,596

0,500

0,385

0,316

0,254

0,255

Beja

0,639

0,672

0,640

0,602

0,542

0,429

0,375

0,300

0,254

Portalegre

0,650

0,658

0,634

0,608

0,520

0,381

0,314

0,274

0,271

Portugal

0,689

0,681

0,636

0,609

0,544

0,453

0,440

0,414

0,383

IGRAFICO V]Evolução dos desvios dos Ig distritais em relação aos Ig de Portugal

(fecundidade legítima)

Legenda

Distrito de Évora

Distrito de Faro

—•— Distrito de Portalegre

—o— Distrito de Beja

1690 1900 1911 1920 193O 1940 1950

números apresentados são dos mais baixos em toda a Europa. No espaçode trinta anos, o declínio da fecundidade atinge reduções de cerca de 50 %e até mesmo de 60%. O quadro n.° 17, que nos mostra a evolução emtermos de oúmeros-índices, é o melhor indicador da evolução observada.

Por outro lado, conforme já foi dito, a emigração é uma variávelcom características especiais, na medida em que pode afectar gravementea estrutura populacional, nomeadamente nos grupos de idade sujeitos àprocriação.

Evolução de Ig em números-índices (1890 = 100)[QUADRO N.o 17]

Anos

1890 ..19001911 .1920 ..19301940 ..1950 ..1960 ..1970 ..

Distritos

Faro

10093,287,977,559,745,240,535,636,8

Évora

100113,3112,097,782,061,151,841,641,6

Beja

100105,2100,294,284,867,158,746,939,7

Portalegre

100101,297,593,580,058,648,342,241,7

Portugal

10098,892,388,479,065,763,960,155,6

No quadro n.° 18 estão descritos os valores da ratio entre o númerototal de mulheres casadas (Mc) e de homens casados (Hc). Este ratiodeverá ser, em princípio, igual a 100 se não houver factores anormais quecausem a separação dos casais. Quando se verifica, como em Portugal,a existência duma intensa emigração (normalmente os homens em primeirolugar), esta ratio tende a ser superior a 100. Isto significa que uma certa

proporção de mulheres casadas, aproximadamente igual a 100 X 100

não ficam sujeitas ao risco de conceberem um filho legítimo.Observemos, em primeiro lugar, o que esta ratio (Mc/Hc) X 100 nos

dá na região sul:

Mulheres casadas por 100 homens casados na região sul[QUADRO N.o 18]

Anos

186418781890 ..1900 ..191119201930 ..1940 .. . . .1950 .. .19601970 ..

Distritos

Faro

103,5101,899,2

100,6104,7103,6107,0102,3103,7103,3103,6

Évora

99,299,299,498,2

100,5101,2100,198,9

101,299,5

100,8

Beja

98,599,097,499,298,7

100,797,497,599,999,4

100,2

Portalegre

96,498,8

102,5100,6101,2102,293,799,6

100,7100,0101,3

Portugal

100,3101,2101,5102,5105,3105,2103,3103,3106,4103,5105,5

57

A distorção não parece ser particularmente elevada em relação aosvalores obtidos no País, o que não admira, pois é do conhecimento geralque o fenómeno emigratório é muito mais intenso no Norte do que no Suldo País.

Em todo o caso, particularmente no distrito de Faro, ainda se encon-tram por vezes valores importantes — em 1930, em Faro, 7 mulheres casadasa mais por cada 100 homens.

Este excesso de mulheres deve portanto ser eliminado do cálculo dosíndices de fecundidade legítima multiplicando a ratio Mc/Hc pelo índicede fecundidade legítima (Ig), admitindo como hipótese que a ratio nãovaria de grupo a grupo de idade.

Esta hipótese não é totalmente admissível, porque, como se sabe,a emigração não afecta igualmente todos os grupos de idade, mas, paranão complicarmos muito os cálculos, já nos parece ser um factor de cor-recção bastante satisfatório.

Obtivemos assim os seguintes valores de Ig corrigidos:

Evolução dos índices de fecundidade legítima (Ig) de 1890 a 1970,corrigidos dos efeitos da emigração

[QUADRO N.o 19]

Anos

1890190019111920 ...1930194019501960 ..1970

Distritos

Faro

0,7020,6580,6460,5640,4480,3240,2950,2580,267

Évora

0,6100,6910,6250,6030,5010,3850,3200,2540,257

Beja

0,6390,6720,6400,6060,5420,4290,3750,3000,259

Portalegre

0,6660,6620,6420,6210,5200,3810,3160,2740,275

Portugal

0,7090,7000,6740,6420,5420,4680,4590,4350,404

Comparando os novos valores obtidos com os anteriores valores de Ignão corrigidos verifica-se que não há alterações substanciais na tendênciadas curvas.

Tal facto não significa que a emigração não tenha nenhum impacteno quantitativo global da fecundidade legítima. Apenas significa que a suaestrutura não é alterada profundamente.

58

4. A evolução da fecundidade ilegítima (Ih)

A fecundidade ilegítima em Portugal é das mais elevadas da Europa,muito próxima dos valores obtidos na Suécia e na Áustria, contrastandofortemente com os valores obtidos nos outros países latinos.

Em Portugal, no seu conjunto, a ilegitimidade é praticamente cons-tante até 1940, até que, a partir desta data, começa a declinar rapidamenteaté aos nossos dias.

Na região sul obtivemos os valores que se podem analisar no quadron.° 20.

Evolução dos índices de fecundidade ilegítima (Ih) de 1890 a 1970na região sul

IQUADRO N.o 20]

Anos

189019001911192019301940195019601970

Distritos

Faro

0,0680,0760,0930,0870,0970,1130,0930,0720,075

Évora

0,0800,0930,1120,1120,1340,1360,1000,0850,066

Beja

0,0800,0810,0920,0980,1000,1100,1140,1140,095

Portalegre

0,0600,0610,0620,0600,0650,0760,0570,0580,037

Portugal

0,0750,0730,0830,0750,0880,0760,0590,0570,042

Uma breve análise dos acontecimentos revela-nos que aparece umsubstancial aumento da ilegitimidade depois da Concordata de 1928 e dasmodificações na legislação sobre o casamento levadas a cabo durante estaépoca. O aumento da ilegitimidade depois de 1928, no conjunto do País,observa-se bem na evolução dos h (0,75 em 1920 e 1940 e 0,88 em 1930).Não tão claro, mas mais durável, é o aumento que se verifica em cadaum dos distritos da região sul. Só a partir da década de 1950 se observano conjunto dos distritos uma diminuição acelerada da ilegitimidade.

No Norte do País e em Lisboa, a ilegitimidade era particularmenteelevada no fim do século, fundamentalmente devido a dois factores: empirmeiro lugar, a desproporção de sexos causada pela emigração; em se-gundo lugar, a baixa nupcialidade e particularmente a elevada proporçãode mulheres que ficam celibatárias. Uma vez que uma grande parte dapopulação é excluída do casamento, não é surpreendente encontrar umelevado número de concepções ilegítimas, por vezes toleradas mesmo pelafamília e pela sociedade. É sobretudo devido ao aumento firme, mas lento,da nupcialidade que a ilegitimidade começa a baixar.

Na região sul, a ilegitimidade, com excepção de Portalegre, situa-sebem acima da média durante todo o período de observação, conforme sepode observar no gráfico vi. Tal fenómeno não pode ser de modo nenhumimputado quer à emigração quer à nupcialidade. A primeira é praticamentenula e a segunda situa-se a níveis absolutamente normais. Outras condiçõesexistem que favorecem a existência desta forte ilegitimidade: existe umelevado número de casais «irregulares» cuja descendência só mais tardeé registada legalmente (quando o é); por outro lado, uma incidênciaelevada de emigrações internas, sobretudo por causa das ceifas, tradicio-nalmente têm implicado um fluxo de trabalhadores masculinos, criando^seassim todas as condições para a existência de relações «ilegítimas».

Finalmente, há ainda a salientar que muitos filhos registados comoilegítimos foram legitimados através do casamento dum casal «irregular».Como diz Montalvão Machado19, «quando têm dois ou mais filhos, cele-bram um casamento civil». Este facto ocorre particularmente nos distritosda região sul, onde a ratio legítimos sobre ilegítimos alcança por vezes valo-

19 Obra citada na nota 15. 59

[GRÁFICO VI] Evolução dos desvios dos Ih distritais em relação aos Ih de Portugal(fecundidade ilegítima)

Legenda

Distrito de ÉvoraDistrito de Faro

—•— Distrito de Portalegre—o— Distrito de Beja

16O

140

120-

2 0 -

40-

60-

80-

1OO-

120-

14O-

160-

I1950

res de 1/4 e 1/3, conforme se pode observar no quadro n.° 21. Comosalienta Descamps20, muitos nascimentos, inicialmente ilegítimos, são legiti-mados posteriormente, uma vez que são oriundos de pais que vivem juntos,mas que vivem juntos pelo simples facto de uma cerimónia custar caro.

Nascimentos legitimados através do casamento (em percentagemsobre os nascimentos ilegítimos

[QUADRO N.o 21]

Distritos

FaroÉvora .Beja ...Portalegre

Anos

1940

26,915,22,5

37,1

19-50

25,435,15,6

35,0

1973

25,943,822,932,0

Em resumo:

1. A estabilização da ilegitimidade na região sul está fortemente rela-cionada com a estabilização da nupcialidade.

2. Tal facto confirma-se através da correlação que se encontrou entreas mudanças na nupcialidade e as mudanças na ilegitimidade de1890 a 1970:

r (percentagem das mudanças lm e h) = — 475r (percentagem das mudanças na proporção de mulheres celiba-

tárias no grupo 50-54 e Ih) = + 716

3. O impacte da ilegitimidade na fecundidade total é elevado.4. Contudo, se a nupcialidade está correlacionada com a ilegitimidade,

este facto não é ©m si um factor explicativo da existência de um helevado: é apenas um elemento de estabilização. As verdadeirascausas, ou factores explicativos, encontram-se nos movimentosmigratórios e na estrutura económica e social.

CONCLUSÃO

Um dos resultados mais interessantes que se conseguiu obter com esteestudo foi o de pôr a claro certas tendências que até agora tinham sempreficado mais ou menos obscuras. A inexistência dum método adequadolevava-nos sempre a ter de basear os estudos regionais da fecundidadenas taxas brutas, que, como se sabe, são medidas muito rudimentaires,porque, antes de mais, não eliminam os efeitos de estrutura.

A utilização de gráficos de desvios permite-nos adivinhar a posiçãodos indicadores da região sul em relação à média do País e, assim, ter uma

Obra citada na nota 16. 61

ideia da variância dos valores entre as regiões. A utilização da últimasérie de gráficos (vn a x) permite-nos acompanhar por distritos como seproduziu entre nós a baixa da fecundidade.

É realmente notória a homogeneidade que se encontra em todos osdistritos da região sul. Em todos eles temos:

a) lg e lt têm uma evolução paralela, o que significa que, na regiãoanalisada, a fecundidade legítima é uma óptima medida da evolu-ção da fecundidade geral;

b) O declínio de lg e It começou por volta de 1911, lento numa pri-meira fase, mais acelerado numa segunda (por volta da décadade 1930) e mostrando tendência para uma certa paragem nos últi-mos anos. Se fizermos o mesmo tipo de observação servindo-nosde taxas brutas, o declínio só se manifesta a partir de 1930, o quequer dizer que os efeitos de estrutura neutralizam o nosso modeloda fecundidade por um período de quase vinte anos;

c) Se os desvios lg e It são positivos em relação aos valores de Por-tugal, atingindo variâncias enormes a partir da década de 1920,isto significa que a região sul se encontra em total oposição àsoutras regiões do País. Esta região, tão fracamente povoada, encon-tra-se submetida a um processo de baixa da natalidade que se nosafigura muito perigoso pelos seus efeitos na evolução da estruturapopulacional;

d) A emigração não parece ser um factor relevante para explicar talfacto, nem as variáveis tradicionais que se tem provado terem pro-fundos efeitos na baixa da fecundidade: urbanização, desenvolvi-mento económico, etc;

é) Só o estudo das relações entre as variáveis sociais e demográficasnos poderá ajudar a determinar quais os factores que são respon-sáveis pela baixa da fecundidade, para assim sabermos onde inter-vir se queremos evitar que o «celeiro de Portugal» se transformeno «deserto de Portugal» ou no «asilo de Portugal».

62

[GRÁFICO VII] A fecundidade no distrito de Faro

Legenda

—••— Ig (fecundidade legítima)

If (fecundidade geral)

—o— Ih (fecundidade ilegítima)

1690 19OO 1911 1920 193O 1940 1950 1960 1970

[GRÁFICO VIIIJ A fecundidade no distrito de Évora

Legenda

Ig (fecundidade legítima)

If (fecundidade geral)

Ih (fecundidade ilegítima)

1890 19OO 1911 1920 1930 1940 1950 1960 1970

[GRÁFICO IX] A fecundidade no distrito de Beja

Legenda

—«^ Ig (fecundidade legítima)

li (fecundidade geral)

—c— Ih (fecundidade ilegítima)

169O 19OO 1920 1930 1940 1960 1970

[GRÁFICO X] A fecundidade no distrito de Portalegre

Legenda

Ig (fecundidade legítima)

If (fecundidade geral)

In (fecundidade ilegítima)

1890 1900 1911 1920 1930 1940 1950 1960 1970